Doutor 98FM

Follow Doutor 98FM
Share on
Copy link to clipboard

Carlo Valério Andrade, o Doutor 98FM, retrata o dia a dia de um médico nos pronto-atendimentos de Curitiba-PR, através de crônicas que vão prender sua atenção e te mostrar conhecer os desafios de uma das profissões mais admiradas do mundo. Dr. Carlo Valério Andrade| CRM-PR 35.499

Rádio 98FM Curitiba

  • Oct 31, 2018 LATEST EPISODE
  • infrequent NEW EPISODES
  • 2m AVG DURATION
  • 56 EPISODES


Search for episodes from Doutor 98FM with a specific topic:

Latest episodes from Doutor 98FM

#57 - O silêncio dos afogados

Play Episode Listen Later Oct 31, 2018 2:29


Gritos no meio da serra, no meio do nada. Acionada com urgência, a viatura dos bombeiros atravessa sacolejando a velha estradinha, tentando encontrar a dita cuja pedreira abandonada. É o verão que vem chegando, trazendo consigo os inevitáveis afogamentos. Na chegada da guarnição, a perplexidade de sempre. Dois corpos em silêncio, estendidos nas margens do imenso lago artificial formado pela chuva. Dois irmãos, daqueles que não se desgrudam por nada. Um de doze outro de dez. Tragédia. Como ninguém no local soube estimar o tempo de afogamento, os bombeiros decidem seguir o protocolo, iniciando as manobras de reanimação. Isso porque não é tarefa simples diferenciar se um afogado está morto ou se está em parada cardiorrespiratória. Infelizmente, as massagens torácicas, seguidas pelas insistentes ventilações, não surtiriam qualquer efeito sobre os meninos. Imagino que você deva estar se perguntando - assim como eu - como essas desgraças ainda podem acontecer. Como pode haver tantos lugares assim, com até vinte e tantos metros de profundidade, sem qualquer restrição de acesso à água ou sinalização de perigo? Represa, cava, lago, rio, tanque... é surpreendente saber que o número de óbitos nesses locais muitas vezes é maior do que os registrados em nossas praias, nas operações de verão. Mais que isso, é uma lástima saber que muitas dessas vítimas são crianças de famílias de baixa renda que - por falta de opções de lazer - acabam atraídas para essas armadilhas a céu aberto, geralmente sem saber nadar e longe dos seus responsáveis ou de qualquer tipo de supervisão. Esse texto não tem a pretensão de mudar o comportamento de ninguém, simplesmente porque certas coisas nunca mudaram. Nem mudarão. Contudo, por se tratar de um tipo de morte brutal e desesperadora, fica aqui o meu lamento. Pelas crianças que se afogaram. E pelas que ainda se afogarão. Pense nisso, até a próxima, se cuida. “ * * *

#56 - O salvador da pátria

Play Episode Listen Later Oct 31, 2018 2:18


Idolatrado por muitos, o ar-condicionado pode ser considerado um desses salvadores da pátria. Ainda mais nesses dias de fúria solar, nos quais temos a sensação - e a convicção - térmica de estarmos sentados em um forno a lenha. Seja em casa, na escola, no trabalho ou no shopping. Seja no carro, no ônibus ou até mesmo no avião. A presença dos aparelhos de ar-condicionado é cada vez maior em praticamente todos os cantos. Contudo, e sempre existe um contudo, para algumas pessoas o aparelho está muito mais para vilão do que para mocinho. Sinusite, faringite, rinite, laringite, bronquite, pneumonite... são apenas alguns dos ‘ites’ que costumam invadir os consultórios médicos nessa época quente do ano. Tudo potencializado pelo hábito condicionado do ar refrigerado. Muitos dos malefícios acontecem pelo uso exagerado do ar-condicionado, no qual o aparelho é usado por um período prolongado em temperaturas congelantes. Além disso, grande parte dos aparelhos não passa por qualquer revisão de seus filtros, que costumam acumular todo tipo de sujidades e microorganismos nocivos à saúde. Por fim, a mudança brusca de ambiente - úmido para seco, gelado para quente - promove uma verdadeira bagunça em nosso corpo, ressecando mucosas e trato respiratório. A prevenção, claro, passa pelo uso racional do aparelho, pela manutenção preventiva de seus filtros e dutos, pela hidratação com muita água e aplicação de soro fisiológico para evitar o ressecamento das narinas. A briga maior talvez não seja com o aparelho, mas entre aqueles que o amam e os que o odeiam. No final, o que deveria prevalecer é o respeito à saúde do próximo. Sempre. Pense nisso, se cuida e até a próxima. “ * * *

#55 - O homem pedra

Play Episode Listen Later Oct 31, 2018 2:11


Aos poucos a noite vai tomando conta do plantão de sábado. É quando uma ambulância dos bombeiros chega apressada, com suas luzes e sirenes exageradas. A bordo, imobilizado na prancha e com colar cervical, um senhor completamente coberto com cimento. Só consigo distingui-lo de uma estátua pelo branco dos olhos, e porque normalmente estátuas não têm o costume de gritar de dor. Pois é. Pedreiros, encanadores, eletricistas, carpinteiros, pintores... é no fim de semana que esses ‘profissionais’ resolvem reformar suas próprias casas e isso inclui, muitas vezes, uma visita indesejada ao pronto-socorro. Dessa vez, seu Demétrio inventou de rebocar uma parede externa, no alto de seu sobrado. Num tropeço, rolou pelo telhado caindo de uns três metros de altura numa caixa de madeira, daquelas usadas para o preparo da argamassa. O resultado? Diversas escoriações, luxação de quadril, fratura de duas vértebras lombares e cimento por toda parte, incluindo algumas cavidades do seu corpo. Após analgesia endovenosa, radiografias e uma tomografia caprichada, seu Demétrio foi liberado para um banho na maca, antes de ser encaminhado para o centro cirúrgico. Como o cimento já havia secado, a enfermagem levou quase uma hora para removê-lo e, quando terminou, o paciente estava com a pele toda avermelhada pela agressão química do produto. Felizmente, no final das contas tudo deu certo. Nosso homem de pedra teve sua coluna lombar fixada com placas de metal e três dias depois já estava em sua casa, pronto para novas reformas. Seu Demétrio, preciso deixar registrado aqui o meu abraço. Peço perdão por qualquer coisa e agradeço por contaminar a todos aqui com o seu otimismo, bom humor e, claro, muito cimento. “ * * *

#54 - O Homem-bomba

Play Episode Listen Later Oct 31, 2018 1:56


A ambulância dos bombeiros invade barulhenta e sem cerimônia um conhecido shopping da cidade. Na praça de alimentação sangue por todo lado. Forçando a fita de contenção, colocada às pressas pela polícia, uma pequena multidão se faz curiosa. Sim, é sangue mesmo. Não é mertiolate. Espalhadas pelo chão, três pessoas alvejadas após o desentendimento entre dois marmanjos. O motivo não poderia ser outro se não a mistura certa de mulher errada com chope. Trazidos para o hospital, apenas dois sobreviveram. Se você acompanha os noticiários, já deve ter percebido que ataques terroristas viraram moda em todo o mundo. Mas o Brasil cultiva um tipo curioso de terrorismo. Aqui não se espalha o terror por motivos políticos, religiosos ou por disputas territoriais. Aqui não tem essa bobagem de homem-bomba. Nosso negócio é homem-burro mesmo. Daqueles que frequentam armados locais públicos sem o menor equilíbrio psicológico, colocando todos em risco por motivos como futebol, brigas fúteis, dinheiro alheio, ciúmes de mulher e, claro, por bebedeira. O acesso a armas de fogo nunca foi tão simples, tanto pelas vias legais quanto paralelas. Do mesmo modo, a obtenção do porte não chega a ser um desafio intelectual. O que salva é que estamos no Brasil, não é? Somos um povo afável, pacífico e gentil. Contudo, e na dúvida, o melhor talvez seja se trancar em casa. Pense nisso, até a próxima, se cuida. “ * * *

#53 - O corredor

Play Episode Listen Later Oct 31, 2018 2:32


Hoje 53 motociclistas vão morrer em nosso país. O que você tem feito para tentar ficar fora da lista? Noite apurada no pronto-socorro. Os socorristas quase derrubam a porta da emergência. Mais uma motocicleta prensada no corredor entre os carros. Marcelo, 26 anos, fraturas múltiplas, apresenta-se confuso, gemente e imobilizado na tábua. Quando me encosto na maca para assinar a papelada e liberar os bombeiros, sinto o paciente agarrar o meu jaleco. - Cuida da minha mulher... – sussurra assustado, por entre o colar cervical. De sobressalto, olho para a ambulância entreaberta na plataforma escura e percebo outra maca com mais uma vítima, coberta com lençol. Olho perplexo para o socorrista, que discretamente faz um não com a cabeça. Quer saber? A emergência envelhece a gente. Vontade de colocar minha viola dentro da sacola. Pouco importa se você usa a sua moto como ferramenta de trabalho, para transporte ou apenas pra passear. Gostaria apenas que guardasse essa parte da história: circular pelo corredor pode ser um péssimo negócio. De verdade. Quase metade das colisões entre motocicletas e automóveis acontece no polêmico corredor entre os carros. E bota polêmico nisso. Sem o corredor, a motocicleta perde toda a sua dinâmica e razão de ser. Contudo, também é no corredor que o motociclista nos mostra toda a sua fragilidade. Associe esse ambiente hostil à necessidade de correr contra o tempo, coloque a velocidade acima da inteligência e pronto: eis mais uma vítima do trânsito. Não tenha a inocência de acreditar que todos os condutores enxergam você, pois pensar assim chega a ser infantil. Mais que isso, entenda que há algo de impossível em tentar prever os movimentos dos outros veículos quando se está no corredor. No final das contas, circular por entre os carros é uma solução que traz consigo riscos que poucos motociclistas parecem conhecer. Mas a lista dos 53 é renovada, todos os dias. E a minha esperança em você também. “ Pense nisso, até a próxima, se cuida. * * *

#52 - O balde

Play Episode Listen Later Oct 31, 2018 2:20


Se existe uma dor que eu desejo apenas para o meu pior inimigo, certamente é aquela provocada pela pancreatite aguda. Foi o que aconteceu com o pobre coitado infeliz do Lucas, que precisou ser carregado para o hospital. A dor abdominal era tão exagerada que ele mal conseguia respirar. Embora tivesse apenas 36 anos, seus exames eram de uma pessoa com 63. Pré-diabetes, colesterol alto, triglicerídeo elevado, ácido úrico lá na estratosfera... segundo ele próprio, tudo ‘herança de família’. Pois é. Chega a impressionar a quantidade de pacientes que carregam sobre os ombros a certeza de que terão as mesmas doenças de seus antepassados. O que muitos confundem é herança genética com herança de hábitos nocivos. Talvez o seu pai tenha diabetes porque chutou o mesmo balde que o seu avô, alimentando por décadas um namoro sério com doces e guloseimas. Então, se você chuta - e quebra - o mesmo balde, é quase como comprar uma passagem só de ida para o planeta dos diabéticos. Simples e natural assim. Naquele internamento, Lucas teve a convicção de que morreria. Mas não morreu, recebendo alta com uma receita médica quilométrica, composta por uns nove medicamentos de uso diário. Passados dois anos, alguém tocou gentilmente meu ombro na fila da lotérica. Era o Lucas num largo sorriso. Para minha surpresa, estava bem mais magro do que quando o conheci. Em poucas palavras foi me contando que, depois do susto, criou vergonha na cara e parou de enfiar o pé no balde. Comprou uma bicicleta usada e passou a comer sem exageros. De quebra, não precisou mais tomar remédios, dando uma bela rasteira em sua ´trágica´ herança familiar. Muito feliz por você, Lucas. Os baldes agradecem. Pense nisso, se cuida e até a próxima. “ * * *

#51 - No bico do papagaio

Play Episode Listen Later Oct 31, 2018 2:26


Seu Luis era quase sócio da unidade de saúde. A cada duas semanas, batia ponto na madrugada do postinho na busca sofrida para uma senha de consulta. No fundo, o que desejava era mais uma ‘injeçãozinha’ que aliviasse uma dor que castigava as suas costas há muitos anos. Seu Luis faz parte de um exército de 27 milhões de brasileiros que sofrem com problemas na coluna. Hérnia de disco, dor no pescoço, bico de papagaio, dor no ciático, escoliose, lordose, cifose... são queixas frequentes na rotina do médico e que só perdem, em números, para os casos de gripe e resfriado. Não é uma queixa boba. Em termos de afastamentos do trabalho, a dor nas costas é o principal motivo elencado pelos peritos do INSS. Dependendo do paciente, há comprometimento das atividades diárias, restrição ao trabalho, prejuízo do sono, alterações no humor e até depressão. Mas o que alguns pacientes não aceitam - e acabam descontando toda a sua fúria sobre os médicos - é que a saúde da coluna passa, invariavelmente, pelo condicionamento físico. Pacientes idosos, sedentários, ou mesmo os que trabalham no pesado, pecam aí, pois depositam suas esperanças apenas em medicamentos e cirurgias, o que pode ser bastante decepcionante. De longe, os casos com melhor resolução são aqueles em que acontece a reeducação postural, o fortalecimento e alongamento de músculos e, claro, o respeito às limitações do próprio corpo nas tarefas do dia a dia. Infelizmente poucos aderem a essa sugestão de tratamento, alegando que a dor impossibilita a prática de qualquer atividade física. Na prática, o paciente acaba indo na contramão de sua melhora, ficando dependente de medicamentos pelo resto de sua via. O que vemos, então, é uma vida arrastada. Repleta de lamúrias, lamentações e muitas, muitas injeções. Pensa nisso, até a próxima, se cuida. “ * * *

#50 - Nasceu!

Play Episode Listen Later Oct 31, 2018 2:34


Então é Natal... E aí, este ano você foi bonzinho? Mesmo com tanta gente indo pra praia nessa época de festas, o pronto-socorro estava lotado, empilhado pela dor e desconforto tão típicos de nossa celebrada saúde pública. Talvez não haja lugar melhor para se conhecer uma sociedade do que um pronto-socorro. Os corredores da emergência revelam mais do que as nossas perdas e infortúnios. Também está ali o resultado de nossas burrices, diferenças, vícios, paixões, pecados e claro, nosso estranho gosto pela violência. Imprudência, negligência, impaciência, dependência, intransigência, abstinência, não tem jeito... uma hora o resultado de nossas incoerências vem parar no hospital. E pelo visto o plantão daquele dia não seria diferente. Na imensa sala de observação quase não havia espaço para tanta muvuca. As macas estavam tão juntas, que uma ‘socialização’ forçada acontecia entre os pacientes. E lógico, a igualdade do SUS faz com que os ‘bonzinhos’ fiquem misturados entre algemados, bêbados e desenganados. O que todos têm em comum? Todos querem fugir dali. Entre gritos, apelos e reclamações, percebi algo de diferente no ar. Era a porta do centro cirúrgico, que se abriu num sobressalto, trazendo a todos no pronto-socorro um som inconfundível. Era simplesmente o choro sentido de um bebê, trazido todo enroladinho no colo de uma enfermeira. Para ser sincero, parecia muito mais um pãozinho de forma, todo apertadinho no pano cirúrgico. Após um trabalho de parto complicado, a pediatria suspeitou de uma fratura de clavícula no recém-nascido, que agora precisava usar a sala de radiografia da emergência. À medida que a enfermeira atravessava o longo corredor com o nosso pequeno paciente, um silêncio atento foi tomando conta de todos. Por um momento, a fragilidade e a força daquela criança surpreendeu e calou a todos por completo. Sabe, a vida tem dessas coisas. A gente pensa que sabe dela. Mas o milagre dela ainda nos encanta. Um feliz natal para você Pense nisso, até a próxima, se cuida. “ * * *

#49 - Nas alturas

Play Episode Listen Later Oct 31, 2018 2:34


Dias desses, atendi a uma paciente com pressão alta. Na verdade, sua pressão estava lá nas alturas, com um valor astronômico de 23 x 12 mmHg. - Que bom, assim eu morro logo – falou a senhora de 62 anos, debochando por completo da notícia. Nosso país conta com um exército de 30 milhões de hipertensos. Além de não saberem disso, muitos têm uma noção equivocada da doença, acreditando que o principal risco seja o infarto do coração. Não é bem assim. Quando o coração trabalha sob alta pressão, uma das consequências pode ser o derrame, também conhecido por  acidente vascular cerebral (AVC). Em poucas palavras, o sangue chega com tamanha força no cérebro que seus vasos acabam sofrendo algum tipo de prejuízo. O resultado usualmente não é a morte, mas sequelas neurológicas que podem condenar a pessoa a uma cama por décadas. Dependendo da extensão do AVC, a pessoa não consegue falar, se alimentar, caminhar e precisa de ajuda para coisas simples, como banho e troca de fraldas. É quando acontece o que chamamos de tragédia familiar, pois alguém precisará cuidar dessa pessoa. Alguém de casa terá que parar de trabalhar ou estudar ou então alguém precisará ser contratado para cuidar do doente, comprometendo, muitas vezes, o orçamento da família. A pressão alta pode dar dor de cabeça, palpitações, dor no pescoço, sensação de peso nas pernas... contudo, em muitos casos, ela pode se manifestar de maneira perigosamente silenciosa. Muitos casos parecem estar relacionados com os ‘privilégios’ da vida moderna. Aumento da expectativa de vida, sedentarismo, obesidade, estresse, alimentação descuidada... E a sua pressão arterial, como está? Na dúvida, meça ela hoje. Seja no postinho de saúde ou em alguma farmácia. Caso ela esteja acima de 12 x 9, procure seu médico o quantos antes. Pense nisso, até a próxima, se cuida. “ * * *

#48 - Na sua carne

Play Episode Listen Later Oct 31, 2018 2:33


Um momento de silêncio se faz após todo acidente grave de trabalho. É aquele segundo em que a pessoa fica sem ação, perplexa pelo pior ter acontecido. Depois vem o desespero e o choro, acompanhados de toda a dor. Foi o que aconteceu com Teodoro, quando num descuido teve sua mão esquerda decepada numa serra de desossar carne suína. Na metade de um instante sua mão estava lá. Na outra metade já não estava mais. Simples, rápido e cruel assim. Trazido em choque pelo resgate, restou apenas o cuidado de parar o sangramento, repor volume com a transfusão de algumas bolsas de sangue, receitar analgésicos e antibióticos para o paciente e encaminhá-lo para a cirurgia para o fechamento em coto. Mas quanto valia a mão de Teodoro? Em minha inocente opinião, valia milhões de reais. Talvez muito mais. Para ser sincero, me assusta a maneira descartável como muitas empresas tratam seus trabalhadores. Sem dúvida, nossa indústria frigorífica é uma potência na produção de carnes. E na produção de acidentes de trabalho também. Aves, bovinos, ovinos e suínos... apenas no Paraná de 2012, o beneficiamento de carne causou o afastamento de duas mil pessoas de seus postos de trabalho. A maioria, algo em torno de 65%, por acidentes envolvendo maquinário e instrumentais de corte afiadíssimos. Os demais foram afastados pela hostilidade natural do serviço. Pressão das empresas por maior desempenho, jornadas exaustivas em ambiente gelado, exigência de movimentos repetitivos, exposição ao cheiro típico e difícil da carne e o convívio diário com a morte de animais. Tudo que potencializa o cansaço, a depressão e o estresse, predispondo a acidentes e doenças crônicas, tanto orgânicas quanto psicológicas. Particularmente, não gosto de atender esses trabalhadores. A maneira como são usados e desprezados me incomoda e lembra muito uma fila. Tal qual a fila de um abatedouro. Pense nisso, até a próxima, se cuida. “ * * *

#47 - Na calada da noite

Play Episode Listen Later Oct 31, 2018 2:09


Você sabia que já somos um país de idosos? Com quase 25 milhões de pessoas vivendo além dos 60 anos? O impacto disso se reflete não somente na sociedade como no pronto-socorro, com o aumento exponencial do número de acidentes domiciliares. Será que estamos preparados para cuidar da saúde de nossos idosos? Olha, eu acho que não. Pesquisas revelam que 30% das pessoas acima de 65 anos apresenta pelo menos um episódio de queda ao ano. Curiosamente, muitos desses tombos ocorrem na calada da noite. Por conta de doenças crônicas - diabetes, pressão alta e incontinência urinária são bons exemplos - muitos idosos se levantam sonolentos rumo ao banheiro. Nessa caminhada tortuosa pelo escuro, que pode se repetir várias vezes à noite, acabam perdendo o equilíbrio e sofrendo quedas que costumam causar traumas de cabeça, fraturas e lesões diversas por todo o corpo. Infelizmente, esses acidentes podem ser o passaporte para inúmeras comorbidades, complicações, cirurgias e internamentos. Em poucas palavras, um simples tombo pode significar o início do fim para muitos idosos. Criar um ambiente seguro em casa para eles não é tarefa fácil, pois exige algum investimento em adaptações e acessórios. Além disso, muitos cuidadores são pessoas da própria família que não tem qualquer intimidade com cuidados próprios da área da saúde. Isso tudo acaba levando a um cenário pouco otimista para a qualidade de vida do idoso. Mas, como diriam justamente os mais velhos, prevenir é sempre melhor remédio.No caso deles, isso nunca foi tão verdadeiro. Pense nisso, se cuida e até a próxima. “ * * *

#46 - Motorista em fuga

Play Episode Listen Later Oct 31, 2018 2:09


Por sorte naquela noite não havia luar. Sua esposa estava trabalhando e os vizinhos pareciam ocupados demais, com a última semana da novela. Escova, sabão, esponja... coisa difícil remover todo aquele sangue de cima do capô. A grade, o farol e o para-brisa haviam sido destruídos com o impacto. A lataria parecia ter sido mastigada e depois cuspida. Como ele iria explicar aquela bagunça? Será que o cara da bicicleta tinha mesmo morrido? E o pior, quanto custaria para consertar o carro? Pois é. Entre pedestres e ciclistas, hoje três pessoas serão atropeladas em Curitiba. Muitas chegarão ao hospital com ferimentos graves o suficiente para colocá-las a meio passo da morte. Traumatismo cranioencefálico, lesão medular, fraturas múltiplas, mutilações, hemorragias internas... sem exagero, tem dias que o nosso trânsito mais parece um filme de terror. Mas você sabia que, de cada dez atropelamentos atendidos pelos bombeiros, em pelo menos um deles o motorista foge? Sem dúvida, é uma atitude criminosa que revela a falta de caráter de muitos condutores. Ferir e não prestar auxílio é uma dessas aberrações que faz a gente se perguntar que tipo de bicho nós somos. Na emergência médica se utiliza o conceito de ‘hora de ouro’, no qual qualquer minuto perdido no atendimento, pode condenar a vítima do atropelamento a sequelas profundas e até mesmo ao óbito. E graças a esses covardes, que não param para ajudar nem telefonam para o resgate, a hora de ouro simplesmente vai para o espaço. Portanto, aqui vai o nosso obrigado a esses motoristas. Enquanto fogem, o mundo se mostra cada vez pior. Obrigado mesmo. “ * * *

#45 - Morrer na hora

Play Episode Listen Later Oct 31, 2018 2:09


Naquela madrugada ele morreria na hora. Chuva forte de verão na estrada e, mesmo assim, ele acelerava com força o pedal do seu velho Vectra. Os faróis iluminaram despreocupados uma placa de aviso, antes de uma curva perigosa que namorava faceira a beirada de um abismo. Nem preciso dizer que ele ignorou a placa, se perdeu na curva e encontrou aquela ribanceira, decolando no vazio de uns 30 metros. Naquela noite, um caminhoneiro o ‘mataria na hora’. Testemunha ocular do acidente, ele encostaria seu caminhão pesado na curva, desceria afoito até o que sobrara do carro e ligaria assustado para o resgate: - Opa, alô?! Olha, um cara acabou de se matar aqui no quilômetro 667! Sim, sim, o sujeito morreu na hora! Por sorte, o bombeiro ao telefone não levou a sério o comunicado de óbito, disparando de imediato para o local uma ambulância acompanhada do caminhão de resgate. Acredite, esse acidente aconteceu a uns dois réveillons atrás e o motorista estava tão morto, mas tão morto, que esta semana me assustei ao vê-lo tão vivo na fisioterapia do hospital. Nunca entendi essa expressão ‘morreu na hora’, mas imagino quantas pessoas tenham realmente morrido - ou ficado com sequelas graves - por um simples erro de avaliação. Na dúvida e na prática, prefiro sempre acreditar que a vítima está viva, mesmo que sem pulso, dependurada por um fiapo de vida. Neste começo de ano, no qual nossas estradas serão palco de muitas ‘mortes na hora’, eu torço para que todos tenham a chance de uma nova vida. E um ano novo com muita saúde. Para todos nós. Pense nisso, se cuida e até a próxima. “ * * *

#44 - Inimigo fiel

Play Episode Listen Later Oct 31, 2018 2:26


Aquele jovem carteiro nem teve tempo de gritar. Quando o cachorro abocanhou sua mão, uma dor lancinante fez com que ele caísse de joelhos na calçada. Em meio aos envelopes, seu sangue alertava que daquela vez a mordida tinha sido pra valer. No desespero, pediu ajuda para o dono da casa, mas obteve como resposta apenas o fechar despreocupado das cortinas. Agora, no pronto-socorro, realizávamos bloqueio anestésico com rigorosa lavagem do que havia sobrado de sua mão. O procedimento previsto seria o de tenorrafia, que é a sutura de tendões rompidos. Se o paciente voltaria a ter sensibilidade ou mesmo mobilidade dos dedos, somente o tempo e muitas sessões de fisioterapia iriam dizer. Além disso, é provável que ele precise de várias cirurgias plásticas para o reparo do tecido retalhado. Todos os dias, os hospitais do Paraná registram cerca de 100 atendimentos a feridos por cães. Estima-se, claro, que o número de casos não registrados seja bem maior. Parte dessas agressões acontece com trabalhadores que sempre visitam nossas casas e - de lambuja - nossos amigos fiéis. Entregadores, carteiros, garis e leituristas de água e luz são vítimas em potencial dessas feras domésticas, que podem causar desde mutilações a traumas psicológicos difíceis de esquecer. Isso revela uma violência comum a esses profissionais, não só observada nos cachorros, mas também em seus proprietários. Em parte, talvez, porque ambos se sintam ameaçados pela invasão de seu território. Campanhas são realizadas para a conscientização das pessoas que dificultam o acesso às suas casas. Além disso, multas são aplicadas e o atendimento interrompido nos endereços mais hostis. Mesmo assim, os ataques continuam, numa demonstração clara de que muitos seres humanos são menos racionais de que seus próprios animais. Pense nisso, até a próxima, se cuida. “ * * *

#43 - Herói banido

Play Episode Listen Later Oct 31, 2018 2:14


Naquela manhã ela seria estuprada. Ao percorrer o longo caminho entre a sua casa e o ponto de ônibus, lá nas quebradas do Pinheirinho, Rafaela foi surpreendida por um sujeito bem vestido que se aproximou, abriu um largo sorriso, perguntou as horas e em seguida lhe acertou um soco que lhe quebrou dois dentes incisivos. Num apagão momentâneo da consciência, ela foi arrastada para um terreno baldio cheio de sombras e árvores. Ao despertar se afogando com o próprio sangue, ela sentiu o peso do agressor, que lhe pressionava a garganta com a ponta de uma faca. Sim, naquela manhã ela seria estuprada. Foi quando se ouviu um inesperado tiro, vindo de longe. Acredite se quiser. Alguém lá da rua efetuou um disparo certeiro no traseiro do tarado, que fugiu tropicando pelo matagal adentro. Mesmo em choque, Rafaela conseguiu se levantar, chegar sozinha até o ponto do ônibus e vir cambaleando até o hospital. O curioso vem agora, numa dessas curiosidades típicas da emergência. Logo após dar entrada no pronto-socorro, Rafaela reconheceu o cheiro de perfume marreta, exalado do boxe ao lado. Era um ‘coitado’ que - ao fugir de um ‘assalto’ na região do Pinheirinho - havia sido alvejado no glúteo direito. Ao perceber que bem do seu lado, separados apenas por uma cortina, estava o sujeito que tinha lhe atacado, ela entrou em pânico, sussurrando um pedido de socorro às enfermeiras. Em instantes, o infeliz já estava algemado em sua maca, cercado por vários policiais. Quanto ao justiceiro misterioso, nunca se soube nada a seu respeito. Talvez, quem sabe, por ser mais bandido que herói. No país da vergonha, no qual 140 mulheres são violentadas por dia, toda ajuda é mais do que bem-vinda. Seja lá de onde ela vier. Pense nisso, até a próxima, se cuida. “ * * *

#42 - Game over

Play Episode Listen Later Oct 31, 2018 2:05


Vídeo game faz bem à saúde? Diversos artigos científicos garantem que sim. Dependendo do jogo, os praticantes melhoram reflexos, coordenação, raciocínio, memória e concentração. Os benefícios são os mais diversos, tanto para crianças quanto para adolescentes, adultos e idosos. Contudo (e sempre existe um contudo, não é?) a compulsão pelo jogo pode levar a consequências perigosas. Recentemente, um curitibano de 16 anos aproveitou que seus pais viajaram para se embrenhar numa maratona de vídeo game de quase dois dias. Nesse tempo, sua empolgação foi tanta que ele se esqueceu de necessidades ‘bobas’, como se alimentar, dormir ou até mesmo ir ao banheiro. Ao chegar do feriadão, os pais tomaram um susto ao encontrá-lo inconsciente em frente ao computador. Prezado ouvinte, o moleque simplesmente sofreu um colapso fisiológico. No pronto-socorro, a constatação de fadiga físico-mental misturada com hipoglicemia e desidratação. Sua façanha quase o levou a perder um dos rins. A tecnologia não para de se alastrar, com novas plataformas de entretenimento e com jogos cada vez mais viciantes e atrativos. Hoje é possível jogar online a qualquer hora e lugar, usando um simples smartphone. O excesso disso - além dos prejuízos à saúde - tem se refletido negativamente nas relações sociais e no desempenho dessas pessoas no ambiente escolar ou de trabalho. Para concluir, no ano passado um jovem de 24 anos foi a óbito em uma lan house de Xangai após jogar 19 horas ininterruptas. Para ele, sem dúvida, foi game over. Pense nisso. Até a próxima! * * *

#41 - Feijão maravilha

Play Episode Listen Later Oct 31, 2018 2:16


A Operação Verão deste ano começou com o pé esquerdo. Afinal, os bombeiros têm atendido - aqui nas praias do Paraná - uma média alarmante de quase 30 afogamentos por dia. Simplesmente um aumento de 89% em relação à temporada passada. Quando o assunto é afogamento, a gente logo pensa em alguns conceitos prontos: que a pessoa não sabia nadar; que estava de pileque; que estava nadando lá no fundo ou então em algum lugar perigoso ou mesmo proibido... Hoje, eu preciso falar com você sobre uma coisa chamada congestão, que pode levar a um grave mal-estar dentro da água. Em poucas palavras, a congestão - ou indigestão - intestinal pode acontecer quando praticamos alguma atividade física logo após uma refeição mais pesada. Quando nos alimentamos, muito do nosso sangue fica represado na região intestinal, de maneira a facilitar a digestão e absorção dos nutrientes da comida. Ao realizar algum esforço físico, nadar por exemplo, nosso organismo naturalmente recruta mais sangue para os músculos, o que descompensa a digestão intestinal. O resultado costuma ser a indigestão associada com desconforto gástrico, refluxo e até mesmo vômitos. Outra coisa que contribui para a congestão é o choque térmico com a água fria, o que faz com que o sangue também seja recrutado para equalizar a temperatura do corpo, principalmente a da pele. Então nunca nossas mães e avós estiveram tão certas. Antes de brincar na água, é preciso ter a certeza de que a digestão foi bem resolvida. E isso leva cerca de uma a duas horas. Outrossim, é importante não chutar o balde. Se você acabou de comer uma bela duma feijoada, por exemplo, é evidente que o tempo de digestão será bem maior. Pense nisso, se cuida e até a próxima. “ * * *

#40 - Esta me ouvindo

Play Episode Listen Later Oct 31, 2018 2:13


Dor de ouvido é uma dessas coisas ingratas da vida. Ninguém merece. E é bem nessa época quente do ano que as otites costumam saltar e cair de paraquedas nos hospitais e consultórios. De longe, os que mais sofrem são os pequenos. Em parte porque são os que mais usam, extrapolam e abusam da água no verão. Em parte, por conta da anatomia de seus ouvidos, favorável ao acúmulo de água em seu interior. Praia, piscina, tanque, rio, lagoa... os mergulhos uma hora ou outra podem levar sujidades para dentro dos ouvidos, quase sempre acompanhadas de todo tipo de bicho (bactéria, fungo, vírus...). O resultado pode ser desde uma simples inflamação do ouvido (acompanhada de dor e de inchaço do conduto auditivo), até uma severa infecção com presença de febre alta. Uma condição ainda pior é a chamada otite supurada, na qual a infecção é tão severa que o tímpano pode extravasar secreção purulenta. Num mundo ideal, protetores auriculares dariam conta do recado. Na prática, a prevenção mesmo acontece na base da oração... Quando a otite se instala é quase mandatório afastar a pessoa da água (subentenda-se mergulhos aquáticos e pluviais ou saltos ornamentais ao melhor estilo olímpico). Além disso, é importante evitar pingar coisas estranhas no ouvido (azeite, detergente, medicamentos orais). Outrossim, não invente moda com cotonetes: na maioria das vezes eles só servem para compactar e aprisionar a sujeira lá no fundo do ouvido, prolongando ainda mais o sofrimento. Por fim, evite a automedicação. Não coloque em risco a sua audição, consulte um médico. Sempre. Pense nisso, se cuida e até a próxima. “ * * *

#39 - Hora do cerol

Play Episode Listen Later Oct 31, 2018 2:21


Céu azul, tarde ensolarada de um sábado para esquecer. Uma pequena multidão se acotovela em cochichos, querendo ver de perto a desgraça alheia. No asfalto escorrido em sangue, o corpo imóvel de um ciclista atingido pela mais traiçoeira das armadilhas. Na chegada da ambulância, apenas a constatação de que não havia mais nada a ser feito. Quando pipas, arraias, papagaios ou pandorgas têm suas linhas embebidas em uma mistura de pó de vidro com cola – o tal do cerol – eles viram verdadeiras lâminas de bisturi voadoras. Jugular, carótida, tireoide, traqueia... o pescoço costuma ser alvo fácil, e a pessoa pode morrer de maneira desesperadora, em poucos minutos. Motoqueiros, ciclistas, pedestres e até mesmo pássaros... ninguém está livre do perigo que vem nunca se sabe ao certo de onde, provocado por alguém que usualmente some na covardia do anonimato. Alguns tipos de cerol também incluem a limalha de metal, que quando atinge a rede elétrica costuma provocar choques de milhares de volts, causando extensas queimaduras, amputações e até mesmo paradas cardiorrespiratórias. Muitos dizem que o cerol é coisa de moleque. Que as ‘batalhas’ aéreas entre pipas não passa de uma saudável brincadeira de meninos. É a balela de sempre, de pessoas que alimentam uma estúpida tradição que é passada geralmente de supostos adultos para crianças. Grande parte dos adeptos dessa ideia conhece os riscos e a maldade envolvidos por trás de cada centímetro de cerol. E, como sempre, leis vazias são criadas, burladas e esquecidas, como é de costume em nosso país. Então, basta uma rápida procura na internet para conhecer receitas de cerol. Basta uma visita a lojas do gênero para encontrar linhas de cerol em carretéis de todas as cores. Alguns dizem que já fomos mais inteligentes. Às vezes eu tenho a certeza. Pense nisso, até a próxima, se cuida. “ * * *

#38 - Diretora ofensiva

Play Episode Listen Later Oct 31, 2018 2:42


Senta que lá vem história. Há muitos anos, os bombeiros tinham um sargento marrento, daqueles que só te davam bom dia uns cinco anos depois de ter te conhecido. Contudo, era consenso que a sua presença nas ocorrências acalmava a todos, principalmente os soldados mais novos. Conhecido como Pé de Algodão, aquele sargento era o condutor de viatura que todos desejam em uma emergência. O apelido veio não só porque era o derrubador de portas oficial do grupamento, mas porque dirigia como ninguém um auto-bomba de 12 toneladas. No trânsito, impressionava a todos com a sua gentileza e extremo cuidado para com as pessoas na rua. Além disso, te levava rápido e com segurança a lugares de Curitiba que nem a prefeitura sabia existir. Naquela época meu amigo, era tudo na base do mapa da lista telefônica e o conhecimento necessário para ser um condutor dos bombeiros colocava qualquer taxista no chinelo. Não havia essa história de usar GPS ou então consultar mapas pela internet. Hoje o tempo de deslocamento é bem menor, mas também nunca houve tantos atropelamentos e colisões envolvendo viaturas. Em nossa cidade, o destaque é para as canaletas de uso “exclusivo” dos ônibus, que há tempos foram invadidas por veículos que supostamente deveriam trafegar apenas em condição de emergência. Hoje há tantos veículos na canaleta que - dependendo do horário - fica mais fácil você embarcar em um carro desses do que em um ônibus. Pior que isso, há casos de atropelamentos fatais em que essas viaturas trafegavam em velocidade incompatível com a via, sem sinalização sonora, tampouco luminosa. Então me fala, por favor, qual o tipo de ocorrência que merece colocar em risco a vida de outras pessoas? Um incêndio em uma escola, um sequestro relâmpago, um baleado com pneumotórax, uma criança atropelada? Seja sincero, vale a pena machucar ou matar alguém para salvar outra pessoa? Quando os feridos desses acidentes vêm parar aqui no pronto-socorro, eu sempre penso no Pé de Algodão. E quer saber? As pessoas dessa cidade já têm motivos demais para ter medo. Então, quando você acelerar a sua viatura pelas ruas, faça isso para o bem. Apenas para o bem. Pense nisso, até a próxima, se cuida. “ * * *

#37 - Desinteligência

Play Episode Listen Later Oct 31, 2018 2:39


O comando aciona para policial militar baleado no Uberaba. - Coloca o cinto aí que é emergência! Embarco na ambulância já em movimento e com pressa invadimos o trânsito pesado, do comecinho da noite. Pelo rádio a fonia fica tensa. A bem da verdade, bombeiro e polícia são como água e óleo, mas tenta a sorte de machucar um deles para ver o tamanho da encrenca. Simplesmente uma corporação inteira vai cair em cima de você. Logo uma viatura de ROTAM aparece do nada, somando as luzes e abrindo caminho para o nosso deslocamento. Enquanto o condutor passa nervoso as marchas da ambulância, coordeno por rádio o atendimento com o médico regulador. Trata-se de uma desinteligência de casal. Mais um marido bêbado que resolveu desfigurar o rosto de sua senhora, na frente das crianças. Acionada pelo COPOM, uma equipe em patrulha se deslocou para a casa. Chegando lá, um dos soldados foi surpreendido pelo homem armado que, sem piscar nem pensar, deflagrou um tiro em sua cabeça. E agora ignoramos todos os sinaleiros para chegar a tempo. Na chegada não há o que estabilizar, preferimos examinar o policial já embarcado e a caminho do hospital. Paciente em agonia, farda empapada de sangue, orifício de entrada em região temporal esquerda. Não observo orifício de saída, exame neurológico rebaixado, pupilas dilatadas, não consigo sequer medir a sua pressão. Grito para o condutor passar por cima de tudo enquanto tento entubar. Faltando poucos quilômetros para o hospital, o jovem policial simplesmente para de funcionar. Iniciamos a massagem cardíaca, abrimos o soro, adicionamos medicamentos... - Fica com a gente cara... - falo baixinho enquanto percebo todos os seus sinais vitais indo para o espaço. É quando tudo perde o seu sentido. Giroflex, sirene, velocidade, tudo perde o seu significado. E quando a ambulância encosta cansada, somos tomados por um silêncio que esmaga o nosso espírito. Mais uma vez Curitiba apresenta as suas armas. Capital da violência escancarada que não aparece em nenhum outdoor, mas que bate à sua porta quando você menos espera. Pensa nisso, até a próxima, se cuida. “ * * *

#36 - De cair o queixo

Play Episode Listen Later Oct 31, 2018 2:07


Essa vai para os que insistem em circular pela cidade de Curitiba com a janela do carro escancarada. Izabel estava em horário de almoço, na região do Largo da Ordem. Ela já tinha pago algumas contas e agora voltava sem pressa para o escritório. No conforto do seu carro, ouvia a 98 baixinho, com uma música que combinava com a tarde ensolarada. Foi quando tudo escureceu. Ao parar no sinaleiro, ela sentiu um forte soco, seguido de um apagão momentâneo. Em segundos, foi agredida, arrancada do carro e jogada de qualquer jeito na rua de paralelepípedos. Quando começou a entender que haviam roubado o seu carro, sentiu uma dor absurda e ficou desesperada ao perceber que não conseguia fechar a boca. Trazida ao pronto-socorro, ela foi encaminhada direto para a radiografia, o que revelaria tratar-se de uma luxação bilateral de mandíbula. Isso significava que seu maxilar inferior havia se desprendido por completo do resto do crânio. Olhando aquele raio-x, até eu fiquei de boca aberta. Nem sempre é fácil colocar a mandíbula em seu lugar. Muitas vezes é necessário anestesiar o paciente no centro cirúrgico e realizar um procedimento chamado ‘redução’. Depois disso, a recuperação costuma ser dolorosa, com desconforto e dificuldade de deglutição. Então, que tal inovarmos uma vez na vida e aprender com o erro dos outros? Numa cidade em que - entre furtos e assaltos - 25 veículos somem todos os dias, me parece lógico que somos reféns da violência. Em poucas palavras, os bandidos estão livres por aí. Nós não estamos. Pensa nisso, até a próxima, se cuida. “ * * *

#34 - Ciclodrama

Play Episode Listen Later Oct 31, 2018 2:21


Aumentou o número de ciclistas pela cidade. Coisa boa, afinal a bicicleta traz consigo um oxigênio necessário para um trânsito mais saudável. Contudo, também aumentou a presença deles no pronto-socorro. Comecei a escrever a crônica de hoje após atender a um ciclista atropelado. O cenário, a canaleta do expresso. O horário, rush. O protagonista, um biarticulado de 12 toneladas descendo socado pela Sete de Setembro. Nem preciso dizer que o final da história não é legal. História antiga essa de proibir o pessoal de circular na canaleta dos ônibus. História bizarra essa de forçar o ciclista a andar por entre os carros. É como escorregar da frigideira para o fogo. Sim, tem algo de muito estranho em misturar bicicletas com veículos a motor. Não vou mentir para você. Acidente com bike é oito ou oitenta. Ou fica na escoriação ou vai direto pro centro cirúrgico. Isso quando vai, porque quando pega na cabeça… Curitiba recebe todos os meses cerca de 4000 novos veículos. Com uma infra-estrutura urbana estagnada, é fácil perceber o desafio que o ciclista precisa enfrentar. Para complicar, não existe uma cultura de respeito ao ciclista. Na verdade nunca houve. Aproveito a oportunidade para também cutucar o ciclista desatento ou aquele que insiste em se comportar de maneira ofensiva no trânsito. Custa preservar a boa imagem que o ciclista merece ter? Por fim, um recado direto da sala de emergência para você, ciclista que tem a inocência de acreditar que pedala em uma cidade como Copenhagen. Entenda que o trânsito da nossa cidade é injusto e violento. Então, quando utilizar a tão celebrada ciclofaixa, lembre-se de utilizar roupas claras, equipamentos de segurança, dispositivos luminosos e, claro, espelhos retrovisores do tamanho daqueles que a gente tem no banheiro. “ Pense nisso. Até a próxima, se cuida! * * *

#33 - Cem Cigarros

Play Episode Listen Later Oct 31, 2018 2:14


E de repente aquele narguilé explodiu pra todo lado, atingindo a todos com uma bola de fogo recheada com brasa e cacos de vidro. Das cinco pessoas em torno do aparelho, quem mais se machucou foi a menina de nove anos - eu disse nove anos - que tragava a fumaça bem no momento em que a coisa toda ferveu. Em seu rosto e braços inúmeros pedacinhos de vidro, incrustados na pele chamuscada pelo fogo. O secular narguilé – ou narguilê – é uma dessas coisas curiosas, tido por muitos como um hábito inocente e até saudável, no qual se experimenta uma fumaça capaz de aguçar os sentidos com os mais variados aromas e sabores. Contudo, e a bem da verdade, o hábito do narguilé tem se mostrado um abacaxi sem tamanho. Segunda a OMS (Organização Mundial de Saúde), uma sessão de narguilé corresponde à exposição de todos os componentes nocivos presentes na fumaça de 100 cigarros. Estamos simplesmente falando da toxicidade de cerca de 4.700 substâncias, que trazem consigo os cavaleiros do apocalipse em termos de doenças e neoplasias. Mais que isso, a maneira como o narguilé é fumado tem contribuído para o aumento dos casos de herpes, hepatite C e até de tuberculose. Isso graças ao compartilhamento descuidado dos cachimbos. Por fim, muitas pessoas ainda acrescentam álcool em seu bojo, fazendo do narguilé um apetrecho altamente inflamável. Foi o que aconteceu com os nossos pacientes. Felizmente ninguém se feriu gravemente, pelo contrário. Uma semana depois o grupo já estava devidamente equipado com um novo narguilé. Pelo visto, algumas coisas não mudam tampouco evoluem. É assim que caminha a humanidade... “ * * *

#32 - Carga pesada

Play Episode Listen Later Oct 31, 2018 2:22


A bicicleta passou veloz e furiosa por entre os carros. Montado numa velha Barra Forte, Luciano tinha pressa na entrega do galão d´água. Ziguezagueando pelo trânsito conseguia entregar os pedidos bem rápido, o que costumava lhe garantir uma boa gorja ao final do dia. Contudo, ao entrar na Praça Tiradentes aos trancos e barrancos, o solavanco da bicicleta com o meio-fio fez com que ele soltasse um grito de dor, vindo lá das profundezas do estômago. A barra forte então perdeu seu rumo, levando Luciano a um tombo que faria o galão d´água rolar solitário pela praça. Encolhido de dor, o desespero viria num jato de vômito com sangue. Que diabos estaria acontecendo? A resposta viria com a sirene exagerada do SAMU. Um rápido exame físico, realizado ainda na calçada, revelaria uma úlcera perfurada de estômago. Considerada uma emergência médica, a hemorragia provocada pela úlcera pode levar a morte se não for logo operada. E foi o que aconteceu com o Luciano, sendo encaminhado às pressas para o hospital, onde uma cirurgia de laparotomia estancaria o sangramento. Então a pergunta de hoje é: como anda a saúde do seu estômago? O que você tem feito para protegê-lo e - pelo contrário - o que tem feito para arruiná-lo? Alimentação no melhor estilo carga pesada (gordura, fritura, refrigerantes...), consumo exagerado de álcool e o tabagismo encabeçam a lista dos hábitos mais perigosos. Além disso, pessoas muito ansiosas - ou que fazem uso diário de medicamentos - também costumam judiar bastante de seus estômagos. Então, se você se identificou de algum modo com esse texto, se apresenta desconforto, dor ou queimação na boca do estômago, procure orientação médica. Acredite, vale a pena. Pense nisso, se cuida e até a próxima. “ * * *

#31 - Café com margarina

Play Episode Listen Later Oct 31, 2018 2:31


Noite de verão, plantão tranquilo de domingo. Com preguiça me ajeito em uma das macas da emergência, tentando encontrar o sono perdido. Quem me dera: em poucos minutos pipocam pacientes por todos os lados. Corro para atender a uma gritaria lá no boxe sete. Menino de 12 anos com queimadura em rosto e braços. Pois é, no final de cada ano celebramos nossa ‘paz’ e ‘inteligência’ com bombas e fogos de artifício, que são o próprio inferno na terra quando se trata de queimaduras e mutilações. Tento avaliar a extensão das queimaduras, mas logo percebo que isso é impossível. Os pais cobriram tudo com borra de café e margarina. Mais trabalho para a enfermagem, que vai precisar lavar tudo com escova, água e sabão. Mais dor para o paciente, que vai contar todas as estrelas da via láctea. Para diminuir o sofrimento, fizemos um analgésico porreta com uma hidratação vigorosa. O problema dessas queimaduras não está apenas na intensidade da dor ou nas cicatrizes que elas costumam deixar. O que preocupa mesmo é o risco de infecções oportunistas, que entram pelo ferimento causado pela queimadura. Claro, tudo fica bem mais complicado quando o primeiro socorro, ainda em casa, é realizado de maneira bizarra. Clara de ovo, hidratante, creme dental, pó de café, manteiga... são todas soluções mirabolantes que atrapalham muito o atendimento médico e que trazem consigo o risco de infecções. Então, se você pretende ajudar de alguma maneira, não complique. Diante de um acidente desse tipo, primeiro afaste a fonte do calor, remova peças de roupa em contato com a queimadura e coloque o ferimento em água corrente por vários minutos. Depois proteja o local com um pano limpo e umedecido e procure rápida assistência médica. Simples assim, sem complicar. Tão simples quanto entender que fogos de artifício deveriam ficar bem longe das crianças. E do resto das outras pessoas, também. Neste final de ano pense nisso, até a próxima, se cuida. * * *

#30 - Bicho geográfico

Play Episode Listen Later Oct 31, 2018 2:09


A tradicional subida da serra - ao final de cada viagem para o litoral - costuma trazer consigo coisas estranhas que acabam visitando com frequência os consultórios médicos. É a subida da serra, mas poderíamos muito bem chamar de subida das encrencas e bichos que pegamos e trazemos lá da praia. Uma dessas criaturas do mal que pode vir junto com a sua bagagem é o famoso e mal fadado bicho geográfico. Cientificamente chamado de Larva migrans cutânea, é um desses parasitas de pele que dependem dos nutrientes do organismo da pessoa para sobreviver. Presente no intestino de cães e gatos, o bicho geográfico costuma ser transmitido pelo contato do ser humano com as fezes desses animais, o que costuma acontecer com certa facilidade nas areias de nossas praias. Inicialmente aparece uma lesão vermelha e saliente na pele, no local onde a larva penetrou. Em seguida, a pessoa costuma sentir intensa coceira acompanhada de linhas tortuosas pela pele, que denunciam o caminho percorrido pelo bicho. Apesar da chatice dos sinais e sintomas, o tratamento é bastante simples, com o emprego de vermífugos e medicamentos para aliviar o desconforto na pele. A prevenção era para ser simples, mas costuma ser ignorada por grande parte dos donos desses bichanos: deixá-los bem longe da areia da praia é mais do que imprescindível, assim como: realizar a profilaxia periódica com antiparasitários prescritos pelo médico veterinário. Infelizmente basta uma rápida visita ao litoral para perceber a presença, nas areias, dos bichos humanos, proprietários dos bichos caninos, donos dos bichos geográficos. Legal, né? Pense nisso, se cuida e até a próxima. “ * * *

#29 - Abelhas em fúria

Play Episode Listen Later Oct 31, 2018 2:35


Paramos de contar quando o centésimo ferrão foi removido. Pois é, retirar ferrão de abelha é um desafio e tanto de paciência. Você precisa ser cuidadoso, usando uma agulha ou lâmina de bisturi. Se resolver fazer isso com as mãos, ou com uma pinça, você pode espremer o ferrão, inoculando ainda mais veneno no paciente. Bem, no fim das contas, umas 200 abelhas haviam dolorosamente picado aquela jovem senhora de 78 anos. Foi no final de uma tarde ensolarada, aqui na região metropolitana de Curitiba. As roupas no varal já estavam secas, com o cheiro gostoso deixado pelo sol. O jardim de Dona Cecília lembra muito mais um pequeno bosque, bem cuidado em suas flores, frutos e árvores. Enquanto recolhia os lençóis num cesto, Dona Cecília percebeu uma conversa diferente entre as abelhas, vinda de uma antiga colmeia lá do alto da ameixeira. O zum-zum foi assustando e crescendo em uma nuvem escura, que rapidamente despencou furiosa sobre Pereba, o cachorro da família. Em meio a ganidos de dor, latidos de desespero e lençóis esvoaçantes, ela precisou decidir entre correr para dentro de casa ou então socorrer o velho guapeca. Nem preciso dizer o que ela escolheu, não é? Agora estava ali conosco, na unidade de semi-intensiva. Seu prognóstico era ruim, com um quadro clínico que foi se rebaixando a ponto de ser necessário uma intubação orotraqueal e medidas agressivas, como hemodiálise e administração em dose plena de adrenalina, corticoides e anti-histamínicos. De uns cinco anos pra cá, esses ataques aumentaram 50% em nosso país. Reflexo, talvez, do modo como nos esforçamos para destruir o meio-ambiente. Muitos desses ataques acontecem agora, no verão, e a história de hoje pretende ser um alerta para todos nós. O assunto é mais sério do que se imagina. A cada ano, entre 100 e 150 mortes são registradas no Brasil, pela ação direta de abelhas e vespas. Infelizmente, isso não foi diferente com Dona Cecília. Nem com Pereba. Pense nisso, até a próxima, se cuida. “ * * *

#28 - O franco atirador

Play Episode Listen Later Oct 5, 2018 2:08


Você conhece alguém querido que tenha Alzheimer? O disparo veio do alto, acompanhado de um estampido seco que assustou a todos que passavam pela rua. Foi um tiro certeiro, que atingiu sem piedade o traseiro de um entregador de água. Num grito ardido, ele perdeu o equilíbrio da bicicleta, caindo rolando pelo asfalto com seus galões de água. Em seguida veio outro disparo, acertando o ombro de um senhor que tentava acudir o ciclista ferido. A partir daí foi uma debandada geral, com as pessoas correndo para se esconder dos tiros, que agora eram efetuados a esmo para tudo quanto era lado. De cima de sua casa, empoleirado no telhado, seu Michelin recarregava afoito sua espingardinha de pressão. De pijama e enrolado numa surrada bandeira da Itália, o velhinho de 92 anos espalhava um terror nunca visto antes pela vizinhança. Quando a polícia afinal chegou, encontrou seu Michelin no conforto de sua sala, tomando um cafezinho esperto enquanto assistia televisão. Ele simplesmente não lembrava o que havia feito. Entre feridos e feridos todos se salvaram, mas ficou aquela sensação de que tudo poderia ter acabado muito pior. Todos conhecem a doença de Alzheimer, mas poucos sabem do seu lado violento. Há muitos casos de idosos que, num ataque incomum de hostilidade, ameaçam a vida das pessoas ao seu redor. Parentes, amigos, cuidadores, enfermeiras... É a triste evolução de uma doença sórdida, que costuma transformar entes queridos em completos estranhos. Se você conhece alguém que passa por esse tipo situação, oriente ou procure orientação médica. Não permita que uma doença – já tão triste e devastadora – seja o gatilho para uma tragédia maior. Pense nisso. Até a próxima!

#27 - Carceireiros

Play Episode Listen Later Oct 5, 2018 2:06


Era quatro da manhã quando ele levantou num susto. Catou sua arma debaixo do travesseiro e correu pela casa, em busca de alguma porta para o jardim dos fundos. O detalhe é que ele não estava em uma casa. Estava em seu apartamento no primeiro andar. Num pesadelo em que um criminoso lhe perseguia, atravessou em disparada a sacada, despencando de uma altura de uns quatro metros. No lugar do sonhado gramado macio, acabou acordando todo estatelado numa calçada gelada, sólida e bastante real. Ser sonâmbulo é mesmo um negócio perigoso. Mas o que despertou a atenção na sala de emergência não foi seu sonambulismo, tampouco suas pernas quebradas. Caro leitor, nosso homem pássaro era um agente prisional. Talvez, por si só, isso explique a origem de seus pesadelos. Vou folheando seu prontuário e me surpreendendo com a quantidade de medicamentos listados. Remédios para dormir, para acordar, para ansiedade, depressão, gastrite, constipação, pressão alta... Todos os dias, esses trabalhadores são hermeticamente encarcerados para impedir que o pior da sociedade escape para as ruas. É uma tarefa quase impossível. Nossos presídios e penitenciárias são buracos supostamente criados para modificar infratores. Na prática, modificam apenas para o mal. Na ponta da lança está o carcereiro, exposto a um ambiente doentio, recheado de ódio, conflitos e ameaças. Então, o agente penitenciário vive uma liberdade curiosa. Ao contrário dos detentos, ele pode voltar para casa. Mas isso não significa que ele saia do inferno Não mesmo. Pense nisso. Até a próxima!

#26 - Ele polou

Play Episode Listen Later Oct 5, 2018 2:37


A história de hoje não tem nomes. E nem precisa disso. O paciente teve uma parada cardíaca tão logo a ambulância chegou ao pronto-socorro. Tratava-se de um grave atropelamento por caminhão pesado, na região do Xaxim. Na maca, um senhor de 82 anos. Os ferimentos foram tantos e tão extensos que sequer me atrevo a descrever aqui. Enquanto as equipes de cirurgia e ortopedia traçavam estratégias para a contenção de danos vitais e o manejo de tantos focos de hemorragia, o pessoal aqui da emergência se reveza na massagem de reanimação. Após 40 minutos, uma linha contínua do monitor cardíaco avisava grosseiramente de que não havia mais nada a fazer. À bem da verdade, foi melhor assim. Confesso que após um acidente tão brutal, não consigo imaginar qualquer qualidade de vida para aquele senhor. Dias depois, a família procurou o hospital para apanhar alguns documentos. Ao falar sobre o atropelamento, um dos filhos do paciente fez uma revelação assustadora. Seu pai havia pulado na frente do caminhão. Engenheiro aposentado, fazia alguns meses que o idoso apresentava-se deprimido e isolado. Naquela manhã, após uma discussão em casa, saiu dizendo que se jogaria debaixo do primeiro caminhão que aparecesse. Pelo visto, ele estava falando muito sério. Dentro da medicina celebramos a vitória da vida todos os dias. Particularmente não conheço satisfação maior do que ver nossos pacientes recebendo alta, com a perspectiva de uma vida longa e plena pela frente. Por isso mesmo, essas histórias nos arrebentam por dentro. Não sei dos motivos, não compreendo as razões. Apenas não consigo aceitar que a cada hora, em nosso país, uma pessoa busque tal fim para a própria vida. Há muitos deprimidos a nossa volta, dando sinais discretos de sofrimento. São pessoas que merecem ser ouvidas, que precisam ser acolhidas. Se você não está bem, talvez seja o momento de falar ou de buscar um colo. A vida não é simples, pelo menos não acho que ela seja. Mas eu lhe peço, não pule fora dela. Olha só: Pessoas que precisam de ajuda emocional podem telefonar para o número 141 - Centro de Valorização da Vida. Pense nisso. Até a próxima!

#25 - Anais da medicina

Play Episode Listen Later Oct 5, 2018 2:17


Como diria a minha avó, o mundo está perdido. Na verdade sempre esteve, só que além de perdido agora também está longe de ser encontrado. Dentre as coisas mais perturbadoras da emergência, a pior talvez esteja na habilidade que alguns caras tem de inserir objetos lá. Sim. Lá naquele lugar que você está imaginando. Controle remoto, garrafa, pé de sofá, vidro de perfume, fruta, legume... definitivamente temos muitos homens com hábitos estranhos circulando por aí. Dia desses um sujeito procurou o pronto-socorro sentindo intensa dor em baixo ventre, com dificuldade até para caminhar. Encaminhado para o exame de imagem, rapidamente o técnico do raio-x sentenciou o diagnóstico: - Doutor, dessa vez foi uma pá de batedeira. Confesso que não sabia se chorava ou  se ria. Ao conversar com o paciente, me esforço para manter minha seriedade. De acordo com a sua história mirabolante, ao preparar a massa para um bolo de chocolate, ele escorregou no piso da cozinha e caiu sentado sobre uma das pás da batedeira elétrica. Simples assim. Sim, claro, óbvio, lógico. A ética médica nos orienta a acreditar em todos os pacientes e por isso mesmo anotei atencioso todas as suas palavras no prontuário. A parte de estar pelado na cozinha ele não soube explicar, mas pediu quase desesperado para não ficar internado, pois não saberia explicar o ‘incidente’ para a sua esposa e filhos. A retirada do apetrecho aconteceu no centro cirúrgico, sob bloqueio anestésico local. Após massagem abdominal e dilatação manual da região, o dispositivo foi retirado com o cuidado de não provocar nenhuma perfuração intestinal. Quem não gostou nenhum pouco do atendimento foi o chefe da cirurgia e é impossível não concordar com ele. Em um hospital público, deixar de atender a pacientes com reais problemas de saúde (atropelados, baleados, traumatizados, vítimas de quedas no trabalho) para resolver os problemas de perversão de alguns chega a ser uma espécie de desaforo. Por fim, a parte mais curiosa mesmo foi o cara querer a pá da batedeira de volta. Sério cara, tenho pena da sua família.

#24 - Malditos fantasmas

Play Episode Listen Later Oct 5, 2018 2:38


Você sabia que todo hospital que se preze tem lá seus fantasmas? Você pode senti-los na madrugada fria, murmurando suas histórias pelos corredores embolorados da enfermaria. Se fechar os olhos, poderá inclusive ouvir seus vagarosos passos. Contudo, no momento eu não podia lhes dar a merecida atenção, pois a regulação acionou o pronto-socorro para o atendimento de duas ambulâncias do SIATE, trazendo quatro vítimas da colisão de um carro contra um muro. Pancada feia em um poste às quatro da manhã ninguém merece. Pedi para a enfermagem acordar os plantonistas da cirurgia para apoio (eles adoram quando a gente faz isso) e sem perder tempo calcei minhas luvas, indo para a plataforma do PS apanhar algum vento que me convença de que já estou acordado. Os bombeiros chegam com a pressa que lhes é habitual e as portas das ambulâncias se abrem enquanto os soldados me repassam as informações de base. Mecanismo de colisão, condições dos feridos, sinais vitais... Contudo, quando as luzes da sala de emergência iluminam o rosto do primeiro ferido, sinto meu coração parar. Definitivamente a gravidade do acidente tinha sido menosprezada pelos socorristas. Diante dos meus olhos um paciente completamente roxo, todo ensanguentado e com o globo ocular esquerdo pendurado para fora da órbita. Paro perplexo no corredor. Preciso raciocinar rápido a conduta a ser tomada. Bolsas de sangue, oftalmologia... Outra maca passa apressada e reparo em uma laceração que arrancou grande parte do rosto da vítima. Olho assustado, imaginando que tipo de colisão faria algo assim. - Calma doutor, esses caras são do zombie walk. - dispara sorrindo um dos bombeiros. - Zumbi quem? - pergunto sem entender nada. Poxa vida, que coisa mais sem graça. Quando fico sabendo que os feridos estavam voltando de uma festa na qual todo mundo se veste e se pinta de defunto, fico furioso. No final das contas, os ‘mortos-vivos’ estavam melhor do que aparentavam e apenas um precisou ir para a cirurgia, reconstruir a pelve. Os demais precisaram de gesso, alguns pontos e de uma bela bronca dada pelo médico chato que agora vos fala. Malditos zumbis. Malditos fantasmas. Me deixem dormir!

#23 - Parece mentira

Play Episode Listen Later Oct 5, 2018 2:29


Você sabia que para os serviços de emergência, o Dia da Mentira acontece todos os dias? Que o digam os bombeiros... Um telefonema desesperado pedindo por ajuda e a ambulância dos bombeiros parte apressada, desafiando o trânsito caótico de Curitiba. Sinalização luminosa, sirene, velocidade... por trás de cada ocorrência, um desafio logístico que envolve diversos profissionais. A cada atendimento, uma limitação imensa de recursos para levar ao cidadão o melhor do possível. Em todo deslocamento uma espécie de cronômetro perverso, no qual cada minuto pode significar o agravo de um ferimento ou até mesmo a morte de uma pessoa. Quando a viatura chega ao endereço fornecido, a surpresa maior: nada de feridos, nada de atropelamento. Mais um falso comunicado de acidente que mobilizou toda uma equipe de socorristas. Mais que isso, outro trote que deixou em espera outras ocorrências com feridos de verdade. Diariamente, nosso Corpo de Bombeiros atende a cinco mil ligações telefônicas. Destas, apenas 200 representam ocorrências de verdade. O resto fica a cargo de trotes e telefonemas equivocados para a corporação. Caro leitor, estamos falando em 2400 trotes por dia! Crianças, pessoas com transtornos mentais e principalmente desocupados fazem de todos os dias o Dia da Mentira para os bombeiros, em um sinal claro de desrespeito pelo próximo e de desprezo pelas coisas públicas. Os trotes aplicados por crianças congestionam as linhas, mas costumam ser identificados com certa facilidade. O problema mesmo está nos adultos, pois conseguem criar histórias convincentes de tragédias e acidentes. Então, se você for um adulto de verdade, converse com seus filhos sobre o trabalho dos bombeiros e as graves implicações que um trote pode acarretar. Já se você for um adulto adepto dos trotes, provavelmente não entendeu nada do que ouviu até aqui. Felizmente, os operadores de rádio dos bombeiros são experimentados na arte de identificar a maioria desses criminosos, que se escondem no anonimato do telefone e que só merecem mesmo a atenção é da polícia. Pense nisso. Até a próxima, se cuida!

#22 - Jeremias

Play Episode Listen Later Oct 5, 2018 2:42


Sem dúvida, Curitiba e sua região metropolitana são lugares privilegiados quando se quer levar tiros ou então ser esfaqueado. Nossos hospitais registram mensalmente um número impressionante de ferimentos por arma de fogo ou por arma branca. Tráfico de drogas, assaltos, briga por causa de mulher, por causa de homem, de vizinho, de trânsito, de barulho, de bebida… sempre há um bom motivo para as pessoas tentarem se matar. Nosso paciente de hoje é o Jeremias, mas pode chamá-lo de Jimmy. O apelido, gentilmente dado pela polícia, se refere a um cara de 23 anos que simplesmente não toma jeito na vida. Pequenos furtos, pequenos assaltos, pequenas maldades. Gente boa o moço. Dessa vez ele assaltou uma padaria, levando na fuga a moto de um cliente. Por sorte, uma viatura da polícia passava por perto. Por azar, era uma viatura da ROTAM. Como Jimmy não tem muita coisa dentro da caixa craniana, disparou com a moto pela contramão. O resultado foi levar um sapeco de calibre 0.38 na coxa direita. Com o disparo, Jimmy perdeu o controle da motoca e acabou batendo na lateral de uma Parati. O que sobrou disso estava agora na minha frente, algemado na maca. Como de costume, nenhuma médica ou enfermeira se habilitou a chegar perto do nosso Jimmy. A mão boba, a quantidade de palavrões e a falta de banho afastam qualquer boa vontade para bem longe. Pois é. Sobrou para mim. Avalio o paciente ao mesmo tempo em que ouço todos os tipos de xingamentos imagináveis. Como o projétil transfixou a coxa sem atingir nenhuma estrutura importante, um curativo simples deve ser mais do que suficiente. Durante os curativos fico tentando imaginar os motivos para tanta raiva. A resposta fácil talvez seja a desigualdade social em que vivemos, mas que só pessoas como Jeremias conhecem de verdade. Tudo bem, me perdoe. É mais uma resposta fácil e idiota que fala tudo, mas não explica absolutamente nada. Depois de duas horas, o paciente recebe alta, sendo conduzido com truculência pela polícia. Será encaminhado para uma delegacia qualquer para ser liberado logo em seguida. E é assim o dia todo, todos os dias. Até a próxima Jimmy.

#21 - Medo de que

Play Episode Listen Later Oct 5, 2018 2:07


Uma a uma, ele foi retirando a munição de sua velha pistola 840. Ainda não havia amanhecido e ele já estava fardado, olhando sério para o homem assustado no espelho. Naquele dia, chegou cedo no batalhão, sentindo uma ansiedade que lhe faltava o ar. Em pouco tempo, já estava embarcado com sua equipe de Rotam na  13.860, patrulhando a cidade que simplesmente o sufocava. Não demorou muito para o Copom acionar: lotérica tomada de assalto no São Francisco, com dois indivíduos armados empregando fuga numa CG vermelha. Pelo rádio, o comando coordenava o cerco com três viaturas, de maneira a triangular a Trajano Reis. Em silêncio no banco de trás, nosso soldado fechou com força os olhos, tentando ignorar o grito ardido da sirene. A cada troca truculenta de marcha, seu coração disparava. Por sorte, ou mesmo azar, a 860 logo conseguiu contato visual, emparelhando com os suspeitos. Num ameaço, o garupa puxou a arma em direção à guarnição, fazendo com que o condutor jogasse a viatura em cima da moto, derrubando os assaltantes. Todo o resto aconteceria muito rápido, incluindo o fim da carreira do nosso colega policial. Enquanto seus colegas desciam para abordagem, trocando disparos e os ladrões, ele ficou sentado na viatura, imobilizado pelo medo. Em suas mãos trêmulas e molhadas, apenas a pistola descarregada. O transtorno do pânico ainda é pouco conhecido, mas pode ser devastador. Muita gente está por aí, sem qualquer diagnóstico, vivendo em completo desespero. Mas e você? Tem medo de quê? Não tenha medo, de pedir ajuda. Até a próxima, se cuida!

#20 - Chamar a mãe

Play Episode Listen Later Oct 5, 2018 2:04


A história de hoje fala de amor materno, nariz entupido, gripes e resfriados. Mas antes, uma explicação. Gripe e resfriado não são a mesma coisa. Não mesmo. Na gripe você tem um quadro mais florido, com febre, fraqueza e dores pelo corpo e cabeça. Já o resfriado se apresenta de forma mais leve, com a prevalência de espirros, nariz escorrendo e uma eventual dor de garganta. Em comum, ambos são causados por vírus e não por bactérias, como muita gente acredita. Aliás, vírus e bactérias são ‘bichos’ bem diferentes. Em geral, as viroses costumam melhorar sozinhas. Já as doenças causadas por bactérias podem precisar de um antibiótico, que é um medicamento que só mata bactérias e não vírus. Dito tudo isso, preciso falar da chamada ‘peregrinação do antibiótico’, muito comum na prática médica, em especial na pediatria. Em poucas palavras, muitas mães corujas levam seus pimpolhos gripados - ou resfriados - ao consultório. Quando percebem que o médico não prescreveu o tal do antibiótico, não conseguem sossegar até conseguir uma bendita receita. É quando começa uma romaria de consultas até convencer - ou comover - algum médico de que a criança não melhora porque não foi receitado antibiótico. Pois é. Além de ineficaz nos quadros de viroses, o uso sistemático de antibióticos tem criado um cenário perturbador para o futuro. Afinal, seu uso indevido tem gerado uma perigosa resistência das bactérias. Acredita-se que, em alguns anos, muitos antibióticos que estão por aí serão tal como água. E quando isso acontecer, o que vamos fazer? Chamar a mãe? Pense nisso. Até a próxima, se cuida!

#19 - Culpados

Play Episode Listen Later Oct 5, 2018 2:40


Hoje, gostaria de te contar a história do Vinícius. Foi na mesa de cirurgia que o bandido resolveu morrer. Rosto, tórax, abdome... os disparos foram tantos e havia tanto sangue, que nem sabíamos por onde começar. Para muitos, o nome do marginal pouco importa. Para outros, o mundo se tornou um lugar melhor sem a sua presença. Vagabundo, meliante, ladrão... quem pediu para seguir o caminho mais fácil? Quem mandou escolher o lado errado? Deve ter sido culpa da mãe, por ter trabalhado de sol a sol, deixando o moleque e seus irmãos largados por aí. Ou deve ter sido culpa do cara que era para ter sido seu pai, mas que há 16 anos achou mais fácil comprar uma passagem, que não previa a sua volta. Não mesmo, deve ter sido culpa do governo, por nos fazer acreditar diariamente que vivemos em um paraíso social. Ou deve ter sido culpa da velha professora, por nunca ter acreditado que ele poderia ser alguém na vida. Não mesmo, deve ter sido culpa é dos colegas de sala, por não entenderem os reais motivos dele nunca ter tido um uniforme. Ou deve então ter sido culpa dos falsos amigos, por terem apresentado pra ele um mundo de pequenos delitos e crimes. Não mesmo, deve ter sido culpa da namorada, por nunca ter entendido que ele falava sério quando dizia que precisava de ajuda. Ou deve ter sido culpa da cachaça, por ter levado momentaneamente para longe todos os seus problemas. Não, deve ter sido culpa é do frentista, por ter ligado para o 190, avisando que o posto estava sendo assaltado. Ou deve ter sido culpa do policial militar, por ter descarregado sua pistola durante uma abordagem desastrosa. Não, deve ter sido culpa da ambulância, por ter demorado tanto tempo para chegar. Ou deve ter sido culpa da enfermagem, por ter achado que não havia mais tempo para salvá-lo. Não mesmo, deve ter sido culpa da equipe médica, por ter tratado o rapaz desde o início como apenas um número de prontuário. Ou deve ter sido culpa minha, por não entender que ele merecia mais do meu respeito e esforço. Eu sinto muito Vinícius. Pela sua morte. Pela sua vida.

#18 - Vida louca

Play Episode Listen Later Oct 5, 2018 2:33


E aí, você sabia que hoje uns 52 motociclistas vão morrer nas ruas e estradas do Brasil? E que a cada minuto, 46 ficarão permanentemente invalidados? A história de hoje  é exatamente sobre isso. Manhã gelada no pronto-socorro. Cansado e à procura de um café. É quando um SIATE encosta nervoso na plataforma de triagem. Motoqueiro. Se eu pudesse definir o acidentado de moto padrão, ele teria lá seus 25 anos, seria forte, saudável e com a vida em toda a sua plenitude pela frente. Teria, seria, devia. Junto com o alvoroço normal dos socorristas percebo um paciente num silêncio que preocupa. Chega imobilizado na tábua, colar cervical, soro no braço, sangue por toda parte. Na correria realizamos o ABCD do trauma, tentando avaliar por que tanto sangue e sem muita dificuldade constato que nosso paciente está em coma. Foi prensado entre uma Kombi e um Corsinha. Coisa corriqueira. Mania diária dos motoqueiros em inventar uma mão que não existe, por entre os carros. Velocidade exagerada que só faz sucesso mesmo na UTI ou no IML. Não há tempo para radiografia, encaminhamos logo para o centro cirúrgico. Laparotomia, toracotomia e um monte de nomes complicados na tentativa de parar uma intensa hemorragia. Por quase três horas a equipe da cirurgia ficou debruçada sobre o jovem motociclista. Quando o sangramento foi finalmente contido, uma parada cardiorrespiratória acabou com a alegria momentânea de todos. Medicamentos, choque… depois de trinta minutos de manobras e massagem cardíaca, um silêncio incômodo invade o centro cirúrgico. Sim. Mais uma vez a brutalidade do trânsito venceu a nossa falsa sensaçãoi de civilidade. É quando uma família assustada chega ao hospital. Não gosto dessa parte da história. A notícia da morte transtorna a todos. Lamento em silêncio enquanto outra ambulância chega: Motoqueiro. Tem dias que o nosso trânsito mais parece uma linha de desmontagem. Corro para ajudar, tentando entender em que momento a vida louca perde o respeito pela própria vida. Sério, preciso muito de um café.

#17 - A mula

Play Episode Listen Later Oct 5, 2018 2:40


Você sabia que apenas 1% do tráfico internacional de drogas chega a ser interceptado pela polícia? Estima-se que todos os anos o tráfico mundial de drogas movimente algo em torno de 1,5 trilhão de dólares. A história de hoje fala um pouco sobre isso. Naquele domingo, o avião para São Paulo levou quase duas horas para decolar e, quando conseguiu fazer isso, foi com um passageiro a menos. Após denúncia anônima, a polícia federal acabou detendo um sujeito de 38 anos que tentava levar drogas para a Europa. Levado às pressas para o hospital, uma radiografia confirmou a suspeita: inúmeras cápsulas de cocaína habitavam parte do seu duodeno e intestino delgado. Trata-se do que os policiais chamam de mula do tráfico. Eu, particularmente, prefiro chamar de burro mesmo. Existe um problema técnico quando se ingere essas trouxinhas, que é o risco de uma delas se romper. E isso não é raro. A absorção da cocaína na vilosidade intestinal é rápida, com a instalação de uma overdose que pode ser fatal. Palpitação, tremores, espasmos e parada cardíaca são algumas das complicações que denunciam o rompimento das cápsulas contendo a droga. Por isso mesmo, uma pessoa com tanta cocaína na barriga pode ser considerada uma bomba-relógio ambulante. No hospital alguns médicos utilizam laxantes para acelerar a retirada do material, mas a experiência mostra que esse método pode causar danos às cápsulas. Então, o que se costuma fazer é uma laparotomia exploratória com secção intestinal, que nada mais é do que abrir o abdome do paciente, cortar o intestino e ordenhar para fora as embalagens. A cirurgia foi bem sucedida e exatas 80 cápsulas foram removidas. A cocaína havia sido embalada com pontas de dedos de luvas de látex e foi um milagre o suco gástrico não ter rompido nenhuma das cápsulas. Depois da limpeza e pesagem, a polícia contabilizou cerca de um quilo de cocaína, o que equivale simplesmente a uma montanha de dinheiro. Deve ser por isso que tantos tentam a sorte no tráfico. No caso do nosso paciente, ele teve a sorte de nenhuma cápsula estourar, mas foi brindado com o azar de ficar na cadeia por vários anos. Pois é, é uma mula mesmo.

#16 - 50 tons de violeta

Play Episode Listen Later Oct 5, 2018 2:45


Você sabia que hoje, 15 brasileiras serão mortas por seus companheiros? A história de hoje fala um pouco sobre essa violência sem fim. Quando as algemas foram colocadas em seus pulsos, Ana quase esboçou um sorriso. E embora amedrontada, manteve a cabeça erguida, mesmo quando os policiais a jogaram na viatura. Enquanto isso, entre palavrões e gritos de dor, Cristiano era trazido aqui para o pronto-socorro após ter levado a maior surra de sua vida. Vermelho, violeta, lilás, roxo... o sujeito estava com tantos hematomas, equimoses e escoriações, que mais parecia ter sido atropelado por um ônibus. Na verdade, o que passara por cima de Cristiano, sem dó tampouco piedade, tinha sido uma palavrinha traiçoeira, de apenas oito letras. Vingança. E ao contrário do que tanto se propaga por aí, Ana agora sabia que pouco importava se a vingança fosse servida fria, morna ou aquecida no micro-ondas. Vingança era um prato saboroso de qualquer jeito. Poucos sabiam, mas por trás daquela imagem de bom companheiro, gentil e prestativo, Cristiano escondia uma personalidade sombria, opressora em ciúmes e sentimentos de posse, sempre fermentados pelo excesso de álcool. À beira de um colapso por tantos anos apanhando sem sequer saber o porquê, naquela noite Ana pirou ao ver Cristiano sentando a mão na filha mais nova do casal, de apenas seis meses. Acabava naquele exato instante qualquer tipo de afeto por ele. Sem pressa, articulou seu plano enquanto remoia toda a humilhação já praticada por aquele homem. Por fim, quando o sono alcoólico chegou, Cristiano nem percebeu quando foi amarrado à cama. Acredito que ele só tenha acordado de fato, quando Ana passou a golpeá-lo sistematicamente com uma barra de ferro. Por sorte - ou azar - os vizinhos ouviram os berros e avisaram a polícia, algo que nunca acontecia quando ela era a vítima. Apesar de tantos ferimentos, Cristiano logo voltaria são e salvo para casa. E esperaria ansioso o regresso de Ana. Pois é, a vingança é mesmo um prato cheio. Até quando a violência vai gerar mais violência? Pense nisso, se cuida e até a próxima.

#15 - Transporte de Carga

Play Episode Listen Later Oct 5, 2018 2:30


Agora me conta, você usa transporte público? Ou transporte de carga? Num movimento brusco o motorista arrancou, desequilibrando uma senhora de 74 anos que tentava descer do ônibus. A queda foi inevitável, assim como as escoriações e a fratura de fêmur. Em segundos, aquele motorista condenou dona Isabel a vários dias de internamento para a instalação de uma prótese de metal no colo do fêmur. Mais que isso, sentenciou ela a uma severa limitação social, pois jamais entraria em um ônibus novamente. Seja ao embarcar, durante a viagem ou no desembarque, as quedas de coletivo são muito mais corriqueiras do que você possa imaginar. Tais tombos revelam o despreparo e a falta de educação de muitos condutores do transporte público, que mais parecem trabalhar com carga do que com pessoas. Todos os passageiros sofrem diariamente com isso, mas são as mulheres com mais idade que têm apresentado maior incidência de traumas graves, como o de pelve, punho ou membros inferiores. Quando envelhecemos, nossa mobilidade e reflexos se tornam lentificados. Nosso equilíbrio e tônus muscular ficam alterados e a fragilidade óssea facilita a ocorrência de fraturas. Na prática, uma queda pode significar o início de uma série de comorbidades para o idoso, o que pode comprometer a qualidade e expectativa de sua vida. É por isso que as pessoas mais velhas precisam ser respeitadas. Além disso, as quedas podem acontecer tanto dentro do veículo quanto nas portas de acesso. Ônibus lotados, poucos assentos, falta de barras de apoio e degraus altos também ameaçam a segurança dos idosos. Por fim, realizar curvas acentuadas, passar por lombadas sem reduzir a velocidade, acelerar em soco ou frear de maneira violenta são pistas de que alguém com um cérebro miniaturizado pode estar conduzindo o seu ônibus. Quando se deparar com um motorista assim, faça uma oração para que seu destino final não seja no pronto-socorro. Nosso transporte coletivo é uma lástima e certamente existe algo de criminoso na maneira como somos tratados Pense nisso. Até a próxima!

#14 - Triste Destino

Play Episode Listen Later Oct 5, 2018 2:13


O que você tem feito para manter a saúde? Acredite, muitos brasileiros têm tomado bastante remédio. Isso mesmo. Todos os anos, gastamos algo em torno de 50 bilhões de reais com medicamentos. Para se ter uma ideia do exagero, somos campeões mundiais em número de farmácias e drogarias. Mas qual seria a razão para tanta necessidade e dependência de medicamentos? Dia desses atendi a uma paciente de 30 e poucos anos, com uma cólica renal avassaladora. Em sua bolsa, uma receita gigante de medicamentos tomados todos os dias. Como estava sentindo muita dor, acabou ignorando por completo minha tentativa de saber o porquê de tantos comprimidos, drágeas e cápsulas. Curioso como sempre, fui então deduzindo tudo por conta própria. Como não conseguia se alimentar adequadamente, tomava medicamentos para controlar o colesterol. Como não tinha tempo para caminhadas, usava três remédios para reduzir a pressão arterial. Como não queria parar com o açúcar, tomava remédio para controlar o diabetes. Como não gostava de verduras ou frutas, usava laxante para o intestino funcionar. Como não era adepta dessas bobagens de alongamento e atividade física, fazia uso diário de relaxante muscular. Como não conseguia dormir, usava sedativos. Como não conseguia acordar, tomava antidepressivo. Simples e automático assim. Pacientes, médicos, farmacêuticos... todos somos cúmplices dessa estranha cultura da medicação como resposta para tudo. Mas, como é quase um sacrilégio repensar nossos hábitos nocivos, a solução talvez seja aceitar nosso triste destino. Alguém aí conhece uma farmácia boa de desconto? Pense nisso. Até a próxima, se cuida! Dr. Carlo Valério Andrade Médico - Clínica Geral - CRM-PR 35.499 Agende sua consulta pelo número (41) 3155-2500

#13 - Eles estão aqui

Play Episode Listen Later Oct 5, 2018 2:39


A história de hoje é pra lá de complicada: De repente deu um ruim nele, com suas sacolas escorregando por entre os dedos, espalhando suas cervejas pela calçada. Uma súbita dor havia disparado em seu peito, fazendo com que desabasse inconsciente em frente ao mercado municipal. Entre alvoroços e burburinhos, um desconhecido rompeu a resistência dos curiosos, se aproximando do homem caído. Logo concluiu tratar-se de uma parada cardiorrespiratória, iniciando de imediato as compressões torácicas seguidas de ventilação boca a boca. Ele não conseguiu reverter a parada, mas lhe forneceu oxigênio e dinâmica cardíaca suficientes até a chegada da ambulância, com um desfibrilador portátil. Ao desabotoar a camisa para a aplicação do choque elétrico, todos foram surpreendidos. No lado esquerdo do peito do homem, a tatuagem de uma suástica nazista gigante. Ela não estava sozinha. Espalhadas pelo tórax e braços, inúmeras mensagens de intolerância, cada qual especialmente dedicada a judeus, gays, negros e nordestinos. Em cada centímetro de tinta, uma impressão carregada de ódio e intolerância. Nazistas, fascistas, nacionalistas, punks, skinheads... eles estão aqui faz tempo, perambulando pela cidade em grupos fechados, orgulhosos por defender interesses como nação, família e superioridade racial. Quando em bando são corajosos, exercendo sua justiça feroz sobre pessoas frágeis. Curiosamente, fica difícil imaginá-los defendendo seus nobres valores contra traficantes, políticos, sequestradores ou ladrões de banco. Apesar do impacto visual, o atendimento àquele homem foi realizado com presteza e respeito. Nas emergências das ruas existe muito pouco espaço, e tempo, para coisas minúsculas como o preconceito. Levado às pressas para o pronto-socorro, ele sairia de lá com uma vida plena e saudável pela frente. Afinal, é o que todos merecemos, não é? Naquele dia, quando inconsciente na calçada, alguém salvou sua vida. E é uma pena ele não ter visto que se tratava de um rapaz negro. Pense nisso. Até a próxima, se cuida! Dr. Carlo Valério Andrade Médico - Clínica Geral - CRM-PR 35.499 Agende sua consulta pelo número (41) 3155-2500

#12 - Livre Arbítrio

Play Episode Listen Later Oct 5, 2018 2:34


Hoje eu preciso te contar uma das muitas histórias de carnaval, que passam pelo pronto-socorro: Não corra, não fume. Não beba, não mate, não morra. Seja educado, use o bom senso, use o cinto de segurança, use camisinha. Todos concordam que campanhas educativas são importantes. Ninguém em sã consciência duvida da necessidade delas, mas poucos questionam sua real eficácia e, principalmente, o valor estratosférico que costumam comer do dinheiro público. Durante o carnaval, atendi a uma paciente portadora do vírus HIV. Em poucas palavras, ela nunca seguiu adequadamente o tratamento medicamentoso, apresentando inúmeras recaídas e internações. Melhor que isso, só o fato dela ter uma vida sexual hiperativa, não informar seus parceiros sobre sua condição de saúde e claro, preferir ter relações sem o uso de preservativos. Sim, vida louca. Mas o que fazer com alguém que decide democratizar sua doença, espalhando seu vírus por toda a cidade? Ameaçar, multar, internar, processar, interditar, prender? Quem dera. Na verdade, o culpado dessa inconsequência toda talvez seja o tal do livre arbítrio. O que nos torna tão ‘especiais e distintos’ entre os animais também é o que nos faz tão destrutivos. Ao exercitar a nossa liberdade de arbítrio, corremos o sério risco de colocar nossas vontades acima das dos outros, cultivando a diferença e o atrito entre as pessoas. Então é o cara que não segue as leis de trânsito, o estuprador de crianças, o político corrupto, o marido violento, o pichador de prédios, o vizinho barulhento... todos fazem do livre arbítrio um trampolim para agredir ao próximo, sem qualquer sentimento de culpa. Você acha que essas pessoas são atingidas por campanhas educativas? Infelizmente não. Muito do que vemos no pronto-socorro é resultado dessa dificuldade teimosa em respeitar acordos básicos de convivência. Todos querem direitos, mas poucos se interessam pelos deveres. E você? O que tem feito para os outros que não gostaria que fizessem pra você? Pense nisso. Pense em você, mas também no próximo. Se cuida! Dr. Carlo Valério Andrade Médico - Clínica Geral - CRM-PR 35.499 Agende sua consulta pelo número (41) 3155-2500

#11 - Triângulo da Morte

Play Episode Listen Later Oct 5, 2018 2:15


A história de hoje vai direto pra você, que vive na frente do espelho espremendo cravos e espinhas. Aquela noite foi o Ó do Borogodó.

#10 - Viciados

Play Episode Listen Later Oct 5, 2018 2:05


Agora me conta: você é viciado em internet?

#09 - Bipolar

Play Episode Listen Later Oct 5, 2018 2:12


Um dos grampos se soltou da rocha e, junto com ele, veio abaixo também o montanhista com todas as suas tralhas. A queda estimada pelos bombeiros do socorro tático foi de uns 20 metros, o que provocou incontáveis fraturas naquele pobre coitado. Como o acesso ao Pico do Paraná é complicado, a remoção precisou ser feita com ajuda do helicóptero.

#08 – De Cair o Queixo

Play Episode Listen Later Oct 5, 2018 2:07


Essa vai para os que insistem em circular pela cidade de Curitiba com a janela do carro escancarada. Izabel estava em horário de almoço, na região do Largo da Ordem. Ela já tinha pago algumas contas e agora voltava sem pressa para o escritório. No conforto do seu carro, ouvia a 98 baixinho, com uma música que combinava com a tarde ensolarada.

#07 - Nas Alturas

Play Episode Listen Later Oct 5, 2018 2:34


Dias desses, atendi a uma paciente com pressão alta. Na verdade, sua pressão estava lá nas alturas, com um valor astronômico de 23 x 12 mmHg.  - Que bom, assim eu morro logo – falou a senhora de 62 anos, debochando por completo da notícia.

#06 - Desinteligência

Play Episode Listen Later Oct 5, 2018 2:39


O comando aciona para policial militar baleado no Uberaba. - Coloca o cinto aí que é emergência! Embarco na ambulância já em movimento e com pressa invadimos o trânsito pesado, do comecinho da noite. Pelo rádio a fonia fica tensa. A bem da verdade, bombeiro e polícia são como água e óleo, mas tenta a sorte de machucar um deles para ver o tamanho da encrenca.

Claim Doutor 98FM

In order to claim this podcast we'll send an email to with a verification link. Simply click the link and you will be able to edit tags, request a refresh, and other features to take control of your podcast page!

Claim Cancel