Taverna do Lugar Nenhum

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O intuito desse podcast é falar sobre assuntos que me interessam, fomentar discussões diversas e também conhecer pessoas que compartilham dos mesmos interesses que eu. Os temas aqui serão livres pretendo falar de livros, filmes, comportamento, cultura, quadrinhos, política, religião e o que vier na telha.

Gabriel Vince


    • Apr 6, 2025 LATEST EPISODE
    • every other week NEW EPISODES
    • 35m AVG DURATION
    • 105 EPISODES


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    Latest episodes from Taverna do Lugar Nenhum

    Machado de Assis, As Memórias Póstumas de Brás Cubas e as Mentiras que Contamos para Nós Mesmos

    Play Episode Listen Later Apr 6, 2025 37:09


    Somente um autor defunto — isto é, liberto das convenções sociais, imune às críticas da imprensa, já sem dívidas, sem contas a prestar ao mundo nem ao espelho — pode ser plenamente honesto. Um vivo hesita, mede palavras, alisa reputações. Um morto, porém, escreve com a tranquilidade de quem já não precisa ser perdoado, aplaudido ou sequer lido.Essa é a premissa de Memórias Póstumas de Brás Cubas, obra em que Machado de Assis comete a ousadia de dar voz a um cadáver. Um cadáver articulado, reflexivo, perspicaz, cínico e sincero.Ao longo do livro, Brás Cubas revela o que todos suspeitam, mas poucos admitem: que a narrativa é um artifício, uma corda bamba estendida entre o real e o desejado, entre a lembrança e a invenção. Um pêndulo que oscila entre a verdade que se insinua e a mentira que se assume com elegância. Anuncio que este é provavelmente o primeiro de vários episódios que farei sobre a obra. E sim, apareço com meus bigodes.

    A Igreja do Diabo de Machado de Assis, Ayn Rand, Anton Lavey e a Inevitável Ridicularização do Satanismo

    Play Episode Listen Later Apr 5, 2025 20:53


    Neste podcast eu falo sobre o conto A Igreja do Diabo de Machado de Assis, puxando o fio da seu quase profética antecipação do que viria ser a famigerada "Igreja de Satã" de Anton Lavey - que é, basicamente, uma versão circense da filosofia de Ayn Rand.

    A Mosca de David Cronenberg (1986) - Body Horror, Humanidade, Animalidade, Metamorfose e Filosofia

    Play Episode Listen Later Jan 27, 2025 25:31


    A Mosca acompanha a progressiva bestialização do personagem principal, e é justamente nossa capacidade de acompanhá-lo em seu sofrimento que Cronenberg torna explícito o fato de quem até o último momento, a criatura ainda conserva seu quinhão de humanidade. Essa preservação da humanidade é fundamental, pois, sem ela, o impacto dramático do filme perderia sua efetividade — especialmente no final, quando vemos uma criatura tão grotesca que não se parece nem com uma mosca, nem com um homem. Ser humano não é, necessariamente, parecer humano. De acordo com Aristóteles, São Tomás de Aquino, Heidegger e Deleuze, a distinção entre o humano e o animal remete a um território ontológico. Ser humano, afinal, é uma condição metafísica que vai muito além de sua mera tradução corporal. Sob a monstruosidade da criatura, no amontoado de células e no corpo doente e decadente do personagem, há um sofrimento que não é apenas físico, mas existencial. Por isso, a última cena de A Mosca não é catártica, mas profundamente triste. Obviamente, não podemos cair no erro “cátaro” da dispensabilidade do corpo. O corpo desempenha um papel fundamental. Existe uma leitura que vê A Mosca como uma metáfora para a epidemia da AIDS. Segundo o próprio Cronenberg, o filme seria uma metáfora para o envelhecimento. Tanto a AIDS quanto o envelhecimento envolvem uma transformação corpórea que resulta, igualmente, em uma transformação de identidade, por meio da violação da integridade corporal. A integridade corporal é um componente importante na percepção de mundo. Quando consideramos a metamorfose como uma deformação estrutural, devemos perceber que a estrutura também influencia o conteúdo, pois forma e conteúdo não são completamente indissociáveis. O personagem é trágico porque, apesar de tudo, é humano — independentemente de seu grau de metamorfose, mutação ou deformidade. Podemos afirmar que toda a vida humana é metamorfose: do óvulo ao feto, do bebê à criança, da adolescência à idade adulta e, então, o longo declínio para a velhice, a enfermidade e, finalmente, o cadáver em rápida decomposição. Apesar disso, não há distinção ontológica entre essas fases. https://tavernadolugarnenhum.com.br/resenha/a-mosca/

    Reflexões sobre o Grotesco

    Play Episode Listen Later Jan 19, 2025 42:10


    Leia mais sobre as minhas opiniões sobre a série Guinea Pig no Taverna do Lugar Nenhum: https://tavernadolugarnenhum.com.br/categoria_resenha/filmes/franquias/guinea-pig/

    A Substância - Body Horror e Dissociação

    Play Episode Listen Later Jan 1, 2025 21:18


    Que 2025 seja um ano de transformação, mas nem tantas. Decidi começar logo o ano com o primeiro podcast (que já tinha gravado ano passado e não tinha publicado), que fala sobre o filme The Substance, de Coralie Fargeat (um nome que, por sinal, eu pronuncio errado em todas as vezes no episódio). Eu gostei do filme, mas não pelos motivos pelos quais a maioria das pessoas gostou - e desgostei de algumas coisinhas que resolvi não falar. Enquanto todos enxergaram uma história sobre dismorfia corporal, eu vi um filme sobre dismorfia corporal e dissociação de personalidade. Elizabeth Sparke e Sue são ao mesmo tempo a mesma pessoa e pessoas distintas, são adversárias e co-dependentes. A relação entre elas se torna a vontade lascívia de atenção (Sue) parasitando a pessoal real (Elizabeth) a ponto de deforma-la. Quanto mais parasita, mais deforma. Muitos mencionaram as referências a Cronenberg, mas eu também percebi referências a Cronenberg e Akira, de Katsuhiro Otomo. E agora, pensando bem, o filme também remete a Tetsuo, de Shinya Tsukamoto, e 964 Pinocchio, de Shozin Fukui — talvez eu devesse ter comentado isso. Quando tentam, mais uma vez, se fundir em uma só, se transformam em uma aberração mal-ajambrada, formada por partes que não deveriam estar onde estão. Texto completo: https://tavernadolugarnenhum.com.br/resenha/a-substancia/

    A Não Verbalidade do Pensamento e o Pensamento Matemático segundo Roger Penrose

    Play Episode Listen Later Dec 30, 2024 26:25


    Você já deve ter ouvido falar sobre a importância da linguagem no pensamento. Essa é uma tese comum entre estudantes de humanas e filosofia. Aliás, é quase lógico pensar assim, pois, quando pensamos, a maioria de nós usa a linguagem para tal. Pensemos no enigma de Kaspar Hauser, o garoto que ficou isolado por um longo período e não conseguiu desenvolver a linguagem. Embora possamos abordar esse enigma sob a ótica da importância da linguagem como fator socializador, também podemos refletir sobre sua relevância para a construção da própria identidade. Afinal, perguntamos quem somos, de onde viemos e para onde vamos por meio da linguagem – e é através dela que buscamos respostas a essas questões. Mais do que isso, pensemos no próprio ato de pensar. Não estaríamos, o tempo todo, verbalizando frases em nossos pensamentos? O pensamento, afinal, seria uma atividade verbal? Em seu livro A Mente Nova do Imperador, Roger Penrose não descarta a importância da verbalização (especialmente no campo da filosofia), mas discorda da ideia de que é possível pensar apenas de forma verbal. A verbalização não é necessária para o pensamento. Leia mais aqui: https://tavernadolugarnenhum.com.br/filosofia/autores/roger-penrose/a-mente-nova-do-imperador/a-nao-verbalidade-do-pensamento/

    A Briga entre Arthur Petry, Tiago Carvalho e a Comunicação

    Play Episode Listen Later Nov 10, 2024 34:54


    Vamos comentar um pouco sobre a conturbada saida do Tiago Carvalho da Saco Cheio TV.

    Transhumanismo: Antihumanismo, Religiões Biônicas e o "Admirável Mundo Novo"

    Play Episode Listen Later Oct 5, 2024 69:28


    No final do século XIX, um asceta ortodoxo russo chamado Nikolai Fedorov foi inspirado pelo darwinismo para argumentar que os humanos poderiam direcionar sua própria evolução para trazer a ressurreição. Segundo ele, até este ponto, a seleção natural tinha sido um fenômeno aleatório, mas agora, graças à tecnologia, os humanos podiam intervir neste processo. Invocando profecias bíblicas, ele escreveu: "Este dia será divino, impressionante, mas não milagroso, pois a ressurreição será uma tarefa não de milagre, mas de conhecimento e trabalho comum." Essa teoria foi levada para o século XX por Pierre Teilhard de Chardin, um padre jesuíta francês e paleontólogo que, como Fedorov, acreditava que a evolução levaria ao Reino de Deus. Em 1949, Teilhard propôs que no futuro todas as máquinas seriam conectadas a uma vasta rede global que permitiria que as mentes humanas se fundissem. Com o tempo, essa unificação da consciência levaria a uma explosão de inteligência – o "Ponto Ômega" – permitindo que a humanidade "rompesse a estrutura material do Tempo e Espaço" e se fundisse perfeitamente com o divino. Os transumanistas, geralmente ateus, normalmente reconhecem Teilhard e Fedorov como precursores de seu movimento, mas o contexto religioso de suas ideias raramente é mencionado ou creditado - embora, a todo momento, tudo o que a religião fornecia (mesmo na sua forma herética, gnóstica ou heterodoxa) fosse prontamente substituído por um pretenso equivalente científico. Para se afastar de sua raiz esotérica, ocultista, religiosa, cristã, gnóstica - a maioria dos adeptos do movimento atribui o primeiro uso do termo transumanismo, no sentido que eles de fato desejam comunicar, a Julian Huxley, o eugenista britânico e amigo próximo de Teilhard que, na década de 1950, expandiu muitas das ideias do padre em seus próprios escritos - embora tenha se esforçado para afastar qualquer pista religiosa para soar relevante entre a academia. Durante duas décadas, o trasnhumanismo era tido como uma ideia marginal, até ressurgir com força nos anos 80 em São Francisco entre um grupo de pessoas da indústria de tecnologia com uma veia libertária. Eles inicialmente se autodenominavam extropianos e se comunicavam por meio de boletins informativos e em conferências anuais. Desde então, foram criados jornais, institutos, ONGs e organizações educacionais destinadas a juntar pensadores transumanistas e espalhá-los pelas diversas áreas do conhecimento humano: inteligência artificial, nanotecnologia, engenharia genética, robótica, exploração espacial, memética e a política e economia. O movimento foi ganhando destaque não apenas no meio acadêmico, mas também entre empresários e entusiastas da tecnologia. Russel Kurzweil foi um dos primeiros grandes pensadores a trazer essas ideias para o mainstream e legitimá-las para um público mais amplo. Sua ascensão em 2012 para um cargo de diretor de engenharia no Google, anunciou, para muitos, uma fusão simbólica entre a filosofia transhumanista e a influência de grandes empresas de tecnologia. Os transhumanistas hoje exercem enorme poder no Vale do Silício — empreendedores como Elon Musk e Peter Thiel se identificam como crentes desta "nova religião" — onde fundaram think tanks como a Singularity University e o Future of Humanity Institute. As ideias propostas pelos pioneiros do movimento não são mais reflexões teóricas abstratas, mas estão sendo incorporadas em tecnologias emergentes em organizações como Google, Apple, Tesla e SpaceX. O que torna o movimento transumanista tão sedutor é que ele promete restaurar, por meio da ciência, as esperanças transcendentes que a própria ciência obliterou. Os transumanistas não acreditam na existência de uma alma, mas também não gostariam de soar como materialistas estritos. Deus na Maquina: Transhumanismo, Antihumanismo e Religiões Biônicas https://tavernadolugarnenhum.com.br/filosofia/deus-na-maquina-transhumanismo-antihumanismo-e-religioes-bionicas/

    Sobre poética védica, upanishads e esse podcast

    Play Episode Listen Later Sep 27, 2024 35:08


    Aqui eu falo sobre a evolução dos textos sagrados na Índia e sobre o que é o Taverna do Lugar Nenhum.

    A Tragédia de Belladonna e a Tragédia Redentora da Revolução Francesa

    Play Episode Listen Later Aug 14, 2024 61:50


    A Tragédia de Belladonna é um filme de animação japonesa do gênero drama erótico, realizado e escrito por Eiichi Yamamoto, baseado na obra La Sorcière do autor francês Jules Michelet. É o terceiro e último filme da trilogia Animerama, voltada para adultos da Mushi Production, seguindo Mil e Uma Noites (1969) e Cleopatra (1970). Embora seu lançamento inicial tenha sido um fracasso comercial e tenha levado o estúdio à falência, o filme se tornou um cult ao longo dos anos. O filme é notável por suas imagens eróticas, religiosas, violentas e psicodélicas, abordando temas como misoginia, opressão feudal, depravação moral, rebelião e caça às bruxas. Leia mais aqui

    Sobre a Cosmogonia Védica

    Play Episode Listen Later Aug 7, 2024 33:52


    Os hinos védicos apresentam diversas cosmogonias. No entanto, quatro tipos específicos de cosmogonias parecem ter apaixonado os poetas e teólogos védicos. Temos a Criação pela fecundação das águas originais, a Criação pelo despedaçamento de um gigante primordial, a Criação a partir da unidade-totalidade, simultaneamente ser-não ser, e a Criação pela separação do Céu e da Terra. Leia mais aqui.

    Tudo Sobre Lily Chou Chou - Crime, Drama, Música e Bullying no Japão

    Play Episode Listen Later Jul 29, 2024 47:06


    Tudo sobre Lily Chou Chou é um filme japonês de 2001 escrito e dirigido por Shunji Iwai que conta a história de vários estudantes ao longo de sua adolescência. O filme se ambienta no começo dos anos 2000, onde a cultura das redes sociais ainda estava embrionária, sendo manifesta nos famosos chats e salas de bate-papo online. Além dos problemas, a vida desses adolescentes são permeados por uma enigmática artista chamada Lily Chou-Chou que, que vai conectar todos os personagens do filme (sendo os principais Shūsuke Hoshino e Yūichi Hasumi), se tornando o ponto convergente entre todos eles. Temos aqui um típico filme “coming-of-age”, que mostra um painel confuso e fragmentado de vidas de adolescentes que se entrelaçam e se conectam, onde autodescoberta e a descoberta do outro se intensificam numa necessidade contraditória autoafirmação de identidade com necessidade de pertencimento, além das estimulantes e traumáticas descobertas do desejo sexual. Tudo isso numa época em que a cultura digital ainda nascente. Leia mais sobre o filme aqui: https://tavernadolugarnenhum.com.br/resenha/tudo-sobre-lily-chou-chou/

    Yoshihiro Tatsumi e o Drama do Autor

    Play Episode Listen Later Jul 12, 2024 29:26


    Yoshihiro Tatsumi, através de seu alter ego Hiroshi Katsumi, narra sua vida como escritor de mangá em Osaka nos anos 50 e seus desafios para conciliar estudos, trabalho, puberdade, família, vocação artística e negócios em um país que tentava se recuperar dos destroços da guerra, enquanto também buscava reconciliar identidade, orgulho, prosperidade econômica, tradição e modernidade. O Japão estava “à deriva”, assim como Hiroshi, e Hiroshi estava “à deriva”, como qualquer pessoa. O leitor deste mangá, ao terminar a leitura e olhar ao seu redor, sentirá a mesma náusea de um barco à deriva no meio do oceano, sendo levado pelas ondas em direção a um destino incerto. O mais importante desta obra é mostrar as coisas como são, sem tentar transmitir uma “mensagem” ou oferecer algum ensinamento. Um dos piores males do mundo moderno é ter destruído o senso de hierarquia e nivelado o homem comum ao sacerdote. Quase todo mundo tem um bom conselho para qualquer situação. O homem comum perdeu a capacidade de ser sincero, de assumir não saber lidar com as coisas e de se sentir à deriva.

    Testando o Teste de Turing

    Play Episode Listen Later Jul 8, 2024 26:04


    As máquinas historicamente se tornaram extensões de nossa musculatura e expandiram basicamente todas as nossas possibilidades físicas. Através delas, conseguimos migrar em questão de dias de um lado do planeta ao outro, ou mesmo sair da Terra. Conseguimos demolir montanhas e até criá-las novamente em outros lugares. Desbravamos os mares, mudamos o curso dos rios, nadamos com as baleias e até voamos com os pássaros. A última fronteira a ser quebrada seria a nossa própria mente, e essa possibilidade parecia adormecida até a chegada dos computadores. Quando os computadores chegaram, trazendo consigo toda a sua noção avançada de processamento, armazenamento de dados, memória e velocidade de resposta, todo o nosso imaginário pareceu se configurar no mesmo instante – enquanto crescia em nós um misto de esperança e medo. Veja mais aqui: https://tavernadolugarnenhum.com.br/filosofia/autores/roger-penrose/a-mente-nova-do-imperador/testando-o-teste-de-turing/

    Roger Penrose e os equivocos no debate sobre Inteligência Artificial

    Play Episode Listen Later Jul 4, 2024 16:50


    Segundo Roger Penrose (Nobel de Física em 2020, para quem gosta de validação de autoridade acadêmica), toda essa discussão sobre os “perigos dos avanços da inteligência artificial” e a possibilidade dessa “inteligência” substituir a mente humana não passa de alarmismo vulgar, alimentado por muita ficção científica e pouca ciência e filosofia. Não que figuras importantes da ciência não defendessem tal possibilidade distópica, onde as máquinas poderão nos copiar, nos substituir, nos eliminar e prevalescer sobre a Terra. Autores como Marvin Minsky, pioneiro na inteligência artificial, consideram nossa mente como “computadores feitos de carne” e, como tal, seria perfeitamente possível pensar que toda nossa percepção de beleza, humor, consciência e livre-arbítrio poderiam emergir naturalmente de robôs eletrônicos com comportamento algorítmico suficientemente complexo. O grande problema de nossos tempos é que muitas vezes bons cientistas não produzem boa filosofia e bons filósofos não entendem de ciência. E ambos já não produzem nenhuma especulação mística ou religiosa, pois o pensamento religioso foi caricaturado numa interpretação vulgar de “dogma” (mas isso é outro assunto). Os filósofos da ciência, como John Searle, parecem, a princípio, os mais qualificados para responder a autores como Minsky, ao afirmar com bastante lucidez que computadores não são essencialmente diferentes de calculadoras mecânicas que operam com rodas, alavancas ou qualquer outra coisa capaz de transmitir sinais. Um computador, por mais avançado que seja, “entende” suas operações tal como um ábaco. Leia mais aqui.

    Mircea Eliade, Chesterton e a Caverna Sagrada

    Play Episode Listen Later Jul 1, 2024 10:12


    Os documentos etnográficos mais importantes e numerosos da pré-história estão nas cavernas, nas artes rupestres. O que intriga pesquisadores como Leroi Gourhan é que essas artes possuem uma extraordinária unidade de conteúdo artístico e temático. Na arte rupestre, há uma predominância de representações de animais: ursos, leões, lobos ou tigres crivados de flechas, além de cervos, corujas, bisões e camurças. Era também nas cavernas que ocorriam os nascimentos, pois eram lugares seguros, vistos e celebrados como verdadeiros santuários. Essa imagem pode passar despercebida para a maioria das pessoas, mas certamente não escapava aos homens de curiosidade mística. Leia mais.

    Os Ritos Funcionários e a Transcendência segundo Mircea Eliade

    Play Episode Listen Later Jun 28, 2024 11:37


    É um consenso científico que o dia do homem paleolítico era alternado entre tentar se alimentar e procurar abrigo. Basicamente, qualquer esforço adicional a essa rotina poderia ser fatal e colocá-lo em risco. O homem nessas condições extremas deveria se reduzir ao que é eficiente e utilitário. Nem um alimento poderia ser desperdiçado; nenhuma energia deveria ser gasta em vão. No entanto, o que sempre intrigou os estudiosos é a descoberta de que o homem paleolítico, de Chu-ku-tien até a costa ocidental da Europa, na África até o cabo da Boa Esperança, na Austrália, na Tasmânia, na América até a Terra do Fogo, se preocupava com ritos funerários. De um ponto de vista prático, o abandono puro e simples de corpos em matagais seria o esperado. Veja mais.

    Ryo Fukui, Jazz e Algorítimo

    Play Episode Listen Later Jun 25, 2024 29:37


    Ryo Fukui foi um pianista de jazz japonês que marcou profundamente o cenário musical, especialmente no Japão. Sua jornada musical começou com a aprendizagem do acordeão aos 18 anos, mas foi aos 22 que ele decidiu embarcar na aventura de aprender piano por conta própria, mudando-se para Tóquio. Durante esse período, Fukui teve encontros fortuitos com o saxofonista Hidehiko Matsumoto, que ofereceu valioso incentivo e orientação ao jovem pianista. Apesar dos desafios e momentos de desânimo, Fukui perseverou, aprimorando suas habilidades e moldando seu próprio estilo. Fukui, como muitos em seu país, se apaixonou pelo jazz após o término da Segunda Guerra Mundial. Enquanto o resto do mundo começava a esquecer o jazz como música popular, o Japão permaneceu completamente engajado com o gênero naquilo que ele originalmente era: um rítmo baseado em swing. Esse interesse pelo swing é fundamental para entender o Japão como um lugar do renascimento do jazz  enquanto música popular, enquanto nos Estados Unidos o gênero se tornava mais complexo e abstrato, afastando-se do público em geral. Nada contra essa evolução, pois trouxe inovações incríveis à música, mas o jazz estava gradualmente se tornando mais acadêmico, enquanto a popularidade fluía para gêneros como funk e rock and roll. Leia mais aqui: https://tavernadolugarnenhum.com.br/musica/jazz/ryo-fukui-e-um-pouco-da-historia-do-jazz-no-japao/ Críticas do disco de Ryo Fukui: https://tavernadolugarnenhum.com.br/categoria_resenha/musica/jazz/jazz-japones/ryo-fukui/

    Ghost in the Shell: Budismo, Filosofia e Gnose

    Play Episode Listen Later Jun 20, 2024 31:07


    Gilbert Ryle introduziu o conceito do “fantasma na máquina” em seu livro “O Conceito da Mente”, de 1949. O autor argumenta que a “mente” é uma “ilusão filosófica” vinda principalmente de René Descartes, sustentada por erros lógicos e conceituais. No capítulo “O Mito de Descartes”, Ryle apresenta “o dogma do fantasma na máquina” para descrever o conceito filosófico da “mente” como uma entidade separada do corpo, como se esta pudesse ser isolada dos “processos físicos”. Como filósofo linguístico, uma parte significativa do argumento de Ryle é dedicada a analisar o que ele percebe como erros baseados no uso conceitual da linguagem. Para ele, Descartes cometia um erro específico de categoria. Em “Ghost in the Shell”, Shirow Masamune faz uma espécie de revisão crítca do conceito de Ryle. Aqui, a parte mais significativa da existência se confunde com a mente num tecido intercambiável de informações, significados e consciência. Continue lendo aqui: https://tavernadolugarnenhum.com.br/ficcao-cientifica/cyberpunk/os-paradoxos-em-ghost-in-the-shell/

    Dica Musical: My Back Was a Bridge for You to Cross (Antony and the Johnsons, 2023) - Soul Experimental

    Play Episode Listen Later Jun 17, 2024 19:34


    “My Back Was a Bridge for You to Cross” é o quinto álbum de estúdio de “Anohni and the Johnsons” e o primeiro que ouço. Foi lançado em 2023 e co-produzido (também co-idealizado) por Jimmy Hogarth. O álbum aborda diversos temas, como preconceito e convulsão social em “It Must Change”, conservacionismo em “There Wasn't Enough” e memórias, como em “Sliver of Ice”, inspirada em uma conversa peculiar de Anohni com Lou Reed sobre “a beleza da água congelada”, semanas antes de sua morte em 2013. O que torna este álbum tão bom é que ele evita experimentações excessivas em favor de um estilo soul mais clássico. Não que o experimentalismo seja ruim, mas muitas vezes artistas alternativos como Anohni acabam sendo experimentais apenas para sinalizar uma afinidade pretensiosa com uma vanguarda vazia de sentido e efeito. O soul tradicional, em sua fórmula consagrada, já oferece as ferramentas necessárias de expressão – o que importa para um artista. Aqui, Anohni busca expressar, entre outras coisas, é sua admiração por Marsha P. Johnson, que figura a capa deste disco (e também o nome da banda). Leia mais aqui.

    Na Praia à Noite Sozinha (2017, Hong Sang-soo), Arte e Revisão

    Play Episode Listen Later Jun 11, 2024 21:34


    Na Praia à Noite Sozinha” é um drama sul-coreano de 2017, escrito, produzido e dirigido por Hong Sang-soo. O filme gira em torno de uma premissa central: Young-hee, uma atriz fracassada, vive o estresse de um relacionamento com um homem casado na Coreia. Na praia, ela se questiona se ele sente falta dela da mesma forma que ela sente falta dele. Esta foi a segunda vez que assisti ao filme. Na verdade, o revi por acaso. Não era minha intenção revisitá-lo; ele simplesmente apareceu novamente na minha lista e acabei assistindo. Não lembrava se já o tinha visto pelo título. A primeira vez que vi esse filme foi em uma mostra de cinema oriental, ao lado de uma ex-namorada. Na ocasião, achei o filme extremamente tedioso, assim como ela. A fotografia escura e os diálogos longos e triviais me deixaram entediado, e em vários momentos acabei adormecendo. Ao acordar, estava no meio de um diálogo, sem entender nada, o que me gerou ansiedade por não conseguir acompanhar a conversa. Leia a crítica completa do filme aqui.

    Sacerdotes, Guerreiros e Agricultores

    Play Episode Listen Later Jun 6, 2024 30:45


    A sociedade indo-europeia era dividida em três classes: sacerdotes, guerreiros e agricultores. A identidade religiosa era trifuncional: tínhamos a função da soberania mágica e jurídica, a função da força guerreira e, finalmente, as divindades da fecundidade e da prosperidade econômica. Os celtas repartiam a sociedade em druidas (sacerdotes, juristas), aristocracia militar (flait, literalmente “poder”, equivalente ao sânscrito “ksatra”) e homens livres (airig), possuidores de vacas (bó). A sociedade romana também seguia o mesmo modelo na ideia geral de uma organização trina, onde o mundo terreno era uma cópia da tríade capitolina celeste composta por Júpiter (cosmocrata jurídico), Marte (deus da guerra) e Quirino (deus das riquezas da terra). Entre os escandinavos, a mesma coisa: temos Odin, Thor e Freyr. Leia mais aqui.

    Old Boy (Park Chan-wook), Estética e Critérios da Crítica

    Play Episode Listen Later Jun 2, 2024 13:11


    Quando uma obra de arte é apresentada ao mundo, temos basicamente uma miríade de possibilidades de interagir com ela. Podemos enxergar nessa obra os subtextos ocultos e soterrados em sua forma. Identificamos, por exemplo, contexto histórico e político, comentários sociais, sinalizações biográficas, metáforas, entre outros símbolos. Como uma obra de arte é necessariamente também uma manifestação material, ela também se apresenta no campo estético, no qual as impressões e sentimentos se tornam o primeiro e mais importante impacto. Em suma, a experiência de consumir uma obra de arte é uma mistura de intelecções etéreas, percepções simbólicas e sensibilidade. Geralmente, quem apenas consome uma obra considerando apenas o filtro da sensibilidade, a estética pura, é rechaçado como parte de um público não sofisticado – e as próprias obras que se apresentam dessa forma são ignoradas como obras menores. Não é por acaso que filmes de terror são desprezados pela academia, onde o apelo estético e a experiência sensorial (no caso, do medo) são mais acentuados que o normal – na minha opinião, um puro preconceito intelectualóide infundado. O mesmo acontece com filmes de ação, nos quais a experiência de adrenalina é negligenciada nas análises e considerações mais significativas, pois, aparentemente, apenas atendem a um anseio escapista acrítico da sua audiência. No entanto, na minha opinião, o exagero e o apego a intelecções etéreas, percepções simbólicas e, principalmente, os exaustivos “comentários políticos”, podem refletir uma mediocridade intelectual tão acentuada quanto aquela de quem consome um produto apenas pelo que ele pode oferecer de distração. Neste caso, diferente da maioria dos jornalistas, não acho que quem consome Bacurau (por exemplo) é intelectualmente superior a quem consome qualquer produto enlatado da Marvel (para falar a verdade, acho até o contrário). Dentro dessas discussões, existem filmes como Old Boy. Leia mais aqui.

    O “revival” do paganismo e os seus limites

    Play Episode Listen Later May 27, 2024 46:17


    Esse podcast discute o renascimento do paganismo na Inglaterra, inspirado pelo filme "The Wicker Man" de 1973. Mircea Eliade para explicar que as mitologias indo-europeias são conhecidas por fragmentos heterogêneos. Antes do cristianismo, os europeus já haviam abandonado muitas tradições religiosas. Irônicamente, os cristãos preservaram muitos mitos pagãos ao tentar dialogar com os pagãos. O "resgate" moderno do paganismo é baseado em um conhecimento escasso e cristianizado e se assemelha mais a um evento de cosplay sem profundidade espiritual. Muitos elementos do paganismo contemporâneo são subprodutos da cultura cristã, não refletindo as tradições pagãs originais. Concorda? Discorda? Fique a vontade!

    O TAL MUNDO MODERNO

    Play Episode Listen Later Aug 16, 2023 52:32


    Podcast com reflexões sobre o mundo moderno, a tradição, o cristianismo e as noções de transcendencia e verdade.

    Necronomidol - Lovecraft, Black Metal, Darkwave, J-Pop e Dancinhas

    Play Episode Listen Later Aug 9, 2023 25:58


    Como o niilismo cósmico da literatura de Lovecraft entrou no mundo do Idol japonês, eu não faço a menor ideia. O Necronomidol é um grupo espantosamente eclético que mistura J-Pop, Darkwave, AOR e Black Metal (entre outros estilos) em músicas com temáticas lovecraftianas surpreendentemente aprofundadas e... dancinhas. Não sei bem por que isso deu certo, confira o programa e me ajude a entender.

    Akira Kurosawa (Parte 21): Velhice (Dersu Uzala e Madadayo)

    Play Episode Listen Later Aug 1, 2023 27:26


    Eis finalmente o último episódio da série de podcasts sobre a filmografia de Akira Kurosawa. Aqui eu falo de dois filmes: Dersu Uzala de 1975 e Madadayo de 1993, o último filme de Akira Kurosawa. Dersu Uzala" e "Madadayo" são filmes que abordam os temas crepusculares da velhice e do legado. Em "Dersu Uzala", acompanhamos a amizade entre o explorador russo Vladimir Arsenyev e o velho caçador Dersu Uzala. Apesar das diferenças culturais, eles desenvolvem um vínculo especial, e Dersu compartilha sua sabedoria sobre a natureza e a vida, enriquecendo a perspectiva de Vladimir. Já em "Madadayo", o professor Uchida Hyakken se aposenta após trinta anos lecionando literatura alemã para se dedicar à escrita. Seus ex-alunos o visitam todos os anos, demonstrando respeito e gratidão pelas lições ensinadas ao longo do tempo. Ambos os filmes nos convidam a refletir sobre a efemeridade da vida e a importância de valorizar o presente. A velhice é retratada como uma fase de transição, na qual experiências e conexões se tornam preciosas. Essas obras cinematográficas inspiram-nos a enxergar a velhice com maturidade, refletindo sobre nossa própria relação com o tempo e com a busca por uma vida valorizando aquilo que de fato importa. Espero que gostem.

    A Cama de Procusto e as Ideologias Modernas

    Play Episode Listen Later Jul 7, 2023 27:20


    Procusto é um famoso personagem da mitologia grega. Ele era um bandido que vivia em uma pousada na antiga Grécia e possuía uma cama de ferro. O nome Procusto deriva do verbo grego “prokrouo”, que significa “estender à força” ou “esticar”. A característica marcante de Procusto era seu método cruel de receber os viajantes. Quando alguém se hospedava em sua pousada, ele o convidava a deitar-se em sua cama de ferro. Se o viajante fosse menor do que a cama, Procusto o amarrava e esticava seus membros até que se adequassem ao tamanho da cama. Por outro lado, se o viajante fosse maior, Procusto cortava seus membros para que ele se encaixasse na cama. Em ambos os casos, a vítima sofria. Sob a luz desse mito, Ortega y Gasset vai nos revelar um pouco sobre a característica de algumas filosofias ou correntes de pensamento modernas. Ele começa, em seu livro “O que é a Filosofia?”, a desenhar a confusão da exatidão com suficiência. Segundo o filósofo, a diferença entre verdade científica e verdade filosófica é que a primeira é exata, mas insuficiente, enquanto a segunda é suficiente, mas não exata. Esse é um problema da incompletude de uma ideia humana sobre a realidade. Quando buscamos uma verdade, buscamos ela em sua plena exatidão e sua plena eficiência. Por isso mesmo foi muito tentador para o desenvolvimento do pensamento humano buscar uma ideia que conjugue tudo isso. Isso é o que algumas filosofias modernas tentam resolver ao se afirmarem tanto como verdade científica (considerando toda a história das ideias anteriores como utopia ou idealismo) quanto como verdade filosófica (considerando que toda filosofia anterior é a mera pavimentação para o surgimento da última – uma espécie de concepção messiânica que foi muito bem esclarecida por Eric Voegelin). O problema é que essas filosofias que buscam ser ao mesmo tempo verdades filosóficas e verdades científicas acabam não sendo nem uma coisa nem outra. Não que isso seja impossível, mas até agora o que vimos são filosofias que transitam num espaço intermediário e incerto entre as duas. Quando você pede para essas filosofias prestarem contas em um campo, logo elas se abrigam no outro. Os ideólogos dessas filosofias são como Procusto, que mutilam ou distorcem a realidade como se ela fosse o viajante da narrativa do mito, buscando conformar a realidade em “sua cama”. Leia mais aqui: https://tavernadolugarnenhum.com.br/miscelanea/a-cama-de-procusto-e-as-ideologias-modernas/

    Akira Kurosawa (Parte 20): Kagemusha - A Sombra de um Samurai

    Play Episode Listen Later Jul 4, 2023 31:59


    Apesar de não ser tão lembrado quanto outros filmes do mesmo estilo, como “Sete Samurais” e “Yojimbo“, “Kagemusha” recebeu um reconhecimento imediato e quase unânime da crítica mundial quando foi lançado, e até hoje é considerado um dos épicos de samurai mais majestosos, pictóricos e ambiciosos da história do cinema.

    Akira Kurosawa (Parte 19): Yojimbo e Sanjuro: Chanbara, Wester e Humor Negro

    Play Episode Listen Later Jun 21, 2023 26:47


    Um podcast sobre dois clássicos do cinema Chanbara de Akira Kurosawa. Yojimbo: O Guarda Costas é um filme de 1961 e Sanjuro é um filme de 1962. Ambos os filmes vieram na esteira de Sete Samurais (1954) e Fortaleza Escondida (1960) – filmes que se tornaram marcantes na faceta mais conhecida de Akira Kurosawa como diretor de épicos samurais. Estes filmes carregam algo único na carreira de Kurosawa não explorado em nenhum dos seus filmes com tanto vigor: o humor negro. Podcast disponível em todas as plataformas e inclusive no Youtube.

    Akira Kurosawa (Parte 18): A Fortaleza Escondida é mais importante que Sete Samurais

    Play Episode Listen Later Jun 5, 2023 19:30


    A Fortaleza Escondida é um filme de 1958 dirigido por Akira Kurosawa e estrelado por Toshiro Mifune e a belíssima Misa Uehara. Este filme é o que melhor representa o termo “subestimado”. Apesar de ser  um filme pouco lembrado, trata-se de um mais importantes filmes da história do cinema e está marcado para sempre como a principal influência de uma das obras mais importantes da cultura pop: Star Wars. Segundo George Lucas, A Fortaleza Escondida o influenciou em quase tudo criação do seu magnum opus, desde a narrativa da princesa perseguida (no caso, a princesa Leia) quanto pela técnica de contar o filme pela visão de dois personagens coadjuvantes com flertes cômicos (no caso, C-3PO e R2-D2). A história do filme se passa em um Japão castigado por uma intensa guerra entre clãs. Aqui, acompanhamos a saga dramática e cômica de dois camponeses: Tahei (interpretado por Minoru Chiaki) e Matashichi (interpretado por Kamatari Fujiwara). Esses dois personagens possuem uma relação difícil e ambígua entre si, sempre oscilando entre a amizade e a trapaça, entre a briga e a camaradagem. No filme, ambos estão fugindo da destruição causada por uma das batalhas dessa guerra de clãs. Durante a fuga, eles encontram o general Rokurota Makabe (interpretado por Toshiro Mifune), que está escoltando  a princesa Yuki (interpretada por Misa Uehara) junto com a sua corte e suas riquezas. Rokurota Makabe é um guerreiro habilidoso e um servo dedicado de Yuki (e isso, em uma sociedade sã e ordenada, não tem conotações ruins), que vive integralmente sua missão, com lealdade devota ao seu clã. A princesa Yuki é uma garota com um temperamento tempestuoso que muitas vezes pode ser confundido com impaciência, arrogância e altivez (o que seria natural de uma princesa). No entanto, ela possui impulsos muito fortes de bondade e empatia que são explícitos no filme. Os camponeses passam a acompanhar o general e a princesa, pensando em roubar o ouro. Rokurota, que já sabe dessas intenções, instrumentaliza essa ganância para que eles, sem saber, possam ajudar os nobres fugitivos com a carga. O grupo então segue seu caminho em território inimigo, buscando um lugar onde a princesa e o general possam reconstruir um exército para retomar suas terras perdidas. Se vocês perceberem, a história do filme se assemelha muito à de outro filme dirigido por Akira Kurosawa chamado “Os Homens que Pisaram na Cauda do Tigre“, que, por sua vez, é baseado numa peça de teatro Kabuki chamada “Kanjinchō“. Tanto este filme quanto “Os Homens que Pisaram na Cauda do Tigre” mostram que personagens como Rokurota e Benkei possuem um aspecto heróico e idealista, mas isso não os torna cegos para as maldades do mundo. Eles não são caricaturas quixotescas de idealistas ou sonhadores que vagam por um mundo que não mais os compreende. Eles estão plenamente conscientes da decadência do mundo e reconhecem que a reverência ao sagrado muitas vezes não tem relevância para algumas pessoas. Portanto, eles não se tornam manipuláveis e estão longe de ser ingênuos. Pelo contrário, eles utilizam a astúcia dos cínicos e manipuladores, que eles conhecem e mapeiam muito bem, para alcançar seus próprios objetivos. Existe aqui um sinal de respeito com a figura do herói tradicional que é muito bem vinda, especialmente nos dias de hoje onde até mesmo a religião é tida como algo próprio da infância da humanidade. Na verdade é o contrário. O homem que não vive pelo sagrado ou pelo ideal é o verdadeiro ingênuo. O homem que vive para servir algo maior que ele, como é o caso de Rokurota, é muito menos manipulável do que o homem que vive apenas pelas suas paixões. Eis aqui a moral Escondida na Fortaleza.

    Akira Kurosawa (Parte 17): Sete Samurais

    Play Episode Listen Later May 30, 2023 26:00


    "Sete Samurais" (Shichinin no Samurai) é um filme épico japonês lançado em 1954, dirigido por Akira Kurosawa. Considerado uma das obras-primas do cinema mundial, o filme combina elementos do cinema de samurai com questões sociais e humanas, explorando temas como honra, lealdade, coragem e sacrifício. A história se passa no Japão feudal do século XVI, durante um período de turbulência e violência. Um grupo de fazendeiros, cansados de serem constantemente saqueados por bandidos, decide contratar sete samurais para proteger sua aldeia. Esses samurais são liderados por Kambei Shimada, interpretado por Takashi Shimura, que se torna o personagem central do filme. O filme apresenta uma rica caracterização dos personagens, cada um com sua personalidade, motivações e habilidades únicas. Os sete samurais escolhidos para a missão são variados em termos de idade, experiência e bagagem pessoal. Eles representam diferentes facetas da cultura samurai, desde o ronin experiente até o jovem idealista. Ao longo do filme, os samurais treinam os fazendeiros para se defenderem contra os bandidos, enquanto também enfrentam desafios internos e dilemas morais. Kurosawa retrata habilmente as tensões entre os personagens, as interações sociais e as dificuldades enfrentadas em uma sociedade dividida por classes. Além de suas sequências de batalha intensas e emocionantes, "Sete Samurais" é um filme que explora profundamente a natureza humana. Kurosawa questiona os conceitos de honra, coragem e sacrifício, levando os personagens a se confrontarem com seus próprios valores e ações. O filme também aborda temas como a relação entre os guerreiros e os camponeses, a valorização do trabalho em equipe e a superação de diferenças para alcançar um objetivo comum. A direção de Kurosawa é brilhante, utilizando de forma magistral a composição visual, a narrativa e a montagem para criar uma experiência cinematográfica memorável. A cinematografia em preto e branco enfatiza os contrastes entre luz e sombra, enquanto a trilha sonora intensifica as emoções presentes no filme. "Sete Samurais" teve um impacto duradouro na história do cinema, influenciando muitos filmes subsequentes, tanto no Japão quanto no exterior. Sua abordagem humanista e sua capacidade de retratar a complexidade dos personagens e das relações sociais são características que o tornam um marco na filmografia de Akira Kurosawa e um clássico do cinema mundial. Mesmo décadas após o seu lançamento, "Sete Samurais" continua sendo amplamente apreciado e reverenciado, sendo um testemunho da maestria de Kurosawa como diretor e da relevância universal de suas histórias e mensagens. É um filme que captura a essência da condição humana e nos leva a refletir sobre questões atemporais, tornando-se uma obra-prima inesquecível do cinema.

    Akira Kurosawa (Parte 16): Akira Kurosawa e a Literatura Russa

    Play Episode Listen Later May 26, 2023 25:49


    Neste episódico comento sobre os filmes O Idiota  de 1951, baseado diretamente no romance de mesmo nome de Fiódor Dostoiévski, e Viver de 1952, baseado no livro A Morte de Ivan Ilitch de Tolstoi .

    Tudo é Religião

    Play Episode Listen Later May 22, 2023 11:12


    Nos séculos XIX e XX, havia uma impressão geral que a filosofia ficou esmagada, humilhada pelo imperialismo da física (como bem definiu José Ortega y Gasset) e apavorada pelo terrorismo intelectual dos laboratórios. A investigação da realidade, que era seu emprego por excelência, teve que ser dividida com outras áreas do conhecimento, que estavam ganhando corpo e se provando como axioma. Essas áreas estavam criando uma ponte de conexão visível entre teoria e experimento – algo que a filosofia nunca foi (e, talvez, nunca será) capaz de fazer com tanta precisão. Muitas vezes, a filosofia era até mesmo preterida em determinados assuntos que necessitavam uma validação concreta na realidade. Isso não é necessariamente ruim. Os filósofos precisaram se retrair um pouco tornaram-se mais humildes em suas pretensões, tal como eles obrigaram os teólogos e místicos. A filosofia, depois de supostamemte destronar a religião e a mitologia, parecia destronada pelas ciências naturais, passando a se ocupar quase exclusivamente na mera “teoria do conhecimento”. No entanto, a filosofia não apenas nunca desapareceu quanto também nunca se retraiu – assim como a religião. Fomos nós que nos tornarmos cegos para a assombrosa onipresença da filosofia e da religião em tudo que chamamos de saber, conhecimento e experiência. A filosofia e a religião são tão abrangente que não a notamos. Tudo passa por elas e tudo se define por elas. A filosofia é tão inescapável que até mesmo a pretensão de pensar sua inutilidade já é um ato filosofico. A religião vai além. Existe um homem alojado dentro de cada físico que, de bom grado ou ao seu contragosto, é magnéticamente atraído pelo impuslo de investigar as primeiras e enigmáticas causas de tudo. Se do ponto de vista histórico há uma impressão de que saímos da religião, passamos para filosofia e terminamos nas ciências naturais, apagando as pegadas dos passos anteriores ao longo do percurso. O homem reprimido dentro da matéria, ao longo da história e ainda hoje, percorre o sentido oposto: ele sai da matéria e caminha, pelo o espírito, em direção a Deus, acredite você Nele ou não. Antes da verdade científica se proclamar a última palavra no entendimento pleno da realidade, é necessário entender que os termos que a definem como “verdade” e como “ciência” foi lhe dada pela filosofia por empréstimo. A filosofia, por sua vez, pode até ser materialista ou ateia. No entanto, se a sua relação com a “sofia” (conhecimento) ainda for de “filo” (amizade), sua vocação ainda é magnetizada pelo entendimento que ainda opera na crença de que existe uma ordem oculta na realidade que precisa ser revelada ou resolvida pela razão. Se a filosofia não for baseada na crença de que há verdade e a mentira, o bem e o mal, o melhor e o pior – o binarismo essencial que percorre a religião por excelência, ela nem precisava existir. Em suma, tudo ainda se alimenta no seio místico da fé. Com maturidade, vemos que as ciências naturais ainda estão subordinadas à jurisdição filosófica e esta ainda está subordinada à jurisdição da teologia. Este texto foi inspirado pela leitura do livro “O Que é Filosofia” de José Ortega y Gasset.

    Akira Kurosawa (Parte 15) - Rashômon

    Play Episode Listen Later May 19, 2023 14:36


    Rashômon é um filme de 1950, dirigido por Akira Kurosawa, com roteiro de Shinobu Hashimoto e do próprio diretor, baseado em dois contos de Ryūnosuke Akutagawa (“Rashomon” e “Yabu no Naka”). A história se passa no Japão do século XI e temos como personagens principais um lenhador, um camponês e um sacerdote que se abrigam de uma forte tempestade nas ruínas do Portão de Rashomon. O Portão de Rashomon é uma estrutura histórica localizada em Kyoto. O portão pertencia ao antigo Palácio Imperial, construído no século VIII, e era uma das principais entradas do palácio. De acordo com a história de Ryunosuke Akutagawa, o Portão de Rashomon foi abandonado e se tornou um local de encontro para criminosos e desabrigados. Com a chuva demora para passar o sacerdote então, para passar o tempo, começou a contar sobre um julgamento no qual foi testemunha: a história um bandido que estuprara uma mulher e assassinara o marido dela. O lenhador, que estava nesse julgamento como depoente, dá a sua versão do que aconteceu. A história do filme se desenrola no conflito e no emaranhamento das diversas versões que são contadas da mesma história. Só no julgamento que é relatado na história, ouvimos quatro depoimentos conflitantes: a história na versão do bandido (que está sendo julgado), a história na versão da esposa estuprada, a história na versão do marido que morreu (e ouvimos a versão dele através de uma médium) e, por último, a versão do lenhador (que seria o depoente no julgamento por ter sido o primeiro a ter visto o corpo do marido depois do crime ter sido cometido, mas revela-se que ele também testemunhou o ato e omitiu isso no tribunal). Essa multiplicidade de versões dentro do mesmo acontecimento tornou o filme conhecido e até mesmo inaugurou  que seria conhecido como “efeito Rashomon”, um conceito que se refere à natureza subjetiva da percepção de um fato e à possibilidade de diferentes perspectivas sobre o mesmo evento serem igualmente válidas. Ou seja, o filme teve um impacto cultural tão indelével que seu próprio nome ganhou vida própria. O filme tem uma estrutura de narrativa não convencional que sugere a impossibilidade de obter a verdade sobre um evento quando há conflitos de pontos de vista. Ele foi referenciado por gerações de admiradores, a ponto de qualquer trabalho que incorpore uma estrutura de “narrador de flashback não confiável” acabará sendo comparado a ele. Rashômon revelou as maneiras pelas quais as pessoas veem o mundo e como elas projetam a realidade e moldam o passado ao seu próprio capricho. O filme ainda nos provoca ao apresentar, mas nunca responder qual seria a versão verdadeira do fato. Enfim, Rashomôn é um brilhante filme filosófico de Akira Kurosawa, construído como quebra-cabeça que coloca a memória e a percepção da verdade em suspeição – não entregando para nós as resoluções dos conflitos propostos.

    Civilização no imaginário cientificista – Reflexões sobre o quarto episódio da série “A Vida em Outros Planetas” (Netflix)

    Play Episode Listen Later May 15, 2023 21:10


    Há uma mini-série de ficção científica da Netflix que se chama “A vida em outros planetas”. Essa mini-série possui 4 episódios, cada uma fazendo a especulação sobre como seria a vida em 4 planetas: Atlas, Janus, Éden e Terra (não é a “Terra” que você está pensando, o nome do planeta em inglês está como “Terra” mesmo, e não “Earth” – não seria possível uma tradução para o português sem a ocorrência imediata desta confusão). O último episódio, “Terra”, é o mais interessante pois traduz ao máximo o que se tornou o sonho ocidental do imperialismo da física. Neste episódio, temos um planeta chamado Terra, cuja civilização é considerada extremamente avançada ao ponto de estar terraformando e colonizando outro planeta em seu sistema estelar. O episódio apresenta em seu exame principal a ideia de que as civilizações se configuram conforme sua capacidade de uso energético: ou seja, a série vocaliza uma perspectiva extremamente materialista. Marx dizia que a civilização é algo que ocorre na órbita da economia (a infraestrutura), os cientificistas dizem que a civilização é algo que ocorre na órbita da manipulação energética. É interessante notar como o episódio trata “Terra” como uma projeção desejável do futuro da humanidade. Os habitantes deste planeta venceram a morte e a desigualdade. Eles são tão evoluidos que perderam seus corpos, tendo feito bioengenharia de si mesmos como massas de tecido neural mantidas vivas dentro de tanques. Eles são tão evoluidos que são alimentados por nutrientes de plantas cultivadas e igualitariamente atendidos por robôs de sua própria criação, tornando-se, inclusive, biologicamente imortais. Os habitantes deste planeta também venceram o individualismo. Eles são tão evoluidos que suas mentes estão todas ligadas em uma única inteligência unificada e coletiva. Não há mais conflitos, todos são perfeitamente harmônicos. Também não há sinais de religião, cultura, poesia ou pensamento metafísico, pois toda sua sociedade está conformada apenas em alongar a vida indefinidamente e da forma mais otimizada e prazeroza possível. Em suma,  a percepção de uma “sociedade evoluida” em uma mente radicalmente cientificista e pragmática reduziu o conceito de “sociedade perfeita” numa espécie de cultura de fungos? Esse é o grande paradoxo da queda do pensamento ocidental: o abandono do Éden, do Valhala ou dos Campos Elíseos, para esse tipo de ambição estranha.

    Akira Kurosawa (Parte 14) - Akira Kurosawa e a Vocação Médica

    Play Episode Listen Later May 10, 2023 26:12


    Pra quem não sabe, o tema da vocação médica foi um dos interesses de Akira Kurosawa e resultou em 2 filmes: Duelo Silencioso (1949) e Barba-Ruiva (1965). Em Duelo Silencioso, acompanhamos o Dr. Kyoji Fujisaki (interpretado por Toshiro Mifune), um jovem médico idealista que contraiu sífilis durante o seu serviço na Segunda Guerra Mundial, ao cortar-se acidentalmente com uma lâmina contaminada enquanto realizava uma operação em um paciente infectado. Contaminado com esta doença infecciosa que, além de ser praticamente incurável, marca seu portador com um estigma social, Fujisaki volta para a clínica presidida por seu pai, em silêncio, tratando-se em segredo com Salvarsan (um medicamento para tratar sífilis). Fujisaki, também em silêncio, cancela o noivado com Misao, sua noiva há seis anos, sem explicação, pois não deseja que ela tenha que esperar vários anos até que ele se recupere (isso se ele se recuperar). O filme todo é baseado em Fujisaki sofrendo em silêncio, engolindo o choro, enquanto continua exercendo sua vocação médica - pois os pacientes são mais importantes. Costumo dizer que Duelo Silencioso é o filme mais cristão de Akira Kurosawa. O personagem principal (Dr. Fujisaki) encarna a ideia do homem que se coloca a serviço do próximo enquanto dissolve em consecutivos atos de autosacrifício baseado no amor. Todo filme é pautado na resignação marmórea de um homem que constantemente engole o choro da sua dor existêncial. Em Barba-Ruiva (1965) acompanhamos o desenvolvimento da relação entre um médico chamado Dr. Niide (apelidado como Barba-Ruiva e interpretado por Toshiro Mifune) e seu novo estagiário, um jovem arrogante e inteligente que ambiciona ser o médico das elites do país. Ambos são os únicos médicos em Koishikawa, um distrito de Edo marcado pela pobreza e pela doença. Os personagens são colocados em perspectivas opostas: um vê a medicina apenas como carreira, enquanto o outro vê a medicina como uma vocação humanística. Aos poucos, em contato com o sofrimento dos pobres e necessitados, o jovem rebelde vai se tornando mais parecido com Barba-Ruiva e começa a se afeiçoar ao local que antes odiava. O filme não apenas apresenta uma maravilhosa jornada de crescimento pessoal para o personagem principal, mas também é um dos melhores exemplos de filmes em que os personagens secundários possuem um peso dramático e narrativo igualmente importante. Muitas vezes, os personagens principais são utilizados apenas como meio de conectar outras histórias dentro do enredo – ou seja, são facilitadores de narrativas diegéticas dentro da narrativa do filme. Ao longo do filme, várias histórias paralelas são contadas através dos personagens moribundos, em que eles próprios são protagonistas de seus próprios universos. Vale pontuar que O Barba-Ruiva é um filme baseado numa coleção de contos de Shugoro Yamamoto de 1959 chamado Akahige Shinryōtan. Por isso a necessidade do filme se ramificar em várias histórias. No entanto, as fontes literárias deste filme se diversificam. A subtrama envolvendo a jovem Otoyo (interpretada por Terumi Niki), que é resgatada de um bordel, é baseada num romance chamado Humilhados e Ofendidos de Fiódor Dostoiévski. Em resumo, trata-se de um dos melhores filmes de Akira Kurosawa. Inclusive, no Japão, já foi considerado o magnum opus do diretor.

    Akira Kurosawa (Parte 13) - Akira Kurosawa e o Trauma Nuclear

    Play Episode Listen Later May 5, 2023 35:06


    Neste episódio eu analiso os filmes Anatomia do Medo (1955) e Rapsódia em Agosto (1991), dois filmes que compartilham do mesmo tema: o trauma nuclear. “Anatomia do Medo” é um retrato expressivo e cáustico da loucura e da guerra na perspectiva de um homem que se tornou paranóico com a possibilidade de um novo ataque nuclear no Japão. Em vários momentos do filme, somos convidados a repensar a própria questão da loucura no personagem principal – se ela é ou não justificada, dada a experiência muito real de devastação nuclear que o Japão passou. Rapsódia em Agosto apresenta uma reflexão delicada sobre memória e reconciliação com o passado, mesmo que se tenha que revisitar eventos traumáticos. Kurosawa se serve da história da personagem principal para fazer uma poderosa análise do holocausto nuclear e de seus efeitos sobre a sociedade japonesa e apresenta-nos uma sincera reflexão sobre o choque entre o presente e o passado.

    O Problema do "Hoje" - Progressismo e Conservadorismo a luz da leitura de José Ortega y Gasset

    Play Episode Listen Later May 1, 2023 26:45


    José Ortega y Gasset no segundo capítulo de “O que é Filosofia” começa se questionando sobre as mudanças constantes do pensar filosófico, político e artístico ao longo dos tempos. Para o filósofo, essa “constante inconstância” tem uma explicação que historiadores, segundo ele, costumam não dar muita importancia: a ideia de geração. Não que os historiadores ignorassem, mas não davam a devida atenção que o filosofo achava necessário. Avaliar a ideia de geração como instrumento de compreensão das dinamicas internas do processo histórico foi ventilada não apenas por Jose Ortega y Gasset (filósofo), mas por Wilhelm Pinder (historiador da arte), Julius Petersen (historiador da literatura) e Karl Mannheim (sociólogo). A ideia de geração para Ortega y Gasset é importante pois, para ele, para que algo importante mude no mundo, é preciso que antes mude o tipo de homem (no sentido amplo e generalizado de “humanidade”) - pois é deste que sai a história. Ortega y Gasset complexifica a questão da geração pois a coloca o contexto da sua existência num necessário conflito, quando analisado no recorte do “hoje”. O “hoje” é algo muito mais complexo do que se imagina e é através dele que, pelo menos parcialmente, explicamos a “constante inconstância” do ser humano. Para Ortega y Gasset, todo “hoje” envolve, a rigor, três tempos distintos, três “hoje” diferentes, devido a coexistência de três gerações vivendo no mesmo espaço: os jovens, os homens maduros e os velhos. São três grandes dimensões vitais que convivem alojadas nesse mesmo “hoje”, enredadas umas com as outras e, ao serem diferentes, necessariamente coexistem em essencial hostilidade. O rapaz, o homem maduro e o ancião expõe manifestamente o dramatismo dinâmico, o conflito e o choque que constitui o fundo da matéria histórica. A luz dessa observação, vê-se o equívoco oculto na aparente clareza de uma data. 1929, 1945, 1968, 1989 parecem um único tempo, mas em cada uma destas datas importantes vivia um rapaz, um homem maduro e um ancião. Isso significa que cada uma destas cifras se triplica em três significados diferentes e, simultâneamente, abarca os três. No tempo cronológico coexistem três tempos vitais distintos e, através desse desequilíbrio, a história se move, muda, flui e roda. Somos todos contemporâneos pois vivemos num mesmo tempo e atmosfera, mas é necessário analisar a contemporâneidade coexistindo com a coetaneidade. O hoje é dificil de se explicar pois é a um só tempo contemporâneo, coexistente e coetâneo. Se todos os contemporâneos fossem tambem coetaneos, a historia ficaria cristalizada e petrificada num gesto defnitivo, sem a possibilidade de qualquer mobilidade. No entanto, a complexidade de se analisar o presente ainda não para por ai, pois dentro de cada grupo geracional há uma porosidade, que faz com que grupos geracionais aprisionados no mesmo tempo presente pratiquem seus escambos, suas alianças estratégicas, suas permutas e também conspirem entre si - o que deixa a avaliação do presente ainda mais caótica. Isso explica, parcialmente, a relatividade entre tendências conservadoras e progressistas intermediando estes três tempos vitais. Nem sempre anciãos serão mais conservadores e nem sempre jovens serão mais progressitas. Aliás, se colocar em absoluto em qualquer um destes campos não é nada mais nada menos do que fugir do grande desafio e da grande responsabilidade de se colocar no presente. Ser apegado ao passado e a memória, como geralmente faz um conservador, é apenas posição confortável de sair do presente e idealizar um tempo que não exsitiu, ignorando que o passado idealizado também já foi um “presente” e um resultado dinâmico de forças em colisão. Ser apegado ao “devir”, ao “futuro” e ao que “poderia ser”, como geralmente faz um progressita, é igualmente um apego preguiçoso, pois o futuro, que só existe no universo da projeção, é a massa de modelar perfeita: um “algo” pode ser tudo aquilo que a ideologia prometer. Leia o resto aqui

    Ad Astra e a Religião

    Play Episode Listen Later Apr 28, 2023 13:40


    Uma coisa que sempre notei em mim é que sempre gostei de ficções científicas mais contemplativas. Aliás, sempre acreditei que as ficções científicas foram muito mal interpretadas, pois o cerne da maioria das grandes histórias não está especificamente na “ciência” ou na “tecnologia”, mas sim nas antigas e recorrentes especulações da filosofia, dos mitos e da religião. Sou naturalmente atraído pelas especulações dos escritores sobre o futuro, pois é da sua imaginação que podemos especular o que, na opinião deles, será transcendental. Autores como Arthur C. Clarke, Philip K. Dick, Stanislaw Lem e Isaac Asimov trabalham com muito mais frequência temas como “memória”, “identidade”, “origem” e “finitude” do que “exploração espacial”, “robótica” ou “inteligência artificial”. Quando terminei de assistir Ad Astra, influenciado por uma crítica muito boa que vi no perfil do Gyordano Montenegro Brasilino, fiquei completamente satisfeito pelo ritmo lento e pela abordagem introspectiva da história. Ad Astra, antes de ser uma ficção científica, é um drama introspectivo. Conseguir ser introspectivo dentro de uma história que envolve viagens interplanetárias é quase um paradoxo chestertoniano. As próprias composições cinematográficas deste filme sugerem esse paradoxo. O filme tem duas principais composições: uma “hiperpanorâmica”, onde o invivíduo é completamente “miniaturalizado” em relação ao espaço, e “hipercloses”, que, no sentido contrário, tenta trazer realçar as emoções do personagem. Existe aqui tanto a vertigem da aproximação quanto do afastamento. Ad Astra se passa num futuro próximo, onde a humanidade conquistou o espaço interestelar e estabeleceu bases em Marte e na Lua.A história começa na Terra, onde o protagonista, Roy McBride, um astronauta renomado interpretado por Brad Pitt, é convocado para uma missão especial. Ele é chamado para uma missão urgente para investigar estranhas interferências eletromagnéticas que estão ameaçando a sobrevivência do sistema solar. Essas interferências são acreditadas como sendo causadas por seu pai, o lendário astronauta Clifford McBride (Tommy Lee Jones), que foi dado como desaparecido há mais de 20 anos, enquanto liderava uma missão para o planeta Netuno, em busca de vida extraterrestre. Clifford McBride não é o protagonista, mas certamente é o personagem principal. Sua missão de encontrar vida fora da Terra se tornou uma obsessão comparável à do Capitão Ahab em encontrar Moby Dick. Ele abandonou a família, os filhos e até se tornou uma espécie de tirano para cumprir sua missão. O título “Ad Astra” é derivado da frase em latim “per aspera ad astra”, que significa “por caminhos difíceis até as estrelas”, e tem origem na Eneida de Virgílio.As estrelas sempre foram muito mais do que “esferas de plasma superaquecido”, elas são símbolos zodiacais. Elas guiam caminhos, essa é uma verdade que percorre desde os antigos navegadores (que contemplavam o Cruzeiro do Sul, Órion e a Estrela Polar para orientar suas navegações) até os Reis Magos no deserto, que seguiram uma estrela até o sagrado presépio do nascimento de Cristo. Ad astra é sobre o antigo costume de seguir estrelas. Clifford McBride segue a sua estrela, sua obsessão de descobrir vida fora da Terra. Roy McBride também segue a sua estrela, que é seu pai. Quando eu disse que Clifford McBride é o personagem principal é porque ele movimenta toda essa configuração temática. Sua obsessão de querer encontrar “vida fora da Terra” não é nada mais nada menos do que a antiga obsessão religiosa de encontrar “vida além da vida”. A velha pulsão pela Eternidade que, fora do ambiente da sabedoria religiosa, se torna enlouquecedora. Enfim, Ad Astra é mais do que um bom filme pra mim, ele é tudo aquilo que sempre sobreviveu na ficção-científica, até mesmo entre os autores mais ateus: a religião. Acessem: https://tavernadolugarnenhum.com.br/

    Akira Kurosawa (Parte 12) - Homem Mau Dorme Bem (adaptação de Hamlet de William Shakespeare)

    Play Episode Listen Later Apr 24, 2023 15:25


    “Homem Mau Dorme Bem” é um filme de 1960 dirigido por Akira Kurosawa, com roteiro de Shinobu Hashimoto e Eijirô Hisaita. O filme foi indicado ao Urso de Ouro no Festival de Berlim em 1961. É o primeiro filme produzido pela própria produtora independente de Kurosawa. Assim como “O Anjo Embriagado” (1948), “Cão Danado” (1949) e “Céu e Inferno” (1963), Kurosawa explora aqui o gênero noir. Toshiro Mifune interpreta Nishi, um jovem que consegue uma posição de destaque em uma empresa japonesa corrupta do pós-guerra, com a intenção de expor os homens responsáveis pela morte de seu pai. O filme, como o próprio diretor definiu, é uma espécie de denúncia da corrupção e dos crimes que acontecem nos bastidores do mundo dos negócios. Além do tema da corrupção corporativa, este filme é uma adaptação de “Hamlet” de Shakespeare. A história de “Hamlet” é uma tragédia que gira em torno do príncipe Hamlet, filho do rei da Dinamarca. A trama tem início quando o fantasma do rei Hamlet aparece para seu filho, revelando que foi assassinado por seu próprio irmão, o rei Cláudio, que agora se casou com a rainha Gertrudes, mãe de Hamlet, e assumiu o trono. Profundamente abalado pela revelação do fantasma, Hamlet jura vingar a morte de seu pai e matar o traiçoeiro rei Cláudio. No entanto, sua fúria deve ser contida, pois seu plano exige cuidado para não ser flagrado em suas intenções e ter seus objetivos frustrados. No final, Hamlet enfrenta Cláudio em um duelo mortal, onde segredos são revelados, e Hamlet finalmente obtém sua vingança, mas também encontra sua própria morte. A peça termina com uma carnificina e uma mudança no poder na Dinamarca. Podemos perceber muitos paralelos entre as duas histórias. Assim como em Hamlet, o tema principal de “Homem Mau Dorme Bem” é a vingança do filho em benefício de um pai morto injustamente. Apesar de não ter o elemento da aparição fantasmagórica, todo o material de assombração e retaliação aparece aqui, assim como na obra original. Além disso, o filme insere basicamente todo o setup de personagens da obra original: conspiradores, vingadores e confidentes. Existe um forte teor de pessimismo que permeia a obra. Shakespeare cria a tragédia maculando a perspectiva heróica e ideal do homem da era renascentista – o homem bom, ético e que vive pela justiça, que é representado por Hamlet. Hamlet se destaca pela sua aristocracia de espírito em meio a todos os outros em Elsinore, lugar onde ocorre a trama. No entanto, tudo o que acontece em Elsinore – o assassinato de seu pai e a traição de sua mãe – lança o príncipe em um caos interior de decepção e dor que destroem sua fé em qualquer força redentora ou restauradora. Quando isso acontece, há apenas uma coisa com que ele pode se agarrar, que é a vingança – como uma ideia de justiça manchada pelo ódio. A queda de Hamlet ocorre antes mesmo de sua morte, quando ele se torna uma figura calculista que se orienta por meio da mentira e da dissimulação. “O Homem Mau Dorme Bem”, assim como sua fonte original, reforça todo esse ideário pessimista e trágico, com desfechos terríveis para os personagens principais, reforçando a ideia de um mundo onde o mal prevalece. Em suma, Kurosawa entrega ao público uma dose generosa de incômodo e anticlímax, além de uma reflexão shakespeariana sobre a vingança.

    Akira Kurosawa (Parte 11) - Ran (adaptação de Rei Lear de William Shakespeare)

    Play Episode Listen Later Apr 18, 2023 22:03


    Ran é um filme muito especial pra mim e para história do cinema. É o meu filme favorito do Akira Kurosawa ao lado de Trono Manchado de Sangue. Assim como Trono Manchado de Sangue, de uma das melhores adaptações de Shakespeare já feitas justamente pois ela não se limita a reproduzir ipsis litteris a obra original. Apesar e tratar de temas como ganância, a lealdade, a traição, o poder e a insanidade (tal como a obra original), podemos considerar Ran como uma mistura do drama shakesperiano com o budismo. Isso se dá na mudança radical do caráter do personagem principal. Rei Lear, a peça original, trata sobre sofrimento imerecido. O próprio Lear na peça de Shakespeare é, na pior das hipóteses, um tolo. Hidetora (que seria seu correspondente na obra de Kurosawa), por outro lado, foi um guerreiro cruel durante a maior parte de sua vida: um homem que assassinou impiedosamente homens, mulheres e crianças para alcançar seus objetivos. Considerando essa diferença, o filme de Kurosawa acaba explorando o conceito do Karma, um princípio muito presente no hinduísmo e no budismo, que define a regra cósmica de que toda ação desencadeia uma reação em sentido contrário de retribuição. Essa entre outras coisas eu digo neste programa. Espero que gostem!

    Akira Kurosawa (Parte 10) - Trono Manchado de Sangue (adaptação de Macbeth de William Shakespeare)

    Play Episode Listen Later Apr 11, 2023 31:21


    Trono Manchado de Sangue, possivelmente o meu filme favorito de Akira Kurosawa (ao lado de Ran). O filme transpõe o enredo da peça Macbeth, de William Shakespeare, da Escócia medieval para o Japão feudal, com elementos estilísticos extraídos do teatro Nô. Apesar da mudança de cenário, linguagem, entre outras inúmeras liberdades criativas, Trono Manchado de Sangue é frequentemente considerado uma das melhores e mais fiéis adaptações da peça, mesmo que pouco ou nada do texto original da peça esteja presente nas falas dos personagens dentro do filme (que até mudam de nome). Para mim, esse é O EXEMPLO de uma peça bem adaptada, pois faz com que se reflita sobre o senso comum da dinâmica entre autor, obra e leitor. Em Trono Manchado de Sangue, Kurosawa se torna co-autor de Macbeth - dissolvendo as ilusões de autoria. Sim, é uma obra adaptada e, sim, é também uma obra completamente autoral, com voz própria. Esse tipo de obra só é possível porque Kurosawa se determinou a não fazer uma mera tradução literal de Shakespeare para japonês, pois isso seria apenas uma das muitas "inflações babelicas" desconectadas de um sentido real. Pelo contrário, ele retrabalhou toda obra (em textos, imagens e referências), preservando o núcleo imaterial daquilo que faz dela ser uma obra com vocação universal. É importante tocar no tema do protagonismo da imaterialidade, pois, diferente do que os materialistas pensam, a realidade não é determinada pelo meio (influenciada sim, determinada nunca), mas por aquilo que é, a bem da verdade, divino, simbólico ou metafísico. Uma adaptação estritamente materialista se preocuparia com trivialidades secundárias como geografia, hábitos, costumes, economia e contexto histórico. A adaptação de Kurosawa é tão boa e reconhecida, pois busca o núcleo imaterial transcendente na sua fonte. Akira Kurosawa só conseguiu fazer essa adaptação porque contemplou os mesmos referenciais simbólicos, divinos e metafísicos de Macbeth: o tema da ambição, da culpa e o confronto entre destino e livre-arbítrio. Esses temas perseguem a humanidade, independentemente das condições materiais que lhe são impostas. Artigo no Taverna do Lugar Nenhum: https://tavernadolugarnenhum.com.br/resenha/trono-manchado-de-sangue/ Um Olhar Oriental sobre Shakespeare: http://www.letras.ufmg.br/padrao_cms/documentos/nucleos/intermidia/Scripta%20Celia_Suzana.pdf

    A Grande Fuga, Op. 133 – Ludwig van Beethoven

    Play Episode Listen Later Apr 6, 2023 30:15


    "A Grande Fuga, Op. 133 (mais conhecida em sua ortografia alemã original, Große Fuge), é uma composição de um único movimento para quarteto de cordas de Ludwig van Beethoven. Curiosamente, essa obra foi universalmente condenada pela crítica especializada em sua época. A Allgemeine musikalische Zeitung, um jornal publicado nos séculos XVIII e XIX e considerado o mais importante periódico musical de língua alemã de seu tempo, escreveu que a obra era "incompreensível, como o chinês". Analistas e críticos musicais, ao longo dos anos, descreveram a Grande Fuga como "inacessível", "excêntrica", "difícil" e "cheia de paradoxos". É considerada a obra mais problemática de Beethoven e talvez a mais controversa da literatura musical. No entanto, com o passar do tempo, sua importância foi sendo cada vez mais notada e defendida. Igor Stravinsky, compositor russo, foi um dos mais notáveis defensores da obra. Ele a descreveu como "uma peça musical absolutamente contemporânea e que será contemporânea para sempre". Além da música, o que torna a obra tão única no impecável repertório artístico do gênio alemão e talvez explique algumas excentricidades que foram estranhadas na época é o fato da obra ter sido composta quando Beethoven estava quase totalmente surdo e, ao mesmo tempo, completamente comprometido com um grande empreendimento pessoal. Nos últimos anos, Beethoven tornou-se cada vez mais preocupado com o desafio de integrar a forma barroca na estrutura clássica de Haydn e Mozart. Com a audição comprometida, esse ambicioso projeto se tornou uma batalha heróica de um cavaleiro que, mesmo perdendo a espada, continua marchando em direção ao dragão ou uma luta titânica do gênero humano contra a decadência individual. Em suma, o alvo de Beethoven debilitado era a transcendência. A Grande Fuga é um resultado desse processo e foi uma obra muito especial e querida por Beethoven. Em sua época, ele era o único que acreditava e defendia ela. Na verdade, ele era o único que a entendia. Dezenas de análises tentaram aprofundar a estrutura da Grande Fuga, com resultados conflitantes e sem conseguir, sequer, classificá-la em um gênero específico. A obra foi descrita como uma expansão da grande fuga barroca formal, como uma obra de vários movimentos "enrolada" em uma única peça e como um poema sinfônico em forma de sonata. Beethoven não queria adequar sua música a uma estrutura pré-estabelecida. No entanto, os paradoxos que a peça apresentava não eram fruto de uma revolta, eram a manifestação da vontade do compositor na criação de novas estruturas. O impulso criativo de Beethoven não era orientado por uma visão revolucionária, onde para nascer o novo o velho deveria ser destruído. Não havia essa fetichização de "quebrar paradigmas", mas de construir novos. Somar e não substituir.

    The Whale não é sobre obesidade

    Play Episode Listen Later Apr 1, 2023 35:27


    Recentemente a Dove acustou o filme The Whale de Darren Aronofsky de "fat suit", termo que significa usar “uma fantasia de gordo”, ou uma espécie de “apropriação de gordura”, similar a chamada “apropriação cultural” . É intrigante saber que vivemos num mundo onde uma marca de sabonete se acha qualificada para pautar uma discussão pública sobre arte. Isso revela muito sobre os efeitos do definhamento da educação simbólica, que impossibilita a pessoa enxergar além do que é explícito, e sobre hipervalorização do pensamento crítico (uma das coisas mais superestimadas do nosso século). Tudo isso é combinado com uma baixa capacidade de interpretação misturada com uma grande vontade de sinalizar virtude. Pensamento crítico, engajamento, militância e sinalização de virtude são expedientes estratégicos de campanhas publicitárias. A discussão sobre "gordofobia" em The Whale está entre as manifestações mais exemplares de pauperização da crítica cultural, a começar pelo simples fato de que esse não é filme sobre obesidade. Se você acha que a Dove deveria se preocupar em fazer creminho pro cabelo e menos debate cultural, esse podcast é pra você.

    A Espera, de Keum Suk Gendry-Kim - O Drama das Famílias Separadas na Guerra da Coréia

    Play Episode Listen Later Mar 27, 2023 44:22


    “A Espera” da quadrinista e escritora sul-coreana Keum Suk Gendry-Kim, conta a história de Jina, uma escritora que se esforça para entender a vida de sua mãe, Gwija. A trama é centrada na história de Gwija, uma senhora coreana que, aos dezessete anos, foi forçada a se casar com um estranho para escapar da crueldade de servir às tropas japonesas como “mulher de conforto” durante a Segunda Guerra Sino-Japonesa. Ainda que tenha se casado relutantemente, Gwija consegue encontrar felicidade ao lado de seu marido e ter dois filhos. No entanto, a Guerra da Coréia transforma a família em refugiados itinerantes, separando-os e levando Gwija a iniciar uma nova família no Sul sem nunca esquecer a antiga. Anos depois, Jina promete ajudar sua mãe a se reconectar com sua antiga família, mas a espera se torna cada vez mais difícil e desesperançada à medida que Gwija, agora idosa e frágil, vê-se distante do sonho de rever seus entes queridos e de reconciliar-se com seu passado. “A Espera” é uma obra de ficção baseada em testemunhos reais de três pessoas que viveram o drama da separação de famílias durante a Guerra da Coréia. A autora Keum Suk Gendry-Kim habilmente retrata a história comovente e cativante de Gwija, trazendo à tona temas como amor, família, identidade e esperança. A obra é uma homenagem emocionante àqueles que sofreram as consequências da guerra e da separação de suas famílias. Neste podcast conto um pouco sobre cada capítulo e um pouco cada capítulo. Esta obra conta a tristeza da peregrinação forçada de diversas famílias devido à eclosão de uma guerra cujos motivos eles desconhecem. Os mais afetados pela guerra são os que menos entendem o que está acontecendo, e nem mesmo a divisão entre o Sul e o Norte da Coreia é conhecida por eles. Esta obra expõe como as famílias comuns estão completamente alheias às disputas econômicas e ideológicas dos governantes, que muitas vezes agem como demônios e como elas viveriam pacificamente sem saber o que é comunismo ou capitalismo. Acesse: https://tavernadolugarnenhum.com.br/

    Akira Kurosawa (Parte 09) - Céu e Inferno (1963) e o Ódio de Classe

    Play Episode Listen Later Mar 22, 2023 26:10


    Céu e Inferno é um drama, suspense e crime thriller de 1963 dirigido por Akira Kurosawa. O filme foi indicado ao Leão de Ouro no Festival de Veneza em 1963 e ao Prêmio Samuel Goldwyn no Globo de Ouro em 1964. Através da estrutura única, Kurosawa examina como a hierarquia de status sociais resultou em um abismo entre os seres humanos e, a partir disso, uma falta de responsabilidade pessoal. Kurosawa transforma uma história policial num refletor atemporal da estratificação social e reflete como isso nos afeta como civilização e como seres humanos. Acesse: ⁠https://tavernadolugarnenhum.com.br/

    Akira Kurosawa (Parte 08) - O Cinema Noir de Akira Kurosawa

    Play Episode Listen Later Mar 17, 2023 25:37


    O cinema noir é um estilo cinematográfico que emergiu na década de 1940 e é caracterizado por uma atmosfera de mistério, violência e crime. Os filmes noir apresentam personagens complexos e muitas vezes moralmente ambíguos, além de ter uma estética visual única que inclui cenários claustrofóbicos e repletos de detalhes e o uso dramático de sombras e contrastes. Kurosawa, que começou sua carreira na década de 1940 como assistente de direção, ficou fascinado pelos filmes noir americanos que foram exibidos no Japão durante a ocupação americana do país. Essa influência se refletiram em muitos dos filmes ao longo da sua carreira. Neste programa eu falo sobre “O Anjo Embrigado“ de 1948 e “Cão Danado“ de 1949. O Anjo Embriagado é um filme anti-niilista que apresenta paradoxalmente a bondade numa feição bronca. Cão Danado é um filme conduzido por dois personagens que vão metaforizar o encontro dialético de duas visões de mundo conflitantes mas complementares. Acompanhe no Spotfy, Deezer e Youtube. Acesse: https://tavernadolugarnenhum.com.br/

    Witchfinder General: Drama Histórico, Folk Horror ou Faroeste?

    Play Episode Listen Later Feb 26, 2023 29:32


    Acabei de assistir o filme Witchfinder General (traduzido para o português como "O Caçador de Bruxas"),um filme de britânico de 1968 dirigido por Michael Reeves e estrelado por Vincent Price. Embora o filme seja normalmente classificado como um filme de horror, até mesmo componente do segmento de "horror folclórico", podemos entender melhor este filme como um "faroeste inglês gótico" misturado com "drama histórico". A estética de Witchfinder General reflete interessantes contrapontos de beleza e violência, algo muito explorado nos filmes de horror folclórico até hoje (basta ver Midsommar de Ari Aster). A estétca do horror folclórico trabalha com o contraste barroco entre a beleza rural e a brutalidade criando a incômoda ideia recorrente do nosso imaginário de violação simbólica do Éden. O filme está entre os filmes mais violentos da história e suas cenas até hoje impressionam. Para a British Board of Film Censors, trata-se de "um estudo de sadismo no qual cada detalhe de crueldade e sofrimento é tratado com amor". O filme é um relato fortemente ficcionalizado das façanhas de Matthew Hopkins (interpretado maravilhosamente por Vincent Price), um advogado que falsamente alegou ter sido nomeado "Witchfinder General" (caçador de bruxas geral) pelo Parlamento durante a Guerra Civil Inglesa para erradicar a feitiçaria e bruxaria no país. Trata-se de um sujeito que realmente existiu. Ele ainda apresenta temas que me são muito caros, como a perseguição aos católicos nos condados de Norfolk, Suffolk e Cambridgeshire - que eram julgados e condenados como bruxos pela comunidade puritana. Enfim, Witchfinder General é um dos melhores filmes britânicos de todos os tempos.

    As Bodas de Satã é um filme cristão? O perfil cinematográfico de Terrence Fisher

    Play Episode Listen Later Feb 25, 2023 14:38


    The Devil Rides Out, também conhecido como The Devil's Bride nos Estados Unidos (pois, segundo a Hammer, The Devil Rides Out soava como um filme de faroeste) e traduzido para o português como As Bodas de Satã, é um filme de terror britânico de 1968, baseado num romance ocultista de 1934 de mesmo nome do autor Dennis Wheatley. Este filme foi roteirizado por Richard Matheson (autor do livro Eu sou a Lenda), dirigido por Terence Fisher e estrelado por ninguém menos que Christopher Lee. Terrence Fisher é uma figura extremamente importante na história do cinema de horror. Ele foi o primeiro a dar vida ao horror gótico em cores e um dos primeiros a levar conotações sexuais e horror explícito para o grande público. Embora essas características possam parecer suaves para os padrões atuais, não há como negar que não havia precedentes dessa abordagem em sua época – especialmente na escala de filmes que produzia. O que é mais interessante em Terrence Fisher é que ele era reconhecidamente um conservador cristão e sua visão artística, além de beber da influência de Afred Hitchcock, era muito norteada pela fantasia de Charles Williams e C.S. Lewis. Em quase todos os seus filmes existe uma forte perspectiva cristã: muitas vezes há um herói que derrota os poderes das trevas por uma combinação de razão e fé em Deus, em contraste com outros personagens que são cegamente supersticiosos ou presos num racionalismo dogmático. Terrence Fisher em The Devil Rides Out despeja sorrateiramente o velho contéudo moral cristão da prevelência do bem contra o mal, fantasiando tudo num divertimento bobo de filme B. O satanismo aqui é mostrado como estranhos rituais carnavalizados de uma elite aristocrática – algo que ele reproduz da obra original da qual o filme foi inspirado. O embate entre o bem e o mal não toma a forma de um clássico exorcismo, mas uma espécie de guerra entre magos no melhor estilo Gandalf contra Saruman. O autor original da obra, Dennis Wheatley, chegou a conhecer pessoalmente Aleister Crowley, fez parte do London's Ghost Club (sociedade discreta de estudos paranormais) e demonstrou interesse pelo “Caminho da Mão Esquerda”. No entanto, foi lúcido o suficiente para não levar a sério toda aquela bobagem e, depois de se converter ao cristianismo, tomou o “Caminho da Literatura” para denunciar a insalubridade destas seitas que, inclusive, eram frequentadas por poderosos e simpatizantes do nazismo. Infelizmente seu amigo, Crowley, não fez o mesmo caminho – acreditando piamente, até o fim da vida, que era um bruxo e vocalizava a vontade de Harpócrates (digo infelizmente pois acredito que ele seria um ótimo autor de horror cósmico, talvez até melhor que Lovecraft). Para os fãs de Heavy Metal, Steve Harris diz que compõs o clássico The Number of the Beast baseado num pesadelo que teve depois de ter assistido esse filme. Inclusive, algumas cenas desse filme foi colocada no clipe. Acesse: https://tavernadolugarnenhum.com.br/

    Akira Kurosawa (Parte 07) - Corvos, Campos de Trigo e Moinhos

    Play Episode Listen Later Feb 23, 2023 33:28


    Neste podcast eu analiso os segmentos 5 (Corvos) e 8 (Vilarejo dos Moinhos) do filme Sonhos, de 1991 - de Akira Kurosawa. O primeiro sonho é um dos mais famosos do filme - aqui eu tento interpretar o que Akira Kurosawa estava tentando buscar em Vincent Van Gogh, especialmente no significado da obra Campos de Trigos com Corvos (de 1890). No segundo sonho analisado, tento explicar as aspirações ecológicas de Akira Kurosawa e apontar algumas coisas que acho defeituosa no cineasta.

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