Nossa Poesia

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Nossa poesia é um podcast com o intuito de divulgar obras da poesia em domínio público.

Poesias


    • Dec 5, 2022 LATEST EPISODE
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    Noturno - Olavo Bilac

    Play Episode Listen Later Dec 5, 2022 3:46


    Noturno de Olavo Bilac por Gus Já toda a terra adormece. Sai um soluço da flor. Rompe de tudo um rumor, Leve como o de uma prece. A tarde cai. Misterioso, Geme entre os ramos o vento. E há por todo o firmamento Um anseio doloroso. Áureo turíbulo imenso, O ocaso em púrpuras arde, E para a oração da tarde Desfaz-se em rolos de incenso. Moribundos e suaves, O vento na asa conduz O último raio da luz E o último canto das aves. E Deus, na altura infinita, Abre a mão profunda e calma, Em cuja profunda palma Todo o Universo palpita. Mas um barulho se eleva... E , no páramo celeste, A horda dos astros investe Contra a muralha da treva. As estrelas, salmodiando O Peã sacro, a voar, Enchem de cânticos o ar... E vão passando... passando... Agora, maior tristeza, Silêncio agora mais fundo; Dorme, num sono profundo, Sem sonhos, a natureza. A flor-da-noite abre o cálix... E, soltos, os pirilampos Cobrem a face dos campos, Enchem o seio dos vales: Trêfegos e alvoroçados, Saltam, fantásticos Djins, De entre as moitas de jasmins, De entre os rosais perfumados. Um deles pela janela Entre no teu aposento, E pára, plácido e atento, Vendo-te, pálida e bela. Chega ao teu cabelo fino, Mete-se nele: e fulgura, E arde nessa noite escura, Como um astro pequenino. E fica. Os outros lá fora Deliram. Dormes... Feliz, Não ouves o que ele diz, Não ouves como ele chora... Diz ele: “O poeta encerra Uma noite, em si, mais triste Que essa que, quando dormiste, Velava a face da terra... Os outros saem do meio Das moitas cheias de flores: Mas eu saí de entre as dores Que ele tem dentro do seio. Os outros a toda parte Levam o vivo clarão, E eu vim do seu coração Só para ver-te e beijar-te. Mandou-me sua alma louca, Que a dor da ausência consome, Saber se em sonho o seu nome Brilha agora em tua boca! Mandou-me ficar suspenso Sobre o teu peito deserto, Por contemplar de mais perto Todo esse deserto imenso!” Isso diz o pirilampo... Anda lá fora um rumor De asas rufladas... A flor Desperta, desperta o campo... Todos os outros, prevendo Que vinha o dia, partiram, Todos os outros fugiram... Só ele fica gemendo. Fica, ansioso e sozinho, Sobre o teu sono pairando... E apenas, a luz fechando, Volve de novo ao seu ninho, Quando vê, inda não farto De te ver e de te amar, Que o sol descerras do olhar, E o dia nasce em teu quarto... Edição por Felipe Xavier

    Amiga - Florbela Espanca

    Play Episode Listen Later Nov 28, 2022 1:16


    Amiga de Florbela Espanca por Mell Deixa-me ser a tua amiga, Amor; A tua amiga só, já que não queres Que pelo teu amor seja a melhor A mais triste de todas as mulheres. Que só, de ti, me venha mágoa e dor O que me importa a mim?! O que quiseres É sempre um sonho bom! Seja o que for, Bendito sejas tu por mo dizeres! Beija-me as mãos, Amor, devagarinho... Como se os dois nascêssemos irmãos, Aves cantando, ao sol, no mesmo ninho... Beija-mas bem!... Que fantasia louca Guardar assim, fechados, nestas mãos Os beijos que sonhei pra minha boca!... Edição por Felipe Xavier

    O NAVIO NEGREIRO - Castro Alves

    Play Episode Listen Later Nov 21, 2022 9:34


    O NAVIO NEGREIRO de Castro Alves por Mell I 'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço Brinca o luar — dourada borboleta; E as vagas após ele correm... cansam Como turba de infantes inquieta. 'Stamos em pleno mar... Do firmamento Os astros saltam como espumas de ouro... O mar em troca acende as ardentias, — Constelações do líquido tesouro... 'Stamos em pleno mar... Dois infinitos Ali se estreitam num abraço insano, Azuis, dourados, plácidos, sublimes... Qual dos dous é o céu? qual o oceano?... 'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas Ao quente arfar das virações marinhas, Veleiro brigue corre à flor dos mares, Como roçam na vaga as andorinhas... Donde vem? onde vai? Das naus errantes Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço? Neste saara os corcéis o pó levantam, Galopam, voam, mas não deixam traço. Bem feliz quem ali pode nest'hora Sentir deste painel a majestade! Embaixo — o mar em cima — o firmamento... E no mar e no céu — a imensidade! Oh! que doce harmonia traz-me a brisa! Que música suave ao longe soa! Meu Deus! como é sublime um canto ardente Pelas vagas sem fim boiando à toa! Homens do mar! ó rudes marinheiros, Tostados pelo sol dos quatro mundos! Crianças que a procela acalentara No berço destes pélagos profundos! Esperai! esperai! deixai que eu beba Esta selvagem, livre poesia Orquestra — é o mar, que ruge pela proa, E o vento, que nas cordas assobia... .......................................................... Por que foges assim, barco ligeiro? Por que foges do pávido poeta? Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira Que semelha no mar — doudo cometa! Albatroz! Albatroz! águia do oceano, Tu que dormes das nuvens entre as gazas, Sacode as penas, Leviathan do espaço, Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas. Confira a poesia completa em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000068.pdf Edição por Felipe Xavier

    Árvores do Alentejo - Florbela Espanca

    Play Episode Listen Later Oct 10, 2022 1:21


    Árvores do Alentejo de Florbela Espanca por Gus Horas mortas... Curvada aos pés do Monte A planície é um brasido... e, torturadas, As árvores sangrentas, revoltadas, Gritam a Deus a bênção duma fonte! E quando, manhã alta, o sol posponte A oiro a giesta, a arder, pelas estradas, Esfíngicas, recortam desgrenhadas Os trágicos perfis no horizonte! Árvores! Corações, almas que choram, Almas iguais à minha, almas que imploram Em vão remédio para tanta mágoa! Árvores! Não choreis! Olhai e vede: Também ando a gritar, morta de sede, Pedindo a Deus a minha gota de água! Edição por Felipe Xavier

    Seus Olhos - Gonçalves

    Play Episode Listen Later Oct 3, 2022 2:39


    Seus Olhos de Gonçalves Dias por Mell Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros, De vivo luzir, Estrelas incertas, que as águas dormentes Do mar vão ferir; Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros, Têm meiga expressão, Mais doce que a brisa, — mais doce que o nauta De noite cantando, — mais doce que a frauta Quebrando a solidão. Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros, De vivo luzir, São meigos infantes, gentis, engraçados Brincando a sorrir. São meigos infantes, brincando, saltando Em jogo infantil, Inquietos, travessos; — causando tormento, Com beijos nos pagam a dor de um momento, Com modo gentil. Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros, Assim é que são; Às vezes luzindo, serenos, tranquilos, Às vezes vulcão! Às vezes, oh! sim, derramam tão fraco, Tão frouxo brilhar, Que a mim me parece que o ar lhes falece, E os olhos tão meigos, que o pranto umedece Me fazem chorar. Assim lindo infante, que dorme tranquilo, Desperta a chorar; E mudo e sisudo, cismando mil coisas, Não pensa — a pensar. Nas almas tão puras da virgem, do infante, Às vezes do céu Cai doce harmonia duma Harpa celeste, Um vago desejo; e a mente se veste De pranto co'um véu. Quer sejam saudades, quer sejam desejos Da pátria melhor; Eu amo seus olhos que choram sem causa Um pranto sem dor. Eu amo seus olhos tão negros, tão puros, De vivo fulgor; Seus olhos que exprimem tão doce harmonia, Que falam de amores com tanta poesia. Com tanto pudor. Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros, Assim é que são; Eu amo esses olhos que falam de amores Com tanta paixão. Edição por Felipe Xavier

    Minha culpa - Florbela Espanca

    Play Episode Listen Later Sep 26, 2022 1:19


    Minha Culpa de Florbela Espanca por Mell Sei lá! Sei lá! Eu sei lá bem Quem sou?! Um fogo-fátuo, uma miragem... Sou um reflexo... um canto de paisagem Ou apenas cenário! Um vaivém... Como a sorte: hoje aqui, depois além! Sei lá quem Sou?! Sei lá! Sou a roupagem Dum doido que partiu numa romagem E nunca mais voltou! Eu sei lá quem!... Sou um verme que um dia quis ser astro... Uma estátua truncada de alabastro... Uma chaga sangrenta do Senhor... Sei lá quem sou?! Sei lá! Cumprindo os fados, Num mundo de vaidades e pecados, Sou mais um mau, sou mais um pecador... Edição por Felipe Xavier

    A Ondina - Francisca Júlia

    Play Episode Listen Later Sep 12, 2022 1:24


    A Ondina de Francisca Júlia por Gus Rente ao mar, que soluça e lambe a praia, a ondina, Solto, às brisas da noite, o áureo cabelo, nua, Pela praia passeia. A alvacenta neblina Tem reflexos de prata à refração da lua. Uma velha galeta encalhada, a bolina Rota, pompeia no ar a vela, que flutua. E, de onda em onda, o mar, soluçando em surdina, Empola-se espumante, à praia vem, recua... E, surgindo da treva, um monstro negro, fito O olhar na ondina, avança, embargando-lhe o passo... Ela tenta fugir, sufoca o choro, o grito... Mas o mar, que, espreitando-a, as ondas avoluma, Roja-se aos pés da ondina e esconde-a no regaço, Envolvendo-lhe o corpo em turbilhões de espuma. Edição por Felipe Xavier

    Midsummer's night's dream - Olavo Bilac

    Play Episode Listen Later Aug 29, 2022 2:02


    Midsummer's night's dream de Olavo Bilac por Gus Quem o encanto dirá destas noites de estio? Corre de estrela a estrela um leve calefrio, Há queixas doces no ar... Eu, recolhido e só, Ergo o sonho da terra, ergo a fronte do pó, Para purificar o coração manchado, Cheio de ódio, de fel, de angústia e de pecado... Que esquisita saudade! - Uma lembrança estranha De ter vivido já no alto de uma montanha, Tão alta, que tocava o céu... Belo país, Onde, em perpétuo sonho, eu vivia feliz, Livre da ingratidão, livre da indiferença, No seio maternal da Ilusão e da Crença! Que inexorável mão, sem piedade, cativo, Estrelas, me encerrou no cárcere em que vivo? Louco, em vão, do profundo horror deste atascal, Bracejo, e peno em vão, para fugir do mal! Por que, para uma ignota e longínqua paragem, Astros, não me levais nessa eterna viagem? Ah! quem pode saber de que outras vida veio?... Quantas vezes, fitando a Via-Láctea, creio Todo o mistério ver aberto ao meu olhar! Tremo... e cuido sentir dentro de mim pesar Uma alma alheia, uma alma em minha alma escondida, O cadáver de alguém de quem carrego a vida... Edição por Felipe Xavier

    Neurastenia - Florbela Espanca

    Play Episode Listen Later Aug 22, 2022 1:23


    Neurastenia de Florbela Espanca por Gus Sinto hoje a alma cheia de tristeza! Um sino dobra em mim Ave-Marias! Lá fora, a chuva, brancas mãos esguias, Faz na vidraça rendas de Veneza... O vento desgrenhado, chora e reza Por alma dos que estão nas agonias! E flocos de neve, aves brancas, frias, Batem as asas pela Natureza... Chuva... tenho tristeza! Mas por quê?! Vento... tenho saudades! Mas de quê?! Ó neve que destino triste o nosso! Ó chuva! Ó vento! Ó neve! Que tortura! Gritem ao mundo inteiro esta amargura, Digam isto que sinto que eu não posso!!... Edição por Felipe Xavier

    Num Meio-Dia de Fim de Primavera - Alberto Caeiro

    Play Episode Listen Later Aug 15, 2022 7:14


    Num meio-dia de fim de primavera de Alberto Caeiro por Gilles Tive um sonho como uma fotografia. Vi Jesus Cristo descer à terra. Veio pela encosta de um monte Tornado outra vez menino, A correr e a rolar-se pela erva E a arrancar flores para as deitar fora E a rir de modo a ouvir-se de longe. Tinha fugido do céu. Era nosso demais para fingir De segunda pessoa da Trindade. No céu era tudo falso, tudo em desacordo Com flores e árvores e pedras. No céu tinha que estar sempre sério E de vez em quando de se tornar outra vez homem E subir para a cruz, e estar sempre a morrer Com uma coroa toda à roda de espinhos E os pés espetados por um prego com cabeça, E até com um trapo à roda da cintura Como os pretos nas ilustrações. Nem sequer o deixavam ter pai e mãe Como as outras crianças. O seu pai era duas pessoas Um velho chamado José, que era carpinteiro, E que não era pai dele; E o outro pai era uma pomba estúpida, A única pomba feia do mundo Porque não era do mundo nem era pomba. E a sua mãe não tinha amado antes de o ter. Não era mulher: era uma mala Em que ele tinha vindo do céu. E queriam que ele, que só nascera da mãe, E nunca tivera pai para amar com respeito, Pregasse a bondade e a justiça! Um dia que Deus estava a dormir E o Espírito Santo andava a voar, Ele foi à caixa dos milagres e roubou três. Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido. Com o segundo criou-se eternamente humano e menino. Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz E deixou-o pregado na cruz que há no céu E serve de modelo às outras. Depois fugiu para o sol E desceu pelo primeiro raio que apanhou. Hoje vive na minha aldeia comigo. É uma criança bonita de riso e natural. Limpa o nariz ao braço direito, Chapinha nas poças de água, Colhe as flores e gosta delas e esquece-as. Atira pedras aos burros, Rouba a fruta dos pomares E foge a chorar e a gritar dos cães. E, porque sabe que elas não gostam E que toda a gente acha graça, Corre atrás das raparigas pelas estradas Que vão em ranchos pela estradas com as bilhas às cabeças E levanta-lhes as saias. A mim ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as cousas. Aponta-me todas as cousas que há nas flores. Mostra-me como as pedras são engraçadas Quando a gente as tem na mão E olha devagar para elas. Diz-me muito mal de Deus. Diz que ele é um velho estúpido e doente, Sempre a escarrar no chão E a dizer indecências. A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia. E o Espírito Santo coça-se com o bico E empoleira-se nas cadeiras e suja-as. Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica. Diz-me que Deus não percebe nada Das coisas que criou — "Se é que ele as criou, do que duvido" — "Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória, Mas os seres não cantam nada. Se cantassem seriam cantores. Os seres existem e mais nada, E por isso se chamam seres." E depois, cansados de dizer mal de Deus, O Menino Jesus adormece nos meus braços e eu levo-o ao colo para casa. Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro. Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava. Ele é o humano que é natural, Ele é o divino que sorri e que brinca. E por isso é que eu sei com toda a certeza Que ele é o Menino Jesus verdadeiro. ... Poesia completa em: http://arquivopessoa.net/textos/1487 Edição por Felipe Xavier

    Há metafísica bastante em não pensar em nada - Alberto Caeiro

    Play Episode Listen Later Aug 8, 2022 4:00


    Há metafísica bastante em não pensar em nada de Alberto Caeiro por Gilles Há metafísica bastante em não pensar em nada. O que penso eu do mundo? Sei lá o que penso do mundo! Se eu adoecesse pensaria nisso. Que ideia tenho eu das cousas? Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos? Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma E sobre a criação do Mundo? Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos E não pensar. É correr as cortinas Da minha janela (mas ela não tem cortinas). O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério! O único mistério é haver quem pense no mistério. Quem está ao sol e fecha os olhos, Começa a não saber o que é o sol E a pensar muitas cousas cheias de calor. Mas abre os olhos e vê o sol, E já não pode pensar em nada, Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos De todos os filósofos e de todos os poetas. A luz do sol não sabe o que faz E por isso não erra e é comum e boa. Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores? A de serem verdes e copadas e de terem ramos E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar, A nós, que não sabemos dar por elas. Mas que melhor metafísica que a delas, Que é a de não saber para que vivem Nem saber que o não sabem? "Constituição íntima das cousas"... "Sentido íntimo do Universo"... Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada. É incrível que se possa pensar em cousas dessas. É como pensar em razões e fins Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão. Pensar no sentido íntimo das cousas É acrescentado, como pensar na saúde Ou levar um copo à água das fontes. O único sentido íntimo das cousas É elas não terem sentido íntimo nenhum. Não acredito em Deus porque nunca o vi. Se ele quisesse que eu acreditasse nele, Sem dúvida que viria falar comigo E entraria pela minha porta dentro Dizendo-me, Aqui estou! (Isto é talvez ridículo aos ouvidos De quem, por não saber o que é olhar para as cousas, Não compreende quem fala delas Com o modo de falar que reparar para elas ensina.) Mas se Deus é as flores e as árvores E os montes e sol e o luar, Então acredito nele, Então acredito nele a toda a hora, E a minha vida é toda uma oração e uma missa, E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos. Mas se Deus é as árvores e as flores E os montes e o luar e o sol, Para que lhe chamo eu Deus? Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar; Porque, se ele se fez, para eu o ver, Sol e luar e flores e árvores e montes, Se ele me aparece como sendo árvores e montes E luar e sol e flores, É que ele quer que eu o conheça Como árvores e montes e flores e luar e sol. E por isso eu obedeço-lhe, (Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?). Obedeço-lhe a viver, espontaneamente, Como quem abre os olhos e vê, E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes, E amo-o sem pensar nele, E penso-o vendo e ouvindo, E ando com ele a toda a hora. Edição por Felipe Xavier

    O Tear - Olavo Bilac

    Play Episode Listen Later Aug 2, 2022 1:21


    O Tear de Olavo Bilac por Gilles A fieira zumbe, o piso estala, chia O liço, range o estambre na cadeia; A máquina dos Tempos, dia a dia, Na música monótona vozeia. Sem pressa, sem pesar, sem alegria, Sem alma, o Tecelão, que cabeceia, Carda, retorce, estira, asseda, fia, Doba e entrelaça, na infindável teia. Treva e luz, ódio e amor, beijo e queixume, Consolação e raiva, gelo e chama Combinam-se e consomem-se no urdume. Sem princípio e sem fim, eternamente Passa e repassa a aborrecida trama Nas mãos do Tecelão indiferente… Edição por Felipe Xavier

    A duas flores - Castro Alves

    Play Episode Listen Later Jul 25, 2022 1:25


    A duas flores de Castro Alves por Gilles São duas flores unidas, São duas rosas nascidas Talvez no mesmo arrebol, Vivendo no mesmo galho, Da mesma gota de orvalho, Do mesmo raio de sol. Unidas, bem como as penas Das duas asas pequenas De um passarinho do céu... Como um casal de rolinhas, Como a tribo de andorinhas Da tarde no frouxo véu. Unidas, bem como os prantos, Que em parelha descem tantos Das profundezas do olhar... Como o suspiro e o desgosto, Como as covinhas do rosto, Como as estrelas do mar. Unidas... Ai quem pudera Numa eterna primavera Viver, qual vive esta flor. Juntar as rosas da vida Na rama verde e florida, Na verde rama do amor! Edição por Felipe Xavier

    Fanatismo - Florbela Espanca

    Play Episode Listen Later Jul 11, 2022 1:21


    Fanatismo de Florbela Espanca por Gus Minh'alma, de sonhar-te, anda perdida Meus olhos andam cegos de te ver! Não és sequer a razão do meu viver, Pois que tu és já toda a minha vida! Não vejo nada assim enlouquecida... Passo no mundo, meu Amor, a ler No misterioso livro do teu ser A mesma história tantas vezes lida! "Tudo no mundo é frágil, tudo passa..." Quando me dizem isto, toda a graça Duma boca divina fala em mim! E, olhos postos em ti, digo de rastros: "Ah! Podem voar mundos, morrer astros, Que tu és como Deus: Princ

    Torre de névoa - Florbela Espanca

    Play Episode Listen Later Jul 4, 2022 1:16


    Torre de névoa de Florbela Espanca por Gus Subi ao alto, à minha Torre esguia, Feita de fumo, névoas e luar, E pus-me, comovida, a conversar Com os poetas mortos, todo o dia. Contei-lhes os meus sonhos, a alegria Dos versos que são meus, do meu sonhar, E todos os poetas, a chorar, Responderam-me então: “Que fantasia, Criança doida e crente! Nós também Tivemos ilusões, como ninguém, E tudo nos fugiu, tudo morreu!...” Calaram-se os poetas, tristemente... E é desde então que eu choro amargamente Na minha Torre esguia junto ao Céu!... Edição por Felipe Xavier

    Dentro da noite - Olavo Bilac

    Play Episode Listen Later Jun 27, 2022 3:14


    Dentro da noite de Olavo Bilac por Gus Ficas a um canto da sala, Olhas-me e finges que lês... Ainda uma vez te ouço a fala, Olho-te ainda uma vez; Saio... Silêncio por tudo: Nem uma folha se agita; E o firmamento, amplo e mudo, Cheio de estrelas palpita. E eu vou sozinho, pensando Em teu amor, a sonhar, No ouvido e no olhar levando Tua voz e teu olhar. Mas não sei que luz me banha Todo de um vivo clarão; Não sei que música estranha Me sobre do coração. Como que, em cantos suaves, Pelo caminho que sigo, Eu levo todas as aves, Todos os astros comigo. E é tanta essa luz, é tanta Essa música sem par, Que nem sei se é a luz que canta, Se é o som que vejo brilhar. Caminho em êxtase, cheio Da luz de todos os sóis, Levando dentro do seio Um ninho de rouxinóis. E tanto brilho derramo, E tanta música espalho, Que acordo os ninhos e inflamo As gotas frias do orvalho. E vou sozinho, pensando Em teu amor, a sonhar, No ouvido e no olhar levando Tua voz e teu olhar. Caminho. A terra deserta Anima-se. Aqui e ali, Por toda parte desperta Um coração que sorri. Em tudo palpita um beijo, Longo, ansioso, apaixonado, E um delirante desejo De amar e de ser amado. E tudo, - o céu que se arqueia Cheio de estrelas, o mar, Os troncos negros, a areia, Pergunta, ao ver-me passar: “O Amor, que a teu lado levas, A que lugar te conduz, Que entras coberto de trevas, E sais coberto de luz? De onde vens? Que firmamento Correste durante o dia, Que voltas lançando ao vento Esta inaudita harmonia? Que país de maravilhas, Que Eldorado singular Tu visitaste, que brilhas Mais do que a estrela polar?” E eu continua a viagem, Fantasma deslumbrador, Seguido por tua imagem, Seguido por teu amor. Sigo... Dissipo a tristeza De tudo, por todo o espaço, E ardo, e canto, e a Natureza Arde e canta, quando eu passo, Só porque passo pensando Em teu amor, a sonhar, No ouvido e no olhar levando Tua voz e teu olhar... Edição por Felipe Xavier

    A minha dor - Florbela Espanca

    Play Episode Listen Later Jun 20, 2022 1:21


    A minha dor de Florbela Espanca por Gus A minha Dor é um convento ideal Cheio de claustros, sombras, arcarias, Aonde a pedra em convulsões sombrias Tem linhas dum requinte escultural. Os sinos têm dobres de agonias Ao gemer, comovidos, o seu mal... E todos têm sons de funeral Ao bater horas, no correr dos dias... A minha Dor é um convento. Há lírios Dum roxo macerado de martírios, Tão belos como nunca os viu alguém! Nesse triste convento aonde eu moro, Noites e dias rezo e grito e choro! E ninguém ouve... ninguém vê... ninguém... Edição por Felipe Xavier

    Tortura - Florbela Espanca

    Play Episode Listen Later Jun 13, 2022 1:14


    Tortura de Florbela Espanca por Gus Tirar dentro do peito a Emoção, A lúcida Verdade, o Sentimento! E ser, depois de vir do coração, Um punhado de cinza esparso ao vento!... Sonhar um verso de alto pensamento, E puro como um ritmo de oração! E ser, depois de vir do coração, O pó, o nada, o sonho dum momento!... São assim ocos, rudes, os meus versos: Rimas perdidas, vendavais dispersos, Com que eu iludo os outros, com que minto! Quem me dera encontrar o verso puro, O verso altivo e forte, estranho e duro, Que dissesse, a chorar, isto que sinto!! Edição por Felipe Xavier

    O cavaleiro pobre - Olavo Bilac

    Play Episode Listen Later Jun 6, 2022 2:48


    O cavaleiro pobre de Olavo Bilac por Gus Ninguém soube quem era o Cavaleiro Pobre, Que viveu solitário, e morreu sem falar: Era simples e sóbrio, era valente e nobre, E pálido como o luar. Antes de se entregar às fadigas da guerra, Dizem que um dia viu qualquer cousa do céu: E achou tudo vazio... e pareceu-lhe a terra Um vasto e inútil mausoléu. Desde então, uma atroz devoradora chama Calcinou-lhe o desejo, e o reduziu a pó. E nunca mais o Pobre olhou uma só dama, Nem uma só! nem uma só! Conservou, desde então, a viseira abaixada: E, fiel à Visão, e ao seu amor fiel, Trazia uma inscrição de três letras, gravada A fogo e sangue no broquel. Foi aos prélios da Fé. Na Palestina, quando, No ardor do seu guerreiro e piedoso mister, Cada filho da Cruz se batia, invocando Um nome caro de mulher, Ela rouco, brandindo o pique no ar, clamava: “Lumen coeli Regina!” e, ao clamor dessa voz, Nas hostes dos incréus como uma tromba entrava, Irresistível e feroz. Mil vezes sem morrer viu a morte de perto, E negou-lhe o destino outra vida melhor: Foi viver no deserto... E era imenso o deserto! Mas o seu Sonho era maior! E um dia, a se estorcer, aos saltos, desgrenhado, Louco, velho, feroz, - naquela solidão Morreu: - mudo, rilhando os dentes, devorado Pelo seu próprio coração. Ida Para a porta do céu, pálida e bela, Ida as asas levanta e as nuvens corta. Correm os anjos: e a criança morta Foge dos anjos namorados dela. Longe do amor materno o céu que importa? O pranto os olhos límpidos lhe estrela... Sob as rosas de neve da capela, Ida soluça, vendo abrir-se a porta. Quem lhe dera outra vez o escuro canto Da escura terra, onde, a sangrar, sozinho, Um coração de mão desfaz-se em pranto! Cerra-se a porta: os anjos todos voam... Como fica distante aquele ninho, Que as mães adoram... mas amaldiçoam! Edição por Felipe Xavier

    Lágrimas ocultas - Florbela Espanca

    Play Episode Listen Later May 30, 2022 1:20


    Lágrimas ocultas de Florbela Espanca por Gus Se me ponho a cismar em outras eras Em que ri e cantei, em que era querida, Parece-me que foi noutras esferas, Parece-me que foi numa outra vida... E a minha triste boca dolorida, Que dantes tinha o rir das Primaveras, Esbate as linhas graves e severas E cai num abandono de esquecida! E fico, pensativa, olhando o vago... Toma a brandura plácida dum lago O meu rosto de monja de marfim... E as lágrimas que choro, branca e calma, Ninguém as vê brotar dentro da alma! Ninguém as vê cair dentro de mim! Edição por Felipe Xavier

    Adamah - Francisca Júlia

    Play Episode Listen Later May 23, 2022 1:20


    Adamah de Francisca Júlia por Gus Homem, sábio produto, epítome fecundo Do supremo saber, forma recém-nascida, Pelos mandos do céu, divinos, impelida, Para povoar a terra e dominar o mundo; Homem, filho de Deus, imagem foragida, Homem, ser inocente, incauto e vagabundo, Da terrena substância, em que nasceu, oriundo, Para ser o primeiro a conhecer a vida; Em teu primeiro dia, olhando a vida em cada Ser, seguindo com o olhar as barulhentas levas De pássaros saudando a primeira alvorada, Que ingênuo medo o teu, quando ao céu calmo elevas O ingênuo olhar, e vês a terra mergulhada No primeiro silêncio e nas primeiras trevas... Edição por Felipe Xavier

    Página Vazia - Euclides da Cunha

    Play Episode Listen Later May 16, 2022 1:11


    Página Vazia de Euclides da Cunha por Gilles Quem volta da região assustadora De onde eu venho, revendo, inda na mente, Muitas cenas do drama comovente De guerra despiedada e aterradora. Certo não pode ter uma sonora Estrofe ou canto ou ditirambo ardente Que possa figurar dignamente Em vosso álbum gentil, minha senhora. E quando, com fidalga gentileza Cedestes-me esta página, a nobreza De nossa alma iludiu-vos, não previstes Que quem mais tarde, nesta folha lesse Perguntaria: "Que autor é esse De uns versos tão mal feitos e tão tristes?" Edição por Felipe Xavier

    Sagres - Olavo Bilac

    Play Episode Listen Later May 9, 2022 9:55


    Sagres de Olavo Bilac Por Gus "Acreditavam os antigos celtas, do Guadiana espalhados até a costa, que, no templo circular do Promontório Sacro, se reuniam à noite os deuses, em misteriosas conversas com esse mar cheio de enganos e tentações." OL. MARTINS. - Hist. de Portugal. Em Sagres. Ao tufão, que se desencadeia, A água negra, em cachões, se precipita, a uivar; Retorcem-se gemendo os zimbros sobre a areia. E, impassível, opondo ao mar o vulto enorme, Sob as trevas do céu, pelas trevas do mar, Berço de um mundo novo, o promontório dorme. Só, na trágica noite e no sítio medonho, Inquieto como o mar sentindo o coração, Mais largo do que o mar sentindo o próprio sonho, Só, aferrando os pés sobre um penhasco a pique, Sorvendo a ventania e espiando a escuridão, Queda, como um fantasma, o Infante Dom Henrique... Casto, fugindo o amor, atravessa a existência Imune de paixões, sem um grito sequer Na carne adormecida em plena adolescência; E nunca aproximou da face envelhecida O nectário da flor, a boca da mulher, Nada do que perfuma o deserto da vida. Forte, em Ceuta, ao clamor dos pífanos de guerra, Entre as mesnadas (quando a matança sem dó Dizimava a moirama e estremecia a terra), Viram-no levantar, imortal e brilhante, Entre os raios do sol, entre as nuvens do pó, A alma de Portugal no aceiro do montante. Em Tanger, na jornada atroz do desbarato, Duro, ensopando os pés em sangue português, Empedrado na teima e no orgulho insensato, Calmo, na confusão do horrendo desenlace, Vira partir o irmão para as prisões de Fez, Sem um tremor na voz, sem um tremor na face. É que o Sonho lhe traz dentro de um pensamento A alma toda cativa. A alma de um sonhador Guarda em si mesma a terra, o mar, o firmamento, E, cerrada de todo à inspiração de fora, Vive como um vulcão, cujo fogo interior A si mesmo imortal se nutre e se devora. "Terras da Fantasia! Ilhas Afortunadas, Virgens, sob a meiguice e a limpidez do céu, Como ninfas, à flor das águas remansadas! Pondo o rumo das naus contra a noite horrorosa Quem sondara esse abismo e rompera esse véu, Ó sonho de Platão, Atlântida formosa! Mar tenebroso! aqui recebes, porventura, A síncope da vida, a agonia da luz?. Começa o Caos aqui, na orla da praia escura? E a mortalha do mundo a bruma que te veste? Mas não! por trás da bruma, erguendo ao sol a Cruz, Vós sorrides ao sol, Terras Cristãs do Preste! Promontório Sagrado! Aos teus pés, amoroso, Chora o monstro... Aos teus pés, todo o grande poder, Toda a força se esvai do oceano Tenebroso... Que ansiedade lhe agita os flancos? Que segredo, Que palavras confia essa boca, a gemer, Entre beijos de espuma, à algidez do rochedo? Que montanhas mordeu, no seu furor sagrado? Que rios, através de selvas e areais, Vieram nele encontrar um túmulo ignorado? De onde vem ele? ao sol de que remotas plagas Borbulhou e dormiu? que cidades reais Embalou no regaço azul de suas vagas? Se tudo é morte além, - em que deserto horrendo, Em que ninho de treva os astros vão dormir? Em que solidão o sol sepulta-se, morrendo? Se tudo é morte além, por que, a sofrer sem calma, Erguendo os braços no ar, havemos de sentir Estas aspirações, como asas dentro da alma?" ... Link para todo o poema: https://poesia.fandom.com/pt/wiki/Sagres Edição por Felipe Xavier

    Tirana - Castro Alves

    Play Episode Listen Later May 2, 2022 1:09


    Tirana de Castro Alves por Mell "MINHA MARIA é bonita, Tão bonita assim não há; O beija-flor quando passa Julga ver o manacá. "Minha Maria é morena, Corno as tardes de verão; Tem as tranças da palmeira Quando sopra a viração. "Companheiros! o meu peito Era um ninho sem senhor; Hoje tem um passarinho P'ra cantar o seu amor. "Trovadores da floresta! Não digam a ninguém, não!... Que Maria é a baunilha Que me prende o coração. "Quando eu morrer só me enterrem Junto às palmeiras do val, Para eu pensar que é Maria Que geme no taquaral . . ." Edição por Felipe Xavier

    Vendaval - Fernando Pessoa

    Play Episode Listen Later Apr 25, 2022 2:28


    Vendaval de Fernando Pessoa Declamado por Gus Ó vento do norte, tão fundo e tão frio, Não achas, soprando por tanta solidão, Deserto, penhasco, coval mais vazio Que o meu coração! Indómita praia, que a raiva do oceano Faz louco lugar, caverna sem fim, Não são tão deixados do alegre e do humano Como a alma que há em mim! Mas dura planície, praia atra em fereza, Só têm a tristeza que a gente lhes vê; E nisto que em mim é vácuo e tristeza É o visto o que vê. Ah, mágoa de ter consciência da vida! Tu, vento do norte, teimoso, iracundo, Que rasgas os robles – teu pulso divida Minh'alma do mundo! Ah, se, como levas as folhas e a areia, A alma que tenho pudesses levar – Fosse pr'onde fosse, pra longe da ideia De eu ter que pensar! Abismo da noite, da chuva, do vento, Mar torvo do caos que parece volver – Porque é que não entras no meu pensamento Para ele morrer? Horror de ser sempre com vida a consciência! Horror de sentir a alma sempre a pensar! Arranca-me, ó vento; do chão da existência, De ser um lugar! E, pela alta noite que fazes mais escura, Pelo caos furioso que crias no mundo, Dissolve em areia esta minha amargura, Meu tédio profundo. E contra as vidraças dos que há que têm lares, Telhados daqueles que têm razão, Atira, já pária desfeito dos ares, O meu coração! Meu coração triste, meu coração ermo, Tornado a substância dispersa e negada Do vento sem forma, da noite sem termo, Do abismo e do nada! Edição por Felipe Xavier

    Na margem - Castro Alves

    Play Episode Listen Later Apr 18, 2022 2:08


    Na margem de Castro Alves por Mell "VAMOS! VAMOS! Aqui por entre os juncos Ei-la a canoa em que eu pequena outrora Voava nas maretas... Quando o vento, Abrindo o peito à camisinha úmida, Pela testa enrolava-me os cabelos, Ela voava qual marreca brava No dorso crespo da feral enchente! Voga, minha canoa! Voga ao largo! Deixa a praia, onde a vaga morde os juncos Como na mata os caititus bravios... Filha das ondas! andorinha arisca! Tu, que outrora levavas minha infância — Pulando alegre no espumante dorso Dos cães-marinhos a morder-te a proa, — Leva-me agora a mocidade triste Pelos ermos do rio ao longe... ao longe..." Assim dizia a Escrava... Iam caindo Dos dedos do crepúsc'lo os véus de sombra, Com que a terra se vela como noiva Para o doce himeneu das noites límpidas ... Lá no meio do rio, que cintila, Como o dorso de enorme crocodilo, Já manso e manso escoa-se a canoa. Parecia, assim vista ao sol poente, Esses ninhos, que tombam sobre o rio, E onde em meio das flores vão chilrando — Alegres sobre o abismo — os passarinhos!... Tu — guardas algum segredo?... Maria, stás a chorar! Onde vais? Por que assim foges, Rio abaixo a deslizar? Pedra — não tens o teu musgo? Não tens um favônio — flor? Estrela — não tens um lago? Mulher — não tens um amor? Edição por Felipe Xavier

    O cego e a guitarra - Fernando Pessoa

    Play Episode Listen Later Apr 11, 2022 1:21


    O cego e a guitarra de Fernando Pessoa por Gus O ruído vário da rua Passa alto por mim que sigo. Vejo: cada coisa é sua Oiço: cada som é consigo. Sou como a praia a que invade Um mar que torna a descer. Ah, nisto tudo a verdade É só eu ter que morrer. Depois de eu cessar, o ruído. Não, não ajusto nada Ao meu conceito perdido Como uma flor na estrada. Cheguei à janela Porque ouvi cantar. É um cego e a guitarra Que estão a chorar. Ambos fazem pena, São uma coisa só Que anda pelo mundo A fazer ter dó. Eu também sou um cego Cantando na estrada, A estrada é maior E não peço nada. Edição por Felipe Xavier

    Os Versos Que Te Fiz - Florbela Espanca

    Play Episode Listen Later Apr 4, 2022 1:15


    Os Versos Que Te Fiz de Florbela Espanca por Mell Deixa dizer-te os lindos versos raros Que a minha boca tem pra te dizer! São talhados em mármore de Paros Cinzelados por mim pra te oferecer. Têm dolências de veludos caros, São como sedas brancas a arder... Deixa dizer-te os lindos versos raros Que foram feitos pra te endoidecer! Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda... Que a boca da mulher é sempre linda Se dentro guarda um verso que não diz! Amo-te tanto! E nunca te beijei… E, nesse beijo, Amor, que eu te não dei Guardo os versos mais lindos que te fiz! Edição por Felipe Xavier

    Inania verba - Olavo Bilac

    Play Episode Listen Later Mar 28, 2022 1:36


    Inania verba de Olavo Bilac por Gus Ah! quem há de exprimir, alma impotente e escrava, O que a boca não diz, o que a mão não escreve? Ardes, sangras, pregada à tua cruz, e, em breve, Olhas, desfeito em lodo, o que te deslumbrava... O Pensamento ferve, e é um turbilhão de lava: A Forma, fria e espessa, é um sepulcro de neve... E a Palavra pesada abafa a Idéia leve, Que, perfume e clarão, refulgia e voava. Quem o molde achará para a expressão de tudo? Ai! quem há de dizer as ânsias infinitas Do sonho? e o céu que foge à mão que se levanta? E a ira muda? e o asco mudo? e o desespero mudo? E as palavras de fé que nunca foram ditas? E as confissões de amor que morrem na garganta?! Edição por Felipe Xavier

    Em uma tarde de outono - Olavo Bilac

    Play Episode Listen Later Mar 21, 2022 1:26


    Em uma tarde de outono de Olavo Bilac por Mell Outono. Em frente ao mar. Escancaro as janelas Sobre o jardim calado, e as águas miro, absorto. Outono... Rodopiando, as folhas amarelas Rolam, caem. Viuvez, velhice, desconforto... Por que, belo navio, ao clarão das estrelas, Visitaste este mar inabitado e morto, Se logo, ao vir do vento, abriste ao vento as velas, Se logo, ao ir da luz, abandonaste o porto? A água cantou. Rodeava, aos beijos, os teus flancos A espuma, desmanchada em riso e flocos brancos... Mas chegaste com a noite, e fugiste com o sol! E eu olho o céu deserto, e vejo o oceano triste, E contemplo o lugar por onde te sumiste, Banhado no clarão nascente do arrebol... Edição por Felipe Xavier.

    Ao Luar - Augusto dos Anjos

    Play Episode Listen Later Mar 14, 2022 1:26


    Ao Luar de Augusto dos Anjos por Gilles Quando, à noite, o Infinito se levanta À luz do luar, pelos caminhos quedos Minha tátil intensidade é tanta Que eu sinto a alma do Cosmos nos meus dedos! Quebro a custódia dos sentidos tredos E a minha mão, dona, por fim, de quanta Grandeza o Orbe estrangula em seus segredos, Todas as coisas íntimas suplanta! Penetro, agarro, ausculto, apreendo, invado Nos paroxismos da hiperestesia, O Infinitésimo e o Indeterminado... Transponho ousadamente o átomo rude E, transmudado em rutilância fria, Encho o Espaço com a minha plenitude! Edição por Felipe Xavier.

    O Oitavo Pecado - Olavo Bilac

    Play Episode Listen Later Mar 7, 2022 1:30


    O Oitavo Pecado - Olavo Bilac Vivendo para a morte, alegre da tristeza, Temendo o fogo eterno e a danação sulfúrea, Gelaste no cilício, em ascética fúria, A alma ridente, o sangue em esto, a carne acesa. Foste mártir e herói da própria natureza. Intacto de ambição, de desejo ou de injúria, Para ganhar o céu, venceste a ira, a luxúria, A gula, a inveja, o orgulho, a preguiça e a avareza. Mas não amaste! E, além do Inferno, um outro existe, Onde é mais alto o choro e o horror dos renegados: Ali, penando, tu, que o amor nunca sentiste, Pagarás sem amor os dias dissipados! Esqueceste o pecado oitavo: e era o mais triste, Mortal, entre os mortais, de todos os pecados!

    Natal de Auta de Sousa

    Play Episode Listen Later Dec 27, 2021 1:15


    NATAL de Auta de Sousa declamado por Gus É meia noite … O sino alvissareiro, Lá da igrejinha branca pendurado, Como num sonho místico e fagueiro, Vem relembrar o tempo do passado. —- Ó velho sino, ó bronze abençoado, Na alegria e na mágoa companheiro! Tu me recordas o sorrir primeiro De menino Jesus imaculado. —– E enquanto escuto a tua voz dolente, Meu ser que geme dolorosamente Da desventura, aos gélidos açoites … —- Bebe em teus sons tanta alegria, tanta! Sino que lembras uma noite santa, Noite bendita mais que as outras noites! Foto de Olya Kobruseva no Pexels

    A Lagartixa de Álvares de Azevedo

    Play Episode Listen Later Dec 13, 2021 1:18


    A Lagartixa de Álvares de Azevedo declamado por Gilles A lagartixa ao sol ardente vive E fazendo verão o corpo espicha: O clarão de teus olhos me dá vida, Tu és o sol e eu sou a lagartixa. Amo-te como o vinho e como o sono, Tu és meu copo e amoroso leito... Mas teu néctar de amor jamais se esgota, Travesseiro não há como teu peito. Posso agora viver: para coroas Não preciso no prado colher flores; Engrinaldo melhor a minha fronte Nas rosas mais gentis de teus amores. Vale todo um harém a minha bela, Em fazer-me ditoso ela capricha; Vivo ao sol de seus olhos namorados, Como ao sol de verão a lagartixa. Photo by Min An from Pexels

    Para quê?! de Florbela Espanca

    Play Episode Listen Later Dec 6, 2021 1:12


    Para quê?! de Florbela Espanca declamado por Gilles Tudo é vaidade neste mundo vão... Tudo é tristeza, tudo é pó, é nada! E mal desponta em nós a madrugada, Vem logo a noite encher o coração! Até o amor nos mente, essa canção Que o nosso peito ri à gargalhada, Flor que é nascida e logo desfolhada, Pétalas que se pisam pelo chão!... Beijos de amor! Pra quê?!... Tristes vaidades! Sonhos que logo são realidades, Que nos deixam a alma como morta! Só neles acredita quem é louca! Beijos de amor que vão de boca em boca, Como pobres que vão de porta em porta!... Foto de Magda Ehlers no Pexels

    Não sei quantas almas tenho de Fernando Pessoa

    Play Episode Listen Later Nov 22, 2021 1:35


    Não sei quantas almas tenho de Fernando Pessoa declamado por Mell Não sei quantas almas tenho. Cada momento mudei. Continuamente me estranho. Nunca me vi nem acabei. De tanto ser, só tenho alma. Quem tem alma não tem calma. Quem vê é só o que vê, Quem sente não é quem é, Atento ao que sou e vejo, Torno-me eles e não eu. Cada meu sonho ou desejo É do que nasce e não meu. Sou minha própria paisagem; Assisto à minha passagem, Diverso, móbil e só, Não sei sentir-me onde estou. Por isso, alheio, vou lendo Como páginas, meu ser. O que segue não prevendo, O que passou a esquecer. Noto à margem do que li O que julguei que senti. Releio e digo: “Fui eu?” Deus sabe, porque o escreveu.

    Primavera de Olavo Bilac

    Play Episode Listen Later Nov 15, 2021 1:18


    Primavera de Olavo Bilac declamado por Mell Ah! quem nos dera que isto, como outrora, Inda nos comovesse! Ah! quem nos dera Que inda juntos pudéssemos agora Ver o desabrochar da primavera! Saíamos com os pássaros e a aurora. E, no chão, sobre os troncos cheios de hera, Sentavas-te sorrindo, de hora em hora: “Beijemo-nos! amemo-nos! espera!” E esse corpo de rosa recendia, E aos meus beijos de fogo palpitava, Alquebrado de amor e de cansaço... A alma da terra gorjeava e ria... Nascia a primavera... E eu te levava, Primavera de carne, pelo braço!

    Velhinha - Florbela Espanca

    Play Episode Listen Later Nov 8, 2021 1:23


    Velhinha de Florbela Espanca declamado por Mell Se os que me viram já cheia de graça Olharem bem de frente para mim, Talvez, cheios de dor, digam assim: “Já ela é velha! Como o tempo passa!...” Não sei rir e cantar por mais que faça! Ó minhas mãos talhadas em marfim, Deixem esse fio de oiro que esvoaça! Deixem correr a vida até o fim! Tenho vinte e três anos! Sou velhinha! Tenho cabelos brancos e sou crente... Já murmuro orações... falo sozinha... E o bando cor-de-rosa dos carinhos Que tu me fazes, olho-os indulgente, Como se fosse um bando de netinhos...

    A Orgia dos duendes - Bernardo Guimarães ESPECIAL HALLOWEEN

    Play Episode Listen Later Oct 31, 2021 10:26


    A Orgia dos duendes de Bernardo Guimarães declamado por Mell

    A Caçada de Francisca Júlia

    Play Episode Listen Later Oct 28, 2021 1:26


    A Caçada de Francisca Júlia declamado por Mell Ao mirante gentil de construção bizarra Acabou de subir naquele mesmo instante Em que o seu noivo foi à caça; e, palpitante, Lá fora cuida ouvir os sons de uma fanfarra. E, ao mesmo tempo ouvindo o selvagem descante Que, entre as folhas, sibila a estrídula cigarra, Ela vai ler a carta onde o seu noivo narra A dor que há de sofrer quando estiver distante... E dorme, vendo o sol que, através de uma escassa Nuvem branca, ilumina as íngremes encostas Onde aos saltos rabeia a matilha da caça; E, bem perto, ao rumor de trompas e ladridos, O seu noivo gentil que, de espingarda às costas, Lhe oferta uma porção de pássaros feridos...

    A um violinista de Olavo Bilac

    Play Episode Listen Later Oct 18, 2021 6:22


    A um violinista de Olavo Bilac Declamado por Gus Quando do teu violino, as asas entreabrindo Mansamente no espaço , iam-se as notas quérulas, Anjos de olhos azuis, às duas mãos partindo Os seus cofres de pérolas, Minhas crenças de amor, esquecidas em calma No fundo da memória, ouvindo-as recebiam Novo alento, e outra vez do oceano de minh'alma, Arquipélago verde, à tona apareciam. E eu via rutilar o meu amor perdido, Belo, de nova luz e novo encanto cheio, E um corpo, que supunha há muito consumido, Agitar-se de novo e oferecer-me o seio. Tudo ressuscitava ao teu influxo, artista! E minh'alma revia, alucinada e louca, Olhos, cujo fulgor me entontecia a vista, Lábios, cujo sabor me entontecia a boca. Oh milagre! E, feliz, ajoelhava-me, em pranto, Como quem, por acaso, um dia, entrando as portas De um cemitério, vai achar vivas a um canto As suas ilusões que acreditava mortas, E ficava a pensar... como se não partir Essa fraca madeira ao teu toque violento, Quando com tanta febre a paixão se estorcia Dentro do pequenino e frágil instrumento! Porque, nesse instrumento, unidos num só peito, Todos os corações da terra palpitavam; E havia dentro dele, em lágrimas desfeito, O amor universal de todos os que amavam. Rio largo de sons, tapetado de flores, A harmonia do céu jorrava ampla e sonora; E, boiando e cantando, alegrias e dores Iam corrente em fora... A Primavera rindo esfolhava as capelas, E entornava no chão as ânforas cheirosas: E a canção acordava as rosas e as estrelas, E enchia de desejo as estrelas e as rosas. E a água verde do mar, e a água fresca dos rios, E as ilhas de esmeralda, e o céu resplandecente, E a cordilheira, e o vale, e os matagais sombrios, Crespos, e a rocha bruta exposta ao sol ardente: Tudo, ouvindo essa voz, tudo cantava e amava! O amor, caudal de fogo atropelada e acesa, Entrava pelo sangue e pela seiva entrava, E ia de corpo em corpo enchendo a Natureza! E ei-lo triste, no chão, inanimado e frio, O teu pobre violino, o teu amor primeiro: E inda nas cordas há, como um leve arrepio, A última vibração do arpejo derradeiro... Como, ígneas e imortais, num redemoinho insano, Longe, a torvelinhar em céus inacessíveis, Pairam constelações virgens do olhar humano, Nebulosas sem fim de mundos invisíveis: Assim no teu violino, artista! adormecido À espera do teu arco, em grupos vaporosos, Dorme, como num céu que não alcança o ouvido, Um mundo interior de sons misteriosos... Suspendam-me ao ar livre esse doce instrumento! Deixem-no ao sol, em glória, em delirante festa! E ele se embeberá dos perfumes que o vento Traz dos frescos desvãos do vale e da floresta. Os pássaros virão tecer nele os seus ninhos! As rosas se abrirão em suas cordas rotas! E ele derramará sobre os verdes caminhos Da antiga melodia as esquecidas notas! Hão de as aves cantar, hão de cantar as flores... Os astros sorrirão de amor na imensa esfera... E a terra acordará para os novos amores De nova primavera! II Porque, como Terpandro acrescentou à lira, Para a tornar mais doce, uma corda mais pura, Que é a corda onde a paixão desprezada suspira, E, em lágrimas, a arder, suspira a desventura; Também desse instrumento às quatro cordas de ouro O Desespero, o Amor, a Cólera, a Piedade, Tu, nobre alma, chorando acrescentaste o choro Eterno e a eterna dor da corda da Saudade. É saudade o que sinto, e me enche de ais a boca, E me arrebata o sonho, e os nervos me fustiga, Quando te ouço tocar:

    Vaidade de Florbela Espanca

    Play Episode Listen Later Oct 11, 2021 1:12


    Vaidade de Florbela Espanca declamado por Gus Sonho que sou a Poetisa eleita, Aquela que diz tudo e tudo sabe, Que tem a inspiração pura e perfeita, Que reúne num verso a imensidade! Sonho que um verso meu tem claridade Para encher todo o mundo! E que deleita Mesmo aqueles que morrem de saudade! Mesmo os de alma profunda e insatisfeita! Sonho que sou Alguém cá neste mundo... Aquela de saber vasto e profundo, Aos pés de quem a terra anda curvada! E quando mais no céu eu vou sonhando, E quando mais no alto ando voando, Acordo do meu sonho... E não sou nada!...

    Presságio de Fernando Pessoa

    Play Episode Listen Later Oct 4, 2021 1:16


    Presságio de Fernando Pessoa declamado por Gus O amor, quando se revela, Não se sabe revelar. Sabe bem olhar pra ela, Mas não lhe sabe falar. Quem quer dizer o que sente Não sabe o que há de dizer. Fala: parece que mente… Cala: parece esquecer… Ah, mas se ela adivinhasse, Se pudesse ouvir o olhar, E se um olhar lhe bastasse Pra saber que a estão a amar! Mas quem sente muito, cala; Quem quer dizer quanto sente Fica sem alma nem fala, Fica só, inteiramente! Mas se isto puder contar-lhe O que não lhe ouso contar, Já não terei que falar-lhe Porque lhe estou a falar…

    Só de Olavo Bilac

    Play Episode Listen Later Sep 27, 2021 1:22


    Só de Olavo Bilac declamado por Mell Este, que um deus cruel arremessou à vida, Marcando-o com o sinal da sua maldição, Este desabrochou como a erva má, nascida Apenas para aos pés ser calcada no chão. De motejo em motejo arrasta a alma ferida... Sem constância no amor, dentro do coração Sente, crespa, crescer a selva retorcida Dos pensamentos maus, filhos da solidão. Longos dias sem sol! noites de eterno luto! Alma cega, perdida à toa no caminho! Roto casco de nau, desprezado no mar! E, árvore, acabará sem nunca dar um fruto; E, homem, há de morrer como viveu: sozinho! Sem ar! sem luz! sem Deus! sem fé! sem pão! sem lar!

    O guardador de rebanhos - Fernando pessoa

    Play Episode Listen Later Sep 20, 2021 2:06


    O guardador de rebanhos de Fernando pessoa declamado por Gus Eu nunca guardei rebanhos, Mas é como se os guardasse. Minha alma é como um pastor, Conhece o vento e o sol E anda pela mão das Estações A seguir e a olhar. Toda a paz da Natureza sem gente Vem sentar-se a meu lado. Mas eu fico triste como um pôr de sol Para a nossa imaginação, Quando esfria no fundo da planície E se sente a noite entrada Como uma borboleta pela janela. Mas a minha tristeza é sossego Porque é natural e justa E é o que deve estar na alma Quando já pensa que existe E as mãos colhem flores sem ela dar por isso. Como um ruído de chocalhos Para além da curva da estrada, Os meus pensamentos são contentes. Só tenho pena de saber que eles são contentes, Porque, se o não soubesse, Em vez de serem contentes e tristes, Seriam alegres e contentes. Pensar incomoda como andar à chuva Quando o vento cresce e parece que chove mais. Não tenho ambições nem desejos Ser poeta não é uma ambição minha É a minha maneira de estar sozinho. E se desejo às vezes Por imaginar, ser cordeirinho (Ou ser o rebanho todo Para andar espalhado por toda a encosta A ser muita cousa feliz ao mesmo tempo), É só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol, Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz E corre um silêncio pela erva fora.

    Egito de Francisca Júlia

    Play Episode Listen Later Sep 16, 2021 1:33


    Egito de Francisca Júlia declamado por Mell No ar pesado, nenhum rumor, o menor grito; Nem no chão calvo e seco o mais pequeno adorno; Um velho ibe somente arranca um raro piorno Que cresce pelos vãos das lájeas de granito. A aura branda, que vem do deserto infinito, Arrepia, ao de leve, a água do Nilo, em torno. Corre o Nilo, a gemer, sob um calor de forno Que, em ondas, desce do alto e invade todo o Egito. Destacando na luz, agora o vulto absorto De um adelo que passa, em caminho da feira, Dá mais um tom de mágoa ao vasto quadro morto. Bate na areia o sol. E, num sonho tranqüilo, Pompeia, ao largo, a alvura uma barca veleira, A tremer, a tremer sobre as águas do Nilo.

    Amor que morre de Florbela Espanca

    Play Episode Listen Later Sep 6, 2021 1:15


    Amor que morre de Florbela Espanca Declamado por Mell O nosso amor morreu... Quem o diria! Quem o pensara mesmo ao ver-me tonta. Ceguinha de te ver, sem ver a conta Do tempo que passava, que fugia! Bem estava a sentir que ele morria... E outro clarão, ao longe, já desponta! Um engano que morre... e logo aponta A luz doutra miragem fugidia... Eu bem sei, meu Amor, que pra viver São precisos amores, pra morrer E são precisos sonhos pra partir. Eu bem sei, meu Amor, que era preciso Fazer do amor que parte o claro riso Doutro amor impossível que há de vir!

    A Florista de Francisca Júlia

    Play Episode Listen Later Aug 30, 2021 1:16


    A Florista - Francisca Júlia Declamado por Gus Suspensa ao braço a grávida corbelha, Segue a passo, tranqüila... O sol faísca... Os seus carmíneos lábios de mourisca Se abrem, sorrindo, numa flor vermelha. Deita à sombra de uma árvore. Uma abelha Zumbe em torno ao cabaz... Uma ave, arisca, O pó do chão, pertinho dela, cisca, Olhando-a, às vezes, trêmula, de esguelha... Aos ouvidos lhe soa um rumor brando De folhas... Pouco a pouco, um leve sono Lhe vai as grandes pálpebras cerrando... Cai-lhe de um pé o rústico tamanco... E assim descalça, mostra, em abandono, O vultinho de um pé macio e branco.

    Amor Algébrico - Euclides da Cunha

    Play Episode Listen Later Aug 23, 2021 1:27


    Amor Algébrico de Euclides da Cunha Acabo de estudar – da ciência fria e vã, O gelo, o gelo atroz me gela ainda a mente, Acabo de arrancar a fronte minha ardente Das páginas cruéis de um livro de Bertrand. Bem triste e bem cruel decerto foi o ente Que este Saara atroz – sem aura, sem manhã, A Álgebra criou – a mente, a alma mais sã Nela vacila e cai, sem um sonho virente. Acabo de estudar e pálido, cansado, Dumas dez equações os véus hei arrancado, Estou cheio de spleen, cheio de tédio e giz. É tempo, é tempo pois de, trêmulo e amoroso, Ir dela descansar no seio venturoso E achar do seu olhar o luminoso X. Declamado por Gilles

    Aniversário de Fernando Pessoa

    Play Episode Listen Later Aug 16, 2021 3:02


    Aniversário de Alvaro de Campos - Poema declamado por Mell No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, Eu era feliz e ninguém estava morto. Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos, E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer. No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma, De ser inteligente para entre a família, E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim. Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças. Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida. Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo, O que fui de coração e parentesco. O que fui de serões de meia-província, O que fui de amarem-me e eu ser menino, O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui… A que distância!… (Nem o acho…) O tempo em que festejavam o dia dos meus anos! O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa, Pondo grelado nas paredes… O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas), O que eu sou hoje é terem vendido a casa, É terem morrido todos, É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio… No tempo em que festejavam o dia dos meus anos… Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo! Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez, Por uma viagem metafísica e carnal, Com uma dualidade de eu para mim… Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

    Vencedor de Augusto dos Anjos

    Play Episode Listen Later Aug 9, 2021 1:12


    Vencedor de Augusto dos Anjos Toma as espadas rútilas, guerreiro, E à rutilância das espadas, toma A adaga de aço, o gládio de aço, e doma Meu coração – estranho carniceiro! Não podes?! Chama então presto o primeiro E o mais possante gladiador de Roma. E qual mais pronto, e qual mais presto assoma Nenhum pôde domar o prisioneiro. Meu coração triunfava nas arenas. Veio depois um domador de hienas E outro mais, e, por fim, veio um atleta, Vieram todos, por fim; ao todo, uns cem… E não pôde domá-lo, enfim, ninguém, Que ninguém doma um coração de poeta! Declamado por Gilles

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