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Capital and chief port of Mozambique

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Maputo

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“A dança em Moçambique está a ferver”

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Play Episode Listen Later Sep 23, 2025 9:53


A frase é dita por uma bailarina e coreógrafa, ainda que a própria reconheça que elas “são poucas em Moçambique e até em África”. É durante a Bienal de Dança de Lyon, que decorre até 28 de Setembro, que Janeth Mulapha nos lembra que “a dança em Moçambique está a ferver” e não é de agora. Nesta conversa sobre dança contemporânea, mulheres, arte e mercados, Janeth Mulapha desafia os programadores a sairem da zona de conforto e a olharem para Moçambique. Há dois anos, na Bienal de Dança de Lyon, Quito Tembe, o director artístico do festival moçambicano Kinani, dizia-nos que se estava a viver “um momento histórico” para Moçambique na dança contemporânea. Nesta edição, Quito Tembe trouxe Ídio Chichava, o coreógrafo moçambicano que tem corrido palcos internacionais, nomeadamente os franceses, e que é um dos destaques no programa desta Bienal de Lyon, um dos maiores eventos da dança contemporânea. “A dança em Moçambique está a ferver”, diz-nos a coreógrafa e bailarina Janeth Mulapha, que aguarda pela sua oportunidade para mostrar o seu trabalho em Lyon e que lembra que Moçambique está a fazer história há bastante tempo, mas as atenções não estavam para ali viradas. Janeth Mulapha lembra que “a semente” lançada por Ídio Chichava também tinha sido semeada pelos coreógrafos Panaibra Gabriel, Horácio Macuacua e Augusto Cuvilas. Ela trabalhou com todos como bailarina, mas também é coreógrafa e as suas criações olham para a vida das mulheres em Moçambique. Janeth Mulapha lembra que artistas bailarinas e coreógrafas “são poucas em Moçambique e até em África”, mas são essas lutas quotidianas das mulheres que fazem “ferver” as suas peças e alimentam as suas criações. No final de Novembro, uma delas, “Filhas do Índico-NZULA”, poderá ser vista no Kinani, em Maputo. Nesta conversa realizada nos corredores da Bienal de Dança de Lyon, Janeth Mulapha lembra que o mundo não é feito de uma só cor e desafia os programadores a sairem da zona de conforto, a olharem para novos talentos e a arriscarem em Moçambique.   RFI: Veio a esta Bienal de Dança de Lyon à procura de oportunidades? Ou para vincar que este lugar também é vosso e que a dança moçambicana está a impor-se, nomeadamente com o Ídio Chichava a apresentar aqui uma peça que já rodou em várias outras cidades francesas, incluindo em Paris? Janeth Mulapha, coreógrafa e bailarina: “Estar na Bienal é vir ver as propostas que a bienal contém e levar daqui um aprendizado de como é estar nestes mercados. Sim, estamos aqui representados pelo Ídio Chichava, mas creio que serei a próxima a fazer aqui a minha apresentação também dos meus trabalhos e que a dança em Moçambique está a ferver. De facto, estamos há bastante tempo nessa afirmação e satisfatoriamente podemos dizer hoje que sim, Moçambique existe, porque existimos já há um tempo, mas é continuar a dizer que estamos ali firmes e que não estamos a abandonar este assunto que levamos muito a sério. É uma forma de vir aqui afirmar que existe um lugar onde tem que se ir, que é Moçambique, que a dança em Moçambique fala também a voz do mundo.” A Janeth Mulapha é uma das vozes e um dos corpos que fazem ferver essa dança em Moçambique. Quer falar-nos de si e do trabalho que tem desenvolvido? “Sim, eu e o Ídio praticamente trabalhamos de forma meio parecida, mas eu sou mais à procura do género, eu estou mais no género feminino, sou mulher e somos poucas em Moçambique, e até em África, como bailarinas e coreógrafas porque não é fácil. Eu sou mãe, sou esposa, são multitarefas que eu tenho para além de ser artista. Ser artista em África e, ao mesmo tempo, poder fazer as outras tarefas, eu sempre digo que ser mulher é uma empresa, é criar uma empresa, e empresa não é para pequena gente. Para mim, como Janeth, eu estou mais na afirmação do género, trabalho muito com mulheres. Em África dançamos todos os dias, acordamos dançando, as mulheres dançam, vão ao mercado e dançam, estão a cozinhar e dançam. Eu  não vou à procura da estética de alguém que tem uma estética para ser bailarino. Não. Para mim, todo o mundo pode dançar e a partir do momento em que elas podem dançar, eu danço com elas e procuro nelas esses desafios todos que nós enfrentamos diariamente porque acordamos muitas vezes com muitas incertezas, não sabemos se voltamos com alguma coisa para casa. Eu danço essas coisas, danço essa vivência, danço esse quotidiano feminino.” Há temas específicos à identidade, entre aspas, moçambicana feminina? “Existem, sim. Eu, por exemplo, neste último trabalho que vou fazer e que vou apresentar na Bienal da Dança em Moçambique é a partir de uma dança tradicional moçambicana que se chama Tufo, do Norte de Moçambique, da Ilha de Moçambique, que é feita por mulheres. Neste projecto, trabalho muito com senhoras com idade muito avançada que cantam, dançam e estamos ali sem rigidez. Nós dançamos a vida, dançamos o que a gente sente, o que a gente chora, o que a gente contempla, o que a gente agradece. A gente dança o nascimento de uma criança, a gente dança os nossos divórcios, a gente dança os nossos encontros.” Numa conferência na Bienal, o Ídio Chichava dizia que a Janeth Mulapha é como ele no que toca ao abrir a casa às pessoas para elas entrarem e dançarem. É assim que funciona este processo de criação? É na partilha? “Claramente, o Ídio disse tudo. Nós, em Moçambique abrimos as portas, muitas vezes eu, como coreógrafa, procuro um espaço, pago o tal espaço, mas abro exactamente para que tenha mais meninas que venham estar connosco nestas partilhas. É partilha mesmo porque do mesmo jeito que eu dou, também recebo. Muitas vezes as criações vão surgindo dessa forma, a gente vai criando com base naquilo que está ali e experiencia. Alguém que chegou é nova, mas não é nova, porque traz uma bagagem de história que podemos partilhar e fazemos dessa partilha alguma coisa que depois misturamos e cozinhamos ali qualquer coisa. Eu vou para as práticas do Ídio, eu vejo as bailarinas, ele também vem para as minhas práticas, espreita também. Então, há muita coisa de família, de estarmos ali. Não procuramos o perfeito porque para mim todos dançamos. Seguimos essas sinergias de estarmos todos juntos sempre e partilharmos. E sim, eu sou resiliente porque muitas vezes não tenho nada para oferecer, às vezes, só uma garrafa de água e ficamos ali a partilhar cinco litros de água e cada um vai bebendo e vamos continuar com nossas práticas. Nós abrimos as portas para todo o mundo e damos aquilo que nós também já vimos aprendendo ao redor do mundo porque também trabalhei com uma companhia por muito tempo. Neste processo de pesquisa e tudo o mais, gostamos muito e vamos partilhando com a nova geração. Nova geração, entre aspas, porque estou a trabalhar agora com senhoras de 60 e 50 anos, não é nenhuma nova geração, mas são pessoas que são novas no estilo de dança que fazemos que é a dança contemporânea, mas tem tradição. Então, a partir da sua tradição, das danças tradicionais, vamos seguindo para uma viagem em que descobrimos que afinal o Tufo tem variantes, que é o tal contemporanizar o próprio Tufo, sem destruir aquilo que é o tradicional.” Que oportunidades é que esta bienal europeia pode trazer? “Há muita coisa boa a andar pelo mundo, que está no mundo e que está muito fechado, precisa de oportunidades, precisa de ser visto. Para mim, estar aqui foi muito mais do que pensar em essas oportunidades de circulação. Eu preciso circular, quero circular. Eu vejo aqui a oportunidade de poder pôr o meu trabalho na estrada, de poder circular, de poder também fazer residências, de poder ver se aperfeiçoo.” Esta Bienal de Dança de Lyon abriu portas? “Eu acho que abriu. Tive muitos encontros, muita gente com muito interesse em perceber quem sou eu e onde estou naquele lugar, por exemplo, que o Ídio já abriu, que é essa semente que ele lançou e que é que estamos em Moçambique e que já vinha sendo lançada por outros, pelo Panaibra Gabriel, pelo Horácio Macuacua. Fiz parte desses grupos desses dois coreógrafos pioneiros. Depois, com o Ídio e mesmo com o falecido Augusto Cuvilas, estamos mesmo com uma espécie de uma estrada, uma estrutura meio organizada. Estar aqui, para mim, é dizer que, sim, nós existimos  e olhem para estas novas coisas que existem.” Até agora, a Bienal de Dança de Lyon e outros festivais europeus não estavam voltados para Moçambique? “Eu não sei dizer se não estavam ou se é porque tinham algumas coisas quadradas. Os programadores vão ao festival e já sabem exactamente o que querem, sem sequer darem a oportunidade de ver também o que existe de novo porque têm uma aliança com algumas pessoas que já estão super estabelecidas e têm a certeza que elas não desiludem no trabalho final que entregam. Eu acho que há falta de vontade em se arriscar nos novos talentos. Eu acho que os que já estão estabelecidos devem poder dar a oportunidade aos novos para que a coisa continue a refrescar. Eu acho que precisamos de fazer com que essa roda não pare. Hoje foi você, amanhã o fulano e eu refresco-me com base naquilo que eu vejo que você trouxe de modo a que o mundo não fique com uma só cor porque parece que estão a pintar com uma única cor e, no entanto, tem várias cores a serem usadas, o mundo é super colorido, então não entendo como é que se fixa muito. Não digo que está errado, mas acho que é só uma questão de segurança, sabem o que é que vai dar, sabem qual é o deliver, mas eu acho que é preciso arriscar e estamos aqui prontas para isso.”

Em directo da redacção
“A dança em Moçambique está a ferver”

Em directo da redacção

Play Episode Listen Later Sep 23, 2025 9:53


A frase é dita por uma bailarina e coreógrafa, ainda que a própria reconheça que elas “são poucas em Moçambique e até em África”. É durante a Bienal de Dança de Lyon, que decorre até 28 de Setembro, que Janeth Mulapha nos lembra que “a dança em Moçambique está a ferver” e não é de agora. Nesta conversa sobre dança contemporânea, mulheres, arte e mercados, Janeth Mulapha desafia os programadores a sairem da zona de conforto e a olharem para Moçambique. Há dois anos, na Bienal de Dança de Lyon, Quito Tembe, o director artístico do festival moçambicano Kinani, dizia-nos que se estava a viver “um momento histórico” para Moçambique na dança contemporânea. Nesta edição, Quito Tembe trouxe Ídio Chichava, o coreógrafo moçambicano que tem corrido palcos internacionais, nomeadamente os franceses, e que é um dos destaques no programa desta Bienal de Lyon, um dos maiores eventos da dança contemporânea. “A dança em Moçambique está a ferver”, diz-nos a coreógrafa e bailarina Janeth Mulapha, que aguarda pela sua oportunidade para mostrar o seu trabalho em Lyon e que lembra que Moçambique está a fazer história há bastante tempo, mas as atenções não estavam para ali viradas. Janeth Mulapha lembra que “a semente” lançada por Ídio Chichava também tinha sido semeada pelos coreógrafos Panaibra Gabriel, Horácio Macuacua e Augusto Cuvilas. Ela trabalhou com todos como bailarina, mas também é coreógrafa e as suas criações olham para a vida das mulheres em Moçambique. Janeth Mulapha lembra que artistas bailarinas e coreógrafas “são poucas em Moçambique e até em África”, mas são essas lutas quotidianas das mulheres que fazem “ferver” as suas peças e alimentam as suas criações. No final de Novembro, uma delas, “Filhas do Índico-NZULA”, poderá ser vista no Kinani, em Maputo. Nesta conversa realizada nos corredores da Bienal de Dança de Lyon, Janeth Mulapha lembra que o mundo não é feito de uma só cor e desafia os programadores a sairem da zona de conforto, a olharem para novos talentos e a arriscarem em Moçambique.   RFI: Veio a esta Bienal de Dança de Lyon à procura de oportunidades? Ou para vincar que este lugar também é vosso e que a dança moçambicana está a impor-se, nomeadamente com o Ídio Chichava a apresentar aqui uma peça que já rodou em várias outras cidades francesas, incluindo em Paris? Janeth Mulapha, coreógrafa e bailarina: “Estar na Bienal é vir ver as propostas que a bienal contém e levar daqui um aprendizado de como é estar nestes mercados. Sim, estamos aqui representados pelo Ídio Chichava, mas creio que serei a próxima a fazer aqui a minha apresentação também dos meus trabalhos e que a dança em Moçambique está a ferver. De facto, estamos há bastante tempo nessa afirmação e satisfatoriamente podemos dizer hoje que sim, Moçambique existe, porque existimos já há um tempo, mas é continuar a dizer que estamos ali firmes e que não estamos a abandonar este assunto que levamos muito a sério. É uma forma de vir aqui afirmar que existe um lugar onde tem que se ir, que é Moçambique, que a dança em Moçambique fala também a voz do mundo.” A Janeth Mulapha é uma das vozes e um dos corpos que fazem ferver essa dança em Moçambique. Quer falar-nos de si e do trabalho que tem desenvolvido? “Sim, eu e o Ídio praticamente trabalhamos de forma meio parecida, mas eu sou mais à procura do género, eu estou mais no género feminino, sou mulher e somos poucas em Moçambique, e até em África, como bailarinas e coreógrafas porque não é fácil. Eu sou mãe, sou esposa, são multitarefas que eu tenho para além de ser artista. Ser artista em África e, ao mesmo tempo, poder fazer as outras tarefas, eu sempre digo que ser mulher é uma empresa, é criar uma empresa, e empresa não é para pequena gente. Para mim, como Janeth, eu estou mais na afirmação do género, trabalho muito com mulheres. Em África dançamos todos os dias, acordamos dançando, as mulheres dançam, vão ao mercado e dançam, estão a cozinhar e dançam. Eu  não vou à procura da estética de alguém que tem uma estética para ser bailarino. Não. Para mim, todo o mundo pode dançar e a partir do momento em que elas podem dançar, eu danço com elas e procuro nelas esses desafios todos que nós enfrentamos diariamente porque acordamos muitas vezes com muitas incertezas, não sabemos se voltamos com alguma coisa para casa. Eu danço essas coisas, danço essa vivência, danço esse quotidiano feminino.” Há temas específicos à identidade, entre aspas, moçambicana feminina? “Existem, sim. Eu, por exemplo, neste último trabalho que vou fazer e que vou apresentar na Bienal da Dança em Moçambique é a partir de uma dança tradicional moçambicana que se chama Tufo, do Norte de Moçambique, da Ilha de Moçambique, que é feita por mulheres. Neste projecto, trabalho muito com senhoras com idade muito avançada que cantam, dançam e estamos ali sem rigidez. Nós dançamos a vida, dançamos o que a gente sente, o que a gente chora, o que a gente contempla, o que a gente agradece. A gente dança o nascimento de uma criança, a gente dança os nossos divórcios, a gente dança os nossos encontros.” Numa conferência na Bienal, o Ídio Chichava dizia que a Janeth Mulapha é como ele no que toca ao abrir a casa às pessoas para elas entrarem e dançarem. É assim que funciona este processo de criação? É na partilha? “Claramente, o Ídio disse tudo. Nós, em Moçambique abrimos as portas, muitas vezes eu, como coreógrafa, procuro um espaço, pago o tal espaço, mas abro exactamente para que tenha mais meninas que venham estar connosco nestas partilhas. É partilha mesmo porque do mesmo jeito que eu dou, também recebo. Muitas vezes as criações vão surgindo dessa forma, a gente vai criando com base naquilo que está ali e experiencia. Alguém que chegou é nova, mas não é nova, porque traz uma bagagem de história que podemos partilhar e fazemos dessa partilha alguma coisa que depois misturamos e cozinhamos ali qualquer coisa. Eu vou para as práticas do Ídio, eu vejo as bailarinas, ele também vem para as minhas práticas, espreita também. Então, há muita coisa de família, de estarmos ali. Não procuramos o perfeito porque para mim todos dançamos. Seguimos essas sinergias de estarmos todos juntos sempre e partilharmos. E sim, eu sou resiliente porque muitas vezes não tenho nada para oferecer, às vezes, só uma garrafa de água e ficamos ali a partilhar cinco litros de água e cada um vai bebendo e vamos continuar com nossas práticas. Nós abrimos as portas para todo o mundo e damos aquilo que nós também já vimos aprendendo ao redor do mundo porque também trabalhei com uma companhia por muito tempo. Neste processo de pesquisa e tudo o mais, gostamos muito e vamos partilhando com a nova geração. Nova geração, entre aspas, porque estou a trabalhar agora com senhoras de 60 e 50 anos, não é nenhuma nova geração, mas são pessoas que são novas no estilo de dança que fazemos que é a dança contemporânea, mas tem tradição. Então, a partir da sua tradição, das danças tradicionais, vamos seguindo para uma viagem em que descobrimos que afinal o Tufo tem variantes, que é o tal contemporanizar o próprio Tufo, sem destruir aquilo que é o tradicional.” Que oportunidades é que esta bienal europeia pode trazer? “Há muita coisa boa a andar pelo mundo, que está no mundo e que está muito fechado, precisa de oportunidades, precisa de ser visto. Para mim, estar aqui foi muito mais do que pensar em essas oportunidades de circulação. Eu preciso circular, quero circular. Eu vejo aqui a oportunidade de poder pôr o meu trabalho na estrada, de poder circular, de poder também fazer residências, de poder ver se aperfeiçoo.” Esta Bienal de Dança de Lyon abriu portas? “Eu acho que abriu. Tive muitos encontros, muita gente com muito interesse em perceber quem sou eu e onde estou naquele lugar, por exemplo, que o Ídio já abriu, que é essa semente que ele lançou e que é que estamos em Moçambique e que já vinha sendo lançada por outros, pelo Panaibra Gabriel, pelo Horácio Macuacua. Fiz parte desses grupos desses dois coreógrafos pioneiros. Depois, com o Ídio e mesmo com o falecido Augusto Cuvilas, estamos mesmo com uma espécie de uma estrada, uma estrutura meio organizada. Estar aqui, para mim, é dizer que, sim, nós existimos  e olhem para estas novas coisas que existem.” Até agora, a Bienal de Dança de Lyon e outros festivais europeus não estavam voltados para Moçambique? “Eu não sei dizer se não estavam ou se é porque tinham algumas coisas quadradas. Os programadores vão ao festival e já sabem exactamente o que querem, sem sequer darem a oportunidade de ver também o que existe de novo porque têm uma aliança com algumas pessoas que já estão super estabelecidas e têm a certeza que elas não desiludem no trabalho final que entregam. Eu acho que há falta de vontade em se arriscar nos novos talentos. Eu acho que os que já estão estabelecidos devem poder dar a oportunidade aos novos para que a coisa continue a refrescar. Eu acho que precisamos de fazer com que essa roda não pare. Hoje foi você, amanhã o fulano e eu refresco-me com base naquilo que eu vejo que você trouxe de modo a que o mundo não fique com uma só cor porque parece que estão a pintar com uma única cor e, no entanto, tem várias cores a serem usadas, o mundo é super colorido, então não entendo como é que se fixa muito. Não digo que está errado, mas acho que é só uma questão de segurança, sabem o que é que vai dar, sabem qual é o deliver, mas eu acho que é preciso arriscar e estamos aqui prontas para isso.”

Vida em França
Moçambique e Brasil mostraram “outras maneiras de pensar a dança” na Bienal de Lyon

Vida em França

Play Episode Listen Later Sep 22, 2025 16:24


A Bienal de Dança de Lyon contou, nesta 21ª edição, com um novo espaço internacional de debate, de pensamento e de criação, “Fórum”, animado por cinco curadores de Moçambique, Brasil, Austrália, Taiwan e Estados Unidos. O moçambicano Quito Tembe e a brasileira Nayse López integraram esta “primeira geração de curadores do Fórum” que mostrou “outras maneiras de pensar sobre a dança” e trouxeram artistas que ocuparam um edifício histórico com acções e espectáculos, como Ídio Chichava e o colectivo Original Bomber Crew. Quito Tembe é director artístico da KINANI - Plataforma Internacional de Dança Contemporânea de Maputo e convidou o coreógrafo moçambicano Ídio Chichava para criar um espectáculo com o público durante a Bienal de Dança de Lyon. Nayse López é jornalista e directora artística do Festival Panorama, um dos maiores festivais de artes cénicas do Brasil, e convidou o colectivo Original Bomber Crew para o Fórum. Ela também co-programou o foco de criação brasileira nesta bienal, intitulado “Brasil Agora!”. Fomos conversar com ambos sobre o que é este Fórum, o novo espaço internacional de debate, de pensamento e de criação da Bienal de Dança de Lyon, que durante uma semana ocupou o edifício histórico da Cité Internationale de la Gastronomie e mostrou que “as placas tectónicas da dança estão a mexer”. Nas palavras de Nayse Lopez, esta “primeira geração de curadores do Fórum” trouxe outras “maneiras de pensar sobre a dança e sobre a prática da criação artística em dança” e desafiou a Bienal de Lyon a “ir para o mundo, mais do que trazer o mundo para cá” e a focar-se em “outros trabalhos não conformativos com o que se chama na Europa de uma dança contemporânea de grande escala”. Quito Tembe lembra que Ídio Chichava e o colectivo Original Bomber Crew, por exemplo, têm em comum um “lugar de autenticidade” e de “verdade” artística da prática de uma dança alicerçada na realidade das suas comunidades. Afinal, “não é uma companhia de dança, não é um grupo de dança, é uma família que se constitui”.   RFI: O que é este Fórum da Bienal de Dança de Lyon? Nayse López, Curadora do Fórum: “O convite do Tiago foi um convite para que a gente trouxesse outras visões de mundo para dentro de uma Bienal que é o maior evento de dança do mundo, mas que também por conta desse tamanho, dessa história, está há muito tempo no mesmo lugar, dentro de uma lógica muito centro-europeia. Acho que a ideia do Tiago era justamente que nós os dois, mais a Angela Conquet, da Austrália, a Angela Mattox, dos Estados Unidos, e o River Lin de Taiwan, a gente pudesse trazer outros tipos de maneiras de pensar sobre a dança e sobre a prática da criação artística em dança. Aí chegámos a este formato, em que cada curador trouxe um artista e eles ocupam este prédio durante uma semana, com diversas acções.” Quito Tembe, Curador do Fórum: “Deixa-me dizer que estou muito contente de fazer esta entrevista porque também a fizemos há dois anos e era o início deste mesmo programa e lembro-me que na altura ainda não sabíamos definir muito bem o que é que isto ia ser. Hoje estamos aqui e hoje já estamos mais claros. Eu costumo dizer que este ainda não é o projecto, que este ainda é o início de um grande projeto que vem aí, ou melhor, que gostaríamos que viesse aí.” Que projecto seria esse? “O fórum tem que se transformar em tudo aquilo que a gente lá atrás prometeu que deveria ser. Penso que este momento que estamos a vivenciar do Fórum é de extrema importância porque marca o início de algo que ainda vai chegar à altura daquilo que nós gostaríamos que fosse.” O Quito Tembe convidou Ídio Chichava. Porquê? “Acho que é este o lugar do questionamento e o desafio que nos é colocado, e olhar para a cena africana e moçambicana, Ídio Chichava é um destes artistas que está a questionar muito. O trabalho dele é o espelho disso, do questionamento e de pôr não só em palavras, mas pôr em cena quais são estes questionamentos sobre a cena da dança internacional.” A Nayse López convidou o colectivo Original Bomber Crew. Porquê? Nayse López: “Eu conheço o Bomber Crew há muitos e muitos anos. São um colectivo que já existe há 15 anos com esse nome, mas antes era parte de um outro colectivo que era dirigido por um artista brasileiro muito conhecido aqui na Europa hoje em dia que é o Marcelo Evelin. Eles vêm dessa realidade, como a do Ídio, muito precária do ponto de vista financeiro, de falta de estrutura para a dança nos nossos países, especialmente, no caso do Brasil, fora da capital cultural do Rio e São Paulo. Eles vivem no Nordeste do Brasil, bem isolados do resto da função cultural, do dinheiro cultural, mas, ao mesmo tempo, sobreviveram no tempo graças à força da sua criação. Quer dizer, para mim interessava aqui no Fórum trazer artistas que sobreviveram à falta do que eles acham que é importante na Europa, que é dinheiro, reconhecimento, circulação, e que sobreviveram justamente do que eu sinto que falta aqui, que é essa verdade artística, esse aterramento na sua realidade, no seu quotidiano, nas suas comunidades. Então, não é por acaso, tanto o Ídio quanto o Bomber são artistas que nascem de uma colectividade ligada ao território e que também é o caso dos outros artistas, dos outros curadores. Acho que isso não é uma coincidência. Somos todos ex-colónias. Quer dizer, para nós, a ideia de ancestralidade foi sequestrada. Retomar essa ideia é importante artisticamente. É um processo de entendimento para eles - aqui na Europa, sobretudo - de que há outras formas de existir como artista contemporâneo que não é a fórmula que eles conhecem. Não é que é melhor ou que é pior, é só que é muito diferente. Nós somos a primeira geração de curadores do Fórum, por assim dizer. Começámos ocupando um prédio, começámos trazendo algumas ideias, começámos com alguns artistas na programação, outros apresentando estúdios abertos, oficinas. Mas eu acho que o que a gente quer deixar aqui é um pensamento de que a Bienal de Lyon, mais do que trazer o mundo para cá, precisa também de ir para o mundo, olhar para o mundo e entender que no mundo há lugares onde se faz dança de outra maneira. Isso é a ideia fundamental.” Essa foi uma das críticas que apontou durante uma conferência no Fórum, a ideia de uma Bienal eurocentrada. O Tiago Guedes defende que está a abrir e que convida novos nomes. A Bienal não está suficientemente aberta? “Não é que não esteja aberta. Eu acho que é interessante porque numa conversa com os curadores, o próprio Tiago começa falando que ele, quando chega na Bienal, encontra uma bienal muito eurocentrada. Não é que é só eurocentrada, não é nem uma questão geográfica, é uma questão de um tipo de dança que se tornou predominante, uma maneira de fazer, de pensar, um resultado estético que eu acho que ao longo dessas últimas décadas se tornou muito predominante aqui nos principais projectos europeus de dança. Eu acho que tem uma abertura, tem artistas que estão circulando, do Brasil, por exemplo, temos vários artistas circulando no mundo, mas eu acho que não é só a circulação de artistas, acho que nós estamos falando aqui no Fórum de uma circulação de saberes, de formas de trabalhar, de lógicas de produção, que não é só o resultado que viaja, viaja também a comunidade. Hoje falámos na noção de família. Tem artistas nas nossas realidades que quando trazem um trabalho, esse trabalho traz uma família, traz um colectivo, traz uma comunidade, não é um resultado de um projecto, de uma pessoa. Eu acho que isso é uma coisa que falta realmente explorar mais. Agora, eu acho que é uma bienal que este ano especificamente se abriu muito porque é uma bienal que marca um dos últimos projectos do ano da temporada França-Brasil – o que é já em si é uma discussão sobre essa abertura. Eu, como Festival Panorama, fui convidada pelo Tiago para pensar uma programação conjunta com ele de espectáculos brasileiros.” É o foco intitulado “Brasil Agora”? “É o 'Brasil Agora'. Então, o ‘Brasil Agora' é um marco dentro do festival que tem a ver com o ano do Brasil em França, mas que nasce antes, quando eu e o Tiago conversávamos que esta edição era 30 anos depois da primeira bienal que foi dedicada ao Brasil, aqui mesmo em Lyon, que foi onde Lia Rodrigues surgiu para o mundo europeu. A gente traz neste ano, por exemplo, a própria Lia, um artista do Sul do Brasil que é Alejandro Ahmed e um colectivo também do sul do Brasil, o Cena 11, o trabalho de Davi Pontes e Wallace Ferreira e o trabalho do Bomber. Esta programação que eu faço como Festival Panorama, nem como curadora do Fórum, mas como Festival Panorama, ela também já é uma abertura enorme da bienal a um universo bem grande do Brasil. Então, só é possível porque a gente conseguiu também que o próprio Tiago, pelas suas relações com o Brasil, olhasse de maneira mais generosa para dar tanto espaço para uma programação brasileira. Claro que dentro de uma lógica de ano cultural, com os apoios governamentais e patrocínios, mas é uma abertura que parte do próprio Tiago.” Houve esta abertura para o Brasil, impulsionada pela temporada Brasil-França. E Moçambique? Começa a haver visibilidade, aqui na Europa, em relação ao trabalho da dança em Moçambique? Quito Tembe: “Esta é a segunda vez que falamos aqui, este é o reflexo de Moçambique na Europa e esta é a abertura que a gente tenta, a todo o custo, dar não só para Moçambique, mas para o continente em si. Acho que este lugar do Fórum não só abre este lugar da mostra ou este lugar da presença, mas também abre este lugar de perspectivas. O que é que pode ser o amanhã? E é tão interessante como a conversa que tivemos esta manhã de noções de como fazer e as realidades de cada contexto. Para mim, isto é uma abertura não só para a gente estar aqui a dialogar sobre o Fórum, mas para trazer este lugar da honestidade de onde a gente vem e também perceber-se o que é que se pode procurar nestes lugares porque é fácil que a gente tenha artistas que sabem muito bem fazer o ‘make up' nas suas obras artísticas para vocês comprarem porque está dentro do vosso padrão a nível de programação, mas ao mesmo tempo, se vocês não têm a noção da realidade de onde estes artistas vêm, como é que estes artistas trabalham e que género de plataformas ou de encontros se pode incluir nas programações estes artistas, é muito complicado.” De certa forma, para os artistas que procuram visibilidade, não há uma certa ilusão em vir à Bienal à procura de apoios? “Mas aí é que está este lugar do diálogo e de irmos para a honestidade do que é que estamos a fazer. O Ídio e o Bomber Crew, com as suas próprias palavras, eles desconstroem este lugar da busca, da compra, de venda. Para nós, mais do que uma ilusão de estar aqui, acho que é trazer esta honestidade. A partir de um programa como este do Fórum, a gente abre este diálogo e este diálogo traz aqui um lugar de honestidade, traz aqui um lugar de desconstrução de compra e de venda e até este lugar de ‘O que é que nós programamos, para quem programamos e para quem é que estamos a vender'. A Nayse provocou o Ídio hoje, dizendo que ele é o que está na moda, é o que está a fazer tournées…” Nayse López: “E é.” Quito Tembe: “É, mas eu queria levar para o lado da humildade dele, no sentido de que nem respondeu directo, virou o assunto para o lugar da família. É este lugar da honestidade.” Nayse López: “E é verdade porque é alheio a ele. Ele ter entrado na moda não é por causa dele, é por causa do trabalho neste momento atender também a coisas que interessam aos programadores. Ele está fazendo o mesmo trabalho que ele sempre fez, ele não fez nada para isso acontecer nesse sentido. É verdadeiro o trabalho. Mas é que agora houve um outro olhar. Eu acho que esses olhares, que começaram a entender a Lia Rodrigues, por exemplo, há alguns anos, que começam a entender o Ídio agora, que começaram a entender outros trabalhos não conformativos com o que se chama aqui na Europa de uma dança contemporânea de grande escala e tal, eu acho que é um caminho que a gente vem construindo há muitos anos.” As placas tectónicas da dança estão a mexer? Nayse López: “Estão-se mexendo. Ninguém segura mais e vem com tudo!” O Quito Tembe disse, numa conferência, que o futuro da dança contemporânea é a tradição. Quer explicar? Quito Tembe: “É por causa de toda esta discussão sobre a narrativa de tentarmos definir a dança contemporânea e de procurarmos lugar na contemporaneidade das outras formas de fazer dança. Quando estamos a dizer que estamos a mexer as placas, de que maneira é que estão a ser mexidas estas placas? Como é que um artista como o Ídio, com aquele formato de espectáculo, hoje está a mexer o mundo? Porquê? Porque traz uma honestidade. Volta a devolver-nos, a todos nós, de onde ele vem e quem ele é, a nível da sua forma de estar na dança. Então, este lugar de dizermos que o futuro da dança está na tradição, quiçá, é aí onde um dia vamos encontrar as novas formas e o que podemos definir como o amanhã da dança contemporânea.” Não há o risco de se cair num exotismo na busca do folclore, na busca das raízes? Nayse López: “É porque o olhar que busca o folclórico nunca é o nosso porque para nós não é folclore, para nós é tradição. Eu não sou uma pessoa de origem africana, eu sou uma mulher branca num país maioritariamente negro. Mas quando você olha, por exemplo, o Bomber, quando Bomber vai buscar nos seus ancestrais indígenas e negros, movimentos, músicas, operações quotidianas que geram sons, eles não estão fazendo nada de exótico. Eles estão fazendo o que eles faziam na casa das avós. Quem acha exótico é o francês de Lyon, é o francês de Paris, é o alemão de Berlim que não sabe o que é aquilo e vê um chocalho e acha exótico. A gente acha chocalho normal porque tem na casa de todo mundo. Esse olhar é europeu, não é nosso. Há o risco de uma exotização, sempre houve, melhor que seja com artistas que estão fazendo coisas de qualidade do que com os que estão fazendo para turistas, não é mesmo? Então, já acho um ganho. Agora, eu acho que se tem que ter cuidado com a palavra ‘tradição' porque a ‘tradição' a que se refere Quito não é a ‘tradição' no sentido do conservadorismo. Acho que há um perigo nessa volta da ‘tradição', nessa busca, a gente não pode cair nessa porque o Nijinski já tinha caído lá no começo do século [XX]. Várias pessoas do ballet já tinham caído nessa ideia de buscar a dança pura, tradicional, uma dança histórica. Não é disso que a gente está falando. A gente está falando que talvez a tradição, de movimento, de arte, possa trazer elementos que devolvam essa verdade da criação. Essa palavra ‘verdade' também é ruim… RFI: Autenticidade? Nayse López: “Também é ruim, são ruins essas palavras porque foram capturadas por um discurso liberal e de direita e a gente tenta escapar delas. Bomber é um colectivo urbano, um colectivo de meninos que vêm do hip hop, que estão ligados a um movimento musical e de dança global. Quando a gente pensa que o Bomber se alimenta de ancestralidade, de coisas que vêm das suas famílias, mas o trabalho deles não tem nada de folclórico ou exótico ou tradicional. Não querendo ‘womansplaining' o Quito, eu acho que o Quito tem essa visão de quem está num continente africano, onde a ancestralidade é muito clara, muito forte, de que essas ideias de tempo linear, essas ideias de um corpo que nasce da relação com a natureza, essas coisas que são ancestrais, talvez sejam o que está faltando hoje na dança que se tornou tão desconectada do mundo.” Quito Tembe: “É muito interessante estarmos a ter esta conversa numa entrevista e estarmos a partilhar destas visões porque acho que é exactamente isso. É nesta linha que, ao mesmo tempo, trabalhos como o do Bomber devolvem-nos um lugar da autenticidade do bailarino, de autenticidade da prática em si. Se olhas para o colectivo Bomber ou para o coletivo do Ídio, há uma similaridade muito grande. Quando falo de similaridade é que ambos sem se conhecerem, o corpo como corpo bailante é autêntico, não é um corpo de um bailarino com algumas características que estão lá lineares. Há aí este lugar de autenticidade e voltamos mais uma vez para a questão da família, voltamos mais uma vez para como é que se constroem estes colectivos. Não é uma companhia de dança, não é um grupo de dança, é uma família que se constitui.”  

Artes
Ídio Chichava leva “o poder da dança” moçambicana à Bienal de Dança de Lyon

Artes

Play Episode Listen Later Sep 22, 2025 14:21


O coreógrafo e bailarino moçambicano Ídio Chichava apresenta dois projectos na Bienal de Dança de Lyon, considerada como o principal evento de dança contemporânea do mundo. “Vagabundus” é apresentado em Lyon esta quarta, quinta e sexta-feira, depois de ter estado em vários palcos internacionais, incluindo em Paris. Ídio Chichava também criou uma peça participativa durante a bienal, “M'POLO”, em que transformou os espectadores em intérpretes de rituais e danças moçambicanas. Ídio Chichava acredita profundamente no que chama de “poder da dança”, um lugar onde “o corpo tem capacidade para mudar o mundo”. É na “força do colectivo” que reside essa magia, alimentada por tradições ancestrais, mas também por saberes e vivências impressas nos próprios corpos. Ídio Chichava descreve Vagabundus como “uma experiência humana, uma experiência de vida sobre fronteiras e sobre raízes”. A força da peça reside nesse poder do colectivo, na exigência técnica dos bailarinos e da escrita coreográfica, não havendo decoração ou cenários. Uma simplicidade aparente que diz muito sobre a falta de financiamento para a cultura em Moçambique, mas que, com o tempo, se transformou “numa riqueza”, conta Ídio Chichava. Vagabundus tem corrido mundo e revelado o coreógrafo nos circuitos internacionais da dança contemporânea. Pelo caminho, Chichava venceu o Salavisa European Dance Award da Fundação Calouste Gulbenkian e com o prémio espera abrir uma escola de dança em Maputo. Agora, apresenta, pela primeira vez, Vagabundus na Bienal de Dança de Lyon, o ponto de encontro de programadores, directores de festivais e artistas, que decorre durante o mês de Setembro. O caminho para Lyon foi feito com o convite de Quito Tembe, director artístico da KINANI, Plataforma de Dança Contemporânea, em Maputo, e que é um dos cinco curadores internacionais nesta 21ª edição da bienal francesa. Cada curador podia escolher um artista dos seus países e Quito Tembe foi buscar Ídio Chichava e os seus bailarinos para representarem Moçambique. Além das conferências em que falou sobre a potência e as dificuldades da dança em Moçambique, Ídio Chichava criou, ‘in loco', um “espectáculo participativo”, segundo as palavras da bienal, “um ritual de encontro”, de acordo com o artista. Em três dias, transformou dezenas de espectadores em intérpretes e quis “desconstruir essa compreensão sobre o que é o espectáculo e a dança contemporânea”. O resultado tem como título M'POLO, Rituais do corpo vivo e insuflou uma rajada de liberdade, alegria, cânticos e dança para todos. Nas palavras de Ídio Chichava, o tal “ritual de encontro” pretendeu “reconectar o ser humano com ele próprio” e foi “um lugar onde todos podem estar juntos”.   Ídio Chichava: “Sou alguém que acredita muito no poder da dança” RFI: Como é que descreve “Vagabundus”, essa força da natureza que vos tem levado mundo fora? Ídio Chichava, coreógrafo e bailarino: “Eu descrevo como uma espécie de movimento que pensa muito colectivo e tenta encontrar sempre a força do colectivo a partir do olhar que eu tenho sobre cada indivíduo e a forma como nós vemos a relação inter-humana. ‘Vagabundus' é mais uma experiência humana, mais uma experiência de vida sobre fronteiras e sobre o sobre lugar, sobre raízes mesmo.” “Vagabundus” é profundamente ancorado em Moçambique, na sua ancestralidade. Quer falar-nos sobre isso? “Sim, está muito fixo nisso, muito apegado a isso. Primeiro, há um lugar que nós não podemos fugir. Eu não posso fugir, nem os intérpretes, nem qualquer pessoa que faça parte deste projecto ‘Vagabundus' pode fugir pelo facto de sermos todos formados em danças tradicionais. Somos pessoas que têm uma formação, que têm fundamentos sobre danças tradicionais e desenvolvemos o nosso trabalho sempre com essa consciência de quem somos e que queremos partilhar com os outros. Depois, é pelo facto de Moçambique também ter uma história de migração muito forte, principalmente com a África do Sul. A outra coisa é pelo facto de eu próprio ter escolhido ‘Vagabundus' não só como uma peça, mas também como um projecto que vai, de certa forma, afirmar aquilo que são as nossas vontades, a minha vontade, de criar uma instituição de dança, criar uma estrutura de dança, como eu sempre venho dizendo. ‘Vagabundus' foi a porta para isso. Sinto realmente essa ancoragem com Moçambique, essa base forte.” Como está o projecto dessa instituição? Já está criada? “Quer dizer, primeiro na ideia e no funcionamento já está criada. Quando criei a companhia, ainda não tinha bases, uma administração, então, sim, ela está criada. Existe uma espécie de estrutura e uma espécie de agenda. O que nós estamos a discutir ainda, mesmo com relação ao prémio da Gulbenkian que é um reforço maior para essa agenda, é um lugar. Então, ela existe pelo seu funcionamento, mas não existe ainda o físico. Nós estamos ainda a trabalhar no físico e principalmente agora, com a ajuda da Gulbenkian, que nos faz, pelo menos, ao meio do caminho. Só para contextualizar, recordo que é o prémio Salavisa European Dance Award da Fundação Calouste Gulbenkian. Eu gostava também que falássemos sobre as escolhas do espectáculo. São mesmo escolhas ou é porque tinha mesmo que ser assim? Não tem luzes, não tem cenários, é uma coisa muito natural e muito despojada… “Primeiro de tudo, eu faço confiança ao corpo. Eu penso que o corpo, ele é inteligente, ele próprio. Segundo, são as vivências do próprio corpo, não o corpo como lugar de memória, mas o corpo como um espaço tecnológico.” Como assim? “O corpo tem saberes a partir das experiências que passou, vai acumulando saberes. Então, eu acredito que o corpo, ele próprio, pode comunicar com qualquer outro corpo. Penso sempre o corpo como um lugar tecnológico que tem capacidade de desenvolver e de nos fazer aceder a outros lugares de forma emocional, de forma espiritual e também de uma forma física. Então, acredito o corpo como esse espaço com capacidade para mudar o mundo também.” No momento em que vivemos toda a aceleração tecnológica, em que passamos para a inteligência artificial, em que qualquer espectáculo tem tanta coisa, até ruído visual, vocês vão ao essencial. É político? “É político porque nós viemos de um lugar e temos opinião só por isso, mas sem uma intenção clara de reivindicação. A intenção clara é demonstrar justamente com o que nós fazemos, com o que nós desenvolvemos e do lugar que eu venho e de onde os Vagabundus vêm não há condições de criação técnica. A peça é forte justamente porque essa simplicidade, essa falta, é uma riqueza para nós. Usamos isso como riqueza, de certa forma. Por isso é que os ‘Vagabundus' têm essa exigência tão técnica, sem muita decoração e sem cenários. Essa simplicidade, nós usamos como riqueza porque é o que nós temos.” Mas isso não corre o risco de ser visto como uma ode à precariedade? Vocês não deveriam sempre pedir mais? “Pois, poderíamos sempre pedir mais. Só que aí é que está. Temos vindo a discutir muito sobre a falta, sobre co-produções, sobre quem nos ajuda. É sempre o meu pensamento, principalmente com relação aos nossos produtores e às pessoas que produzem a Vagabundus ,que produzem o nosso trabalho, nós estamos sempre a discutir isso. Apesar de eu estar sempre a precisar de dinheiro - mesmo para esta última peça que eu estou a desenvolver, preciso de dinheiro para desenvolver figurinos e tudo - preciso procurar dinheiro em algum lugar. Mas também me trava um bocadinho e sempre fico a pensar nesse lugar de dependências e interdependências.” Não quer perder a autonomia, a liberdade? “De que forma continuamos a guardar a nossa autonomia, de que forma continuamos a desenvolver, como queremos fazer apesar do dinheiro não ser nosso, mas justamente por esse lugar inter-humano.” É um espectáculo novo? “Sim, eu estou a preparar um espectáculo que eu chamo de ‘Dzudza', uma palavra em changana para dizer vasculhar.  ‘Dzudza-se' muito nos mercados, nas ruas caóticas de Maputo, cada um à procura de uma peça melhor para si, é dizer mais ou menos isso. Eu vejo o ‘Dzudza' como o oposto do ‘Vagabundus'. ‘Vagabundus' é mais energético, mais interno e é completamente alegre. É uma acção de graças. Na verdade, toda a peça é uma acção de graças. Canta-se todo o tempo, a expressão é a mesma, a estética é a mesma, mas com perspectivas totalmente diferentes de levar à sala e ao público. Há momentos mais alegres. Há momentos mais ecléticos da vida.” Numa das conferências no Fórum da Bienal de Dança de Lyon disse que não via o “Vagabundus' como uma peça, como uma obra, mas como “uma lógica moçambicana de fazer as coisas”. O que quer isso dizer? “Quer dizer que a forma como ‘Vagabundus' foi constituído, as coisas acontecem porque o colectivo tem vontade de fazer. E ‘Vagabundus' foi feita por essa força do colectivo e por essa força individual. Cada um sempre contribuía com o seu transporte até ao lugar, justamente porque acreditava nisso. Uma das características de Moçambique é realmente confiar no colectivo. Para te dar um exemplo muito claro, económico, social e político disso, tem um termo e tem uma acção de empréstimos e de crédito que se chama xitique. Isso só existe em Moçambique. Eu vou explicar. É um grupo de pessoas que se juntam, vão guardar dinheiro para ajudar-se uns aos outros. Eles vão dizer que têm um xitique mensal ou semanal e cada um tem que tirar um valor por semana que vai ajudar um do grupo. Existe essa lógica de confiança que tu tiras o teu dinheiro, dás a alguém e ficas à espera da tua vez chegar. E sempre chega. Mas eu não consigo encontrar nenhuma lógica para isso, senão uma lógica moçambicana de confiança mesmo.” Falemos agora do outro projecto, o espectáculo participativo que fez na Bienal de Dança de Lyon. Como foi a criação?   “O ponto de partida é esse mesmo, a palavra espectáculo, performance. Quando o Quito [Tembe, co-curador do Forum] me escolheu, a ideia era desconstruir essa compreensão que temos sobre o espectáculo e sobre a dança contemporânea. Para mim, espectáculo é convidar alguém para assistir. Na minha ideia, nestes ‘Rituais do Corpo Vivo', eu não tenho público, tenho participantes. Pensar o público como participante da acção que partilhamos e que, se ele participa, também chega a ser um membro que tem algo a partilhar e que dessa partilha se cria uma energia. Então ‘M'Polo' é inspirado de um de um termo maconde de rito de iniciação, que é o espaço onde os iniciados se vão concentrar durante essa formação para passarem para a vida adulta. Vão-se iniciar, vão-se conhecer. Então, esse espectáculo é muito ligado a isso e muito ligado a se reconectar o ser humano com ele próprio. É um lugar onde todos possam respirar juntos, um lugar onde todos possam estar juntos. É um lugar aonde cada um é importante. Então, é isso que nós partilhamos aqui, nessa ideia de desconstruir essa ideia de espetáculo.” E é uma festa também. “Tentamos celebrar o momento, tentamos celebrar esse encontro. Na verdade, eu não sei se podemos chamar isso de uma performance, um espectáculo, mas é mais um ritual de encontro mesmo em que o público não sabe o que é que vai ser. O público não sabe que ele também é participante deste espaço.” E o público como aderiu? Pode ser intimidante… “Sim. Pode ser intimidante, mas por causa do preconceito do que é que é um espectáculo, na verdade, porque eles vão para assistir alguma coisa e isso também cria uma resistência interna, uma luta interna. Eu não sei se eles têm consciência até agora, não sei se eles têm a resposta se eles viram um espectáculo ou se eles participaram do espectáculo.” Neste contexto do ritual colectivo, como é que a dança pode fazer corpo colectivo e ser ferramenta de resistência neste mundo cada vez mais polarizado e individualista? “Eu acho que a dança tem que ser isso, tem que ser um espaço ou tem que ser uma expressão ou um motor que convida as pessoas a dançarem. Também tem que ser um espaço onde as pessoas se sintam no lugar de doadores também, doadores da sua presença. Um espaço que qualquer pessoa pode, de certa forma, mudar uma situação. Eu vejo a dança como isso. Para mim, a dança tem que ser esse espaço que acolhe pessoas. Um espaço acolhedor.” Para terminarmos, para quem ainda não o conhece – e depois de ter ouvido aqui na Bienal que o Ídio Chichava é a moda do momento – quer falar-nos um pouco sobre si? “Sou formado em danças tradicionais. Sou alguém que viveu parte da sua formação como artista e bailarino na França, alguém que viajou muito pelo mundo sempre através da dança. E alguém que acredita muito no poder da dança.”    

Em directo da redacção
Ídio Chichava levou “o poder da dança” moçambicana à Bienal de Dança de Lyon

Em directo da redacção

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O coreógrafo e bailarino moçambicano Ídio Chichava apresenta dois projectos na Bienal de Dança de Lyon, considerada como o principal evento de dança contemporânea do mundo. “Vagabundus” chega a Lyon a 24, 25 e 26 de Setembro, depois de ter estado em vários palcos internacionais, incluindo em Paris. Ídio Chichava também criou uma peça participativa durante a bienal, “M'POLO”, em que transformou os espectadores em intérpretes de rituais e danças moçambicanas. Ídio Chichava acredita profundamente no que chama de “poder da dança”, um lugar onde “o corpo tem capacidade para mudar o mundo”. É na “força do colectivo” que reside essa magia, alimentada por tradições ancestrais, mas também por saberes e vivências impressas nos próprios corpos. Ídio Chichava descreve Vagabundus como “uma experiência humana, uma experiência de vida sobre fronteiras e sobre raízes”. A força da peça reside nesse poder do colectivo, na exigência técnica dos bailarinos e da escrita coreográfica, não havendo decoração ou cenários. Uma simplicidade aparente que diz muito sobre a falta de financiamento para a cultura em Moçambique, mas que, com o tempo, se transformou “numa riqueza”, conta Ídio Chichava. Vagabundus tem corrido mundo e revelado o coreógrafo nos circuitos internacionais da dança contemporânea. Pelo caminho, Chichava venceu o Salavisa European Dance Award da Fundação Calouste Gulbenkian e com o prémio espera abrir uma escola de dança em Maputo. Agora, apresenta, pela primeira vez, Vagabundus na Bienal de Dança de Lyon, o ponto de encontro de programadores, directores de festivais e artistas, que decorre durante o mês de Setembro. O caminho para Lyon foi feito com o convite de Quito Tembe, director artístico da KINANI, Plataforma de Dança Contemporânea, em Maputo, e que é um dos cinco curadores internacionais nesta 21ª edição da bienal francesa. Cada curador podia escolher um artista dos seus países e Quito Tembe foi buscar Ídio Chichava e os seus bailarinos para representarem Moçambique. Além das conferências em que falou sobre a potência e as dificuldades da dança em Moçambique, Ídio Chichava criou, ‘in loco', um “espectáculo participativo”, segundo as palavras da bienal, “um ritual de encontro”, de acordo com o artista. Em três dias, transformou dezenas de espectadores em intérpretes e quis “desconstruir essa compreensão sobre o que é o espectáculo e a dança contemporânea”. O resultado tem como título M'POLO, Rituais do corpo vivo e insuflou uma rajada de liberdade, alegria, cânticos e dança para todos. Nas palavras de Ídio Chichava, o tal “ritual de encontro” pretendeu “reconectar o ser humano com ele próprio” e foi “um lugar onde todos podem estar juntos”.   Ídio Chichava: “Sou alguém que acredita muito no poder da dança” RFI: Como é que descreve “Vagabundus”, essa força da natureza que vos tem levado mundo fora? Ídio Chichava, coreógrafo e bailarino: “Eu descrevo como uma espécie de movimento que pensa muito colectivo e tenta encontrar sempre a força do colectivo a partir do olhar que eu tenho sobre cada indivíduo e a forma como nós vemos a relação inter-humana. ‘Vagabundus' é mais uma experiência humana, mais uma experiência de vida sobre fronteiras e sobre o sobre lugar, sobre raízes mesmo.” “Vagabundus” é profundamente ancorado em Moçambique, na sua ancestralidade. Quer falar-nos sobre isso? “Sim, está muito fixo nisso, muito apegado a isso. Primeiro, há um lugar que nós não podemos fugir. Eu não posso fugir, nem os intérpretes, nem qualquer pessoa que faça parte deste projecto ‘Vagabundus' pode fugir pelo facto de sermos todos formados em danças tradicionais. Somos pessoas que têm uma formação, que têm fundamentos sobre danças tradicionais e desenvolvemos o nosso trabalho sempre com essa consciência de quem somos e que queremos partilhar com os outros. Depois, é pelo facto de Moçambique também ter uma história de migração muito forte, principalmente com a África do Sul. A outra coisa é pelo facto de eu próprio ter escolhido ‘Vagabundus' não só como uma peça, mas também como um projecto que vai, de certa forma, afirmar aquilo que são as nossas vontades, a minha vontade, de criar uma instituição de dança, criar uma estrutura de dança, como eu sempre venho dizendo. ‘Vagabundus' foi a porta para isso. Sinto realmente essa ancoragem com Moçambique, essa base forte.” Como está o projecto dessa instituição? Já está criada? “Quer dizer, primeiro na ideia e no funcionamento já está criada. Quando criei a companhia, ainda não tinha bases, uma administração, então, sim, ela está criada. Existe uma espécie de estrutura e uma espécie de agenda. O que nós estamos a discutir ainda, mesmo com relação ao prémio da Gulbenkian que é um reforço maior para essa agenda, é um lugar. Então, ela existe pelo seu funcionamento, mas não existe ainda o físico. Nós estamos ainda a trabalhar no físico e principalmente agora, com a ajuda da Gulbenkian, que nos faz, pelo menos, ao meio do caminho. Só para contextualizar, recordo que é o prémio Salavisa European Dance Award da Fundação Calouste Gulbenkian. Eu gostava também que falássemos sobre as escolhas do espectáculo. São mesmo escolhas ou é porque tinha mesmo que ser assim? Não tem luzes, não tem cenários, é uma coisa muito natural e muito despojada… “Primeiro de tudo, eu faço confiança ao corpo. Eu penso que o corpo, ele é inteligente, ele próprio. Segundo, são as vivências do próprio corpo, não o corpo como lugar de memória, mas o corpo como um espaço tecnológico.” Como assim? “O corpo tem saberes a partir das experiências que passou, vai acumulando saberes. Então, eu acredito que o corpo, ele próprio, pode comunicar com qualquer outro corpo. Penso sempre o corpo como um lugar tecnológico que tem capacidade de desenvolver e de nos fazer aceder a outros lugares de forma emocional, de forma espiritual e também de uma forma física. Então, acredito o corpo como esse espaço com capacidade para mudar o mundo também.” No momento em que vivemos toda a aceleração tecnológica, em que passamos para a inteligência artificial, em que qualquer espectáculo tem tanta coisa, até ruído visual, vocês vão ao essencial. É político? “É político porque nós viemos de um lugar e temos opinião só por isso, mas sem uma intenção clara de reivindicação. A intenção clara é demonstrar justamente com o que nós fazemos, com o que nós desenvolvemos e do lugar que eu venho e de onde os Vagabundus vêm não há condições de criação técnica. A peça é forte justamente porque essa simplicidade, essa falta, é uma riqueza para nós. Usamos isso como riqueza, de certa forma. Por isso é que os ‘Vagabundus' têm essa exigência tão técnica, sem muita decoração e sem cenários. Essa simplicidade, nós usamos como riqueza porque é o que nós temos.” Mas isso não corre o risco de ser visto como uma ode à precariedade? Vocês não deveriam sempre pedir mais? “Pois, poderíamos sempre pedir mais. Só que aí é que está. Temos vindo a discutir muito sobre a falta, sobre co-produções, sobre quem nos ajuda. É sempre o meu pensamento, principalmente com relação aos nossos produtores e às pessoas que produzem a Vagabundus ,que produzem o nosso trabalho, nós estamos sempre a discutir isso. Apesar de eu estar sempre a precisar de dinheiro - mesmo para esta última peça que eu estou a desenvolver, preciso de dinheiro para desenvolver figurinos e tudo - preciso procurar dinheiro em algum lugar. Mas também me trava um bocadinho e sempre fico a pensar nesse lugar de dependências e interdependências.” Não quer perder a autonomia, a liberdade? “De que forma continuamos a guardar a nossa autonomia, de que forma continuamos a desenvolver, como queremos fazer apesar do dinheiro não ser nosso, mas justamente por esse lugar inter-humano.” É um espectáculo novo? “Sim, eu estou a preparar um espectáculo que eu chamo de ‘Dzudza', uma palavra em changana para dizer vasculhar.  ‘Dzudza-se' muito nos mercados, nas ruas caóticas de Maputo, cada um à procura de uma peça melhor para si, é dizer mais ou menos isso. Eu vejo o ‘Dzudza' como o oposto do ‘Vagabundus'. ‘Vagabundus' é mais energético, mais interno e é completamente alegre. É uma acção de graças. Na verdade, toda a peça é uma acção de graças. Canta-se todo o tempo, a expressão é a mesma, a estética é a mesma, mas com perspectivas totalmente diferentes de levar à sala e ao público. Há momentos mais alegres. Há momentos mais ecléticos da vida.” Numa das conferências no Fórum da Bienal de Dança de Lyon disse que não via o “Vagabundus' como uma peça, como uma obra, mas como “uma lógica moçambicana de fazer as coisas”. O que quer isso dizer? “Quer dizer que a forma como ‘Vagabundus' foi constituído, as coisas acontecem porque o colectivo tem vontade de fazer. E ‘Vagabundus' foi feita por essa força do colectivo e por essa força individual. Cada um sempre contribuía com o seu transporte até ao lugar, justamente porque acreditava nisso. Uma das características de Moçambique é realmente confiar no colectivo. Para te dar um exemplo muito claro, económico, social e político disso, tem um termo e tem uma acção de empréstimos e de crédito que se chama xitique. Isso só existe em Moçambique. Eu vou explicar. É um grupo de pessoas que se juntam, vão guardar dinheiro para ajudar-se uns aos outros. Eles vão dizer que têm um xitique mensal ou semanal e cada um tem que tirar um valor por semana que vai ajudar um do grupo. Existe essa lógica de confiança que tu tiras o teu dinheiro, dás a alguém e ficas à espera da tua vez chegar. E sempre chega. Mas eu não consigo encontrar nenhuma lógica para isso, senão uma lógica moçambicana de confiança mesmo.” Falemos agora do outro projecto, o espectáculo participativo que fez na Bienal de Dança de Lyon. Como foi a criação?   “O ponto de partida é esse mesmo, a palavra espectáculo, performance. Quando o Quito [Tembe, co-curador do Forum] me escolheu, a ideia era desconstruir essa compreensão que temos sobre o espectáculo e sobre a dança contemporânea. Para mim, espectáculo é convidar alguém para assistir. Na minha ideia, nestes ‘Rituais do Corpo Vivo', eu não tenho público, tenho participantes. Pensar o público como participante da acção que partilhamos e que, se ele participa, também chega a ser um membro que tem algo a partilhar e que dessa partilha se cria uma energia. Então ‘M'Polo' é inspirado de um de um termo maconde de rito de iniciação, que é o espaço onde os iniciados se vão concentrar durante essa formação para passarem para a vida adulta. Vão-se iniciar, vão-se conhecer. Então, esse espectáculo é muito ligado a isso e muito ligado a se reconectar o ser humano com ele próprio. É um lugar onde todos possam respirar juntos, um lugar onde todos possam estar juntos. É um lugar aonde cada um é importante. Então, é isso que nós partilhamos aqui, nessa ideia de desconstruir essa ideia de espetáculo.” E é uma festa também. “Tentamos celebrar o momento, tentamos celebrar esse encontro. Na verdade, eu não sei se podemos chamar isso de uma performance, um espectáculo, mas é mais um ritual de encontro mesmo em que o público não sabe o que é que vai ser. O público não sabe que ele também é participante deste espaço.” E o público como aderiu? Pode ser intimidante… “Sim. Pode ser intimidante, mas por causa do preconceito do que é que é um espectáculo, na verdade, porque eles vão para assistir alguma coisa e isso também cria uma resistência interna, uma luta interna. Eu não sei se eles têm consciência até agora, não sei se eles têm a resposta se eles viram um espectáculo ou se eles participaram do espectáculo.” Neste contexto do ritual colectivo, como é que a dança pode fazer corpo colectivo e ser ferramenta de resistência neste mundo cada vez mais polarizado e individualista? “Eu acho que a dança tem que ser isso, tem que ser um espaço ou tem que ser uma expressão ou um motor que convida as pessoas a dançarem. Também tem que ser um espaço onde as pessoas se sintam no lugar de doadores também, doadores da sua presença. Um espaço que qualquer pessoa pode, de certa forma, mudar uma situação. Eu vejo a dança como isso. Para mim, a dança tem que ser esse espaço que acolhe pessoas. Um espaço acolhedor.” Para terminarmos, para quem ainda não o conhece – e depois de ter ouvido aqui na Bienal que o Ídio Chichava é a moda do momento – quer falar-nos um pouco sobre si? “Sou formado em danças tradicionais. Sou alguém que viveu parte da sua formação como artista e bailarino na França, alguém que viajou muito pelo mundo sempre através da dança. E alguém que acredita muito no poder da dança.”    

O Lado Bom da Vida
Conversas do Fim do Mundo. Um ano e 4 meses a atravessar África de bicicleta

O Lado Bom da Vida

Play Episode Listen Later Sep 20, 2025 43:50


Após terminar a licenciatura em Psicologia, Francisco França fez-se à estrada e foi até Maputo, em Moçambique, de bicicleta. Atravessou 20 países e pedalou cerca de 20 mil quilómetros.See omnystudio.com/listener for privacy information.

Conversas do Fim do Mundo Podcast
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Conversas de Fim de Tarde
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DW em Português para África | Deutsche Welle
12 de Setembro de 2025 - Jornal da Noite

DW em Português para África | Deutsche Welle

Play Episode Listen Later Sep 12, 2025 20:00


Hoje é dia de RADAR DW. Na edição desta sexta-feira, três anos passaram desde o início do segundo mandato de João Lourenço, que tomou posse a 15 de setembro de 2022. Entre promessas e desafios, o Presidente angolano comprometeu-se a combater vícios nas instituições do Estado, mas evitou assumir posições claras sobre as eleições autárquicas e o combate à corrupção.

Semana em África
Fim de mandato, greves e julgamentos: o que marcou os PALOP

Semana em África

Play Episode Listen Later Sep 5, 2025 10:07


A actualidade desta semana em África ficou designadamente marcada pelo fim mandato presidencial de Umaro Sissoco Embaló em clima de tensão constitucional, enquanto em Angola o Sindicato dos Jornalistas denunciou casos de intimidação a profissionais de empresas públicas de comunicação social, no contexto da greve. Cabo Verde reforçou apoios às empresas afectadas por uma tempestade, e em Moçambique foi libertada a assessora de Venâncio Mondlane, após despronúncia do Ministério Público. Na Guiné-Bissau, o fim do mandato presidencial de cinco anos de Umaro Sissoco Embaló, enquanto Chefe de Estado guineense, reacendeu a polémica em torno das interpretações das competências constitucionais em fim de mandato. A oposição sustenta que essas competências ficam substancialmente reduzidas a partir desta fase. Em entrevista à Rádio França Internacional (RFI), o constitucionalista Carlos Vamain afirmou, porém, que Umaro Sissoco Embaló mantém a "plenitude de poderes" até à eleição de um novo Presidente. “Do ponto de vista constitucional, no fim do mandato do Presidente, ele é substituído por um novo Presidente eleito. Isso significa que após as eleições é que será substituído, eventualmente, se ele não for candidato e, se for e não ganhar, será substituído por um outro Presidente”, explicou o constitucionalista guineense.  Ainda no país, foi adiado para Outubro o julgamento do ex-chefe da Armada, Bubo Na Tchuto, iniciado na quinta-feira. As razões do adiamento prendem-se com uma série de questões prévias levantadas pela defesa e para quais o Tribunal vai agora procurar respostas, segundo declarou à imprensa, o advogado da defesa Marcelino Intupé. Bubo Na Tchuto está a ser julgado por suspeita de tentativa de golpe de Estado.  Entretanto, 40 dos 41 estudantes guineenses que se encontravam retidos no Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, foram autorizados a entrar em Portugal, após verificação da sua inscrição no ensino superior português. Segundo a PSP, o único estudante do grupo que permanece retido será repatriado. A Associação de Estudantes da Guiné-Bissau em Lisboa informou que o jovem está a ser acompanhado por um advogado com vista à regularização da sua situação. Angola: Jornalistas ameaçados durante greve no sector público Em Angola, o Sindicato dos Jornalistas denunciou casos de intimidação e ameaças a profissionais de empresas públicas de comunicação social, no contexto da greve convocada para esta segunda-feira. A denúncia surge em pleno clima de tensão laboral no sector, onde os trabalhadores exigem melhores condições e maior liberdade editorial. A reportagem é de Francisco Paulo. Esta semana, o Presidente angolano, João Lourenço, inaugurou a refinaria de Cabinda, um investimento de mais de 473 milhões de dólares. A infra-estrutura tem capacidade para processar até 60 mil barris de petróleo por dia, embora, numa fase inicial, a produção se vá fixar nos 30 mil barris. Trata-se de uma parceria entre a Gemcorp Angola (com 90% do capital) e a empresa estatal Sonangol. João Lourenço considerou o projecto um passo importante rumo à auto-suficiência do país em combustíveis fósseis, especialmente tendo em vista a futura conclusão da refinaria do Lobito, que permitirá uma capacidade de produção de até 200 mil barris diários. Cabo Verde: Governo reforça apoios às empresas após tempestade mortal Em Cabo Verde, o Governo anunciou o reforço dos apoios financeiros às empresas e operadores do sector informal nas três ilhas mais afectadas pela tempestade que provocou nove mortos em Agosto. De acordo com uma resolução do Conselho de Ministros, publicada em boletim oficial, o reforço decorre de um "levantamento detalhado dos danos no terreno e do diálogo com os empresários", o que permitiu ajustar as medidas e aumentar os apoios, sobretudo às grandes empresas. O Governo mantém, no entanto, a melhoria das linhas de crédito para todos os operadores afectados. Moçambique: Assessora de Venâncio Mondlane libertada pelo tribunal Em Moçambique, o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo ordenou a libertação de Glória Nobre Chire, assessora financeira do político moçambicano Venâncio Mondlane. Detida a 13 de Março de 2025 foi libertada após audiência realizada na passada quinta-feira. O Ministério Público despronunciou a arguida dos crimes de que era suspeita, nomeadamente tentativa de alteração violenta do Estado de Direito, associação criminosa e conspiração para a prática de crimes contra a segurança do Estado. Venâncio Mondlane, ex-candidato às eleições presidenciais, confirmou a libertação da sua colaboradora.

Semana em África
A semana em que Moçambique e Ruanda estreitaram mais os laços

Semana em África

Play Episode Listen Later Aug 29, 2025 18:42


A actualidade desta semana em África ficou designadamente marcada pela visita de dois dias que o Presidente moçambicano, Daniel Chapo, efectuou ao Ruanda, país cujas tropas apoiam o exército moçambicano na luta contra o terrorismo em Cabo Delgado, no extremo norte do país. No âmbito desta deslocação, foi assinado em Kigali o Acordo sobre o Estatuto da Força que regula a presença das tropas ruandesas que lutam contra os grupos armados em Cabo Delgado, um documento apresentado como um instrumento padrão regido pelo direito internacional. Apesar de o Presidente moçambicano explicar que o acordo militar assinado com o Ruanda não prevê o aumento do contingente desse país em Cabo Delgado, os termos desse protocolo não deixaram de suscitar interrogações no seio da sociedade civil moçambicana. Noutro aspecto, no rescaldo das eleições gerais de 9 de Outubro de 2024, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) notificou 12 dos 37 partidos políticos que participaram nas eleições gerais para corrigirem irregularidades na utilização dos fundos atribuídos durante a campanha eleitoral. Para o Presidente da Acção do Movimento Unido para a Salvação Integral (AMUSI), a ausência da Frelimo, partido governamental neste processo é questionável. Ainda na actualidade moçambicana, esta semana esteve eminentemente virada para questões económicas. Foi inaugurada segunda-feira e decorre ainda até este domingo em Marracuene a 60.ª edição da FACIM, Feira Internacional de Maputo, um evento que reúne mais de 3 mil expositores e cuja importância foi destacada pelo Presidente da República durante a cerimónia de abertura. Foi neste contexto que a fundição de alumínio Mozal suspendeu contratos com 20 empresas nacionais, deixando mais de mil pessoas em situação de desemprego. Esta informação foi avançada pelo Presidente da Confederação Económicas de Mocambique, CTA, Álvaro Massingue que apontou esta como sendo consequência directa do anúncio da suspensão das actividades pela fundição até Março do próximo ano, caso não se encontre uma solução para o fornecimento de energia eléctrica, após o término do contracto actual com a Eskom. Na Guiné-Bissau, os advogados da coligação eleitoral Plataforma Aliança Inclusiva - Terra Ranka afirmam que está em curso um plano para impedir a participação do seu líder, Domingos Simões Pereira, nas eleições presidenciais do próximo mês de Novembro, sendo que também denunciam alegadas irregularidades no processo eleitoral. Também esta semana, o Primeiro-Ministro guineense Braima Camará foi hospitalizado de urgência no Senegal após sentir-se mal durante a cerimónia de tomada de posse de novos membros do Conselho de Estado, na capital. Entretanto, a RFI apurou que pelo menos até esta sexta-feira, o chefe do governo guineense ainda se encontrava no Senegal, mas que estava a a recuperar e que tenciona regressar em breve à Guiné-Bissau. Noutra actualidade, aqui em França, o Presidente Emmanuel Macron recebeu esta semana no palácio do Eliseu o seu homólogo senegalês Diomaye Faye, ambos tendo manifestado a vontade de reforçar os elos entre os dois países, depois de meses de algum distanciamento, desde a chegada ao poder das novas autoridades no Senegal no ano passado. Um dos indícios mais flagrantes da nova tonalidade das relações bilaterais foi a saída no passado mês de Julho dos cerca de 300 militares franceses que ainda se encontravam no país, isto a pedido do poder do Senegal. Em Cabo Verde, a França tem estado a apoiar a ilha de São Vicente a se reerguer após a destruição causada pela tempestade Erin. Um navio da Marinha Francesa, com técnicos, mecânicos e engenheiros, chegou esta semana à ilha cabo-verdiana para apoiar a resposta às necessidades após a tempestade que provocou nove mortos e dois desaparecidos naquela ilha. Relativamente desta vez à actualidade de São Tomé e Príncipe, o antigo primeiro-ministro, Patrice Trovoada, manifestou a intenção de ocupar o seu lugar de deputado da Assembleia Nacional. Expedientes já foram feitos para que a sua reintegração seja efectivada. Em Angola, a equipa da casa tornou-se campeã africana de basquetebol após a sua vitória, na final, no domingo, face ao Mali por 70-43. O Presidente angolano, João Lourenço, saudou na segunda-feira a vitória da selecção angolana pela conquista deste que é o seu 12.º título de campeã africana da modalidade.

DW em Português para África | Deutsche Welle
25 de Agosto de 2025 - Jornal da Manhã

DW em Português para África | Deutsche Welle

Play Episode Listen Later Aug 25, 2025 20:00


Na Guiné-Bissau, Domingos Simões Pereira qualificou de muito mau a suspensão das emissões da RTP e RDP, e deposita a sua confiança nos jovens guineenses para lutar contra o estado atual do país. 12 anos depois, Angola voltou a vencer o Afrobasket e em casa. Os Estados Unidos da América estarão a usar o continente africano como uma zona de descarga para deixar migrantes ilegais?