Leituras dos textos do projeto Entrelinhas, Entremontes: Versos Contemporâneos Mineiros ....
A construção deste livro iniciou-se há cerca de três anos, quando decidimos reunir as vozes representativas da poesia mineira contemporânea em uma coletânea que tivesse como primeiro critério a diversidade, tanto do processo de construção poética quanto das linhas temáticas abordadas por cada poeta. A proposta era apresentar o que tem sido produzido de melhor no cenário poético das Minas Gerais. De lá para cá, a reunião de poemas passou por editoras e modelos diferentes de viabilização até chegar finalmente ao modo em que é publicada, como um projeto aceito pela fmc, pela Lei de Incentivo à Cultura, financiado pela uni, editado pela Editora/Livraria Quixote+Do. A princípio, a seleção dos textos ficou a cargo dos próprios poetas, mas fornecemos um caminho de escolha: um poema bem conhecido, um não tão conhecido, mas que merecesse entrar na coletânea, dois de livre escolha e um poema inédito – cinco textos por poeta. Infelizmente, durante o processo, testemunhamos a perda precoce de dois poetas de nossa obra; Camilo Lara, em 2016, e Marcelo Dolabela, também organizador da coletânea, que tanto contribuiu para a realização do projeto, quanto para a arte e a cultura de Minas Gerais, falecido em 2020. Aos dois dedicamos o nosso trabalho, aos dois deixamos o nosso reconhecimento, admiração e respeito. O nosso desejo é que esta edição contribua para a permanência dos versos de Camilo Lara e Marcelo Dolabela. À medida que recolhíamos os textos dos sessenta e um poetas, conseguimos perceber que a força e o mérito do projeto residiam na quantidade e na qualidade da poesia na contemporaneidade. Como recorte geográfico, reconhecemos categoricamente a boa fase da poesia no país, a partir de um revigoramento nos últimos anos, com uma produção ativa e qualitativamente diferenciada de bons e muitos poetas, uma recepção favorável na crítica de periódicos e revistas especializadas em poesia, a presença de diferentes formas de circulação, seja pelos encontros, feiras e festas literárias, seja pelo atual interesse acadêmico por essa produção. A quantidade reforça o investimento dos novos autores, os diferentes modos de circulação e produção; a qualidade, por sua vez, se mostra na construção de uma literatura consciente de um processo contínuo de sua vitalidade. Em uma coletânea, a medida será ler um autor por dia para que haja uma interação e recepção poética mais pertinente com a palavra do poeta. Acessar o poema nem sempre necessitaria de sentido. Mesmo que em busca dos processos de significação, o poema se deixa sempre aberto. De qualquer forma, há sempre uma produção de sentidos que sai das mãos do poeta, mas nem sempre o que ele diz é recebido igualmente, pois cada um dos leitores percebe e se sensibiliza de maneira diferente com os versos escritos. Poetas de diferentes gerações, estéticas e procedimentos encontram-se aqui juntos como testemunho – agora histórico – de uma aposta na arte como resistência a um tempo tão infenso à poesia, a um país que faz a opção por um caminho contrário à arte e deixa a palavra em segundo plano, às atividades depredatórias que seguem ano após ano, século após século, assassinando a natureza e a população de Minas Gerais. Vera Casa Nova e Kaio Carmona
Adriana Versiani dos Anjos nasceu em Ouro Preto e tem diversos livros de poemas publicados. Dentre eles: A Física dos Beatles, Livro de Papel, A Lâmina que matou meu pai e Três Pedras e uma dose de palavra.
Reptil 1 Apenas um reptil, me compadeço da morte das nascentes. Mesmo sendo frio meu sangue e eu apenas isso, um reptil, diante da grandeza extinta do rio, me compadeço. Estou sobre a terra e bebo pouco. O sol racha a lama em losangos imperfeitos. A vida arde no couro grosso que protege meu corpo. Sou um reptil E por isso não choro, me compadeço. 2 No escuro, guardo os ovos para o próximo período. Não sinto raiva, ansiedade ou medo. Apenas um reptil, fito os olhos do animal secando na areia do deserto. Neste universo apinhado de estrelas, eu, apenas um reptil, me compadeço. 3 Diante da singularidade da natureza, sou também natureza, incapaz de pensar a minha natureza. Trago na boca uma língua pegajosa que guarda o mistério do último inseto. O espaço está repleto de fantasmas e o universo se alimenta de corpos que apodrecem. Eu, apenas um reptil, não lamento o universo, me compadeço.
Adriane Garcia, poeta, nascida e residente em Belo Horizonte/MG. Publicou Fábulas para adulto perder o sono (Prêmio Paraná de Literatura 2013, ed. Biblioteca do Paraná), O nome do mundo (ed. Armazém da Cultura, 2014), Só, com peixes (ed. Confraria do Vento, 2015), Enlouquecer é ganhar mil pássaros (e-book pela Vida Secreta, no Issuu, 2015), Embrulhado para viagem (col. Leve um Livro, 2016), Garrafas ao mar (ed. Penalux, 2018) e Arraial do Curral del Rei: a desmemória dos bois (ed. Conceito Editorial, 2019).
Adriano Menezes é autor de Dois corpos (Editora Etfop-1999), Os dias (Scriptum Livros-2004), Via expressa (Scriptum Livros /Anome Livros-2007). Publicou várias reuniões de poemas e plaquetes de modo independente, que se perderam no tempo, além de antologias em que foi incluído. Roteirista e diretor em televisão educativa para programas de filosofia e literatura. De São Vicente de Minas, vive em Ouro Preto/MG. Mestre em filosofia na UFOP. Professor.
Alexandre Rodrigues da Costa graduou-se em Letras pela UFMG, em 1997, onde também fez o mestrado, em 2001, e o doutorado, em 2005. É autor de Objetos difíceis (7Letras/Funalfa, 2004), Fora-de-quadro (7Letras, 2005), Peso morto (7Letras, 2008); Corpos cegos (7Letras, 2012); Bela Lugosi no ateliê de Kandinski (7Letras, 2013), A mímica invertida dos desaparecidos (7Letras, 2014), Como assistir a um road movie em pé (7 Letras, 2016) e Do outro lado, sedimentos ou até onde a vista alcança (7Letras, 2018).
Alícia Duarte Penna nasceu em 1962, em Belo Horizonte. Publicou Duo Terno e Gravata (1984), Espelho Diário (2008) e Quarenta poemas e dez (2012), entre outros. Foi parceira da EMVIDEO em Cactus, Deodorina e Geografia das Sombras (vídeos); de Paulo Schmidt em Afinidades eletivas (exposição e cenas curtas); de Eduardo Guimarães Álvares em Pétala petulância (CD, Prêmio Associação Paulista de Críticos de Arte); de Rosângela Rennó em Espelho Diário (videoinstalação) e de Marcelo Santiago em Sonhos e desejos (longa-metragem). Arquiteta e doutora em Geografia Urbana, é professora (PUC Minas) e tradutora (Louis Kahn- Conversa com estudantes, A boa vida- visita guiada às casas da modernidade, entre outros).
Álvaro Andrade Garcia nasceu em Belo Horizonte, em 1961. É poeta e também escreve prosa, ensaios e roteiros. Tem 12 livros de poesia e 3 de prosa publicados. Diretor de audiovisual e multimídia, faz videopoemas e poesia digital para internet, aplicativos multimídia e videoinstalações interativas. Toda sua obra se encontra em www.ciclope.art.br.
Ana Caetano é poeta, tradutora e professora da Universidade Federal de Minas Gerais. Nasceu em Dores do Indaiá, MG, em 1960. Publicou os livros: Levianas (1984) e Babel (1994) com Levi Carneiro, Quatorze (1997) e Inventário (2016). Participou da coordenação dos projetos Temporada de Poesia (1994), Poesia Orbital (1997) e do CD Cacograma (2001). Foi co-editora da revista Fahrenheit 451 e dos jornais Inferno (1998) e Dez Faces (2007-2008). Assinou a coluna de poesia do jornal Letras do Café (2006–2009) e assina a coluna de literatura estrangeira do mesmo jornal desde 2017.
Ana Elisa Ribeiro é poeta, cronista, contista e autora de livros infanto-juvenis. Na poesia, seu título mais recente é Dicionário de Imprecisões (2019), publicado pela editora Impressões de Minas. Em 2014, foi semifinalista do prêmio Portugal Telecom com Meus segredos com Capitu (crônicas, pela Jovens Escribas) e Anzol de pescar infernos”(poemas, pela Patuá). Em 2016, venceu o prêmio nacional Manaus pelo livro Álbum, publicado em 2018 pela editora Relicário. É linguista, professora do CEFET-MG.
CARTA DO VELHO EDITOR AO COLEGA NO SÉC. XXI
Ana Martins Marques nasceu em Belo Horizonte em 1977. É formada em Letras e doutora em literatura comparada pela UFMG. Recebeu por duas vezes o prêmio Cidade de Belo Horizonte na categoria “Poesia”, em 2007 e 2008. É autora de A vida submarina (Scriptum, 2009), Da arte das armadilhas (Companhia das Letras, 2011, ganhador do prêmio literário Biblioteca Nacional de 2012), O livro das semelhanças (Companhia das Letras, 2015, ganhador do Prêmio APCA de Poesia e do terceiro lugar do Prêmio Oceanos), Duas janelas (Luna Parque, 2016, com Marcos Siscar), Como se fosse a casa (Relicário Edições, 2017, com Eduardo Jorge) e O livro dos jardins (Editora Quelônio, 2019).