Podcast by Minuto Leitura
MINUTO LEITURA: O Senhor das Moscas Durante uma evacuação em momento de guerra, um grupo de garotos entre os cinco e 14 anos sofre um acidente de avião e acabam isolados em uma ilha deserta. Sem contar com quase nenhum tipo de material, os jovens precisam sobreviver contando apenas com suas habilidades enquanto tomam decisões a respeito de como se organizar nessa “nova vida”. Essa é a história de “O senhor das moscas”, escrito pelo inglês William Golding em 1954 e foi, também, um dos principais motivos de o autor ter sido agraciado pelo prêmio Nobel de Literatura em 1983. Com uma escrita direta, esse primeiro romance de William Golding nos apresenta a um cenário de extremos, ficando de um lado a beleza de uma ilha paradisíaca intocada pelo ser humano e, do outro, o terror de ter um grupo de garotos perdendo gradativamente a inocência na medida em que os acontecimentos forçam tomadas de decisões e discordâncias sobre como devem agir ou quais suas prioridades no momento. O autor brinca com um tema aventuresco para mostrar como os conflitos surgem das diferenças e podem acabam causando consequências desastrosas pela falta de reflexão. É como se, mesmo no paraíso, a falta de uma ordem social maior e atuante fosse levando a vaidade e o egoísmo dos homens a gradativamente abandonar as antigas noções de civilidade, dando lugar à selvageria. Apesar do enredo forte, com ponderações sobre a vida em comunidade, a narrativa deixa para o leitor a missão de pensar sobre os motivos que nos tornam civilizados e o que aconteceria caso essas amarras sociais fossem rompidas. Essa é uma leitura curta, porém, de uma profundidade e delicadeza impressionantes, que merece ser feita mais de uma vez.
MINUTO LEITURA: O Conto Da Aia by Minuto Leitura
MINUTO LEITURA: O Aparicionista “Um tolo e seu dinheiro sempre se separam”. Essa é uma frase conhecida, embora não seja possível descobrir seu real autor. E a citação tem muito a ver com a história “O Aparicionista”, escrita pelo célebre dramaturgo alemão, Friedrich Schiller, em 1787. O romance apresenta uma história no estilo da literatura gótica, recém iniciado na época, e nos faz mergulhar nas reviravoltas vivenciadas por um príncipe alemão na cidade de Veneza, na Itália. Suas desventuras são marcadas por acontecimentos estranhos, figuras misteriosas e intrigas políticas envolvendo sociedades secretas. A narrativa é feita primeiro na forma do diário de memórias de um conde, amigo do príncipe e que o acompanha no começo dos acontecimentos. Depois, a história toma forma de um romance epistolar, por meio de cartas escritas por um barão que faz parte da comitiva do príncipe e fica encarregado de relatar os ocorridos ao conde - que precisou retornar à Alemanha. Nesse contexto ficamos sabendo que mesmo sendo uma pessoa prudente e reservada, o príncipe acaba ficando sem dinheiro por ser alvo de golpistas e falsos amigos que o arrastam aos prazeres carnais desmedidos noite após noite. Por todo o romance, Friedrich Schiller conta a respeito de conspirações, mistérios e ocultismo misturados a reflexões sobre o elitismo da sociedade na época. Com sua forma de escrita retórica e, por vezes rebuscada, é possível fechar os olhos e imaginar cada cena descrita pelo alemão como um momento vívido. Porém, é preciso esclarecer que apesar de uma obra muito bem elaborada, o livro ficou inacabado por conta da morte precoce do autor, que planejava ainda outras duas partes para sua história. Apesar de não revelar os desdobramentos das desgraças na vida do príncipe, a segunda parte da história encerra o livro de forma satisfatória e sem prejuízos à boa leitura.
Duas gerações de amores ardentes, paixões avassaladoras e um sentimento de ódio tão profundo que parece ser capaz de ultrapassar as barreiras da morte. Acrescente a esse misto de emoções, ciúmes viscerais e uma grande dose de egoísmo. Talvez só assim seja possível descrever as situações narradas em o “Morro dos Ventos Uivantes”, escrito por Emily Brontë no ano de 1847. A história é contada por dois personagens, sendo a empregada e um viajante que ouve atentamente todos os detalhes das intrigas que levam duas famílias a quase se destruírem pelas mãos de um homem que vem de fora. Nascida na Inglaterra, Emily Brontë descreve belas paisagens e reflexões angustiantes em seu único romance. A autora, que morreu de tuberculose aos trinta anos e apenas um ano depois de publicar o livro, é considerada um dos pilares da literatura feminina. Na obra, tudo começa quando um pai viúvo volta para casa trazendo um pequeno órfão que encontrara na cidade e, que dali em diante, passaria a ser criado junto aos seus filhos. Aqui é importante ressaltar que mesmo se tratando de um romance, com o amor como tema central, em quase 300 páginas o livro aborda assuntos como a escravidão, subserviência, agressão contra a mulher, violência infantil e o funesto desejo de vingança. A obra apresenta uma escrita simples, mas com floreios poéticos que retratam pequenos prazeres da vida bucólica no campo. Um clássico da literatura que evoca no leitor sentimentos como raiva e compaixão.
MINUTO LEITURA: Daqui a cinco anos Como você se imagina daqui a cinco anos? Essa é a premissa com a qual a autora, Rebecca Serle, inicia sua mais recente obra, que tem o mesmo nome da pergunta. Na história acompanhamos o cotidiano de Dannie Kohan, uma jovem e ambiciosa advogada nova iorquina, obcecada por números, prazos e em ter uma vida milimetricamente organizada. Muito embora a personagem central acredite estar totalmente no controle de sua vida, cronometrando cada passo de sua jornada, o universo parece não estar de acordo com o cronograma! Dannie vê seus planos serem afetados após uma noite em que um sonho arrebatador revela um destino com um homem que não é seu atual namorado, numa casa que não é a sua e com uma aliança nunca antes vista. Em uma primeira impressão “Daqui a cinco anos” pode passar apenas a imagem de um mero romance - o que não deixa de ser também - mas o texto aborda também questões como amizade, o papel da família na vida das pessoas, sonhos a serem alcançados, sobre o tempo e sua passagem e de como a impermanência da vida age sobre o destino. É um livro leve, de leitura agradável e pode atender aos leitores que procuram um texto de respiro, sem grandes digressões intelectuais, mas com uma deixa para mensagem de reflexão.
MINUTO LEITURA: O Alforje De forma mais racional a se pensar, um presságio pode ser encarado como uma análise de sinais ou pela leitura de indícios que se apresentaram em tempo oportuno. Mas se considerarmos as forças invisíveis que regem e sustentam o misticismo e a fé, um presságio pode ser compreendido como uma premonição, profecia ou mesmo por uma forte intuição. E uma vez que esse augúrio toca o coração de uma pessoa, ali se instala uma inquietude que chega até as profundezas da alma. Um sentimento que cresce no peito e clama por mudança, para a evolução. E é disso que se trata o livro “O Alforje”, da escritora iraniana Bahiyyih Nakhjavani e publicado ano 2000. A autora trabalhou como professora, mas atualmente dedica sua carreira profissional na escrita de ensaios e romances. Por todo o livro, podemos perceber a inspiração calcada na cultura do Oriente Médio, com sua história e personagens célebres, o que revela o engajamento com as questões de sua terra natal. Em especial, o Alforje é carregado de uma filosofia religiosa que vai se abrindo aos poucos, com prenúncios auspiciosos à respeito da vida e os sinais que ela nos dá sobre como seguir os caminhos futuros. A escrita é leve, direta e vai gradualmente crescendo em ritmo e discurso até um ápice. O que a literatura de Nakhjavani nos demonstra, também, é a força em não aceitar sem questionar, para que se possa ascender em conhecimento, evoluir em defesa da igualdade racial e a harmonia espiritual entre toda humanidade. Em “O Alforje”, a história se abre ao mesmo tempo em que desnuda a vida e os pensamentos de cada um dos personagens, mostrando suas qualidades e defeitos. Com a filosofia servindo como guia para cada desfecho durante a narração, há muito o que se aprender com as palavras contidas ali. Uma leitura rápida, reflexiva e arrebatadora!
MINUTO LEITURA: Artigo 353 do código Penal Em frente ao juiz, sentado em uma sala simples, mas adequada para que um homem possa descrever os pormenores que o levaram a cometer assassinato e a maneira como consumou o crime. Desta forma se inicia o romance “Artigo 353 do Código Penal”, escrito pelo francês Tanguy Viel. Nele, o personagem Kermeur está narrando os acontecimentos que o incriminam da morte de um empresário, de maneira calma e de modo simples como um interiorano. Assim percorremos uma história de mistério que vai sendo elucidada a medida em que uma investigação transcorre, baseada em uma confissão surpreendente. O livro foi lançado em 2018 e depois publicado no Brasil por meio de incentivo à cultura por parte da embaixada da França no Brasil e do apoio do Ministério francês da Europa e das Relações Exteriores. Com ele é possível acompanhar uma história moderna, com seus dramas e narrativa de reviravoltas, feita por um autor contemporâneo mas já reconhecido e premiado como autor revelação e como um dos escritores mais lidos na França. Sua história cativa pela conversa direta, que vai envolvendo cada importante passo ao longo dos últimos anos da vida de Kermuer. Apesar da linguagem fugaz, o personagem é tomado por momentos de reflexão a respeito de uma série de acontecimentos completamente banais, mas que foram gradualmente tomando conta do seu dia a dia até não ser mais possível viver aquela situação. Quando vista na perspectiva de quem passou pelo desgaste nas relações familiares com a ex-mulher e o filho, o relato mostra toda a dor de quem se sente oprimido e torturado pela fragilidade em ter de tomar decisões e conviver com suas consequências. Desta forma, ao analisar o passado, Tanguy Viel nos convida a refletir a existência do presente.
MINUTO LEITURA: O Homem-Abelha de Orn Uma simples pergunta, e bastou apenas ela, para surpreender e projetar sombras repentinas sobre um coração já velho e acostumado com toda uma vida. É possível que o velho nunca tenha refletido sobre o assunto até ser questionado por um viajante sobre o motivo de ter sido transformado. A partir daquele momento, a informação perturbou a mente do idoso a ponto de fazê-lo abandonar sua humilde rotina para iniciar uma viagem que revelasse sua verdadeira origem. Esse é o início da aventura de “O Homem-Abelha de Orn”, publicado em 1887 pelo norte-americano Frank Richard Stockton. Toda a aventura se passa no fantástico país de Orn, um lugar onde a fantasia fica mais evidente em detalhes e na peculiar interação entre as criaturas místicas que aparecem durante a saga do Homem-Abelha. Mesmo sendo feio, desarrumado, encarquilhado, marrom, pobre e parecer que as abelhas eram suas únicas amigas, o velho era feliz. Apesar disso, abandona a tranquilidade e parte em busca da sua verdadeira origem e, porventura, de toda uma outra vida que seja diferente da sua. E esta jornada é feita de encontros inusitados com um que impulsiona o desenrolar da viagem. Assim o país é percorrido desde sua extrema beleza ao local das mais horríveis criaturas, enquanto o idoso pensa e observa. O norte-americano foi jornalista, escritor e humorista de carreira consolidada por uma coletânea de contos de fadas à época considerados modernos e inovadores para adultos e crianças. A escrita de Frank Richard Stockton é agradável e influenciada pela ficção científica e literatura gótica do século XIX. “O Homem-Abelha de Orn” pode ser encarado como uma versão norte-americana para as fantasias produzidas pela Era Vitoriana na Europa. Como um convite para uma profunda reflexão sobre a forma como enxergamos a sociedade, essa obra pode ser, também, apenas uma bela ironia social
MINUTO LEITURA: Cem anos de Solidão A trajetória de gerações da família Buendía em toda sua glória e decadência desde os primeiros dias em que abriram caminho por entre um pantanal latino-americano, onde fundaram o vilarejo de Macondo, até a decrepitude em que a cidade se tornou. Essa é a história de “Cem anos de Solidão”, o maior clássico escrito pelo colombiano Gabriel García Márquez, publicado em 1967 e que leva em conta toda influência da sua vida como jornalista e observador da cultura latina, principalmente a caribenha. Tudo muito bem mesclado ao realismo mágico que torna os acontecimentos cotidianos um pouco mais do que apenas corriqueiros, mas causos incríveis. Como o próprio nome do livro denuncia, grande parte da história se passa a contar a respeito da solidão que assola a família Buendía de uma forma diferente para cada membro, com suas escolhas e renúncias sobre os momentos decisivos que terminam por mover a narrativa entre as épocas. Por vezes a história apresenta situações cômicas, mas se debruça com muito mais intensamente pelas tragédias que marcam cada geração dessa família e a relação direta com a cidade que ajudaram a fundar. As ligações entre o passado e o presente dos Buendía resulta em um futuro completamente inesperado pelo leitor, mesmo que a vida familiar sugira uma constante repetição de fatos. Parte da beleza em “Cem anos de solidão” está na sugestão de algumas situações e fatos que não são exatamente explicados, permanecendo subjetivos em nossa compreensão mais íntima. Nessa obra, García Márquez demonstra toda a habilidade de sua escrita cuidadosa e bem trabalhada em favor de uma história que pega momentos de sua vida para reescrever com a magia e genialidade que lhe renderam o prêmio Nobel de Literatura em 1982. Cem anos de solidão é um desses instantes em que um escritor consegue transcrever diversos sentimentos em palavras e organizar tudo em um livro - e esse é daqueles que marcam a humanidade e precisam ser lidos mais de uma vez.
O entendimento que as crianças têm a respeito da vida, normalmente é bem diferente do que a visão dos adultos. E não só pela inocência, mas pela simplicidade com que os problemas são resolvidos por meio da criatividade. Mesmo que esses problemas tenham um significado muito mais profundo e sério, como o preconceito puro e ignorante pela cor da pele. Talvez, por isso, uma criança negra, discriminada de todas as formas possíveis, deseje ver a vida através de outros olhos que não os seus. E é nesse contexto que se desenrola “O olho mais azul”, publicado em 1970 pela escritora Toni Morrison. O livro traz inúmeros tipos de violência sofridos por conta da cor de pele, mas não só por isso e nem sempre cometidos por brancos. A temática do racismo e o preconceito conduzem toda a história, com suas diversas nuances que vão revelando pouco a pouco os motivos de agir de cada personagem. Apesar da brutalidade do tema, a norte americana Toni Morrison consegue humanizar as motivações pessoais apresentando, antes, o sofrimento e as injustiças vividas por todos os personagens que se entrelaçam nesse drama. E nesta obra, a autora, primeira mulher negra a receber o prêmio Nobel de literatura, mostra que a honraria feita em 1993 foi devidamente justificada. A escrita de Toni Morrison é leve, fluida e a forma de contar as emoções ocorridas com cada personagem, nos faz ter compaixão pela vida de cada um. Apesar disso, a escritora não deixa de mostrar o lado perverso de alguns deles mesmo antes de nos mostrar as motivações que os tornaram cruéis. E aqui temos um ponto interessante que é a maneira de abrir os capítulos, em que Morrison vai resgatando a vida pregressa de um personagem específico para justificar suas escolhas do presente e assim continuar os acontecimentos que levam aos tristes momentos finais. Uma leitura densa e assustadora ao mesmo que delicada, o que inspira reflexão sobre nossas atitudes no cotidiano. Esse é um livro que merece ser lido por todos. Por Janary Damacena.
MINUTOS LEITURA: Viva a Música! María del Carmen é pouco mais que uma menina com condições de aproveitar a vida confortável proporcionada pelos abastados pais, na cidade de Cáli, na Colômbia da década de 1970. Seus desejos saciados sem limites por todos à sua volta, fazem com que a bela jovem embarque em uma jornada desenfreada e autodestrutiva pelos meandros da noite, entorpecida por todos os tipos de drogas disponíveis enquanto se movimenta esguiamente pelos embalos do rock em língua inglesa e da salsa latina, procurando desesperadamente fazer com que a festa nunca termine. É dessa forma alucinada, direta e impactante que o escritor colombiano Andrés Caicedo nos apresenta o livro “Viva a Música”. Publicado em 1977, a estreia de seu único romance marca, também, o ano da trágica morte do autor com apenas 25 anos. A obra possui um ritmo frenético, que pode até mesmo causar certa estranheza em um primeiro momento, mas tudo ali se justifica para apresentar uma descida vertiginosa à decadência irresponsável, em que acompanhamos a degradação física e mental da linda menina de cabelos longos e dourados da cor dos raios de sol, que relata cerca de um ano e meio de sua trajetória. Por todo o livro de Andrés Caicedo podemos praticamente ouvir a música tocando a cada página virada, principalmente pela mescla entre as letras de músicas com a narração dos eventos contados por María. A habilidade do autor em juntar literatura de diferentes tipos aos sons também tão difusos entre si, torna essa aventura literária fascinante ao mesmo tempo que assustadora. Viva a Música é uma leitura que pode ser comparada a um trem desgovernado que ruma ao precipício enquanto a maquinista admira a velocidade de seus cabelos ao vento, sorrindo aos rapazes que jogam cada vez mais carvão no motor.
MINUTO LEITURA: A Peste Uma cidade completamente isolada do restante do mundo, com seus moradores presos em quarentena por tempo indefinido depois que uma doença misteriosa surge e começa a matar seus habitantes. Em um primeiro momento as pessoas não levam muito a sério o que está acontecendo, muito menos o governo local, até que a situação se agrava e o número de mortes rapidamente chega às centenas, todos os dias. Não, essa não é uma história real. Pelo menos, não a que nós estamos vivendo hoje. Essa é a história do livro “A Peste”, publicado em 1947 pelo escritor Albert Camus. A obra é uma reflexão muito minuciosa a respeito da condição humana diante de um momento em que as dúvidas e o medo estão mais presentes na vida de pessoas simples do que qualquer outra coisa. Todos estão impedidos de sair da cidade ou de manter uma vida normal, pelo menos, como era antes da epidemia da doença acontecer. E, aqui, Albert Camus aproveita toda sua percepção da humanidade para traçar o realismo nas atitudes das pessoas e suas reações quando estão em sitiadas em suas próprias casas, com receio de tudo e até mesmo de quem está tentando ajudar. Camus tem uma escrita densa e em diversos momentos de “A Peste”, nos faz pensar sobre a forma de levar a vida e nas coisas que deixamos para trás com o passar do tempo e das adversidades. Todas as linhas que compõem esse livro, demonstram a melancolia de quem passou tempo demais analisando a alma humana e seus dilemas morais, talvez por seu ofício como jornalista ou por sua formação filosófica, mas o fato é que sua escrita é avassaladora e revolucionária. Tanto que sua genialidade foi mundialmente reconhecida em 1957, quando recebeu o prêmio Nobel de Literatura. A Peste é uma queda livre na consciência de um povo e é urgente que em tempos como este, seja um livro para ajudar a refletir a vida.
MINUTO LEITURA: Primavera de Cão Uma narrativa baseada em memórias reais que se misturam a momentos ficcionais em uma busca incessante por respostas ao silêncio de uma ausência. Assim transcorre toda a história do livro “Primavera de Cão”, do escritor francês Patrick Modiano. A história conta trechos da vida de um jovem que dedica grande parte do seu tempo em companhia (e ausência) de um fotógrafo mais velho que a cada dia se isola mais do mundo, fechando-se em si mesmo e sem permitir a aproximação que mesmo as pessoas mais próximas como antigos amigos ou grandes amores. Todas essas lembranças são analisadas pelo personagem principal, que hoje aparenta ter a mesma idade que o fotógrafo tinha na época em que os fatos ocorreram. Isso faz com que o rapaz tenha um entendimento maior da vida naquele período que vai surgindo a cada página, entre passado e presente. Talvez a ausência seja o grande tema do livro “Primavera de Cão”, e a forma como o silêncio nos envolve, marcando a vida de modo firme, seja um convite para a reflexão de nossas próprias vidas. E nisso podemos constatar a genialidade de Patrick Modiano, que foi agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura em 2014. Esse é o último dos três livros que compõem a "trilogia essencial" do escritor francês - que mesmo sendo uma trilogia, possuem histórias independentes, mas ligadas pelos detalhes de uma autobiografia romanceada. A maneira como a narrativa se desenrola nos oferece um sentimento de "melancolia necessária" para refletir o desenrolar de uma vida. Cada palavra melancólica tem sua justificativa necessária dentro do texto, em que o autor alerta a juventude afirmando: "Não se preocupe, meu jovem... Eu também costumava cair em buracos negros com frequência...". Uma bela obra, que transborda sensibilidade e nos faz pensar sobre os motivos de uma ausência inexplicável.
MINUTO LEITURA: O Rei de Amarelo Imaginem uma entidade existente em outro planeta, em outra dimensão ou mesmo plano de existência diferente do nosso, mas com poderes indescritíveis que podem gerar alterações e influenciar a mente de pessoas mais sensíveis na humanidade. Essa influência vai ocorrendo de diversas formas diferentes, como um pesadelo, um ataque de pânico em meio à uma multidão, uma música sinistra, uma peça de teatro, mas principalmente pela leitura de um livro profano que vai levando seus leitores à loucura - e por mais que a sanidade vá se esvaindo a medida em que as páginas são passadas, a pessoa não consegue parar de ler, precisa chegar ao final! Pois bem, essa é a influência exercida pela entidade chamada de o “Rei de Amarelo”, que foi criado pelo escritor norte americano Robert Chambers e publicado em um livro de contos de terror em 1895, sob o mesmo nome da criatura. Esse livro é tido como uma das maiores influências para os escritores de histórias de terror e hoje em dia é citado em muitas histórias, séries de TV e quadrinhos. Com uma escrita típica da época vitoriana, Robert Chambers nos apresenta contos que mostram toda sua habilidade em narrar decadência de uma mente atormentada pelo medo. Apesar disso, suas histórias diferem das demais por trazer o elemento de horror cósmico, pouco ou quase nada abordado até então. De família abastada, o autor norte americano nunca precisou escrever para sobreviver e isso lhe deu bastante tranquilidade para explorar diversas ideias e aproveitar suas experiências pessoais para criar seus textos, mesmo que nem todos falassem sobre criaturas sobrenaturais. Fato é que as emoções que seus contos passam são de apreensão ao termos a perspectiva de seus personagens, sempre atormentados pela presença e influência do Rei de Amarelo.
A força poética dos instintos mais primitivos do ser humano, utilizados como combustível para a produção artística sincera, com sentimentos como dor, solidão, amor e sexo. Esses são os elementos descritos pelo alemão Rainer Maria Rilke como a forma mais honesta para quem pretende se aventurar pelos meandros da poesia. Foi o que registrou em uma série de cartas que, após sua morte, foram compiladas e transformadas no livro “Cartas a um jovem poeta”, publicado em 1929. Rilke já era um famoso escritor em 1903, quando recebeu a carta de um rapaz que pedia conselhos para também se tornar um poeta. Assim se inicia uma longa troca de correspondências entre os dois, que vai muito além de ideias ou dicas a um aprendiz inexperiente. Rilke conta sobre sua vida, as viagens que estava fazendo pela Europa, aborda o que considera os fundamentos mais importantes para a criação literária, como o relacionamento entre as pessoas, a honestidade dos sentimentos passados ao papel pela necessidade de escrever e aborda até mesmo a fé e a crença em Deus. Considera o maior poeta de língua alemã do século XX, suas belas páginas de prosa influenciaram gerações de poetas, inclusive, muitos escritores brasileiros que chegaram a traduzir alguns de seus materiais para o português. O autoconhecimento e a valorização dos sentimentos mais íntimos do ser humano convertidos em palavras mostram a essência mais delicada da vida. Essa é a marca principal dos textos em “Cartas a um jovem poeta”. Apesar de todos os floreios sentimentalistas abordados por Rilke, este é um livro curto, simples e direto, que merece ser lido e relido para trazer suavidade à alma. Por Janary Damacena.
Uma narrativa delicada sobre temas cotidianos da vida em que os assuntos mais angustiantes e difíceis de lidar estão embalados por palavras sutis, escritas de maneira suave para que o impacto da dura realidade seja sentido apenas depois de uma leve reflexão. É impossível não se identificar em algum momento por um dos contos que compõem o livro “Interprete de Males”, da escritora Jhumpa Lahiri. Uma obra que torna latente o sentimento da solidão em momentos distintos por cada conto. É possível que o olhar singelo da autora em meio aos fatos corriqueiros que entrelaçam os personagens em cada um dos contos, seja justamente por conta de sua vivência como filha de indianos que moravam na Inglaterra e posteriormente nos Estados Unidos. Assim, sua formação multicultural é reverberada nas situações e trejeitos dos personagens. A obra recebeu o Prêmio Pulitzer de Ficção no ano de 2000, no que é considerada uma das premiações mais importantes para a literatura norte-americana. Por todo o livro “Intérprete de Males”, temos relatos a respeito da vida de indianos, ou seus descendentes, vivendo nos Estados Unidos. Os personagens presentes em cada história têm marcas de sentimentos poderosos, como a angústia por notícias da família, a saudade da terra natal, um relacionamento que se esfacela, entre outros momentos trágicos que são contados com tamanho cuidado por Jhumpa Lahiri que acaba por nos transportar para seus cenários, onde os sentimentos dos personagens são quase palpáveis. Um livro em que a poesia está na forma como as agruras da vida são retratadas Por Janary Damacena.
MINUTO LEITURA: Butcher's Crossing Um jovem desiste de um promissor futuro acadêmico dentro uma das mais prestigiadas universidades dos Estados Unidos na década de 1870, para realizar uma viagem em busca de autoconhecimento em meio a natureza selvagem – um lugar bem diferente da boa criação de um filho de pastor de uma cidade grande. Esse é o enredo de abertura do livro “Butcher's Crossig”, do norte-americano John Williams, publicado em 1960 e que retrata um pouco do drama da vida no árido faroeste a ser desbravado. O escritor John Williams é um gênio! Suas palavras são certeiras para nos fazer imaginar exatamente o cenário daquela época, como na simples caminhada pela rua principal da cidade enquanto um rastro de poeira sobe a cada passo de Andrews, o personagem central, que é pouco mais que um menino. Um dos pontos mais inteligentes da escrita do norte americano é sua habilidade em descrever uma cena sem abusar da repetição das palavras ou usar sinônimos complexos. Isso torna o texto leve ao mesmo tempo em que temos o peso das consequências de uma viagem como essas. Nessa história, um experiente caçador de pele de búfalos convence Andrews a fechar uma parceria que os levará por entre o oeste selvagem durante meses de caçadas e luta por sobrevivência, enquanto lidam com as diferentes personalidades de cada um. John Williams cria personagens fortes ao mesmo tempo que transbordam humanidade, transparecendo os anseios e medos, assim como as convicções que cada um carrega sobre como guiar a vida. Uma leitura que acelera gradualmente à medida em que as páginas vão contando os dias vivenciados pelos caçadores, quase em um paralelo ao amadurecimento pessoal do rapaz. Por Janary Damacena.
A angustiante espera de um condenado que os dias contados para encerrar com o pescoço na guilhotina, mas não sabe ao menos quanto tempo lhe resta de vida. Somado a isso ainda existe um pedaço de esperança de que o rei tenha misericórdia da pena de morte e troque por trabalhos forçados até que morra naturalmente. E todo esse desespero é descrito pelo prisioneiro quase diariamente por meio de uma pena, papel e tinta que consegue na prisão. Assim decorre toda a história de “O último dia de um condenado”, publicado em 1829 pelo francês Victor Hugo. Com uma carreira literária iniciada desde cedo, publicando sua primeira obra já aos 20 anos, Victor Hugo tem uma escrita suave, que flui de maneira agradável como um amigo que nos conta uma história durante uma roda de conversa. De mente afiada, o escritor narra dando forte ênfase aos detalhes nas emoções humanas e como decorre essa interação com o mundo. Na metade da vida, o francês direciona os dramas envolvidos em seus livros para causas sociais, como no caso de “O último dia de um condenado”, em que o autor se posiciona contra a pena de morte, independente do crime. Na história, lemos o registro dos torturados pensamentos de um condenado, transformados em palavras de desconsolo na medida em que a ideia de ter a cabeça decepada aumenta a opressão de viver encarcerado em uma masmorra. Assim, desde o julgamento, acompanhamos todos os acontecimentos dos últimos meses da vida desse prisioneiro. No formato de relato em primeira pessoa, Victor Hugo nos faz seguir por entre memórias da infância, da juventude e os acontecimentos mais recentes de dentro da prisão. Uma leitura rápida em menos de 200 páginas, mas com um grande poder para nos levar à reflexão do valor da vida.. Por Janary Damacena.
*MINUTO LEITURA: As Verdadeiras Riquezas* Era comum ouvir o leve badalar do sino pendurado acima da porta de uma pequena livraria na Argélia, enquanto os jovens entravam e saiam fazendo do local um refúgio sagrado do conhecimento durante as duas guerras que assolaram essa nação da África do Norte, durante o século XXI. Duas narrativas são contadas em paralelo: o passado e o presente da fundação e queda da livraria e editora ocorrem simultaneamente enquanto intercalam o direcionamento dessa história, a partir de 1936. “As Verdadeiras Riquezas” é uma obra delicadamente bem escrita pela argelina Kaother Adimi. Nascida na Argel de 1986, a autora traz consigo muitos reflexos da situação política da região ao longo dos anos como as ideias sussurradas em rodas de debate entre os adultos na rua, ou da escassez de papel para publicar livros, entre outros detalhes. Kaother consegue passar as emoções que seus personagens exalam durante a história, em situações simples, porém, carregadas de referências ao cenário literário da época entre a França e a Argélia. Desde o lançamento, em 2017, o livro tem colecionado prêmios de literatura por vários países na Europa. Ao mesmo tempo em que Kaother repassa os pontos da vida de Edmond Charlot ao fundar a Livraria “As Verdadeiras Riquezas”, a autora narra a chegada de um jovem que em nossos dias atuais, está incumbido de desmontar a livraria que vai dar lugar a um estabelecimento de outro tipo, acabando de vez com o espaço cultural. A medida em que as duas histórias vão chegando ao ápice, fica a sensação de que a qualquer instante elas vão se cruzar, mesmo separadas pelo tempo. Um livro sensível, que resgata um momento cultural e político na Argélia se apoiando entre realidade e ficção na tentativa de achar respostas do passado que possam responder aos questionamentos do futuro.
*MINUTO LEITURA: As avós* Duas mulheres ligadas pela intimidade de terem crescido juntas e dividido confidencias e lealdade por mais tempo do que elas conseguem se lembrar desde eram apenas crianças. Tudo na trajetória das duas amigas foi compartilhado de forma intensa por ambas, mesmo que as semelhanças fossem encontradas em lugares onde elas não existiam. E assim transcorre a história de “As avós”, livro publicado em 2003, da escritora iraniana Doris Lessing, que poucos anos depois, em 2007, foi vencedora do Prêmio Nobel de literatura. Filha de pais britânicos, a autora nasceu em 1919, na Pérsia (onde atualmente é o Irã). Poucos anos depois se mudou com a família para a África, onde passou a juventude até se estabelecer na Inglaterra, quando publicou o primeiro livro. A força de sua escrita se destaca em narrações épicas sobre a existência feminina e a forma como se comportam. Suas palavras são certeiras quando transcreve sentimentos mesmo que não se demore muito em descrições. Com uma leveza no texto, a leitura de sua obra é rápida, fluida, gostosa de seguir e difícil de largar antes que as páginas se acabem. Quase toda a história em “As avós” gira em torno de uma situação que, de tão inusitada, sua estranheza torna a natural e até compreensível. Mesmo que os fatos mexam com a ambiguidade de relações amorosas, a parte mais sensível está na forma tranquila com que o drama é vivenciado pelas mulheres e seus filhos. Em cerca de 100 páginas, Doris Lessing escreve com muito bom-humor e diálogos inteligentes, um amor que bate de frente com as convenções sociais e a estrutura familiar tradicional. Enviado do meu iPhone
MINUTO LEITURA: A Montanha Mágica No topo de uma montanha nos alpes suíços está localizado um sanatório que trata e cuida, de maneira inovadora, de pessoas doentes de tuberculose. E é para lá que parte o jovem Hans Castorp, que desde muito novo tem a saúde um pouco mais frágil. O motivo de sua visita ao sanatório é descansar para se recuperar de uma anemia antes que possa iniciar o trabalho como engenheiro naval na Alemanha. A família o envia para lá, a fim de que se encontre com um primo que é militar e está se tratando da tuberculose. Esta é a introdução de “A Montanha Mágica”, do alemão Thomas Mann. O livro, publicado em 1924, não é uma leitura simples. São mais de 800 páginas de assuntos densos e uma quantidade enorme de temas abordados pelos personagens. Mas tudo é narrado de maneira impactante por Thomas Mann, que em 1929 foi vencedor do prêmio Nobel de literatura. E por todas as páginas da obra, o autor percorre esses assuntos de maneira detalhada, demonstrando seu profundo conhecimento sobre medicina, biologia, literatura e artes, além nos apresentar reflexões importantes a respeito da sociedade e da política. Com um domínio fantástico sobre as palavras, Thomas Mann é criterioso na escolha de cada uma das que nos apresenta em todas as longas descrições que faz. E aqui é importante avisar que o livro é completamente tomado por descrições detalhadas sobre a vida na montanha, os hábitos peculiares de cada personagem, o clima e o ambiente em que vivem. Tudo isso faz sermos transportados para o dia a dia dos que vivem “lá em cima”, nos fazendo esquecer do tempo e da vida dos que estão “lá embaixo”. Escalar essa montanha é uma tarefa árdua, mas chegar ao seu topo compreendemos porque ela é mágica.
MINUTO LEITURA: A morte de Ivan Ilitch* A morte em seu derradeiro momento final, com todas as reflexões e pensamentos passíveis a uma mente ainda saudável que se recusa a acreditar que o fim chegou. As lembranças de toda uma vida passam velozmente enquanto cada escolha é medida e avaliada pelo moribundo Ivan Ilitch, que se encontra confinado em seu divã, sem forças para levantar as próprias pernas ou mesmo para emitir poucas palavras a sua família. Esse é o enredo de “A Morte de Ivan Ilitch”, do escritor russo Liev Tolstói - um dos maiores gênios da literatura de todos tempos. Publicado em 1886, essa curta novela demonstra todo o poder das palavras de Tolstói, um escritor de família rica que abdicou da vida com a nobreza russa para se dedicar às famílias pobres de camponeses. Suas obras expressam toda inquietude sobre os mistérios da alma humana e aquilo que vem a nos tornar pessoas boas. Esses são reflexos de suas recorrentes crises existenciais e dos questionamentos a respeito da fé que move as pessoas humildes. Seus textos influenciaram grandes nomes da literatura por todo o mundo e ainda hoje são um marco na história da literatura. A morte de Ivan Ilitch é uma de suas últimas obras e desde a primeira página do livro sabemos qual o destino do personagem principal. Dali em diante acompanhamos as recordações dos principais momentos na vida de Ivan ou, pelo menos, aqueles que o personagem julga como as decisões que mais definiram a trajetória de sua vida: a profissão como juiz, o casamento e a vida junto aos filhos. De maneira emocionante, Tolstói consegue tornar o leitor um espectador presente no quarto de Ivan Ilitch, observando a queda e ascensão de uma vida torturada em seus últimos dias. Essa é uma leitura nada menos que obrigatória!
MINUTO LEITURA: Negrinha e outros contos Histórias tão bem elaboradas, com um realismo histórico incrivelmente vivo, que fica muito difícil acreditar que alguma delas não tenha sido inspirada por fatos reais praticamente observados pelo narrador. E aí nesse ponto é que entra o assombro que os contos evocam, pois, a maior parte das histórias presentes em “Negrinha e outros contos”, escrito por Monteiro Lobato apresenta as agruras da vida no século passado. Principalmente dos negros durante e logo após o fim da escravidão no Brasil. Mas não é só deles que os contos falam, tratam também dos pobres, dos injustiçados e, também, dos que caíram em desgraça. Sem qualquer prêmio para enaltecer sua carreira literária, o brasileiro é reconhecido principalmente por suas obras infantis, traduzidas por todo o mundo. Então, para quem conhece Monteiro Lobato apenas pela celebre coleção do Sítio do Pica Pau Amarelo, vai se surpreender com a temática mais adulta dos contos selecionados para esta obra. É como se pudéssemos vislumbrar Monteiro Lobato arregaçando suas mangas para criticar todo um pensamento e atitudes nefastas que tomavam conta das elites nos primeiros anos do século XX. Com uma escrita densa e por vezes furiosa, o autor brasileiro se lança com sagacidade por temas como o sarcasmo, a farsa, o drama e as tragédias de uma sociedade escravocrata que acabara de perder o controle sobre a chibata. Sua destreza com as palavras faz com que cada conto seja praticamente devorado pelo leitor, como se a cada história, precisasse de mais para se satisfazer. Cada conto possui uma reflexão importante sobre a vida, por mais escondida que esteja. Um grande gênio brasileiro, com uma brilhante seleção de contos. Janary Damacena
*MINUTO LEITURA: Amiga de Juventude* Histórias sobre a vida comum e as relações entre pessoas com diferentes tipos de intimidade. Todas contadas de uma maneira falsamente despretensiosa que se embrenha na complexidade dos sentimentos envolvidos em cada uma das situações apresentadas por Alice Munro em seu livro de contos “Amiga de Juventude”. Em todos os contos é possível perceber uma constante alternância narrativa como se a pessoa que descreve as histórias em certos momentos estivesse dando um testemunho pessoal e em outros estivesse contando um acontecimento que nada tem a ver com ela, tudo no mesmo texto. Ao longo de sua carreira, a escritora canadense Alice Munro foi premiada diversas vezes, mas o reconhecimento máximo veio com o Nobel de Literatura em 2013. Por falar em Canadá, quase todos os contos deste livro se passam em cidades de sua terra natal ou são personagens originários de lá. Além disso, as mulheres são sempre a personagem principal nas histórias, seja com seus pontos de vista sobre o cotidiano, sobre os homens, sobre sentimentos ou com o enredo girando ao redor de suas vidas. Em Amiga de Juventude, os temas abordados por Alice Munro estão sempre ligados a reflexões sentimentais, mas não de forma melodramática. São assuntos pertinentes a qualquer pessoa, como paixão, traição e autodescoberta. Tudo relacionado ao passado das protagonistas - nem sempre agradável, porém marcante ao ponto de influenciar toda a vida até o momento atual em que as histórias se passam. Com uma linguagem simples e bem trabalhada, a escritora mostra acontecimentos sob diferentes perspectivas, no caso, diferentes mulheres que resgatam detalhes mundanos para estabelecer uma conexão com outras vidas. Por Janary Damacena.
TEC/VINHETA DE ABERTURA - MINUTO LEITURA COM JANARY DAMACENA Era uma noite chuvosa na pequenina cidade de Berlevaag, situada na Noruega, no ano de 1871, quando duas irmãs recebem à sua porta, uma mulher abatida pelas agruras da guerra civil francesa. Com ela, apenas uma carta de recomendação, na verdade, um pedido de um antigo conhecido das duas senhoras, que suplicava abrigo para a recém-chegada que após muito sofrimento conseguiu fugir da morte e agora precisava de um lugar seguro para se estabelecer. Sem falar uma só palavra na língua local, a mulher, chamada Babette é acolhida na condição de governanta e cozinheira. E assim se desenrola a história da “Festa de Babette”, que na verdade é um conto publicado pela dinamarquesa Karen Blixen em 1958. Possivelmente com uma vida mais sofrida do que a personagem principal de sua história, Karen Blixen, publicou seu primeiro livro aos 41 anos após a morte do segundo marido e do fracasso da plantação de café da família. Foi então que alcançou o sucesso como escritora, sendo nomeada ao Prêmio Nobel de Literatura por diversas vezes, mas infelizmente sem conquistar a premiação. Apesar disso, até hoje é reconhecida como umas das personalidades mais importantes na história da Dinamarca. Sua escrita é leve, graciosa e mesmo ao falar das dificuldades da vida, mantém uma suavidade gostosa de ler. Cuidadosa na escolha das palavras, “A Festa de Babatte” possui um texto sucinto e bem objetivo, onde as ideias apresentadas não se perdem em longas descrições. Mesmo assim é uma obra bonita, forte e que exercita nossa reflexão com temas como promessa, família, ego, religião, espiritualidade e vida. O conto possui personagens bem construídos que vão levando a história até o ápice com um jantar, onde compreendemos o sentido da verdadeira festa de Babette. Essa é uma leitura de interpretação abrangente, que permite a cada leitor uma conclusão diferente.
MINUTO LEITURA: O Tesouro da Casa Velha Contos sobre a vida simples de quase 100 anos atrás no interior do Brasil. Esse é o cenário de “O Tesouro da Casa Velha”, livro póstumo de Cora Coralina, publicado em 2000 e que tem como pano de fundo o estado de Goiás e algumas de suas pequenas cidades e fazendas. É verdade que são histórias simples, mas nenhuma delas pode ser considerada ingênua, uma vez que cada um dos contos desta obra passa uma mensagem importante sobre a vida e a forma de lidar com as dificuldades mundanas. Tudo proveniente das observações do mundo ao redor da autora. Em muitos sentidos, Cora Coralina é um fenômeno maravilhoso na literatura brasileira. Apesar de ter começado a escrever histórias e poesias aos 14 anos - e isso lá pelos idos de 1903; sua carreira literária só teve início com a publicação do primeiro livro na década de 1960, quando já era uma senhora de 76 anos. Dona de uma sensibilidade apurada, seus textos são carregados de emoção e beleza descritiva, que nos fazem refletir sobre a vida e seus acontecimentos enquanto narra histórias às vezes divertidas, às vezes trágicas, mas sempre cativando a quem tiver o coração aberto. A escrita de “O Tesouro da Casa Velha” é fácil de ler, mas não se deixe enganar, pois a senhora que fazia doces e bolos para sobreviver, sabia também, usar palavras rebuscadas e as deixou cair em alguns pontos pelas histórias que escreveu. Apesar disso, é necessário cautela ao chegar nessa leitura, pois a poesia das palavras com que cada conto foi elaborado torna esta obra muito agradável a tal ponto que chega a dar certo vazio na mente ao finalizar as menos de 150 páginas. Mas não se intimide com o aviso, ler Cora Coralina é quase uma necessidade, é descobrir uma escritora que nasceu para encantar. Por Janary Damacena.
MINUTO LEITURA: Admirável Mundo Novo "A maioria dos homens e mulheres crescerá para amar sua servidão e nunca sonhará com a revolução." – A frase é uma das citações que marcam o pensamento de toda a obra em “Admirável Mundo Novo”, escrita pelo inglês Aldous Huxley em 1931. A história nos conta a respeito de um futuro sombrio para a humanidade, um momento em que a tecnologia é extremamente avançada influenciando e interferindo na própria vida humana – tanto, que todas as pessoas são geradas em laboratório e não mais pelas relações pessoais. Considerado um dos maiores intelectuais do século XIX, Aldous Huxley estudou medicina, filosofia e literatura, além de ter servido ao exército durante a primeira Guerra Mundial. Apesar de não ter sido premiado com o Nobel de Literatura, seu nome foi indicado sete vezes. E todo esse conhecimento não foi desperdiçado em suas obras, tendo em “Admirável Mundo Novo” seu maior expoente. O livro traz uma linguagem simples, mesmo que tenha conceitos mais rebuscados em certos trechos que aliam a ficção científica ao debate da condição humana, seu livre-arbítrio e sua moralidade. Nessa distopia, o principal tema é preocupação ideológica com a liberdade individual em detrimento ao autoritarismo do Estado. No livro, toda a população é condicionada biológica e psicologicamente para servir da forma mais submissa possível a uma sociedade baseada em castas. Isso quer dizer um controle extremo para que cada pessoa tenha seu lugar específico para servir sem disposição em inovar. Para isso o governo conta uma droga chamada “Soma”, que oferece tranquilidade, sentimentos de alegria e anestesia mental. Como um personagem do livro diz, “soma é o que eles precisam quando tempos difíceis querem abrir seus olhos”. Por Janary Damacena.
MINUTO LEITURA: O Apanhador no Campo de Centeio A adolescência é um período dos mais complexos na vida da maior parte das pessoas. É quando realizamos grandes descobertas a respeito do mundo e tentamos nos inserir nesse contexto, enquanto partimos em busca da autoafirmação por meio de nossos valores, crenças e pensamentos. É literalmente uma fase de transição entre a infância e a vida adulta. E é, também, o momento em que se encontra o jovem Holden Caulfield. Um rapaz de família rica, que vive em um internato e, durante um fim de semana, revisita sua curta história de vida antes de encarar a verdade e os problemas que o aguardam em casa. Escrito em 1951 pelo norte-americano J.D. Salinger, “O Apanhador no Campo de Centeio” é um marco na história da literatura por tratar a adolescência como uma fase da vida e não apenas uma passagem entre idades. Antes do livro, existiam as crianças e os adultos. A adolescência, com seus dilemas e preocupações, não era um conceito sólido na sociedade ocidental. Por isso, quando o livro foi publicado, passou a instigar diversos outros escritores e, literalmente, expandiu a mente de grande parte da sociedade na época. Tanto pelos excessivos palavrões usados no linguajar do Jovem Caufield, quanto pela forma simples e direta com a qual o Salinger escreve. A história nos leva pelos excessos e dramas do narrador juvenil que foge do internato ao descobrir que seu rendimento escolar foi bastante insatisfatório – na verdade, das cinco matérias que estudou no semestre, conseguiu ser reprovado em quatro; e isso acabou por lhe render na expulsão do colégio. Esse fato desagradaria muito seus pais e, por isso, Caulfield começa a pensar no que fazer antes de enfrentar as consequências de seus atos. Uma leitura rápida e divertida que mostra as desventuras do personagem principal frente aos problemas de ser quase um adulto.
Quatro histórias, uma para cada época do ano, sendo cada uma com um estilo diferente. A primavera traz a passagem de mais de trinta anos da vida de um contador que é preso pelo suposto assassinato da esposa. O verão mostra a face pouco inocente de uma criança com uma mente brilhante. Depois, temos o outono com uma narração sobre amizade e descobertas juvenis. Por fim, o inverno nos apresenta um grupo de senhores que se reúnem para contar histórias. Todos os contos são escritos de forma engenhosa pelo mestre do terror Stephen King que, no livro Quatro Estações, consegue se distanciar do gênero principal de suas obras para apresentar histórias com outro ambiente, outras sensações e, por certos momento, uma sensibilidade emocional muito grande. Cada uma das narrativas representa o medo de uma forma sutil, em algum momento da escrita, apenas como um detalhe que soma às emoções em cena. Os contos foram produzidos enquanto o americano estava no intervalo entre um livro e outro, até que posteriormente reuniu todos em uma coletânea. Talvez um dos escritores com mais histórias adaptadas para o cinema, Stephen King começou a escrever profissionalmente na década de 1970 e até hoje está entre os autores com mais vendidos no mundo. Nessa coletânea de contos, o que sobressai é o drama humano que toma conta de cada uma das narrações, criando uma empatia automática com o leitor. A reviravolta em cada um dos contos é o que predomina durante decorrer da obra. Um bom ponto de partida para quem não conhece o autor.
MINUTO LEITURA: Relato de um Náufrago No dia 28 de fevereiro de 1955, oito tripulantes do Caldas, navio da Marinha da Colômbia, caíram nas águas do oceano durante o trajeto entre o Mobile, nos EUA e Cartagena, na Colômbia. A história que chegou foi a de que a tripulação do navio foi surpreendida por uma tempestade, no Mar do Caribe, e os oito marinheiros foram levados por gigantescas ondas. Mas a verdade é que não houve tempestade. O Caldas estava muito pesado por carregar escondido, diversas mercadorias contrabandeadas dos Estados Unidos, o que era proibido. Assim, não pode fazer a volta para tentar resgatar os homens. Toda essa história só foi realmente conhecida porque um dos marinheiros, Luís Alexandre Velasco, conseguiu sobreviver por dez dias à deriva no mar, em um bote sem comida e nem água. Ele foi encontrado semimorto em uma praia deserta do norte da Colômbia. Quando o caso veio à tona, o então jornalista Gabriel Garcia Márquez fez uma grande entrevista que foi publicada em fascículos por jornal impresso e, anos depois, publicado como “Relatos de um Náufrago”, seu primeiro livro como escritor. A narrativa viva e sagaz empregada por Garcia Márquez nos faz praticamente ver cada desafio enfrentado pelo náufrago. Depois de realizar cerca de vinte entrevistas com mais de seis horas cada uma, o escritor conseguiu descrições muito bem detalhadas que puderam conduzir a história de forma linear e de fácil compreensão. Com menos de duzentas páginas, Márquez demonstra toda sua habilidade narrativa para produção de boas tramas – que neste caso, foi a elucidação de um caso real. Anos mais tarde, essa toda sua destreza literária seria reconhecida com o prêmio Nobel de Literatura.
Um velho coronel criado pela ânsia em manter o combate violento contra seus inimigos, recebe de volta em casa os jovens filhos recém-saídos de um colégio interno religioso. Se distinguindo pela sinceridade grosseira de seu temperamento, o pai não espera os garotos se instalarem em casa e, como para que provar o sangue forte dos herdeiros, trata de levar ambos para um dos pontos da sangrenta batalha entre ucranianos e poloneses durante o século XVI. Publicado em 1835, o romance “Tarás Bulba” traz descrições ferozes do russo Nikolai Gógol a respeito dos combates gloriosos do povo Cossaco – que é o nativo da região sudeste da Europa, que se instalaram pela Rússia asiática. Apesar de curto (com menos de 200 páginas), esse romance parece nos transportar para a convivência ao lado de homens alegres, violentos, implacáveis, corajosos e sentimentais. Que vivem a guerra pelo seu povo, como a maior honra que se poderia conquistar em vida. São ecos de um mundo muito mais antigo do que aquele retratado na história. O romance está impregnado de tradições de um povo, que foi intensamente pesquisado por Nikolai Gógol por meio do folclore da Ucrânia, lendas, canções e ditos populares. O resultado foi uma obra épica de cavalaria que é marcada pelas tragédias pessoais do coronel Tarás Bulba – que é exaltado como um grande herói nacionalista. O russo Nikolai Gógol é um dos mais importantes escritores da literatura mundial e seus textos teatrais e narrativas que mesclam a arte e o misticismo influenciaram muitos autores hoje conhecidos como gênios.
Toda vez que tratamos a respeito da Segunda Guerra Mundial, temos muitos conceitos bem estabelecidos do que foi aquele momento para a história da humanidade. Atualmente, muito disso vem dos filmes que retratam o conflito. E poucos, ou quase nenhum, desses materiais trazem a visão brasileira sobre a guerra ou a participação dos pracinhas – que é a denominação dada aos soldados brasileiros que lutaram em solo europeu durante essa guerra. Mas o implacável inverno italiano entre os anos de 1944 e 1945 foi muito bem registrado e narrado por um jornalista brasileiro que permaneceu meses ao lado dos soldados, convivendo com eles todos os horrores das batalhas. Joel Silveira é um dos maiores nomes do jornalismo nacional e um dos que mais recebeu prêmios, escrevendo diversos livros e para muitos jornais, sobre assuntos que foram da política à correspondência de conflitos. Em “Inverno da Guerra”, o jornalista selecionou seus melhores textos escritos enquanto acompanhava a Força Expedicionária Brasileira na Batalha de Monte Castelo, que abriu caminho das tropas aliadas no norte da Itália quebrando a linha ofensiva da Alemanha Nazista. A escrita sincera e rica em detalhes produzida por Joel Silveira consegue transmitir as agruras dos tempos de guerra, que segundo ele tem cheiro de sangue velho e óleo diesel. Para os brasileiros, nada acostumados ao frio, permanecer longos dias cercados pela neve era difícil, mas estar sob o fogo inimigo incessante e precisando de abrigo frequente contra as bombas era um sentimento terrivelmente pior. E nesse ponto, os jornalistas que cobriram a guerra, estiveram na mesma situação, lado a lado com os soldados. Por isso, quando falava do conflito, Joel sempre dizia que, diferente do que comentam, não foi um passeio brasileiro. Cruel, mas um rico detalhe da atuação do Brasil.
Essa história nos apresenta a vida e morte de William Stoner - um jovem que vive na zona rural dos Estados Unidos, no começo do século XX, criado pelos pais – humildes camponeses. O que Stoner não imaginava é que um dia seus pais sacrificariam o pouco que tinham para manda-lo estudar em uma universidade, com o objetivo de se especializar para retornar ao campo e ajudar a vida e os negócios da família. Todos os planos mudariam após William conhecer sua maior paixão: a literatura! O livro publicado em 1965, pelo norte americano John Williams, tem uma linguagem simples e direta, mas muito eficaz nas descrições sobre os acontecimentos da vida do personagem e em relação a seus pensamentos – que inclusive, vão nitidamente evoluindo de um garoto da fazenda até o respeitável senhor em que ele se torna. Mais que uma transição entre a juventude inocente e a velhice de um acadêmico, o que interessa é o desenrolar de uma vida comum com suas dores, angustias, erros e conquistas. O romance, que conta cerca de 50 anos da vida de Stoner, por vezes se assemelha à vida do próprio autor: de origem humilde à vida acadêmica. A narração de John Williams é feita com extrema sensibilidade e nos desperta sentimentos variados a respeito do personagem e sua história, indo da compaixão à raiva. A obra conta sobre a redenção de uma alma que se tortura e encontra na literatura os melhores momentos de sua vida. E nisso, o livro nos faz refletir sobre nossa própria vida e no quanto ela pode se parecer com a de Stoner, ao mesmo tempo em que nos revela simplicidade na beleza da vida, por mais banal que seja. Uma obra prima da literatura que deve ser lida por todas as pessoas.
Durante o período das grandes secas, castigados pela situação de extrema pobreza, uma família de retirantes nordestinos atravessa o sertão em busca da sobrevivência. Essa narrativa apresenta os problemas vividos pela família diante da opressão social e física, com o foco nas experiências de Fabiano, o pai analfabeto e ignorante. Apesar disso, todos os personagens tem um momento único em que demonstram suas percepções acerca do que está acontecendo, e a junção desses olhares nos mostra os motivos de aquelas vidas serem tão secas quanto à região semiárida em que se encontram. O enredo de “Vidas Secas”, elaborado pelo brasileiro Graciliano Ramos em 1937, é de um impacto profundo porque nos coloca de frente a uma realidade conhecida pelos brasileiros, embora distante para a maioria. A partir da vivência isolada da família, em uma fazenda no meio do sertão, e as circunstancias de determinados momentos, a narrativa contextualiza todo cenário político-social em que estão inseridos ao mesmo em que humaniza e animaliza cada membro da família. E isso fica muito evidente na relação com outras pessoas e com a cachorrinha baleia – praticamente um membro dessa família. Tudo com uma escrita fluida que nos traz reflexão a todo instante. A forma simples, porém poética da história, nos instiga a continuar a leitura cada vez mais, devorando cada página com a mesma avidez que os personagens têm fome de viver. Como curiosidade, destaco aqui que Graciliano Ramos escreveu o livro a partir de um conto sobre a cachorra da família, e depois estendeu escrevendo os capítulos com a visão de cada personagem, sem uma ligação cronológica entre si, para depois, unificar toda narrativa em forma de um romance. Necessário e obrigatório para qualquer brasileiro.
Um relato visceral sobre a loucura que vai, lentamente, tomando conta da mente humana por decorrência do cansaço, do frio e, principalmente, da fome. É isso o que nos releva o romance sobre um jovem escritor que passa dias tortuosos, vagando pela cidade quase que como um vagabundo sem casa, amigos ou família, enquanto tenta desesperadamente ter boas ideias e escrever um artigo de qualidade para obter algum dinheiro com a publicação em um jornal da cidade. Chamada Cristiânia, mas que hoje é Olso, a capital da Noruega. O livro “Fome”, escrito por Knut Hamsun e publicado em 1890, envolve passagens repletas de ironias, mas que podem encher de tristeza a alma de um leitor ao se dar conta de que o personagem principal – e que quase faz um monólogo durante toda a obra; está mais e mais fora da realidade por não conseguir se estabelecer financeiramente em seu ofício de escritor até se deparar com a escolha de morrer de fome ou encarar um novo desafio. A obra do norueguês é densa e rica em detalhes, o que nos faz pensar se, talvez, não eram problemas que o próprio autor conheceu de perto. A escrita de Knut Hamsun é impactante e nos faz a cada página ansiar pelo sucesso do personagem que, apesar de encarar seus defeitos e reconhecer os deslizes que comete na vida, acima de tudo tem bom coração e é determinado. Em certo momento, conseguindo alguns centavos, ao invés de comer, ele prefere gastar todo dinheiro comprando um lápis e papel, para poder escrever novos artigos. A loucura do personagem é um reflexo dos ideais do autor, sobre o desgaste que o homem sofre ao longo do tempo ao mesmo tempo em que não abandona a esperança. E esse impacto foi determinante para que Hamsun fosse agraciado com o prêmio Nobel de literatura em 1920.
Talvez cada um de nós esteja sempre à espera de algo e, às vezes, nem sabemos exatamente o que estamos aguardando até que esse “algo” aconteça repentinamente. E essa a sensação que a leitura de Remissão da Pena nos passa. No livro, percorremos um pedaço da infância de Patoche, a criança que narra a história, e seu irmão menor. A cada página, surgem acontecimentos peculiares na vida das crianças que moram sem os pais, com pessoas muito exóticas e diferentes entre si. É como se fosse uma lembrança fiel da inocente visão de um garoto sobre fatos que vão sendo interligados e nos "revelando" que algo maior está sempre prestes a acontecer. O tom melancólico, que permeia toda a escrita de Patrick Modiano – francês ganhador do prêmio Nobel de literatura em 2014; colabora com um ar de tristeza acentuado pelas dúvidas dos meninos que estão sempre a esperar alguma coisa. Seja a mãe, que supostamente está viajando com o teatro ou o pai, que mora longe e visita os meninos esporadicamente. Tudo nessa leitura desperta a curiosidade do que está, de fato, acontecendo naquelas vidas. Entre as reflexões de Patoche ou suas conversas com os adultos, é possível captar um pouco sobre o que ocorreu, porém sempre com certa duvida no ar. Remissão da Pena é o primeiro livro da chamada “trilogia essencial” de Modiano, em que o autor faz uma autobiografia romanceada de sua vida. Sabendo disso, a leitura se torna mais pesarosa nos eventos finais que vão tomando conta da vida das duas crianças que, no fundo, só têm realmente um ao outro. Aflição é uma palavra mínima para descrever o sentimento de quem pensa na solidão desesperadora dos meninos que nada podem fazer, a não ser aguardar que alguém chegue para cuidar deles... é o que fazem... apenas aguardam.
O dia 26 de abril de 1986 ficará marcado eternamente na história da humanidade como o ano da maior catástrofe causada pelo homem até hoje. Nessa data ocorreu o acidente na usina nuclear de Tchernóbil, próximo à cidade de Pripyat na Ucrânia. Um dos reatores teve problemas técnicos e explodiu, causando um grande incêndio no local, o que liberou uma nuvem radioativa contaminando pessoas, animais e o meio ambiente. Isso destruiu uma cidade inteira e os efeitos tóxicos foram espalhados por quase toda a Europa. Durante semanas, as autoridades soviéticas escondiam a gravidade da situação para comunidade internacional, enquanto tentavam controlar os danos enviando até o desastre radioativo milhares de homens mal equipados e sem o menor conhecimento do que enfrentariam. E é sobre isso que trata o livro “Vozes de Tchernóbil”, da jornalista Svetlana Aleksiévitch, uma das mais recentes escritoras a ser condecorada com o prêmio Nobel de literatura. Sua escrita é sincera, sem floreios e tenta captar a realidade por meio da vida humana, mas sem cair no exagero ou sensacionalismo. Nessa obra, com um olhar sensível, a autora apresenta um texto que fica entre o jornalismo e a literatura não ficcional, oferecendo aos leitores um relato oral de centenas de pessoas que viveram a tragédia, desde cidadãos comuns, como moradores da cidade próxima; bombeiros e médicos, que sentiram na pele as violentas consequências do desastre, até as forças do regime soviético que tentaram esconder o acidente. E exatamente isso que você, caro leitor, vai encontrar enquanto percorrer as mais de 400 páginas deste livro: a voz humana da tristeza e do desespero, diante do terror real que ainda hoje assola muitas vidas ao redor do mundo.
Quando nos ocupamos das atividades mais rotineiras, parece que a vida pode se estender infinitamente por uma monotonia banal - mesmo sabendo que a vida não para um segundo sequer. E é aí que mora o perigo de se deixar o tempo passar. Ele não volta, e quando olhamos para trás, pode estar a surpresa: o que fizemos com o tempo que a vida nos deu? Essa é a hesitação pela qual passa Giovanni Drogo, personagem do livro “Deserto dos Tártaros”, do italiano Dino Buzzati, aclamado como um dos mais geniais escritores do século XX. Quase toda a história se passa em um isolado forte militar que fica na fronteira com um país inimigo – mas que no momento passa por dias de paz. Drogo é um jovem militar designado a servir no forte, mas ao chegar decide por não seguir carreira pela região devido a quietude e rotina que passa lentamente a cada dia. Apesar disso, o sonho de conquistar uma vida de glórias ao enfrentar improváveis inimigos vindos do deserto desperta no espírito do rapaz a motivação necessária para permanecer no cargo, sempre a espera que algo aconteça. Os acontecimentos ricamente descritos por Buzzati alimentam um sentimento de angústia a cada página virada. E talvez seja um reflexo do próprio escritor, que tinha o receio de que os dias de trabalho se transformassem em uma mesma rotina até o final de sua vida. E é possível perceber em Giovanni Drogo essa sensação inquietante, de vivenciar o dilema entre a interminável espera por uma guerra a cada dia mais verossímil e a vontade de mudar sua vida, voltar para sua cidade natal e prosperar como os amigos de infância. Mesmo publicado em 1940, tudo nesse romance é extremamente atual e nos faz refletir sobre a vida, nossas escolhas e suas consequências
MINUTO LEITURA: O velho e o Mar A dica de hoje, é sobre um pescador em idade avançada, sozinho no mar por alguns dias. Apenas os sentimentos de solidão e inabalável confiança na vida se mantinham como companheiros fiéis de jornada. Suas angústias, dores e banais alegrias agitam um turbilhão de pensamentos enquanto interage com a natureza marinha. Essa e a temática central do livro “O velho e o mar”, publicado em 1952 pelo norte-americano Ernest Hemingway, que dois anos depois seria premiado com o Nobel de literatura. Como um tipo de narração alusiva aos romances heroicos da antiga Grécia, a descrição vívida e de palavras certeiras, apesar de econômicas, se deve muito ao hábito jornalístico de Hemingway, uma vez que suas habilidades foram talhadas no ofício de repórter de jornal impresso. Considerado seu livro mais famoso, em pouco mais de cem páginas, é impossível não ser tomado por uma empatia imediata com o velho Santiago, um humilde trabalhador braçal que pesca em um pequeno bote no meio do mar com toda sua força de vontade e persistência. Sua luta é travada em meio ao oceano, por muito tempo, contra um enorme peixe-espada. A todo o momento é nítida a desvantagem que o velho leva em relação ao vigoroso peixe, mas sua ingênua valentia em enfrentar as forças da natureza faz desse embate algo mais grandioso do que a mente consegue captar em um primeiro instante, tal qual é a literatura de Hemingway. O que segue é sagacidade do pescador colocando em prática todo seu conhecimento e expertise até que não exista diferença de força entre os dois. E é nesse momento que você vai perceber que também fora fisgado pelo velho e sua história.