Diário poético
Se, ou quando, a tristeza chegar... Se, ou quando, a tristeza chegar... Quando tudo parecer perdido, não se perca na aparência, recorra a história, camarada... Lembre-se, nós nunca fomos numericamente maioria, a massa de trabalhadores (salvo nos processos de luta revolucionária) sempre foi o que hoje é, um senso comum conservador, buscando saída individual da miséria humana coletiva... também lembre-se que mesmo no inicio das revoluções, nós não éramos maioria numérica, até que, no curso da própria revolução, as massas trabalhadoras em luta (e só por estarem em luta), amadurem-se, se radicalizam e aderem a nossas propostas e compreendem, finalmente, nossas perspectivas revolucionárias, sempre fomos "poucos", sempre fomos perseguidos, mapeados, vigiados e duramente combatidos, hoje os trabalhadores não nos escutam, mas nunca escutaram nossa perspectiva, salvo no próprio processo de insurreição... Sim camarada, hoje é muito difícil, mas olhe a história, veja, nunca foi mais fácil. Lembre-se... Tudo é diferente, tudo é novo, mas, nada mudou... As revoluções são sempre impossíveis, até o momento em que se tornam inevitáveis!!! Viva a nossa, recém realizada, Comuna de Paris, que agora completa 150 anos... Viva a nossas mulheres e homens que iluminaram primeiro, o caminho a ser seguido por todos os trabalhadores do mundo, aqueles que deram a vida para iniciar o parto do novo mundo!!! Je suis Comunard!!! Viva nossas revoluções derrotadas e vitoriosas, passadas e futuras. A nossas lutas gloriosas e inglórias, pois são partes constitutivas de nossa futura vitória. Se muito vale o já feito, mas vale o que será, e o que foi feito é preciso conhecer, para melhor prosseguir, afinal, aos olhos da história... Nós apenas começamos, camarada!
Mi táctica es mirarte aprender como sos quererte como sos mi táctica es hablarte y escucharte construir con palabras un puente indestructible mi táctica es quedarme en tu recuerdo no sé cómo ni sé con qué pretexto pero quedarme en vos mi táctica es ser franco y saber que sos franca y que no nos vendamos simulacros para que entre los dos no haya telón ni abismos mi estrategia es en cambio más profunda y más simple mi estrategia es que un día cualquiera no sé cómo ni sé con qué pretexto por fin me necesites. Tática e estratégia Minha tática é olhar-te aprender como tu és querer-te como tu és minha tática é falar-te e escutar-te construir com palavras uma ponte indestrutível minha tática é ficar em tua lembrança não sei como nem sei com que pretexto porém ficar em ti minha tática é ser franco e saber que tu és franca e que não nos vendemos simulados para que entre os dois não haja cortinas nem abismos minha estratégia é em outras palavras mais profunda e mais simples minha estratégia é que um dia qualquer não sei como nem sei com que pretexto por fim me necessites. (Tática e estratégia - Mario Benedetti) Ame muito, ame mais intensamente E de diversas maneiras Amar hoje é uma forma de resistência Arma, forma de luta e Um manual de sobrevivência Poema enviado pela camarada Vera Vera, Verinha, Vera verás, Nosso tempo Há de chegar E o teu, o nosso Povo do Rio De Janeiro, Fevereiro, Março, Abril e que só em Maio Recorda-se de nós E nossas lutas Recuperar sua energia Sua força bruta Colocando a baixo A burguesia, Milícia e Outros tantos filhos da puta
“Os mártires [da Comuna] estão guardados como relíquias no grande coração da classe operária”– Karl Marx [A guerra civil na França] – Quem é o chefe aqui? – Não tem chefe, somos uma Comuna. – Não sei o que é isso, mas preciso falar com alguém para que me explique essa algazarra. Eles se amontoavam ao lado da parede do Père-Lachaise e não paravam de chegar. Eram muito diferentes dos mortos comuns que chegavam todos os dias. Falavam muito, riam e se abraçavam. Faziam discursos acalorados, discordavam uns dos outros, por vezes descambando para a força física, mesmo agora sem o físico, na imaterialidade etérea de seus espíritos. – Fiquem calmos… mantenham-se em fila… pelo amor de deus, largue essa arma… – Você está ao lado de Versalhes, canalha, capacho de Thiers! – Quem? Não, não… represento o Reino de Deus… – Capacho de Napoleão III… Paris ardia em chamas, os cadáveres lotavam os campos e jardins, transformados em uma enorme sopa de lama e corpos em decomposição. O cheiro era insuportável. Um jornal conservador proclamava: “estes miseráveis que nos fizeram tanto mal em vida não podem continuar a fazê-lo depois da morte”. Os mortos reagiam como podiam. Cheiravam, apodreciam, permaneciam incômodos como testemunhas do massacre. Mostravam seus crânios amassados pelas coronhadas, os tiros na nuca, os membros decepados. Mulheres tombadas ao lado de seus baldes de petróleo ou simplesmente por trazer um lenço vermelho preso ao braço ou ao pescoço. Ao lado do muro do cemitério forma-se um enorme comício de almas desgarradas de seus corpos. O anjo, bastante assustado voltou com alguém que parecia ser seu superior, o guardião do portão, que com uma voz poderosa dirigiu-se a turba: – O negócio é o seguinte. Vocês estão mortos, precisam ficar calmos para a próxima etapa. Sigam a luz e… – Não. – Como não? – Decidimos em assembleia que vamos ficar aqui. – Veja, não cabe a vocês decidirem… – É o que sempre nos disseram, mas… – As coisas do mundo ficaram para trás meu irmão, seus corpos se foram, tem que pensar em suas almas. – Pois é, mas estávamos nessa de corpo e alma seu padre. – Eu não sou padre. – Cansamos de chefes, prefeitos, generais e esta gente que faz guerra para que os pobres morram. Você entende, eminência? – Eu não sou… – Certo, certo. Pessoal, o barba aqui quer falar com a gente, vamos ouvi-lo. – Sou contra! Este cara veio com aquele guarda de Versalhes… – Não sou guarda… eu… – Certo, certo. A gente escuta ele e depois vota. – Obrigado irmão. Eu entendo a revolta de vocês, mais ou menos, vem de um mundo de injustiças e violência, de privações da carne e desesperança. A morte é a passagem para uma outra dimensão… – Que dimensão, o que tem lá? – Ele disse que é um reino… – Reino… monarquia? – Capacho de Bismark! – Não… não… essas são coisas do mundo dos homens… – Por que? Nós mulheres não podemos entender de política. Sei muito bem a diferença entre Monarquia e República, meu senhor… – Não, não… falei “homens” no sentido geral do termo… – Vou te dar um tiro… bem no sentido geral do termo… – Calma gente, deixa o barba concluir. Fala barba, você dizia de outra dimensão que é diferente desta merda de mundo. Como é lá? – Como é lá? Veja bem… não sei… você tem que acreditar sem ver… a fé… – É tramoia, o cara é padre… – Eu não sou padre… – O cara é protestante… tá do lado dos prussianos… (Mauro Iasi) Texto integral no blog da Boitempo.
Gostaria de te acordar com beijos e boas notícias – o sol saiu, os pássaros comemoram, as crianças brincam no pátio, vem visita de longe, ninguém mais vende seu trabalho, ninguém manda sem trabalhar. Mas o inimigo ainda é soberano, está por todos os lados e dentro de nós. Nos submete e inverte todas as coisas: nosso suor vira seu produto, uma pequena parte vira o nosso preço e não conseguir ficar rico vira um fracasso individual. Cultura vira ideologia, cooperação vira concorrência, nosso amor vira controle, sexo vira violência. O que era tempo vira trabalho, o que era nosso vira alheio, o que era história vira esquecimento. Gostaria de te acordar com carícias e boas notícias, mas ainda há muito para ser feito. Estamos cansados, você diz, foram tantas derrotas… somos poucos e estamos pior do que antes, o inimigo matou os que não pôde cooptar. Gostaria de te consolar com um abraço e boas notícias, mas você tem razão – somos poucos e estamos cansados, no entanto ninguém, senão nós, poderá fazê-lo. Nós, com todos os nossos defeitos, com nosso cansaço, com as marcas da derrota, com nossos mortos por vingar. Com toda a escuridão por cima dos ombros nos curvando, com a potência de derrubar toda ela ao levantar. (Golondrina Ferreira)
Foi a batalha mais longa de todas as lutadas em Tuscatlán ou em qualquer outra região de El Salvador. Começou à meia-noite, quando as primeiras granadas caíram da montanha, e durou a noite toda e foi até a tarde do dia seguinte. Os militares diziam que Cinquera era inexpugnável. Os guerrilheiros tinham atacado quatro vezes, e quatro vezes tinham fracassado. Na quinta vez, quando foi erguida a bandeira branca no mastro do quartel-general, os tiros para o alto começaram os festejos. Julio Ama, que lutava e fotografava a guerra, andava caminhando pelas ruas. Levava seu fuzil na mão e a câmara, também carregada e pronta para ser disparada, pendurada no pescoço. Andava Julio pelas ruas poeirentas, procurando os irmãos gêmeos. Esses gêmeos eram os únicos sobreviventes de uma aldeia exterminada pelo exército. Tinham dezesseis anos. Gostavam de combater ao lado de Julio; e nas entre-guerras, ele os ensinava a ler e a fotografar. No turbilhão daquela batalha, Julio tinha perdido os gêmeos, e agora não os via entre os vivos ou entre os mortos. Caminhou através do parque. Na esquina da igreja, meteu-se numa viela. E então, finalmente, encontrou-os. Um dos gêmeos estava sentado no chão, de costas contra um muro. Sobre seus joelhos jazia o outro, banhado em sangue; e aos pés, em cruz, estavam os dois fuzis. Júlio se aproximou, e talvez tenha dito alguma coisa. O gêmeo que vivia não disse nada, nem se moveu: estava lá, mas não estava. Seus olhos, que não pestanejavam, olhavam sem ver, perdidos em algum lugar, em nenhum lugar; e naquela cara sem lágrimas estavam a guerra inteira e a dor inteira. Júlio deixou o fuzil no chão e empunhou a câmara. Rodou o filme, calculou num instante a luz e a distância e colocou a imagem em foco. Os irmãos estavam no centro do visor, imóveis, perfeitamente recortados contra o muro recém mordido pelas balas. Júlio ia fazer a foto da sua vida, mas o dedo não quis. Júlio tentou, tornou a tentar, e o dedo não quis. Então baixou a câmara, sem apertar o botão, e se retirou em silêncio. A câmara, uma Minolta, morreu em outra batalha, afogada pela chuva, um ano mais tarde. (Eduardo Galeano - O livro dos abraços)
Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: — Me ajuda a olhar! (Eduardo Galeano)
Chinolope vendia jornais e engraxava sapatos em Havana. Para deixar de ser pobre, foi-se embora para Nova Iorque. Lá, alguém deu de presente a ele uma máquina de fotografia. Chinolope nunca tinha segurado uma câmara nas mãos, mas disseram a ele que era fácil: — Você olha por aqui e aperta ali. E ele começou a andar pelas ruas. Tinha andado pouco quando escutou tiros e se meteu num barbeiro e levantou a câmara e olhou por aqui e apertou ali. Na barbearia tinham baleado o gângster Joe Anastasia, que estava fazendo a barba, e aquela foi a primeira foto da vida profissional de Chinolope. Pagaram uma fortuna por ela. A foto era uma façanha. Chinolope tinha conseguido fotografar a morte. A morte estava ali: não no morto, nem no matador... A morte estava na cara do barbeiro que a viu. (Eduardo Galeano)
Celebração da voz humana - Eduardo Galeano Os índios shuar, chamados de jíbaros, cortam a cabeça do vencido. Cortam e reduzem, até que caiba, encolhida, na mão do vencedor, para que o vencido não ressuscite. Mas o vencido não está totalmente vencido até que fechem a sua boca. Por isso os índios costuram seus lábios com uma libra que não apodrece jamais. (Eduardo Galeano - O livro dos abraços)
Na casa das palavras, sonhou Helena , que chegavam os poetas. As palavras, guardadas em velhos frascos de cristal, esperavam pelos poetas e se ofereciam, loucas de vontade de ser escolhidas: elas rogavam aos poetas que as olhassem, as cheirassem, as tocassem, as provassem. Os poetas abriam os frascos, provavam palavras com o dedo e então lambiam os lábios ou fechavam a cara. Os poetas andavam em busca de palavras que não conheciam, e também buscavam palavras que conheciam e tinham perdido. (Eduardo Galeano)
"E tenha-se medo de quando as greves cessam, enquanto os grandes proprietários estão vivos, pois cada greve vencida é uma prova de que um passo está sendo dado. E isto se pode saber — tenha-se medo da hora em que o homem não mais queira sofrer e morrer por um ideal, pois que esta é a qualidade básica da humanidade, é a que a distingue entre tudo no universo. OS ESTADOS OCIDENTAIS inquietavam-se sob os efeitos da metamorfose incipiente. Texas e Oklahoma, Kansas e Arkansas, Novo México, Arizona. Califórnia. Uma família isolada mudava-se de suas terras. O pai pedira dinheiro emprestado ao banco e agora o banco queria as terras. A companhia das terras — que é o banco, quando ocupa essas terras — quer tratores, em vez de pequenas famílias, nas terras. Um trator é mau? A força que produz os profundos sulcos na terra não presta? Se esse trator fosse nosso, não meu, nosso, prestaria. Se esse trator produzisse os sulcos em nossa própria terra, prestaria na certa. Não nas minhas terras, nas nossas. Então, sim, a gente gostaria do trator, gostaria dele como gostava das terras quando ainda eram nossas. Mas esse trator faz duas coisas diferentes: traça sulcos nas terras e expulsa-nos delas. Não há quase diferença entre esse trator e um tanque. Ambos expulsam os homens que lhes barram o caminho, intimidando-os, ferindo-os. Há que pensar sobre isto. Um homem, uma família, expulsos de suas terras, esse veículo enferrujado arrastando-se e rangendo pela estrada rumo ao Oeste. Perdi as minhas terras; um trator, um só, arrebatou-as. Estou sozinho e apavorado. E uma família pernoita numa vala e outra família chega e as tendas surgem. Os dois homens acocoramse no chão e as mulheres e as crianças escutam em silêncio. Aqui está o nó, ó tu que odeias as mudanças e temes as revoluções. Mantém esses dois homens apartados; faze com que eles se odeiem, receiem-se, desconfiem um do outro. Porque aí começa aquilo que tu temes. Aí é que está o germe do que te apavora. É o zigoto. Porque aí transforma-se o “Eu perdi minhas terras”; uma célula se rompe e dessa célula rompida brota aquilo que tu tanto odeias, o “Nós perdemos nossas terras”. Aí é que está o perigo, pois que dois homens nunca se sentem tão sozinhos e abatidos como um só. E desse primeiro “nós” nasce algo muito mais perigoso: “Eu tenho um pouco de comida” mais “Eu não tenho nenhuma”. Quando a solução desta soma é “Nós temos um pouco de comida”, aí a coisa toma um rumo, o movimento passa a ter um objetivo. Apenas uma pequena multiplicação, e esse trator, essas terras são nossas. Os dois homens acocorados numa vala, a pequena fogueira, a carne que se cozinha numa frigideira comum, as mulheres caladas, de olhos vidrados; atrás delas as crianças, escutando com o coração palavras que seu cérebro não abrange. A noite desce. A criança sente frio. Aqui, tome esse cobertor. É de lã. Pertenceu à minha mãe — tome, fique com ele para a criança. Sim, é aí que tu deves lançar a tua bomba. É este o começo da passagem do “Eu” para o “Nós”. Se tu, que tens tudo que os outros precisam ter, puderes compreender isto, saberás também defender-te. Se tu souberes separar causas de efeitos, se tu souberes que Paine, Marx, Jefferson, Lenin foram efeitos e não causas, sobreviverás. Mas tu não poderás compreender. Pois que a qualidade da posse cristalizou-se para sempre na fórmula do “Eu” e sempre te isolarás do “Nós”. Os estados ocidentais inquietam-se sob os efeitos da metamorfose incipiente. A necessidade é um estimulante do ideal, o ideal, o estímulo para a ação. Meio milhão de homens caminha pelas estradas; um milhão mais prepara-se para a caminhada; dez milhões mais sentem as primeiras inquietudes. E tratores abrem sulcos múltiplos nas terras abandonadas." (As vinhas da Ira - Jonh Steibeck) Capítulo 14
Do Meu Jeito E agora, o fim está próximo E então eu encaro o último ato Meu amigo, vou falar claro e sincero Vou expor meu caso, do qual estou certo Eu vivi uma vida completa Eu viajei por toda e qualquer estrada E mais, muito mais que isso Eu fiz isso do meu jeito Arrependimentos, é, tenho alguns Mas na verdade, muito poucos a citar Eu fiz o que eu tive que fazer E vi por completo sem exceção Planejei cada curso traçado Cada passo cuidadoso ao longo de meu atalho E mais, muito mais que isso Eu fiz isto do meu jeito Sim, houve momentos Tenho certeza que você sabe Quando mordi Mais do que podia mastigar Mas por tudo isso Quando havia dúvida Eu devorei e cuspi Enfrentei tudo isso e continuei de pé E mais importante, fiz isso do meu jeito Eu já amei, ri e chorei Tive minhas conquistas, minha parte nas perdas E agora, quando as lágrimas cessaram Eu acho tudo isso muito engraçado E pensar que fiz tudo aquilo E posso dizer, não de uma maneira tímida Ah não, ah não, não eu, eu fiz isso do meu jeito Pois o que é um homem, o que ele tem? Se não é ele mesmo, então não tem nada Para dizer as coisas que ele sente de verdade E não as palavras de alguém que se ajoelha Um homem é o que faz As lembranças mostram, eu levei todos os golpes E fiz isso do meu jeito Sim, foi do meu jeito (Frank Sinatra)
Leve-me até a lua E deixe-me brincar entre as estrelas Deixe-me ver como é a primavera Em Júpiter e Marte Em outras palavras, segure minha mão Em outras palavras, querida, beije-me Encha meu coração com música E deixe-me cantar para sempre Você é tudo o que eu desejo Tudo o que eu cultuo e adoro Em outras palavras, por favor, seja verdadeira Em outras palavras, Eu te amo Encha meu coração com música E deixe-me cantar para sempre Você é tudo o que eu desejo Tudo o que eu cultuo e adoro Em outras palavras, por favor, seja verdadeira Em outras palavras Em outras verdadeiras e objetivas palavras Eu te amo
Essa é a vida, é o que todos dizem Você está bem em abril Baleado em maio Mas eu sei que mudarei esse tom Quando eu voltar ao topo, voltar ao topo em junho Essa é a vida, e é tão engraçada quanto possa parecer Algumas pessoas têm prazer Em sotear os sonhos dos outros Mas eu não deixo, deixoisso me abalar Porque esse velho e belo mundo continua a girar Eu já fui um boneco, indigente, pirata Poeta, um peão e um rei Eu já estive por cima, por baixo, por dentro e por fora E uma coisa eu sei Toda vez que eu me acho, de cara na lona Eu me levanto, junto meu pedaços e levo meu corpo de volta a luta Essa é a vida Eu te digo, eu não posso negar Eu pensei em desistir Mas meu coração simplesmente não aceita isso E se eu não pensasse que válesse uma única tentativa Eu pularia direto em um pássaro eu então voaria Eu já fui um boneco, indigente, pirata Poeta, um peão e um rei Eu já estive por cima, por baixo, por dentro e por fora E eu sei uma coisa Toda vez que eu me acho, de cara na lona Eu recolho meus pedaços e volto a luta Essa é a vida Essa é a vida e eu não posso negar Muitas vezes eu pensei em cortar tudo Mas meu coração não aceita Mas se não houver nada de bom venha em julho Eu vou rolar em uma grande bola de tristeza e vou morrer Nossa, sério isso? Não... Só uma coisa eu sei Toda vez que eu me acho, de cara na lona Eu me levanto e levo meu corpo de volta a luta Porque esse velho e belo mundo continua a girar É a vida!
Tudo nos é proibido, exceto cruzar os braços? A pobreza não está escrita nas estrelas, o subdesenvolvimento não é fruto de um obscuro desígnio de Deus. Correm anos de revolução, tempos de redenção. As classes dominantes põem as barbas de molho e, ao mesmo tempo, anunciam o inferno para todos. Em certo sentido, a direita tem razão quando se identifica com a tranquilidade e com a ordem. A ordem é a diuturna humilhação das maiorias, mas sempre é uma ordem – a tranquilidade de que a injustiça siga sendo injusta e a fome siga sendo faminta. Se o futuro se converte numa caixa de surpresas, o conservador grita, com toda razão: “Me traíram”. E os ideólogos da impotência, os escravos que se contemplam com os olhos do amo, não demoram em fazer ouvir seus clamores. A águia de bronze do Maine, derrubada no dia da vitória da revolução cubana, jaz agora abandonada, com as asas partidas, sob um portal do bairro velho de Havana. De Cuba em diante, outros países também iniciaram por distintas vias e distintos meios a experiência de mudança: a perpetuação da atual ordem de coisas é a perpetuação do crime. Os fantasmas de todas as revoluções estranguladas ou traídas, ao longo da torturada história latino-americana, ressurgem nas novas experiências, assim como os tempos presentes tinham sido pressentidos e engendrados pelas contradições do passado. A história é um profeta com o olhar voltado para trás: pelo que foi, e contra o que foi, anuncia o que será. (Eduardo Galeano)
SEGUNDA As máquinas, mortas. Nós, vivos. Logo se inverte a coisa. A fábrica tem fome, passou um dia inteiro de barriga vazia. Então abre suas bocas de catraca e nos seus dentes vamos passando um a um. Dá o sinal: nos mastiga e joga o bagaço fora no fim da jornada. (Golondrina Ferreira)
CAPÍTULO VIII – É TEMPO Mas é tempo de tornar àquela tarde de novembro, uma tarde clara e fresca, sossegada como a nossa casa e o trecho da rua em que morávamos. Verdadeiramente foi o princípio da minha vida; tudo o que sucedera antes foi como o pintar e vestir das pessoas que tinham de entrar em cena, o acender das luzes, o preparo das rabecas, a sinfonia… Agora é que eu ia começar a minha ópera. “A vida é uma ópera”, dizia-me um velho tenor italiano que aqui viveu e morreu… E explicou-me um dia a definição, em tal maneira que me fez crer nela. Talvez valha a pena dá-la; é só um capítulo. Capiyulo IX - A ÓPERA Já não tinha voz, mas teimava em dizer que a tinha. "O desuso é que me faz mal", acrescentava. Sempre que uma companhia nova chegava da Europa, ia ao empresário e expunha-lhe todas as injustiças da terra e do céu; o empresário cometia mais uma, e ele saía a bradar contra a iniqüidade. Trazia ainda os bigodes dos seus papéis. Quando andava, apesar de velho, parecia cortejar uma princesa de Babilônia. As vezes, cantarolava, sem abrir a boca, algum trecho ainda mais idoso que ele ou tanto - vozes assim abafadas são sempre possíveis. Vinha aqui jantar comigo algumas vezes. Uma noite, depois de muito Chianti, repetiu-me a definição do costume, e como eu lhe dissesse que a vida tanto podia ser uma ópera, como uma viagem de mar ou uma batalha, abanou a cabeça e replicou: --A vida é uma ópera e uma grande ópera. O tenor e o barítono lutam pelo soprano, em presença do baixo e dos comprimirás, quando não são o soprano e o contralto que lutam pelo tenor, em presença do mesmo baixo e dos mesmos comprimirás. Há coros a numerosos, muitos bailados, e a orquestração é excelente... --Mas, meu caro Marcolini... --Quê... E depois, de beber um gole de licor, pousou o cálix, e expôs-me a história da criação, com palavras que vou resumir. Deus é o poeta. A música é de Satanás, jovem maestro de muito futuro, que aprendeu no conservatório do céu. Rival de Miguel, Raiael e Gabriel, não tolerava a precedência que eles tinham na distribuição dos prêmios. Pode ser também que a música em demasia doce e mística daqueles outros condiscípulos fosse aborrecível ao seu gênio essencialmente trágico. Tramou uma rebelião que foi descoberta a tempo, e ele expulso do conservatório. Tudo se teria passa do sem mais nada, se Deus não houvesse escrito um libreto de ópera do qual abrira mão, por entender que tal gênero de recreio era impróprio da sua eternidade. Satanás levou o manuscrito consigo para o inferno. Com o fim de mostrar que valia mais que os outros, e acaso para reconciliar-se com o céu,--compôs a partitura, e logo que a acabou foi levá-la ao Padre Eterno. --Senhor, não desaprendi as lições recebidas, disse-lhe. Aqui tendes a partitura, escutai-a emendai-a, fazei-a executar, e se a achardes digna das alturas, admiti-me com ela a vossos pés... --Não, retorquiu o Senhor, não quero ouvir nada. --Mas, Senhor...
Antigamente, se morria 1907, digamos, aquilo sim é que era morrer. Morria gente todo dia, e morria com muito prazer, já que todo mundo sabia que o Juízo, afinal, viria, e todo mundo ia renascer. Morria-se praticamente de tudo. De doença, de parto, de tosse. E ainda se morria de amor, como se amar morte fosse. Pra morrer, bastava um susto, um lenço no vento, um suspiro e pronto, lá se ia nosso defunto para a terra dos pés juntos. Dia de anos, casamento, batizado, morrer era um tipo de festa, uma das coisas da vida, como ser ou não ser convidado. O escândalo era de praxe. Mas os danos eram pequenos. Descansou. Partiu. Deus o tenha. Sempre alguém tinha uma frase que deixava aquilo mais ou menos. Tinha coisas que matavam na certa. Pepino com leite, vento encanado, praga de velha e amor mal curado. Tinha coisas que têm que morrer, tinha coisas que têm que matar. A honra, a terra e o sangue mandou muita gente praquele lugar. Que mais podia um velho fazer, nos idos de 1916, a não ser pegar pneumonia, deixar tudo para os filhos e virar fotografia? Ninguém vivia pra sempre. Afinal, a vida é um upa. Não deu pra ir mais além. Mas ninguém tem culpa. Quem mandou não ser devoto de Santo Inácio de Acapulco, Menino Jesus de Praga? O diabo anda solto. Aqui se faz, aqui se paga. Almoçou e fez a barba, tomou banho e foi no vento. Não tem o que reclamar. Agora, vamos ao testamento. Hoje, a morte está difícil. Tem recursos, tem asilos, tem remédios. Agora, a morte tem limites. E, em caso de necessidade, a ciência da eternidade inventou a criônica. Hoje, sim, pessoal, a vida é crônica. (Leminski)
Todos os náufragos me ensinaram a navegar e cada gota de oceano é dona de minha sede. A rude pedagogia dos enganos forjou em mim sabedoria daqueles que tecem com sua tristeza a vã sensação da alegria. Cuidarei desta paixão como quem respira a ventania e se molha no corpo da chuva levando a alma da noite através do dia. Cuidarei desta paixão com requintes artesanais com flores, beijos, poemas carícias noturnas e amores matinais. Cuidarei desta paixão para que não se perca em labirintos para que evite acomodações e armadilhas e encontre mesmo às cegas seu caminho. Cuidarei desta paixão como da amizade cuida o amigo como o pai cuida do filho como o corpo que tem frio busca abrigo. Cuidarei desta paixão e quero que cuide comigo para que nossos olhos sigam vendo a eterna luz deste sereno brilho. (Mauro Iasi)
Os livros sabem de cor milhares de poemas. Que memória! Lembrar, assim, vale a pena. Vale a pena o desperdício, Ulisses voltou de Tróia, assim como Dante disse, o céu não vale uma história. um dia, o diabo veio seduzir um doutor Fausto. Byron era verdadeiro. Fernando, pessoa, era falso. Mallarmé era tão pálido, mais parecia uma página. Rimbaud se mandou pra África, Hemingway de miragens. Os livros sabem de tudo. Já sabem deste dilema. Só não sabem que, no fundo, ler não passa de uma lenda. (Leminski)
Você nunca vai saber quanto custa uma saudade o peso agudo no peito de carregar uma cidade pelo lado de dentro como fazer de um verso um objeto sujeito como passar do presente para o pretérito perfeito nunca saber direito Você nunca vai saber o que vem depois de sábado quem sabe um século muito mais lindo e mais sábio quem sabe apenas mais um domingo Você nunca vai saber e isso é sabedoria nada que valha a pena a passagem pra Pasárgada Xanadu ou Shangrilá quem sabe a chave de um poema e olhe lá (Leminski)
Viajar me deixa a alma rasa, perto de tudo, longe de casa. Em casa, estava a vida, aquela que, na viagem, viajava, bela e adormecida. A vida viajava mas não viajava eu, que toda viagem é feita só de partida. (Paulo Leminski)
Adeus, coisas que nunca tive, dívidas externas, vaidades terrenas, lupas de detetive, adeus. Adeus, plenitudes inesperadas, sustos, ímpetos e espetáculos, adeus. Adeus, que lá se vão meus ais. Um dia, quem sabe, sejam seus, como um dia foram dos meus pais. Adeus, mamãe, adeus, papai, adeus, adeus, meus filhos, quem sabe um dia todos os filhos serão meus. Adeus, mundo cruel, fábula de papel, sopro de vento, torre de babel, adeus, coisas ao léu, adeus. - (Paulo Leminski)
Dos cala bocas bem dados, Dos tapas arroxeados, Dos olhares maliciados, Dos amores abusados. De todos as mulheres culpadas, Por serem o que são, De todas as lágrimas derramadas, Buscando incessante perdão, De todos os socos recebidos, Porque não aceitam um não, De todas palavras caladas, Porque elas nunca tem razão. Dos trabalhos mal remurados, Somado aos que nem sequer são pagos, De todo dinheiro sempre contado, Do cabelo q tem q estar alinhado, Do filho bem cuidado, Do marido muito amado, De um traje comportado, De um sexo depilado, De um comportamento adequado, De um sorriso inabalado. Algo tem que estar errado. Num mundo em q o estupro é culposo, O homem é (nunca) culpado. (Rosa N. Cohan)
Um dia silencioso. Um desses dias frios, de mortal tristeza, o gesto de ódio fechado nos armários. Um dia sem tortura normal dos dias comuns. No ar apenas a tensão palpável dos seres sem defesa. Um dia rigorosamente inútil. Mas vem agora essa cantiga. Uma vozinha miúda, vinda não sei de onde, e é como se todos a esperássemos. Sabe tornar maior ainda o silêncio: aqui um ato de amor é sempre um desafio. Como reconforta ouvir a voz dessa menina sem nome. Saber que resiste o brilho de seus olhos iluminando a noite, enquanto outras estrelas se reúnem buscando nova luz. Saber que a critatura humana resiste. Saber que vencemos a última batalha. (Pedro Tierra)
Durantes as férias recolhemos pedras que o mar nos presenteia São as pedras com as quais logo, no inverno, reconstruímos as ruínas de nossas guerras. Não só lhes pedimos que resistam. Também que nos recordem que o mar existe. (Ana Perez Cañamares)
Toma nota! Sou árabe O número do meu bilhete de identidade: cinquenta mil Número de filhos: oito E o nono… chegará depois do verão! Será que ficas irritado? Toma nota! Sou árabe Trabalho numa pedreira com os meus companheiros de fadiga E tenho oito filhos O seu pedaço de pão As suas roupas, os seus cadernos Arranco-os dos rochedos… E não venho mendigar à tua porta Nem me encolho no átrio do teu palácio. Será que ficas irritado? Toma nota! Sou árabe Sou o meu nome próprio – sem apelido Infinitamente paciente num país onde todos Vivem sobre as brasas da raiva. As minhas raízes… Foram lançadas antes do nascimento do tempo Antes da efusão do que é duradouro Antes do cipreste e da oliveira Antes da eclosão da erva O meu pai… é de uma família de lavradores Nada tem a ver com as pessoas notáveis O meu avô era camponês – um ser Sem valor – nem ascendência. A minha casa, uma cabana de guarda Feita de troncos e ramos Eis o que eu sou – Agrada-te? Sou o meu nome próprio – sem apelido! Toma nota! Sou árabe Os meus cabelos… da cor do carvão Os meus olhos… da cor do café Sinais particulares: Na cabeça uma kufia com o cordão bem apertado E a palma da minha mão é dura como uma pedra … esfola quem a aperta A minha morada: Sou de uma aldeia isolada… Onde as ruas já não têm nomes E todos os homens… trabalham no campo e na pedreira. Será que ficas irritado? Toma nota! Sou árabe Tu saqueaste as vinhas dos meus pais E a terra que eu cultivava Eu e os meus filhos Levaste-nos tudo excepto Estas rochas Para a sobrevivência dos meus netos Mas o vosso governo vai também apoderar-se delas … ao que dizem! … Então Toma nota! Ao alto da primeira página Eu não odeio os homens E não ataco ninguém mas Se tiver fome Comerei a carne de quem violou os meus direitos Cuidado! Cuidado Com a minha fome e com a minha raiva! (Mahmoud Darwish)
Quando eles vieram pela orla Eu fui avisado para render-me, isto é o que eu não poderia fazer. Peguei minha arma e desapareci. Eu mudei meu nome tantas vezes, Eu perdi minha esposa e filhos mas eu tenho muitos amigos e alguns deles estão comigo. Uma senhora nos deu abrigo, nos manteve escondidos no sótão então os soldados vieram, ela morreu em silêncio. Haviam três de nós esta manhã, sou o único esta tarde mas eu preciso ir em frente; as fronteiras são minha prisão. Oh, o vento, o vento está soprando através dos túmulos ele está soprando, a liberdade breve virá; então nós viremos das sombras. Os alemães estiveram em minha casa eles disseram: “Identifique-se”, mas eu não estou com medo Eu recuperei minha arma. Eu mudei meu nome uma centena de vezes Eu perdi minha esposa e filhos Mas eu tenho tantos amigos, Eu tenho toda a França. Um velho homem num sótão nos escondeu durante a noite, Os alemães o capturaram, e ele morreu sem surpresa. Oh, o vento, o vento está soprando através dos túmulos ele está soprando, a liberdade breve virá; então nós viremos das sombras. (Leonard Cohan)
O pai trabalhava na mina. A mãe trabalhava nas casas. O menino andava pela rua aprendendo boa conduta. Ao fim da noite os três juntos ao redor do jarro e da sopa. O pai em seu legítimo direito, tomava para si a melhor parte. A mãe dava ao menino do seu. O menino sorvia e terminava pedindo chocolate ou tangerinas. O pai lhe golpeava quatro gritos (sempre bebia ao fim além da conta) e logo falava mal do governo e logo se deitava com as botas. O menino dormia sobre o cotovelo. A mãe o deitava os pescoções e logo abria a torneira e reclamava, que vida, Deus, esfregando as louças, e logo falava mal do marido e logo lhe lavava a camisa e logo se deitava como é justo. Bem de manhã no dia seguinte o pai descia aos poços, a mãe subia às casas, o menino saía à rua. Etcétera. Etcétera. Etcétera. (Não sei porque comecei a contá-la. É uma história chata e todos sabem como acaba.) (ETCÈTERA (Ángela Figuera Aymerich)
Quando eles vieram pela orla Eu fui avisado para render-me, isto é o que eu não poderia fazer. Peguei minha arma e desapareci. Eu mudei meu nome tantas vezes, Eu perdi minha esposa e filhos mas eu tenho muitos amigos e alguns deles estão comigo. Uma senhora nos deu abrigo, nos manteve escondidos no sótão então os soldados vieram, ela morreu em silêncio. Haviam três de nós esta manhã, sou o único esta tarde mas eu preciso ir em frente; as fronteiras são minha prisão. Oh, o vento, o vento está soprando através dos túmulos ele está soprando, a liberdade breve virá; então nós viremos das sombras. Os alemães estiveram em minha casa eles disseram: “Identifique-se”, mas eu não estou com medo Eu recuperei minha arma. Eu mudei meu nome uma centena de vezes Eu perdi minha esposa e filhos Mas eu tenho tantos amigos, Eu tenho toda a França. Um velho homem num sótão nos escondeu durante a noite, Os alemães o capturaram, e ele morreu sem surpresa. Oh, o vento, o vento está soprando através dos túmulos ele está soprando, a liberdade breve virá; então nós viremos das sombras. (Leonard Cohen)
Preso à minha classe e a algumas roupas, vou de branco pela rua cinzenta. Melancolias, mercadorias espreitam-me. Devo seguir até o enjôo? Posso, sem armas, revoltar-me? Olhos sujos no relógio da torre: Não, o tempo não chegou de completa justiça. O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera. O tempo pobre, o poeta pobre fundem-se no mesmo impasse. Em vão me tento explicar, os muros são surdos. Sob a pele das palavras há cifras e códigos. O sol consola os doentes e não os renova. As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase. Uma flor nasceu na rua! Vomitar esse tédio sobre a cidade. Quarenta anos e nenhum problema resolvido, sequer colocado. Nenhuma carta escrita nem recebida. Todos os homens voltam para casa. Estão menos livres mas levam jornais E soletram o mundo, sabendo que o perdem. Crimes da terra, como perdoá-los? Tomei parte em muitos, outros escondi. Alguns achei belos, foram publicados. Crimes suaves, que ajudam a viver. Ração diária de erro, distribuída em casa. Os ferozes padeiros do mal. Os ferozes leiteiros do mal. Pôr fogo em tudo, inclusive em mim. Ao menino de 1918 chamavam anarquista. Porém meu ódio é o melhor de mim. Com ele me salvo e dou a poucos uma esperança mínima. Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego. Uma flor ainda desbotada ilude a polícia, rompe o asfalto. Façam completo silêncio, paralisem os negócios, garanto que uma flor nasceu. Sua cor não se percebe. Suas pétalas não se abrem. Seu nome não está nos livros. É feia. Mas é realmente uma flor. Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde e lentamente passo a mão nessa forma insegura. Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se. Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico. É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio. (Carlos Drummond de Andrade)
POEMA PARA A EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA (recomendado para maiores de 18 séculos) este poema sem que você per ceba coloca – gentilmente – em tua bo ca buc eta pin to cu te ta. sorry, eis já a treta… não há mais nada a ser feito, querido, aguenta as imagens já vão – guela abaixo – descendo aproveita e sente isso tudo aí dentro…. não tente cuspi-las não, nem é possível deslê-las sim, duro ter sido assim atraído por um título duvidoso, mas sei, algo aí sente, também, o prazeroso deleite de ler esse leite jorrando quente esse maná manando na mente… (shiiiu, aqui entre parênteses, eu sei de você fechado em teu quarto a sós com este texto – fique tranquilo, estamos só a gente – eu guardo bem teu segredo esse teu clandestino desejo que te faz seguir me lendo re lendo re virando os olhinhos entre abrindo os dentes nesse gozo da sua língua soletrando a minha) perde o medo e aceita, terás que conviver com esse gre lo em teu ra bo quero dizer com esse feito esse fato não meta, quer dizer, não tema! é só uma punheta um poema um punhado de pa lavras larvas na tua cabeça é só arte abstrata escorrendo de sua boca esse prazer da porra! não esquenta! não pira! a vida mesmo não tem dessas coisas – caralhovaginaprazertesãoalegria – não, a vida é pura censura… 16 mil crianças morrendo de fome por dia. (Jeff Vasquez)
Hoje eu quero um poema transparente, Semelhante a lagrima Que iludiu meus olhos desatentos. Um poema capaz de coragem, Desses que podem ser ouvidos Na chuva, na greve, ao fim Da batalha perdida Um poema capaz de resistir Como o granito ao vento, Como o homem resiste Se o aço lhe alcança o ombro Um poema capaz de liberdade. Capaz de falar nesta hora noturna Quando todos dormem, e o silencio oficial Amordaçou as cantigas do meu povo (HO CHI MINH)
Eu quero amar, amar perdidamente! Amar só por amar: aqui... além... Mais este e aquele, o outro e a toda gente... Amar! Amar! E não amar ninguém! Recordar? Esquecer? Indiferente!... Prender ou desprender? É mal? É bem? Quem disse que se pode amar alguém Durante a vida inteira é porque mente! Há uma primavera em cada vida: É preciso cantá-la assim florida, Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar. E se um dia hei de ser pó, cinza e nada Que seja a minha noite uma alvorada, Que eu saiba me perder... pra me encontrar... (Florebela Spanca – Portugal)
Tambor está velho de gritar Oh velho Deus dos homens deixa-me ser tambor corpo e alma só tambor só tambor gritando na noite quente dos trópicos. Nem flor nascida no mato do desespero Nem rio correndo para o mar do desespero Nem zagaia temperada no lume vivo do desespero Nem mesmo poesia forjada na dor rubra do desespero. Nem nada! Só tambor velho de gritar na lua cheia da minha terra Só tambor de pele curtida ao sol da minha terra Só tambor cavado nos troncos duros da minha terra. Eu Só tambor rebentando o silêncio amargo da Mafalala Só tambor velho de sentar no batuque da minha terra Só tambor perdido na escuridão da noite perdida. Oh velho Deus dos homens eu quero ser tambor e nem rio e nem flor e nem zagaia por enquanto e nem mesmo poesia. Só tambor ecoando como a canção da força e da vida Só tambor noite e dia dia e noite só tambor até à consumação da grande festa do batuque! Oh velho Deus dos homens deixa-me ser tambor só tambor! (José Craverinha – Mozambique)
Quiero una huelga donde vayamos todos. Una huelga de brazos, piernas, de cabellos, una huelga naciendo en cada cuerpo. Quiero una huelga de obreros de palomas de choferes de flores de técnicos de niños de médicos de mujeres. Quiero una huelga grande, que hasta el amor alcance. Una huelga donde todo se detenga, el reloj las fábricas el plantel los colegios el bus los hospitales la carretera los puertos. Una huelga de ojos, de manos y de besos. Una huelga donde respirar no sea permitido, una huelga donde nazca el silencio para oír los pasos del tirano que se marcha. (Gioconda Belli - Nicaragua)
Somos cinco mil aquí en esta parte de la ciudad. Somos cinco mil. ¿Cuántos seremos en total en las ciudades y en todo el país? Somos aquí 10 mil manos que siembran y hacen andar las fábricas. Cuánta humanidad con hambre, frío, angustia, pánico, dolor, presión moral, temor y locura. Seis de los nuestros se perdieron en el espacio de las estrellas, un muerto, un golpeado como jamás creí se podría golpear a un ser humano, los otros cuatro quisieron quitarse todos los temores unos saltando al vacío otros golpeándose la cabeza contra el muro. Pero todos..., todos, con la mirada fija de la muerte. Qué espanto causa el rostro de fascismo, llevan a cabo sus planes con precisión certera sin importarles nada. La sangre para ellos son medallas, la matanza es acto de heroísmo. ¿Es éste el mundo que creaste, Dios mío? ¿Para esto tus siete días de ascenso y de trabajo? En estas cuatro murallas, sólo hay un número que no preocupa. Que lentamente quería más la muerte. Pero de pronto me golpea la conciencia y veo esta marea sin latido pero con el pulso de las máquinas y los militares mostrando su rostro de matrona llena de dulzura. Y México y Cuba y el mundo que grita esta ignominia. Somos 10.000 manos que producen. ¿Cuántos somos en toda mi patria? La sangre del compañero Presidente golpea más guerte que bombas y metrallas. Así golpeará nuestro puño nuevamente! Ay, canto que mal me sales! Cuánto tengo que cantar, espanto! Espanto como el que vivo como el que muero, espanto. De verme entre tanto y tantos momentos del infinito en que el silencio y el grito son las metas de este canto. Lo que veo nunca vi lo que he sentido y que siento harán brotar el momento... Canción del minero (o El minero) (Víctor Jara) En el Estadio Nacinal, Chile (Este es su último poema, escrito en el Estadio, en visperas de la muerte. El poema quedó inconcluso y sin música)
Assim é Minha Vida Meus deveres caminham com meu canto. Sou e não sou: é esse meu destino. Não sou, se não acompanho as dores dos que sofrem: são dores minhas. Porque não posso ser sem ser de todos, de todos os calados e oprimidos. Venho do povo e canto para o povo. Minha poesia é cântico e castigo. Me dizem: "Pertences à sombra". Talvez, talvez, porém na luz caminho. Sou o homem do pão e do peixe, e não me encontrarão entre os livros, mas com as mulheres e os homens: eles me ensinaram o infinito. Meus deveres caminham com meu canto. Sou e não sou: é esse meu destino. Não sou, se não acompanho as dores dos que sofrem: são dores minhas. Porque não posso ser sem ser de todos, de todos os calados e oprimidos. Venho do povo e canto para o povo. Minha poesia é cântico e castigo. Me dizem: "Pertences à sombra". Talvez, talvez, porém na luz caminho. Sou o homem do pão e do peixe, e não me encontrarão entre os livros, mas com as mulheres e os homens: eles me ensinaram o infinito. (Pablo Neruda)
A luz que me abriu os olhos para a dor dos deserdados e os feridos de injustiça, não me permite fechá-los nunca mais, enquanto viva. Mesmo que de asco ou fadiga me disponha a não ver mais, ainda que o medo costure os meus olhos, já não posso deixar de ver: a verdade me tocou, com sua lâmina de amor, o centro do ser. Não se trata de escolher entre cegueira e traição. Mas entre ver e fazer de conta que nada vi ou dizer da dor que vejo para ajudá-la a ter fim, já faz tempo que escolhi. (Thiago de Mello)
Todo poema de amor é revolucionário. Um homem que não ama uma mulher Não pode ser revolucionário. Existe uma carta de um poeta italiano, Muito antigo, Não me recordo o nome, que diz: “agradeço o amor que você me revelou, Porque me faltava algo essencial para ser um revolucionário completo, Que era amar um ser humano da forma como te amo.” A revolução é uma forma intensa de amor, Tem os traços do amor: satisfação, a aventura, O deslumbre, o coração batendo compassadamente E, principalmente, a certeza de que vamos nos encontrar ao cair da tarde num jardim. O que acontece no teto da revolução é que a noiva é a historia. Não conheço nada que se pareça mais com a fé recolucionária que a fé do amor. E não coheço nada que s pareça mais com a fé do amor, que a fé de fazer a revolução. Quando me perguntam: pode um poeta se sentir bem em fazer uma revolução? Respondo: pode um poeta se sentir bem fora da revolução? (Roberto Fernandes Retamar – Combatente da Revolução Cubana)
Ser capaz, como um rio que leva sozinho a canoa que se cansa, de servir de caminho para a esperança. E de lavar do límpido a mágoa da mancha, como o rio que leva, e lava. Crescer para entregar na distância calada um poder de canção, como o rio decifra o segredo do chão. Se tempo é de descer, reter o dom da força sem deixar de seguir. E até mesmo sumir, para, subterrâneo, aprender a voltar e cumprir, no seu curso, o ofício de amar. Como um rio, aceitar essas súbitas ondas de águas impuras que afloram a escondida verdade nas funduras. Como um rio, que nasce de outros, saber seguir, junto com outros sendo e noutros se prolongando e construir o encontro com as águas grandes do oceano sem fim. Mudar em movimento, mas sem deixar de ser o mesmo ser que muda. Como um rio. (Thiago de Mello)
Quem luta pelo comunismo, deve saber lutar e não lutar; dizer a verdade e não dizer a verdade; Prestar serviços e negar-se a prestar serviços; Cumprir promessas e não cumprir promessas; Enfrentar o perigo e evitar o perigo; Identificar-se e não ser identificado. Quem luta pelo comunismo, deve saber falar do comunismo e não falar do comunismo. Quem luta pelo comunismo Só possui uma única virtude: Lutar pelo Comunismo (Bertolt Brecht)
As mulheres de minha geração abriram suas pétalas rebeldes. Não de rosas, camélias, orquídeas ou outras flores. De frivolidades tristes, de casinhas burguesas, de costumes anexos. Mas de pólens peregrinos entre ventos Porque as mulheres de minha geração floresceram nas ruas. Nas fábricas se fizeram fiandeiras de sonhos No sindicato organizavam o amor segundo seus sábios critérios. Ou seja, disseram as mulheres de minha geração Cada uma segundo a sua necessidade e capacidade de resposta. Como na luta golpe a golpe e no amor beijo a beijo Em escolas argentinas, chilenas ou uruguaias. Aprenderam o que tinham que saber para o saber glorioso Das mulheres de minha geração. Mini – saias em flor nos anos setenta. As mulheres de minha geração não ocultaram nem as sombras De coxas de fora como as de Tânia Erotizando com o maior dos calibres Os caminhos duros da hora marcada com a morte Porque as mulheres de minha geração Beberam com vontade o vinho dos vivos Acudiram a todos os chamados E foram dignidade na derrota Nos quartéis lhes chamaram de putas e não as ofenderam Pois vinham de um bosque de sinônimos alegres:Minas,Brotos, Gatas, Moças, Pequenas, Gurias, Garotas,Velhas,SenhorasSenhoritas, Panteras Até que elas mesmas escreveram a palavra Companheira Em suas costas e nas paredes de todas as celas Porque as mulheres de minha geração Nos marcaram com o fogo indelével de suas unhas A verdade universal de seus direitos Conheceram a prisão e os golpes Habitaram mil pátrias e em nenhuma Choraram seus mortos e os meus como se fossem seus Deram calor ao frio e ao cansaço desejos À água sabor e ao fogo a direção correta As mulheres de minha geração pariram filhos eternos Cantando “summertime” os amamentaram Fumaram marijuana nos poucos descansos da luta Dançaram o melhor do vinho e beberam as melhores melodias Porque as mulheres de minha geração Nos ensinaram que a vida não se oferece em borbotões companheiros Porém de golpe e até o fundo das conseqüências Foram estudantes, mineiras,sindicalistas, operárias,Artesãs, atrizes,guerrilheiras, até mães e parceiras Nos raros tempos livres da luta de Resistência Porque as mulheres de minha geração só respeitaram os limites que Superavam todas as fronteiras Internacionalistas de carinho,brigadistas do amor, Delegadas de dizer te amo, milicianas na carícia Entre uma batalha e outra as mulheres de minha geração se deram toda E disseram que ainda era pouco. Declararam-nas viúvas em Córdoba e Tlatelolco. Vestiram-nas de negro em Porto Montt e São Paulo E em Santiago, Buenos Aires ou Montevidéu Foram as únicas estrelas na longa noite clandestina Suas prisões não são prisões Porém uma forma de viver para o que der e vier. As rugas que aparecem em seus rostos Dizem tenho sorrido e chorado e voltaria a fazê-lo. As mulheres de minha geração Ganharam alguns quilos de razões que se grudam em seus corpos Se movem um pouco mais lentas e cansadas de esperar-nos na meta final Escrevem cartas que incendeiam memórias Recordam aromas proscritos e os exaltam Inventam a cada dia as palavras e com elas nos empurram Nomeiam as coisas e nos preparam o mundo... (Luís Sepúlveda)
Como um lobo estraçalharia à burocracia. Às credenciais não lhes tenho respeito. Que vão para o diabo todos os papéis! Mas este... Ao longo dos camarotes e beliches movimenta-se um funcionário polido e obsequioso. Cada qual entrega seu passaporte e eu entrego minha caderneta escarlate. Para certos passaportes, um sorrisinho de mofa. Para outros, um desprezo sem par. Com respeito, por exemplo, tomam os passaportes com o leão britânico estampado nos dois lados. Comendo o passageiro com os olhos, fazendo mesuras e salamaleques, pegam como se fosse uma gorjeta, o passaporte de um americano. Para o polonês olham como um cabrito para um cartaz. Para polonês, franzindo a testa numa burrice de policial, olham como quem diz: “De onde vem isto? Que novidade geográfica é esta?” Mas é sem mover a cabeça de repolho, sem sentir qualquer emoção que recebem passaportes dinamarqueses, suecos e outros tantos. De repente, como que lambida pelo fogo a boca do funcionário se torce. É que o senhor funcionário pegou meu passaporte escarlate. Pegou-o como a uma bomba, pegou-o como a um ouriço, como uma navalha afiada, pegou-o como uma cascavel de vinte aguilhões e de dois metros a mais de comprimento. Piscou o olho ao carregador para que nos levasse a bagagem de graça. O polícia espiou para o tira. O tira espiou para o polícia. Com que volúpia a casta de policiais me açoitaria, crucificaria por ter eu nas mãos, o passaporte da foice e do martelo, o passaporte soviético. Como um lobo estraçalharia a burocracia. Às credenciais não lhes tenho respeito. Que vão para o diabo todos os papéis, mas este…. Da profundidade de meus bolsos retiro este grande documento de que estou provido. Lede. invejai-me! Eu sou cidadão da União Soviética!” (Maiakóvski 1929)
Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir A certidão pra nascer, e a concessão pra sorrir Por me deixar respirar, por me deixar existir Deus lhe pague Pelo prazer de chorar e pelo "estamos aí" Pela piada no bar e o futebol pra aplaudir Um crime pra comentar e um samba pra distrair Deus lhe pague Por essa praia, essa saia, pelas mulheres daqui O amor malfeito depressa, fazer a barba e partir Pelo domingo que é lindo, novela, missa e gibi Deus lhe pague Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir Pela fumaça, desgraça, que a gente tem que tossir Pelos andaimes, pingentes, que a gente tem que cair Deus lhe pague Por mais um dia, agonia, pra suportar e assistir Pelo rangido dos dentes, pela cidade a zunir E pelo grito demente que nos ajuda a fugir Deus lhe pague Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir E pelas moscas-bicheiras a nos beijar e cobrir E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir Deus lhe pague Deus lhe pague
Tu ris, tu mens trop Tu pleures, tu meurs trop Tu as le tropique Dans le sang et sur la peau Geme de loucura e de torpor Já é madrugada Acorda, acorda, acorda, acorda, acorda Mata-me de rir Fala-me de amor Songes et mensonges Sei de longe e sei de cor Geme de prazer e de pavor Já é madrugada Acorda, acorda, acorda, acorda, acorda Vem molhar meu colo Vou te consolar Vem, mulato mole Dançar dans mes bras Vem, moleque me dizer Onde é que está Ton soleil, ta braise Quem me enfeitiçou O mar, marée, bateau Tu as le parfum De la cachaça e de suor Geme de preguiça e de calor Já é madrugada Acorda, acorda, acorda, acorda, acorda Amor
De tudo que é nego torto Do mangue e do cais do porto Ela já foi namorada O seu corpo é dos errantes Dos cegos, dos retirantes É de quem não tem mais nada Dá-se assim desde menina Na garagem, na cantina Atrás do tanque, no mato É a rainha dos detentos Das loucas, dos lazarentos Dos moleques do internato E também vai amiúde Co'os velhinhos sem saúde E as viúvas sem porvir Ela é um poço de bondade E é por isso que a cidade Vive sempre a repetir Joga pedra na Geni Joga pedra na Geni Ela é feita pra apanhar Ela é boa de cuspir Ela dá pra qualquer um Maldita Geni Um dia surgiu, brilhante Entre as nuvens, flutuante Um enorme zepelim Pairou sobre os edifícios Abriu dois mil orifícios Com dois mil canhões assim A cidade apavorada Se quedou paralisada Pronta pra virar geleia Mas do zepelim gigante Desceu o seu comandante Dizendo Mudei de ideia Quando vi nesta cidade Tanto horror e iniquidade Resolvi tudo explodir Mas posso evitar o drama Se aquela formosa dama Esta noite me servir Essa dama era Geni Mas não pode ser Geni Ela é feita pra apanhar Ela é boa de cuspir Ela dá pra qualquer um Maldita Geni Mas de fato, logo ela Tão coitada e tão singela Cativara o forasteiro O guerreiro tão vistoso Tão temido e poderoso Era dela, prisioneiro Acontece que a donzela e isso era segredo dela Também tinha seus caprichos E a deitar com homem tão nobre Tão cheirando a brilho e a cobre Preferia amar com os bichos Ao ouvir tal heresia A cidade em romaria Foi beijar a sua mão O prefeito de joelhos O bispo de olhos vermelhos E o banqueiro com um milhão Vai com ele, vai Geni Vai com ele, vai Geni Você pode nos salvar Você vai nos redimir Você dá pra qualquer um Bendita Geni Foram tantos os pedidos Tão sinceros, tão sentidos Que ela dominou seu asco Nessa noite lancinante Entregou-se a tal amante Como quem dá-se ao carrasco Ele fez tanta sujeira Lambuzou-se a noite inteira Até ficar saciado E nem bem amanhecia Partiu numa nuvem fria Com seu zepelim prateado Num suspiro aliviado Ela se virou de lado E tentou até sorrir Mas logo raiou o dia E a cidade em cantoria Não deixou ela dormir Joga pedra na Geni Joga bosta na Geni Ela é feita pra apanhar Ela é boa de cuspir Ela dá pra qualquer um Maldita Geni
Amou daquela vez como se fosse a última Beijou sua mulher como se fosse a última E cada filho seu como se fosse o único E atravessou a rua com seu passo tímido Subiu a construção como se fosse máquina Ergueu no patamar quatro paredes sólidas Tijolo com tijolo num desenho mágico Seus olhos embotados de cimento e lágrima Sentou pra descansar como se fosse sábado Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago Dançou e gargalhou como se ouvisse música E tropeçou no céu como se fosse um bêbado E flutuou no ar como se fosse um pássaro E se acabou no chão feito um pacote flácido Agonizou no meio do passeio público Morreu na contramão atrapalhando o tráfego Amou daquela vez como se fosse o último Beijou sua mulher como se fosse a única E cada filho seu como se fosse o pródigo E atravessou a rua com seu passo bêbado Subiu a construção como se fosse sólido Ergueu no patamar quatro paredes mágicas Tijolo com tijolo num desenho lógico Seus olhos embotados de cimento e tráfego Sentou pra descansar como se fosse um príncipe Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo Bebeu e soluçou como se fosse máquina Dançou e gargalhou como se fosse o próximo E tropeçou no céu como se ouvisse música E flutuou no ar como se fosse sábado E se acabou no chão feito um pacote tímido Agonizou no meio do passeio náufrago Morreu na contramão atrapalhando o público Amou daquela vez como se fosse máquina Beijou sua mulher como se fosse lógico Ergueu no patamar quatro paredes flácidas Sentou pra descansar como se fosse um pássaro E flutuou no ar como se fosse um príncipe E se acabou no chão feito um pacote bêbado Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir Por me deixar respirar, por me deixar existir Deus lhe pague Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir Pela fumaça e a desgraça que a gente tem que tossir Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair Deus lhe pague Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir E pelas moscas bicheiras a nos beijar e cobrir E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir Deus lhe pague
PRIMEIRA VERSÃO (1975)* Sei que estás em festa, pá Fico contente E enquanto estou ausente Guarda um cravo para mim Eu queria estar na festa, pá Com a tua gente E colher pessoalmente Uma flor do teu jardim Sei que há léguas a nos separar Tanto mar, tanto mar Sei também quanto é preciso, pá Navegar, navegar Lá faz primavera, pá Cá estou doente Manda urgentemente Algum cheirinho de alecrim SEGUNDA VERSÃO (1978)* Foi bonita a festa, pá Fiquei contente E inda guardo, renitente Um velho cravo para mim Já murcharam tua festa, pá Mas certamente Esqueceram uma semente Nalgum canto do jardim Sei que há léguas a nos separar Tanto mar, tanto mar Sei também quanto é preciso, pá Navegar, navegar Canta a primavera, pá Cá estou carente Manda novamente Algum cheirinho de alecrim
Acorda amor Eu tive um pesadelo agora Sonhei que tinha gente lá fora Batendo no portão, que aflição Era a dura, numa muito escura viatura Minha nossa santa criatura Chame, chame, chame lá Chame, chame o ladrão, chame o ladrão Acorda amor Não é mais pesadelo nada Tem gente já no vão de escada Fazendo confusão, que aflição São os homens e eu aqui parado de pijama Eu não gosto de passar vexame Chame, chame, chame Chame o ladrão, chame o ladrão Se eu demorar uns meses convém, às vezes, você sofrer Mas depois de um ano eu não vindo Ponha a roupa de domingo e pode me esquecer Acorda amor Que o bicho é brabo e não sossega Se você corre o bicho pega Se fica não sei não Atenção Não demora Dia desses chega a sua hora Não discuta à toa não reclame Clame, chame lá, clame, chame Chame o ladrão, chame o ladrão, chame o ladrão Não esqueça a escova, o sabonete e o violão
Essa moça tá diferente Já não me conhece mais Está pra lá de pra frente Está me passando pra trás Essa moça tá decidida A se supermodernizar Ela só samba escondida Que é pra ninguém reparar Eu cultivo rosas e rimas Achando que é muito bom Ela me olha de cima E vai desinventar o som Faço-lhe um concerto de flauta E não lhe desperto emoção Ela quer ver o astronauta Descer na televisão Mas o tempo vai Mas o tempo vem Ela me desfaz Mas o que é que tem Que ela só me guarda despeito Que ela só me guarda desdém Mas o tempo vai Mas o tempo vem Ela me desfaz Mas o que é que tem Se do lado esquerdo do peito No fundo, ela ainda me quer bem Essa moça tá diferente Já não me conhece mais Está pra lá de pra frente Está me passando pra trás Essa moça é a tal da janela Que eu me cansei de cantar E agora está só na dela Botando só pra quebrar Mas o tempo vai Mas o tempo vem Ela me desfaz Mas o que é que tem Que ela só me guarda despeito Que ela só me guarda desdém Mas o tempo vai Mas o tempo vem Ela me desfaz Mas o que é que tem Se do lado esquerdo do peito No fundo, ela ainda me quer bem