Poesia Em Gotas

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Tenho perguntado pras amizades se, em meio à quarentena, têm lido poesia. Sei que parece que o tempo não cabe no dia ou no peito e que poesia é alienante mas é justamente o contrário. Não é dar flores para os inimigos, é dar novas armas para os amigos. Poesia é ponta de lança. Se Ailton Krenak cita Drummond pra adiar o fim do mundo, quem sou eu pra ignorar Krenak ou Drummond? Isso tudo é pra mostrar como enche de ar e vida a poesia. Ouçam o que Marcella tem a dizer pois só uma poeta da sua grandeza poderia selecionar e recitar poemas como ela está fazendo, em pleno fim do mundo // Luti Guedes

Marcella ☉☽ @sementeviva


    • Jan 16, 2025 LATEST EPISODE
    • monthly NEW EPISODES
    • 1m AVG DURATION
    • 63 EPISODES


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    Latest episodes from Poesia Em Gotas

    Sem afobação - Marcella Saraceni

    Play Episode Listen Later Jan 16, 2025 1:18


    eu queria adormecer em um botão de flor.sem afobação, vou ao mercado três da tarde comprar alface americana, embora prefira produtos locais.é terrível. terrível ter que explicar ironia.não quero ser a melhor em nada, mas tento não ser a piortambém se for, paciência.como diz um amigo: “sejamos medianos”.não tenho sete vidas.vai ser nessa mesmo que arriscarei um poema mas não. não pularei de bungee jump.vivo com fome, tenho fixação pela boca e poesia me abre o apetite.no reino animal, é a leoa que sai pra caçar.eu, como mulher, felina e sozinha, vou lá e faço.mas prefiro que me peguem pela barriga.eu queria caminhar no teu sonho, mas ainda estou peregrinando pelo meu.sempre achei que morreria cedo e hoje acordocom uma coragem de viver 110 anos.sem a fo ba çãosenão, não quero.

    Objetos inúteis - Jorge Amado

    Play Episode Listen Later Jan 15, 2025 0:58


    Trecho do livro “Navegação de Cabotagem: apontamentos para um livro de memórias que jamais escreverei”Tenho centenas de objetos inúteis, não me servem para nada, não posso viver sem eles. […] Nos aviões roubo guardanapos, talheres nos restaurantes, sobretudo colheres de café, nos hotéis recolho e levo para casa todo o material de banho e o que mais haja, meu acervo de sabonetinhos é digno de visita e vistoria pela quantidade e pela variedade intercontinental. […] O hábito dessas pequenas gatunagens eu o aprendi com meu tio Álvaro Amado, mão leve, por onde andava recolhia. Dormindo comigo na mesma cama há quase meio século, Zélia ainda não se conformou, até hoje torce a cara ao me ver enfiar no bolso o guardanapo com a rosa-dos-ventos, a dez mil metros de altura sobre o oceano.

    O que eu sei? - Ana Martins Marques

    Play Episode Listen Later Jan 15, 2025 0:59


    Sei poucas coisas sei que leré uma coreografiaque concentrar-se é distrair-sesei que primeiro se ama um nome seique o que se ama no amor é o nome do amorsei poucas coisas esqueço rápido as coisasque sei sei que esquecer é musicalsei que o que aprendi do mar não foi o marque só a morte ensina o que ela ensinasei que é um mundo de medo de vizinhançade sono de animais de medosei que as forças do convívio sobrevivem no tempoapagando-se porémsei que a desistência resisteque esperar é violentosei que a intimidade é o nome que se dáa uma infinita distânciasei poucas coisas

    european union sei ana martins marques
    Encontro ou amor - Fausto Fawcett

    Play Episode Listen Later Nov 26, 2024 0:46


    Eu vivo clandestina e não é mole essa vida clandestinaMas posso me orgulhar da qualidade da minha peleE da temperatura do meu beijo,eu quero fazer com você um pacto de delicadeza.Eu quero me sentir Alteza,para te ceder todos os músculosSerá arbusto dos seus beijosVamos sair esburacando a madrugadatrocando beijos e tragadasA lua é uma lantejoula da Nasaque brilha leitosa no meu vestido estrelado

    Necrológio dos desiludidos do amor - Carlos Drummond de Andrade

    Play Episode Listen Later Oct 17, 2024 1:20


    Os desiludidos do amorEstão desfechando tiros no peitoDo meu quarto ouço a fuzilariaAs amadas torcem-se de gozoOh quanta matéria para os jornaisDesiludidos mas fotografadosEscreveram cartas explicativasTomaram todas as providênciasPara o remorso das amadasPum pum pum adeus, enjoadaEu vou, tu ficas, mas nos veremosSeja no claro céu ou turvo infernoOs médicos estão fazendo a autópsiaDos desiludidos que se mataramQue grandes corações eles possuíamVísceras imensas, tripas sentimentaisE um estômago cheio de poesiaAgora vamos para o cemitérioLevar os corpos dos desiludidosEncaixotados competentemente(Paixões de primeira e de segunda classe)Os desiludidos seguem iludidosSem coração, sem tripas, sem amorÚnica fortuna, os seus dentes de ouroNão servirão de lastro financeiroE cobertos de terra perderão o brilhoEnquanto as amadas dançarão um sambaBravo, violento, sobre a tumba deles

    Maria do Rosário Pedreira - De que me serviu ir correr mundo

    Play Episode Listen Later Sep 26, 2024 0:57


    De que me serviu ir correr mundo,arrastar, de cidade em cidade, um amorque pesava mais do que mil malas; mostrara mil homens o teu nome escrito em milalfabetos e uma estampa do teu rostoque eu julgava feliz? De que me serviurecusar esses mil homens, e os outros milque fizeram de tudo para eu parar, milvezes me penteando as pregas do vestidocansado de viagens, ou dizendo o seu nometão bonito em mil línguas que eu nuncaentenderia? Porque era apenas atrás de tique eu corri o mundo, era com a tua voznos meus ouvidos que eu arrastava o fardodo amor de cidade em cidade, o teu nomenos meus lábios de cidade em cidade, o teurosto nos meus olhos durante toda a viagem,mas tu partias sempre na véspera de eu chegar.

    Quando deitamos para comer - Marcella Saraceni

    Play Episode Listen Later Sep 18, 2024 1:07


    gosto do som do meu nome saindo pela tua boca salgada“me adoça” você diz te envolvo no mel que escorre pelas pernas essa noite o mar vai virar rio teu riso: pólen dele me alimento e pouso em delicada flor dos lábios nosso romance tem cheiro de comida gostosarecém saída do forno me lambuzo da calda e enfio o dedo na sobremesa dos pratos onde comemos pouco me importam que fiquem largados que juntem formigas eu não vou observar de perto a passagem do tempo quero gastar a vida a provar sabores quero partilhar esse banquete com você ninguém vai nos servir. vai, comedesse prato você pode repetir

    Há metafísica bastante em não pensar em nada - Alberto Caeiro

    Play Episode Listen Later Sep 9, 2024 3:57


    Há metafísica bastante em não pensar em nada. O que penso eu do Mundo?Sei lá o que penso do Mundo!Se eu adoecesse pensaria nisso. Que ideia tenho eu das coisas?Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?Que tenho eu meditado sobre Deus e a almaE sobre a criação do Mundo?Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhosE não pensar. É correr as cortinasDa minha janela (mas ela não tem cortinas). O mistério das coisas? Sei lá o que é mistério!O único mistério é haver quem pense no mistério.Quem está ao sol e fecha os olhos,Começa a não saber o que é o SolE a pensar muitas coisas cheias de calor.Mas abre os olhos e vê o Sol,E já não pode pensar em nada,Porque a luz do Sol vale mais que os pensamentosDe todos os filósofos e de todos os poetas.A luz do Sol não sabe o que fazE por isso não erra e é comum e boa. Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvoresA de serem verdes e copadas e de terem ramosE a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,A nós, que não sabemos dar por elas.Mas que melhor metafísica que a delas,Que é a de não saber para que vivemNem saber que o não sabem? «Constituição íntima das coisas»...«Sentido íntimo do Universo»...Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.É incrível que se possa pensar em coisas dessas.É como pensar em razões e finsQuando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvoresUm vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão. Pensar no sentido íntimo das coisasÉ acrescentado, como pensar na saúdeOu levar um copo à água das fontes. O único sentido íntimo das coisasÉ elas não terem sentido íntimo nenhum. Não acredito em Deus porque nunca o vi.Se ele quisesse que eu acreditasse nele,Sem dúvida que viria falar comigoE entraria pela minha porta dentroDizendo-me, Aqui estou! (Isto é talvez ridículo aos ouvidosDe quem, por não saber o que é olhar para as coisas,Não compreende quem fala delasCom o modo de falar que reparar para elas ensina.) Mas se Deus é as flores e as árvoresE os montes e sol e o luar,Então acredito nele,Então acredito nele a toda a hora,E a minha vida é toda uma oração e uma missa,E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos. Mas se Deus é as árvores e as floresE os montes e o luar e o sol,Para que lhe chamo eu Deus?Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;Porque, se ele se fez, para eu o ver,Sol e luar e flores e árvores e montes,Se ele me aparece como sendo árvores e montesE luar e sol e flores,É que ele quer que eu o conheçaComo árvores e montes e flores e luar e sol. E por isso eu obedeço-lhe,(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?),Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,Como quem abre os olhos e vê,E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,E amo-o sem pensar nele,E penso-o vendo e ouvindo,E ando com ele a toda a hora.

    Trecho de “Água viva” - Clarice Lispector

    Play Episode Listen Later Sep 5, 2024 0:51


    "E eis que depois de uma tarde de “quem sou eu” e de acordar à uma hora da madrugada ainda em desespero — eis que às três horas da madrugada acordei e me encontrei. Fui ao encontro de mim. Calma, alegre, plenitude sem fulminação. Simplesmente eu sou eu. e você é você. É vasto, vai durar.O que te escrevo é um “isto”. Não vai parar: continua.Olha para mim e me ama. Não: tu olhas para ti e te amas. É o que está certo."

    Ensinamento - Adélia Prado

    Play Episode Listen Later Sep 4, 2024 0:39


    Minha mãe achava estudo a coisa mais fina do mundo.Não é.A coisa mais fina do mundo é o sentimento.Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,ela falou comigo:‘coitado, até essa hora no serviço pesado'.Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com águaquente.Não me falou em amor.Essa palavra de luxo.

    Matinê - Rodrigo Damasceno

    Play Episode Listen Later Jun 19, 2024 1:13


    manhã de azuis intensos e de nuvens brancas na República domingo ontem alguém nasceu outro sumiu e de mim ninguém ficou sabendo mas ainda tenho um pouco de dinheiro graças a deus e coisas pra fumar e outras pra comer e uma rede pra deitar além da confiança no amor que dura ao menos dois dias na semana mas às vezes o mês se alonga e tem onda de calor pulgas, zika, muriçocas, câncer, Nubank e o diabo atenta e a gente peca e quem acredita em deus acha que ele perdoa e segue em frente e queima o tabaco decolonial num cachimbo meus amigos são triatletas, poetas, herois dos frilas zen, usam perfumes, de Fortaleza, e nos stories alguns fazem cinema; é o fim dos tempos sabemos mas os dengos ainda não doces e eu comprei goiabas na feira de sexta

    Quando estou triste - Marcella Saraceni

    Play Episode Listen Later Feb 27, 2024 2:32


    quando estou triste ando na rua achando que todos sabem uma senhora me encarou por mais de dois minutos e eu tive certeza: ela está vendo minha dor na farmácia perguntaram se eu não queria levar um lenço umidecido que estava na promoção assim, do nada vou caminhando pelas ruas carregando minha tristeza como um cabelo que está preso, pesando minha cabeça não o amarro ou faço coques levo ele do jeito que está quando acordo e até sou capaz de sorrir uma, duas, três vezes... eu não esqueço da alegria e posso vê-la está ao alcance dos meus olhos mas não dos meus pés se vejo um banco na praça tenho vontade de sentar e questionar minha vida toda se me pedem desculpas respondo: “desculpa eu” se quase piso no rabo de um gato sou capaz de chorar infinitas banalidades me fazem chorar quando estou triste e para fazer compras no mercado, eu talvez use um óculos escuro só uso óculos escuro quando estou triste no sol não. no sol geralmente estou feliz copacabana. ruas lotadas de gente. passo chorando entre elas com um fone de ouvido escutando algo que não combina em nada com aquele cenário mas esse movimento todo me interessa andar chorando entre os pedestres que correm que não me enxergam é como um pequeno rio brotando no chão do asfalto quente é uma bandeira que diz (com som de sinere ao fundo) “eu me permito sentir” alguém está vindo em minha direção é um dos rapazes de roupas azuis do exército da salvação quase acho que vieram para me salvar “que pena” respondo à ele queria ajudar. mas hoje não, hoje estou triste.

    Eu durmo comigo - Angélica Freitas

    Play Episode Listen Later Jan 18, 2024 1:03


    eu durmo comigo/ de bruços deitada eu durmo comigo/ virada pra direita eu durmo comigo/ eu durmo comigo abraçada comigo/ não há noite tão longa em que não durma comigo/ como um trovador medieval agarrado ao alaúde eu durmo comigo/ eu durmo comigo debaixo da noite estrelada/ eu durmo comigo enquanto os outros fazem aniversário/ eu durmo comigo ás vezes de óculos/ e mesmo no escuro sei que estou dormindo comigo/ e quem quiser dormir comigo vai ter que dormir do lado

    Minha cueca caiu do varal no meio da rua - Mila Teixeira

    Play Episode Listen Later Jan 15, 2024 1:10


    compro cuecas nas americanas apenas quando estão na promoção não pago mais de doze reais por unidade uso aquelas que parecem shorts qual é o nome comecei a usar pra que não vissem minha bunda por baixo das saias e vestidos aos poucos substituí as calcinhas tão desconfortáveis que sempre entram no meio da bunda as mais baratas então são de poliéster puro já minhas cuecas são de algodão macias lavei as cuecas e ao colocar no varal acabei deixando uma cair na rua desci pra buscar vi um senhor estava botando ela no bolso ele não entendeu quando pedi de volta e disse que era minha por estar de bom humor contei: só uso calcinhas em começos de namoro e olhe lá ele não me devolveu atravessou a rua balançando minha cueca agora uso um varal dentro de casa estou farta de mal-en

    Recortes de “Para viver sem medo” - Eduardo Galeano

    Play Episode Listen Later Dec 19, 2023 1:27


    (…) Dizem que o mundo é feito de átomos. Está bem. “O mundo não é feito de átomos, o mundo é feito de histórias”, disse uma amiga. Eu acredito que sim, o mundo deve ser feito de histórias, porque são as histórias que a gente conta e escuta, recria e multiplica. São as histórias que permitem transformar o passado em presente, e também permitem transformar o distante em próximo. O que está distante em algo próximo, possível e visível. O mundo é isso, revelou: um monte de gente, um mar de foguinhos. Não existem dois fogos iguais. Cada pessoa brilha com luz própria, entre todas as outras. Existem fogos grandes e fogos pequenos, fogos de todas as cores. Existem pessoas de fogo sereno, que nem ficam sabendo do vento, e há pessoas de fogo louco, que enche e arde faíscas. Alguns fogos, fogos bobos, não iluminam nem queimam. Mas outros… outros ardem a vida com tanta vontade, que não pode olhá-los sem pestanejar. Quem se aproxima, se incendeia.

    Fera mansa - Marcella Saraceni

    Play Episode Listen Later Dec 11, 2023 1:04


    tinha uma bandeira na entrada da sua rua ela sinalizava que ali era um território perigoso nunca tive medo de encontrar um animal selvagem do barco afundar de ser engolida por uma grande onda saí correndo na noite escura pulei o muro da sua casa cheguei no jantar de aniversário do seu avô fundei um partido sem líderes mas com grandes ambições eu queria ir longe, baby muito longe e você queria cuidar da orquídea que crescia dentro de mim gritava saia da floresta vamos correr o mundo e o felino, selvagem, quieto só me olhava de longe

    Estudo da tração na sutileza da diferença - Maria Isabel Iorio

    Play Episode Listen Later Dec 7, 2023 0:45


    1. uma mulher molhada sobre uma mulher molhada é audível, sólido 2. uma mulher sobre outra mulher não é preliminar é pré histórico 3. uma mulher para amar uma mulher é preciso comer com as mãos 4. uma mulher para amar uma mulher é preciso cortar as unhas 5. colar a trajetória no epicentro: uma mulher que ama uma mulher aprende a lamber as coisas por den- tro

    Ser rebelde - Doris Lessing

    Play Episode Listen Later Dec 7, 2023 1:12


    Ser rebelde leva uma vida inteira, apagando os privilégios da pele, inscrevendo-se na solidão da discórdia, deixando para trás os usurpadores... Não há recompensa para uma rebelde além de poder regar as flores na hora certa, sair para alimentar os pássaros numa manhã em que o capital devora, sorrir com os dentes desgastados diante da desgraça do café da manhã, ficar sem teto na casa em que ninguém sonha. As rebeldes sabem do que são feitos os prêmios, rejeitam as migalhas lançadas pela mão do opressor. Uma rebelde tem a vida como única recompensa, porque ninguém se apropria dela, nela ninguém a usurpa, porque é o único terreno próprio de cada canto onde dorme. Sua rebelião sempre consegue encobrir o desânimo do progresso e se uma rebelde sente alegria na solidão, ela conquistou o mundo.

    Aos pés da noite - Marcella Saraceni

    Play Episode Listen Later Nov 6, 2023 3:30


    Produção musical, Arranjo e Saxofones: Dudu Rezende Produção musical e Mixagem: Beno Ibeas Masterização: Guilherme Lopes ___________________________________ após 30 anos caminhando ajoelhei aos pés da noite e disse cansei ali entreguei u m a por u m a todas as armas que empunhei contra mim de repente meu corpo era tomado por uma explosão de energia que nunca havia experimentado então não era um movimento externo era interno mesmo pensei naquele lugar fiz uma nascente onde correu rio por dias e dias ininterruptamente a noite observava tudo olhando sem espanto como se ja esperasse minha chegada como se dissesse você demorou o importante é que vim repetia internamente tentando manter a faísca acesa eu não podia esquecer porque fui até lá eu precisava sustentar todo o caos aos pés da noite uma montanha se levantava eram meus pedaços quando vão acabar? me perguntava meu grande desejo era que aquela explosão viesse com tudo que eu fosse vulcão por fora não aguentava mais erupçar por dentro eu olhava de frente pra morte e dava um beijo nela terno mas se despedida precisava conhecer a vida já conhecia a morte de muito perto já dormi com ela infinitas vezes precisava abrir espaço na minha cama pra ser visitada pelo sonho daqueles que você acredita que podem nascer enfim depois de semanas onde só se viu a escuridão o rio secou o sol apareceu sem vergonha nada mais poderia carregar vergonha encarei a luz e não me protegi deixei meus olhos arderem em brasa firme eu ainda não explodia mas sentia cada parte de mim aquecer borbulhar havia vida ali e eu sentia que ela era pra mim e

    produ saraceni guilherme lopes
    Aviso da lua que menstrua - Elisa Lucinda

    Play Episode Listen Later Aug 29, 2022 2:44


    Moço, cuidado com ela! Há que se ter cautela com esta gente que menstrua... Imagine uma cachoeira às avessas: Cada ato que faz, o corpo confessa. Cuidado, moço Às vezes parece erva, parece hera Cuidado com essa gente que gera Essa gente que se metamorfoseia Metade legível, metade sereia. Barriga cresce, explode humanidades E ainda volta pro lugar que é o mesmo lugar Mas é outro lugar, aí é que está: Cada palavra dita, antes de dizer, homem, reflita.. Sua boca maldita não sabe que cada palavra é ingrediente Que vai cair no mesmo planeta panela. Cuidado com cada letra que manda pra ela! Tá acostumada a viver por dentro, Transforma fato em elemento A tudo refoga, ferve, frita Ainda sangra tudo no próximo mês. Cuidado moço, quando cê pensa que escapou É que chegou a sua vez! Porque sou muito sua amiga É que tô falando na "vera" Conheço cada uma, além de ser uma delas. Você que saiu da fresta dela Delicada força quando voltar a ela. Não vá sem ser convidado Ou sem os devidos cortejos.. Às vezes pela ponte de um beijo Já se alcança a "cidade secreta" A atlântida perdida. Outras vezes várias metidas e mais se afasta dela. Cuidado, moço, por você ter uma cobra entre as pernas Cai na condição de ser displicente Diante da própria serpente Ela é uma cobra de avental Não despreze a meditação doméstica É da poeira do cotidiano Que a mulher extrai filosofando Cozinhando, costurando e você chega com mão no bolso Julgando a arte do almoço: eca!... Você que não sabe onde está sua cueca? Ah, meu cão desejado Tão preocupado em rosnar, ladrar e latir Então esquece de morder devagar Esquece de saber curtir, dividir. E aí quando quer agredir Chama de vaca e galinha. São duas dignas vizinhas do mundo daqui! O que você tem pra falar de vaca? O que você tem eu vou dizer e não se queixe: Vaca é sua mãe. de leite. Vaca e galinha... Ora, não ofende. enaltece, elogia: Comparando rainha com rainha Óvulo, ovo e leite Pensando que está agredindo Que tá falando palavrão imundo. Tá, não, homem. Tá citando o princípio do mundo!

    Das vantagens de ser bobo - Clarice Lispector

    Play Episode Listen Later Mar 24, 2022 3:37


    O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar o mundo. O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado por que não faz alguma coisa, responde: “Estou fazendo. Estou pensando.” Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a ideia. O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não veem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os veem como simples pessoas humanas. O bobo ganha utilidade e sabedoria para viver. O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski. Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o aparelho sem vê-lo sequer. Resultado: não funciona. Chamado um técnico, a opinião deste era de que o aparelho estava tão estragado que o conserto seria caríssimo: mais valia comprar outro. Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar, e portanto estar tranquilo. Enquanto o esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado. O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo não percebe que venceu. Aviso: não confundir bobos com burros. Desvantagem: pode receber uma punhalada de quem menos espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo a célebre frase: “Até tu, Brutus?” Bobo não reclama. Em compensação, como exclama! Os bobos, com todas as suas palhaçadas, devem estar todos no céu. Se Cristo tivesse sido esperto não teria morrido na cruz. O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos. Ser bobo é uma criatividade e, como toda criação, é difícil. Por isso é que os espertos não conseguem passar por bobos. Os espertos ganham dos outros. Em compensação os bobos ganham a vida. Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não se importam que saibam que eles sabem. Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas. É quase impossível evitar excesso de amor que o bobo provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.

    Costura: poema com “C” - Marcella Saraceni

    Play Episode Listen Later Nov 7, 2021 1:44


    Chega! Cansei Cá chegamos Caramba, como conseguimos? Cada coisa... Corações costurados, Conexões cortadas, Consciência? Coitada Ceifada como capim! Começamos como coelhos Café cama chamego Café cama chamego Café cama chamego Caminhamos... Crescemos... Criamos crianças cachorros calos Compramos carro casa cobertores Casamos Como cúmplices compartilhamos Canções calor choro cachaça Cambaleando Caímos Como continuar? Cantando Chico César Como costumávamos

    Matilde Campilho - Fevereiro

    Play Episode Listen Later Oct 8, 2021 5:44


    Escute só, isto é muito sério. Anda, escuta que isso é sério! O mundo está tremendamente esquisito. Há dez anos atrás o Leon me disse que existe uma rachadura em tudo e que é assim que a luz entra, não sei se entendi. Você percebe alguma coisa da mistura entre falhas e iluminação? Aliás, me diga, você percebe alguma coisa de carpintaria? Você sabe por que meteram um boi naquele estábulo ao invés de um pequeno rinoceronte? Deve ter tido alguma coisa a ver com a geografia. Ou com os felizmente insolussionáveis mistérios que só podem vir do misticismo asiático. Um boi é um bicho tão… inexplicável. Ainda bem. O amor é um animal tão mutante, com tantas divisões possíveis. Lembra daqueles termômetros que usávamos na boca quando éramos pequenininhos? Lembra da queda deles no chão? Então, acho que o amor quando aparece é em tudo semelhante à forma física do mercúrio no mundo. Quando o vidro do termômetro se quebra, o elemento químico se espalha e então ele fica se dividindo pelos salões de todas as festas. Mercúrio se multiplicando. Acho que deve ser isso uma das cinco mil explicações possíveis para o amor. Ah é! Eu gosto de você. A luz entrou torta por nós a dentro, mas, olha, eu gosto de você! A luz do verão passado quebrou o vidro da melancolia e agora ela fica se expandindo pelas ruas todas. Desde aquele outro lado do Sol até esse tremendo agora. Hoje ainda faz bastante frio. As cinzas ainda não aterraram sobre as cabeças disfarçadas, tem gente batucando suor e cerveja pelas ruas de nossa cidade sul. Na cidade norte, há ondas de sete metros tentando acertar no terceiro olho dos rapazinhos disfarçados de cowboys. [suspiro] O mestre ainda não veio decretar o começo da abstenção e, olha, a luz ainda está conosco. Sim, o mundo está absurdamente esquisito. Já ninguém confia nas imposições dos prefeitos, a esta hora na terra é um tanto carnaval, um tanto conspiração, um tanto medo. Metade fé, metade folia, metade desespero. E, provavelmente, a esta hora, uma metade do mundo está vencendo e a outra metade dormindo, há ainda outra metade limpando as armas, outra limpando o pó das flores. Mas, por causa do que me ensinou o místico, eu acredito que exista, agora, alguém profundamente acordado. Alguém que esteja vivendo entre o intervalo tênue entre o sonho e a agilidade. Suponho que ele saiba perfeitamente que este começo de século será nosso batismo do voô para nossa persistência no amor.João molhou a testa de Manuel. Os gritos das ruas molham as testas de nossos corações. De que lado você está, eu não me importo! De que garfo você come, de que copo você bebe, que posto certo você escolhe, qual é seu orixá, seu partido, sua altura, de qual de suas cicatrizes cuida, que pássaro você prefere, quem é seu pai, qual é seu samba, Pinot noir ou Chardonay, que protetor você usa, qual é sua pele, seu perfume, qual político, quantos amores você sonha, em que Fernando, em que Ofélia, em que cinema, em que bandeira, em que cabelo você mora, qual dos túneis de Copacabana. Rezo para seus santos quando atravessar. É… é impossível viver no país de Deus. Isso eu te dou de barato. Mas, atravessar o gramado de Deus em bicicleta, isso não é impossível, não. Escuta, isso é sério! Andamos crescendo juntos, distraidamente. As árvores crescem conosco. Nossa pele se estende, nosso entendimento, teso, também. O século cresce conosco. O amor pelas ventas da cara do mundo, também. Quanto a um pra um entre nós dois, isso logo se vê. Não sei nada sobre a paixão, suspeito que você também não. Mas, começo a entender que o compasso da fé está mudando a passos largos. Dois pra lá e dois pra cá. Portanto, escute. Isto é muito serio! Isto é uma proposta aos trinta anos. Agora que o mercúrio assumiu sua posição certa, vem comigo achar o meu trono mágico entre a folhagem. E, no caminho até lá, vem dançar comigo, vem!

    De cabeça- Ocean Vuong

    Play Episode Listen Later Aug 26, 2021 1:27


    Você não sabe? O amor de mãe ignora o amor-próprio como o fogo ignora os gritos sonoros daquilo que queima. Meu filho, mesmo amanhã você vai ter o hoje. Você não sabe? Alguns homens tocam seios como tocassem o topo de crânios. Homens que ultrapassam montanhas levando seus sonhos, seus mortos nas costas. Mas só uma mãe pode andar com o peso de um segundo coração que bate. Garoto tolo. Talvez você se perca em todo livro mas jamais vai se esquecer de si como deus esquece as próprias mãos. Quando alguém te perguntar de onde você é, responda sempre que o teu nome virou carne na boca banguela de uma mulher da guerra. Que você não nasceu que você rastejou, de cabeça — rumo à fome dos cães. Meu filho, responda que o corpo é uma lâmina que se afia cortando.

    Não há vagas - Ferreira Gullar

    Play Episode Listen Later Aug 19, 2021 1:03


    O preço do feijão não cabe no poema. O preço do arroz não cabe no poema. Não cabem no poema o gás a luz o telefone a sonegação do leite da carne do açúcar do pão O funcionário público não cabe no poema com seu salário de fome sua vida fechada em arquivos. Como não cabe no poema o operário que esmerila seu dia de aço e carvão nas oficinas escuras - porque o poema, senhores, está fechado: “não há vagas” Só cabe no poema o homem sem estômago a mulher de nuvens a fruta sem preço O poema, senhores, não fede nem cheira

    Otto Rene Castillo - Intelectuais Apolíticos

    Play Episode Listen Later Jul 15, 2021 2:08


    Um dia, os intelectuais apolíticos do meu país serão interrogados pelo homem simples do nosso povo Serão perguntados sobre o que fizeram quando a pátria se apagava lentamente, como uma fogueira frágil, pequena e só. Não serão interrogados sobre os seus trajes, nem acerca das suas longas siestas após o almoço, tão pouco sobre os seus estéreis combates com o nada, nem sobre sua ontológica maneira de chegar às moedas. Ninguém os interrogará acerca da mitologia grega, nem sobre o asco que sentiram de si, quando alguém, no seu fundo, dispunha-se a morrer covardemente. Ninguém lhes perguntará sobre suas justificações absurdas, crescidas à sombra de uma mentira rotunda. Nesse dia virão os homens simples. Os que nunca couberam nos livros e versos dos intelectuais apolíticos, mas que vinham todos os dias trazer-lhes o leite e o pão, os ovos e as tortilhas, os que costuravam a roupa, os que manejavam os carros, cuidavam dos seus cães e jardins, e para eles trabalhavam, e perguntarão, "Que fizestes quando os pobres sofriam e neles se queimava, gravemente, a ternura e a vida?" Intelectuais apolíticos do meu doce país, nada podereis responder. Um abutre de silêncio vos devorará as entranhas. Vos roerá a alma vossa própria miséria. E calareis, envergonhados de vós próprios.

    Receita para lavar palavra suja - Viviane Mose

    Play Episode Listen Later Jul 13, 2021 3:10


    Mergulhar a palavra suja em água sanitária. depois de dois dias de molho, quarar ao sol do meio dia. Algumas palavras quando alvejadas ao sol adquirem consistência de certeza. Por exemplo a palavra vida. Existem outras, e a palavra amor é uma delas, que são muito encardidas pelo uso, o que recomenda esfregar e bater insistentemente na pedra, depois enxaguar em água corrente. São poucas as que resistem a esses cuidados, mas existem aquelas. Dizem que limão e sal tira sujeira difícil, mas nada. Toda tentativa de lavar a piedade foi sempre em vão. Agora nunca vi palavra tão suja como perda. Perda e morte na medida em que são alvejadas soltam um líquido corrosivo, que atende pelo nome de amargura,que é capaz de esvaziar o vigor da língua. O aconselhado nesse caso é mantê-las sempre de molho em um amaciante de boa qualidade. Agora, se o que você quer é somente aliviar as palavras do uso diário, pode usar simplesmente sabão em pó e máquina de lavar. O perigo neste caso é misturar palavras que mancham no contato umas com as outras. Culpa, por exemplo, a culpa mancha tudo que encontra e deve ser sempre alvejada sozinha. Outra mistura pouco aconselhada é amizade e desejo, já que desejo, sendo uma palavra intensa, quase agressiva, pode, o que não é inevitável, esgarçar a força delicada da palavra amizade. Já a palavra força cai bem em qualquer mistura. Outro cuidado importante é não lavar demais as palavras sob o risco de perderem o sentido. A sujeirinha cotidiana, quando não é excessiva, produz uma oleosidade que dá vigor aos sons. Muito importante na arte de lavar palavras é saber reconhecer uma palavra limpa. Conviva com a palavra durante alguns dias. Deixe que se misture em seus gestos, que passeie pela expressão dos seus sentidos. À noite, permita que se deite, não a seu lado mas sobre seu corpo. Enquanto você dorme, a palavra, plantada em sua carne, prolifera em toda sua possibilidade. Se puder suportar essa convivência até não mais perceber a presença dela, então você tem uma palavra limpa. Uma palavra LIMPA é uma palavra possível.

    Lila Ripoll - Canção de agora

    Play Episode Listen Later Jul 7, 2021 0:58


    Ontem meu peito chorava. Hoje, não. Também cansa a desventura. Também o sol gasta o chão. Estava ontem sozinha, tendo a meu lado, sombria, minha própria companhia. Hoje, não. Morreu de tanto morrer a pena que tanto vivia. Morreu de tanto esperar. Eu não. Relógios do tempo andaram marcando o tempo em meu rosto. A vida perdeu seu tempo. Eu não. Também cansa a desventura. Também o sol gasta o chão.

    Conceição Evaristo - Eu-mulher

    Play Episode Listen Later Jul 7, 2021 1:01


    Uma gota de leite me escorre entre os seios. Uma mancha de sangue me enfeita entre as pernas Meia palavra mordida me foge da boca. Vagos desejos insinuam esperanças. Eu-mulher em rios vermelhos inauguro a vida. Em baixa voz violento os tímpanos do mundo. Antevejo. Antecipo. Antes-vivo Antes – agora – o que há de vir. Eu fêmea-matriz. Eu força-motriz. Eu-mulher abrigo da semente moto-contínuo do mundo.

    Quando o crime vem como a chuva cai - Bertold Brecht

    Play Episode Listen Later Jun 3, 2021 1:40


    Como alguém que chega com uma carta importante ao guichê depois das horas regulamentares: o guichê já está fechado. Como alguém que quer advertir a cidade de um inundação: mas fala uma outra língua. Não o compreendem. Como um mendigo que pela quinta vez bate a uma porta onde já recebeu esmola quatro vezes: ele tem fome pela quinta vez. Como alguém cujo sangue lhe corre duma ferida e espera pelo médico: o sangue continua a correr. Assim vimos nós e relatamos que em nós se cometem crimes. Quando se relatou pela primeira vez que os nossos amigos era abatidos pouco a pouco, houve um grito de horror. Então foram abatidos cem. Mas quando foram abatidos mil e a matança não tinha fim, espalhou-se o silêncio. Quando o crime vem como a chuva cai, então já ninguém grita: alto! Quando os delitos se amontoam, tornam-se invisíveis. Quando as dores se tornam insuportáveis, já se não ouvem os gritos. Também os gritos caem como a chuva de Verão.

    Aiyra ibi abá - Fábio Brazza / com Mariana Assis

    Play Episode Listen Later Apr 23, 2021 3:20


    Homem branco chegou aqui E me perguntou: Quanto custa essa terra Só falar que eu te dou Mas eu não entendi Índio não entende Minha terra é minha mãe E a mãe não se vende Eu agradeço a mensagem cálida, mas cara pálida Sua proposta não é válida A vida não é propriedade de quem vence a guerra A terra não pertence ao ser humano O ser humano é que pertence a terra E é ai que você erra, pois não se pode comprar a clareza da agua a pureza do ar Não sou dona de nada, nada disso é meu Tudo isso é um presente que a natureza nos deu Veja bem esse Rio é sagrado pra nós Ele que matou a sede dos nossos avós Ele corre em nós, como o sangue na veia E é da seiva do solo que sai nossa ceia Receio, que ainda assim você não entenda Já que em sua sociedade tudo esta a venda Mas índio se defende e índio não se rende Pois a honra para nós não é uma questão de renda Veja na natureza não há cobiça A gente tira o que precisa, nada se desperdiça Dizem que Índio tem preguiça, mas é que não é normal É o cumulo tamanho acumulo de capital Esse mundo tá doente, perdido Se não posso deixar posse apenas passo a lição do ente querido Não faz sentido, trabalhar a vida inteira Por coisas que cedo ou tarde vão parar numa lixeira Não, eu não entendo a sua maneira de vida Seu progresso não passa de uma manobra suicida Meu povo vive em igualdade e liberdade E você chama a sua sociedade de evoluída? Ultimamente quando ando pela terra Escuto o prenúncio de uma guerra Do homem que mata Do ferro que berra Do grito aflito da mata oculto Pelo ranger da moto serra Senhor, se for tomar essa terra lhe peco o favor Que ensine seus filhos a trata-la com amor Mas se for para manchar E destruir a terra que eu nasci Antes de partir, me enterra aqui Porém saiba que ainda que eu me vá, meu povo viverá Pois somos um pedaço da alma deste lugar E quando a última arvore tombar O homem branco vai perceber Que dinheiro não se pode comer Ai você vera; eu e você somos iguais Temos a mesma alma que as plantas e os animais Da terra viemos e pra ela iremos voltar Mas até lá já será tarde demais

    Amar - Carlos Drummond de Andrade

    Play Episode Listen Later Apr 20, 2021 1:58


    Que pode uma criatura senão Entre criaturas, amar? Amar e esquecer, amar e malamar Amar, desamar, amar? Sempre, e até de olhos vidrados, amar? Que pode, pergunto, o ser amoroso Sozinho, em rotação universal, senão Rodar também, e amar? Amar o que o mar traz à praia O que ele sepulta, e o que, na brisa marinha É sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia? Amar solenemente as palmas do deserto O que é entrega ou adoração expectante E amar o inóspito, o áspero Um vaso sem flor, um chão de ferro E o peito inerte, e a rua vista em sonho E uma ave de rapina Este o nosso destino: Amar sem conta Distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas Doação ilimitada a uma completa ingratidão E na concha vazia do amor à procura medrosa Paciente, de mais e mais amor Amar a nossa falta mesma de amor E na secura nossa, amar a água implícita E o beijo tácito, e a sede infinita

    Hilda Hist - Dez chamamentos ao amigo

    Play Episode Listen Later Mar 15, 2021 0:54


    Se te pareço noturna e imperfeita Olha-me de novo. Porque esta noite Olhei-me a mim, como se tu me olhasses. E era como se a água Desejasse Escapar de sua casa que é o rio E deslizando apenas, nem tocar a margem. Te olhei. E há um tempo Entendo que sou terra. Há tanto tempo Espero Que o teu corpo de água mais fraterno Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta Olha-me de novo. Com menos altivez. E mais atento.

    Lya Luft

    Play Episode Listen Later Feb 11, 2021 0:54


    Se te pareço ausente, não creias: hora a hora minha dor agarra-se aos teus braços, hora a hora meu desejo revolve teus escombros, e escorrem dos meus olhos mais promessas. Não acredites nesse breve sono; não dês valor maior ao meu silêncio; e se leres recados numa folha branca, Não creias também: é preciso encostar teus lábios nos meus lábios para ouvir. Nem acredites se pensas que te falo: palavras são meu jeito mais secreto de calar.

    Rupi Kaur

    Play Episode Listen Later Feb 11, 2021 1:06


    meu deus não espera dentro da igreja ou na escadaria do templo meu deus é o fôlego da refugiada que corre é a barriga da criança com fome é o batimento no peito do protesto meu deus não descansa entre as páginas escritas por homens sábios meu deus mora entre as coxas suadas das mulheres vendidas por dinheiro foi visto pela última vez lavando os pés de um mendigo meu deus não é tão distante quanto eles às vezes dizem meu deus pulsa dentro da gente infinitamente

    Passagem - Marcella Saraceni

    Play Episode Listen Later Feb 4, 2021 2:07


    tá tudo bem se você achar que agora ainda não é a hora eu só queria que você lembrasse que as coisas passam que as horas passam sejam contadas através do calendário gregoriano ou pelo tempo que permanecemos nos encarando sem piscar os dias marés as dores e a graça passam também as histórias passam as carreatas com políticos falidos passam a moda a idéia a escada rolante essa vontade de nos engolirmos o calor o arrepio esse momento de contemplação de cada marca do rosto memórias passam certas mágoas rancores e amores passam esse ímpeto de jogar meu corpo no chão para você não passar para você se jogar comigo em mim também passa se você continuar acreditando que o destino tem mãos infinitas onde se pode jogar tudo nelas se você não perceber que seguro na extremidade do instante e estico estico estico de modo que ele dure até você notar se não sentir que teu corpo grita de alegria quando vê o meu e tua mente rebelde se afasta com a convicção de que sabe o certo se nada disso lhe soprar que podemos viver o vento fresco da primavera sem pensar no calor do verão que nos acorda abro todas as janelas e portas te arranco de cada pedaço de mim libero as estradas do tempo para que você passe pode ser que eu demore mas cedo ou tarde passarei também //// @sementeviva

    Da calma e do silêncio - Conceição Evaristo

    Play Episode Listen Later Dec 29, 2020 1:05


    Quando eu morder a palavra, por favor, não me apressem, quero mascar, rasgar entre os dentes, a pele, os ossos, o tutano do verbo, para assim versejar o âmago das coisas. Quando meu olhar se perder no nada, por favor, não me despertem, quero reter, no adentro da íris, a menor sombra, do ínfimo movimento. Quando meus pés abrandarem na marcha, por favor, não me forcem. Caminhar para quê? Deixem-me quedar, deixem-me quieta, na aparente inércia. Nem todo viandante anda estradas, há mundos submersos, que só o silêncio da poesia penetra.

    A terra é nossa - Patativa do Assaré

    Play Episode Listen Later Dec 29, 2020 1:08


    A terra é um bem comum Que pertence a cada um. Com o seu poder além, Deus fez a grande Natura Mas não passou escritura Da terra para ninguém. Se a terra foi Deus quem fez, Se é obra da criação, Deve cada camponês Ter uma faixa de chão. Quando um agregado solta O seu grito de revolta, Tem razão de reclamar. Não há maior padecer Do que um camponês viver Sem terra pra trabalhar. O grande latifundiário, Egoísta e usurário, Da terra toda se apossa Causando crises fatais Porém nas leis naturais Sabemos que a terra é nossa.

    Sem título - Stela do Patrocínio

    Play Episode Listen Later Dec 22, 2020 1:21


    eu era gases puro, ar, espaço vazio, tempo eu era ar, espaço vazio, tempo e gazes puro, assim, ó, espaço vazio, ó eu não tinha formação não tinha formatura não tinha onde fazer cabeça fazer braço, fazer corpo fazer orelha, fazer nariz fazer céu da boca, fazer falatório fazer músculo, fazer dente eu não tinha onde fazer nada dessas coisas fazer cabeça, pensar em alguma coisa ser útil, inteligente, ser raciocínio não tinha onde tirar nada disso eu era espaço vazio puro

    E então, o que quereis? - Vladimir Maiakóvski

    Play Episode Listen Later Dec 4, 2020 0:52


    Fiz ranger as folhas de jornal abrindo-lhes as pálpebras piscantes. E logo de cada fronteira distante subiu um cheiro de pólvora perseguindo-me até em casa. Nestes últimos vinte anos nada de novo há no rugir das tempestades. Não estamos alegres, é certo, mas também por que razão haveríamos de ficar tristes?

    Espelho - Marcella Saraceni

    Play Episode Listen Later Dec 4, 2020 1:04


    O espelho me mostra uma imagem que construo Dessa carcaça que peguei emprestada Vou devolver com a etiqueta de frágil rasgada E cheia de marcas Não vieram instruções na embalagem Investigo e uso à vontade Antes que seja tarde O que o espelho não mostra As vezes consigo ver As vezes não As vezes veem As vezes criam As vezes some O que o espelho não mostra Eu sinto Está aí dentro dessa carcaça Assim como em qualquer desgraça E numa garça Distante Que faz como tudo o que é real - Passa

    Por que sou levada a escrever? - Glória Anzaldua

    Play Episode Listen Later Sep 30, 2020 1:52


    Gloria Anzaldua em “Falando em línguas: uma carta para mulheres escritoras do terceiro mundo” “(...) Por que sou levada a escrever? Porque a escrita me salva da complacência que me amedronta. Porque não tenho escolha. Porque devo manter vivo o espírito de minha revolta e a mim mesma também. Porque o mundo que crio na escrita compensa o que o mundo real não me dá. No escrever coloco ordem no mundo, coloco nele uma alça para poder segurá-lo. Escrevo porque a vida não aplaca meus apetites e minha fome. Escrevo para registrar o que os outros apagam quando falo, para reescrever as histórias mal escritas sobre mim, sobre você. Para me tornar mais íntima comigo mesma e consigo. Para me descobrir, preservar-me, construir-me, alcançar autonomia. Para desfazer os mitos de que sou uma profetisa louca ou uma pobre alma sofredora. Para me convencer de que tenho valor e que o que tenho para dizer não é um monte de merda. Para mostrar que eu posso e que eu escreverei, sem me importar com as advertências contrárias. Escreverei sobre o não dito, sem me importar com o suspiro de ultraje do censor e da audiência. Finalmente, escrevo porque tenho medo de escrever, mas tenho um medo maior de não escrever.”

    Nuvens - Wisława Szymborska

    Play Episode Listen Later Sep 10, 2020 1:21


    Para descrever as nuvens muito teria de apressar-me, pois numa fracção de segundo deixam de ser estas e começam a ser outras. É sua propriedade não se repetir nas formas, tonalidades, poses e configurações. Sem o peso de qualquer lembrança, pairam sem dificuldade sobre os factos. Mas nem testemunha-los podem, pois logo se dissipam em todas as direcções. Comparada com as nuvens, a vida afigura-se firme, quase duradoura, eterna. Perante as nuvens até uma pedra parece nossa irmã, na qual se confia, mas elas, enfim, umas levianas primas afastadas. As pessoas que existam, caso queiram, e depois morram uma por uma, as nuvens não têm nada a ver com coisas tão estranhas. Sobre toda a tua vida e sobre a minha, ainda não toda, desfilam com pompa, como desfilavam. Não têm obrigação de morrer connosco. Não precisam do nosso olhar para navegar.

    Recorte do conto: Para uma avenca partindo - Caio Fernando Abreu

    Play Episode Listen Later Sep 3, 2020 1:42


    Eu queria te dizer uma porção de coisas, de uma porção de noites, ou tardes, ou manhãs, não importa a cor, é, a cor, o tempo é só uma questão de cor não é? Pois isso não importa, eu queria era te dizer dessas vezes em que eu te deixava e depois saía sozinho, pensando numa porção de coisas que eu não ia te dizer, porque existem coisas terríveis que precisam ser ditas, não faça essa cara de espanto, elas são realmente terríveis, eu me perguntava se você era capaz de ouvir, se você teria, não sei, disponibilidade suficiente para ouvir, sim, era preciso estar disponível para ouví-las, disponível em relação a quê? Não sei, não me interrompa agora que estou quase conseguindo, disponível só, não é uma palavra bonita? Sabe, eu me perguntava até que ponto você era aquilo que eu via em você ou apenas aquilo que eu queria ver em você, eu queria saber até que ponto você não era apenas uma projeção daquilo que eu sentia, e, se era assim, até quando eu conseguiria ver em você todas essas coisas que me fascinavam e que no fundo, sempre no fundo, talvez nem fossem suas, mas minhas, e pensava que amar era só conseguir ver, e desamar era não mais conseguir ver, entende?

    Não te rendas - Mário Benedetti (poema traduzido)

    Play Episode Listen Later Aug 31, 2020 1:48


    Não te rendas, ainda estás a tempo de alcançar e começar de novo, aceitar as tuas sombras enterrar os teus medos, largar o lastro, retomar o voo. Não te rendas que a vida é isso, continuar a viagem, perseguir os teus sonhos, destravar os tempos, arrumar os escombros, e destapar o céu. Não te rendas, por favor, não cedas, ainda que o frio queime, ainda que o medo morda, ainda que o sol se esconda, e se cale o vento: ainda há fogo na tua alma ainda existe vida nos teus sonhos. Porque a vida é tua, e teu é também o desejo, porque o quiseste e eu te amo, porque existe o vinho e o amor, porque não existem feridas que o tempo não cure. Abrir as portas, tirar os ferrolhos, abandonar as muralhas que te protegeram, viver a vida e aceitar o desafio, recuperar o riso, ensaiar um canto, baixar a guarda e estender as mãos, abrir as asas e tentar de novo celebrar a vida e relançar-se no infinito. Não te rendas, por favor, não cedas: mesmo que o frio queime, mesmo que o medo morda, mesmo que o sol se ponha e se cale o vento, ainda há fogo na tua alma, ainda existe vida nos teus sonhos. Porque cada dia é um novo início, porque esta é a hora e o melhor momento. Porque não estás só, porque eu te amo.

    Sem título - Eileen Myles

    Play Episode Listen Later Aug 20, 2020 1:39


    Sempre coloco minha buceta no meio das árvores como uma cachoeira como uma porta de entrada para Deus como um bando de pássaros. Sempre coloco a buceta da minha amante na crista de uma onda como uma bandeira que posso jurar minha fidelidade. Este é meu país. Aqui, quando estamos sozinhas, em público. A buceta da minha amante é um distintivo é um cassetete é um capacete é um punhado de flores é uma cachoeira é um rio de sangue é uma bíblia é um furacão é uma vidente. A buceta da minha amante é um grito de guerra é uma reza é almoço é saúde é feliz está na tevê tem senso de humor tem uma carreira tem um copo de café vai para o trabalho medita está sempre só conhece meu rosto conhece minha língua conhece minhas mãos é uma alarmista tem maus modos conhece sua mente. Sempre coloco minha buceta no meio das árvores como uma cachoeira uma peça de joia que uso no meu peito como um distintivo aqui na América para que minha amante & eu possamos estar seguras.

    Nós nas bolhas - Carla Diacov

    Play Episode Listen Later Aug 18, 2020 1:14


    Como um bebê Eu haveria de passar pelos dias Sentir cócegas nos ossos Não enxergar a tradução dos letreiros Subir as escadas pelos olhos dos outros Engatinhando para apanhar o frasco de aspirinas Os ansiolíticos Vomitar no álbum de lembranças que não são minhas Esperar que cresçam as unhas nas pontas dos dedos E arranhar as gengivas Brincar com as pernas no ar Dar nós nas bolhas de baba Morder o dedo do médico Não enxergar a tradução no que dizem Vomitar no teu ombro Me cagar de dez em dez minutos Chorar só um pouquinho Engolir moedas Não enxergar a tradução no que cantam e dançam Ter os sentimentos cercados de barras E tomar um bom trago de vodca barata no fim da manhã Antes da papinha cheia de saliva da mamãe Como um poeta Eu haveria de passar pelos dias

    A arte de perder - Elizabeth Bishop

    Play Episode Listen Later Aug 12, 2020 1:20


    A arte de perder não é nenhum mistério; Tantas coisas contêm em si o acidente De perdê-las, que perder não é nada sério. Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero, A chave perdida, a hora gasta bestamente. A arte de perder não é nenhum mistério. Depois perca mais rápido, com mais critério: Lugares, nomes, a escala subseqüente Da viagem não feita. Nada disso é sério. Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero Lembrar a perda de três casas excelentes. A arte de perder não é nenhum mistério. Perdi duas cidades lindas. E um império Que era meu, dois rios, e mais um continente. Tenho saudade deles. Mas não é nada sério. - Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo que eu amo) não muda nada. Pois é evidente que a arte de perder não chega a ser mistério por muito que pareça (Escreve!) muito sério.

    Eutopia - Marcella Saraceni

    Play Episode Listen Later Aug 6, 2020 2:02


    Eu queria, algum dia, habitar o espaço onde minhas memórias estão guardadas Eu queria entrar nesse lugar onde minhas experiências dançam juntas e pairam no ar Queria acessar a imensa biblioteca dos livro que li Olhar a tela onde passa o compilado de tudo que vi Eu queria enterrar meus pés na mistura dos solos em que já pisei Mergulhar no oceano das águas que penetrei E nos olhares em que me afoguei Eu queria estar no infinito dos abraços que já troquei E acessar o arquivo da verdade que rasguei Eu queria tocar o rosto formado por todos que amei E a poesia criada pelas palavras que vomitei Eu queria reaprender o tanto que esqueci Descobrir o aroma dos cheiros que senti E em uma dimensão sem tempo renascer no que já vivi Eu queria encontrar onde todos os caminhos se convergiram E acordar os sonhos que adormeceram Estar na papila degustativa das primeiras refeições E pairar no vento sublime guiado pelas canções Eu queria navegar À luz do meio dia Rumo à cidade vazia Da Eutopia // Marcella Saraceni @sementeviva

    Fagulha- Ana Cristina César

    Play Episode Listen Later Aug 2, 2020 1:13


    Abri curiosa o céu. Assim, afastando de leve as cortinas. Eu queria entrar, coração ante coração, inteiriça ou pelo menos mover-me um pouco, com aquela parcimônia que caracterizava as agitações me chamando Eu queria até mesmo saber ver, e num movimento redondo como as ondas que me circundavam, invisíveis, abraçar com as retinas cada pedacinho de matéria viva. Eu queria (só) perceber o invislumbrável no levíssimo que sobrevoava. Eu queria apanhar uma braçada do infinito em luz que a mim se misturava. Eu queria captar o impercebido nos momentos mínimos do espaço nu e cheio Eu queria ao menos manter descerradas as cortinas na impossibilidade de tangê-las Eu não sabia que virar pelo avesso era uma experiência mortal.

    Fêmea fênix - Conceição Evaristo

    Play Episode Listen Later Jul 4, 2020 1:31


    Navego-me eu–mulher e não temo, sei da falsa maciez das águas e quando o receio me busca, não temo o medo, sei que posso me deslizar nas pedras e me sair ilesa, com o corpo marcado pelo olor da lama. Abraso-me eu-mulher e não temo, sei do inebriante calor da queima e quando o temor me visita, não temo o receio, sei que posso me lançar ao fogo e da fogueira me sair inunda, com o corpo ameigado pelo odor da chama. Deserto-me eu-mulher e não temo, sei do cativante vazio da miragem, e quando o pavor em mim aloja, não temo o medo, sei que posso me fundir ao só, e em solo ressurgir inteira com o corpo banhado pelo suor da faina. Vivifico-me eu-mulher e teimo, na vital carícia de meu cio, na cálida coragem de meu corpo, no infindo laço da vida, que jaz em mim e renasce flor fecunda. Vivifico-me eu-mulher. Fêmea. Fênix. Eu fecundo.

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