Um podcast que marca o ritmo da vida, através da liturgia dominical.
Escutando a primeira leitura da profecia de Amós e o Evangelho, percebemos que ambas apresentam um conflito social. De um lado, os ricos, que viviam muitíssimo bem, sem faltar nada, usufruindo de todos os prazeres; do outro, os pobres esquecidos. Em Amós, denuncia-se que os ricos não se afligiam com a ruína de José. No Evangelho, vemos Lázaro mendigar à porta do homem rico sem que este se compadecesse. O fim de ambos é claro: os ricos da leitura foram os primeiros a ser exilados; o homem do Evangelho acabou na perdição.Isto poderia parecer uma condenação da riqueza e um elogio da miséria, mas não é assim. O problema não estava em serem ricos, mas em viverem tranquilos e indiferentes, ignorando os que não tinham o mínimo para viver. O pecado foi não se preocuparem, não ajudarem.E aqui podemos perguntar: afinal, para que serve a Igreja? A Lumen Gentium diz: para ser sacramento universal de salvação. Concretiza-se em três eixos: evangelizar, louvar e cuidar dos pobres.· Evangelizar – anunciar a Boa Nova, propor um projeto de vida mais autêntico, pleno e verdadeiro.· Louvar – a liturgia comunitária, mas também a liturgia doméstica: oração pessoal, em família, recitação do terço, bênção das refeições. Deus não precisa dos nossos louvores, mas nós precisamos de nos deixar moldar pela graça que nos transforma.· Cuidar dos pobres – seguir Jesus implica comprometer-se com a dignidade dos que menos têm.Recordo, da experiência paroquial, como muitas vezes ouvia dizer: “Agora já não há pobres.” É verdade que o Estado Social atenuou necessidades extremas. Contudo, “os pobres sempre os tereis convosco” (cf. Jo 12,8). Sempre haverá alguém mais limitado, mais vulnerável. E o critério de autenticidade da nossa vida cristã é justamente este: cuidar dos pobres, no sentido de ajudar os que têm menos condições do que nós.A pobreza pode ser relativa: os pobres entre nós vivem melhor que muitos povos da Índia, mas isso não nos desobriga. Não podemos pensar: “Tenho o suficiente, não me cabe preocupar-me com os outros.” Isso seria uma visão egoísta e perversa.O mal não está em usufruir dos bens e prazeres da vida – se foram adquiridos com honestidade, são dons de Deus. O mal está em gozar desses bens fechando os olhos a quem não tem as mesmas condições. Por isso, cuidar dos pobres é critério de qualidade da vida cristã.Quem vive o Evangelho compromete-se a construir um mundo mais humano e mais justo, animado pela visão de dignidade que a fé nos inspira. Na liturgia, lugar privilegiado da escuta da Palavra e da celebração dos mistérios, Deus vai “entranhando-se” em nós e moldando-nos como discípulos de Cristo.A maior alegria é encontrá-lo. Quem experimenta a amizade de Jesus sente uma paz e felicidade que nada nem ninguém pode tirar. Daí nasce a evangelização: não por obrigação ou proselitismo, mas porque descobrimos algo tão bom que não conseguimos calar.Todos nós somos chamados a anunciar e testemunhar esta alegria.E termino com uma frase de Miguel Torga, que, apesar de nunca ter dado o salto da fé, era um homem em busca. Ele escreveu: «O que eu dava para me levantar cedo esta manhã, ir à missa, e voltar da igreja com a cara que trazia o meu vizinho!» (segue-se: «Não é que eu tenha verdadeiramente pecados… Queria era sentir-me ligado a um destino extra-biológico…») (“Vila Nova, 16 de Agosto de 1936”, Diário I).Que também sobre nós se possa dizer: “Olha a alegria, olha a paz, olha o entusiasmo dele, porque encontrou Jesus Cristo e fez dele o centro da sua vida.”
XXVI Domingo do Tempo Comum - Evangelho
XXVI Domingo do Tempo Comum - Segunda Leitura
XXVI Domingo do Tempo Comum - Primeira Leitura
Olhando para a Palavra de Deus que hoje nos é proposta, percebemos como o dinheiro e os bens ocupam um lugar central. E é bom que assim seja, porque isso nos ajuda a refletir sobre como orientar a nossa vida, para que seja mais alegre, justa, pacífica e feliz. O dinheiro, entendido não apenas como moeda ou saldo bancário, mas como símbolo do desejo de posse e de segurança, pode facilmente desorientar-nos. Por isso, a liturgia lembra-nos o que é essencial: os valores que orientam a nossa vida determinam se vivemos em paz ou em permanente inquietação.Os bens materiais só encontram pleno sentido quando estão ao serviço do bem comum. Esta categoria da Doutrina Social da Igreja recorda-nos que tudo aquilo que Deus nos concede — desde a criação até aos bens produzidos pela humanidade — é chamado a enriquecer a vida de todos. É escandaloso que alguns tenham tanto e outros nada. Não se trata de igualar tudo: quem investe mais ou se esforça mais terá naturalmente maior retorno. Mas é inadmissível que haja pessoas privadas do mínimo para viver com dignidade. Aí se encontra a dimensão social e política do Evangelho.Alguém poderá dizer: “o padre está a meter-se na política”. E é verdade, se entendermos política como compromisso com a causa comum, com a polis, a cidade. Isso é inescapável para quem crê. Outra coisa são os partidos — aí não cabe ao padre entrar. Mas a política, no sentido mais profundo, é também missão da Igreja. Como recorda São Paulo a Timóteo: “Recomendo que se façam preces e súplicas por todos os homens, pelos reis e autoridades, para que possamos levar uma vida tranquila e pacífica, com piedade e dignidade.”Também hoje, infelizmente, vemos o contrário. Em nome de uma falsa imagem de Deus, justificam-se nacionalismos exacerbados e exclusões, como se a religião pudesse legitimar injustiças. Isso exige de nós discernimento evangélico. O Evangelho deste domingo traz a parábola do administrador infiel. À primeira vista, parece estranho: como pode Jesus elogiar quem foi desonesto? Mas o senhor não o louva pela desonestidade, mas sim pela esperteza. Assim também nós: não podemos viver a fé de forma intimista ou superficial; é preciso gastar inteligência e criatividade para que a fé ilumine e transforme o quotidiano.Não pode ser indiferente a um cristão ver homens e mulheres que trabalham e não conseguem viver com dignidade. Não podemos ignorar imigrantes perseguidos apenas por serem estrangeiros, nem doentes e pobres abandonados. A fé convida-nos a olhar o mundo com os olhos de Deus. É esse olhar que inspirou São Bento Menni a fundar as Irmãs Hospitaleiras: diante de mulheres doentes, desprezadas e sem cuidados, não ficou indiferente; deixou-se mover pelo Evangelho e criou uma obra que permanece até hoje.Nem todos seremos fundadores de grandes instituições. Mas todos podemos viver pequenos gestos diários de acordo com o Evangelho. E devemos estar atentos para não nos deixarmos envenenar pelo imediatismo dos meios de comunicação, que podem ser remédio ou veneno. Usados bem, ajudam-nos a conhecer o mundo; usados mal ou em excesso, intoxicam-nos e fazem-nos perder a esperança.Hoje, celebrando 65 anos de matrimónio de dois amigos, vemos um testemunho luminoso. Num tempo em que tudo é volátil e descartável, a fidelidade vivida ao longo de tantos anos é sinal de esperança. Mostra-nos que somos capazes de construir futuro, se nos deixarmos guiar pelos valores certos e pela graça de Deus. Em nome da comunidade, dou-vos os parabéns e agradeço a vossa fidelidade.
XXV Domingo do Tempo Comum - Segunda Leitura
XXV Domingo do Tempo Comum - Primeira Leitura
Hoje, a liturgia apresenta-nos os paramentos vermelhos.Estamos no Tempo Comum… mas hoje, vigésimo quarto domingo, a cor é vermelha porque celebramos também a festa da Exaltação da Santa Cruz.Em Braga, este nome soa-nos familiar. Logo pensamos na Igreja de Santa Cruz.Mas eu gostava que olhássemos para a cruz não apenas como um nome ou um sinal externo, mas no seu sentido mais profundo: vivencial, existencial.A cruz revela algo de cada um de nós.Diz o Senhor:«Ninguém subiu ao Céu senão aquele que desceu do Céu, o Filho do Homem».Ninguém é salvo sem a oferta de salvação que Deus quis dar.Não é mérito das nossas boas obras… é dom.Um dom que Deus nos oferece, entregando-se por nós no seu Filho.Na cruz, Cristo liberta-nos, cura-nos, transforma-nos.A segunda leitura é clara e belíssima:Cristo, sendo de condição divina, não Se valeu da sua igualdade com Deus.Antes, humilhou-Se.Assumiu a condição de servo, tornando-Se semelhante a nós.Este movimento de Deus é de uma beleza imensa:Ele não rejeita aquilo que somos.Assume-nos, para nos salvar.Na primeira leitura, do Livro dos Números, ouvimos uma história muito significativa.O povo, a caminho da Terra Prometida, começou a desesperar.«Porque nos tiraste do Egito? Para morrermos neste deserto?».E murmuravam contra Deus e contra Moisés.Então o Senhor enviou serpentes venenosas, e muitos morreram.Mas, na verdade, o veneno já tinha começado antes…quando o povo se deixou dominar pelo desespero e pela murmuração.Quantas vezes também nós deixamos escapar palavras que parecem apenas desabafos,mas que envenenam o nosso coraçãoe o coração de quem nos ouve.O povo reconheceu o pecado e pediu a Moisés:«Intercede por nós».E o Senhor disse:«Faz uma serpente de bronze e coloca-a sobre um poste.Quem for mordido e olhar para ela, ficará curado».É interessante: a serpente, sinal de condenação, torna-se aqui sinal de cura.Ainda hoje, em símbolos de farmácia e de medicina, aparece a serpente erguida num bastão.Também nós, muitas vezes, usamos um crucifixo ao pescoço, no carro, em casa.Mas atenção: o crucifixo não é um amuleto para dar sorte.É o sinal do remédio que Deus nos oferece.Olhar para a cruz não é magia.É conversão.É mudar o olhar.É deixar que Cristo cure o nosso coração.Assim como a serpente suspensa no deserto foi remédio de vida para os mordidos,Cristo suspenso na cruz é remédio de salvação para todos os que acreditam.Não precisamos fingir ser outros para que Deus nos ame.É como somos — com fragilidades e feridas — que Ele nos quer salvar.A grande pergunta é:Será que eu gosto de mim o suficiente para acreditar que Deus também gosta de mim?Será que eu confio que o amor de Deus é maior do que as minhas fragilidades?É no nosso lugar concreto, no tempo em que vivemos, que o Senhor nos escolhe e nos salva.Cada um de nós tem sombras, sim… mas também tem luzes.Cristo assumiu tudo isso.Assumiu a nossa condição, para levar luz aos lugares mais tristes e sombrios da nossa vida.Por isso, hoje somos chamados a converter-nos.A olhar para Cristo suspenso na cruz.Não como quem olha apenas para uma morte horrível,mas como quem contempla o sinal do amor levado até ao extremo.O crucifixo mostra-nos o quanto Deus nos ama.Mostra-nos que, apesar das nossas infidelidades, Ele nunca deixa de nos querer salvar.Por isso, cada crucifixo que temos — na igreja, em casa, connosco —não é um talismã, mas um sinal do amor de Deus.Ao olharmos para ele, voltamos o coração para Cristoe encontramos n'Ele a cura e a salvação da nossa vida.
XXIV Dom. Tempo Comum (Santa Cruz) -Evangelho
XXIV Dom. Tempo Comum (Santa Cruz) - Segunda Leitura
XXIV Dom. Tempo Comum (Santa Cruz) - Primeira Leitura
No Evangelho que acabamos de ouvir, o texto está todo enquadrado, digamos assim, entre duas frases:«Se alguém vem ter comigo sem preferir ao pai, à mãe, à esposa, aos filhos... não pode ser meu discípulo.»Depois, Jesus conta a questão da verificação da torre e a questão do rei que encontra outro rei e que, antes de fazer guerra, procura as condições de paz. E conclui assim:«Quem dentre vós não renunciar a todos os seus bens não pode ser meu discípulo.»Pode parecer um bocado a mais... mas é aí que está a exigência da nossa opção livre e consciente por Jesus Cristo. Não é algo que fazemos num momento de euforia, nem de ânimo leve, nem de forma pouco ponderada. É algo amadurecido. É uma opção que dura no tempo, que atravessa diversas fases da vida e que se vai tomando de forma consciente. Não porque me disseram, não porque agora parece bem, mas porque vou fazendo a experiência de ser transformado pelo jeito de Jesus.A primeira leitura, nesse aspeto, é muito elucidativa:«Qual o homem que pode conhecer os desígnios de Deus? Quem pode sondar as intenções do Senhor?»Nós não somos capazes de conhecer os planos de Deus. Mas é Ele quem nos dá sabedoria, quem nos envia o seu Espírito, para conhecermos os seus desígnios.É esta a importância de sentar-se, de considerar, de pensar, de analisar, como dizia Jesus: seremos capazes de construir a torre? Seremos capazes de ganhar a guerra?E, no nosso dia a dia, o que é que o Senhor põe à nossa disposição para que possamos preferi-lo a Ele, e não às riquezas materiais? Para que possamos optar por Jesus acima até da família?Não se trata de escolher entre o pai ou a mãe e Jesus, mas de perceber por que razão optamos por Cristo, mesmo quando Ele usa palavras tão radicais:«Quem não toma a sua cruz para me seguir não pode ser meu discípulo.»Muitas vezes ouvimos esta frase como se fosse: “aguenta, sofre, porque também Ele sofreu”. Mas não é isso. O sentido é: quem não toma a sua vida na totalidade, com tudo o que a vida envolve, não pode ser discípulo. Não é possível seguir Jesus apenas em alguns aspetos. Ou somos discípulos em tudo, ou não somos.Ser discípulo implica assumir a vida inteira: o que ela tem de leve, de festivo, de prazenteiro — que é fácil —, mas também o que ela tem de difícil, de fracasso, de doloroso — que é a parte mais exigente. É aí que se nota a qualidade da nossa opção por Cristo.Como cristãos, não ignoramos os aspetos difíceis da vida. Antes, vivemo-los unidos ao Senhor. Quando a vida se apresenta como trevas sem esperança, é Ele quem a transforma em lugar de luz e de esperança. Sim, há sofrimento e há dor, mas vividos com Cristo deixam de ser um beco sem saída.Estar unidos a Cristo reconfigura a nossa própria vida e o mundo em que vivemos.E aqui entra a segunda leitura: São Paulo escreve a Filémon, num contexto muito concreto e difícil. Estava preso, e diz que “gerou um filho na prisão”: Onésimo. Filémon tinha este escravo. Onésimo fugira e desaparecera. Entretanto, converte-se ao cristianismo.Paulo podia simplesmente devolvê-lo, segundo a lei civil, como escravo. Mas não. Ele pede a Filémon que o receba não já como escravo, mas como irmão em Cristo. Embora a lei o considerasse propriedade, a fé fazia dele um irmão.Isto gera uma nova forma de relação, uma nova forma de nos entendermos a nós próprios e de nos relacionarmos com os outros. Filémon não perdeu um escravo: ganhou um irmão.A pergunta que nos fica é esta:Seguir Jesus Cristo, para nós, implica a totalidade da vida?E, se sim, que relações concretas já foram convertidas pelo Senhor na nossa vida?Na forma como nos relacionamos connosco mesmos, com os outros, com o mundo e com Deus?
XXIII Domingo do Tempo Comum - Evangelho
XXIII Domingo do Tempo Comum - Segunda Leitura
XXIII Domingo do Tempo Comum - Primeira Leitura
O Evangelho que escutámos — em continuidade com a primeira leitura — convida-nos a refletir sobre um dos valores fundamentais da vida cristã: a humildade. Trata-se de um valor central, orientador da existência, mas que, tantas vezes, pode ser mal-entendido ou até adulterado.A primeira leitura, retirada do livro de Ben-Sirá, escrito cerca de dois séculos antes do nascimento de Jesus, situa-se num contexto em que o território judaico começava a ser dominado cultural e politicamente pelos gregos. O autor sagrado contrapõe, então, a mentalidade helénica — que valorizava o prestígio, a honra e o destaque social — àquilo que ele considera ser a atitude correta. Diz: «Filho, em todas as tuas obras procede com humildade e serás mais estimado que um homem generoso» (Sir 3,17).Ora, é preciso perceber bem o que significa humildade. Humildade não é uma “estratégia social”, como muitas vezes se entende: aquele “fazer de conta” que não sabemos nada, que não temos nada a dizer, apenas para agradar ou, como se diz no povo, “para saber viver”. Isso não é humildade.Humildade é verdade. Humildade é o húmus que dá nutrientes à vida. É reconhecer que tudo o que temos e somos vem de Deus e dos irmãos. Diante de Deus não sou mais do que ninguém; diante dos irmãos, não me coloco acima deles. Claro que, social e economicamente, existem diferenças — não vale a pena “tapar o sol com a peneira”. Mas ninguém é tão poderoso que não precise de nada nem de ninguém. Basta pensar no nosso dia de hoje: a roupa que vestimos, a comida que comemos, o transporte que usamos, tudo isso só é possível porque outros providenciaram. Do mesmo modo, não há ninguém tão pobre, tão limitado, que não possa dar alguma coisa.Humildade é, por isso, gratidão. E da gratidão nasce a partilha, a disponibilidade, o serviço, o colocar o que tenho e o que sou ao serviço dos outros, com liberdade e generosidade, sabendo que tudo é dom de Deus.Jesus, no Evangelho, adverte contra a tentação de procurarmos os primeiros lugares e de vivermos em função da recompensa social. Convida-nos, antes, a agir com desprendimento: quando fizeres um almoço, não convides apenas os amigos ou vizinhos ricos — porque eles retribuirão. Convida, antes, os pobres, os aleijados, os excluídos, porque esses não te podem retribuir. E é precisamente aí que se revela a autenticidade da humildade.Mas coloca-se uma questão: como podemos ser humildes? Que mecanismos nos ajudam a viver a humildade?A primeira condição é termos feito a experiência de felicidade que vem de Deus. Nós não acreditamos apenas por uma doutrina ou por uma ética, mas porque fizemos o encontro com Jesus Cristo — encontro que, como recordava Bento XVI, está no centro da fé cristã. Esse encontro dá-nos paz, alegria e sentido.Assim, viver a humildade não é esperar um prémio futuro, nem viver com medo de castigos. É já experimentar aqui e agora a recompensa: a paz, a serenidade, a alegria que vêm de Deus. A verdadeira recompensa não é apenas “no fim da vida”: já começa hoje, quando vivemos segundo os valores do Reino.Por isso, o desafio desta semana é este: estejamos atentos às tentações que surgem — querer o destaque, o reconhecimento, o benefício pessoal — e, em cada uma dessas situações, tomemos uma decisão a partir dos valores do Evangelho.Que cada um de nós possa escolher a humildade, não como fraqueza, mas como verdade, gratidão e liberdade. E que assim possamos celebrar e viver a nossa fé em comunhão com Deus e com os irmãos.
XXII Domingo do Tempo Comum - Evangelho
XXII Domingo do Tempo Comum - Segunda Leitura
XXII Domingo do Tempo Comum - Primeira Leitura
XXI Domingo do Tempo Comum - Evangelho
XXI Domingo do Tempo Comum - Segubda Leitura
XXI Domingo do Tempo Comum - Primeira Leitura
O Evangelho que acabámos de ouvir, à primeira leitura, parece tudo menos “Boa-Nova”. Jesus Cristo diz: “Vim trazer o fogo à terra e como gostaria que já estivesse a arder!” E, mais adiante, afirma que não veio trazer a paz, mas a divisão: “estarão três contra dois e dois contra três; pai contra filho e filho contra pai”. Em tempo de vaga de incêndios, estas palavras perturbam-nos e soam, à primeira vista, ao contrário do resto da mensagem de Deus.Se olharmos bem, percebemos que o fogo é um símbolo riquíssimo. Primeiro, o fogo ilumina. Dizer que Jesus veio trazer o fogo à terra é dizer que Ele veio trazer luz: ajudar-nos a ver com verdade e de modo realista como as coisas são — não apenas o que são, mas também aquilo em que podem tornar-se. Com o olhar iluminado pela luz de Cristo, passamos a ver o mundo com esperança e com horizontes mais amplos.Mas o fogo é também purificador. Purifica os metais; renova os ambientes; as queimadas, feitas no tempo certo, preparam a terra para colheitas mais férteis. Simbolicamente, este fogo de Deus convida-nos a queimar o que está a mais: aquilo que nos impede de viver em comunhão com o Senhor; o que é velho e desumaniza; tudo o que nos trava no caminho de discípulos de Jesus Cristo — o egoísmo, a inveja, a discórdia. Queimar o egoísmo para que nasça em nós a paz, a harmonia, a generosidade e a alegria que só Deus pode dar.Quando nos deixamos iluminar e transformar por Deus, é normal encontrarmos resistências — muitas vezes onde menos esperamos: em casa, na família, entre amigos. Foi o que aconteceu, na primeira leitura, com Jeremias: acusaram-no de desanimar o povo quando, na verdade, proclamava palavras de fogo que iluminavam a verdade da vida e queimavam o que não estava conforme os planos de Deus.Atenção: o Senhor não quer que vivamos desavindos, nem nos convida a procurar conflitos. A “divisão” de que fala é a consequência de seguirmos Jesus com verdade. Ao escolhermos o Evangelho, opomo-nos ao que está errado, vivemos de modo diferente daquele que o “mundo” propõe, e isso gera tensões. Jesus “traz divisão” apenas no sentido de estabelecer uma fronteira entre o que nos aproxima do amor de Deus e o que nos afasta dele.Este fogo é libertador. Pensemos na nossa experiência: quantas vezes, diante de um bem maior, sentimos arrependimento — um ardor interior que nos queima por dentro e nos faz desejar nunca mais repetir o erro? É este o fogo purificador de que falamos: o fogo que é dom do Espírito Santo.Por isso, enquanto caminhamos nesta terra como discípulos de Jesus Cristo, peçamos ao Senhor que nos ilumine, nos purifique e nos liberte.
XX Domingo do Tempo Comum - Evangelho
XX Domingo do Tempo Comum - Segunda Leitura
Vivemos num país de velha cristandade. Há séculos que o Evangelho molda a nossa cultura, a nossa história e até a nossa maneira de falar. Por isso, muitos dos textos que escutamos na liturgia soam-nos familiares. Contudo, essa familiaridade pode esconder um risco: o de interpretar certas passagens de forma desajustada ao seu verdadeiro sentido na Sagrada Escritura.Um exemplo claro é o tema da vigilância. No Evangelho de hoje, Jesus convida-nos a estar preparados, pois “não sabeis a hora em que o Senhor virá”. E, contudo, quantas vezes essa vigilância foi entendida como um medo constante, como se Deus fosse um juiz implacável, pronto a surpreender-nos na primeira distração, para nos castigar. Ou como se a frase “a quem muito foi dado, muito será pedido” fosse uma ameaça e não um convite à responsabilidade.É verdade que estas ideias estão enraizadas na nossa mentalidade. Mas o Evangelho de hoje convida-nos a um reajuste. Ele começa com uma frase que deveria iluminar todo o resto: “Não temais, pequenino rebanho, porque aprouve ao vosso Pai dar-vos o Reino.” Esta é a chave: não temer, porque Deus — gratuitamente, sem que tivéssemos mérito — nos oferece o Seu Reino.A partir desta certeza, Jesus convida-nos a fixar o coração no que é eterno: “Fazei bolsas que não envelheçam… onde estiver o vosso tesouro, aí estará o vosso coração.” O tesouro verdadeiro é o Reino de Deus.O Evangelho é, assim, um apelo constante ao discernimento: ver os sinais de Deus na nossa vida, reconhecer a Sua presença no meio do nosso quotidiano. Esta é a atitude natural de quem vive pela fé. Como recorda a Carta aos Hebreus, “a fé é a garantia dos bens que se esperam e a certeza das realidades que não se veem”. Pela fé, temos a certeza de que Deus cumpre as Suas promessas.A primeira leitura, do Livro da Sabedoria, evoca a noite da libertação do Egito. O Êxodo não foi apenas uma saída geográfica: foi o nascimento de um povo, o Povo de Deus. Também nós, pelo Batismo, somos Povo de Deus. Mas o que caracteriza este povo? A vida teologal: fé, esperança e caridade. Virtudes inseparáveis, que se iluminam mutuamente.Pela fé, acreditamos que Deus nos oferece o Seu Reino. Pela esperança, mantemo-nos atentos, sabendo que a promessa se cumprirá. Pela caridade, vivemos e agimos segundo os critérios de Deus, amando como Cristo amou.Estes sinais de Deus não são fruto da nossa imaginação: são concretizações vividas, em sintonia com a Palavra. E a Palavra não é apenas um texto para ler em casa; ela vive e atua na liturgia. Como afirmou Bento XVI, “o lugar privilegiado para escutar a Palavra de Deus é a liturgia”. É nela que a ouvimos e vemos atuar em plenitude. Com o coração moldado pela liturgia, aprendemos a reconhecer a presença de Deus na vida de todos os dias.E aqui voltamos ao início: “Não temais, pequenino rebanho, porque aprouve ao vosso Pai dar-vos o Reino.” Quem acredita, espera; e quem espera, age. Esperar o Reino não é cruzar os braços: é viver de forma ativa, segundo a lei da caridade.O exemplo de Abraão, recordado na Carta aos Hebreus, é paradigmático. Ele acreditou contra toda a esperança, acolheu os três forasteiros — que eram o próprio Deus — e recebeu a promessa de um filho, que parecia humanamente impossível.Hoje, a Palavra de Deus recorda-nos que a vida cristã não é feita de uma só atitude, mas da unidade inseparável entre fé, esperança e caridade. Em certos momentos, uma destas virtudes pode ter mais relevo, mas todas são necessárias para que a nossa relação com Deus seja plena.Se acreditamos, esperamos; se esperamos, amamos; e, amando, damos testemunho. É este o caminho do discípulo: viver cada dia como homens e mulheres de fé, de esperança e de caridade, até que o Reino que já nos foi dado brilhe em toda a sua plenitude.
XIX Domingo do Tempo Comum - Evangelho
XIX Domingo do Tempo Comum - Segunda Leitura
XIX Domingo do Tempo Comum - Primeira Leitura
Ao escutarmos Jesus falar desta forma sobre os bens que podemos possuir, lembramo-nos logo da primeira leitura, do livro de Qohelet: “Vaidade das vaidades, tudo é vaidade.” Quantas vezes repetimos essa frase! Quem trabalha com sabedoria, ciência e êxito tem, no final, de deixar tudo a quem nada fez. Que proveito tira o homem de todo o seu esforço debaixo do sol?Estas passagens podem ser interpretadas erradamente como um desprezo por quem trabalha com afinco e alcança algo com o seu suor. Não é disso que se trata. A Escritura fala-nos da “vaidade” — o desejo de parecer o que não se é, construindo uma imagem vazia de significado. O problema surge quando deixamos que essa vaidade nos afaste de Deus, que quer preencher a nossa vida com a sua verdade e santidade.Vemos, então, no Evangelho, uma situação intemporal: dois irmãos que discutem a herança. Para justificar o facto de não querer ser árbitro daquela disputa, Jesus conta a história do homem cuja terra deu excelente colheita. O seu erro não foi o trabalho nem a colheita abundante; foi pensar apenas em si. Derrubou os celeiros para fazer outros maiores, guardou tudo e proclamou: “Descansa, come, bebe, regala-te.” Nada de gratidão ou partilha; apenas avareza.A avareza é parente próxima da vaidade. Se, pela vaidade, procuramos esconder o vazio interior com aparências, pela avareza tentamos preenchê-lo acumulando coisas. Em ambos os casos, continuamos vazios, porque só nos tornamos verdadeiramente ricos quando deixamos Deus transformar o nosso coração.O apóstolo Paulo exorta: “Aspirai às coisas do alto.” Isto não significa desprezar o mundo nem abandonar o trabalho. Significa trabalhar, colher fruto e, acima de tudo, receber tudo com gratidão, oferecendo-nos em generosidade. Quando Deus habita o nosso coração, a prosperidade torna-se lugar de partilha: não pensamos senão em ser, para os outros, aquilo que Deus foi para nós.Por isso rezámos no salmo responsorial: “Senhor, Vós tendes sido o nosso refúgio através das gerações.” Somos ricos ou pobres não conforme os bens que temos, mas conforme o estilo com que vivemos cada situação.Peçamos, então, ao Senhor que nos conceda prosperidade e sucesso — mas antes disso, um coração harmonizado com a sua vontade. Que saibamos agradecer, partilhar e servir. Assim, mesmo no auge da abundância, não sentiremos vazio; Cristo habitará em nós, e a nossa vida será um refúgio onde muitos poderão encontrar o amor de Deus.
XVIII Domingo do Tempo Comum - Evangelho
XVIII Domingo do Tempo Comum - Segunda Leitura
XVIII Domingo do Tempo Comum - Primeira Leitura
Depois de escutarmos o Evangelho e a Primeira Leitura, o tema que sobressai é o da oração. Muitas vezes entendemos a oração como petição, como um pedir a Deus. E de facto, no nosso dia-a-dia, muitas das nossas orações são pedidos que fazemos a Jesus.Por isso, é tão importante o modo como Jesus ensina os discípulos a orar. Quando eles dizem “Senhor, ensina-nos a orar”, qual é a primeira palavra que Jesus pronuncia? “Pai”. A oração cristã começa sempre por aí: reconhecer que temos um Pai, que somos filhos, que entramos na relação filial que Jesus tinha com Deus.Ao rezar o Pai-Nosso, entramos na comunhão de amor que Deus é. Este é o primeiro sentido da oração: saborear essa relação. Rezar é mergulhar nessa comunhão. E isso é transformador, é isso que converte.A oração não é uma obrigação nem um sacrifício. É um dom. É um luxo espiritual. É algo de bom, de saboroso, porque nos põe em contacto com o amor de Deus. Rezar é usufruir da graça de poder estar com Ele. Mesmo que nem sempre seja fácil ou imediato, a oração alimenta a nossa alma.Claro que, na oração, também desabafamos. Como fazemos com um amigo, falamos com Jesus sobre o que nos inquieta, o que nos entristece, o que desejávamos que fosse diferente. Mas a oração não é um negócio: “se me deres, eu dou-te”. É um diálogo amoroso. É colocar as nossas necessidades nas mãos de Deus, com confiança, e deixar que Ele nos transforme, nos converta e nos ensine a ver a vida com o olhar d'Ele.É por isso que é tão importante apresentar a Deus as nossas preocupações, mas também deixarmo-nos formar por Ele. Deixá-Lo moldar o nosso coração, purificar os nossos desejos, dar-nos paz mesmo quando as coisas não mudam por fora.Hoje, vemos crescer uma falsa espiritualidade — a chamada “teologia da prosperidade” — que diz: se fores bom, generoso, tudo te correrá bem. E se estás mal, é porque fizeste algo errado. Isto é um engano perigoso. Deus não nos castiga. Deus ama-nos. E, mesmo quando falhamos, a nossa dívida foi anulada por Cristo na cruz. A cruz não é sinal de castigo, mas de amor. Olhamos para o crucifixo para nos lembrarmos disso.Sofremos porque somos limitados. Não porque somos maus. O sofrimento faz parte da nossa condição humana. Só Deus é infinito. Nós somos pequenos, frágeis. E é na oração que encontramos consolo, luz e força para viver com sentido.A Primeira Leitura mostra-nos Abraão, que parece estar a negociar com Deus, como num mercado. Mas na verdade, ele está a descobrir um Deus profundamente misericordioso. Começa com 50 justos, acaba com 10, e Deus responde sempre: “Não destruirei.” Basta um gesto, um justo, um desejo de salvação, e Deus mostra a Sua infinita misericórdia.Por isso cantamos: “Quando vos invoco, sempre me atendeis, Senhor.” Sim, Deus atende-nos. Não apenas porque ouve, mas porque nos molda. Ensina-nos a desejar o que é bom, a valorizar o que temos, a discernir o que é verdadeiramente necessário.Neste domingo, convido-vos — e convido-me — a rezarmos o Pai-Nosso com mais atenção. Devagar. Pensando no que estamos a dizer. Porque, ao rezarmos o Pai-Nosso, estamos a aprender a rezar como Jesus: confiando, louvando, abrindo o coração, recebendo de Deus tudo o que Ele tem para nos dar.Rezar é saborear o amor de Deus.
XVII Domingo do Tempo Comum - Evangelho
XVII Domingo do Tempo Comum - Segunda Leitura
XVII Domingo do Tempo Comum - Primeira Leitura
No Salmo responsorial de hoje, cantávamos e perguntávamos: "Senhor, quem habitará em Vossa casa?". É um apelo para compreendermos o que significa viver de acordo com os ensinamentos de Deus. Essa resposta encontra-se nas leituras bíblicas, começando pelo Evangelho, onde vemos Marta e Maria a acolher Jesus.Marta está preocupada com muitos afazeres para bem receber o Mestre, enquanto Maria se senta aos pés de Jesus para escutar a Sua palavra. Marta, incomodada, queixa-se ao Senhor, pedindo que Ele repreenda a irmã. Jesus, porém, não a censura por estar ocupada, mas por andar inquieta e preocupada com muitas coisas, lembrando-lhe que "uma só é necessária" e que Maria escolheu a melhor parte.Este episódio traz-nos um ensinamento importante: vivemos numa sociedade cheia de compromissos, tarefas e distrações que nos afastam do essencial. Podemos estar muito ocupados, mas ainda assim espiritualmente vazios, se não tivermos o foco em Jesus. O Evangelho não valoriza a passividade, mas sim a capacidade de agir com serenidade e com o coração centrado no essencial.A primeira leitura, com a figura de Abraão, reforça esta lição. Ele estava tranquilamente sentado à porta da tenda quando vê três forasteiros e corre para os acolher. Oferece-lhes água e alimento, interrompendo o seu descanso. Mais tarde, um dos forasteiros revela que Sara, sua esposa estéril, terá um filho — sinal de que Deus Se manifestou através daquele gesto de hospitalidade. Abraão mostra-nos que, mesmo no descanso, é possível estar atento à presença de Deus nos outros.O essencial não está em fazer muito, mas em fazer com sentido e com espírito de acolhimento. Quantas vezes realizamos múltiplas tarefas sem nos darmos conta de que estamos a servir a Deus? Como disse Jesus:“Tudo o que fizerdes a um dos meus irmãos mais pequeninos, a Mim o fizestes.”A segunda leitura, da Carta de São Paulo aos Colossenses, aprofunda esta lógica:“Alegro-me nos sofrimentos que suporto por vós e completo na minha carne o que falta à Paixão de Cristo.”Este aparente paradoxo revela que, ao vivermos as nossas dores e sacrifícios unidos a Cristo, tornamo-nos participantes do Seu mistério redentor. A Paixão de Cristo foi plena, mas torna-se completa em nós quando unimos a nossa vida à d'Ele.É esse o desafio: harmonizar todas as dimensões da nossa vida — pessoal, familiar, profissional e espiritual — em torno do essencial, que é Cristo. Quando assim vivemos, mesmo as ações mais simples se tornam espaço de encontro com Deus.Não se trata de opor ação a contemplação, mas de encontrar uma síntese entre ambas. Não é uma questão de fazer muito ou pouco, mas de viver com profundidade e sentido espiritual aquilo que fazemos.Se estivermos centrados em Jesus, tudo ganha novo significado: os sofrimentos tornam-se ofertas, as tarefas tornam-se serviço, a vida torna-se espaço de graça.E tal como aconteceu com Abraão, Deus visita-nos quando estamos atentos aos outros. A verdadeira fecundidade da vida — simbolizada pelo nascimento do filho prometido a Sara — nasce quando vivemos centrados no essencial, com o coração disponível para acolher Deus que passa, frequentemente, disfarçado na figura dos nossos irmãos.
XVI Domingo do Tempo Comum - Evangelho
XVI Domingo do Tempo Comum - Segunda Leitura
XVI Domingo do Tempo Comum - Primeira Leitura
A leitura da Epístola aos Colossenses marca o início de umasecção que vamos ouvir nos próximos domingos, centrada na identidade de Jesus.Quem é Jesus?São Paulo afirma que Cristo é a imagem do Deus invisível, oprimogénito de todas as criaturas, pois “nele foram criadas todas as coisas”.Chamar-Lhe “imagem do Deus invisível” parece contraditório. Mas aqui, “imagem”significa revelação da identidade: aquilo que torna claro o que é complexo.Ver Jesus é imitá-Lo: viver como Ele, amar como Ele. Esta éa plenitude dos mandamentos.Na primeira leitura, do Deuteronómio, Moisés diz:“Escutarás a voz do Senhor teu Deus, cumprindo os seus mandamentos, econverter-te-ás a Ele com todo o teu coração e com toda a tua alma.”Eis o centro da conversão: entregar todo o ser a Deus. Istoganha ainda mais sentido quando recordamos que o Papa Francisco nos ofereceuuma encíclica sobre o Sagrado Coração de Jesus (Praedica Evangelium),dizendo: “Dixit nobis: amou-nos.” Já Pio XI também escrevera sobre a água vivaque brota do coração de Cristo.O coração de Cristo é o centro da sua vida — e isso não éestranho para nós: o Deuteronómio lembra que os mandamentos não estão longe —estão próximos, dentro de nós, no coração.Escutar a voz do Senhor é um escutar ativo: ouvir parapraticar. Só se compreende verdadeiramente quando se vive. Não se trata deinteligência, mas de conversão: o coração convertido vê o essencial e reconheceDeus.Neste horizonte, o evangelho torna-se mais claro.Apresenta-nos duas formas de viver a fé: uma religião formalista, legalista,ritualista, centrada em normas; e a fé que transforma o coração, cumprindo omandamento de se converter ao Senhor com todo o ser.A pergunta do doutor da Lei é clara:— “Mestre, que hei de fazer para receber a vida eterna?”Jesus devolve:— “Que está escrito na Lei?”E ele responde: “Amarás o Senhor… e ao próximo como a ti mesmo.”Jesus confirma:— “Faz isso e viverás.”Mas o doutor insiste:— “E quem é o meu próximo?”Jesus responde com a parábola do bom samaritano. Um homem éespancado e abandonado. Um sacerdote passa — e desvia-se. Um levita também.Provavelmente, por temor da impureza ritual. A norma era mais importante do quea vida.Mas vem um samaritano — tido como herético, impuro. E é eleque se aproxima, cuida, trata, paga, assume a responsabilidade. Jesus pergunta:— “Quem foi o próximo daquele homem?”O próximo não é quem está ao lado.O próximo é aquele de quem nos aproximamos.Não é uma casualidade. É uma escolha. Eu escolhoaproximar-me. Escolho comprometer-me. Escolho importar-me.Esta é a diferença entre uma fé exterior e uma fé que amapor dentro. Não se trata de fazer o que me calha, mas o que escolho fazer poramor.Cumprir a Lei é viver uma experiência de salvação. Quandonos gastamos pelos outros, somos nós os beneficiados. Quando amamos por amor deDeus, Deus cura-nos, liberta-nos, salva-nos.Assim, a grande questão é:— Que tipo de fé queremos viver?Uma fé estruturada, mas fria? Ou uma fé vivida, relacional,que toca, transforma e salva?
XV Domingo do Tempo Comum - Evangelho
XV Domingo do Tempo Comum - Segunda Leitura
XV Domingo do Tempo Comum - Primeira Leitura
Ao escutarmos a primeira leitura do livro de Isaías — "Farei correr para Jerusalém a paz como um rio, e a riqueza das nações como uma torrente transbordante" — percebemos que, desde o Antigo Testamento, o Senhor nos propõe a vida em Cristo como uma vida de paz.É significativo notar que, nas aparições do Ressuscitado, a saudação de Jesus é sempre: "A paz esteja convosco." E é essa paz que o Senhor envia os seus discípulos a levar: "Quando entrares numa casa, dizei primeiro: paz a esta casa."Se há uma marca distintiva do cristão, é ser homem ou mulher de paz. Mas paz não é apenas ausência de conflito. É uma harmonia interior: connosco, com os outros, com Deus. É essa harmonia que nos permite olhar o mundo com esperança, sem ignorar as dificuldades, mas confiando no que o Senhor nos oferece: a paz.Esta paz não nasce do esforço humano. Naturalmente, tendemos mais ao conflito do que à serenidade. Quando se tenta estabelecer paz só por meios humanos, muitas vezes recorre-se à força para silenciar os conflitos. Mas a paz verdadeira só é possível depois de experimentarmos a salvação. Só quando sabemos que os nossos nomes estão escritos no céu, que pertencemos a Cristo e que Ele é o sentido da nossa existência, é que podemos acolher a paz que a Escritura anuncia.São Paulo diz: “De nada vale ser circuncidado ou não. O que importa é ser nova criatura.” A salvação é um dom, não algo que conquistamos. Recebemo-la quando vivemos segundo a lógica do Reino. E é essa lógica que Jesus propõe ao enviar os 72 discípulos: “Curai os enfermos e dizei-lhes: está perto de vós o Reino de Deus.”A paz constrói-se pelo cuidado e pelo anúncio do Reino. Cuidar não é apenas dar comida, higiene ou medicação. É mais profundo: é ser presença que desperta sentido e esperança. É mostrar ao outro que não está sozinho, que há um horizonte para além da dor.Sabemos, por experiência, que mesmo em situações difíceis, podemos viver com esperança. Essa esperança não elimina as noites da vida, mas ilumina-as. Dá-nos força para caminhar e serenidade para enfrentar os dias, porque nos sabemos em comunhão com Jesus.Por isso, ser anunciador de Cristo começa por deixar-se transformar pela esperança. Quando Jesus diz “Pedi ao Senhor da messe que envie trabalhadores”, refere-se também a todos os batizados. Todos somos enviados como construtores do Reino, portadores de esperança.Não somos medidos pelo que fazemos ou pelo sucesso que alcançamos, mas por estarmos ou não mais próximos de Jesus. Santa Isabel de Portugal, cuja memória celebrámos, é exemplo disso. Atribui-se-lhe uma frase inspiradora: “Ao cuidar dos outros, cuidou das suas próprias feridas.” Viveu dificuldades familiares e pessoais, mas foi construtora de paz e esperança, cuidando dos pobres e sofrendo com eles.Também nós experimentamos que, ao cuidar do outro, muitas vezes estamos a curar algo em nós mesmos. Por isso, vale a pena parar um pouco, em silêncio, e perguntar: que feridas carrego? Como é que o Senhor é bálsamo para elas?Como é que, na nossa vida concreta, com os nossos limites e imperfeições, o Senhor nos devolve a paz, a esperança e a alegria de viver?
XIV Domingo do Tempo Comum - Evangelho
XIV Domingo do Tempo Comum - Secunda Leitura