Um podcast que marca o ritmo da vida, através da liturgia dominical.

Ao aproximar-nos do final do ano litúrgico, a Palavra de Deus oferece-nos textos de tonalidade apocalíptica que, à primeira leitura, podem assustar-nos. Parece que tudo piora: guerras, perseguições, catástrofes. Mas, se escutamos com atenção, percebemos a mensagem contrária: apesar de todas as tribulações, Deus triunfará. A primeira leitura fala-nos desse “sol de justiça, trazendo nos seus raios a salvação”; o Evangelho confirma que, no meio do que treme e desaba, o Senhor permanece fiel. Para aqueles que se deixam iluminar e aquecer por Jesus, há salvação, há futuro, há vida eterna.É aqui que aparece a palavra “esperança”, que tantas vezes usamos sem perceber bem o que significa. A esperança na vida eterna pode tornar-se confusa se a reduzirmos a uma ideia. Posso formar na minha cabeça uma imagem da vida eterna, a partir de histórias que ouvi ou li, e depois limitar-me a esperar que isso aconteça. Mas, muitas vezes, o que chamamos esperança mistura-se com um sentimento muito parecido: o medo. Também o medo nasce de um futuro imaginado; só que, em vez de desejar que aconteça, tremo com a possibilidade de que venha a acontecer. A diferença entre esperança e medo não está no mecanismo interior, mas no conteúdo daquilo que projeto.A segunda leitura, da carta de São Paulo aos Tessalonicenses, mostra um modo errado de viver a esperança. Alguns cristãos, convencidos de que a vinda do Senhor era iminente, concluíram que já não valia a pena trabalhar nem assumir responsabilidades. “Se o fim está próximo, para quê cansar-me?”, pensavam. É a caricatura de uma esperança desligada da vida concreta: uma espiritualidade que olha para o céu e esquece a terra, que fala de eternidade, mas foge das tarefas de cada dia. Paulo reage com firmeza: quem não quer trabalhar, também não coma. A verdadeira esperança não desobriga da responsabilidade; torna-nos mais atentos e fiéis no pouco de cada dia.Talvez ajude distinguir entre esperança e desejo. A esperança pode ficar só na cabeça, como ideia que me agrada. O desejo nasce da vida: das experiências, dos encontros, das feridas e alegrias onde vou reconhecendo a passagem de Deus. Eu posso simplesmente esperar que o autocarro chegue; nada depende de mim, limito-me a aguardar. Mas, se desejo encontrar alguém que vem nesse autocarro, a minha espera muda: fico inquieto, atento, desinstalado. O desejo mobiliza o corpo, o tempo e as decisões.Também na fé não basta “esperar” a vida eterna como quem faz contas a um prémio futuro. Somos convidados a desejar a vida eterna, isto é, a deixar que ela se torne força viva no presente. Quando a desejo não apenas porque me falaram dela, mas porque, na luz da Palavra, reconheço que é boa, começo a viver de modo diferente. Procuro que essa vida de Deus cresça em mim e nos outros. A esperança deixa então de ser projeção futura e torna-se confiança ativa, que inspira escolhas concretas.Assim descobrimos algo decisivo: a vida eterna já começou. Não nasce no momento da morte; começa agora, cada vez que acolhemos o amor de Deus e o deixamos transformar o nosso modo de pensar, sentir e agir. Aqui, no tempo frágil, a vida eterna manifesta-se em “centelhas de eternidade”: momentos de graça e alegria em que nos sentimos habitados por um amor maior do que nós. São pequenos sinais de que o “sol de justiça” já se ergueu sobre nós e nos envolve com os seus raios de salvação.Celebramos hoje o Dia Mundial dos Pobres, e a liturgia propõe textos que, à primeira vista, podem parecer assustadores. Deus não nos quer paralisados pelo medo nem distraídos numa esperança vaga. Coloca diante de nós os pobres, os últimos, os que sofrem, para que o desejo de vida eterna se traduza em gestos de partilha, de justiça e de cuidado. Não caminhamos movidos por uma esperança adormecida, mas por um desejo vivo de vida eterna que Deus acende no nosso coração. Esse desejo faz-nos levantar, aproximar, servir e, assim, começar já aqui a viver aquilo que um dia se há de cumprir em plenitude.

XXXIII Domingo do Tempo Comum - Evangelho

XXXIII Domingo do Tempo Comum - Segunda Leitura

XXXIII Domingo do Tempo Comum - Primeira Leitura

Ao celebrarmos hoje a dedicação da Basílica de Latrão, não estamos apenas a recordar um monumento magnífico em Roma. Celebramos sobretudo a Igreja como casa onde o Sucessor de Pedro preside na caridade a todas as comunidades cristãs. A festa convida-nos a perguntar o que significa ser Igreja, viver da sua vida, das suas águas, da graça que dela brota.A primeira leitura apresenta-nos a imagem de uma torrente que sai do templo e que, onde chega, faz nascer vida. Onde esta água passa, tudo ganha frescura, tudo se cura, tudo vive. Esta água representa a graça de Deus, recebida no Batismo. A primeira questão é simples: esta água dá vida em nós? Vivemos a partir da graça recebida? O nosso Batismo faz nascer esperança, alegria, paciência, reconciliação? Ou fica tudo fechado dentro do templo e não transborda para a vida real?Porque o texto é claro: a água não fica dentro das paredes. Corre até ao mar, até aos lugares mais estéreis, para que aí também surja vida. Assim também nós: fomos batizados na Igreja, mas vivemos no mundo. Família, trabalho, amizades, responsabilidades. É aí que a água viva deve correr: não para fazermos mais barulho religioso, mas para darmos frutos. São Paulo lembra-nos que os frutos do Espírito são alegria, sabedoria, conselho, paz, justiça. O mundo tem direito a ver estes frutos. E nós precisamos deles para viver com mais verdade e serenidade.A segunda leitura diz: “Vós sois edifício de Deus”. A Igreja não é apenas um espaço, é uma comunidade de pedras vivas. Cada um de nós é parte deste templo. Não o construímos segundo o nosso projeto individual, mas alicerçados em Cristo. O Espírito habita em nós e faz de nós casa de Deus. A vida cristã não se reduz ao que fazemos no templo, mas ao modo como vivemos como corpo de Cristo no quotidiano.O Evangelho mostra Jesus a expulsar os vendedores do templo. Não o faz por violência gratuita, mas para lembrar a finalidade verdadeira do lugar santo: ali encontra-se a presença de Deus que dá vida, não uma religião de aparência ou comércio espiritual. É legítimo perguntarmo-nos: quando venho à Eucaristia, venho para me alimentar da água viva que dá sentido à vida? Ou venho simplesmente “cumprir um preceito”, para aliviar a consciência?Se a missa for só um rito que faço sem ligação ao que vivo, então é pouco. Mas se a Eucaristia for o ponto de partidapara um modo de viver mais humano, mais reconciliado, mais atento, então participar nela vale tudo. Porque aqui aprendemos a gramática do Reino: acolher, perdoar, servir, amar, viver com esperança.Hoje, Jesus convida-nos a purificar o templo. Não tanto estas paredes, mas o templo que somos nós. Deixar que a graça lave aquilo que endureceu, cure o que está ferido, abra espaço para que a água circule. A Eucaristia que celebramos é fonte viva: dela nasce um modo novo de estar na vida.Peçamos, então, a graça de viver como pedras vivas, como quem deixa a água de Deus correr, transformar e fecundar. Que o mundo reconheça, através de nós, que o templo de Deus está vivo, habitado, em movimento, levando vida onde a vida falta.

XXXII Domingo do Tempo Comum - Evangelho

XXXII Domingo do Tempo Comum - Segunda Leitura

XXXII Domingo do Tempo Comum - Primeira Leitura

Hoje celebramos a Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos. Muitas vezes deixamos que este dia invada o Dia de Todos os Santos; deveria ser o contrário: olhar os defuntos à luz da santidade a que todos somos chamados, a felicidade plena para a qual Deus nos destina. Ontem escutámos: “vi uma multidão imensa, que ninguém podia contar”. Não vemos todos, mas reconhecemos rostos amados nessa multidão.Podemos viver este dia em duas perspetivas. A primeira é a do sufrágio por todos os que partiram para a eternidade: oferecemos a Deus as nossas orações e boas obras, pedindo por quem se encontra no seu tempo de purificação — aquilo a que chamamos, de modo simples, as almas do Purgatório. A segunda é a memória agradecida: recordamos familiares, amigos, vizinhos e tantas pessoas próximas, com os olhos húmidos de saudade e o desejo de falar de novo com elas. E surge a pergunta: “estarão já junto de Deus?” Não o sabemos; e esse não saber abre-nos à esperança vigilante.A primeira leitura, breve e incisiva, põe-nos nos lábios de Jó: “Eu sei que o meu Redentor vive; eu próprio O verei, os meus olhos O contemplarão”. Esta é a base do nosso celebrar hoje: o Redentor está vivo e chama-nos à visão do seu rosto. Se estamos chamados a contemplar a bondade do Senhor, também cremos que os nossos defuntos são chamados à mesma bem-aventurança.Para tal, é necessária purificação. Usando a linguagem do Apocalipse, é preciso branquear a túnica no sangue do Cordeiro. A conversão é acolher a graça e corresponder-lhe; Deus age em nós, mas nem sempre estamos disponíveis, e a túnica fica manchada. A Igreja ensina que, se essa purificação não se completa nesta vida, existe um estado — o Purgatório — onde nos deixamos impregnar pelo amor de Deus, até tudo o que se opõe a esse amor ser queimado.Por isso hoje sufragamos os que partiram. As nossas orações, sacrifícios e obras de caridade, unidas a Cristo, podem ajudá-los no seu caminho de purificação. E acolhemos também o Evangelho: “Vinde a Mim, todos os que andais cansados… Aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso”. Jesus nunca recusou ninguém; acolheu a todos e, ao acolher, chamou à transformação. Deu os meios da conversão e mandou celebrar quando o perdido foi encontrado.Convido-vos a viver este dia com serenidade: celebrar a certeza de que os que morreram são chamados à presença de Deus. Isto não seca todas as lágrimas, mas aquece o coração. Ao mesmo tempo, rezar pelos defuntos compromete-nos com a nossa própria conversão. Não faz sentido pedir para os outros aquilo que não desejamos para nós. Cuidemos da vida, preparemos o encontro, ordenemos a casa interior.Sufragar é dever, consolo e responsabilidade: um bem que podemos fazer aos que amamos e um apelo a caminharmos também nós para a visão do Senhor. Preparemos desde já essa festa — o encontro, a alegria, a paz sem ocaso, onde Deus será tudo em todos.

Habitualmente pensamos que ser santo é coisa de uma elite: gente com uma vida muito diferente da nossa, que foi para o mosteiro, que se afastou do mundo, ou mártires que morreram por Jesus. Esses santos são para nós motivo de louvor, grandes intercessores e estímulo para vivermos a fé com radicalidade. Mas é essencial recordar o mais verdadeiro: a santidade é para todos, como insiste o Papa Francisco.Perante esta verdade, caímos muitas vezes em dois erros. Primeiro, colocamos o centro em nós: “eu fiz, eu não fiz, eu sou, eu não sou…”. O santo não se centra em si, mas em Deus; descentra-se de si para se centrar nas coisas de Deus. Segundo, pensamos que ser santo significa nunca cair. Não: ser santo é, cada vez que se cai, levantar-se com a graça de Deus.A primeira leitura ajuda-nos: os anciãos perguntam quem são os que vestem túnicas brancas e de onde vieram. A resposta: “vieram da grande tribulação; lavaram as túnicas e branquearam-nas no sangue do Cordeiro”. O texto não diz que nunca sujaram as túnicas; diz que foram purificados. Ser santo é, antes de mais, um ato de receção: receber a graça, deixar que o Senhor nos purifique, nos liberte, nos diga quem somos e quanto nos ama.O salmo pergunta: “Quem poderá subir à montanha do Senhor? Quem habitará no seu santuário?” Responde: “O que tem as mãos inocentes e o coração puro e não levanta em vão o seu nome.” Esta pureza prática (mãos) e interior (coração) marca os que trazem o selo de Deus. Santidade é identificar-se com Deus, deixar que Ele imprima em nós o seu rosto. Somos santos quando deixamos resplandecer em nós o rosto de Cristo.E como é que esse rosto resplandece? O Evangelho diz: nas Bem-aventuranças. Felizes os pobres de espírito (desprendimento), os que choram (não ignoram as perdas), os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os puros de coração, os construtores da paz. Quando vivemos esta lógica, trazemos o rosto de Cristo — muitas vezes frágil, por vezes opaco, porque confiamos só nas nossas forças. Mas, com São Paulo, sabemos: “quando sou fraco, então é que sou forte”. Na fraqueza entende-se melhor que ser santo é deixar-se levantar, purificar e fortalecer por Jesus Cristo.O Apocalipse fala de “uma multidão que ninguém podia contar”. As multidões podem ser incontáveis, mas têm rostos. Olhando para a multidão dos santos, podemos identificar amigos, familiares, vizinhos, pessoas com quem vivemos e que já partiram para a eternidade. Somos desafiados a recordar esses rostos e a reconhecer que, no nosso dia a dia, convivemos com santidade discreta e quotidiana.Concluindo: ser santo não é um prémio por bom comportamento; é pertencer a Cristo. É deixar que Ele lave e branqueie a nossa túnica, tantas vezes manchada pelas tribulações. O Senhor lava, o Senhor branqueia, o Senhor faz-nos santos a partir da sua própria santidade. A nós cabe acolher a graça e, depois, viver concretamente: mãos inocentes, coração puro, misericórdia praticada, justiça desejada e paz construída. Assim, o rosto de Cristo brilha em nós.

Sexta-Feira (Santos e Fiéis Defuntos)

Quando temos a ideia de um juiz vingativo, a imagem do publicano coloca tudo no seu verdadeiro sítio. Deus não nos castiga; Ele é um Pai misericordioso que nos ama e apenas espera que, como o publicano, digamos: "Senhor, sou pecador, tem compaixão de mim."Como diz o Salmo, "não serão castigados os que n'Ele confiam". Mas confiar em Deus não é um salvo-conduto para fazermos o que queremos; é uma atitude cultivada ao longo da vida.Na própria liturgia, o Ato Penitencial não serve apenas para confessar pecados. É, sobretudo, o momento de tomar consciência de que precisamos da Sua misericórdia e de nos deixarmos abraçar pelo Seu amor, que nos restitui a dignidade.Quando nos sentimos amados e perdoados por Deus, a consequência natural é amar, dar e perdoar. Não por obrigação, mas como fruto desse amor recebido. Este amor dá-nos "óculos novos" para ver a vida com esperança, valorizando o que está bem, em vez de apenas criticar o que está mal. É um bom exame de consciência: somos o fariseu que critica ou o publicano que se abre à graça?Como São Paulo, podemos olhar para a nossa história reconhecendo os nossos erros, mas sempre numa perspetiva de esperança. Deus nunca nos abandona, mesmo quando nós O abandonamos.A proposta central é, pois, cultivar a humildade. Deus ama-nos tal como somos, mesmo as partes de nós que não aceitamos. Sentirmo-nos amados por Ele transforma-nos e leva-nos a amar o próximo, especialmente os mais sós e pobres.Mas atenção: humildade não é desprezar-se. Humildade é verdade. É tomar consciência da nossa verdadeira estatura: somos criados à imagem de Deus, imensamente amados por Ele, e, ao mesmo tempo, limitados e frágeis. Quando nos deixamos amar na nossa fragilidade, assumimos a dignidade que o Senhor nos quer dar: a de sermos homens e mulheres libertos, plenos, vivendo em comunhão alegre com Ele.

XXX Domingo do Tempo Comum - Primeira Leitura

XXX Domingo do Tempo Comum - Primeira Leitura

XXX Domingo do Tempo Comum - Primeira Leitura

Ao celebrarmos o Dia Mundial das Missões, o Evangelho deixa-nos uma pergunta exigente: “Quando o Filho do Homem vier, encontrará fé sobre a terra?” Esta interrogação toca-nos a todos e alarga o horizonte das “missões”. Não são apenas os territórios longínquos onde Cristo é desconhecido; hoje, uma grande parte da missão da Igreja é evangelizar de novo as terras de antiga cristandade — os “nossos” territórios — onde muitos se dizem cristãos, mas a fé esmoreceu.Uma coisa é praticar ritos; outra é viver da fé. O ideal é que os ritos brotem da fé e a alimentem, mas nem sempre acontece assim. Ter fé é, antes de tudo, manter uma relação viva com Jesus Cristo: ligar o nosso coração ao coração do Senhor. Por isso, detenhamo-nos na oração, experiência humana decisiva para nos unirmos a Deus num tempo obcecado por produtividade e eficácia.A primeira leitura mostra-nos dois “lugares”: Josué combate no vale, enquanto Moisés sobe ao monte com a vara de Deus. Quando Moisés ergue as mãos, Israel vence; quando as baixa, perde terreno. Dois companheiros colocam-lhe uma pedra para se sentar e sustentam-lhe os braços até ao pôr do sol. A vitória nasce desta oração perseverante e comunitária. Assim é a vida cristã: vale e monte, ação e intercessão, o concreto do dia a dia e a elevação da oração. Precisamos de tempos e espaços que nos recordem que, ao subir “geograficamente”, deixamos o coração elevar-se para Deus. Mas essa subida deve tocar o vale das nossas lutas diárias; não pode haver rutura entre o que rezamos e o que vivemos.Jesus ensinou-nos a rezar o Pai-Nosso. Antes de apresentarmos pedidos (“quero isto, preciso daquilo”), começamos pela relação: “Pai”. Pedimos que o seu Nome seja santificado e que venha o seu Reino. A oração verdadeira alinha o nosso desejo com o desejo de Deus; deixa que Ele converta o nosso coração. Para isso, é essencial a leitura e meditação da Palavra — e também dos grandes textos da tradição —, que nos endireitam por dentro e nos põem na direção do Reino. Como exorta São Paulo a Timóteo, permaneçamos firmes no que aprendemos desde a infância: as Escrituras conduzem-nos à sabedoria que salva.Deus também nos educa na oração. Como um pai que não dá batatas fritas todos os dias à criança, o Senhor nem sempre concede o que pedimos de imediato. Dá-nos, porém, o que verdadeiramente nos faz bem, a médio e longo prazo. Daí a necessidade da perseverança. O Evangelho apresenta a viúva — a mais vulnerável numa sociedade patriarcal — que insiste até obter justiça de um juiz sem coração. Se até um juiz injusto cede, quanto mais Deus fará justiça aos seus eleitos! Muitas vezes desanimamos porque não respeitamos o “tempo de Deus”: ou ficamos só no vale da agitação, sem subir ao monte, ou subimos sem descer ao compromisso. A sabedoria do coração ajuda-nos a esperar o tempo favorável.Neste mês do Rosário, valorizemos uma forma de oração simples e comunitária. Rezar o terço é meditar os mistérios da vida de Jesus. Seria ótimo, sempre que possível, ler o trecho bíblico correspondente a cada mistério: assim, a repetição torna-se contemplação e a contemplação torna-se escola de sabedoria. Rezemos para que a nossa meditação nos faça crescer na fé que salva — não a “salvação” que a nossa cabeça imagina, mas a que Deus oferece, a única que liberta e nos faz verdadeiramente felizes.Que o Senhor nos conceda esta unidade de vida: ritos que brotam da fé, fé que se alimenta da oração, oração que ilumina a missão — no vale e no monte — até que o Reino venha, e Ele nos encontre firmes na fé.

Hoje a Palavra de Deus oferece-nos um fio comum: a cura que Deus realiza para nos devolver a vida inteira. Na primeira leitura, do Segundo Livro dos Reis, vemos o general sírio Naamã, leproso e desesperado, que procura o profeta Eliseu. O homem de Deus não lhe pede façanhas extraordinárias; manda-o apenas mergulhar sete vezes no Jordão. Naamã resiste: “Só isto? E logo nesse rio, tão modesto?” Mas cede ao bom conselho, confia, cumpre a palavra recebida e fica curado: a sua carne torna-se como a de uma criança. Não ganhou apenas pele nova; recebeu um coração novo. O pagão orgulhoso regressa agradecido e crente no Deus verdadeiro. Por isso pede um pouco de terra de Israel: quer, na sua terra, adorar somente o Senhor. É a lógica da graça: não se compra nem se paga; acolhe-se com gratidão e transforma a vida.No Evangelho (Lc 17), Jesus caminha “entre a Samaria e a Galileia”, fronteira simbólica entre quem se julga dentro e quem é tido por fora. Dez leprosos, à distância, gritam: “Jesus, Mestre, tem compaixão de nós!”. Ele responde com uma palavra que põe em marcha: “Ide mostrar-vos aos sacerdotes”. A cura acontece a caminho. E um — precisamente um samaritano, o excluído — volta para agradecer e dar glória a Deus. A salvação de Deus destina-se a todos e, tantas vezes, é acolhida primeiro por quem menos esperaríamos.Aqui está a pedagogia da salvação em três verbos: pedir, caminhar e agradecer. Primeiro, pedir: reconhecer a nossa pobreza e suplicar a misericórdia. Depois, caminhar: obedecer à Palavra, pôr os pés na estrada, colaborar com a graça com a nossa decisão, esforço e perseverança. Finalmente, agradecer: não apenas um “obrigado” de cortesia, mas um estilo de vida que dá glória a Deus amando os seus preferidos — todos, e de modo especial os pobres e excluídos.Quando isto acontece, não se cura apenas uma ferida ou um sintoma; cura-se a biografia inteira. O essencial não é só a saúde do corpo: é o sentido renovado da vida. Por isso, amar a Deus e ao próximo não são apêndices devotos; são a forma concreta de acolher a salvação. Uma autêntica vida cristã não se reduz a ritos ou palavras; prolonga o gesto de Jesus: aproximar, perdoar, curar, reintegrar.A segunda leitura recorda: “Se formos infiéis, Ele permanece fiel, porque não pode negar-Se a Si mesmo” (2 Tim 2,13). É esta fidelidade que quebra o círculo do mal e inaugura o círculo do bem: quanto mais acolhemos o seu amor, mais nos deixamos curar por dentro; quanto mais nos sabemos amados, mais nos damos aos irmãos; e quanto mais nos oferecemos, mais experimentamos a alegria de sermos amados e humanizados por Deus.Peçamos, então, a graça de viver estes três passos todos os dias. Pedir com humildade, caminhar com confiança na Palavra, agradecer com a vida inteira. Assim, como Naamã, receberemos um coração novo; e, como o samaritano, voltaremos para dar glória a Deus — não só com os lábios, mas com gestos que levam cura e reconciliação a quem encontramos no caminho.

XXVIII Domingo do Tempo Comum - Evangelho

XXVIII Domingo do Tempo Comum - Segundaa Leitura

XXVIII Domingo do Tempo Comum - Primeira Leitura

“Senhor, aumenta a nossa fé”: dom, tarefa e caminhoNo Evangelho, os Apóstolos pedem: “Aumenta a nossa fé.” Este pedido é também o nosso. A fé é dom de Deus — ninguém a fabrica —, mas é igualmente tarefa: acolhe-se e cultiva-se. Não basta repetir “Senhor, aumenta a minha fé” e cruzar os braços. Jesus lembra que uma fé pequena “como um grão de mostarda” realiza o inesperado: o pouco, vivido com Deus, transforma mais do que imaginamos.A dificuldade nasce quando olhamos o mundo e vemos injustiças, doença, morte, sofrimentos que não entendemos: “Porquê prosperam os malandros e sofrem os justos?” A primeira leitura, do profeta Habacuc, dá-nos um método espiritual para atravessar este escândalo sem desistir: ver, escrever, esperar.1) Ver. A fé não tapa os olhos. Somos chamados a olhar a realidade tal como é, sem cosméticas piedosas. Mas ver “com olhos de fé” significa aprender a olhar como Deus olha: reconhecer o mal e, ao mesmo tempo, discernir o bem possível, o que Deus deseja fazer nascer naquela situação. É um ver que já contém uma semente de transformação.2) Escrever. Diz o Senhor a Habacuc: “Põe por escrito a visão, grava-a em tábuas com clareza.” Escrever é fixar a memória do que Deus nos faz entender, para não perder a orientação quando o tempo se alonga ou a esperança se turva. Diário espiritual, pequenas notas, uma frase bíblica na carteira: marcas de uma visão que nos recentra.3) Esperar. “Se tardar, espera, porque virá e não tardará.” Esperar não é passividade de quem aguarda o autocarro. É espera ativa: comprometer-se com as causas do Evangelho e fazer o que está ao nosso alcance para que o Reino avance. Como quem cuida de uma planta: rega, poda, aduba… e confia no tempo da maturação. A fé trabalha e espera.Este caminho protege-nos de dois enganos: o espiritualismo resignado (“Deus fará tudo sem mim”) e o ativismo impaciente (“eu faço tudo sem Deus”). A fé cristã é aliança destas duas verdades: dom recebido e responsabilidade assumida.E como se cultiva, na prática, a fé-mostarda? Não apenas com gestos “espampanantes”, mas, sobretudo, com pequenas fidelidades quotidianas: uma palavra justa quando é mais fácil calar, um tempo dado a quem precisa, a oração breve mas fiel, a honestidade no escondido, o perdão que desarma um rancor. O Reino cresce assim: discretamente, eficazmente.No fim, Jesus recorda: “Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer.” Não se trata de desvalorizar o bem realizado, mas de reconhecer que os frutos excedem sempre a nossa medida. O pouco que oferecemos, Deus multiplica. E é a leitura crente dos acontecimentos — ver, escrever, esperar — que nos permite reconhecer, na nossa história, a mão de Deus.Peçamos, então: “Senhor, aumenta a nossa fé.” E respondamos com a vida: ver com os teus olhos, escrever para lembrar, esperar trabalhando. Assim, o grão de mostarda da nossa fé moverá amoreiras e mares, isto é, mudará corações e realidades — começando pelo nosso.

XXVII Domingo do Tempo Comum - Evangelho

XXVII Domingo do Tempo Comum - Segunda Leitura

XXVII Domingo do Tempo Comum - Primeira Leitura

Escutando a primeira leitura da profecia de Amós e o Evangelho, percebemos que ambas apresentam um conflito social. De um lado, os ricos, que viviam muitíssimo bem, sem faltar nada, usufruindo de todos os prazeres; do outro, os pobres esquecidos. Em Amós, denuncia-se que os ricos não se afligiam com a ruína de José. No Evangelho, vemos Lázaro mendigar à porta do homem rico sem que este se compadecesse. O fim de ambos é claro: os ricos da leitura foram os primeiros a ser exilados; o homem do Evangelho acabou na perdição.Isto poderia parecer uma condenação da riqueza e um elogio da miséria, mas não é assim. O problema não estava em serem ricos, mas em viverem tranquilos e indiferentes, ignorando os que não tinham o mínimo para viver. O pecado foi não se preocuparem, não ajudarem.E aqui podemos perguntar: afinal, para que serve a Igreja? A Lumen Gentium diz: para ser sacramento universal de salvação. Concretiza-se em três eixos: evangelizar, louvar e cuidar dos pobres.· Evangelizar – anunciar a Boa Nova, propor um projeto de vida mais autêntico, pleno e verdadeiro.· Louvar – a liturgia comunitária, mas também a liturgia doméstica: oração pessoal, em família, recitação do terço, bênção das refeições. Deus não precisa dos nossos louvores, mas nós precisamos de nos deixar moldar pela graça que nos transforma.· Cuidar dos pobres – seguir Jesus implica comprometer-se com a dignidade dos que menos têm.Recordo, da experiência paroquial, como muitas vezes ouvia dizer: “Agora já não há pobres.” É verdade que o Estado Social atenuou necessidades extremas. Contudo, “os pobres sempre os tereis convosco” (cf. Jo 12,8). Sempre haverá alguém mais limitado, mais vulnerável. E o critério de autenticidade da nossa vida cristã é justamente este: cuidar dos pobres, no sentido de ajudar os que têm menos condições do que nós.A pobreza pode ser relativa: os pobres entre nós vivem melhor que muitos povos da Índia, mas isso não nos desobriga. Não podemos pensar: “Tenho o suficiente, não me cabe preocupar-me com os outros.” Isso seria uma visão egoísta e perversa.O mal não está em usufruir dos bens e prazeres da vida – se foram adquiridos com honestidade, são dons de Deus. O mal está em gozar desses bens fechando os olhos a quem não tem as mesmas condições. Por isso, cuidar dos pobres é critério de qualidade da vida cristã.Quem vive o Evangelho compromete-se a construir um mundo mais humano e mais justo, animado pela visão de dignidade que a fé nos inspira. Na liturgia, lugar privilegiado da escuta da Palavra e da celebração dos mistérios, Deus vai “entranhando-se” em nós e moldando-nos como discípulos de Cristo.A maior alegria é encontrá-lo. Quem experimenta a amizade de Jesus sente uma paz e felicidade que nada nem ninguém pode tirar. Daí nasce a evangelização: não por obrigação ou proselitismo, mas porque descobrimos algo tão bom que não conseguimos calar.Todos nós somos chamados a anunciar e testemunhar esta alegria.E termino com uma frase de Miguel Torga, que, apesar de nunca ter dado o salto da fé, era um homem em busca. Ele escreveu: «O que eu dava para me levantar cedo esta manhã, ir à missa, e voltar da igreja com a cara que trazia o meu vizinho!» (segue-se: «Não é que eu tenha verdadeiramente pecados… Queria era sentir-me ligado a um destino extra-biológico…») (“Vila Nova, 16 de Agosto de 1936”, Diário I).Que também sobre nós se possa dizer: “Olha a alegria, olha a paz, olha o entusiasmo dele, porque encontrou Jesus Cristo e fez dele o centro da sua vida.”

XXVI Domingo do Tempo Comum - Evangelho

XXVI Domingo do Tempo Comum - Segunda Leitura

XXVI Domingo do Tempo Comum - Primeira Leitura

Olhando para a Palavra de Deus que hoje nos é proposta, percebemos como o dinheiro e os bens ocupam um lugar central. E é bom que assim seja, porque isso nos ajuda a refletir sobre como orientar a nossa vida, para que seja mais alegre, justa, pacífica e feliz. O dinheiro, entendido não apenas como moeda ou saldo bancário, mas como símbolo do desejo de posse e de segurança, pode facilmente desorientar-nos. Por isso, a liturgia lembra-nos o que é essencial: os valores que orientam a nossa vida determinam se vivemos em paz ou em permanente inquietação.Os bens materiais só encontram pleno sentido quando estão ao serviço do bem comum. Esta categoria da Doutrina Social da Igreja recorda-nos que tudo aquilo que Deus nos concede — desde a criação até aos bens produzidos pela humanidade — é chamado a enriquecer a vida de todos. É escandaloso que alguns tenham tanto e outros nada. Não se trata de igualar tudo: quem investe mais ou se esforça mais terá naturalmente maior retorno. Mas é inadmissível que haja pessoas privadas do mínimo para viver com dignidade. Aí se encontra a dimensão social e política do Evangelho.Alguém poderá dizer: “o padre está a meter-se na política”. E é verdade, se entendermos política como compromisso com a causa comum, com a polis, a cidade. Isso é inescapável para quem crê. Outra coisa são os partidos — aí não cabe ao padre entrar. Mas a política, no sentido mais profundo, é também missão da Igreja. Como recorda São Paulo a Timóteo: “Recomendo que se façam preces e súplicas por todos os homens, pelos reis e autoridades, para que possamos levar uma vida tranquila e pacífica, com piedade e dignidade.”Também hoje, infelizmente, vemos o contrário. Em nome de uma falsa imagem de Deus, justificam-se nacionalismos exacerbados e exclusões, como se a religião pudesse legitimar injustiças. Isso exige de nós discernimento evangélico. O Evangelho deste domingo traz a parábola do administrador infiel. À primeira vista, parece estranho: como pode Jesus elogiar quem foi desonesto? Mas o senhor não o louva pela desonestidade, mas sim pela esperteza. Assim também nós: não podemos viver a fé de forma intimista ou superficial; é preciso gastar inteligência e criatividade para que a fé ilumine e transforme o quotidiano.Não pode ser indiferente a um cristão ver homens e mulheres que trabalham e não conseguem viver com dignidade. Não podemos ignorar imigrantes perseguidos apenas por serem estrangeiros, nem doentes e pobres abandonados. A fé convida-nos a olhar o mundo com os olhos de Deus. É esse olhar que inspirou São Bento Menni a fundar as Irmãs Hospitaleiras: diante de mulheres doentes, desprezadas e sem cuidados, não ficou indiferente; deixou-se mover pelo Evangelho e criou uma obra que permanece até hoje.Nem todos seremos fundadores de grandes instituições. Mas todos podemos viver pequenos gestos diários de acordo com o Evangelho. E devemos estar atentos para não nos deixarmos envenenar pelo imediatismo dos meios de comunicação, que podem ser remédio ou veneno. Usados bem, ajudam-nos a conhecer o mundo; usados mal ou em excesso, intoxicam-nos e fazem-nos perder a esperança.Hoje, celebrando 65 anos de matrimónio de dois amigos, vemos um testemunho luminoso. Num tempo em que tudo é volátil e descartável, a fidelidade vivida ao longo de tantos anos é sinal de esperança. Mostra-nos que somos capazes de construir futuro, se nos deixarmos guiar pelos valores certos e pela graça de Deus. Em nome da comunidade, dou-vos os parabéns e agradeço a vossa fidelidade.

XXV Domingo do Tempo Comum - Segunda Leitura

XXV Domingo do Tempo Comum - Primeira Leitura

Hoje, a liturgia apresenta-nos os paramentos vermelhos.Estamos no Tempo Comum… mas hoje, vigésimo quarto domingo, a cor é vermelha porque celebramos também a festa da Exaltação da Santa Cruz.Em Braga, este nome soa-nos familiar. Logo pensamos na Igreja de Santa Cruz.Mas eu gostava que olhássemos para a cruz não apenas como um nome ou um sinal externo, mas no seu sentido mais profundo: vivencial, existencial.A cruz revela algo de cada um de nós.Diz o Senhor:«Ninguém subiu ao Céu senão aquele que desceu do Céu, o Filho do Homem».Ninguém é salvo sem a oferta de salvação que Deus quis dar.Não é mérito das nossas boas obras… é dom.Um dom que Deus nos oferece, entregando-se por nós no seu Filho.Na cruz, Cristo liberta-nos, cura-nos, transforma-nos.A segunda leitura é clara e belíssima:Cristo, sendo de condição divina, não Se valeu da sua igualdade com Deus.Antes, humilhou-Se.Assumiu a condição de servo, tornando-Se semelhante a nós.Este movimento de Deus é de uma beleza imensa:Ele não rejeita aquilo que somos.Assume-nos, para nos salvar.Na primeira leitura, do Livro dos Números, ouvimos uma história muito significativa.O povo, a caminho da Terra Prometida, começou a desesperar.«Porque nos tiraste do Egito? Para morrermos neste deserto?».E murmuravam contra Deus e contra Moisés.Então o Senhor enviou serpentes venenosas, e muitos morreram.Mas, na verdade, o veneno já tinha começado antes…quando o povo se deixou dominar pelo desespero e pela murmuração.Quantas vezes também nós deixamos escapar palavras que parecem apenas desabafos,mas que envenenam o nosso coraçãoe o coração de quem nos ouve.O povo reconheceu o pecado e pediu a Moisés:«Intercede por nós».E o Senhor disse:«Faz uma serpente de bronze e coloca-a sobre um poste.Quem for mordido e olhar para ela, ficará curado».É interessante: a serpente, sinal de condenação, torna-se aqui sinal de cura.Ainda hoje, em símbolos de farmácia e de medicina, aparece a serpente erguida num bastão.Também nós, muitas vezes, usamos um crucifixo ao pescoço, no carro, em casa.Mas atenção: o crucifixo não é um amuleto para dar sorte.É o sinal do remédio que Deus nos oferece.Olhar para a cruz não é magia.É conversão.É mudar o olhar.É deixar que Cristo cure o nosso coração.Assim como a serpente suspensa no deserto foi remédio de vida para os mordidos,Cristo suspenso na cruz é remédio de salvação para todos os que acreditam.Não precisamos fingir ser outros para que Deus nos ame.É como somos — com fragilidades e feridas — que Ele nos quer salvar.A grande pergunta é:Será que eu gosto de mim o suficiente para acreditar que Deus também gosta de mim?Será que eu confio que o amor de Deus é maior do que as minhas fragilidades?É no nosso lugar concreto, no tempo em que vivemos, que o Senhor nos escolhe e nos salva.Cada um de nós tem sombras, sim… mas também tem luzes.Cristo assumiu tudo isso.Assumiu a nossa condição, para levar luz aos lugares mais tristes e sombrios da nossa vida.Por isso, hoje somos chamados a converter-nos.A olhar para Cristo suspenso na cruz.Não como quem olha apenas para uma morte horrível,mas como quem contempla o sinal do amor levado até ao extremo.O crucifixo mostra-nos o quanto Deus nos ama.Mostra-nos que, apesar das nossas infidelidades, Ele nunca deixa de nos querer salvar.Por isso, cada crucifixo que temos — na igreja, em casa, connosco —não é um talismã, mas um sinal do amor de Deus.Ao olharmos para ele, voltamos o coração para Cristoe encontramos n'Ele a cura e a salvação da nossa vida.

XXIV Dom. Tempo Comum (Santa Cruz) -Evangelho

XXIV Dom. Tempo Comum (Santa Cruz) - Segunda Leitura

XXIV Dom. Tempo Comum (Santa Cruz) - Primeira Leitura

No Evangelho que acabamos de ouvir, o texto está todo enquadrado, digamos assim, entre duas frases:«Se alguém vem ter comigo sem preferir ao pai, à mãe, à esposa, aos filhos... não pode ser meu discípulo.»Depois, Jesus conta a questão da verificação da torre e a questão do rei que encontra outro rei e que, antes de fazer guerra, procura as condições de paz. E conclui assim:«Quem dentre vós não renunciar a todos os seus bens não pode ser meu discípulo.»Pode parecer um bocado a mais... mas é aí que está a exigência da nossa opção livre e consciente por Jesus Cristo. Não é algo que fazemos num momento de euforia, nem de ânimo leve, nem de forma pouco ponderada. É algo amadurecido. É uma opção que dura no tempo, que atravessa diversas fases da vida e que se vai tomando de forma consciente. Não porque me disseram, não porque agora parece bem, mas porque vou fazendo a experiência de ser transformado pelo jeito de Jesus.A primeira leitura, nesse aspeto, é muito elucidativa:«Qual o homem que pode conhecer os desígnios de Deus? Quem pode sondar as intenções do Senhor?»Nós não somos capazes de conhecer os planos de Deus. Mas é Ele quem nos dá sabedoria, quem nos envia o seu Espírito, para conhecermos os seus desígnios.É esta a importância de sentar-se, de considerar, de pensar, de analisar, como dizia Jesus: seremos capazes de construir a torre? Seremos capazes de ganhar a guerra?E, no nosso dia a dia, o que é que o Senhor põe à nossa disposição para que possamos preferi-lo a Ele, e não às riquezas materiais? Para que possamos optar por Jesus acima até da família?Não se trata de escolher entre o pai ou a mãe e Jesus, mas de perceber por que razão optamos por Cristo, mesmo quando Ele usa palavras tão radicais:«Quem não toma a sua cruz para me seguir não pode ser meu discípulo.»Muitas vezes ouvimos esta frase como se fosse: “aguenta, sofre, porque também Ele sofreu”. Mas não é isso. O sentido é: quem não toma a sua vida na totalidade, com tudo o que a vida envolve, não pode ser discípulo. Não é possível seguir Jesus apenas em alguns aspetos. Ou somos discípulos em tudo, ou não somos.Ser discípulo implica assumir a vida inteira: o que ela tem de leve, de festivo, de prazenteiro — que é fácil —, mas também o que ela tem de difícil, de fracasso, de doloroso — que é a parte mais exigente. É aí que se nota a qualidade da nossa opção por Cristo.Como cristãos, não ignoramos os aspetos difíceis da vida. Antes, vivemo-los unidos ao Senhor. Quando a vida se apresenta como trevas sem esperança, é Ele quem a transforma em lugar de luz e de esperança. Sim, há sofrimento e há dor, mas vividos com Cristo deixam de ser um beco sem saída.Estar unidos a Cristo reconfigura a nossa própria vida e o mundo em que vivemos.E aqui entra a segunda leitura: São Paulo escreve a Filémon, num contexto muito concreto e difícil. Estava preso, e diz que “gerou um filho na prisão”: Onésimo. Filémon tinha este escravo. Onésimo fugira e desaparecera. Entretanto, converte-se ao cristianismo.Paulo podia simplesmente devolvê-lo, segundo a lei civil, como escravo. Mas não. Ele pede a Filémon que o receba não já como escravo, mas como irmão em Cristo. Embora a lei o considerasse propriedade, a fé fazia dele um irmão.Isto gera uma nova forma de relação, uma nova forma de nos entendermos a nós próprios e de nos relacionarmos com os outros. Filémon não perdeu um escravo: ganhou um irmão.A pergunta que nos fica é esta:Seguir Jesus Cristo, para nós, implica a totalidade da vida?E, se sim, que relações concretas já foram convertidas pelo Senhor na nossa vida?Na forma como nos relacionamos connosco mesmos, com os outros, com o mundo e com Deus?

XXIII Domingo do Tempo Comum - Evangelho

XXIII Domingo do Tempo Comum - Segunda Leitura

XXIII Domingo do Tempo Comum - Primeira Leitura

O Evangelho que escutámos — em continuidade com a primeira leitura — convida-nos a refletir sobre um dos valores fundamentais da vida cristã: a humildade. Trata-se de um valor central, orientador da existência, mas que, tantas vezes, pode ser mal-entendido ou até adulterado.A primeira leitura, retirada do livro de Ben-Sirá, escrito cerca de dois séculos antes do nascimento de Jesus, situa-se num contexto em que o território judaico começava a ser dominado cultural e politicamente pelos gregos. O autor sagrado contrapõe, então, a mentalidade helénica — que valorizava o prestígio, a honra e o destaque social — àquilo que ele considera ser a atitude correta. Diz: «Filho, em todas as tuas obras procede com humildade e serás mais estimado que um homem generoso» (Sir 3,17).Ora, é preciso perceber bem o que significa humildade. Humildade não é uma “estratégia social”, como muitas vezes se entende: aquele “fazer de conta” que não sabemos nada, que não temos nada a dizer, apenas para agradar ou, como se diz no povo, “para saber viver”. Isso não é humildade.Humildade é verdade. Humildade é o húmus que dá nutrientes à vida. É reconhecer que tudo o que temos e somos vem de Deus e dos irmãos. Diante de Deus não sou mais do que ninguém; diante dos irmãos, não me coloco acima deles. Claro que, social e economicamente, existem diferenças — não vale a pena “tapar o sol com a peneira”. Mas ninguém é tão poderoso que não precise de nada nem de ninguém. Basta pensar no nosso dia de hoje: a roupa que vestimos, a comida que comemos, o transporte que usamos, tudo isso só é possível porque outros providenciaram. Do mesmo modo, não há ninguém tão pobre, tão limitado, que não possa dar alguma coisa.Humildade é, por isso, gratidão. E da gratidão nasce a partilha, a disponibilidade, o serviço, o colocar o que tenho e o que sou ao serviço dos outros, com liberdade e generosidade, sabendo que tudo é dom de Deus.Jesus, no Evangelho, adverte contra a tentação de procurarmos os primeiros lugares e de vivermos em função da recompensa social. Convida-nos, antes, a agir com desprendimento: quando fizeres um almoço, não convides apenas os amigos ou vizinhos ricos — porque eles retribuirão. Convida, antes, os pobres, os aleijados, os excluídos, porque esses não te podem retribuir. E é precisamente aí que se revela a autenticidade da humildade.Mas coloca-se uma questão: como podemos ser humildes? Que mecanismos nos ajudam a viver a humildade?A primeira condição é termos feito a experiência de felicidade que vem de Deus. Nós não acreditamos apenas por uma doutrina ou por uma ética, mas porque fizemos o encontro com Jesus Cristo — encontro que, como recordava Bento XVI, está no centro da fé cristã. Esse encontro dá-nos paz, alegria e sentido.Assim, viver a humildade não é esperar um prémio futuro, nem viver com medo de castigos. É já experimentar aqui e agora a recompensa: a paz, a serenidade, a alegria que vêm de Deus. A verdadeira recompensa não é apenas “no fim da vida”: já começa hoje, quando vivemos segundo os valores do Reino.Por isso, o desafio desta semana é este: estejamos atentos às tentações que surgem — querer o destaque, o reconhecimento, o benefício pessoal — e, em cada uma dessas situações, tomemos uma decisão a partir dos valores do Evangelho.Que cada um de nós possa escolher a humildade, não como fraqueza, mas como verdade, gratidão e liberdade. E que assim possamos celebrar e viver a nossa fé em comunhão com Deus e com os irmãos.

XXII Domingo do Tempo Comum - Evangelho

XXII Domingo do Tempo Comum - Segunda Leitura

XXII Domingo do Tempo Comum - Primeira Leitura

XXI Domingo do Tempo Comum - Evangelho

XXI Domingo do Tempo Comum - Segubda Leitura

XXI Domingo do Tempo Comum - Primeira Leitura

O Evangelho que acabámos de ouvir, à primeira leitura, parece tudo menos “Boa-Nova”. Jesus Cristo diz: “Vim trazer o fogo à terra e como gostaria que já estivesse a arder!” E, mais adiante, afirma que não veio trazer a paz, mas a divisão: “estarão três contra dois e dois contra três; pai contra filho e filho contra pai”. Em tempo de vaga de incêndios, estas palavras perturbam-nos e soam, à primeira vista, ao contrário do resto da mensagem de Deus.Se olharmos bem, percebemos que o fogo é um símbolo riquíssimo. Primeiro, o fogo ilumina. Dizer que Jesus veio trazer o fogo à terra é dizer que Ele veio trazer luz: ajudar-nos a ver com verdade e de modo realista como as coisas são — não apenas o que são, mas também aquilo em que podem tornar-se. Com o olhar iluminado pela luz de Cristo, passamos a ver o mundo com esperança e com horizontes mais amplos.Mas o fogo é também purificador. Purifica os metais; renova os ambientes; as queimadas, feitas no tempo certo, preparam a terra para colheitas mais férteis. Simbolicamente, este fogo de Deus convida-nos a queimar o que está a mais: aquilo que nos impede de viver em comunhão com o Senhor; o que é velho e desumaniza; tudo o que nos trava no caminho de discípulos de Jesus Cristo — o egoísmo, a inveja, a discórdia. Queimar o egoísmo para que nasça em nós a paz, a harmonia, a generosidade e a alegria que só Deus pode dar.Quando nos deixamos iluminar e transformar por Deus, é normal encontrarmos resistências — muitas vezes onde menos esperamos: em casa, na família, entre amigos. Foi o que aconteceu, na primeira leitura, com Jeremias: acusaram-no de desanimar o povo quando, na verdade, proclamava palavras de fogo que iluminavam a verdade da vida e queimavam o que não estava conforme os planos de Deus.Atenção: o Senhor não quer que vivamos desavindos, nem nos convida a procurar conflitos. A “divisão” de que fala é a consequência de seguirmos Jesus com verdade. Ao escolhermos o Evangelho, opomo-nos ao que está errado, vivemos de modo diferente daquele que o “mundo” propõe, e isso gera tensões. Jesus “traz divisão” apenas no sentido de estabelecer uma fronteira entre o que nos aproxima do amor de Deus e o que nos afasta dele.Este fogo é libertador. Pensemos na nossa experiência: quantas vezes, diante de um bem maior, sentimos arrependimento — um ardor interior que nos queima por dentro e nos faz desejar nunca mais repetir o erro? É este o fogo purificador de que falamos: o fogo que é dom do Espírito Santo.Por isso, enquanto caminhamos nesta terra como discípulos de Jesus Cristo, peçamos ao Senhor que nos ilumine, nos purifique e nos liberte.