Entrevistas e reportagens com especialistas sobre as novas pesquisas e descobertas na área da saúde, controle de epidemias e políticas sanitárias.
O sedentarismo relacionado a certas atividades profissionais tornou-se um problema de saúde pública, segundo a endocrinologista e fisiologista francesa Martine Duclos, chefe do setor de Medicina do Esporte do Hospital Universitário de Clermont-Ferrand, no centro da França. O mais preocupante, alerta, é que a prática regular de uma atividade física não elimina os riscos associados ao hábito de passar várias horas sentado por dia. Taíssa Stivanin, da RFI em ParisA rotina de quem trabalha em um escritório é geralmente sempre a mesma: acordar, tomar café, às vezes levar as crianças para a escola e em seguida ir para a empresa — de bicicleta, metrô, ônibus ou a pé. Mas, independentemente do meio de transporte, para todas essas pessoas é inevitável passar cerca de oito horas diárias sentadas. Algumas têm sorte (e tempo) para se exercitar durante o expediente, mas estudos recentes mostram que isso infelizmente não basta para impedir os efeitos nocivos do sedentarismo que representa passar várias horas na mesma posição, digitando em frente ao computador, alerta a médica francesa.As primeiras vítimas desse mau hábito são as artérias, que sofrem com a diminuição do fluxo sanguíneo. “Quando estamos sentados, os músculos das pernas não se contraem, e o fluxo do sangue diminui. Ele se mantém em certo nível, já que é necessário levar oxigênio aos músculos, mas é reduzido, o que diminui a pressão exercida nas paredes das artérias”, explica a fisiologistaAs paredes arteriais são formadas por células endoteliais, que são estimuladas pela pressão do sangue circulante, levando à produção de um gás chamado monóxido de azoto (óxido nítrico). “O monóxido de azoto tem um efeito muito positivo nas artérias, pois induz a dilatação. Além disso, possui ação anti-inflamatória e inibe a agregação das plaquetas”, explica a endocrinologista francesa. Ficar sentado, mesmo por poucas horas, reduz a produção desse gás benéfico e aumenta a produção de endotelina-1, uma substância vasoconstritora, ou seja, que estreita os vasos sanguíneos. Esse processo favorece o surgimento da hipertensão e da inflamação, afetando diversas funções orgânicas.Sedentarismo afeta concentração, memória e atenção“Quando permanecemos sentados por muito tempo — duas ou três horas, por exemplo — há aumento da pressão arterial, da glicemia após a refeição e dos triglicerídeos, ou seja, da quantidade de lipídios no sangue, e uma redução da oxigenação cerebral. A capacidade de concentração, memória e atenção também diminuem”, alerta a especialista. As consequências para a saúde podem ser graves, considerando que um adulto passa, em média, mais de 12 horas por dia sentado, ao longo de vários anos. Esse sedentarismo, segundo a fisiologista, está diretamente associado ao aumento do risco de obesidade, diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares, certos tipos de câncer, demência e morte prematura. “Infelizmente, essa rotina faz parte do nosso estilo de vida, que é totalmente mecanizado. Saímos de casa, pegamos o carro, estacionamos no trabalho, usamos o elevador, sentamos, ficamos em frente ao computador, pedimos comida, comemos na frente da tela, pegamos o elevador e voltamos para casa. Passamos o resto do dia, geralmente, diante de uma tela. É simples: podemos passar o dia todo sentados.” Como amenizar os efeitos dessa rotina nociva? Com o avanço da idade, as artérias tornam-se mais rígidas, e essas recomendações se tornam ainda mais importantes. Mas o risco do sedentarismo não poupa ninguém, nem mesmo pessoas saudáveis e fisicamente ativas, reitera. “O efeito negativo nas artérias está comprovado, mesmo na ausência de fatores de risco.” Mas é possível agir para diminuir as consequências de ficar muito tempo sentado. Segundo a especialista, estudos mostram que reduzir em 30 minutos o tempo total sentado por dia, praticando uma atividade física moderada, pode diminuir a mortalidade em até 40%. A redução é de 20% mesmo com atividades de baixa intensidade, como se levantar para beber água ou dar uma volta no escritório. Outra recomendação é não permanecer mais de uma hora sentado sem se levantar por alguns minutos. Ela também alerta para soluções ineficazes adotadas por algumas empresas, como trabalhar em pé. “Ficar de pé, sem movimentar as pernas, não serve para nada.” Por outro lado, a fisiologista recomenda o uso da pedaleira de escritório, um equipamento que pode ser colocado sob a mesa e utilizado enquanto se trabalha. O chamado "escritório ativo", com esteiras ou estações de movimento, também é uma boa solução. Martine Duclos lembra que 30 minutos de atividade física leve, duas vezes por semana, já trazem benefícios à saúde cardiometabólica. “O mundo do trabalho precisa agir para enfrentar esse problema, pois é lá que passamos a maior parte do tempo sentados.”
O câncer do rim é silencioso e representa apenas 3% dos tumores malignos urológicos no Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde. Por essa razão, ele não é alvo de uma política pública de rastreamento e o resultado é que muitas vezes os pacientes acabam descobrindo a doença tarde demais. Taíssa Stivanin, da RFI em ParisO paciente que descobre um câncer do rim em estado precoce pode ter 100% de chance de cura, explica o oncologista Cleydson Santos, do hospital Mater Dei em Salvador, que também atua nos hospitais das Obras Sociais Irmã Dulce, na capital baiana. Segundo ele, todos os anos os pacientes deveriam realizar um ultrassom do abdômen para detectar precocemente nódulos suspeitos no rim. Como todos os cânceres, quanto mais tarde é feito o diagnóstico, menores são as chances de sobrevida e de remissão. O rim é um órgão vital, responsável pela filtragem do sangue. “O câncer nos órgãos abdominais não se manifesta de uma forma tão clara quanto um nódulo na mama, por exemplo, ou do intestino, que logo sangra, levando o paciente a buscar ajuda", diz o oncologista. "O diagnóstico dos tumores renais quase sempre acaba acontecendo por acaso. O paciente vai fazer um exame por algum motivo e de repente é surpreendido pelo nódulo”, acrescenta.Os sintomas em geral aparecem quando o câncer já está em estado avançado e, em 25% dos casos, disseminado. De acordo com Cleydson dos Santos, isso acontece “porque a doença é traiçoeira, e não porque o paciente não busca ajuda”. Sintomas mais comunsNão existe um exame de sangue específico para detectar o câncer renal. Quando há sintomas, as queixas mais comuns são a presença de sangue na urina, anemia, fraqueza, dor e cólica na região lombar, além de perda de peso. Caso a doença já tenha se espalhado, em função do órgão afetado, podem aparecer outros sinais. No hemograma, a função dos rins, explica o oncologista, muitas está normal – e isso pode gerar uma falsa tranquilidade no paciente. “O câncer renal não vem necessariamente acompanhado da insuficiência renal, que é bem frequente. Então às vezes o paciente tem um tumor, mas a função renal dele e os níveis de ureia e creatinina são normais”, diz. O oncologista brasileiro também recomenda que, na hora do check-up, o paciente peça ao médico que inclua um ultrassom do abdômen. “Uma checagem anual geral talvez seja um bom caminho para pegar a doença no início.” Homens entre 50 e 70 anosO câncer do rim atinge principalmente homens entre 50 e 70 anos. A incidência é duas vezes maior em relação às mulheres. Pacientes obesos, sedentários, que fumam ou têm histórico de câncer renal na família também têm maior probabilidade de desenvolver a doença. Rara em crianças, a doença pode se manifestar de várias formas nos adultos, em forma de cistos e nódulos. “A maioria dos cistos de rim não é uma doença maligna, não é câncer e não se transformará em câncer”, esclarece.“Mas a gente tem alguns cistos chamados complexos, com divisórias dentro, e nódulos sólidos, que fazem suspeitar da doença. O câncer de rim mais comum é o subtipo conhecido como células claras, que corresponde a 85% dos casos.” Quando a doença se espalha, pode ser bilateral, ou seja, já ter atingido o outro rim. Se o tumor já atingiu outras partes do corpo, em geral os órgãos mais afetados são os pulmões, o fígado, os linfonodos, ou ínguas, os ossos e às vezes até o sistema nervoso. A boa notícia é que, se o paciente tem poucas metástases, ainda pode ser curado, diz o médico. “Nesse caso a gente investe no paciente e corre atrás, para tentar removê-las por inteiro e garantir uma sobrevida a longo prazo. Em torno de 5% a 15% das pessoas vão ter o câncer controlado a médio ou longo prazo”. Prognóstico O prognóstico, diz o oncologista, depende do tipo de câncer e do estágio da doença. “Existe uma diferença entre um tumor localizado no rim de um que já cresceu e ultrapassou os limites do órgão e de um câncer que já se espalhou, criando metástases. Isso significa que a doença já se ‘enraizou'”, explica. O tratamento é cirúrgico e nem sempre é necessário retirar todo o órgão. Em alguns casos, é preciso realizar uma imunoterapia depois da operação, para estimular o sistema imunológico do paciente e combater as células residuais. “Quando a doença já se espalhou, o tratamento é a base de medicamentos orais. O câncer de rim normalmente é resistente às quimioterapias tradicionais”. Os tratamentos, lembra o oncologista, evoluíram muito, mas infelizmente existe um “abismo” entre os pacientes da rede privada e do SUS (Sistema Único de Saúde), o que torna ainda mais importante o diagnóstico precoce. “É importante nós lutarmos para que o mesmo tratamento que o paciente tenha no sistema privado, com resultados tão bons, seja aplicado no sistema público. Em muitos lugares, não temos nenhum tratamento disponível quando a doença já está avançada”. O custo que envolve os novos fármacos, descobertos nos últimos dez anos, é apontado pelo oncologista como uma das principais razões dessa desigualdade.
O jovem francês Miguel Shema está no 5° ano de Medicina da Faculdade de Iasi, na Romênia. Apesar de passar boa parte do tempo mergulhado nos livros de sua área, ao longo dos anos ele começou a questionar a maneira como os pacientes negros e de outras etnias são atendidos nos hospitais. Taíssa Stivanin, da RFI em ParisEssas são algumas das reflexões que o estudante de Medicina francês relata em seu livro “La Santé est Politique” (A Saúde é Política, em tradução livre), onde denuncia a discriminação de alguns profissionais da saúde. De acordo com ele, esse preconceito se manifesta de maneira inconsciente, ancorado em vieses cognitivos que "enganam” o cérebro na hora de tomar decisões. O livro de Miguel é resultado de observações feitas em estágios nos hospitais franceses. Na obra, ele cita casos reais que escandalizaram a opinião pública, como o da jovem francesa de origem africana Naomi Musenga, 22 anos, que vivia em Estrasburgo, no leste do país. Em 2017, vítima de fortes dores no abdômen, ela morreu por falta de atendimento. Horas antes, Naomi ligou para o Samu, o 192 francês, e foi ignorada pela atendente, que minimizou seu caso e a mandou procurar um médico. “Eu me interessei pelas Ciências Sociais no ensino médio. Tinha necessidade de entender por que eu passava por algumas situações e porque eu era alvo de insultos na escola. Precisava também entender o racismo que eu mesmo vivenciei”, explica.Foi nessa época que Miguel Shema passou a escrever artigos para o site francês Bondy Blog, criado para dar voz aos moradores dos subúrbios franceses. Uma de suas inspirações é o psiquiatra e militante martinicano Frantz Fanon, que em 1952 escreveu um célebre artigo descrevendo a Síndrome Norte-africana, "que questiona o racismo e o desprezo dos médicos pela dor do paciente", explica Miguel. Nesse mesmo período ele teve contato, pela primeira vez, com conceitos até então desconhecidos para ele, como a chamada Síndrome Mediterrânea. “É uma crença, um viés cognitivo, que alguns profissionais da saúde têm. Eles consideram que os magrebinos teriam uma propensão a exagerar a dor”. A pandemia de Covid 19 também influenciou o engajamento do jovem francês. Miguel lembra que, em 2020, quando o vírus começou a se espalhar por toda a França, a população de alguns subúrbios de Paris foi acusada de contribuir para a propagação Sars-CoV-2 - por desrespeitar o lockdown e outras medidas restritivas.“Foi um momento de grande indignação. Ainda temos discursos distantes da realidade epidemiológica, política, social ou médica. Foi a partir daí que criei uma conta nas redes sociais, @sante_politique, e tive a vontade de questionar a relação de dominação existente entre os profissionais da saúde”, acrescenta. "Médicos não têm como medir a dor"Durante seus estágios nos hospitais da capital e da região, Miguel, como observador, não podia intervir nas situações de abusos que testemunhava. Mas anotava tudo que poderia ilustrar o racismo e o preconceito presentes nos estabelecimentos. A questão da dor, e como os profissionais a avaliavam em função do paciente, foi para ele uma das mais marcantes.“Os médicos não têm como medir a dor. Considerar que ela é mais ou menos forte é uma questão puramente social. Acreditamos ou não em nossos pacientes. O que estou tentando dizer é que na Medicina francesa existe ainda a crença de que o olhar do clínico é neutro, mas na verdade ele não é. E a maneira como enxergamos o paciente vai influenciar na forma como avaliamos a dor dele”, observa. Parlez-vous français?O estudante de Medicina também ficou surpreso com a falta de intérpretes para ajudar os pacientes que não falam francês nos hospitais, sendo que os estabelecimentos do país têm esse recurso à disposição. Segundo ele, após a consulta, o laudo é entregue em francês, e o paciente que fala uma língua diferente ou que não domina o idioma, em alguns casos acaba até abandonando o tratamento se não tiver a orientação adequada. “Se queremos cuidar direito das pessoas, se temos a pretensão de ser um sistema de saúde que atende todo mundo, temos que respeitá-las, em qualquer circunstância” diz Miguel. “É essencial se comunicar bem com eles. A comunicação não para no diagnóstico. Precisamos ter certeza de que o paciente entendeu sua patologia, seu tratamento e as complicações que a doença e o tratamento podem acarretar”, afirma. A medicina, reitera o estudante francês, se desenvolveu no período colonial, e alguns desses preconceitos ainda persistem. “É importante que as ciências sociais, a história e a sociologia estejam mais presentes nos cursos de medicina. Negro, em termos médicos, não quer dizer nada”, diz. “Negro tem um significado sociológico. É importante, neste sentido, constatar como essas pessoas são tratadas, e qual é a percepção que se tem delas. A discussão para por aí. Ser negro significa ser alvo da negrofobia. E pronto.”
A cientista francesa Laurence Vico-Pouget, especialista em fisiologia óssea, estuda como a gravidade no espaço afeta o esqueleto humano. Ao longo das últimas quatro décadas, ela coordenou várias pesquisas sobre os efeitos da ausência da gravidade nos ossos dos astronautas. Os estudos visam, no futuro, melhorar o diagnóstico e a prevenção da osteoporose e das fraturas associadas ao envelhecimento. Taíssa Stivanin, da RFI em ParisA pesquisadora francesa Laurence Vico-Pouget dirige o laboratório Sainbiose, do Inserm (Instituto de Pesquisas Médicas da França), em Saint-Étienne, no sudeste do país. É de lá que ela coordena suas pesquisas com os astronautas da Estação Espacial Internacional (EEI), que inclui agências espaciais de diversos países, como a NASA (Estados Unidos), a Roscosmos (Rússia), a ESA (Europa), a JAXA (Japão) e a CSA (Canadá). Suas pesquisas começaram nos anos 1980, durante a Guerra Fria. Na época, Laurence estudava os ossos de ratos que tinham voltado do espaço e criou um modelo de simulação dos efeitos da microgravidade nos roedores. O material foi obtido em estudos feitos graças a uma parceria entre a ex-União Soviética e a CNES, a agência espacial francesa.“Foi assim que começamos a estabelecer uma relação privilegiada com os soviéticos. A história continuou até bem pouco tempo. Mas, infelizmente, com a Covid-19 e a situação política, nossa colaboração com os russos acabou sendo interrompida”, explica Laurence. Durante os estudos com os astronautas, os cientistas perceberam que eles tinham excesso de cálcio e outros minerais na urina, que vinham provavelmente do esqueleto. Na mesma época, pesquisadores russos e suíços conseguiram criar um exame de imagem que, nos anos 2000, evoluiu para uma tomografia computadorizada de alta resolução.Esta invenção foi um marco que permitiu analisar em detalhes a anatomia do osso, explica a pesquisadora. Com essa ferramenta, os cientistas puderam começar a medir a perda óssea - que em alguns casos chegava a 20% nos astronautas voluntários, antes da decolagem e após o retorno do espaço. “Percebemos que seis meses após o retorno de um período de seis meses no espaço, os astronautas que tinham uma perda de massa óssea não a recuperavam. Medimos um ano depois, e a massa óssea continuava inalterada. Um ano e meio depois, a situação era a mesma”, descreve Laurence. Atividade físicaNo espaço, a chamada “rede trabecular” do osso se “desconecta”, diminuindo suas propriedades mecânicas. A rede trabecular é uma estrutura que tem diversas funções, entre elas a de amortecimento do osso cortical – a camada externa do osso. Ela também atua na liberação e no armazenamento de cálcio, regulando os níveis necessários ao bom funcionamento do organismo e à vascularização do tecido ósseo.As paredes dos vasos sanguíneos também ficam mais rígidas no espaço e as pesquisas mostram um aumento da porosidade nessa rede e no osso cortical nos astronautas. “Essa porosidade não volta a ser como antes, não há uma recuperação completa. Tudo isso, nós observamos no envelhecimento, mas seis meses no espaço, segundo nossos cálculos, equivalem a dez anos de vida na Terra”. Alguns astronautas, entretanto, não envelhecem na mesma velocidade e os cientistas ainda tentam entender o porquê. Uma das hipóteses é que a prática regular de atividade física possa desacelerar o processo. No espaço, os astronautas devem fazer duas horas diárias de exercício, seis vezes por semana. Eles têm à disposição bicicletas ergométricas, esteiras que “driblam” a gravidade e uma máquina especial para treino de resistência. A hipótese é que essa recomendação, que nem sempre é seguida à risca, ajudaria a regular a vascularização e a distribuição dos líquidos no organismo. Por conta da gravidade, eles tendem a se acumular na parte superior do corpo – por isso os astronautas parecem ter o rosto “inchado”.Há também um aumento na densidade óssea na caixa craniana, que poderia ser explicada por mudanças na pressão. Os dados ainda demonstram que, logo após o retorno das missões, as consequências da falta de gravidade são visíveis na coluna vertebral e nos membros superiores. Laurence lembra que o objetivo final das pesquisas é propor soluções para prevenir e tratar doenças como a osteoporose. “Todas essas pesquisas estão relacionadas não somente ao envelhecimento na Terra, mas também ao sedentarismo. Um esqueleto que não é solicitado mecanicamente vai se fragilizar”, diz. Os estudos com atletas de alto nível também mostraram que existem esportes que influenciam mais do que outros a osteogênese - o processo biológico responsável pela formação e desenvolvimento do tecido ósseo no organismo, essencial para a saúde dos ossos.Os halterofilistas, por exemplo, têm ganho de massa óssea, assim como os atletas que praticam esportes coletivos, como basquete ou corrida. Isso acontece por conta do impacto com o solo e a mudança constante de posição. Perda óssea“O esqueleto é um tecido mineralizado e, como qualquer material, vai se desgastar com o uso. Há microfissuras que se formam no interior dele e isso é fisiológico. Nesse caso, esse osso deve ser substituído. Além disso, o esqueleto é nossa reserva de minerais, e quando precisamos de minerais para outras células do organismo, usamos os do esqueleto”, explica a cientista. No caso dos astronautas, a perda óssea pode ser medida em exames de sangue. “O que nos tranquiliza é saber que a prática esportiva, e isso sabemos graças aos atletas, pode estimular a formação do osso periósteo, a membrana que reveste a superfície externa dos ossos. É provável que possamos aumentar o diâmetro dos ossos graças à atividade física”, afirma. Hipóteses, lembra a pesquisadora, que ainda devem ser comprovadas. Para entender melhor essa questão, cientistas que trabalham em parceria com a pesquisadora francesa criaram uma ferramenta que utiliza ultrassons capazes de medir os parâmetros ósseos, mas também visualizar a vascularização no interior do osso. O dispositivo deve ser testado em breve, durante o primeiro voo da astronauta francesa Sophie Adenot, em 2026. Se validada, a tecnologia poderá beneficiar, por exemplo, pacientes que sofrem de problemas vasculares nas pernas.
Desde 2013, o cientista francês Maxime Annereau adapta as doses, o sabor e a forma dos medicamentos usados por crianças e adolescentes com câncer. Ele utiliza impressoras 3D para fabricar os remédios na farmácia do Instituto Gustave Roussy, situado em Villejuif, perto de Paris. Taíssa Stivanin, da RFI em ParisO hospital francês é uma referência na luta contra o câncer e um dos três estabelecimentos no mundo que produz medicamentos impressos em 3D para seus pacientes, em sua própria farmácia. De acordo com o farmacêutico, há uma grande carência de moléculas no mercado para tratar crianças e idosos – a indústria utiliza principalmente dados de homens adultos saudáveis para produzir a maior parte dos remédios.Em busca de soluções, o farmacêutico então apostou, há três anos, na impressão 3D de medicamentos para melhorar a tolerância das crianças aos produtos usados nos tratamentos contra os cânceres.“São questões que foram sendo trazidas pelos médicos e as enfermeiras, que sempre estão em contato com os pais", conta Maxime. Os pediatras então perguntaram ao farmacêutico se era possível melhorar o sabor do Bactrim, um medicamento que associa dois antibióticos e é utilizado em larga escala. “O problema é que, na maioria dos casos, esse comprimido é muito grande para os pacientes. Ele existe em forma de xarope, mas uma dose corresponde a mais ou menos 20 mililitros ou duas colheres de sopa... E o gosto é de fato muito ruim. As crianças tentam tomar uma vez e depois recusam, mas deveriam usar o remédio durante a quimioterapia, que dura entre seis meses e dois anos, três vezes por semana” explica. Sem o antibiótico, há risco de infecção, o que pode levar ao adiamento das sessões de quimioterapia, aumentando o risco de recaídas. Para resolver o problema, Maxime e sua equipe então começaram a testar outros formatos e sabores possíveis para o Bactrim com a impressão 3D. “O desenvolvimento de um remédio é mais ou menos como uma receita culinária”, conta o cientista, com “erros e acertos”. Durante o processo, a equipe tentou, por exemplo, criar comprimidos menores do antibiótico com o aroma de hortelã, mas não obtiveram a aprovação unânime dos pacientes. Antibiótico em forma de macaronO farmacêutico então aprimorou a molécula, que foi testada em 20 crianças e adolescentes internadas no hospital com diferentes tipos de câncer. Os centros de pesquisa e tratamento franceses se beneficiam de uma legislação que permite colocar em prática rapidamente novas soluções para os pacientes, com menos burocracia. O resultado foi aprovado, mas os pediatras queriam algo "ainda melhor", conta Maxime. "O 'melhor' demorou oito meses para ficar pronto. Como somos franceses", brinca, "imaginamos um jeito para disfarçar o gosto do remédio e decidimos fazer um macaron”. O macaron é um biscoito redondo francês de cerca de 5 centímetros, de vários sabores, popular em várias regiões do país.“O gosto é uma questão física. O que não é gostoso não deve estar em contato direto com as papilas gustativas. Sem esse contato direto, você não sente um gosto ruim”, explica o farmacêutico.A equipe então separou os dois antibióticos do Bactrim vendido na forma de xarope e colocou a molécula que tinha o melhor sabor na parte externa do comprimido. A outra ficou na parte interna, o que reduziu o tempo de contato com as papilas, "enganando" o paladar.Ao separá-los, a equipe também aumentou a concentração do produto em formato 3D, que passou a ter 400 mg, o que também facilita o tratamento. A última fórmula, que tem um gosto "bem açucarado", está sendo testada em cinco pacientes desde março. Em junho, diz o farmacêutico, o estudo com a molécula será ampliado para 30 pacientes, durante seis meses. Neste período, os dados coletados permitirão confirmar a eficácia do medicamento transformado pela impressão em 3D. A equipe busca também otimizar os parâmetros de impressão para produzir um número maior de comprimidos, mais rapidamente. Segundo Maxime, a equipe também é encarregada da parte logística e, além de produzir os remédios, o instituto deve também desenvolver os cartuchos para as impressoras. Em breve, outras moléculas, usadas em tratamentos contra os cânceres pediátricos e adultos, também será melhorada pelos farmacêuticos do centro.As impressoras do hospital em breve serão capazes de produzir 60 antibióticos por hora, 500 por dia. Em dois anos, a produção quadruplicou e novos projetos de grande escala estão sendo estudados, como a versão pediátrica de um medicamento anticâncer usando impressão 3D.
Em 2007, a mãe do engenheiro mecatrônico francês Bertrand Duplat morreu vítima de um gliobastoma, um câncer agressivo do cérebro. A localização do tumor impossibilitava uma operação. Para Bertrand, foi difícil aceitar que nada poderia ser feito para aumentar seu tempo de vida, que neste tipo de câncer raramente ultrapassa os cinco anos. Taíssa Stivanin, da RFI em ParisO luto impulsionou o engenheiro francês a concretizar um projeto: a criação de um dispositivo semiautônomo que pudesse “passear” pelo cérebro e ajudar os médicos nas cirurgias e tratamentos de doenças neurodegenerativas, como a doença de Parkinson ou o mal de Alzheimer. Foi assim que surgiu a empresa Robeauté, que, em tradução literal, significa “Beleza dos Robôs”. A startup foi fundada em 2017 pelo engenheiro francês e a executiva brasileira Joanna Cartocci, diretora de operações da marca, filha de mãe baiana e pai italiano, intérprete em seis idiomas e radicada na Europa desde os cinco anos. Joanna explicou em entrevista à RFI Brasil como esses pequenos robôs, do tamanho de um grão de arroz, poderão revolucionar a vida dos pacientes. "Hoje os cirurgiões quando operam o cérebro são limitados pela rigidez das agulhas. No caso de tratamentos com medicamentos, eles não chegam ao cérebro com a dose e a precisão necessárias para tratar várias doenças, sejam elas tumores, distúrbios neurodegenerativos, como Parkinson ou Alzheimer, ou doenças psiquiátricas”, explica.Concebido e aperfeiçoado com a ajuda de neurocirurgiões ao longo dos últimos oito anos, os micro robôs podem chegar ao mercado até 2030. A equipe desenvolve o produto ao lado de cerca de 70 especialistas em Neurologia, como cirurgiões, clínicos e pesquisadores. Os testes em laboratório estão sendo realizados em grandes centros, como o hospital Pitié La Salpetrière, em Paris. A equipe também colabora com vários estabelecimentos nos EUA. Os testes clínicos com humanos devem começar no próximo ano, em diferentes hospitais.“As ferramentas que os médicos têm à disposição atualmente são agulhas, cateteres que avançam no cérebro em linha reta, em apenas uma dimensão”, explica Joana. A precisão das intervenções cerebrais então esbarra atualmente na falta de tecnologia disponível e o objetivo do dispositivo é justamente preencher essa lacuna.Como funcionaO micro robô é dividido em duas partes. “Tem uma parte inicial, que é o transportador, e a parte final, que é a extensão. No transportador, acrescentamos vários elementos tecnológicos e inovadores. Dentro dele, tem um micromotor, de 0.8 milímetros de diâmetro e o robô inteiro mede 1.8 milímetros de diâmetro. Ele é feito para navegar de maneira não-linear dentro do cérebro”.O dispositivo é colocado no cérebro através de uma incisão na cabeça de cerca de cinco milímetros de diâmetro. Um lançador é então posicionado sobre o oríficio e o dispositivo é injetado dentro do cérebro. “Ele vai navegar em uma trajetória pré-definida pelo cirurgião, para atingir uma ou mais áreas, e voltará pelo mesmo caminho. Um fio torna sua localização mais visível e ele sabe ir para frente e para trás”, especifica Joana. O micro robô não é pilotado pelo cirurgião, mas ele pode controlá-lo manualmente se for preciso. Uma vez 'instalado', o dispositivo navega no ambiente neuronal, que é protegido pela barreira hematoencefálica – uma membrana permeável que protege o cérebro de substâncias nocivas. Essa membrana também limita a passagem dos medicamentos – um dos problemas que o micro robô vai solucionar nas intervenções, as tornando minimamente invasivas de uma maneira geral. Outra função importante agregada ao dispositivo é a realização de biópsias. “Estamos testando o micro robô em ambientes pré-clínicos, ou seja, nos animais. O objetivo é iniciar os testes em humanos já no ano que vem. Vamos começar com a biópsia, porque é uma prova de conceito que funciona bem e com um risco menor”, descreve Joana. “O valor de uma tecnologia como essa é fazer três coisas de uma só vez: diagnosticar, com a biópsia, tratar, levando ou remédios ou a ferramenta necessária, e monitorar: poder ficar mais tempo dentro de um cérebro patológico, para entender se o remédio teve a difusão ou penetração necessária nos tecidos, para poder tratar essas doenças", conclui.
A equipe do cientista húngaro Dezső Németh, do Centro de Pesquisas em Neurociências de Lyon, na França, mostrou que as distrações pontuais, que surgem enquanto estamos ocupados, podem ser úteis na aquisição de certas habilidades, como aprender um novo instrumento ou idioma. Taíssa Stivanin, da RFI em ParisEstudos mostram que os seres humanos passam entre 30% e 50% do tempo divagando. Nessas horas, nossa atenção desvia do ambiente e da atividade que estamos realizando e criam “vida própria”. “Agora, por exemplo, durante a entrevista, você está falando comigo e me ouvindo, mas ainda assim, provavelmente está pensando em outras coisas que não estão relacionadas com a nossa conversa”, explicou o neurocientista Dezső Németh à RFI Brasil.Durante a execução de uma tarefa, mesmo se estamos totalmente concentrados, há momentos em que desligamos e nossos pensamentos se desconectam do que estamos fazendo. Os cientistas chamam esses períodos de “vagabundagem mental”, ou mind wondering, em inglês.“Durante cerca de 50 anos, a Ciência mostrou que este estado prejudicava a cognição, porque afetava a atenção”, diz o neurocientista. Os estudos mostraram durante décadas, ressalta, que esses momentos de distração poderiam afetar a memória de trabalho, um componente essencial da função executiva no cérebro. Ela é responsável pelo armazenamento temporário da informação pela memória de curto prazo e sua manipulação verbal ou visual. “Por exemplo, na escola, os alunos devem ouvir o professor está dizendo. Mas se estão no mundo da Lua, isso pode ser visto como um problema, porque não estão prestando atenção. Talvez por essa razão, não poderão executar a tarefa perfeitamente”, exemplifica.Outras pesquisas realizadas ao longo das últimas décadas, diz o cientista húngaro, comprovaram que esses momentos de distração influenciam também na produtividade dos adultos. Elas concluíram que, em excesso, a "vagabundagem mental" poderia até mesmo afetar o PIB e a economia, porque impedem o foco no trabalho, diminuindo a produtividade.O neurocientista húngaro questionou quais seriam os pontos positivos desses momentos em que nossos pensamentos derivam independentemente da nossa vontade. Para isso, ele e sua equipe recrutaram 135 pessoas para participar de testes online. Durante o exercício, uma imagem aparecia e desaparecia logo em seguida em uma das quatro janelas da tela. Os voluntários tinham que adivinhar em qual dos espaços vagos ela surgiria novamente.Questionados sobre o foco e o surgimento de pensamentos aleatórios durante a atividade, 117 participantes relataram ter pensado em outros assuntos pelo menos uma vez. A pesquisa mostrou que esses voluntários que divagaram durante o teste tiveram melhores resultados em comparação aos participantes que permaneceram focados, tentando entender, de forma consciente qual seria a sequência de aparecimento do desenho na tela. Aprendizagem implícitaA conclusão foi que sonhar acordado favorece a chamada aprendizagem implícita e as conexões cerebrais com o ambiente. “Você aprende mesmo sem perceber que está aprendendo alguma coisa. Nosso cérebro sempre está tentando descobrir modelos e estruturando o ambiente”, explica o neurocientista.Segundo o pesquisador, a aprendizagem implícita propiciada por essas distrações pontuais facilita a aquisição de novas habilidades, como tocar um instrumento, praticar um novo esporte ou aprender um idioma. Agora são necessárias mais pesquisas para determinar até que ponto esses momentos de divagação influenciam o processo de aprendizagem implícita apenas de forma positiva, ou se isso pode ser variável. É preciso diferenciar também, diz Dezső Németh o que acontece no cérebro durante a aquisição de conhecimentos totalmente novos e o aperfeiçoamento de competências já existentes.Consolidação da memóriaO processo cognitivo que envolve a "vababundagem mental" está conectado ao da consolidação da memória, que acontece durante o sono. Durante o estudo, a equipe do cientista húngaro também notou semelhanças entre esse estado mental e os observados no cérebro enquanto estamos dormindo, que ocorrem no córtex pré-frontal. “Esse processo cerebral está conectado ao fenônemo que chamamos em Neurociências de replay. Isso significa que, se você está executando uma tarefa em um determinado momento e começa a divagar, seu cérebro inconscientemente vai continuar repetindo essa tarefa, e isso vai ajudar na consolidação da memória”, explica o cientista húngaro.A hipótese da equipe, que ainda precisa ser comprovada, é que o cérebro simula as informações que estão chegando, e as reproduz como se estive rebobinando um filme. Durante esse processo, a aprendizagem provavelmente seria reforçada. É preciso também investigar, diz o pesquisador como as emoções envolvidas nos pensamentos que surgem enquanto estamos ocupados interfereria nesse processo.
O farmacêutico francês Guillaume Brachet, 36 anos, criou uma start-up para testar um tratamento que poderá frear a evolução da doença. Os testes com humanos estão previstos para o próximo ano, diz o jovem cientista, que conta sua história no livro "Parkinson aos 30 anos", que será lançado na França no próximo dia 27 de março. Taíssa Stivanin, da RFI em ParisEm 2018, aos 30 anos, Guillaume Brachet recebeu um diagnóstico improvável para um jovem de sua idade. Pesquisador e professor de Farmácia, casado, com uma filha pequena e em plena ascensão profissional, ele descobriu que tinha o mal de Parkinson, uma doença crônica neurodegenerativa progressiva, de evolução lenta, que atinge principalmente pessoas acima de 60 anos. Adepto de uma vida saudável e praticante de caiaque, entre outros esportes, Guillaume, que vive em Tours, no oeste da França, buscou entender por que desenvolveu a doença de maneira tão precoce. Desde o início, ele nunca se conformou com as poucas opções terapêuticas existentes – a patologia é tratada principalmente com moléculas a base de dopamina, que ajudam a controlar os sintomas mas não impedem a doença de se desenvolver.Guillaume decidiu pesquisar sobre o assunto e descobriu na literatura científica que a combinação de dois medicamentos contra o diabetes, que já existem no mercado, tinha potencial para frear a evolução da doença. Ele então se dedicou a ajustar as doses para agir contra o Parkinson.A aposta deu certo: sua ideia foi patenteada e a hipótese comprovada em laboratório, em testes in vitro e in vivo, ou seja, em animais. Para viabilizar a fase da pesquisa com humanos, ele criou em 2023 a start-up CXS Therapeutics. O objetivo era obter respaldo financeiro e logístico para os testes clínicos, que devem começar no próximo ano. Guillaume e sua equipe estão preparando o pedido de autorização para realizar o estudo com os voluntários – entre 150 e 200 participantes devem ser recrutados. Caso os resultados sejam positivos, a expectativa é que até 2030 o tratamento esteja disponível para os pacientes. “Vamos ter que demonstrar o impacto significativo do tratamento nos parâmetros da doença, e traduzi-lo em algo mensurável e padronizado, como um biomarcador, para provar o efeito dessa combinação na doença”, explicou Guillaume Brachet à RFI. Cientista lança livroO cientista francês também decidiu contar a saga que vai do seu diagnóstico à descoberta de um possível tratamento em um livro, “Parkinson à 30 ans” ou “Parkinson aos 30 anos”, que será lançado no próximo dia 27 de março na França, Na obra, ele descreve todos os passos que o levaram a aceitar o diagnóstico e buscar um outro tratamento para impedir a evolução da doença, já que dopamina apenas atenua os sintomas. Mas, alguns anos depois do diagnóstico, ele reconhece seus benefícios indiretos.“No início eu me sentia frustrado porque não havia nada melhor disponível. Mas, no fim das contas, mudei um pouco de opinião, porque a única coisa que sabemos hoje que pode frear a evolução da doença é a prática da atividade física, o esporte”, diz. “No fim, esse tratamento sintomático com a dopamina ajuda o doente a ser mais autônomo e o torna capaz de praticar uma atividade física para lutar contra a evolução da doença. Então, mesmo que o tratamento não atue diretamente no desenvolvimento de Parkinson, traz um efeito interessante e importante para o paciente”. 631 quilômetros de caiaque Após o diagnóstico, o cientista francês conta que teve um período de introspecção e desânimo relacionados ao processo de aceitação da doença, que é irreversível. Mas deu a volta por cima e se envolveu em vários projetos e desafios. Sua meta é aproveitar seu tempo da melhor forma, enquanto ainda for possível, relata.Em julho de 2024, ele virou notícia no país ao percorrer 631 quilômetros de caiaque em seis dias entre as cidades de Roanne, perto de Lyon, e Paimbouef, próxima de Nantes, no oeste da França. “Senti a vontade de me engajar com tudo aquilo que estivesse à minha disposição contra a doença. E o esporte era uma das minhas armas. Ele surgiu como um desafio para organizar o crowdfunding necessário para criar a empresa e informar sobre a doença”. Foi graças a essa e outras iniciativas que ele conseguiu captar cerca de € 400 mil para montar a CSX Therapeutics e testar o tratamento que pode mudar a vida de milhões de pacientes em todo o mundo. “O livro faz parte de tudo que eu realizei para ajudar a comunicar e ajudar as pessoas a enxergar, não diria a luz no fim do túnel, porque não sabemos ainda se chegamos lá. Mas, em todo caso, transmitir um pouco de otimismo em relação ao que a Ciência e os médicos conhecem sobre a doença”, declara. Sintomas podem “enganar” paciente O mal de Parkinson se caracteriza pela destruição de uma parte dos neurônios que sintetizam e liberam a dopamina, um dos neurotransmissores cerebrais. A acumulação de proteínas tóxicas para as células nervosas leva à inflamação do tecido cerebral. A doença gera vários sintomas, além dos motores, que são os mais conhecidos. Entre eles estão problemas de sono, depressão e desconforto digestivo. Guillaume tinha poucos sinais e demorou para procurar um médico. Ele só marcou uma consulta após comentários feitos por amigos e parentes sobre sua maneira de se movimentar. “Eu não tinha percebido ou reparado em alguma coisa, mas me disseram que meus movimentos estavam mais lentos. Também me falaram que eu tinha um pequeno tremor na mão esquerda, que eu tinha notado mas não preocupava”, conta. “Minha filha era pequena e eu a carregava do lado esquerdo porque sou destro. Então não identifiquei nenhum sintoma mesmo e não levei a sério.” Guillaume só decidiu ir ao médico após testemunhar o infarto de um homem, em quem ele realizou massagens cardíacas, quando almoçava em um restaurante, no centro da sua cidade. Ele conta que estar de frente para a morte o levou a se conscientizar da necessidade de procurar ajuda. “Sabemos que há fatores de risco, e há riscos maiores se temos um doente na família, mas é impossível antecipar quem terá doença e nem quem tem fatores de risco. Há pessoas com doentes de Parkinson na família e que nunca terão a doença. Então temos fatores de risco, mas não sabemos como prevenir isso”, alerta.
Um levantamento feito em 2024 pela associação Santé Respiratoire France, a pedido da empresa francesa Murprotec, uma das maiores do setor, mostrou que a poluição em ambientes fechados é até nove vezes maior do que a atmosférica. A má qualidade do ar dentro de casa também é apontada como a responsável pela morte de 3,2 milhões de pessoas por ano, segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde). Mas este é um fato ignorado por cerca de 71% dos franceses. Taíssa Stivanin, da RFI em ParisDe acordo com o pneumologista francês Frédéric Le Guillou, presidente da Associação Santé Respiratoire France, 272 pacientes que sofrem de doenças pulmonares e 38 cuidadores responderam a um questionário sobre a qualidade do ar dentro de casa. O objetivo foi determinar o impacto da poluição doméstica nos sintomas dos entrevistados – dois terços deles eram mulheres, participam mais desse tipo de estudo porque geralmente são mais atentas à própria saúde, lembra o pneumologista. Os resultados mostraram que a população tem noção dos riscos que envolvem a poluição em casa, mas, na prática, toma poucas medidas para melhorar a situação.Segundo Frédéric Le Guillou, 97% dos entrevistados estão conscientes de que a má qualidade do ar nos ambientes fechados tem um impacto na saúde respiratória e desestabilizam seus sintomas. Os participantes da pesquisa convivem com DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica), a asma, alergias, fibroses pulmonares, dilatações e cânceres dos brônquios.“Os pacientes se preocupam com a qualidade do ar dentro de casa, principalmente porque todos já têm uma doença respiratória, mas 36% de suas moradias não têm ventilação mecânica controlada, a VMC”, lamenta o pneumologista. O sistema permite uma circulação contínua do ar e evita a umidade, fungos e bolor, prejudiciais para quem tem ou não problemas respiratórios.A umidade continua sendo um dos principais fatores de riscos para esses pacientes, diz Édouard David, representante da empresa Murprotec, que encomendou a pesquisa. “É um fato que a umidade é um fator determinante na transmissão das doenças ou no desenvolvimento de uma patologia crônica”, diz. Mortes prematuras O levantamento ainda mostrou que 43% dos pacientes já foram expostos à umidade dentro de casa. “Existe um trabalho de informação que deve ser feito junto aos pacientes. São pessoas que já convivem com um problema respiratório”, alerta Frédéric Le Guillou.Ele lembra que a má qualidade do ar é responsável por cerca de 47 mil mortes prematuras na França e 20 mil novos diagnósticos de doenças respiratórias, dados ignorados por uma grande parte dos franceses. Este número é provavelmente mais elevado, já que os óbitos, frisa, estão relacionados apenas às partículas finas e ao dióxido de azoto. “Existem diferentes tipos de poluentes que influenciam na qualidade do ar em ambientes fechados, que podem ser físicos, químicos e biológicos. O tabagismo dentro de casa é uma fonte de poluição, por exemplo, inclusive para aqueles que não fumam", cita.Há também os produtos de limpeza, a poeira, os pelos dos animais que podem causar alergias "e a pintura dos móveis que liberam compostos orgânicos voláteis", além dos ácaros. "Sem contar o aquecedor, que é uma das principais fontes de poluição doméstica”, acrescenta o especialista.A exposição a essas substâncias também pode desencadear doenças em caso de predisposição. Este é o caso da asma, das alergias e das bronquites. Pode também piorar patologias pré-existentes, que estavam controladas.Alguns hábitos também ajudam a melhorar a qualidade do ar, como abrir as janelas pelo menos dez minutos por dia e evitar colocar roupas para secar dentro de casa, por exemplo. “Quando temos uma doença respiratória, temos ‘brechas' nas mucosas e todos os poluentes penetram mais facilmente. Tudo isso deve ser levado em conta, além da predisposição genética às alergias”, conclui o especialista francês.
A fobia é o medo anormal de um objeto ou de uma situação. Algumas delas são mais conhecidas, como a claustrofobia, que é a aversão a espaços fechados, ou a aracnofobia, que é o medo das aranhas. Muitas delas podem afetar o dia a dia e devem ser tratadas, alerta a psiquiatra francesa Margaux Dutemple. A lista de fobias existentes é longa e deve ser atualizada com frequência pelos psiquiatras. Algumas delas são inusitadas e geram dificuldades cotidianas para os pacientes. Este é o caso da nomofobia, por exemplo, que é o medo de perder o celular, ou dos ergófobos, que têm pavor do trabalho. Há ainda quem tenha aversão aos micróbios, ao avião, às tempestades e até do fluxo contínuo de notícias na TV, sites e redes sociais: algumas pessoas simplesmente não conseguem, emocionalmente, gerenciar tantas informações. As fobias desencadeiam o que os especialistas chamam de “submersão emocional”, impedindo os pacientes de reagir racionalmente. De acordo com a psiquiatra francesa Margaux Dutemple, o que diferencia o medo ou a apreensão da fobia é o nível de ansiedade do paciente. “O medo é uma emoção normal. Mas a especificidade da fobia é que esse pavor ficará focado em um objeto ou situação particular. É isso que define o caráter específico da fobia”, explica Margaux.As fobias levam os pacientes a evitar certas situações para evitar o pânico que elas desencadeiam. Esse evitamento é uma característica típica da patologia. De acordo com a médica francesa, geralmente as pessoas buscam ajuda quando esse medo impede ou atrapalha um projeto.“Um exemplo típico é uma jovem que pretende ter filhos, mas tem hematofobia, que é o medo do sangue. Claro que todo o preparo durante a gravidez e o parto vai gerar uma forte ansiedade. É nessas horas, em geral, que o paciente busca ajuda”, exemplifica. Existem diferentes categorias de fobia, explica a psiquiatra. Às vezes o pavor é focado em objetos ou situações específicas, mas existem também “medos generalizados”, associados a comorbidades psiquiátricas, como a síndrome do pânico, a ansiedade generalizada ou a depressão, por exemplo. Causa não é essencial para a curaMuitas fobias também se originam no estresse pós-traumático, o que requer um tratamento adaptado. “A fobia mais frequente é a social, como o medo de falar em público, ou a agorafobia, que é o medo de espaços abertos, que se traduz no medo de não poder ser socorrido."Segundo a psiquiatra, a causa da fobia não é um elemento essencial para a cura. O que é importante, diz Margaux Dutemple, é vencer esse medo se expondo a ele, adotando uma terapia específica, “sem provocar traumas no paciente”. “De um modo geral, mesmo quando começamos a tratar a fobia tarde, podemos curá-la”, esclarece. Quem tem medo de altura e tem tontura, por exemplo, poderá subir em uma cadeira para aos poucos se habituar à situação.“A terapia avança por níveis. No início simulamos situações onde o paciente terá só um pouco de medo, o que obviamente é variável de uma pessoa para outra. Alguns pacientes podem até ter dificuldade em ficar de pé em cima de uma cadeira", diz."Mas isso será feito durante vários dias, ou seja, o tempo que for necessário para que essa ansiedade vá diminuindo. Vou colocá-lo em cima da cadeira e passar progressivamente a um nível cada vez mais alto”.A psiquiatra lembra que as fobias não provocam outros problemas de saúde, como a hipertensão, uma questão levantada por muitos pacientes, já que os sintomas físicos do medo incluem suores ou taquicardia. Essas sensações, entretanto, são pontuais.De acordo com a psiquiatra, os problemas cardiovasculares estão associados ao estresse crônico, como demonstraram muitos estudos.
As mulheres têm duas vezes mais depressão do que os homens, segundo dados da Santé Publique France, a agência de saúde pública francesa. A vulnerabilidade feminina à doença está relacionada a causas ambientais e fisiológicas, explica a psiquiatra francesa Lucie Joy. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a depressão atinge cerca de 350 milhões de pessoas no mundo. “As mulheres atravessam períodos complicados, de grandes transformações hormonais, como a gravidez, a menopausa, e o período que precede o aparecimento da primeira menstruação, que também pode ser complicada”, explica a especialista. “Os sintomas depressivos estão associados com frequência a essas mudanças na vida da mulher e isso faz com que algumas depressões graves sejam minimizadas”, afirma a psiquiatra francesa, coautora do livro “A Depressão Feminina: Desmistificar, Compreender e curar”, em tradução livre. A depressão “de verdade” afeta o funcionamento cerebral e impede a ação de alguns neurotransmissores na transmissão das informações essenciais para o equilíbrio cognitivo, fisiológico e emocional, com consequências diversas e individuais. Em casos moderados e graves, o uso de medicamentos é necessário, mas às vezes eles demoram para serem prescritos porque os sintomas femininos são banalizados, aumentando o risco de suicídio. O transtorno disfórico pré-menstrual, por exemplo, que ocorre antes da ovulação, entra nesta categoria. Ele atinge 5% das mulheres e gera sintomas depressivos severos, que podem levar à hospitalização. Fatores ambientais A biologia explica a tendência feminina à depressão, mas o funcionamento orgânico das mulheres não é a única causa da explosão do número de casos. A violência, a discriminação, a desigualdade de gênero e a falta de reconhecimento profissional também são fatores que afetam a saúde mental. “É muito importante conhecer o mecanismo hormonal e fisiológico feminino, mas há também uma combinação de fatores socioculturais que devem ser levados em conta”, destaca a psiquiatra francesa. Segundo a profissional, estudos mostram que as mulheres sofrem mais violência, conjugal ou não e têm um salário em média 24% mais baixo do que os homens. Elas também são responsáveis pela organização familiar e 71% das tarefas domésticas. Esse acúmulo de carga física e mental não contribui para a preservação da saúde mental. “Tudo isso acaba se acumulando, o que explica por que a depressão é bem mais frequente nas mulheres. Esses fatores atuam em conjunto e se potencializam entre si”. A associação da doença à tristeza também é um mito que confunde muitos pacientes. Na realidade, uma das principais características da depressão é a anedonia: a perda da capacidade de sentir prazer em atividades antes consideradas agradáveis. O paciente é invadido por sentimentos negativos. Pode ter também agitação ou lentidão psicomotora, o que cria confusão. “É algo que vai muito além da tristeza, se manifesta de formas muito diferentes em homens e mulheres e em função do período que atravessamos.” Desinformação dificulta vida dos pacientes A psiquiatra lembra que a desinformação em torno da doença dificulta a vida dos pacientes. Ao longo da vida, as mulheres, por exemplo, estão habituadas a ouvir que os sintomas associados à oscilação hormonal, em diferentes fases, são passageiros e lidar com eles “faz parte da vida”. “Só que isso não é possível no caso de uma depressão. “Quando estamos deprimidos mesmo, não podemos controlar. A depressão é uma verdadeira patologia, que deve ser tratada”, salienta. Ela cita como exemplo o suicídio gerado pela depressão pós-parto, como a maior causa de mortalidade materna na França um ano após o nascimento do bebê. A depressão clínica não pode ser tratada apenas com técnicas de relaxamento ou terapia. Ela exige o uso de medicamentos adaptados – às vezes é necessário testar diferentes moléculas, e acompanhamento especializado. Consultar um psiquiatra ou tomar remédios também pode ser considerado como uma fraqueza e isso muitas vezes impede o paciente de buscar ajuda. A hospitalização é outra etapa essencial para a cura e não é sinônimo de fracasso. A falta de informação de familiares e amigos que convivem com o paciente também pode ser nociva. A psiquiatra lembra que os medicamentos não serão usados “a vida toda” e as doses aos poucos diminuem à medida em que os pacientes melhoram. “A depressão altera as relações sociais, familiares e amorosas. Ela tem um impacto amplo. Se os sintomas são de leve a moderados, vamos propor psicoterapia associada a conselhos de alimentação e higiene de vida. Quando os sintomas são de moderados a severos e alteram o funcionamento, vamos propor um tratamento com um antidepressivo”.
Dados do Centro Nacional de Referência dos Meningococos mostram um aumento dos casos de meningites e de outras infecções causadas pela bactéria no país, após o fim das medidas sanitárias adotadas durante a epidemia de Covid-19. Taíssa Stivanin, da RFI em ParisSegundo a agência de saúde francesa Santé Publique France, em 2023 foram notificados 560 casos de meningite meningocócica - um aumento de 72% em relação a 2022. Deste total, 44% estavam relacionados ao meningococo B, 29% ao W e 24% ao Y.Esta alta é preocupante, pois a taxa de mortalidade de uma meningite bacteriana é de 10%, mesmo com um tratamento adaptado. Em média, a cada cinco pacientes, um terá sequelas graves, como explica o clínico-geral Samy Taha, pesquisador do Centro Nacional de Referência dos Meningococos do Instituto Pasteur, em Paris. A doença, transmitida por gotículas e secreções do nariz e da garganta, como tosse, espirro e troca de saliva, ataca as meninges, três membranas que envolvem e protegem o encéfalo, a medula espinhal e outras partes do sistema nervoso central. Ela atinge em uma proporção maior bebês de menos de dois anos, adolescentes e idosos acima de 75 anos. De acordo com o pesquisador francês, o distanciamento social e o uso de máscaras durante a epidemia diminuíram, de forma geral, a circulação dos micróbios, incluindo as bactérias que causam as meningites. Houve também uma queda de 20% nas vacinações, que influenciaram a imunidade de parte da população. Cerca de 10% das pessoas carregam os meningococos nas vias respiratórias, lembra Samy Taha, sem desenvolver infecções, mas podem transmiti-los.Jovens retomaram vida normal mais rápido após a epidemiaA alta de casos na França após a pandemia de Covid-19 atinge principalmente adolescentes e se explica por várias razões, como a vida social mais intensa e a circulação entre populações de faixas etárias diferentes.“Há muitos fatores que entram em jogo. Mas é provável que, após o fim das medidas restritivas, as primeiras pessoas que retomaram a vida social, incluindo viagens ou outros grandes eventos, tenham sido os adolescentes e jovens adultos. É por isso que aumento de número de casos atingiu primeiramente essa faixa etária”, diz o pesquisador francês. Segundo ele, após a pandemia de Covid-19, outros sorogrupos de meningococos, antes raros no território francês, se tornaram mais frequentes nessa população. “Essa é a grande novidade. Depois do fim das restrições relacionadas ao Covid, houve um aumento importante das meningites relacionadas ao sorogrupo W e Y, principalmente na faixa etária entre 15 e 25 anos”. Como os dois sorogrupos provocam infecções graves, as autoridades de saúde francesas decidiram modificar o calendário e a recomendação vacinal na França. As novas regras entraram em vigor no dia 1º de janeiro. “O que mudou é que a vacina contra o sorogrupo C foi substituída pela tetravalente, que protege contra os sorogrupos A, C, W e Y. Ela será obrigatória, com uma dose aos seis e aos 12 meses", explica o pesquisador francês."A Alta Autoridade de Saúde também recomenda um reforço da vacina tetravalente para adolescentes entre 11 e 14 anos, e uma atualização no máximo antes dos 25 anos, com uma dose única. A vacina contra o tipo B, que era apenas recomendada, tornou-se obrigatória para os bebês, em três doses: aos três, cinco e 12 meses”, detalha. Antes, os bebês se vacinavam apenas contra o sorogrupo C, que hoje circula menos na França - apenas oito casos foram registrados em 2022. O sorogrupo B ainda é o mais comum e representa mais de 50% das infecções.Sorogrupos W e Y provocam infecções invasivas mais letaisSegundo Samy Taha, os sorogrupos W e Y provocam um número maior de infecções invasivas por meningococos consideradas “atípicas”, que são doenças diferentes das meningites. "Essas infecções, relacionadas aos sorogrupos W e Y, são mais letais e podem atingir o sistema digestivo e as articulações. São formas mais difíceis de serem diagnosticadas e, infelizmente, estão associadas a uma mortalidade maior, principalmente nas primeiras horas”. Ela destaca que a meningite é apenas uma das formas de infecções graves provocadas pelos meningococos, apesar de ser a mais frequente. “Este é um trabalho de sensibilização que deve ser feito junto à população e aos profissionais de saúde. É importante ter essa noção”. O pesquisador relembra ainda que é essencial também para pais e profissionais suspeitar de uma infecção invasiva diante de certos sintomas, que no início podem ser banais, como: pés e mãos gelados, febre alta, arrepios, intolerância à luz e ao barulho, dores musculares e nas articulações. Muitos vírus estão por trás desses incômodos, mas em função do estado geral do paciente, a infecção pelo meningococo não deve ser totalmente descartada. No caso da meningite, existem outros sinais de alerta mais específicos, como rigidez no pescoço, dor de cabeça forte, vômitos, confusão mental e sonolência também devem alertar. “As infecções invasivas causadas pelos meningococos são mortais sem tratamento. E mesmo se tratadas corretamente, com antibióticos e outros cuidados recebidos no Pronto-Socorro e nas UTIs, elas continuam apresentando uma taxa de mortalidade de 10%, com sequelas graves, neurosensoriais ou que levam a amputações. A melhor maneira de se proteger é a vacinação”, alerta Samy Taha.
Fumar na adolescência pode favorecer o consumo de outras drogas, aumenta o risco de dependência e também afeta circuitos cerebrais que ainda estão em desenvolvimento. Essas são algumas das conclusões de um estudo recente realizado pela neurobiologista americana Lauren Reynolds, no laboratório Plasticidade do Cérebro do CNRS (Centro Nacional de Pesquisa Científica), situado no 5º distrito de Paris. Taíssa Stivanin, da RFI em ParisO centro é dirigido pelo pesquisador francês Philippe Faure, que supervisionou as experiências com camundongos expostos à nicotina. Os cientistas realizaram testes eletrofisiológicos, que mapeiam o sistema elétrico cerebral e a atividade dos neurônios, para comparar como a substância agiu nos cérebros dos animais adolescentes e adultos. Como os animais crescem rápido, a transição pôde ser acompanhada em detalhes no laboratório. O objetivo era entender como o circuito dopaminérgico - conhecido como sistema de recompensa, reagia à substância. Durante a experiência, os pesquisadores constataram que a exposição dos camundongos à nicotina na adolescência interrompia o desenvolvimento desse sistema cerebral, que processa informações relacionadas ao prazer, satisfação e motivação, por exemplo. “Foi a partir daí que percebemos que os circuitos da dopamina permaneciam no mesmo estado, como se tivessem sido ‘congelados na adolescência, explicou a pesquisadora americana à RFI.De acordo com o cientista francês Philippe Faure, a primeira etapa da pesquisa consistiu em caracterizar o funcionamento cerebral dos camundongos. “Há uma transformação na adolescência, que envolve várias mudanças, e o estabelecimento de alguns circuitos cerebrais envolvidos na transição para a idade adulta", diz." Se um adolescente for exposto à nicotina, a evolução cerebral será interrompida”, reitera.No final do estudo, a equipe também percebeu que era possível reverter a situação. “São experiências restritas aos camundongos, mas que permitem validar a hipótese que é possível restaurar o funcionamento de alguns circuitos importantes para assegurar a transição para a fase adulta.” Esse é um aspecto importante, ressalta, porque “esses circuitos estão envolvidos nas decisões e na maneira como o indivíduo vai gerenciar sua relação com as drogas”, por exemplo. A pesquisa demonstrou que um adolescente que fumou terá uma propensão maior à dependência química, caso experimente substâncias psicoativas. Ele será também mais sensível à nicotina se retomar o tabagismo na idade adulta. “No sistema nervoso, temos circuitos especializados na avaliação e construção dos nossos comportamentos, que se moldam à noção de recompensa”, diz o pesquisador francês. “A recompensa é tudo aquilo que está relacionado à ideia do que é positivo, e que gera comportamentos que visam obter o que consideramos como positivo.” Esse mecanismo cerebral, explica, está envolvido na motivação, no aprendizado e outros processos cognitivos.Experiências na adolescência são essenciais para o cérebroO sistema de recompensa é complexo e dividido em pelo menos duas grandes partes, que gerenciam a ansiedade e a repetição de certos comportamentos, nocivos ou não. O uso da nicotina atrapalha o equilíbrio entre esses dois sistemas, que são diferentes em adultos e adolescentes, mostrou o estudo, A maneira como eles evoluem durante essa fase também determinará o comportamento individual. “O circuito dopaminérgico é formado por pequenos núcleos localizados na parte profunda do cérebro e do tronco cerebral, que chamamos de neuromoduladores. Eles se caracterizam pelo envio de projeções e sinais para praticamente todo o cérebro”, explica o cientista francês. Esse mecanismo, se afetado pela nicotina, também vai impactar outras regiões cerebrais, como a amígdala, no lobo temporal, e o núcleo accumbens, o “centro do prazer”, no córtex pré-frontal, duas estruturas envolvidas na tomada de decisões e na gestão do medo, por exemplo.Os circuitos que gerenciam a dopamina, diz Philippe Faure, “são praticamente os últimos a se desenvolverem completamente no cérebro”. Caso esse processo for interrompido, pode ter influência direta no comportamento.Lauren Reynolds lembra que, independentemente dos resultados da pesquisa, a adolescência e as experiências decorrentes desse período intenso na vida de um ser humano são essenciais para o cérebro. “Esses comportamentos levam o adolescente a interagir com seu meio ambiente e enfrentar as consequências de suas escolhas. É um período instrutivo para o cérebro de qualquer espécie”, conclui. “Não é porque o cérebro dos jovens não é maduro o suficiente que isso os torna incapazes de tomar uma decisão. Não concordo com essa ideia”, completa Philippe Faure.
Como antecipar e prevenir futuros casos de depressão ou ansiedade que podem afetar a saúde mental dos adolescentes? Este é o objetivo do estudo IMPROVA (Intervention Enhancing Mental Health in Adolescents), financiado pela União Europeia e criado por um grupo de cientistas europeus. A plataforma de saúde digital visa identificar fatores que influenciam o bem-estar dos jovens e detectar perfis propensos a desenvolver doenças mentais. Taíssa Stivanin, da RFI em ParisA ferramenta está em fase de testes desde setembro e o projeto é liderado pela pesquisadora francesa Maria Melchior, do Instituto Pierre-Louis de Epidemiologia e Saúde Pública, em Paris. O objetivo é que, dentro de alguns meses, a plataforma possa ser acessada gratuitamente pelo computador, celular e tablet. Segundo ela, a equipe recrutará cerca de 12 mil alunos do Ensino Fundamental e Médio em escolas na França, Espanha, Romênia e Alemanha para testar o dispositivo. Os participantes deverão responder a um questionário sobre sua saúde mental no início e no fim do ano letivo. Um outro grupo sem acesso à plataforma também terá acesso às questões, para que os cientistas possam comparar as respostas.O modelo, utilizado por profissionais da saúde, analisa cinco "dimensões psicológicas", que englobam problemas emocionais, nível de isolamento, agressividade, hiperatividade, falta de atenção e concentração, além de empatia. A ferramenta traz ainda conteúdos que esclarecem dúvidas sobre a saúde mental e propõe exercícios que ajudam na gestão do estresse ou do sono - fatores conhecidos pela influência negativa no psiquismo dos jovens.Segundo a pesquisadora, estimativas mostram que os adolescentes passam em média 10 horas por dia no celular. Esse isolamento virtual se explica pela diminuição do contato com os amigos na “vida real”, típico da nova geração hiperconectada.Uma das consequências é que muitos jovens acabam abandonando atividades esportivas ou artísticas, antes consideradas prazerosas, o que contribui para a solidão.Maria Belchior explica que a plataforma não visa obter um diagnóstico, mas dar uma visão global do bem-estar do usuário e apontar possíveis riscos para a saúde mental.“Só o fato de fazer perguntas e querer saber como eles vão já vai ajudá-los, nem que seja um pouco, a desbloquear a expressão de certas emoções”, explicou a epidemiologista francesa à RFI. Essa conscientização pode incitar alguns dos jovens a buscar ajuda, dentro escola ou fora dela, o que concretamente já ocorreu, explica. Para isso, linhas telefônicas específicas e endereços úteis também podem ser consultadas na plataforma. O projeto também propõe um site paralelo para professores e pais, que visa difundir informações sobre os problemas psicológicos mais comuns vividos pelos adolescentes e os fatores de risco, como a exposição ao bullying e as dificuldades de relacionamento, por exemplo. “A ideia é informar melhor os pais e as pessoas que trabalham com os adolescentes sobre a saúde mental, e tentar mudar um pouco o ambiente em que eles vivem. O objetivo é sensibilizar os adultos sobre essas questões, para que eles saibam o que pode ser feito se o adolescente não vai bem”, diz a epidemiologista francesa.DiversidadeO recrutamento dos adolescentes que participam da fase piloto na França foi feito em parceria com o Ministério da Educação e da Saúde. Em seguida, o projeto foi implantado nas escolas, em função do interessa das secretarias de Educação das regiões francesas.As cidades situadas na periferia de Paris, por exemplo, rapidamente demonstraram interesse pela iniciativa. Para selecionar as escolas participantes, a pesquisadora francesa utilizou como principal critério a diversidade. A preferência foi dada para estabelecimentos situados fora da capital, com alunos de diferentes classes e origens sociais. Maria Belchior destaca que as escolas em Paris não são apropriadas para o estudo porque são exemplos de “segregação”.De acordo com ela, existem dois tipos de estabelecimento: aqueles frequentados por famílias ricas e de classe média e outros por jovens em situação mais precária. “O que nos interessa é tornar essa ferramenta acessível para todos, não apenas para aqueles que vivem em famílias onde a saúde e o desempenho escolar são importantes”, frisa. Após a seleção das escolas com esse perfil, a equipe da pesquisadora apresentou o projeto nos estabelecimentos. Só na França, até agora 1.600 jovens se inscreveram para testar a plataforma. Pressão crescenteMaria Melchior lembra que a pressão em torno dos jovens na França vem crescendo após as reformas de acesso ao Ensino Superior implementadas pelo Ministério da Educação. “Eles têm a impressão de que qualquer nota baixa ou avaliação ruim vão gerar consequências negativas para o resto da vida. Tudo isso traz ansiedade e mostra como é necessário se questionar sobre a adoção de certas políticas públicas”, observa. A ferramenta, reitera, deve ser um dispositivo a mais para os adolescentes, mas ela não substitui “uma terapia ou o contato com um humano”, conclui Maria Melchior. Ela lembra que o nível de ansiedade das novas gerações hoje é maior, e isso se deve em parte ao acesso generalizado à informação."O mundo em que vivemos é complicado e os jovens têm muito mais informações sobre isso, inclusive as crianças", diz. "Nós não falamos mais com elas da mesma maneira que falávamos com a geração anterior, que era poupada das discussões dos adultos. Isso é um fator que deve ser levado em conta, além de tudo o que envolve as mudanças climáticas”, conclui.
Os casos de câncer entre os jovens de 20 a 40 anos vêm crescendo de maneira contínua nos últimos 30 anos, segundo dados apresentados pelo Instituto francês Gustave Roussy, que busca ampliar sua atuação em pesquisa, prevenção e tratamento. O estabelecimento público, situado em Villejuif, nos arredores de Paris, é um dos maiores centros de luta de combate ao câncer do mundo e considerado uma referência em testes de novos medicamentos e terapias. Taíssa Stivanin, da RFI em ParisOs cânceres do intestino, pâncreas e rins, por exemplo, se tornaram mais comuns nesta faixa etária, o que representa "um verdadeiro desafio para os cientistas", explicou à RFI o oncologista Fabrice Barlesi, diretor-geral do Instituto Gustave Roussy.“Não entendemos exatamente o porquê deste aumento, mas há pistas. Alguns estudos mostram que pode haver uma relação entre o consumo de ultraprocessados e o câncer. Mas isso não significa que haja necessariamente uma causalidade, ou seja, uma relação de causa e efeito.”O aumento impressiona os cientistas, afirma, e as perspectivas exigem ação imediata. Uma pesquisa internacional recente divulgada na revista científica British Medical Journal revelou que, entre 1990 e 2019, houve um aumento de 79,1% de certos tipos de câncer em pessoas com menos de 50 anos, em todo o mundo. As conclusões de outro estudo, divulgado em dezembro de 2024 pela revista Lancet Oncology, prevêem uma alta de 12% de novos diagnósticos e mortes causadas pela doença nesta faixa etária, entre 2022 e 2050.O fato é que a curva estatística que traduz o aumento dos casos entre jovens não se estabiliza ou registra queda nas últimas três décadas. Na prática, isso indica que, independentemente do método utilizado para analisar os dados, a alta dos cânceres nessa população parece ser uma realidade incontestável, explicou Fabrice André, diretor de pesquisa do instituto francês.De acordo com ele, ainda serão necessários muitos estudos para confirmar cientificamente as hipóteses que explicariam o aumento do número de casos. "Isso pode levar vários anos”, observa. Confirmar as hipóteses ambientais que estariam por trás do adoecimento dos jovens adultos também é fundamental para adotar medidas de prevenção e evitar a alta de certos tipos de cânceres nas próximas gerações.Com provas científicas, os Estados, com o tempo, seriam assim obrigados a adotar legislações mais protetoras. Foi o que aconteceu com o cigarro, um agente cancerígeno que, há 25 anos, era consumido sem moderação no espaço público. Apesar do lobby da indústria do tabaco, os governos com o passar das décadas não tiveram outra escolha, a não ser agir.“Hoje nós não podemos dizer que conhecemos, de maneira científica, as causas dos cânceres nos mais jovens. Por isso é importante lançar estudos e coortes (NR: grupos de pacientes), para termos mais dados precisos e demonstrar, de maneira científica, com provas, qual é a causa desse aumento”, acrescenta Fabrice André. “Mas o fato é que tenho medo pelos meus filhos quando eles terão 30 anos”, alerta. A frase, que chamou a atenção dos jornalistas presentes na coletiva de imprensa organizada pelo instituto na capital francesa, é mais um "choque de realidade" do que necessariamente alarmista, explicou o oncologista.“Há duas causas possíveis para a explosão desses cânceres. Uma delas é a exposição mais precoce a fatores de risco para a doença. Por exemplo, acreditamos que a inflamação crônica pode favorecê-la. Desta forma, estar exposto de maneira mais precoce a uma inflamação poderia provocar um câncer”, diz. “A segunda causa seria a exposição a novos fatores de risco. Neste caso, uma das hipóteses é o consumo de alimentos ultraprocessados, ou a exposição do jovem durante sua vida a agentes cancerígenos, por exemplo”, explica.“Outra hipótese é a obesidade. As transformações metabólicas e a inflamação que ela provoca podem estar associadas ao câncer. Mas não temos provas científicas”, reitera. “O papel da poluição e dos microplásticos também deve ser estudado, mas, mais uma vez são apenas hipóteses. Lançar hipóteses é fácil, o mais complicado é validá-las. Por isso temos que definir essas causas e realizar estudos que nos permitirão coletar dados e amostras celulares", resume.Outra preocupação, lembra, é o crescimento do número de casos de certos cânceres raros, como do intestino delgado, que estão aparecendo com mais frequência nesta faixa etária. E, mais uma vez, não há por enquanto nenhuma explicação científica para esse fenômeno, que intriga os pesquisadores.Investimento em pesquisaPara validar hipóteses, são necessárias pesquisas com grandes grupos de pacientes de diferentes faixas etárias. Na França, estudos epidemiológicos sobre o aumento de certos tipos de câncer em jovens, por exemplo, já estão em andamento. Eles permitirão coletar dados detalhados sobre o modo de vida dos pacientes durante a infância. O objetivo é elencar fatores ambientais que estariam envolvidos no desenvolvimento da doença, utilizando recursos estatísticos e algorítmicos sofisticados.Na segunda etapa, os cientistas deverão analisar especificamente os dados de grupos de pacientes que desenvolveram cânceres mais jovens. A meta é caracterizá-los e compará-los aos cânceres dos pacientes mais velhos para, em seguida, constatar em laboratório eventuais diferenças moleculares e celulares. “Precisamos entender como esses cânceres aparecem. Será que existem especificidades relacionadas aos órgãos onde eles surgem? Será que decorre do envelhecimento do tubo digestivo, que tem características próprias? Existe um fator sistêmico, ligado a nosso sistema de defesa contra a doença? Ou será que existem outros aspectos que desconhecemos e, se for o caso, de que maneira podemos tratá-los?", questiona o diretor-geral do instituto, Fabrice Barlesi. Neste contexto, o centro francês busca reforçar sua estratégia de prevenção personalizada, diagnóstico precoce e Medicina de precisão. O objetivo é proporcionar aos pacientes o melhor prognóstico possível, com qualidade de vida. “Esse é um dos desafios. Se um paciente de 40 anos tem um câncer e é curado, terá ainda muitos anos pela frente. Esses anos devem ser bem vividos”, frisa o oncologista. Novos projetosO Instituto Gustave Roussy também será ampliado para facilitar os tratamentos e estudos clínicos. Para isso, estão previstos investimentos de € 53 milhões. Três projetos ilustram as metas nos próximos anos. O primeiro, Yoda (Young Onset Digestive Adenocarcinoma), busca identificar os fatores envolvidos no aparecimento de cânceres digestivos em pacientes com menos de 50 anos e propor um plano de prevenção. No primeiro semestre deste ano, dois grupos de pacientes entre 20 e 49 anos e 65 e 70 anos serão selecionados para participar do estudo. O segundo projeto visa desenvolver um teste diagnóstico para detectar a doença em mulheres jovens que apresentam um envelhecimento acelerado das células mamárias e correm mais risco de desenvolver um tipo agressivo de câncer de mama.A terceira iniciativa visa otimizar a rapidez do diagnóstico e a proposta de tratamento. O dispositivo, conhecido como InstaDiag, já é aplicado há anos em mulheres com câncer de mama e agora beneficia outras patologias. Há, ainda, outras iniciativas paralelas. “Temos também um programa chamado Interception, cujo objetivo é identificar, o mais precocemente possível, se o paciente tem um risco maior, que pode estar relacionado a seu histórico familiar ou a anomalias genéticas. Esse programa visa toda a população francesa”, completa o oncologista. Outra ambição é dentro de alguns anos generalizar a biópsia líquida, menos invasiva, e que pode ser coletada com um simples exame de sangue, para monitorar metástases.Há também a proposta de disponibilizar aos pacientes testes sanguíneos que detectam cânceres, assintomáticos, em estágios ultraprecoces, que normalmente não são alvos de campanhas de prevenção. Testes parecidos, que analisam o DNA do paciente, já estão disponíveis nos EUA, mas há controvérsias sobre sua eficácia.Enquanto a Ciência avança para propor cada vez mais terapias e tratamentos que visam a cura, o diretor-geral do Instituto Gustave Roussy lembra que nunca é tarde para adotar algumas mudanças no estilo de vida que previnem a doença: 40% dos cânceres em geral podem ser evitados e estão associados ao tabagismo, consumo de álcool, sedentarismo e sobrepeso.
A França celebra nesta quinta-feira (23) a Jornada Mundial da Solidão. Segundo dados publicados em 2022 pelo instituto de pesquisa Ifop, 19% dos franceses se sentem sozinhos. O fenômeno atinge todas as faixas etárias e categorias sociais, mas a preocupação é ainda maior em relação aos mais idosos. Taíssa Stivanin, da RFI em ParisDe acordo com um estudo do Insee (Instituto Nacional de Estatística e Estudos Econômicos da França), publicado em 2021, cerca de um milhão e meio de franceses com mais de 75 anos sofrem de isolamento social severo ou moderado. Este número corresponde a 12% da população nessa faixa etária. O avanço da idade leva à diminuição dos vínculos sociais, principalmente após a aposentadoria. Com o tempo, o círculo de amigos também tende a ficar mais restrito e a família nem sempre está por perto. Além disso, os problemas de saúde são mais comuns e podem afetar a autonomia em graus diferentes.Como prevenir a solidão que de uma forma ou outra caracteriza a terceira idade? Nos últimos anos, o governo francês e a iniciativa privada vêm se mobilizando para propor soluções subsidiadas que visam melhorar a saúde emocional dos idosos.Um exemplo é o “Anjos da Guarda", projeto gerenciado pelo psicogeriatra francês François Santo. O serviço é proposto pela empresa francesa de teleassistência Tunstall Vitaris, gigante do setor no país.A equipe do psicólogo é responsável pela gestão de cerca de 2,5 milhões telefonemas por ano. O objetivo diz, é "levar conforto aos idosos" e ajudá-los a lidar com a solidão e as emoções negativas que decorrem do isolamento.“Como podemos prevenir a solidão? Na minha opinião, a solidão vivida pelos idosos não é uma questão apenas de envelhecimento, mas também de juventude. É preciso aprender a envelhecer e isso começa cedo: cuidando de si mesmo, aprendendo a viver com suas neuroses e trabalhando suas próprias questões de dependência afetiva”, resume.De acordo com ele, é importante "aceitar sua própria vulnerabilidade" para, na terceira idade, “lidar mais facilmente com as perdas”. Esse preparo deve ser feito com antecedência, frisa o especialista francês, citando uma frase do general francês Charles de Gaulle. “De Gaulle dizia: o envelhecimento é um naufrágio. Com frequência associamos o envelhecimento a essa noção, mas isso não é verdade, na minha opinião. Há, de fato, situações envolvendo pessoas idosas que são muito tristes, mas na maior parte do tempo, isso não é uma fatalidade", defende."A velhice é algo que se prepara. Envelhecer é bonito, amadurecer também, e aceitar sua própria vulnerabilidade faz parte. Muitas pessoas vivem bem o envelhecimento e a questão da solidão”. Para o psicólogo francês, “a problemática do envelhecimento envolve uma sucessão de perdas. Aos 40 anos, se você perde um trabalho, pode achar outro. Mas se você está aposentado e não tem mais vida profissional, isso é uma verdadeira perda. Quando você está casado há décadas e de repente se torna viúvo ou viúva, isso também é uma perda irremediável”.Superando limitaçõesEssa “sucessão de perdas”, diz o psicólogo francês, afeta a autoestima. Os telefonemas da equipe, uma vez por semana, buscam então "levar um pouco de conforto" para os idosos que se sentem isolados. O objetivo é criar um vínculo social e antecipar possíveis problemas, como a perda total de autonomia.Ele lembra que os atendentes do "Anjos da Guarda" são formados para antecipar situações de risco. Há idosos, por exemplo, que desenvolveram problemas cognitivos, como o Mal de Alzheimer, mas ainda continuam sozinhos em casa. Eles correspondem a 40% dos telefonemas tratados pela equipe.Essa situação pode durar vários anos até a obtenção de uma vaga nos chamados Epahds, os centros para idosos franceses, que podem ser públicos ou privados. A escolha de manter os mais velhos em casa ou não também dependerá das famílias e do custo envolvido. A mensalidade dos centros custa em média € 2000, o equivalente a cerca de R$ 12.500, mas esse valor pode ser bem mais alto. A qualidade do atendimento também é questionada em vários deles e muitos centros já foram até mesmo alvo de denúncias de maus-tratos. Inteligência ArtificialHoje as empresas de teleassistência francesas utilizam vários dispositivos tecnológicos para monitorar riscos, como uma eventual queda, por exemplo. Para tratar o problema sem intervenção humana direta, a assistência inclui detectores de movimento inteligentes.“A inteligência artificial vai se conectar a um serviço de emergência, que ficará à disposição de pessoas com problemas cognitivos, por exemplo”, explica o especialista francês. Esta é uma alternativa a mais para remediar, na prática, o isolamento, diz o psicólogo. “Mas a dimensão humana é importante e nunca poderá ser substituída”.
Vários países, entre eles a França, vêm adotando medidas para controlar o acesso às redes sociais e proteger crianças e adolescentes, que podem ser induzidos a práticas violentas e até mesmo ao suicídio. Em busca de mais audiência, as redes utilizam algoritmos que adaptam o conteúdo em função dos dados e interesses do usuário. Mas esse efeito, conhecido como "filtro bolha", induz falsas percepções e reforça as próprias crenças e opiniões, afetando a capacidade de questionamento. O algoritmo do TikTok é apontado como um dos mais nocivos, mas não é o único. Taíssa Stivanin, da RFI em ParisEm julho do ano passado, o governo francês promulgou uma lei que estipula a “maioridade digital” aos 15 anos, idade mínima autorizada para se inscrever nas redes. No Brasil e na França, celulares também estão sendo banidos das escolas. Neste contexto, como proteger crianças e adolescentes? Proibir o acesso adianta? A RFI conversou com a professora Catherine Jousselme, uma das maiores pedopsiquiatras francesas, autora de diversos livros e estudos sobre a questão e que, ao longo de sua carreira, dirigiu vários centros infanto-juvenis no país. Para ela, não existe uma só solução, mas preconizações que envolvem a escola, os pais, governos e os profissionais da saúde. “Vivemos em um mundo onde deveríamos tomar consciência do perigo de certas práticas, não só para a saúde, mas também para o psiquismo dos jovens. São necessários filtros que funcionem nas redes sociais e restrições em função da idade, o que não é o caso”, alerta. Segundo a psiquiatra francesa, novos dados publicados no ano passado mostram que cerca de 45% de adolescentes entre 11 e 12 anos utilizam TikTok com frequência. Há vários riscos envolvidos, observa Catherine Jousselme. Os distúrbios do sono, por exemplo, são algumas das consequências da exposição excessiva às telas, principalmente de noite. O uso do celular antes de dormir deixa o cérebro em alerta e aumenta a tentação do scrolling. Dormir pouco também aumenta a vontade de comer mais açúcar e desmotiva o adolescente a praticar uma atividade física, considerada como um dos elementos essenciais para o equilíbrio emocional. “Essas ferramentas causam dependência. Sabemos que nosso cérebro tem um circuito de tratamento da imagem que é bem mais rápido do que o circuito que gerencia a linguagem e a reflexão”, explica. Para gerar essa dependência, redes sociais como TikTok se baseiam em um sistema algorítmico próprio e tóxico, com uso inapropriado dos dados, ressalta. Essa ausência de filtros faz com que imagens de extrema violência estejam ao alcance dos jovens de maneira ininterrupta. Alguns vídeos trazem até mesmo o “passo a passo” de como se suicidar, exemplifica Catherine Jousselme, “o que é, obviamente, gravíssimo”. Infelizmente, em boa parte dos casos, os pais ignoram que esses vídeos estejam acessíveis e tenham sido consultados pelos filhos. Por curiosidade ou impulso, ou sugestão de amigos, os adolescentes muitas vezes não resistem a clicar em imagens, que geram, nas palavras da psiquiatra, “sideração psíquica”. Em adolescentes vulneráveis, haverá uma tendência a buscar conteúdos de extrema violência, que criem uma identificação com seus próprios traumatismos. Essa exposição frequente à crueldade sem limites compromete o desenvolvimento da empatia, explica a pedopsiquiatra, e desencadeia comportamentos violentos. Diálogo e regulação O consumo ininterrupto do conteúdo gerado pelas redes torna os jovens presas fáceis. Esse risco cresce na adolescência, um período marcado por transformações e incertezas. “Se você assiste a vídeos sem parar durante duas ou três horas, seu cérebro não ativará seu sistema de reflexão. Ele estará o tempo todo focado no imediatismo provocado pelos circuitos que gerenciam o tratamento da imagem, que se ativará de forma permanente, sem nenhum senso crítico”, afirma a especialista. “O jovem pode ser influenciado, se fechar, não conversar mais com seus pais sobre aquilo que está vendo. Eles então continuam assistindo conteúdos violentos, que vão aumentar seu mal-estar, sem filtro”, alerta. “Se por acaso, por azar, nesse momento a pessoa está passando por um momento difícil, como o divórcio dos pais, esses vídeos podem induzir alguns deles ao suicídio, sobretudo na adolescência”. Segundo a psiquiatra, a maneira como esses adolescentes vão reagir aos conteúdos violentos é diferente e varia em função de como a família alertou para os riscos, do controle parental e dos traumas vividos.Manter o diálogo aberto e um bom relacionamento com os pais é fundamental para evitar situações trágicas, lembra a pesquisadora francesa, mas não é uma garantia, o que torna ainda mais necessária a regulação das plataformas. O que acontece no cérebro? Na adolescência, dois sistemas cerebrais se desenvolvem, mas de maneira assíncrona. Um deles é o límbico, que gerencia, entre outros aspectos, o apetite, o desejo e o prazer. Ele "amadurece" mais rápido do que o circuito ativado pelo córtex pré-frontal, responsável pela conexão com outras áreas do cérebro e pela planificação, o estabelecimento de metas, estratégias e tomada de decisões. Segundo a psiquiatra, como esses dois sistemas não se desenvolvem de maneira simultânea, o cérebro de todos os adolescentes está “naturalmente em desequilíbrio”, mesmo que não haja dificuldades particulares. “O adolescente quer tudo na hora, pensar menos e agir mais. Cabe aos pais lembrar que a reflexão é importante. Mas se eles dispõem de ferramentas, sem nenhum controle, que estimulam o inverso, se tornarão mais dependentes das telas do que os adultos” - e também mais propensos a atos violentos.A superexposição às telas e a ativação frequente do circuito que gerencia as imagens traz consequências cerebrais concretas. Elas vão solicitar a parte mais rápida e intuitiva do cérebro e o mecanismo de consolidação das informações na memória a longo prazo ficará em segundo plano. Os circuitos usados na capacidade de aprendizagem, de julgamento e de crítica acabam, desta forma, sendo pouco mobilizados, simplesmente porque “tudo vai rápido demais”, diz a psiquiatra. O sistema intuitivo acaba prevalecendo. “O movimento do olho para o polegar em direção à tela do celular é tão rápido que o córtex pré-frontal, a estrutura que regula a atividade cerebral, acaba sendo mobilizada para outra função, que é a de tomar decisões o mais rápido possível”, explica. O consumo irrestrito e ilimitado de conteúdos violentos nas redes é apontado como uma das causas da explosão dos casos de depressão, ansiedade e outros distúrbios mentais entre os jovens de menos de 20 anos, lembra Catherine Jousselme. Mas ela e outros profissionais da saúde concordam que "diabolizar" as telas e as redes sociais e proibir totalmente o acesso não é a melhor solução. Pelo contrário.“As telas não devem ser diabolizadas. Mas a exposição permanente, no início da adolescência, a conteúdos nas redes sociais que não são filtrados, e possibilitam o acesso a cenas traumáticas, que mesmo nós adultos não podemos suportar, não é aceitável”. Segundo ela, o único caminho possível é explicar para os adolescentes a importância das ferramentas digitais, lembrando de seus riscos e limites. Recomendações A pedopsiquiatra recomenda dar o primeiro celular, sem acesso a internet, por volta dos 11 anos. Aos 13 anos, a internet só deve ser utilizada em casa e acessada pelo wifi com controle parental. O primeiro contato com as redes sociais só deve acontecer, no mínimo, aos 15 anos, com acompanhamento. O diálogo e os limites de consumo devem ser mantidos e as eventuais tensões com o adolescente não devem desencorajar os pais. Além disso, os pais e os próprios jovens devem se informar mais sobre o funcionamento cerebral na adolescência."O cérebro entre 0 e 15 anos não é o mesmo. Se ele só ativar o sistema intuitivo, ficará mais difícil desenvolver outras funções necessárias ao planejamento e análise na idade adulta", reitera.
Os opioides são analgésicos potentes, usados para tratar dores pontuais ou crônicas. A equipe do pesquisador francês Cyril Rivat, do Instituto de Neurociências, em Montpellier, no sul da França, busca entender por que moléculas como a morfina pioram a dor de certos pacientes ou não fazem efeito. Taíssa Stivanin, da RFI em ParisOs estudos do neurocientista francês são feitos em parceria com pesquisadores do Inserm (Instituto de Pesquisas Médicas da França), CNRS (Centro Nacional de Pesquisas Científicas) e a empresa Biodol Therapeutics. A startup, que tem um contrato de colaboração com a equipe francesa, visa criar um medicamento experimental contra esses efeitos adversos. Eles também estão presentes nas dores neuropáticas, que surgem após lesões nos nervos, medula ou cérebro. A expectativa é que o futuro remédio, ao bloquear um receptor cerebral chamado FLT3, possa controlar as reações indesejadas que decorrem do uso da morfina. Os testes clínicos da fase 1 com humanos devem começar em 2025 na França. "A Biodol Therapeutics obteve um financiamento em 2024 para lançar a primeira fase dos testes clínicos com humanos. A inclusão dos participantes começou em dezembro, com voluntários", explica o cientista francês.De acordo com o especialista, "o primeiro objetivo é avaliar os possíveis efeitos tóxicos de um composto químico que terá como alvo o receptor FLT3". A primeira fase, diz Cyril Rivat, deve terminar em 2025. "Se tudo correr bem, vamos organizar a fase 2, que deverá analisar os efeitos da substância na dor neuropática crônica." MecanismosA resistência aos efeitos da morfina está relacionada a vários mecanismos neurobiológicos complexos, que ainda estão sendo identificados pela Ciência e estão relacionados ao receptor cerebral onde age a morfina. “Estamos avançando, mas ainda há questões em aberto”, diz o cientista. Diversos estudos mostram que a estimulação frequente do receptor FLT3 acaba diminuindo o efeito da morfina, que fica restrita à parte interna da membrana cerebral. Esse mecanismo altera sua função analgésica, que é eliminar a dor.A morfina também pode, em alguns casos, provocar um aumento da sensação dolorosa, como demonstrou um estudo recente do pesquisador francês, publicado na revista Nature Communications. “Pode ser totalmente paradoxal, mas podemos explicar esse fenômeno do ponto de vista neurobiológico. Trata-se de um mecanismo de adaptação do organismo, que tenta se defender contra o uso dos opioides", detalha. O neurocientista francês lembra que nem todas as pessoas estão propensas a essas reações adversas."A morfina continua sendo uma das melhores moléculas que existem no tratamento contra a dor. Há usuários que se tornam dependentes químicos, como revela a crise dos opioides nos Estados Unidos, mas a molécula continua sendo uma referência e demonstra uma grande eficácia”. Dores neuropáticasEm suas pesquisas sobre o tema, que tiveram início em 2018, o cientista francês descobriu, em testes celulares no laboratório e com animais, que esses dois efeitos após o uso da morfina – aumento da dor e resistência ao efeito analgésico - também eram observados nos pacientes com dores neuropáticas. O cientista também constatou que, ao bloquear o receptor FLT3, a morfina voltava a fazer efeito. Nos animais, o resultado foi ainda mais impressionante. “Conseguíamos bloquear a resistência, o aumento da dor e melhorávamos os efeitos analgésicos da morfina.” Os mecanismos do receptor FLT3 nas dores neuropáticas também são alvo de uma colaboração entre o pesquisador francês e o cientista brasileiro Thiago Cunha, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. "O professor Thiago Cunha também é um especialista das dores neuropáticas, mas estuda as interações que chamamos de neuro-imunes, entre o sistema nervoso e o sistema imunológico", explica. "O receptor FLT3 é ativado por um neuromediador produzido pelas células imunitárias. Estamos tentando entender melhor essa interação existente entre esse neuromediador e o receptor FLT3".
O HIV continua um desafio para a saúde pública. Em 2022, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), 39 milhões de pessoas conviviam com o vírus em todo o mundo. Mais de dois terços dos pacientes estão na África. Embora nenhum medicamento seja ainda capaz de eliminar completamente o HIV do organismo, um novo tratamento inovador, o lenacapavir, baseado em duas injeções anuais, é considerado extremamente promissor. Mas o custo do medicamento - cerca de US$ 40.000 - ainda continua elevado e as indicações de uso são específicas. O Sulenca, nome comercial do antirretroviral, é um inibidor da função do capsídeo, a capa da proteína que envolve o vírus HIV-1. Ele atua nos estágios iniciais e finais do ciclo de replicação. Seu mecanismo de ação permite alcançar e bloquear vírus que se tornaram multirresistentes em pacientes soropositivos e por isso ele é indicado como tratamento complementar, ou seja, associado a outros comprimidos.Nos estudos, o lenacapavir, encontrado nas formas oral e injetável, também demonstrou uma eficácia de quase 100% na prevenção contra a contaminação no caso de uma exposição ao HIV. O laboratório Gilead, que fabrica a molécula, assinou um acordo com seis fabricantes que permite a produção genérica do medicamento e o tornará acessível em 120 países.O Brasil ficou de fora dessa lista e um grupo de organizações pediu no último dia 1º de dezembro, Dia Mundial de Combate à Aids, medidas para acelerar o acesso. Fim da epidemia?A OMS, o Fundo Global e o UNAIDS estabeleceram 2030 como meta para o fim da epidemia. O lenacapavir pode ajudar a atingir esse objetivo? Segundo o infectologista francês Jade Ghosn, ainda existem obstáculos para disseminar o uso da nova molécula. Ghosn é coordenador regional da luta contra o HIV e as Doenças Sexualmente Transmissíveis da região Île de France, onde está situada Paris. Segundo ele, a molécula tem duas principais vantagens."A primeira é que o lenacapavir vem de uma nova classe de medicamentos", explica. "A segunda é que ele foi formulado para ser injetado por via subcutânea, ou seja, da mesma forma que a insulina, heparina, ou os anticoagulantes, e é administrado a cada seis meses.”Atualmente, os comprimidos para tratar o HIV devem ser tomados diariamente, o que exige disciplina – as pílulas não devem ser consumidas em jejum, por exemplo. No cotidiano, essa organização gera uma sobrecarga mental elevada. "O paciente também deve andar com a caixa de remédios na bolsa", lembra o infectologista, o que pode colocá-lo em situações constrangedoras, ou o "obriga", socialmente, a ter que expor seu problema de saúde, explica.“Os remédios fazem o paciente lembrar diariamente que têm a doença, eles comentam. Em termos de carga mental, não ter que pensar nisso por seis meses é um verdadeiro alívio e uma melhoria real na qualidade de vida das pessoas”, explicou Ghosn.Mas, apesar de todas as vantagens e de ser uma pista para avanços concretos na gestão cotidiana da doença, o lenacapavir custa caro e ainda é um tratamento complementar, reitera. Para controlar a carga viral, ou torná-la indetectável, o paciente soropositivo deve utilizar uma combinação de medicamentos, já que o vírus sofre mutações muito rapidamente. “Isso significa que, hoje, se você quiser utilizar o lenacapavir no tratamento, ele deverá estar necessariamente associado a outros comprimidos. O paciente então perde o benefício do tratamento injetável. Se no futuro as pesquisas identificarem uma molécula associada eficaz que também possa ser administrada a cada seis meses, aí teremos realmente o benefício de um tratamento 100% injetável”, analisa. Acesso gratuitoDe acordo com o infectologista francês, a Agência Nacional de Pesquisa sobre Aids e Hepatites Virais está realizando uma série de estudos para avaliar como a nova droga poderá ser integrada aos sistemas de saúde dos diferentes países, incluindo a França. No país, desde 2013, todos os soropositivos têm acesso gratuito aos tratamentos, independentemente da carga viral. Mas, o grande desafio continua sendo o diagnóstico, já que muitas pessoas não sabem que foram contaminadas e continuam transmitindo o vírus. Cerca de 43% das infecções são descobertas em um estágio avançado. Para o infectologista francês, os pacientes ainda têm medo de descobrir que são soropositivos e serem estigmatizados, mesmo após mais de 40 anos da descoberta do vírus. Em sua opinião, há também menos informação do que deveria sobre as terapias que impedem a contaminação e controlam a evolução da doença. “O que é importante é que a mensagem e a comunicação em torno da infecção pelo HVI sejam mais positivas. Temos que explicar às pessoas que existem opções. Você é negativo? O importante é continuar negativo. Há ferramentas para evitar a contaminação", ressalta."Caso você seja positivo, hoje tratamos a infecção como uma doença crônica, como hipertensão, diabetes ou colesterol. Temos tratamentos que vão estabilizar a doença de forma permanente. A infecção nunca evoluirá para a AIDS e, principalmente, o vírus não será transmitido aos seus parceiros se você for tratado”, resume o infectologista francês.
A prematuridade é uma das maiores causas de mortalidade infantil no Brasil e atinge famílias em todo o mundo. Quando ela é extrema, requer cuidados e gera desafios que demandam a dedicação constante dos pais. Bebês que nascem antes do tempo exigem cuidados essenciais para o seu desenvolvimento futuro, lembra o pediatra Renato Kfouri, presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria. Taíssa Stivanin, da RFI em ParisHá 12 anos, a vida da jornalista brasileira Fabiana Bacchini, que vive em Toronto, no Canadá, e já era mãe de um menino, tomou um rumo inesperado. Grávida de gêmeos após uma fertilização in vitro, ela descobriu que um dos bebês tinha um problema cardíaco.Michael não sobreviveu e o parto de Fabiana acabou ocorrendo na 26ª semana de gestação. A outra criança, Gabriel, hoje com 12 anos, nasceu com 900 gramas e foi internada na UTI - o peso considerado normal de um recém-nascido que nasce de nove meses é entre 2,5 e 4 quilos. “Foi uma jornada de 146 dias de UTI neonatal. O Gabriel ficou com ventilação mecânica por sete semanas”, conta. No período em que esteve internado, o bebê teve várias complicações, mas Fabiana manteve o otimismo. “Eu tinha colocado na minha cabeça que, deixando a UTI, minha vida voltaria ao normal. Meu objetivo era tirar o Gabi dali.” Fabiana teve a oportunidade de participar de um estudo científico no hospital, onde tinha aulas diárias sobre a prematuridade. Ela e o pai também se envolveram ativamente nos cuidados com o filho, e participavam até mesmo das decisões tomadas pela equipe médica. Quando Gabriel teve alta, Fabiana soube que o filho teria que usar o oxigênio em casa. “Eu chorei muito, não queria levar o oxigênio para casa, só queria que nossa vida voltasse ao normal. A médica olhou para mim e disse: esse vai ser o seu novo normal”, lembra, emocionada.Alguns meses depois, o menino foi diagnosticado com paralisia cerebral e o mundo de Fabiana caiu. “Fui em médicos no Brasil, fui para os EUA, vi todos os especialistas no Canadá, procurei células-tronco na Tailândia”, descreve.“Mas aí tem um dia que você para e diz: não tem nada errado com meu filho, não tenho que tentar consertá-lo. Tenho que tentar dar uma qualidade de vida boa para ele. Isso mudou a maneira como eu passei a enxergar a situação, e como eu criaria um filho com deficiência”. Envolvendo as famílias nos cuidados com o bebêGabriel é tetraplégico e, para Fabiana, adaptar-se à nova situação exigiu aprendizado, dedicação e resiliência. Mas as dificuldades enfrentadas nos primeiros anos de vida do filho deram a ela força para se dedicar ao trabalho que hoje ajuda prematuros e suas famílias em todo o mundo. A brasileira é diretora da Canadian Premature Babies Foundation (Fundação canadense de bebês prematuros), uma organização que dissemina, através de uma rede de cooperação internacional, ações para sensibilizar sobre o cuidado neonatal. O objetivo é promover um maior envolvimento dos pais e da família com o recém-nascido, desde o nascimento. “Os estudos mostram que, desta maneira, os bebês vivenciam melhor a prematuridade. Vão para casa mais rápido, têm mais sucesso na amamentação, possibilidade menor de ter retinopatia da prematuridade. Há também vários benefícios para os pais: menos estresse, menos ansiedade. A saúde mental deles é melhor quando estão envolvidos nos cuidados com o bebê”. Guerreiro de MarteMartin, o primeiro filho da carioca Tatiana Marques, hoje tem 7 anos e pesava apenas um quilo quando nasceu. O parto aconteceu após uma gestação de 28 semanas. “Martin significa guerreiro de Marte. Ele veio honrando esse nome desde que nasceu”, conta Tatiana. “Ficamos três meses com ele na UTI. Era para o Martin ter nascido no final de dezembro, mas ele veio ao mundo dia 2 de outubro. Ele só tinha um quilo, e com a perda inicial caiu para 900 gramas”, lembra. “O Martin não teve uma intercorrência grave durante a internação, mas por pouco não teve que passar por uma cirurgia do coração. Também demorou muito tempo para conseguir desmamar do oxigênio e respirar sozinho. Ficamos muito preocupados, após dois meses e meio de UTI ele ainda estava na ventilação mecânica. Quando você está com alguém no hospital, sua vida congela. Ainda mais no caso de um filho. A expectativa é ter alta, sair do hospital e ir para a casa viver esse desafio.” O suporte da equipe médica foi essencial. Desde o início, Tatiana foi estimulada a utilizar o método Canguru, que consiste, basicamente, em manter o bebê em contato pele a pele, na posição vertical, próximo do peito dos pais. Tatiana teve receio no início e o pai de Martin, Gilson, tomou a iniciativa. Depois dessa primeira experiência, o bebê ganhou quatro vezes mais peso do que o habitual e isso bastou para tranquilizá-la. “O maior aprendizado que eu tive nesse período de UTI, que eu trouxe para casa comigo, é o que as enfermeiras sempre falavam para mim: aprende a ver o seu filho. Esquece a máquina”, conta Tatiana que ficava apavorada com os “bips” constantes dos equipamentos da unidade de terapia intensiva. Com o tempo, ela passou a identificar com mais facilidade o que era preocupante ou não. “Às vezes são sutilezas percebidas pelo pai e a mãe, que ficam ali o dia inteiro e estão percebendo algo que às vezes a equipe médica só vai se dar conta depois”, diz. Tatiana também aprendeu a conversar com o bebê e demonstrar suas emoções. Ela não podia dormir no hospital no período em que ele esteve hospitalizado, apenas visitá-lo diariamente. Martin foi para casa após três meses de internação, mas também não podia receber visitas, por conta da baixa imunidade e do risco de exposição aos vírus e bactérias. A vida da família foi aos poucos voltando ao normal, mas hoje, aos sete anos, Martin ainda enfrenta os desafios do desenvolvimento. Um deles é a imunidade – os bebês prematuros, quando nascem, ainda não desenvolveram totalmente o sistema imunológico e podem ter mais complicações quando ficam doentes – o corpo não combate os vírus e bactérias com a mesma eficácia. “A imunidade dele é muito diferente de uma criança que nasceu a termo. Eles não adquirem os anticorpos da mãe nesse terceiro trimestre”, explica Tatiana. Esta ainda é uma preocupação constante para mãe, que também descobriu que o filho tem TDHA (Transtorno do Déficit de Atenção). Estudos mostram que o distúrbio é mais comum em crianças prematuras. Como Fabiana, Tatiana também ajuda outras mães e é voluntária na ONG Prematuridade. “A ideia é disseminar a informação e ajudar as famílias a entender a responsabilidade que eles têm nesse processo”, explica, acrescentando que ajudar as outras mães a superar essa situação "é a melhor terapia".Cuidados essenciais Segundo Renato Kfouri, pediatra infectologista e presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria, a prematuridade é uma das principais causas de mortalidade infantil no Brasil. Cerca de uma em cada dez mulheres no país dão à luz antes de 37 semanas de gestação, o equivalente a cerca de 300 mil bebês prematuros por ano. “Quanto mais prematuros, maiores são os riscos em todos os sentidos. Riscos de complicação no berçário, internações prolongadas, infecções, risco de doenças infecciosas, de alterações no sistema nervoso e de sequelas de longo prazo no desenvolvimento”, explicou o pediatra à RFI. As infecções repetitivas, que marcaram a história de Tatiana e Martin, são uma das maiores preocupações dos médicos, diz o especialista. “Os bebês prematuros nascem antes do tempo e recebem poucos anticorpos da mãe, que transfere durante a gestação, através da placenta, proteção contra todas as doenças que ela teve na vida. Todas as vezes que a mãe se expôs a microrganismos, produziu anticorpos, e esses anticorpos atravessam a barreira placentária. Eles servem para proteger os bebês nos primeiros meses de vida, até que recebam suas vacinas", explica. No caso dos prematuros, essa transferência dos anticorpos ocorre principalmente no último trimestre da gravidez. Soma-se a isso, diz o pediatra, a imaturidade do sistema imunológico, a dificuldade na amamentação, a exposição ao risco hospitalar e a subnutrição. As vacinas são essenciais para as crianças prematuras e protegem contra várias doenças, incluindo as respiratórias. “As vias aéreas são de calibre muito pequeno, então qualquer secreção pode gerar uma obstrução ou uma dificuldade respiratória muito grande. Quanto menor o bebê, menor são essas vias aéreas e maior é esse risco”, compara. “Gripe, Covid ou bronquiolite são doenças que afetam esses bebês e são as principais causas de internações."Segundo o pediatra, a bronquiolite provoca sequelas duradouras nas crianças prematuras, como reações exacerbadas a um resfriado, por exemplo, maior fragilidade à mudança de temperatura ou ao desenvolvimento de alergias. O pediatra lembra que existem várias vacinas disponíveis, incluindo contra pneumonia, coqueluche, gripe ou Covid-19. Mas, um dos grandes vilões dos pulmões de bebês prematuros é o VSR, o vírus sincicial respiratório. "Ele é o principal causador de doenças respiratórias no bebê no primeiro ano de vida, e pode causar a bronquiolite e a pneumonia”. Até pouco tempo, a imunização contra o VSR era feita com doses mensais de um anticorpo monoclonal, dado apenas para crianças nascidas com menos de 28 semanas ou com doenças crônicas no pulmão ou coração. A novidade agora é que esse anticorpo, nirsevimab, pode ser administrado em uma única dose, ao nascer, e protege a criança, prematura - ou não- durante toda a estação do VSR, no outono e no inverno. Muitas imunizações só podem ser aplicadas ou completadas a partir dos seis meses, e por isso o pediatra recomenda a vacinação da mãe, durante a gestação, e das pessoas que convivem com o bebê. “Para todos nós, estarmos sempre vacinados é uma vantagem, mas para aqueles que convivem com os prematuros, a vantagem é dobrada”, ressalta.
Diversos estudos buscam entender como as variações hormonais e o meio-ambiente influenciam o sono das mulheres em diferentes etapas da vida. Mas ainda faltam dados para identificar com precisão todos os fatores que explicariam por que as pacientes acumulam mais noites maldormidas do que os homens. Taíssa Stivanin, da RFI em ParisDe acordo com a Santé Publique France, a agência de saúde francesa, entre 15 e 20% da população do país sofre de insônia e mais mulheres do que homens declararam ter o sintoma. As mesmas conclusões foram divulgadas em um estudo publicado em março deste ano pelo Instituto Nacional do Sono e da Vigilância.As diferenças no padrão do sono de homens e mulheres foi um dos destaques de um congresso que reuniu pesquisadores franceses e de vários países no final de novembro em Lille, no norte da França. O evento foi organizado pela Sociedade Francesa de Pesquisa e Medicina do Sono (SFRMS, na sigla em francês) e o Grupo Sono da Sociedade de Pneumologia em Língua Francesa (SPLF).A neurologista Isabelle Lambert, que participou da palestra sobre o tema, dirige o centro dedicado aos distúrbios do sono no hospital universitário de Marselha, no sul da França.De acordo com ela, suas pacientes apresentam mais problemas de insônia do que os homens, em uma proporção que varia entre 30 e 40%. Os hormônios são provavelmente a causa dessa prevalência no sexo feminino, mas essa hipótese, ressalta, ainda não foi validada pelos estudos científicos que estão em andamento em vários centros especializados no mundo.“Não faz tanto tempo assim que nós, cientistas, nos interessamos às especificidades do sono das mulheres”, explica a neurologista francesa.Desde 2014, um grupo de trabalho criado por pesquisadores franceses se dedica ao assunto e os dados obtidos até agora pelos cientistas mostraram que os franceses e francesas dormem, em geral, o mesmo número de horas diárias, com uma pequena variação de 20 minutos.Há, entretanto, diferenças nos ciclos do sono profundo, ou não-REM (sigla para rapid eyes mouvement), sem sonhos e essencial para o descanso cognitivo, que seriam mais curtos nas mulheres. As fases do sono, traduzidas em ondas cerebrais, podem ser registradas pelos médicos em um exame chamado polissonografia, que grava a atividade cerebral do paciente quando ele está dormindo. Mulheres têm mais insôniaSegundo a neurologista, pesquisas com animais também confirmaram as evidências de que as mulheres seriam mais propensas a outros distúrbios do sono, como a chamada Síndrome das pernas inquietas, que provoca movimentos involuntários quando a pessoa está dormindo.Os remédios usados para tratar essa e outras doenças do sono também não surtiriam o mesmo efeito em homens e mulheres, acrescenta, e algumas moléculas exigem adaptações terapêuticas. Uma das explicações é que os testes clínicos dos medicamentos aprovados ao longo das últimas décadas não levaram em conta as especificidades femininas.Os estudos ainda revelam que as diferenças de padrão de sono entre gêneros são estabelecidas principalmente na puberdade e continuam nas diferentes etapas da vida da mulher, em função das variações hormonais.“Por que essas mudanças acontecem e qual a relação com o sono? Porque nosso cérebro é cheio de receptores de estrogênios e de progesterona. Muitos desses receptores estão localizados em estruturas cerebrais envolvidas no controle da hora de dormir e acordar e no ritmo circadiano”, explica Isabelle Lambert.“Nós sabemos que a regulação hormonal na mulher é complexa”, acrescentou a ginecologista Christine Rousset Jablonski, que participou da mesma palestra no congresso francês.A partir da puberdade, o corpo da mulher se prepara para a reprodução. Os ovários são responsáveis pela produção da maior parte do estrogênio e da progesterona, os principais hormônios femininos. As glândulas suprarrenais, consideradas uma extensão do sistema nervoso, produzem os andrógenos adrenais que poderão em seguida ser convertidos em hormônios sexuais.Essas mudanças hormonais que começam na pré-adolescência e duram até depois da menopausa seriam uma das causas das noites maldormidas de muitas pacientes. “Essas taxas dependem e variam de mulher para mulher e há muitas variações individuais”, diz a especialista. E isso acontece mesmo em mulheres que não apresentam anomalias no ciclo ovulatório.Flutuações na menopausaAlém da gravidez, a perimenopausa, que dura vários anos, e a menopausa, que marca o fim das menstruações, são etapas determinantes para o equilíbrio orgânico feminino. Nesta fase, as variações hormonais estão associadas à diminuição do estrogênio, com pouca “impregnação” da progesterona. “Isso pode, potencialmente, ter um impacto no sono”, reafirma a ginecologista francesa. Na menopausa, além da questão hormonal, há também o fenômeno da vasoconstrição, que corresponde ao estreitamento dos vasos sanguíneos. Ele é frequente nessa etapa da vida da mulher e está associado aos fogachos e suores noturnos.“Esses sintomas atingem 80% das mulheres na menopausa, e duram, em média, sete anos e meio, mas podem variar. Para um terço das mulheres, eles vão durar mais de dez anos", alerta Christine Rousset Jablonski."Sabemos que esses sintomas vasomotores podem estar associados a distúrbios do sono e são mais intensos de noite do que de dia. Mas também há mulheres na menopausa que têm problemas de sono sem sintomas vasomotores associados”, explica. A boa notícia é que já existem medicamentos para tratar esses sintomas e, desta forma, melhorar o sono.A associação entre a fisiologia dos fogachos e o ritmo circadiano da mulher, o relógio biológico que regula várias funções orgânicas, incluindo o sono, é um assunto ainda pouco compreendido e que deve ser mais estudado, ressalta a ginecologista francesa.Enquanto isso, ter uma alimentação equilibrada, fazer exercícios e evitar o estresse ajudam a dormir bem e a preservar a saúde. Esses são fatores que a Ciência já provou que são benéficos para dormir bem e prevenir praticamente todas as doenças.
As ruminações são pensamentos repetitivos negativos, às vezes inócuos, mas que podem estar relacionados a quadros de depressão e ansiedade. Elas decorrem muitas vezes de decepções ou frustrações que levam algumas pessoas a “remoer” situações sem conseguir superá-las, explica o psiquiatra Jean-Luc Martinot, pesquisador do Inserm (Instituto de Pesquisas Médicas da França). Taíssa Stivanin, da RFI em Paris Segundo o especialista francês, as ruminações são um fenômeno subjetivo, vivenciado pela maior parte das pessoas e “difícil” de ser estudado. Mas algumas características desses pensamentos repetitivos já puderam ser estabelecidas pelos cientistas, como mostra um recente estudo dirigido pelo psiquiatra francês e publicado na revista científica Molecular Psychiatry.Um dos objetivos dessa pesquisa era identificar sinais no cérebro de jovens adultos entre 18 e 22 anos de que essas ruminações poderiam desencadear doenças mentais no futuro. A equipe focou nessa faixa etária porque esses pensamentos "invasivos", explica o psiquiatra francês, surgem principalmente na passagem da adolescência para a fase adulta. “As ruminações são algo frequente e não são uma característica da infância ou do início da adolescência”, explica o psiquiatra francês. “É um fenômeno da vida mental que pode até existir antes, mas que se torna mais frequente quando os jovens viram adultos”, completa.Descrição do estudoDurante a pesquisa, os cientistas franceses analisaram os dados de centenas de jovens europeus que responderam, durante vários anos, a questionários online sobre esses pensamentos frequentes, que causam desconforto e ansiedade.Periodicamente, eles eram submetidos a exames de ressonância magnética para detectar se havia mudanças na atividade cerebral quando os pensamentos repetitivos surgiam espontaneamente.Os pesquisadores então identificaram, no grupo de 600 jovens acompanhados pela equipe, aqueles que descreveram ruminações depressivas. Eles foram submetidos a uma ressonância magnética “livre”, que mede a atividade cerebral sem instruções dadas pela equipe médica.“O estado mental dos pacientes que tinham tendência às ruminações foi naturalmente captado pelo aparelho”, explica. O registro foi possível graças a um algoritmo que permite diferenciar a maneira como a atividade mental evolui no cérebro e conecta ao mesmo tempo diferentes regiões. “Por exemplo, durante as ruminações 'preocupantes', percebemos que havia regiões frontais que variavam ao mesmo tempo que algumas áreas dos gânglios da base, ou seja, áreas envolvidas na gestão das emoções”.Ruminações são divididas em três tiposA equipe do psiquiatra francês dividiu os pensamentos repetitivos em três tipos. As chamadas ruminações reflexivas têm uma conotação positiva e consistem na busca da solução para um problema. Os outros dois tipos estão relacionados às emoções negativas e às preocupações cotidianas, ou podem estar associadas à depressão. “A ruminação depressiva, pode, se persistir, pode ser primeiro sinal de um problema psiquiátrico mais grave”, diz o psiquiatra. Os pacientes que apresentavam ruminações negativas aos 18 anos tinham uma tendência maior ao desenvolvimento de sintomas de ansiedade e depressão, às vezes graves, quatro anos depois.A gravidade dos sintomas estava relacionada às modificações nas configurações cerebrais medidas durante as ressonâncias magnéticas. “Certos tipos de ruminações, como as relacionadas às preocupações, ou depressivas, anunciam o surgimento de sintomas internos, ou seja, de ansiedade ou depressão, ou externos, como agressividade, uso de drogas ou dependência química”.Isso pode ajudar a prevenir doenças mentais em jovens adultos com fatores de risco – e este é um dos interesses concreto do estudo. Segundo o psiquiatra, a gestão das emoções, certas características de personalidade, o padrão de sono, a existência de traumatismos e a puberdade precoce influenciam no surgimento de doenças psiquiátricas e podem prevenir seu aparecimento.
A insuficiência cardíaca crônica atinge cerca de 64 milhões de pessoas no mundo, segundo estimativas da OMS (Organização Mundial da Saúde). A doença é uma das maiores causas de internação no Brasil, de acordo com dados do Ministério da Saúde. A incidência é maior entre adultos com mais de 45 anos, mas o problema também afeta pacientes mais jovens. Taíssa Stivanin, da RFI em ParisA insuficiência cardíaca faz com que o coração não seja mais capaz de bombear sangue suficiente para suprir as necessidades orgânicas e provoca diversos sintomas, explica a cardiologista brasileira Lídia Moura, da Sociedade Brasileira de Cardiologia. O primeiro deles é a falta de ar, que chega ao ponto de o paciente, por exemplo, não conseguir mais ficar deitado. “Normalmente o paciente começa a sentir falta de ar durante o esforço. Em geral, essa dificuldade para respirar é progressiva e se agrava em esforços menores. Nessa fase, o paciente terá dificuldade para se deitar. Ele se sente bem sentado e, quando se deita, a falta de ar piora”, explica a especialista brasileira, que lamenta a falta de informação em torno da patologia.A gaúcha Katia Arruda, 63 anos, descobriu que tinha o problema cardíaco em 2020, durante a epidemia de Covid-19. A brasileira, que se diz “conectada nos 200 volts”, passou a sentir um cansaço fora do normal, que mudou completamente sua rotina. Katia, que também tem lúpus, uma doença autoimune, sentiu falta de ar, cansaço e suores, que a levaram a consultar um clínico-geral.Depois de realizar um eletrocardiograma, ela buscou a opinião de dois cardiologistas. O primeiro especialista minimizou o problema e atrasou o diagnóstico. “Ele olhou para meu eletrocardiograma e disse: você está gorda, vai procurar uma nutricionista”, conta. “Mas eu já estava com insuficiência cardíaca e cardiomiopatia grau 3”, o que equivale a um estágio bem avançado da doença, comenta Katia.O diagnóstico foi confirmado após a consulta com o segundo profissional, que pediu um ecocardiograma - exame que utiliza ondas sonoras para obter imagens do coração. “Não sei se estaria aqui hoje se não fosse ele. O médico falou que eu poderia ter morte súbita a qualquer momento”, comenta a brasileira, que chama o cardiologista de "anjo".Apesar das dificuldades, Katia foi medicada, aos poucos foi melhorando e hoje convive com a doença. A brasileira também administra um grupo no Facebook de 8 mil pessoas que têm insuficiência cardíaca e podem trocar experiências. Mas ela ainda se lembra de como seu cotidiano mudou de maneira repentina quando os sintomas apareceram. “Fiquei dois anos sem varrer uma casa, sem limpar um banheiro, sem nada. Foi muito difícil”. Esse cansaço extremo que Katia sentiu quando a doença se manifestou decorre do aumento de líquido no pulmão e é característico da insuficiência cardíaca. “Em pé, esse líquido fica mais acumulado na base do pulmão. Ao se deitar, ele se espalha automaticamente, gerando desconforto no paciente, que precisa mudar de posição. Ele tenta ficar mais ereto”, explica a cardiologista. A evolução da doença provoca o aparecimento de inchaço nas pernas, que é bilateral e ocorre com mais frequência no final do dia, explica. Com o passar do tempo, de maneira progressiva, o paciente já acorda com braços ou pernas inchados. O que causa a doença? Há diversos fatores que podem desencadear a insuficiência cardíaca. De acordo com a especialista brasileira, a condição equivale à fase terminal das doenças do coração e no passado a taxa de sobrevida era baixa. Mas, como os tratamentos evoluíram muito ao longo dos anos, os pacientes vivem mais tempo e com mais qualidade de vida.“Temos várias etiologias que causam a insuficiência cardíaca, como a Doença Valvar (NR: o grupo de deficiências ou anomalias nas valvas do coração – aórtica, mitral, pulmonar e tricúspide) ou a hipertensão. Outra causa comum no Brasil e outros países desenvolvidos é a doença coronariana. Os doentes hoje têm vários infartos e cada um deles causa uma lesão na massa muscular do ventrículo. Quando vários infartos se acumulam, gera uma grande lesão ventricular”, frisa a cardiologista.Doenças como diabetes ou a obesidade também são um fator de risco. “Nesses casos, as insuficiências cardíacas ocorrem porque os corações não dilatam, ficam pequenos, mas endurecem muito. Hoje metade das insuficiências ocorre por dilatação e a outra metade porque o coração é pequeno e o relaxamento é ruim”, resume Lídia Moura. Ela cita ainda outras causas, como a Doença de Chagas, ainda comum em algumas regiões do Brasil e outros países da América Latina. O excesso de bebida alcoólica também pode desencadear o problema. Tratamentos contra o câncer de mama ou ósseo também podem em alguns casos provocar a insuficiência cardíaca, que raramente surge sem uma outra comorbidade associada. Há ainda as cardiomiopatias genéticas, que exigem outros diagnósticos e tratamentos. Em todos os casos, lembra a cardiologista Lídia Moura, o acompanhamento é sempre individual. O tratamento depende de diversos fatores e deve ser adaptado à condição de saúde do paciente e suas outras eventuais doenças para se obter um equilíbrio da situação. “Cada paciente é único e tem sua história”, resume.
A campanha de vacinação contra a gripe e a Covid-19 começou no dia 15 de outubro na França. O país propõe a imunização em dose dupla para facilitar a vida dos pacientes, que podem tomar as duas injeções ao mesmo tempo. Taíssa Stivanin, da RFI em ParisAlém de não trazer riscos para a saúde, a dupla vacinação incita à realização das doses de reforço, que muitas vezes são deixadas de lado simplesmente por falta de tempo, mostram dados da Seguridade Social francesa.Mas, apesar do incentivo das autoridades de saúde do país, que propõem as duas vacinas gratuitamente para boa parte da população, a taxa de cobertura ainda é baixa. Na campanha que começou em outubro, a França utiliza a nova vacina da Pfizer adaptada à variante JN.1, que atualmente é dominante no país e no resto do mundo.Segundo dados do Ministério da Saúde francês, apenas 47% da população de mais de 65 anos com fatores de risco se imunizou contra a gripe durante a campanha de 2023-2024.Em relação à Covid-19, a situação é ainda mais preocupante. Somente 30% dos maiores de 65 fizeram a dose de reforço no ano passado, de acordo com a Santé Publique France, a agência de saúde pública francesa.Os pacientes com comorbidades são um dos principais alvos da campanha de vacinação, explica o pneumologista Laurent Ngueyn, da Associação Santé Respiratoire France, que implementa ações no país para melhorar a qualidade de vida das pessoas que sofrem de doenças respiratórias.“É preciso proteger as pessoas mais vulneráveis, as mais frágeis, para evitar que elas desenvolvam uma forma grave das duas doenças e o risco de complicações e de hospitalização”, lembra.Segundo o especialista, as pessoas que convivem com esses pacientes também devem se vacinar. A chamada proteção indireta, diz, infelizmente é levada pouco a sério no país.“A taxa de cobertura vacinal ainda é muito baixa na França, mas não pode ser considerada insignificante, porque muitas pessoas se vacinam. O problema é a dose de reforço”, destaca. "Globalmente a taxa de vacinação é correta, mas sempre podemos melhorar", avalia.Baixa adesão O desafio das autoridades francesas é ainda maior quando se trata da Covid-19. O pneumologista reconhece que existe um “cansaço” geral após a epidemia. “Acho que as pessoas simplesmente não querem mais ouvir falar dessa doença que, na minha opinião, traumatizou todo mundo”.Embora aos poucos esse trauma coletivo esteja sendo deixado para trás, os riscos existem e o vírus da Covid-19 pode provocar, além das formas graves, diferentes sequelas, mesmo em pacientes sem comorbidades ou fatores de risco. As vacinas protegem, ressalta Laurent Ngueyn, e o reforço deve ser um reflexo natural quando chega o inverno.“No verão, ao ar livre, o risco de contaminação como sabemos é mais baixo. Mas quando chega outono e o inverno e as temperaturas caem, ficamos mais dentro de casa e o risco de contaminação é maior. Infelizmente temos dados que mostram que a Covid-19 está voltando aos poucos”, alerta.Há consenso de que a vacina contra a gripe deve ser feita anualmente, mas no caso da Covid-19, a regularidade das doses de reforço pode variar de uma pessoa para outra, explica o especialista francês.“O paciente deve procurar seu médico e se informar. Ele conhece seu modo de vida, seu histórico, suas doenças, e suas reações às injeções anteriores. Nos pacientes com fatores de risco, na França, é aconselhável fazer o reforço a cada seis meses após a última dose da vacina ou infecção. Entre os imunossuprimidos e idosos com mais de 80 anos, nós aconselhamos uma dose a cada três meses”.Os fatores de risco englobam pacientes com doenças crônicas respiratórias, cardiovasculares, hepáticas, renais e metabólicas, como o diabetes ou a obesidade. Pacientes que recebem certos tratamentos contra o câncer, por exemplo, também podem desenvolver uma forma grave da Covid-19.TraumatismoO pneumologista francês, que atende na cidade Bordeaux, no sul do país, lembra que a epidemia, que começou em 2020, aterrorizou seus pacientes, que se fecharam e adotaram com seriedade as medidas de proteção e o lockdown. Quando a vacina surgiu, em 2021, houve adesão, mas ela vem diminuindo ao longo do tempo, lamenta.“Infelizmente, ainda temos pacientes que desenvolvem formas graves, vão para o Pronto-Socorro, são hospitalizados e até internados na UTI. Isso é um verdadeiro traumatismo. Eu perdi alguns pacientes e é uma catástrofe para as famílias, para aqueles que ficam. Também tive pacientes que desenvolveram formas graves e pode acreditar, quem passou por isso não tem a menor vontade de pegar a doença de novo”.A vacinação das crianças é outro problema na França, onde apenas 1,7% dos menores entre 0 e 11 anos tinha tomado uma dose da vacina contra o vírus em janeiro de 2023, segundo dados da Seguridade Social.
Nossas emoções, comportamento e a maneira como aprendemos são o resultado de uma série de mecanismos cerebrais. Compreendê-los é o papel da Neurociência, uma área que desperta o interesse de um número cada vez maior de pesquisadores, mas também do público em geral. Essa busca pela compreensão do funcionamento cognitivo e emocional não é exatamente nova, explica o psicólogo e doutor em Neurociências, Albert Moukheiber, autor do livro Neuromania, le vrai du faux sur notre cerveau (Neuromania, como discernir o que é verdade?”, em tradução livre) publicado na França.Ele destaca que o problema é que o fluxo contínuo de informações sobre os mecanismos cerebrais, muitas vezes mal interpretado, pode ser nocivo e ter um impacto real.A promessa de melhorar a capacidade mental tornou-se o ganha-pão de muitos coachs de desenvolvimento pessoal, por exemplo, aponta o especialista francês. Essa é uma das áreas que tirou proveito da vulgarização científica em torno do tema para se transformar em um grande negócio.“Há duas razões principais para essa popularidade. Uma delas é o desenvolvimento pessoal, que ganha espaço no mais alto nível, e que gera muito lucro e dinheiro. Há promessas de como ser um líder melhor, ganhar mais, ser mais criativo, ter uma memória mais eficaz, ser mais inteligente ou aumentar o QI, por exemplo", diz."Outra razão é ideológica: explicar alguns fenômenos sociais como a crença nas fake news, ou o imobilismo diante do clima. Nesse caso, haverá uma tentativa de analisar essas situações utilizando um “verniz científico”, e, para isso as Ciências Cognitivas. Raramente é pertinente”, ressalta.Conhecimento é limitadoO especialista lembra que o conhecimento sobre os mecanismos cerebrais é limitado e que utilizar as Ciências Cognitivas para explicar como agimos, pensamos e nos sentimos pode ser um erro. “Como não sabemos direito como o cérebro funciona, podemos projetar todo tipo de fantasia ou explicação na Neurociência. Como nessas reportagens que mostram seu cérebro quando está apaixonado, seu cérebro se você é de esquerda, de direita, enfim... qualquer coisa”.Segundo ele, o excesso de simplificação em torno dos mecanismos cognitivos, e o uso indevido de informações sobre o funcionamento cerebral, infelizmente acabam influenciando decisões que podem ter efeitos diretos na vida das pessoas. O neurocientista francês concorda que o conhecimento do cérebro representou um grande avanço, mas lembra que ele é “diferente dos outros órgãos”.“(O cérebro) é um órgão que chamamos de dependente do contexto. Se nós estivéssemos tendo essa conversa fora do estúdio, não estaríamos conversando da mesma maneira. As palavras que utilizaríamos seria diferente, a eloquência também assim como o tom da nossa voz”, detalha Albert Moukheiber.Para o neurocientista, essa contextualização é essencial. “É como se eu estudasse o cérebro dentro de uma máquina de ressonância magnética dentro de um hospital para entender o amor. Não sei como resolveremos esse problema, não temos como criar uma ciência da subjetividade”.Os chamados testes de personalidade, muito usados no meio corporativo, são outro exemplo, lembra o especialista francês. “Os resultados desses testes são escritos para que todas as pessoas se identifiquem com eles de alguma maneira. O problema é que você talvez não consiga o emprego porque o teste vai mostrar que você não tem o perfil. Perder uma vaga por conta de um teste que não é, em hipótese alguma, confiável, é absurdo. Eles não têm nada a ver com testes que usamos na nossa prática clínica, por outras razões, como a realização de diagnósticos diferenciais”, critica o especialista.É nesses momentos, diz o neurologista, que as consequências negativas da desinformação em torno das ciências cognitivas são palpáveis. “Você será deixado de lado, não porque fez algo errado, mas porque não tem a personalidade adequada”, e isso, reitera, por conta de um teste que não tem nenhum valor científico.
A doença que afeta principalmente pessoas com mais de 65 anos seria responsável por até 70% dos casos de demência. Duas novas moléculas trazem esperança para os pacientes e suas famílias, mas a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) questiona o custo-benefício dos remédios, que geram muitos efeitos colaterais. Taíssa Stivanin, da RFI em ParisO donanemab é uma imunoterapia que visa reduzir a quantidade de depósitos de proteínas beta-amilóides no cérebro. O lecanemab tem essa mesma função e ambos prometem diminuir os sintomas da doença, apesar de não impedirem sua progressão. Associações de pacientes e profissionais franceses entraram com um recurso junto à Agência Europeia de Medicamentos para pedir uma nova avaliação dos produtos e aguardam as conclusões. As duas moléculas são fruto de um grande avanço na compreensão da doença, explica o neurologista francês Bruno Dubois, professor da universidade Sorbonne e ex-chefe do setor no hospital Pitié Salpetrière, em Paris.Há cerca de dois anos, estudos científicos comprovaram que os sintomas são uma consequência das lesões cerebrais, o que até então era apenas uma hipótese. A validação possibilitou o surgimento do donanemab e do lecanemab, explicou o cientista.Aprovados para uso nos EUA pela FDA, a Agência Americana de medicamentos, mas também em vários outros países, os medicamentos ainda geram reticências na Europa, lamenta o neurologista francês.“Os especialistas da Agência Europeia de Medicamentos, que não são especializados no Mal de Alzheimer para evitar conflito de interesses, constataram que o benefício gerado pelos remédios é modesto e os efeitos colaterais não podem ser ignorados. Nessas condições e levando em conta o custo, eles não serão autorizados”, explicou. Na França, onde os medicamentos são gratuitos, na falta do aval da agência o donanemab e o lecanemab não poderão ser reembolsados pela Seguridade Social. Para o neurologista francês, essa decisão cabe ao paciente, após ele estar ciente das eventuais reações adversas. “Sim, há efeitos colaterais. Mas esse é um dos interesses na utilização desse remédio. Pouco a pouco, vamos conhecer melhor as indicações e prevenir as eventuais reações, observando por exemplo por que alguns pacientes desenvolveram mais reações em relações a outros”, defende Bruno Dubois. “Já constatamos algumas contra-indicações e é assim que vamos avançar. Mas excluir os países europeus e a França dessa reflexão é uma pena, para os pacientes e para nós, profissionais". Diagnóstico precoceA Ciência ainda não sabe como interromper a progressão da doença de Alzheimer. Ela se manifesta raramente antes dos 60 anos, mas é comum depois dos 80 e atinge mais mulheres. A perda da memória progressiva provocada pela patologia torna o doente incapaz de gerenciar gestos básicos da vida cotidiana. Na fase mais avançada, a doença causa perda de autonomia e de identidade, desestabilizando o paciente e a sua família. O diagnóstico precoce é essencial para controlar sua evolução e melhorar a qualidade de vida. Os novos medicamentos intervêm justamente no momento em aparecem os primeiros sintomas de perda de memória. “Eles demonstraram sua maior eficácia no início dos sintomas e da demência”, explica o especialista. Segundo ele, os remédios “limpam” os depósitos dos peptídeos beta-amilóides no cérebro e, desta forma, desaceleram a evolução da doença. “O resultado é mínimo, não devemos nos iludir. Mas mesmo assim ele é considerável, porque valida todos os modelos que sustentam nossas reflexões há cerca de 20 anos”. Na França, o Mal de Alzheimer atinge cerca de 1 milhão de pessoas. Em todo o mundo, cerca de 50 milhões de pessoas convivem com a doença, de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde). Para Bruno Dubois, esse aumento se explica pelo envelhecimento da população, da esperança de vida e do progresso da Medicina. Mas, em contrapartida, crescem também os casos de doenças cerebrais degenerativas e de cânceres. Quando consultar? Entre 60 e 65 anos, às vezes antes, os pequenos esquecimentos da vida cotidiana podem ser motivo de preocupação para algumas pessoas. Não se lembram de onde deixou os óculos, as chaves de casa ou o celular são situações comuns, mas que podem levar as pessoas que as vivenciam a pensar que estão perdendo a memória. “Na realidade, esses não são problemas de memória”, ressalta Bruno Dubois. “São dificuldades de atenção. Com a idade, a atenção diminui. Mas a atenção diminui também se temos distúrbios do sono, se enfrentamos estresse profissional, se temos ansiedade ou depressão”. O primeiro sinal de alerta é se esquecer de coisas realmente importantes. “Por exemplo, não me esqueço dos Jogos Olímpicos em Paris, de Léon Marchand ou de Teddy Riner”, diz. “Não vou me esquecer de grande eventos que nos marcaram e que chamaram nossa atenção. Se alguém se esquece desse tipo de coisa, ou da visita de um primo americano, ou da morte de um amigo próximo, ou de alguém da família, não é normal”.
A radioterapia para tratar tumores do seio que já atingiram os gânglios linfáticos agora terá três semanas em vez de cinco, segundo um estudo dirigido pela oncologista e radioterapeuta Sofia Rivera, do instituto francês Gustave Roussy. Os resultados foram divulgados em setembro, durante o congresso da ESMO, a Sociedade Europeia de Oncologia, que todos os anos apresenta os últimos avanços na luta contra a doença. Taíssa Stivanin, da RFI em ParisA pesquisa mostrou que a eficácia da radioterapia de 15 sessões em três semanas, com doses um pouco mais fortes de radiações, é similar a 25 sessões de cinco semanas.A descoberta foi anunciada após a fase 3 do estudo, chamado de HypoG-01. Os resultados apresentados modificarão o protocolo de tratamento radioterápico aplicado em pacientes do mundo todo, segundo a oncologista francesa.Os testes clínicos aconteceram em 29 estabelecimentos franceses, entre setembro de 2016 e março de 2020. A idade média das 1 265 pacientes era 58 anos e todas haviam sido operadas de um câncer do seio locorregional, ou seja, que atingiram os gânglios. O estudo vai facilitar a vida das pacientes, explicou a oncologista e radioterapeuta Sofia Rivera. “O HypoG-01, apresentado em uma sessão da Sociedade Europeia de Oncologia Médica, é o primeiro estudo a demonstrar que quando tratamos um câncer com um volume maior, podemos fazer uma radioterapia mais curta e passar de cinco para três semanas de tratamento”, explicou à RFI.A radioterapia é a última etapa do tratamento contra o câncer de mama. Duas semanas a menos é um verdadeiro “alívio” para as pacientes, mas também para o já sobrecarregado sistema de saúde francês, que tem cada vez mais dificuldade em atender a demanda.“Esse tempo mais curto também representa uma redução de custos e menos idas e vindas das pacientes aos hospitais” diz a oncologista. A redução do tempo da radioterapia também libera vagas nas máquinas para atender outras mulheres mais rapidamente e aumenta em alguns casos as chances de sobrevida e de cura.Na França, cerca de 90% dos cânceres de mama são descobertos no estágio inicial ou já atingiram os gânglios, sem metástases em outros órgãos.Efeitos colateraisPara ser validado e garantir a segurança das pacientes, o estudo se concentrou nos eventuais efeitos colaterais que poderiam surgir por conta da maior intensidade das radiações. “Quando irradiamos os gânglios, irradiamos também mais tecidos normais. Temos o coração, e atrás dos gânglios, embaixo da clavícula, o pulmão, além dos vasos e nervos dos braços", descreve Sofia Rivera."Um dos temores era que as pacientes tivessem mais efeitos colaterais e linfedemas, ou seja, braços inchados. É um risco que aparece após a cirurgia e a radioterapia dos gânglios. Mas o estudo mostrou que as pacientes não tinham mais reações adversas. Pelo contrário, tinham até menos, porque sentiam menos cansaço. Nossa conclusão é que só há benefícios para elas”, resume.Além do tratamento em si, não é apenas o caminho de casa até o hospital que cansa as pacientes. Há também a adaptação aos horários das consultas e a expectativa na sala de espera, muitas vezes ao lado de outras mulheres tratadas por cânceres mais graves. “Isso pode ser psicologicamente difícil”, destaca a oncologista.Vantagem em zonas de guerraDesde a apresentação do estudo no congresso europeu, vários centros de tratamento adotaram o novo protocolo e a oncologista francesa foi procurada por profissionais de vários países, inclusive da Ucrânia."Felizmente as radioterapias continuaram no país apesar da guerra e diminuir os deslocamentos das pacientes é um benefício incontestável", lembra. “Vamos organizar um workshop online para ajudar as equipes e formá-las para adotar esse novo tratamento”.Ela lembra que o diagnóstico precoce continua sendo um dos maiores aliados das pacientes e, neste caso, as chances de cura podem chegar a 100%, lembra Sofia Rivera. Ela lamenta que na França muitas mulheres simplesmente não façam a mamografia periodicamente, apesar de o exame ser gratuito no país.“Ainda temos taxas de mamografia de rotina muito baixas. Hoje na França, menos de 50% das mulheres que deveriam realizar a mamografia de rotina fazem o exame”. É importante também, diz, implantar estratégias para promover e possibilitar exames de rotina personalizados, em função do risco da paciente. A recomendação para filhas de mulheres que tiveram câncer do seio é começar o exame de rotina cinco antes do diagnóstico da mãe e realizar uma mamografia anualmente, ou a cada dois anos. Essa precaução deve ser acompanhada, além do autoexame, de uma visita ao ginecologista ou clínico geral, já que os nódulos podem ser detectados em um exame clínico.
As competições dos Jogos Olímpicos motivaram crianças, jovens e adultos franceses, que se empolgaram com o desempenho de alguns campeões e decidiram praticar uma atividade esportiva. É o que explica o especialista francês Jean-Marc Sène, médico do Esporte e autor do livro Le Sport: je me lance (Como iniciar uma atividade física em tradução livre). Em setembro, início do ano letivo na França, muitos clubes de natação, por exemplo, registraram um aumento das inscrições após a proeza do nadador francês Léon Marchand, que levou quatro medalhas de ouro na Olimpíada. “Quando um atleta ganha uma medalha em uma modalidade, há um aumento imediato nas inscrições das federações esportivas”, afirma Jean-Marc Sène.Mas, apesar dos benefícios incontestáveis da prática esportiva, que reduz o estresse, melhora a qualidade do sono e ajuda no controle do peso, há maneiras de começar ou retomar uma atividade física e mantê-la ao longo do tempo.O ideal, principalmente para crianças e adolescentes, é testar três ou quatro atividades diferentes. “Escolher uma atividade apropriada ao seu físico e estado de espírito é um aspecto importante. E também se colocar algumas questões: qual é a minha preferência? Um esporte individual ou em grupo? Ao ar livre ou indoor?”A atividade física, lembra, não faz bem apenas para o corpo, mas também para a alma. “A prática esportiva aumenta a autoconfiança e favorece a sociabilidade”, frisa.O esporte também gera uma sensação de bem-estar graças a efeitos fisiológicos ativados pela secreção de hormônios como a endorfina, a serotonina e a dopamina, que ativam o chamado sistema de recompensa.Evitando contusõesPara que esses efeitos sejam duradouros, é importante ter uma prática adequada à própria capacidade. Um esporte como o futebol, por exemplo, pode provocar contusões graves com o avanço da idade.“Os tendões, a partir de uma certa idade, são menos vascularizados, menos sólidos, e têm uma capacidade menor para se fortalecer, justamente porque são menos vascularizados", explica o especialista."Com a idade, a massa muscular também diminui e se apoia nesse tendão. Esse desequilíbrio ocorre geralmente em torno dos 35 ou 40 anos, porque continuamos a arcar com nossa massa muscular. Mas os tendões enfraquecem”.Esse tipo de contusão é comum entre atletas profissionais. A solução, em todos os casos, é reforçar os tendões em sessões de fisioterapia específicas. Esportes de impacto costumam ser mais agressivos para o corpo e por isso o médico do Esporte francês recomenda atividades como a natação, por exemplo.É preciso também ter cuidado ao retomar ou iniciar uma prática esportiva. O programa físico deve ser adaptado em função do caso, e poderá incluir mais alongamentos e menos musculação.Uma das primeiras precauções é consultar um médico para se certificar da ausência de problemas cardiovasculares ou outras doenças crônicas que exigem adaptações, como o Diabetes, por exemplo. A alimentação, claro, também é um ponto essencial.Na ausência de fatores de risco, o retorno deve ser progressivo. “São necessárias algumas semanas ou meses para retomar a forma”. A ginástica, como sabemos, também é uma aliada importante para manter o peso, mas Jean-Marc Sène lembra mais uma vez que as atividades de impacto são desaconselhadas.Para quem busca perder barriga ou melhorar a flacidez, por exemplo, o ideal é apostar em exercícios que trabalhem os músculos transversos do abdômen, para tonificá-los.De uma maneira geral, Jean Marc Sène recomenda uma atividade física moderada e adaptada a cada indivíduo.“Cerca de 30 minutos, cinco dias por semana, além de evitar o sedentarismo, como ficar sentado mais de uma hora e meia seguida durante o dia. A cada 90 minutos é bom se levantar, mexer um pouco, tomar um copo de água ou se movimentar um pouco. Esse é o meu conselho”.
A prevalência do TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade), também conhecido como DDA, é de 5% em nível mundial e o número de casos vem crescendo, de acordo com dados da Alta Autoridade de Saúde da França (HAS), vinculada ao Ministério da Saúde. O órgão, que emite recomendações sobre práticas médicas, publicou em setembro um guia para melhorar o diagnóstico e o tratamento das crianças e adolescentes que convivem com o Déficit de Atenção. Taíssa Stivanin, da RFI em ParisO transtorno neurológico é provocado por diferenças na estrutura e no funcionamento cerebral da região frontal, explicou o psiquiatra francês Olivier Bonnot, que liderou a equipe responsável pela elaboração do documento que, segundo ele, encerra o trabalho realizado pelo órgão em torno da questão. “A ideia em torno dessas recomendações é que elas sejam uma base, um guia para que os profissionais possam fazer o diagnóstico e as intervenções terapêuticas necessárias nas crianças e adolescentes que têm um TDAH. Isso inclui os clínicos-gerais”, explica. Na França, os pacientes são obrigatoriamente acompanhados por um clínico-geral. De acordo com o psiquiatra, a ideia é também propor formações reconhecidas para capacitar esses profissionais a detectar o transtorno. “Um dos objetivos dessas recomendações é colocar à disposição dos profissionais uma espécie de guia prático para realizar o exame psiquiátrico e clínico dos pacientes, e assim detectar os sinais do TDAH, que são a falta de atenção, o excesso de distração, e impulsividade”, explica. Os sintomas também podem incluir a desregulação emocional e a hiperatividade, que não está sempre presente.O diagnóstico é complexo, já que outras doenças mentais, como a Depressão ou a Ansiedade, podem estar associadas ou apresentar características similares. A insônia, lembra, também provoca sintomas parecidos com o do Déficit de Atenção. Por isso é importante fazer o diagnóstico diferencial e detectar outras comorbidades psiquiátricas. Em termos biológicos, estudos mostram que o funcionamento dos cérebros das crianças e adultos que têm TDAH é diferente. “ A conectividade de algumas áreas cerebrais, como a frontal, não funciona direito. É mais um problema de conectividade do que de um neurotransmissor, como a dopamina, em particular”, diz.Ele lembra que os mecanismos das doenças psiquiátricas são alvo de diversas pesquisas e há avanços na compreensão do transtorno. Estudos com imagens mostram diferenças nos cérebros dos indivíduos que convivem com o TDAH, e as neurociências cognitivas trouxeram algumas respostas sobre as origens da doença, que surgem na infância, a partir de anomalias no desenvolvimento cerebral. Não existe, entretanto, um marcador biológico para detectar o Déficit de Atenção. Defeito na função executivaTodos nós lidamos com diversas informações ao mesmo tempo no cotidiano e nosso cérebro deve ser capaz de selecionar aquelas que são importantes para atingir as metas estabelecidas. O sistema cerebral encarregado dessa tarefa é a função executiva, que fará a triagem das informações, hierarquizá-las e produzir uma ação dirigida. Esse mecanismo não funciona direito em quem tem Déficit de Atenção. As recomendações do órgão francês englobam vários aspectos. Entre elas, a detecção precoce em consultas com a criança, os pais, mas também adultos que convivem com elas na escola ou outras atividades. Em seguida, é preciso adaptar o ambiente escolar e em casa – os professores e pais devem aprender a lidar com as dificuldades em função das características individuais da criança. O tratamento é principalmente baseado no acompanhamento psicoterápico e a medicação, como a ritalina, por exemplo, só é recomendada em casos mais complexos.O psiquiatra francês Gérard Macqueron, autor do livro “Psicologia da Atenção”, lembra que, nas crianças, o transtorno pode desaparecer na vida adulta, mas persiste em até 60% dos casos. Entre os adultos, cerca de 5% convive a doença sem diagnóstico, ressalta.A falta de atenção, impulsividade e hiperatividade que caracterizam a doença podem se manifestar de diversas formas. “Em uma conversa ou reunião, por exemplo, a pessoa tem dificuldade em se manter concentrada, da mesma maneira que é complicado se concentrar para finalizar uma tarefa. Tem tendência à procrastinação, dificuldade em estabelecer um plano de ação e definir objetivos precisos”, exemplificou, em entrevista ao programa Priorité Santé, da RFI.Outra característica é a dificuldade em terminar aquilo que começou. Nos relacionamentos, o TDAH tem pouca tolerância à frustração. Muitas vezes, as pessoas que têm o transtorno são taxadas de preguiçosas, quando na verdade apenas não conseguem gerenciar em termos neurocognitivos a demanda por um determinado comportamento. “Há, com frequência, julgamentos precipitados e negativos a respeito dessas pessoas que, na verdade, não têm nada de preguiçosas, mas tem apenas dificuldades para se organizar e implementar ações”. Há também uma incapacidade na regulação das emoções. Alguns pacientes, explica o psiquiatra francês, acabam “mascarando” o Déficit de Atenção se a impulsividade, por exemplo, não é acentuada, e a pessoa tem um ambiente que favorece a compensação. Há também o componente genético – pais com o Déficit de Atenção certamente serão mais desorganizados que a média e isso vai influenciar o comportamento da criança. Para Olivier Bonnot, é preciso falar sobre a questão. “Falando sobre o problema, sensibilizamos a sociedade em torno da questão do TDAH. Isso ajuda a evitar a estigmatização”. Elas decorrem lembra, principalmente da falta de conhecimento, que envolve as doenças psiquiátricas.
Um grupo de pesquisadores franceses descobriu que a presença de um subtipo do linfócito Th17, uma das células que compõem nosso sistema de defesa, pode contribuir em alguns casos ao desenvolvimento de certos tipos de tumores, como os do intestino, fígado ou pâncreas. Taíssa Stivanin, da RFI em ParisO estudo foi realizado durante quatro anos por especialistas do CNRS (Centro Nacional de Pesquisa Científica da França), do Inserm (Instituto de Pesquisas Médicas da França), da universidade Claude-Bernard Lyon 1 e do Centro de Pesquisa Oncológica de Lyon.Os cientistas franceses identificaram um dos mecanismos do processo inflamatório presente em algumas doenças crônicas que levaria ao surgimento de certos cânceres, disse à RFI Brasil o imunologista francês Julien Marie, que participou da pesquisa, publicada no final de julho na revista científica Nature Immunology.Para entender como os pesquisadores chegaram a essa conclusão, é necessário compreender o papel dos glóbulos vermelhos ou brancos, os linfócitos, em nosso organismo. “Os glóbulos vermelhos são responsáveis pelo transporte do oxigênio no sangue e os brancos combatem os agentes infecciosos e as células defeituosas”, explicou o cientista francês.Os glóbulos brancos são divididos em dois grandes grupos, formados pelos linfócitos B, que produzem os anticorpos, e os linfócitos T. A função deles é destruir células defeituosas ou que foram contaminadas por um vírus ou uma bactéria, por exemplo. Para isso, libera moléculas como as citocinas, que vão criar a inflamação e favorecer a cicatrização e a cura.O problema é que esse processo às vezes pode sofrer alterações e gerar doenças ou agravar infecções – um exemplo é a forma grave da Covid-19. A equipe francesa descobriu que o linfócito Th17, presente na Doença de Crohn, uma patologia crônica intestinal, poderia atuar no aparecimento de células cancerígenas.Muitos tumores, lembra Julien Marie, surgem a partir de uma inflamação crônica. Quando ela atinge uma parte específica do intestino, como é o caso dos pacientes que têm Crohn, as células vão se modificar e se tornar cancerígenas exatamente na porção inflamada. “No nosso estudo, tentamos entender quais eram as células do sistema imunológico na origem dessa inflamação que vai gerar o câncer. São etapas extremamente precoces do desenvolvimento da doença”.Esse mecanismo localizado ajudou a equipe a “cercar” a área onde ocorre todas as modificações celulares. Os cientistas então constataram que um subtipo dos linfócitos Th17 estava na origem de alguns tumores. “Hoje temos técnicas que permitem analisar uma célula de cada vez. Percebemos que as células Th17 tinham oito subtipos, e um deles podia desencadear o câncer através da inflamação criada por ela mesma”, explica.Citocina bloqueia aparecimento do câncerO estudo analisou os linfócitos invitro, no laboratório, as células das biópsias de pacientes que tinham a Doença de Crohn. Eles têm, em geral, quase seis vezes mais chances de desenvolver um câncer colorretal que um indivíduo normal, explicou o cientista francês, e entender o porquê era um dos objetivos da equipe.Durante o estudo, os pesquisadores conseguiram provar que o linfócito Th17 estava presente nos pacientes que desenvolveram os tumores. “No nosso artigo científico caracterizamos os linfócitos que geram o câncer, fazemos uma descrição deles e definimos um certo número de marcadores que propomos para defini-los", explicou. "Fomos ainda mais longe, porque toda a questão por trás da nossa pesquisa era saber se podíamos bloquear o aparecimento do câncer”, acrescenta.Foi justamente essa uma das grandes descobertas da pesquisa. “O desenvolvimento das células cancerígenas pode ser bloqueado pela presença de uma citocina, TGF–β (TGFBETA)”. Se o nível dessa citocina diminui no intestino, por exemplo, favorecerá o aparecimento do câncer, reitera Julien Marie.A descoberta pode ajudar no desenvolvimento de novas terapias contra o câncer e também na prevenção, através da utilização dos marcadores propostos no estudo. Eles são preditivos do risco de desenvolvimento da doença e permitirão um diagnóstico precoce ou até mesmo antecipar o risco do paciente antes de o câncer aparecer.Para Julien Marie, o estudo também é importante porque quebra um paradigma: o nosso sistema imunológico, criado para proteger o organismo, às vezes pode ser nocivo. De cada três cânceres, lembra, um se desenvolve a partir de uma inflamação crônica – um mecanismo que ainda continua sendo, em parte, um mistério para a Ciência.
A asma é uma doença crônica comum e vem crescendo em todo o mundo, inclusive no Brasil. A estimativa é que entre 10% e 20% da população brasileira conviva com os sintomas da doença, que provoca um estreitamento das vias aéreas. Taíssa Stivanin, da RFI Os sintomas da asma em geral são leves ou moderados, mas podem levar à insuficiência respiratória nos casos mais extremos. A brasileira Vivian Toneloto, 39 anos, levou um susto quando era adolescente. Ela sempre teve falta de ar, mas nunca tinha procurado um médico. Aos 16 anos, começou a fumar e os sintomas pioraram. Foi só então que Vivian descobriu que tinha a doença e iniciou um tratamento. O problema é que ela não seguiu as recomendações médicas à risca e acabou parando de usar o medicamento. “Foi aí que tive meu primeiro desmaio, com 18 anos. Uma falta de ar muito forte. Minha família entrou em desespero”.A crise aconteceu de madrugada. Vivian não tinha um nebulizador em casa e sua mãe foi até uma farmácia buscar um remédio de alívio imediato para controlar a crise. Quando chegou, viu a filha desmaiada. Ela então teve o reflexo de espirrar o produto na boca de Vivian, que acordou. “Acho que se ela tivesse demorado mais uns 15 minutos não sei se estaria aqui”, conta a brasileira.A asma costuma aparecer nos primeiros anos de vida, explica o pneumologista Rodrigo Athanazio, professor colaborador da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo). O diagnóstico é confirmado através de testes da função pulmonar. O exame avalia a quantidade de ar que entra e sai dos pulmões, conforme o paciente respira.De acordo com o pneumologista, o quadro alérgico que desencadeia as crises geralmente dura até a adolescência e desaparece na vida adulta. Mas, uma série de fatores pode acarretar o retorno dos sintomas. “O motivo pode ser uma infecção viral, exposição no trabalho ou o tabagismo, por exemplo”, explicou à RFI.Ambientes de trabalho com muitos produtos químicos, feno, farinha de trigo, látex presente na pintura dos móveis ou mofo também podem desencadear crises, assim como as mudanças bruscas de temperatura e umidade – o tempo mais seco piora a asma.“É importante lembrar que os brônquios, além de levar o ar para dentro do pulmão, têm uma função muito importante: condicionar o ar que estamos respirando. Dentro do nosso pulmão, o ambiente é quente e úmido. Quanto mais seco e frio lá fora, mais o brônquio precisa se esforçar para o ar chegar bem condicionado dentro dos pulmões”, frisa o pneumologista.Apesar de ser uma doença crônica, que se for diagnosticada deverá ser controlada pelo resto da vida, Rodrigo Athanazio lembra que a asma é reversível. “Se tratada adequadamente, a pessoa terá os brônquios e o pulmão de alguém totalmente normal. Isso é importante, porque pode haver remissão, por tratamento ou espontaneamente”.Foi o caso de Vivian, citada no começo desta reportagem. Apesar do susto e de outros dois desmaios, ela só parou de fumar há cerca de dez anos, quando passou a levar a sério o tratamento e usar o anti-inflamatório, além do remédio de alívio imediato. Hoje, a doença está controlada. “Praticamente não uso a bombinha, faço só o tratamento”, conta aliviada. Ela também incluiu a atividade física em sua rotina e pratica natação.PredisposiçãoExiste predisposição para a asma? Sim, mas esse mecanismo genético ainda não foi totalmente explicado pela Ciência. De acordo com Rodrigo Athanazio, a doença é multifatorial e depende também de parâmetros ambientais. A alergia, diz, tem um papel essencial.“A alergia é um processo inflamatório gerado pelo nosso próprio corpo. Ele cria uma resposta exagerada contra um agente externo, que não necessariamente está causando um problema para o corpo. Temos que lembrar que nosso sistema imunológico é um sistema de proteção”, diz. “Quando estamos inalando um vírus, ou uma bactéria, é muito importante que o sistema imunológico ataque para nos defender. Só que na infância, ele precisa distinguir o que pertence ou não ao nosso organismo para poder nos defender. Às vezes há uma desregulação nesse mecanismo. Um pêlo de gato, por exemplo, não faz mal nenhum. Mas o corpo cria uma resposta exagerada e é essa resposta que causa irritação”, resume.O sistema respiratório começa no nariz, explica o pneumologista. Por isso, tratar outras doenças ainda mais comuns, como a rinite alérgica por exemplo, é fundamental para evitar que a asma se desenvolva no futuro.O diagnóstico da asma e seu acompanhamento é fundamental para controlar os sintomas. Segundo o especialista, entre 60 e 80% dos casos são leves. Por isso, muitos pacientes não se preocupam com a doença - e aí é que mora o perigo.Os asmáticos devem saber como lidar com uma crise potencialmente grave, que pode acontecer a qualquer momento. Rodrigo Athanazio lembra que a asma ainda provoca cinco mortes diariamente no Brasil, que poderiam ser evitadas. Por isso é importante manter o tratamento, mesmo na ausência de sintomas.“Os corticoides inalados são o principal tratamento para o controle da asma. É preciso desinflamar a via aérea. As bombinhas de alívio imediato são usadas para aliviar os sintomas, mas utilizar só o broncodilatador é tapar o sol com a peneira”, ressalta. “Tivemos muitos avanços no entendimento e no tratamento da asma e queremos o melhor para nossos pacientes”.
A OMS (Organização Mundial de Saúde) declarou a Mpox como Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) em agosto e os países agora se preparam para a chegada da nova variante da doença, o clado 1b. Ele foi identificado em julho na República do Congo e está se propagando rapidamente. Taíssa Stivanin, da RFI em ParisCerca de um milhão de doses da vacina Jynneo, desenvolvida pelo laboratório dinamarquês Bavarian Nordic, devem ser encaminhadas em breve para conter o surto na região. Em todo o continente africano, já foram oficialmente diagnosticados cerca de 5 mil casos, de acordo com as últimas estimativas - 20 mil se os dados consideram as infecções "prováveis".Até o momento, o Brasil ainda não registrou contaminações com o novo subtipo, mas desde o início do ano, foram registradas mais de 800 infecções da outra variante, a clado-2, que se espalhou em 2022. Por que a nova linhagem é considerada mais preocupante pela OMS e qual a diferença entre os dois subtipos? A RFI Brasil conversou sobre o novo surto de Mpox com o virologista Olivier Schwartz, diretor do Departamento de Vírus e Imunologia do Instituto Pasteur, em Paris.Segundo ele, poucos casos de infecções do subtipo clado 1b, que já chegou à Europa, foram descritos pela comunidade científica. Na Suécia, uma pessoa que voltava da República do Congo foi testada positiva em agosto. Desde então, os pesquisadores do país analisam o caso para dividir as informações em nível europeu, explica o virologista francês.“O paciente foi atendido e as amostras analisadas e sequenciadas. Os pesquisadores suecos agora estão tentando 'ampliar' o vírus para poder estudá-lo, analisar suas características e dividir os dados com outros laboratórios, entre eles o Instituto Pasteur", detalhou o especialista.Na França, as autoridades reforçaram os diagnósticos e preparam a campanha de vacinação. O Instituto Pasteur é um dos cerca de 200 centros preparados para aplicar as doses, e poderá também realizar o teste PCR que confirma a infecção. Segundo o cientista, apesar do sistema de saúde francês estar em alerta e preparado desde o primeiro surto de Mpox em 2022, a expectativa é que não haja uma explosão do número de casos, devido à imunidade adquirida pela população. Antes de 1980 a vacinação contra a varíola, um vírus da mesma família do Mpox, era obrigatória. Além disso, parte da população considerada a risco na época foi imunizada em 2022. Uma das questões agora é estabelecer a eficácia do imunizante, que contém um vírus vivo atenuado, ou seja, enfraquecido, contra a infecção pelo novo subtipo. “Sabemos que a vacina é eficaz contra o clado 1 em testes com animais, feitos em laboratório, e em testes celulares. Mas por enquanto, a eficácia contra o novo subtipo ainda é desconhecida. Mas, sabendo como o imunizante funciona e conhecendo o sequenciamento do vírus clado 1, esperamos que a vacina possa combatê-lo. Os estudos mostram uma eficácia de 70% a 90% de redução de infecções graves após duas doses”.Clado x VarianteQual a diferença entre um clado e uma variante? De acordo com Olivier Schwartz, o clado é um grupo de vírus e uma variante é uma “cepa em particular”. Segundo ele, “no caso do Mpox, esses grupos são definidos por análises de sequências genômicas. Percebemos, ao reconstituir a árvore filogenética, ou seja, a árvore genealógica dos vírus que circulavam, que existiam dois ramos principais: o grupo ou clado 1 e o grupo ou clado 2. Eles são próximos”.Segundo o virologista do Instituto Pasteur, também não há grandes diferenças entre os dois clados em termos de mortalidade, apesar do clado 1 ser um pouco mais virulento. O cientista lembra que é difícil saber em que proporção as condições sanitárias ou ambientais contribuem para o aumento do número de formas graves da doença.TransmissãoO vírus Mpox é transmitido principalmente através do contato próximo e prolongado com pessoas doentes que tenham bolhas, feridas, erupções cutâneas, crostas e fluidos, como secreção e sangue. O Ministério da Saúde alerta que objetos recentemente contaminados também podem transmitir a doença.Já a carga viral presente na saliva expelida quando duas pessoas conversam, por exemplo, é bem menor. “Provavelmente há casos, mas talvez não seja a principal forma de transmissão. Por hora, não temos evidências. Que eu saiba, não há provas de que o clado 1b é transmitido de maneira eficaz pela respiração”, esclarece o virologista.A transmissão do vírus por pessoas assintomáticas também ainda não foi confirmada. Segundo Olivier Schwartz, é possível que pessoas vacinadas contra a varíola no passado desenvolvam formas extremamente leves da doença e possam ser contagiosas, mas essa hipótese deve ser confirmada por estudos comparativos de carga viral.Pacientes imunossuprimidos correm mais risco de desenvolver formas graves e, nessa situação, o diagnóstico é fundamental para evitar complicações. A prevenção passa pelo isolamento rápido dos casos positivos. Os sintomas aparecem entre 3 e 21 dias após a contaminação e incluem, além das erupções cutâneas, febre alta, dor de cabeça e cansaço. Pais de crianças pequenas devem ficar atentos para não confundir a doença com a Catapora, que provoca o aparecimento de bolhas parecidas. Por isso é importante realizar o diagnóstico o mais cedo possível.Antiviral está sendo testadoDe acordo com o virologista francês, o antiviral Tecovirimat está sendo testado contra a doença. Estudos mostram que ele pode acelerar a cicatrização das lesões, mas exigem aprofundamento, já que os primeiros resultados foram decepcionantes.“Sabemos que é uma molécula antiviral que funciona muito bem nos modelos animais e em cultura celular nos laboratórios. Então é muito cedo para saber se, no homem, a falta de eficácia demonstrada no estudo está relacionada a outros parâmetros”.Entre esses parâmetros, o especialista do Instituto Pasteur cita o momento do início da terapia e compara com o Paxlovid, um dos antivirais usados contra o vírus da Covid-19. Para frear a infecção e a transmissão, ele deve ser prescrito entre dois e três dias após a contaminação.
O Brasil é uma potência paralímpica e chegou a Paris 2024 com várias chances de medalhas, com 280 atletas em 20 modalidades nos Jogos Paralímpicos, que terminam dia 8 de setembro. Por trás desse time, uma equipe de profissionais de várias áreas trabalha para aperfeiçoar o desempenho dos campeões. Um deles é Thiago Lourenço, coordenador do Departamento de Ciência do Esporte do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), que acompanha os atletas e conversou com a RFI na sua chegada à capital francesa. Taíssa Stivanin, da RFI em ParisDoutor em Biodinâmica do Movimento Humano e Esporte pela Universidade de Campinas, Thiago Lourenço foi convidado para ser fisiologista da equipe paralímpica de Atletismo em 2014. Depois das Olimpíadas de 2016, no Rio, ele se tornou cientista do Esporte e coordena o departamento do CPB desde 2020. Segundo ele, um dos maiores desafios no dia a dia é transformar os dados obtidos no monitoramento dos movimentos dos atletas em "medidas práticas". O objetivo é utilizar essas informações para ajudar os campeões e os treinadores a definir a carga de treinamento adequada e diminuir o risco de lesões. Hoje, o Departamento de Ciência do Esporte do Comitê Paralímpico Brasileiro conta com sete profissionais. “Transformamos dados em informações e as informações em atitudes práticas. O número precisa ser transformado em uma ação, que poderá ser implementada por médicos, treinadores, fisioterapeutas ou nutricionistas da equipe. As avaliações que fazemos acabam sendo o fio condutor do treinador, para que ele possa estipular a carga de treino e seus efeitos”, explica.A meta final é validar o treinamento e, se for necessário, modificá-lo. “Diariamente coletamos informações de várias formas para municiá-los neste sentido. Os atletas de alto rendimento, principalmente no movimento paralímpico, têm individualidades mais “refinadas”. Os ajustes e as avaliações precisam guiar os treinadores”. Como os dados são coletados?Os cientistas do esporte coletam esses dados de várias maneiras, através de questionários, análises de sangue, exames de imagens ou monitoramento com sensores subaquáticos, por exemplo. “Usamos análises de sangue que não são corriqueiras”, frisa Thiago Lourenço. “São ferramentas utilizadas nas UTIs e dentro do hospital, aplicadas com um conceito bioquímico específico para o exercício e o treinamento esportivo”.“Temos análises de imagens, usadas em ajustes técnicos, dois biomecânicos especializados e também utilizamos o GPS, ou acelerômetro, aquele colete que os jogadores de futebol colocam embaixo da camiseta. Nós o usamos em várias modalidades paralímpicas, o que também é uma inovação”. Os cientistas do esporte estão em contato diário com os atletas e têm reuniões semanais com a equipe de profissionais da saúde que acompanha os campeões. “Essa troca de informações é contínua e diária. Não dá para esperar dez minutos, senão o atleta vai para o treino, se lesiona, e a gente perde a medalha por falta de comunicação”.O trabalho é individual e visa identificar os pontos que precisam ser desenvolvidos ou modificados em cada atleta, como ganho ou perda de massa muscular, por exemplo. “Baseando-se nisso, a gente traça um planejamento físico, técnico, tático e mental”, detalha o cientista do esporte. Saúde mentalCada modalidade tem sua complexidade. “O atleta paraolímpico ou o atleta olímpico são atletas. E por serem atletas, levam seu corpo ao limite, independentemente da modalidade. Para mim todas são difíceis e fascinantes porque precisamos descobrir como levar o atleta ao seu máximo”.Em algumas modalidades, lembra, há uma incidência maior de lesões. É o caso da natação paralímpica, devido ao uso intenso de determinadas articulações. Ele também cita o atletismo, triatlo, ciclismo, judô e futebol, onde há muitos choques entre os atletas cegos.Assim como em outros países, a saúde mental dos campeões olímpicos e paralímpicos também ganhou destaque nos últimos anos no Brasil. Atualmente, o Comitê Paralímpico Brasileiro tem um departamento de Psicologia que atende todas as modalidades.Pela primeira vez, a Vila Paralímpica também terá uma área de treinamento mental e um local reservado para a Ciência do Esporte. “É um fato histórico. Estamos muito felizes de termos nosso espaço. É uma grande conquista para nós e para a Psicologia”, resume Thiago Lourenço.
O Brasil encerrou a sua participação nos Jogos de Paris com 20 medalhas. Por trás de muitas delas, há o trabalho de psicólogas e psicólogos que ajudam a cuidar da saúde mental dos atletas. Como Aline Arias Wolff, que atua junto ao Comitê Olímpico Brasileiro (COB) há mais de uma década, e esteve na capital francesa dando suporte a alguns esportistas do Brasil, como Rebeca Andrade. Renan Tolentino, da RFIEm entrevista à RFI, Aline explicou como é o trabalho com os atletas, que tiveram acompanhamento psicológico durante os jogos. Ela avalia que é importante manter este trabalho contínuo junto a eles, não só ao longo das competições, mas também antes e depois, independentemente do resultado. “Na minha visão, a saúde mental é o caminho para o alto desempenho. Quando a gente tem um atleta que está inteiro, que está feliz, que se cuida e se observa, ele tem muito mais chances de alcançar um altíssimo nível. Então, não é uma coisa ou outra, essas duas coisas precisam andar juntas. Saúde mental precisa andar junta com o alto desempenho. Porque aí a gente realmente consegue ter um desempenho ainda melhor”.Aline acredita que estas foram as “Olimpíadas da saúde mental”, por conta da relevância que o assunto tomou nos últimos anos também no âmbito desportivo, com alguns atletas “reforçando e reconhecendo o quanto isso é importante”. Como as próprias Rebeca Andrade e Lorrane Oliveira, entre as ginastas brasileiras. Ainda na ginástica artística, outra que reforça esse discurso é a norte-americana Simone Biles, estrela da modalidade, que em 2021 desistiu de disputar os Jogos de Tóquio justamente para tratar do seu bem-estar psicológico.“Esse é um ponto muito importante (...) cuidar da saúde mental não é ‘mimimi'. Essa pessoa (atleta) tem que estar bem cuidada, tem que estar inteira e não tem como fazer isso sem cuidar da saúde mental”, reforça a psicóloga.Não existe receita prontaUma das atletas do Time Brasil acompanhadas por Aline Arias Wolff é Rebeca Andrade, que em Paris se tornou a atleta brasileira com mais medalhas em Olimpíadas e não esconde o quanto o acompanhamento psicológico ajuda na sua vida.Durante uma entrevista, por exemplo, questionada sobre o que pensa antes de competir, a ginasta surpreendeu e disse que às vezes pensa nas “receitas que vou fazer quando voltar para o Brasil”. Aline explica que Rebeca tem essa capacidade de “ligar e desligar o foco” quando necessário, sendo uma maneira natural que a atleta encontra de aliviar uma eventual pressão antes das provas.“É uma resposta inusitada e muito autêntica. Ela é bem assim. Todo mundo fica muito curioso sobre isso. É uma estratégia? É intencional? Na verdade, não. É algo natural dela. Porque as pessoas tendem a achar que para fazer algo tão difícil, como um salto que ela executa, o atleta precisa estar ali focado o tempo inteiro, mas, na verdade, ele precisa estar focado no momento da execução da tarefa. Antes, aquela espera, que é longa, é supersaudável inclusive que o atleta vá e pense em outras coisas, desde que ele consiga focar na hora que realmente importa", explica."E aí, naquele momento, a mente dela (Rebeca) foi para coisas que ela estava querendo experimentar nas receitas quando ela voltasse para o Brasil. Ela funciona assim, ela tem uma facilidade de desligar o foco e voltar o foco”, detalha Aline.Mas a psicóloga esclarece que não existe uma fórmula ou receita pronta para todo mundo. Cada atleta pode se comportar de maneira diferente para lidar com a ansiedade antes de competir. O importante nessas horas é conhecer bem a si mesmo.“As pessoas são diferentes. Gosto sempre de dizer que não existe uma fórmula. É muito importante que o atleta consiga se entender, entender o que funciona para ele. O que o ajuda e o que não o ajuda. Varia de atleta para atleta”, conclui.Leia também“Estou muito feliz de voltar com o ouro que os brasileiros mereciam”, diz Rebeca Andrade após vitória no solo em Paris
Cerca de 15 milhões de pessoas são esperadas na região parisiense durante a Olimpíada e os Jogos Paralímpicos, que terminam em 8 de setembro. A alta densidade populacional, mesmo temporária, facilita a circulação de várias doenças. É o caso da leptospirose, transmitida pela urina dos ratos. Segundo Pierre Tattevin, presidente da Sociedade Francesa de Infectologia, o risco é alto para quem se aventurar a nadar no rio Sena, já que os roedores estão em toda a parte na capital. Taíssa Stivanin, da RFI em Paris“As autoridades forçaram para poder organizar as competições aquáticas no rio Sena”, alerta o infectologista francês. Não há dados verificados sobre o número de ratos que vivem em Paris, mas, segundo estimativas, há cerca de 1,5 para cada morador.É por essa razão que as contaminações por leptospirose no Sena não estão descartadas, mesmo que a quantidade de coliformes fecais no rio esteja dentro das normas exigidas. “O rato é quem carrega a bactéria da leptospirose. O rio pode até ter ser sido bem higienizado, mas isso não bloqueia a transmissão, que é totalmente possível”, reitera o especialista.A Leptospira, a bactéria que provoca a doença, é encontrada na urina dos ratos e pode contaminar a água, terra e alimentos. Após o contágio, causa sintomas parecidos com os de uma gripe forte: febre alta, dores no corpo e mal-estar. Eles podem demorar entre três dias e três semanas para se manifestar, lembra Pierre Tattevin.“Quem tiver sintomas depois de nadar no rio Sena alguns dias depois deve lembrar de se testar”, diz. "Eles vão depender da quantidade de água ingerida durante o mergulho", explica, citando o rio Sena.Segundo dados da Santé Publique France, a agência sanitária francesa, em 2022 foram diagnosticados cerca de 600 casos de leptospirose no país, mas esse número é provavelmente dez vezes maior, afirma o infectologista francês. "A leptospirose é sensível a praticamente todos os antibióticos. A pessoa pode ter febre, tomar Amoxicilina, ficar boa, e na realidade ter pego a leptospirose sem saber.”Se não for tratada, a doença pode, em alguns casos, provocar uma insuficiência renal grave e levar à morte.De acordo com ele, a tendência é que as contaminações aumentem com o aquecimento global. “É uma bactéria que vive mais em águas quentes. Martinica, Guadalupe e Ilha da Reunião são os territórios franceses onde ela está mais presente. Agora, como a temperatura está subindo na França, vai favorecer a transmissão”, diz.A declaração da doença é obrigatória na França e o teste diagnóstico deve ser feito preferencialmente no hospital, para que o resultado seja obtido instantaneamente. “Não é uma doença grave se for tratada rapidamente. Por isso é importante prestar atenção”, reitera o infectologista.Paris investiu na propaganda em torno da qualidade da água do rio e a própria prefeita de Paris, Anne Hidalgo, deu um mergulho no mês de julho para tranquilizar os mais céticos. Com a chuva, os níveis de poluição no Sena mudam com frequência. Isso faz com que, em alguns dias, ele não seja considerado próprio para banho, como foi o caso nesta segunda (29) e terça-feiras (30).Covid e SífilisEventos como os Jogos Olímpicos, que reúnem milhares de pessoas, também são propícios à propagação do vírus da Covid-19, que continua presente no território francês. "Em termos de risco sanitário, a Covid não é uma grande preocupação. O maior risco é para os atletas, que se ficarem doentes não poderão disputar uma medalha", diz Pierre Tattevin.Segundo ele, isso se explica pela imunidade adquirida pela população ao longo dos anos da pandemia e a evolução do vírus. As infecções agora geram menos casos graves, sem superlotar os hospitais, como foi o caso no início da pandemia, em 2020, e durante algumas ondas da doença.Outro risco apontado pelo infectologista é a propagação de doenças sexualmente transmissíveis, como a sífilis. A Olímpiada, que recebe principalmente um público jovem, que se encontra nas baladas e nos eventos, pode ser um catalisador desse tipo de infecção. Entre 2020 e 2022, houve um aumento de 110% dos casos de sífilis na França, doença que tinha desaparecido em 1990 e recomeçou a circular no país nos anos 2000, segundo um relatório divulgado em 2023 pela Santé Publique France."Uma densidade populacional forte sempre favorece as trocas de micróbios", lembra o presidente da Sociedade Francesa de Infectologia. "Há registros do aumento do número de casos de sífilis em eventos desse tipo."O preservativo, lembra, não é suficiente para proteger contra uma eventual contaminação. "Se há contato com as lesões durante as relações sexuais, mesmo em outras parte do corpo, pode haver o contágio", alerta.E a dengue?Durante a Olimpíada, há ainda patologias como a dengue, o zika , ou o chikungunya, que poderiam se espalhar mais facilmente com a chegada de casos importados. As temperaturas relativamente amenas para o período devem dificultar a reprodução do mosquito Tigre, presente no território francês, segundo o infectologista."Mas o verão continua sendo um período propício para importar doenças tropicais, que podem chegar com viajantes contaminados de regiões como o Brasil, por exemplo", diz.
Baseada em Plescop, uma pequena cidade na Bretanha, a equipe da start-up francesa Ergotech, formada por fisioterapeutas, osteopatas e outros profissionais da saúde, cria objetos sob medida para evitar os problemas de saúde relacionados ao trabalho. Ela é dirigida pelo empresário francês Kévin Le Texier, que entrou no ramo por acaso, após um estágio em uma empresa que fabricava equipamentos médicos. “Um médico do Trabalho me ligou para saber se podíamos criar produtos para pessoas que tinham dores nas costas enquanto dirigiam. Na época não havia nada assim no mercado, e esse continua sendo o caso hoje”, explicou Le Texier à RFI.Para a criação do seu primeiro projeto, ele seguiu um plano específico e foi assessorado por um médico do Trabalho. Le Texier analisou quais eram as limitações e as dificuldades que um motorista profissional, que se queixava de dores nas costas, enfrentava quando estava dirigindo.Em seguida, a empresa criou vários protótipos, até chegar a uma solução que finalmente resolveu o problema do paciente. “Como esse não era o público-alvo da empresa onde eu fazia o estágio, eles me perguntaram se eu estaria interessado em atender a esse tipo de demanda", conta.Como a ideia deu certo, Kévin foi solicitado para outros projetos dentro da mesma empresa para aliviar tendinites – uma das mais comuns é síndrome do canal cárpico, que comprime o nervo mediano que passa no túnel desse canal, no pulso, diminuindo a vascularização.A doença provoca dormência das mãos e dos dedos, que piora à noite, além da perda de força no polegar, dificultando os movimentos no dia a dia, como o uso do mouse. Este é um mercado em plena expansão com o envelhecimento dos assalariados que continuam na ativa. Segundo dados do Instituto de Estatística e Estudos Econômicos, atualmente 15 milhões de franceses têm mais de 60 anos. Em 2030, a expectativa é que eles sejam 20 milhões e que cheguem a 24 milhões em 2060. As reformas da Previdência adotadas em diferentes países do mundo, incluindo o Brasil, fazem com que os maiores de 60 anos devam trabalhar cada vez mais tempo antes de se aposentar. Na França, a idade mínima para ter o benefício recentemente passou para 64 anos para quem nasceu a partir de janeiro de 1968. Estatisticamente, quanto mais a população envelhece e continua trabalhando, mais ela adoece. Catálogo de produtos testadosApós essa primeira experiência, o empresário francês passou a se interessar cada vez mais pela SMT (Síndrome da Miosite Tensional), que pode ocorrer quando o paciente passa, por exemplo, muitas horas sentado em frente ao computador no escritório.A inflamação pode causar dor, desconforto, fraqueza e dificuldade na realização de alguns movimentos que dependem do músculo afetado. Em alguns casos, pode até mesmo gerar manifestações em outros órgãos. Em 2012, a empresa em que o francês trabalhava faliu e ele decidiu adquiri-la. Foi assim que nasceu a Ergotech. “Tudo aconteceu um pouco por acaso”, contaHoje a start-up é referência na fabricação de material para prevenir essas doenças. Muitos dos objetos concebidos e testados individualmente para os pacientes agora integram um catálogo de equipamentos para prevenir e tratar os problemas.Kévin Le Texier ressalta que as soluções não estão totalmente relacionadas ao conceito de ergonomia. Segundo ele, nesse caso é o ambiente de trabalho que se adapta ao paciente, sem personalização do espaço em função de suas patologias.Por hora, os produtos da empresa estão apenas disponíveis na França, mas a ideia é expandir o mercado na Europa e, em um futuro próximo, outros países.
Expostos à pressão constante pelo desempenho, a nova geração de campeões olímpicos também enfrenta outros desafios, como a exposição nas redes sociais. A questão foi abordada em um seminário organizado pela Academia Nacional de Medicina da França, que reuniu especialistas para discutir temas relacionados à saúde dos atletas. O evento ocorreu na sede instituição em Paris, a poucas semanas do início dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos, que começam em 26 de julho. Taíssa Stivanin, da RFISegundo Sébastien Le Garrec, chefe do departamento médico do Insep, o Instituto Nacional do Esporte na França, dados divulgados pelo COI (Comitê Olímpico Internacional) mostram que entre 50% e 65% dos atletas têm problemas de sono e até 68% relataram terem vivido episódios depressivos.Cansaço anormal, excesso de preocupação, falta de concentração e perda de motivação são alguns dos sintomas que devem alertar os campeões. Na França, desde 2006, os atletas de alto nível passam por uma avaliação psicológica anual, que é obrigatória. Desde 2016, os menores devem realizá-la duas vezes por ano.As dificuldades geradas pelo tempo passado no treinamento e as dúvidas que envolvem os projetos pessoais e profissionais dos atletas de alto nível também são fatores de risco para a saúde mental, diz Sébastien Le Garrec, que acompanha a equipe francesa de Natação.Os centros de treinamento, como o Insep, possuem atualmente uma equipe dedicada à saúde mental dos atletas, formada por quatro psicólogas, que detectam eventuais problemas psíquicos e a necessidade de um tratamento médico. Apesar de alguns medicamentos serem incompatíveis com a prática esportiva, lembra Le Garrec, existem alternativas. Existem etapas na vida do atleta, lembra, que são particularmente arriscadas e merecem mais atenção. Uma delas é a chegada a um centro de treinamento de alto nível, o que faz naturalmente com que os treinos aumentem em tempo e intensidade. “O grupo em geral também não é o mesmo e os atletas são ou do mesmo nível ou de um nível superior. A pressão aumenta, necessariamente”.O luto do fim da carreiraA distância da família também pode ser vivenciada com dificuldade. “Não temos necessariamente com quem dividir todas as emoções do dia a dia, e isso também pode gerar distúrbios”, avalia.Outra etapa perigosa para a saúde mental é o fim da carreira, que gera uma mudança brusca no ritmo de vida - um atleta de alto nível treina em média entre 4 e 6 horas por dia. “É necessário lidar com o luto da carreira esportiva. Não é fácil vivenciar isso”, frisa. A aposentadoria das competições também marca o início de novos projetos, o que pode ser uma fonte de ansiedade, e gerar a sensação de “perda de identidade”, observa.Ele cita como exemplo o nadador francês Camille Lacourt, cinco vezes campeão mundial que há alguns meses revelou ter sucumbido à depressão após o fim da carreira, em 2017. Em uma entrevista transmitida pelo canal France 2, ele fez um desabafo sobre sua doença, que chamou de “descida ao inferno”.As contusões e a interrupção dos treinos também podem desencadear os distúrbios mentais. É comum, lembra o especialista francês, que os patrocinadores encerrem contratos sem ter perspectiva do retorno do atleta à ativa. Isso representa, na prática, menos dinheiro no bolso e mais ansiedade.A atleta americana Simone Biles, uma das maiores ginastas de todos os tempos, deixou a competição individual e por equipe nos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2021, ao revelar sua depressão. Em 2018, Biles havia declarado ter sido uma das vítimas de abuso sexual do ex- médico da equipe americana, Larry Nassar. Mas, depois da fase difícil, a atleta de 27 anos se superou e foi qualificada para os Jogos Olímpicos de Paris no último dia 30 de junho.O treinamento excessivo também pode induzir a um desequilíbrio emocional. “O cansaço faz parte do cotidiano de um atleta, se o atleta não está cansado tem alguma coisa errada. Mas a recuperação é indispensável, é uma condição sine qua non para progredir”, frisa Le Garrec.A desclassificação, após anos de treino, também está por trás da depressão de alguns campeões. Outros fatores são a pressão familiar, dos treinadores e do próprio esportista, que exige muito de si mesmo.A nova geração também deve conviver com o julgamento e os comentários dos fãs e invejosos nas redes sociais. Aprender a desconectar antes das competições é essencial. “As redes sociais fazem parte da vida dos jovens no cotidiano, incluindo os jovens atletas. É muito fácil publicar comentários anônimos e maldosos nessas redes. É importante saber gerenciar isso”.
Acidentes com fogos de artifício e fogueiras são comuns durante as festas de São João, alerta a cirurgiã Suzy Vieira, membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Segundo dados do Governo do Estado de São Paulo, o número de acidentes relacionados ao período vem crescendo e subiu cerca de 63% em 2023. O período de festas juninas é propício para os acidentes com combustíveis, usados para acender as fogueiras. Mas há também os incidentes que ocorrem na hora de soltar os fogos. “As queimaduras causadas pelos fogos de artifício são provocadas pelas chamas ou pela pólvora. Elas aumentam durante as festas juninas e queimam não apenas quem está soltando os fogos, mas também outros que estão em volta. As pessoas que estão próximas também acabam sendo atingidas pela explosão”, ressalta a cirurgiã. A incidência cresce em todo o país no mês de junho, destaca a especialista. “Nessa época, o número de atendimentos aumenta bastante. Existe, inclusive, em alguns hospitais, centros de tratamento de queimaduras reservados para os casos mais graves, que atingem mais de 30% do corpo e demandam cuidados especiais”.De acordo com Suzy Vieira, é comum os pacientes vítimas de queimaduras graves precisarem ficar internados e se submeterem a várias cirurgias. Muitas vezes, os curativos também precisam ser realizados e trocados em um centro cirúrgico, em função da dor do paciente.Nas queimaduras que ocorrem durante as festas juninas, as partes do corpo mais atingidas são, em geral, o rosto e os membros inferiores e superiores. “Elas atingem a roupa e podem se tornar ainda mais profundas e graves. Nesse caso, o ferimento se espalha e queima outras partes que inicialmente não haviam sido atingidas”, diz. “Por isso é importante despir a pessoa que esteja com a queimadura. Por exemplo, se ela é atingida por um líquido quente ou por um ácido, e se ele fica na roupa, terá um contato mais prolongado com a pele e a queimadura será ainda mais profunda e grave”, alerta.Projeto de lei quer proibir fogos que façam barulhoAs vítimas, diz, são de diferentes faixas etárias. “Já atendi famílias inteiras que chegam queimadas porque uma pessoa foi soltar o rojão, o rojão queimou, atingiu quem estava do lado, a mãe foi ajudar e estava de meia calça e queimou também”, descreve.A Lei de Crimes Ambientais no Brasil, de 1998, proíbe a fabricação, venda e uso dos balões de ar, usados antigamente nas festas juninas, que provocavam incêndios e geravam muitos acidentes. O desrespeito à norma é passível de um a três anos de prisão ou multa. Em relação aos fogos de artifício, alguns Estados e municípios adotam a proibição de fogos com estampido que façam barulho. Um projeto de lei de 2022 que tramita na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado prevê que essa proibição se estenda a todo o território nacional. “Existe também uma legislação que exige que as lojas sejam afastadas e sejam dotadas dos equipamentos para controle do fogo. Mas, infelizmente, essa legislação não é cumprida como deveria”, lamenta a cirurgiã brasileira.
Uma pesquisa feita pela equipe do neurocientista francês Mickael Naassila, presidente da Sociedade Francesa de Estudos sobre o Alcoolismo e professor da Universidade da Picardia, no norte da França, mostrou que o uso de cogumelos que contêm a psilocibina, uma substância alucinógena, pode tratar o alcoolismo. Taíssa Stivanin, da RFIOs resultados do estudo, feito com camundongos, foram publicados no mês passado na revista científica britânica Brain. O neurocientista francês e sua equipe observaram que a molécula inibe um dos receptores cerebrais envolvidos no alcoolismo. A descoberta, que agora deverá ser testada em humanos, poderá viabilizar rapidamente novos tratamentos, disse Mickael Naassila em entrevista à RFI Brasil. Nosso cérebro tem dois hemisférios e, na base de cada um deles, existe uma estrutura chamada núcleo accumbens - um conjunto de neurônios que têm um papel central no chamado circuito da recompensa. Esse sistema é ativado quando sentimos prazer, liberando a dopamina, um neurotransmissor que emite e recebe sinais das células nervosas. Elas se comunicam através de reações químicas complexas. No caso do abuso de drogas, como o álcool, o circuito da recompensa é ativado com frequência, o que leva à busca incessante pelo produto. “Na dependência química do humano ao álcool, à maconha ou à cocaína, sabemos que há uma diminuição de um receptor da dopamina chamado D2. Isso também é observado nos animais. Quando usamos a psilocibina em um tratamento, restauramos a atividade, ou o nível de expressão, do receptor D2 da dopamina”, explica o neurocientista. Outros estudos já haviam mostrado como a substância pode ajudar a evitar as recaídas. Durante a pesquisa, o cientista francês e sua equipe também constataram que o cogumelo agia de maneira diferente nos dois hemisférios cerebrais. O neurocientista então descobriu que se a psilocibina fosse injetada diretamente no núcleo accumbens do lado esquerdo, o consumo de álcool diminuiria pela metade, o que não ocorria do lado direito. Essa “lateralização” do efeito do cogumelo no cérebro pegou os cientistas de surpresa. “Testamos a psilocibina alucinógena em camundongos que não eram alcóolatras. A conclusão é que o consumo do alucinógeno, mesmo por alguém que não é dependente do álcool, vai provocar modificações no funcionamento cerebral e alterar a expressão nos genes no cérebro. E notamos diferenças à esquerda ou à direita.”Testes com humanosAs próximas etapas agora serão analisar a ação da substância em testes clínicos com humanos e realizar uma cartografia da ação da psilocibina no lado esquerdo do cérebro, utilizando técnicas de imagem cerebral, como a ressonância magnética.O objetivo é propor novos tratamentos contra o alcoolismo, que ainda geram cerca de três milhões de mortes por ano no mundo, segundo dados da Organização Pan-Americana da Saúde.Segundo o neurocientista, a psilocibina e o LSD, as duas moléculas mais estudadas no contexto da dependência química, recriam uma série de novas conexões entre diferentes estruturas cerebrais, atuando na sua plasticidade ao modificar estados de consciência. Estudos mostram que, por essa razão, as moléculas poderiam ser aliadas pontuais no tratamento contras as dependências químicas, associadas a uma psicoterapia.“Temos efeitos positivos a longo prazo. Entre nove e doze meses depois do início do tratamento constatamos uma diminuição do consumo de álcool, depois dessas sessões que incluíram a psilocibina e o LSD. Isso é mágico!”, ressalta Naassila.No entanto, a obtenção das autorizações para o uso científico das moléculas pode levar tempo, antes do início dos testes clínicos com humanos. “Para esses testes precisamos de moléculas certificadas, que possam ser administradas nos humanos. Essas moléculas custam caro.”Ele lembra que a sensibilidade aos efeitos da substância também pode influenciar o tratamento – os fatores individuais serão determinantes para sua eficácia. Hoje, de acordo com o neurocientista francês, a dependência química é tratada em função da sua gravidade, que é variável. Existem fatores genéticos e ambientais que podem desencadeá-la e influenciar a resposta aos tratamentos e às recaídas.
A professora titular de Oftalmologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/UNICAMP), Keila Monteiro de Carvalho, alerta para importância do “teste do olhinho”, nome popular do teste do reflexo vermelho, que deve ser realizado logo após o nascimento. A detecção precoce de patologias visuais, como a catarata infantil, também é essencial para evitar o comprometimento ou até mesmo a perda da visão no futuro. Taíssa Stivanin, da RFI"Nas primeiras horas de vida do bebê, o pediatra pega um oftalmoscópio e ilumina seus olhos para ver se tem um reflexo vermelho. Se a luz não está entrando e saindo, a pupila fica esbranquiçada", diz a especialista. "Os dois olhos também têm que ser simétricos e um não pode ser mais vermelho do que o outro”, especifica.O teste do reflexo vermelho, explica, deve ser mencionado na caderneta do recém-nascido e repetido pelo menos três vezes, até os dois anos de idade, pelo pediatra. Em caso de dúvida, a criança deve ser examinada por um oftalmologista. “Neste caso, será obrigatório dilatar a pupila e verificar a necessidade do uso de óculos".O exame para checar a acuidade visual não depende da adesão da criança e permite obter resultados objetivos, explica Keila Monteiro de Carvalho. A oftalmologista utiliza em seu consultório um auto refrator manual e realiza o exame do fundo do olho, para verificar outras alterações. O teste de visão pode ser feito a partir de três meses, já que antes dessa idade a criança ainda não enxerga direito. “Neste caso, fazemos um exame chamado olhar preferencial. Temos um cartão com riscos de um lado e cinza do outro. O bebê olha para esses risquinhos, que vão diminuindo. Mostramos um após o outro. Quando a criança para de olhar, é porque não enxergou e está confundindo com o fundo”, explica.A Sociedade Brasileira de Oftalmologia pediátrica recomenda que as crianças, em geral, realizem o primeiro exame por volta dos seis meses de idade, o segundo por volta dos dois ou três anos e o terceiro durante a fase escolar. "O exame oftalmológico completo engloba o teste da visão, de verificação do grau dos óculos e do fundo de olho, além de um eventual estrabismo", reitera a oftalmologista brasileira.Catarata infantil e outras patologiasAlgumas doenças pediátricas que afetam a vista podem ser de origem congênita, como a catarata infantil. "A maior parte das cataratas é genética. Existem vários tipos, incluindo as dominantes e recessivas. Algumas estão associadas às infecções congênitas, como o Zika ou a Toxoplasmose". A doença é caracterizada pela pupila branca, que faz com que o olho afetado não detecte a luz. Na criança, a catarata será operada apenas se estiver atrapalhando a visão. “Se a pupila estiver branca e a catarata for total, a luz não entra, e a operação é necessária. Tem que ser uma cirurgia bastante precoce. Mas se a catarata for menor e não estiver no eixo visual, mas localizada mais no canto, e a criança estiver enxergando, ela não é operada tão cedo”.Segundo a médica, uma das complicações que envolve a cirurgia é o glaucoma, que pode levar à perda da visão. As de origem genética têm evolução mais lenta e as infecciosas podem piorar de maneira repentina.Durante a operação, uma lente permanente é colocada no olho afetado, mas deverá ser trocada em função do crescimento da criança. Os óculos são uma alternativa, mas devem ser espessos, o que gera incômodo e outros problemas. Durante a operação, a retirada da cápsula do cristalino é feita com laser, mas a substância branca deve ser aspirada manualmente.Outras doenças oculares podem atingir as crianças, como a retinopatia da prematuridade. “A retinopatia da prematuridade aumentou muito no mundo todo, porque as crianças prematuras agora sobrevivem e ficaram mais tempo expostas ao oxigênio. A retina, imatura, que não se desenvolveu completamente, vai acarretando o problema”.A deficiência visual cerebral, que pode ser decorrente de uma lesão neurológica e ter diferentes origens (infecciosa, genética ou hereditária) também é uma das causas de cegueira infantil. “Na verdade, não é o olho que enxerga, é o cérebro. O olho é só o órgão de captação periférica. Ela capta a luz, faz a sinapse na retina e vai para o nervo ótico, e em seguida para o cérebro, que devolve o comando para os olhos, que se mexem na direção que desejam”. Durante esse trajeto, se a criança tem atrofia ótica ou alterações cerebrais, a vista pode ser prejudicada, já que o controle dos movimentos oculares é alterado. Segundo a médica, a estimulação global pode melhorar a condição, que precisa de uma abordagem multidisciplinar. Ela lembra que a prevalência da cegueira infantil também varia em função dos países.
O Ministério da Educação francês publicou em março deste ano um projeto de educação à vida afetiva e sexual. O programa poderá ser implantado de forma gradual nas escolas francesas, da pré-escola ao ensino médio, a partir de setembro de 2024, que marca o início do ano letivo no país. A representante do Ministério da Educação francês, Caroline Moreau-Fauvarque, integra o grupo de elaboração do novo projeto. O objetivo do documento de 60 páginas, que ela e sua equipe concluíram em março, é fornecer aos alunos informações científicas sobre a reprodução e a sexualidade humana, ajudá-los a construir a própria personalidade, com relações baseadas no respeito mútuo, e dar um panorama sobre os aspectos sociais e legais envolvendo a sexualidade.Com a oficialização desse programa, diz, será mais menos trabalhoso para os professores colocarem em prática suas aulas, já que tema será abordado de maneira multidisciplinar. Na prática, a educação sexual é obrigatória na França. Mas, em muitos estabelecimentos as três aulas anuais previstas no currículo por lei (artigo L312-16), desde 2001, da Educação Infantil ao Ensino Médio, acabam sendo deixadas de lado. “Propomos, por exemplo, que a comunidade educativa, antes do início do ano letivo, organize e planeje essas sessões para conseguir abordar o conjunto desses objetivos nas aulas de educação à sexualidade”. Mas, antes de ser colocado em prática, o projeto deverá passar por uma fase de consulta, ressalta.Acesso a conteúdo pornô explode entre menoresDados divulgados pela Arcom, autoridade francesa que regula a comunicação audiovisual e digital, mostram que mais de 2,3 milhões de crianças consultam sites pornográficos pelo menos uma vez por mês.Segundo a especialista em saúde sexual francesa Charline Vermont, autora do livro “Corps, amour, sexualité” ("Corpo, amor e Sexualidade", em tradução livre), esse assunto é dificilmente compartilhado entre pais e filhos.Seu livro, destinado ao público infantil e adolescente, foi escrito sob a supervisão de psicólogos e pedopsiquiatras, visa promover essa transmissão familiar. De acordo com Charline, os adultos de hoje, de maneira geral, são herdeiros da “geração do silêncio”, ainda que alguns países sejam mais avançados na questão do que outros.“O Canadá e os países nórdicos, além dos países anglo-saxões, são um pouco mais avançados do que nós, que ainda seguimos uma tradição latina”, compara.Ginecologista "influencer"A ginecologista francesa Judith Abric virou influencer no Instagram com a conta "Dr Juju", que tem mais de 65 mil fãs. Em seus posts, ela busca ajudar crianças e adolescentes a respeitar o próprio corpo e entender a noção do consentimento e da sexualidade solitária e compartilhada.“Na escola de Medicina, e eu espero que isso mude, aprendemos muitos conceitos científicos, mas não aprendemos a falar sobre esses assuntos com crianças ou adultos no fim", diz."É surpreendente como as pessoas não conhecem o próprio corpo, independentemente do gênero. Sem conhecer o próprio corpo, não é possível ter uma sexualidade compartilhada e satisfatória, porque essa é a base. Não somos nós, os ginecologistas, que vamos ensinar isso. Deve começar muito antes", ressalta.Para ela, os meninos devem ser aliados das mulheres. "É importante termos parceiros no futuro que não repitam mais frases do tipo: “ela está irritada, deve estar menstruada." Ninguém mais suporta ouvir isso", diz. "Meu livro aborda essas questões. Se minha colega de classe está menstruada, por exemplo, o que eu posso fazer? Carregar a mochila dela, por exemplo. Às vezes ela pode sentir dores que irradiam até as costas”, diz.Protegendo as criançasO aprendizado da sexualidade também protege as crianças mais jovens contra os predadores sexuais. Sem falar obviamente de sexo propriamente dito, os pais devem ensiná-las a reconhecer suas partes íntimas e lembrar que ninguém tem o direito de tocá-las. Se isso acontece, é preciso contar imediatamente para um adulto, lembra a ginecologista.“O medo dos adultos é que a criança seja vítima de uma agressão. Se ela sabe que ninguém pode tocar em seu corpo, ele será capaz de se defender ou de falar a respeito”, defende. As perguntas das crianças sobre esse assunto, diz, não podem ficar sem resposta", conclui a especialista.
Esporte é saúde, mas praticado profissionalmente exige, além de treinamento, resistência física e mental. A menos de dois meses do início das Olimpíadas, como os atletas fazem para se recuperar e manter o ritmo intenso das competições e prevenir as lesões? Os campeões olímpicos têm à disposição uma equipe de preparadores físicos e médicos que criam programas específicos. Eles incluem, além dos exercícios e da alimentação, a gestão psicológica do stress e até a adaptação ao fuso horário. Segundo o médico do Esporte francês Jean-Marc Sène, que trabalhou com a equipe francesa de judô, os atletas se preparam o ano todo, mas participar das Olimpíadas exige um treinamento “sob medida”.“Existem exigências específicas, como ter mais assiduidade, por exemplo. Talvez os atletas precisem ser ainda mais assíduos ou se concentrar mais nas competições. Esses são dois parâmetros que entram em jogo.”A preparadora física Anne-Laure Morigny atua no Instituto Nacional do Esporte francês (INSEP) desde 2009. Seu trabalho no dia a dia consiste em ajudar os atletas a ultrapassarem seus próprios limites, levando em consideração o risco de lesões ou seu gerenciamento, quando elas já existem.“A preparação física é transversal e complexa. Para se ter um bom desempenho, o atleta deve ser capaz de repetir esse desempenho. Isso requer manter a integridade física e limitar o risco de contusões, que podem interromper a carreira de um atleta”, explica.Exercícios diáriosIncluir no cotidiano a prática de exercícios para atingir esse objetivo é essencial, diz a preparadora física francesa, e garantirá um bom desempenho no dia da competição.“O papel do médico do Esporte é muito importante, além dos fisioterapeutas e dos osteopatas”, completa. “Juntos, a equipe e o atleta vão identificar o que deve ser trabalhado, quais são os pontos fortes e fracos, e incluir no cotidiano uma rotina preventiva para limitar o risco de contusão o máximo possível”, reitera.A preparadora física francesa compara o trabalho realizado com os atletas olímpicos à alta costura: ele deve ser feito “sob medida”, com testes individualizados. O limite é estabelecido pelo médico, observa Jean Marc-Sène.Em caso de problema, e após a realização de exames, a questão que se coloca, explica, é como lidar com o prognóstico do atleta. “A primeira pergunta que o treinador deve fazer é por quanto tempo o atleta deve parar e como as coisas deverão ser adaptadas. É um trabalho contínuo e o médico tem o papel de coordenador entre o fisioterapeuta, os treinadores e outros profissionais. Esse é um trabalho diário”, afirma.Para a preparadora física, o trabalho feito em torno do atleta hoje é muito mais estruturado do que há 15 anos, quando ela iniciou sua carreira no INSEP. “Temos ‘preparadores mentais', nutricionistas, temos realmente muitas pessoas em torno dos atletas”, explica.Saúde física e mentalO judoca francês Walide Khyar, classificado na categoria de menos de 66 quilos nos Jogos Olímpicos de Paris, competirá no dia 28 de julho. Ele se descreve como uma “criança que sempre foi hiperativa e pensava em muitas coisas ao mesmo tempo”, o que teve incidência na sua prática.Desde 2017 ele tem um preparador mental, com quem o atleta estabeleceu uma série de objetivos para aprender a focar no "que realmente interessa". “Eu tinha tendência a pensar em tudo ao mesmo tempo e me concentrar em coisas sem importância. Aprendi a priorizar e colocar o judô no centro de tudo”, conta.A dieta, que é extremamente importante para os judocas, também é um ponto de vigilância constante para que Walide possa se manter no peso da sua categoria. Por isso o judoca francês é acompanhado por uma nutricionista que, com o apoio de exames que medem a massa muscular, vai adaptar sua alimentação. Ele come o que tem vontade apenas uma refeição por semana.O Instituto francês conta hoje com um setor de psicologia do Esporte para ajudar os atletas. “Isso é essencial. Muitas vezes a preparação mental é vista como um elemento que visa um objetivo competitivo. Mas é necessário ter uma visão mais global da saúde mental, que ajudará no desempenho, e com frequência isso também é necessário quando o atleta se machuca”, explica Jean-Marc Sène.Evolução tecnológicaA tecnologia também evolui muito rapidamente. Em 2009, conta Anne-Laure Morigny, ela trabalhava com um cronômetro na mão, que era manual. Hoje, as baterias de testes são realizadas com equipamentos de última geração, como as chamadas plataformas de força com câmeras em 3D, que analisam os ângulos. “Temos uma tecnologia de ponta, que nos permite concretizar aquilo que antes víamos a olho nu”.
A cientista francesa Elsa Bernard é chefe da equipe de oncologia computacional do instituto francês Gustave Roussy, um dos maiores centros de combate ao câncer no mundo, situado em Villejuif, nos arredores de Paris. Ela é uma das autoras de um estudo recente, publicado na revista científica Cell, que busca entender os mecanismos individuais e ambientais que estão na origem do aparecimento de diferentes tipos de cânceres. Taíssa Stivanin, da RFIDesde o início de sua carreira, a pesquisadora francesa focou seus estudos na análise de dados moleculares, uma das áreas da Biologia Matemática aplicada à Cancerologia. Após uma temporada nos Estados Unidos e no Reino Unido, onde concluiu seu pós-doutorado, ela voltou para Paris e desde setembro de 2023 integra a equipe do instituto francês Gustave Roussy. O trabalho realizado pela cientista permite acompanhar em detalhes as mutações celulares individuais antes mesmo do aparecimento da doença.“O câncer atinge todo mundo e os estudos em Oncologia estão em plena transformação. Os dados, principalmente moleculares, são cada vez mais importantes para entender e tratar clinicamente a doença. Eles são gerados cada vez mais e de forma sistemática", explicou a cientista à RFI. "Estamos na era da Medicina de precisão. Podemos utilizar esses dados e explorá-los o máximo possível para prever e entender a evolução da doença em certos casos”, acrescenta.O estudo publicado na revista científica Cell reúne o trabalho de pesquisadores de diversos países, que identificaram fatores biológicos que podem influenciar no desenvolvimento de um tumor. Essa lista é chamada pelos cientistas de clouds de complexité (nuvens de complexidade, em tradução livre), que são os diferentes parâmetros de interação entre um paciente e seu câncer.Entre eles, está análise do papel das células que sofreram mutações antes e depois de se transformarem em tumores, além das razões individuais e ambientais que levam ao surgimento do câncer. Elsa Bernard lembra que nem todas as células que mutam serão cancerígenas e entender por que isso acontece é primordial para prevenir e tratar a doença.“Já sabemos há cerca de 50 anos quais são os gatilhos de transformação de uma célula em cancerígena. Isso ocorre, geralmente, a partir de uma instabilidade no genoma e da sua capacidade de escape imunológico. Esse conjunto de processos é indispensável para essa transformação. Mas ainda sabemos pouco sobre a relação entre o indivíduo e seu tumor”, observa.A evolução da doença ainda depende de outros fatores mais complexos. Entre eles, a interação com células em torno do tumor e outros órgãos, que permitirá aos cientistas entender melhor como os cânceres se manifestam e desta forma preveni-los e até mesmo curá-los, explica a pesquisadora francesa.Entendendo as mutaçõesMas o aparecimento da doença ainda possa ser, em muitos casos, aleatório. “Apesar do câncer ser uma doença genética, relacionada, na maior parte dos casos, à uma mutação do DNA, sabemos que essas mutações hoje não são suficientes para desencadear a doença. "Existem células normais, que nunca se tornarão cancerígenas, e que têm mutações no DNA. "Também há outros elementos, ambientais ou próprios ao indivíduo, que fazem com que a célula que sofreu essa mutação se torne cancerígena."A cientista francesa cita como exemplo infecções virais ou uma inflamação, que podem ter repercussões celulares que levem ao aparecimento do câncer. O tabagismo, o consumo de álcool e o sedentarismo são alguns dos fatores de risco ambientais conhecidos e alvo de recomendações oficiais.Estudos também apontam que a poluição tem um papel preponderante no desenvolvimento de um câncer. O ritmo circadiano, o relógio biológico que coordena as funções fisiológicas quando dormimos ou estamos acordados, também atua na comunicação entre as células, inclusive cancerígenas."No futuro, será essencial para a prevenção saber quais são os fatores de risco individuais, ligados ao seu DNA e à sua história pessoal e familiar, e aqueles associados ao meio ambiente e outros fatores externos”, conclui a pesquisadora.
O pesquisador francês Jean-Philippe Girard, diretor de pesquisa do CNRS (Centro Nacional de Pesquisa da França), e sua equipe identificaram uma molécula que atua no processo inflamatório que causa doenças como a rinite alérgica e a asma, por exemplo. Batizada de TL1A, ela é liberada pelo epitélio respiratório alguns minutos após a exposição a uma substância alérgica e integra a família das alarminas. Taíssa Stivanin, da RFILiberadas em grande quantidade, as alarminas podem iniciar a inflamação, estimular a atividade das células imunológicas e desencadear uma série de reações no corpo, como as alergias. O estudo foi publicado em abril na revista científica Journal of Experimental Medicine.“Nas alergias, um dos fatores mais importantes é o meio ambiente, além das substâncias alérgicas presentes nele e no ar que respiramos em ambientes fechados ou do lado de fora. Ao ar livre, o pólen e alguns tipos de fungos são os que provocam mais reações”, explicou o cientista francês à RFI.Um desses fungos é o Alternaria alternata, que está relacionado a crises de alergia e de asma severa, principalmente quando o tempo está úmido, favorecendo sua dispersão no meio ambiente. A alergia respiratória é a quarta doença crônica mais comum no mundo, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), e deve atingir a metade da população mundial até 2050. Só na França, a estimativa é que 17 milhões de pessoas sejam alérgicas e 4 milhões sofram de asma.Entre 200 e 400 mil desenvolvem a forma severa da doença e podem ter crises graves, que provocam dezenas de mortes no país. Um dos principais objetivos do estudo, segundo Jean-Philippe Girard, foi justamente encontrar um tratamento alternativo para evitar esses óbitos.A equipe do cientista francês estuda há mais de uma década o efeito do fungo alternata no organismo dos alérgicos. Durante a pesquisa, eles perceberam que 15 minutos após o contato com a substância, todas as células que formam o epitélio pulmonar liberaram um sinal de alarme para as defesas do organismo. "Essas alarminas, presentes no tecido, dialogam com nosso sistema imunológico, explica o cientista.“São esses sinais de alarme que chamamos de alarminas. Elas alertam nossas defesas naturais, nesse caso, contra uma substância alérgica. Essas alarminas presentes no pulmão, brônquios e alvéolos pulmonares também avisam quando há um vírus, como o da gripe ou do resfriado”, exemplifica.Alerta para os glóbulos brancosUma das funções da molécula é alertar os glóbulos brancos, presentes nos pulmões, da presença de um corpo estranho. Eles vão, dessa forma, produzir mediadores da reação alérgica, entre eles uma proteína responsável pela produção de muco, que obstruirá os brônquios e causará a inflamação. “Ao bloquearmos as alarminas, que dão início a essa cadeia de reações, reduzimos a inflamação. Se agimos no meio do processo, há outros mecanismos que podem compensar essa ação, mas agindo desde o começo, bloqueamos tudo. Esse é o conceito das alarminas, e é isso que é importante” frisa Jean Philippe Girard.Com a nova descoberta, já são três as alarminas identificadas até agora pela Ciência. Uma delas já havia sido detectada há mais de 20 anos pela equipe do cientista francês e em breve beneficiará pacientes que sofrem de patologias como a BPCO, a doença pulmonar obstrutiva crônica.Segundo ele, os pacientes integram seis estudos de fase 3 conduzidos por grandes laboratórios e recebem anticorpos que bloqueiam a molécula. Os resultados devem ser divulgados em 2025 e, se tudo correr bem, um novo medicamento chegará às prateleiras.O objetivo agora é que a nova alarmina, que acaba de ser identificada, também possa ser testada em larga escala. “Nossa nova descoberta virá reforçar o arsenal terapêutico e as possibilidades de tratamento para os pacientes.”Para isso, é preciso investimento para colocar em práticas os testes clínicos necessários para validar o estudo em humanos e obter um medicamento contra a asma severa. Em seu laboratório, Philippe Girard, continuará suas experiências com outras substâncias alergênicas, como ácaros ou polens, que também estão na origem de alergias graves.
Vários países enfrentam atualmente uma epidemia de dengue e este é o caso do Brasil, da Guiana Francesa e do Burkina Faso. De acordo com estimativas da OMS, em 2023 a doença pode ter contaminado entre 50 e 100 milhões de pessoas no mundo. A dengue pode ser transmitida pelos mosquitos Aedes aegypti, o mais comum no Brasil e na Guaiana, por exemplo, e pelo Aedes albopicus, conhecido como mosquito Tigre, presente na América do Norte e na Europa, incluindo a França. O país já registra casos autóctones, ou seja, que não foram importados.“O mosquito Tigre chegou na Europa em 1990 e em 2004 na França. Vinte anos depois, ele está presente em todas as regiões do país e não vai desaparecer. Sua própria biologia o obriga a se manter no território para sobreviver”, explicou Anna-Bella Failloux, diretora responsável da Unidade arbovírus e insetos vetores do Insituto Pasteur em Paris, ao programa Priorité Santé, da RFI.Segundo ela, o Aedes aegypti e o albopicus são espécies invasivas. “Os ovos do mosquito Tigre são capazes de suportar as secas e as baixas temperaturas no inverno. Ele espera as boas condições climáticas para que os ovos eclodam e se transformem em larvas adultas, que são responsáveis pela transmissão de certos vírus.”A Europa então poderá enfrentar epidemias da dengue nas próximas décadas, como o Brasil? Para a especialista do Instituto Pasteur, o mosquito Tigre continuará colonizando o continente, o que favorecerá a circulação do vírus e gerará cada vez mais casos autóctones, ou seja, contaminações que ocorrem quando duas pessoas adoeceram dentro do próprio território.Segundo Anna-Bella Failloux, outro problema é que a população europeia está menos preparada para lutar contra o mosquito da dengue e ignora certos reflexos já adquiridos em outros países, como não deixar água parada dentro de um recipiente, por exemplo.Mudanças climáticas e atividade humanaComo e por que os vetores estão se espalhando tão rapidamente por todo o planeta? O aquecimento global, mas também a atividade humana, explicam em parte a situação, diz a cientista do Instituto Pasteur.“As atividades humanas são a primeira causa da proliferação dos mosquitos e dos vírus transmitidos por esses mosquitos. Esses insetos vivem onde há pessoas. Então, a partir do momento em que moramos no térreo, nas cidades, e mantemos locais propícios para que esses mosquitos reproduzam e piquem os humanos, criamos um coquetel explosivo que vai gerar surgimento de casos urbanos”, diz.O crescimento demográfico, ressalta, cria também um ambiente favorável à doença. A metade da população mundial, observa Anna-Bella Failloux, vive nas cidades e muitas vezes está exposta à precariedade.Os problemas de estocagem, evacuação e abastecimento de água potável também são fatores que facilitam a reprodução do mosquito. Há ainda o aquecimento global, que altera a mobilidade do inseto, fazendo com que ele colonize cada vez mais regiões do hemisfério norte.Quatro tipos de vírusExistem quatro tipos de vírus da dengue, que utilizam os mosquitos como vetores. “Eles se comportam de maneira diferente em relação ao inseto, que não vai transmitir com a mesma eficácia os quatro patógenos. Isso faz que algumas combinações, dependendo do tipo do vírus e do mosquito, sejam mais eficazes”, explica Anna-Bella Failloux.Algumas infecções evoluem para formas mais graves, como a hemorrágica, e podem gerar complicações. Os sinais de alerta são edemas em todo o corpo e sangramentos. Mas, apesar desses riscos, essas situações são relativamente raras e a mortalidade relacionada à doença é baixa, representando menos de 5% dos casos.O infectologista francês Paul Le Turnier atua no Centro Hospitalar de Caiena Andrée Rosemon, na Guiana Francesa. Ele lembra que a vacina Qdenga, já usada no Brasil, deve em breve estar disponível também na Guiana, o que será uma maneira eficaz de lutar contra a epidemia. Além da vacinação, a única maneira de lutar contra o mosquito é mecânica, frisa Le Turnier. Por isso é importante educar a população e realizar campanhas de dedetização. Além disso, há evolução nos tratamentos. “Há pistas terapêuticas com novos antivirais, mas que só devem estar disponíveis dentro de muitos anos”.
Quem precisa de óculos para corrigir miopia, astigmatismo, hipermetropia e presbiopia conhece os limites e a dificuldade no uso das lentes de contato. Já os óculos multifocais, apesar de confortáveis, exigem adaptação e a correção nem sempre é perfeita. Mas, um novo tipo de lente de contato poderá resolver esse problema. Ela foi inventada pelo optometrista francês Laurent Galinier, com a colaboração do Centro Nacional de Pesquisas Científicas da França (CNRS). Taíssa Stivanin, da RFINo início, a ideia de Galinier era ajudar os pacientes que sofrem de uma doença genética chamada Queratocone, que altera a forma da córnea, a enxergar melhor. O especialista francês então inventou uma lente espiral: os feixes de luz giram dentro da lente e criam um vórtice ótico, o que proporciona um foco preciso, independentemente da distância e da claridade.Para aperfeiçoar sua invenção, em 2018 Galinier procurou dois cientistas do CNRS para esclarecer dúvidas em Óptica, a área da Física que estuda os fenômenos associados à luz. Para chegar ao resultado final, a equipe realizou um trabalho de modelização matemática para observar como a luz se propagava, explica Bertrand Simon, que atua no laboratório de Fotônica, Digitalização e Nanociências do CNRS.Esse estudo prévio foi publicado neste ano na revista científica internacional Optica. O protótipo digital das lentes foi produzido por uma empresa especializada, que se associou ao inventor na produção.“Para quem tem presbiopia, e esse é meu caso, usamos lentes multifocais. Dependendo da parte da lente, e da direção do olhar, a correção não será a mesma. Os óculos funcionam, mas há pequenos problemas relacionados à deformação da imagem capturada pela visão”, detalha Bertrand Simon. Durante dois anos, Laurent Galinier e os pesquisadores aprimoraram as lentes espirais. Testadas em 2020, elas criam pontos focais diferentes no campo de visão. Lente multifocais geram deformaçõesO cientista francês explica que a maneira como as lentes multifocais são construídas hoje gera deformações. “Nosso problema é que o olho tem um diafragma, a pupila, que vai abrir e fechar em função da luminosidade. E quando ela abre, ou fecha principalmente, vamos perder a correção do lado externo da lente de contato”, explica. Isso pode ser observado quando a pessoa que usa óculos multifocais olha para o lado ou para cima, por exemplo.O resultado é o surgimento de distorções que podem gerar problemas para dirigir, entre outras dificuldades. “A vantagem da lente que estamos propondo é que criamos uma nova maneira de obter o foco. Isso fará com que todas as zonas de correção, inclusive a externa, sejam capturadas pela lente, independentemente da abertura da pupila. Essa é a grande vantagem. As lentes espirais também podem ser usadas para implantes intraoculares, como é o caso de pacientes que foram operados de catarata e têm um implante no lugar do cristalino”, diz. A invenção já foi patenteada e a previsão é que chegue ao mercado em maio, mas ainda não há detalhes sobre a comercialização. Por hora, os cientistas franceses continuam trabalhando com Laurent Galinier para entender melhor alguns aspectos observados durante os testes com pacientes, explica Bertrand Simon. Um dos efeitos, por exemplo, é a hiperacuidade, ou seja, uma visão superpotente. A correção obtida com as lentes espirais melhora a vista em um nível bem mais elevado do que o proporcionado pelas lentes e óculos comuns.“Gostaríamos de entender isso e temos pistas sobre os elementos físicos que estariam na origem dessa hiperacuidade, mas isso requer bastante trabalho para caracterizar e medir. Está relacionado à Física do vórtice”, explica o cientista francês, que testou o produto. Segundo ele, pelo menos 10 pacientes já testaram o acessório durante o estudo, mas vários voluntários já procuraram a equipe para testar as lentes. O uso do vórtice ótico, lembra, abre várias possibilidades, que incluem o aperfeiçoamento das técnicas de cirurgia refrativa, que usam lasers específicos. "Mas isso ainda deve ser testado em outras pesquisas", resume.
Quatro anos depois do início de uma das piores epidemias da história da humanidade, pesquisadores em todo o mundo continuam analisando a evolução das variantes e outros dados obtidos durante o surto de Covid-19. O objetivo é prevenir e preparar a comunidade internacional no caso do surgimento de uma nova pandemia. Desde o aparecimento do vírus SARS-CoV-2 em dezembro de 2019 até janeiro de 2024, a estimativa é que mais de 360 milhões de pessoas tenham contraído a doença, provocando, oficialmente, cerca de 7 milhões de mortes, segundo a OMS. Mas, na realidade, dados mostram que a Covid-19 matou cerca de 25 milhões de pessoas, isso sem contar os efeitos indiretos da epidemia. Entre eles, o aumento do número de casos de depressão, por exemplo, ou o impacto econômico gerado pelas medidas de lockdown e distanciamento social, no auge da crise.Além disso, a probabilidade da emergência de um novo vírus dessa gravidade aumenta com as mudanças no meio ambiente, provocadas pelo aquecimento global. Neste contexto, a coordenação internacional e científica é essencial, ressalta Arnaud Fontanet, chefe da unidade de epidemiologia das doenças emergentes do Instituto Pasteur. “Progredimos muito e em muitos aspectos. O planeta conheceu uma crise que não ocorria há muito tempo. Os pesquisadores se mobilizaram em todo o mundo e o avanço mais extraordinário foi a descoberta da vacina a base de RNA mensageiro, uma pesquisa que já existia, mas nunca tinha ido para a frente”, disse o cientista em entrevista ao programa Priorité Santé, da RFI.O especialista lembra também que o aparecimento de antivirais como o Paxlovid, que reduz a gravidade dos sintomas e o risco de complicações, representou outro avanço. O medicamento é recomendado para pessoas com mais de 65 anos e outras patologias. “É preciso consultar rapidamente, porque ele deve ser prescrito cinco dias após o início dos sintomas. Nesse caso, o risco de complicação diminui em cerca de 80%”, ressalta. Ele lembra que a Covid-19 não é uma doença benigna, e que, graças às vacinas e aos tratamentos, milhões de vidas foram salvas.Rapidez na propagaçãoO que diferencia a Covid-19 de outras epidemias no passado? A rapidez da propagação do SARS-CoV-2 foi sem dúvida um aspecto inédito, lembra Clotilde Biard, especialista em ecologia evolutiva da universidade Sorbonne e pesquisadora do CNRS (Centro Nacional de Pesquisa Científica da França). Outros vírus, lembra, se espalham atualmente em silêncio, com potencial epidêmico similar ao do SARS-CoV-2. “Há novos vírus e doenças transmissíveis que estão surgindo, relacionadas à atividade humana e ao impacto dessa atividade nos ecossistemas”, diz. Os vírus respiratórios, ressalta, são mais monitorados pelos cientistas porque se propagam mais rapidamente e têm mais potencial epidêmico para “parar o mundo”, como foi o caso do SARS-CoV-2.Risco hipotéticoPara o especialista do Instituto Pasteur, após a Covid a comunidade científica compreendeu as graves consequências que uma pandemia poderia trazer para o planeta em pleno século 21.Esse risco era, até então, hipotético, observa. “Para mim, antes da epidemia, esse era um exercício acadêmico: saber como lidar com o perfil hipotético de um vírus “vilão”, que provavelmente nunca veria na minha vida”, diz.Mas, esse cenário se tornou real e obrigou a comunidade científica a se organizar melhor, ressalta o pesquisador do Instituto Pasteur. Ele lembra que os cientistas, as autoridades e os profissionais da saúde nos hospitais tiveram que enfrentar uma crise inédita.Dinamarca teve a melhor gestãoQuatro anos depois, Arnaud Fontanet afirma que o país europeu que melhor gerenciou a epidemia foi a Dinamarca. O governo "fechou" todo o país antes que os hospitais ficassem lotados. Os dinamarqueses também fizeram uma campanha massiva de vacinação e só relaxaram as medidas de distanciamento com a chegada da variante ômicron, em 2021. Neste momento, a população já estava mais imunizada e preparada para lidar com o vírus. O cientista francês reitera que a Covid-19 continua sendo uma doença grave. “Não temos dados recentes, mas sabemos que em 2022 a Covid-19 matou cerca de 40 mil pessoas, quatro vezes mais do que a gripe sazonal. Também não temos dados de 2023, mas o vírus continua muito presente e não se transformou ainda em um vírus totalmente sazonal. A estação tem uma influência, há um número maior de transmissões no inverno, mas ele se adapta e pode ser transmitido durante todo o ano”, conclui Arnaud Fontanet.
A poucos meses dos Jogos Olímpicos de Paris, o doping genético se tornou uma preocupação concreta dos organizadores, apesar de, até hoje, nenhum caso ter sido oficialmente detectado. A RFI Brasil esteve no laboratório do pesquisador francês Bruno Pitard, em Nantes, no oeste da França, que explicou como as técnicas de manipulação genética tornam essa prática possível. Taíssa Stivanin, da RFIEm abril do ano passado, o Parlamento da França adotou um projeto de lei que autoriza o Laboratório Francês de Antidoping, na região parisiense, a recolher amostras de sangue e realizar testes genéticos mais sofisticados, que poderiam detectar mutações naturais ou outras manipulações genéticas em atletas.Elas incluem as técnicas do uso RNA mensageiro, um tipo de ácido nucleico que sintetiza proteínas e leva a informação para o citoplasma – uma região da célula localizada entre o núcleo e a membrana plasmática. O RNA mensageiro funciona como um manual de instruções que vai ensinar à célula como as sequências de proteínas devem se organizar para exercer uma determinada função orgânica.O termo se tornou conhecido do público durante a epidemia de Covid-19 e o advento das vacinas da Pfizer ou da Moderna, que usam esse modelo para gerar a resposta imunitária em seus imunizantes.Mas, neste contexto, como o doping genético é possível? O engenheiro e biologista francês Bruno Pitard, diretor do CNRS (Centro Nacional de Pesquisas Científicas da França), estuda vetores sintéticos para terapias gênicas e as técnicas de RNA mensageiro há mais de 30 anos. Segundo ele, os avanços dessa tecnologia durante a epidemia, que acelerou pesquisas em todo o mundo, tornaram possível a produção natural do EPO, ou eritropoetina. O EPO é um hormônio formado na medula óssea e produzido principalmente nos rins, em resposta à detecção de baixos níveis de oxigênio no sangue. Como ele oxigena os tecidos, poderia, desta forma, também melhorar o desempenho dos atletas. A molécula isolada de EPO sintética é comercializada há anos e usada principalmente para tratar pacientes com insuficiência renal e anemia, aumentando a taxa de glóbulos vermelhos no sangue.Segundo o especialista francês, a diferença é que, agora, há maneiras de ensinar ao próprio corpo como produzir naturalmente essa substância, graças às novas técnicas de RNA mensageiro, sem necessidade de tomar um medicamento.Mas, esse uso ainda é teórico, já que nunca foram feitos testes clínicos validados em humanos, lembra o cientista francês. Ainda não se sabe também quais seriam os efeitos colaterais no organismo de um atleta que tivesse acesso às ferramentas em laboratório para produzir o EPO utilizando a terapia gênica ou outras técnicas.Experiência em laboratórioHá 15 anos, Bruno Pitard conseguiu fazer com que camundongos passassem a produzir naturalmente o hormônio em seu laboratório na Universidade de Nantes, injetando diretamente o gene do EPO no músculo dos animais. Na época, ele recebeu e-mails do mundo todo interessados na pesquisa, inclusive de uma equipe de ciclistas, “interessados”, na experiência.“Pegamos a sequência de aminoácidos do EPO, fabricamos o RNA correspondente e administramos em animais, injetando-o no tecido muscular”, explica. “Ele começou então a produzir o hormônio, que foi secretado pela fibra e entrou em seguida na corrente sanguínea, chegando à medula óssea e atuando no aumento da produção de glóbulos vermelhos", acrescenta.Acesso difícilConcretamente, como as experiências são restritas aos laboratórios, seria difícil para os atletas ter acesso a essa tecnologia. Uma possibilidade, diz o cientista francês, seria tentar utilizar a mesma plataforma de RNA mensageiro produzida para fabricar as vacinas da Covid-19 para produzir EPO. Mas, neste caso, os atletas colocariam a própria saúde em risco. Um deles seria o desenvolvimento de uma anemia autoimune, por exemplo, já que as vacinas à base de RNA mensageiro foram produzidas para gerar uma reação do sistema imunitário.Para Bruno Pitard, todos esses aspectos tornam o doping genético difícil de ser colocado em prática. Mas ele é possível e, através do uso da terapia gênica, praticamente indetectável. “No caso da terapia gênica, poderíamos ter uma expressão do EPO a médio ou longo prazo. Isso permitiria ao atleta injetar a substância bem antes das competições", observa.Testes em primatasA equipe de Bruno testa, há cerca de dois anos, a injeção do EPO utilizando o RNA mensageiro em primatas, para tratar a insuficiência renal e a anemia. Ele lembra que o artigo ainda não foi publicado e que são necessárias todas as etapas clínicas em humanos para validar o estudo. Mas, nesse caso, a quantidade de EPO poderá ser controlada, não expondo os pacientes a outros riscos de saúde. “Inventamos um vetor que não é similar ao utilizado na vacinação contra a Covid-19, que é formado por partículas de lipídios”, descreve.“Inventamos uma outra classe de vetores sintéticos, que não causam inflamação. E é por isso que, nesse caso, através de um RNA mensageiro que codifica o EPO, conseguimos controlar o número de injeções, a quantidade de hormônio que vai ser expressada e as sequências necessárias. Quando não for mais necessária, a gente pode ou não continuar injetando, evitando a anemia autoimune." Ele reitera que as pesquisas ainda devem passar por testes clínicos em humanos.Para o cientista francês, graças aos avanços da Ciência, o doping genético deixou de ser ficção científica e tornou-se viável. “Há alguns anos isso me parecia futurista, mas é normal que os laboratórios antidoping se interessem pela questão. Aos poucos, nos aproximamos cada vez mais de coisas possíveis e realizáveis nos humanos”, conclui.
Neste ano, cerca de 11 mil novos casos de leucemia serão registrados no Brasil. Pesquisas mostram que o número de doentes cresceu entre 2007 e 2016. Um dos motivos, apontam os especialistas, é a dificuldade em realizar diagnósticos precoces. Taíssa Stivanin, da RFIO cardiologista Eurico Correia, de 67 anos, levou um susto quando descobriu que tinha uma forma de leucemia crônica, em 2011. Sem sintomas, ele só procurou um médico porque percebeu que havia uma pequena alteração em seu hemograma. Ele repetiu o exame, mas só houve consenso sobre o diagnóstico meses depois.“Fiz exames hematológicos, cardiovasculares e um PET-CT, que é uma tomografia do corpo todo para determinar o grau de disseminação de uma doença ou infecção. Demorei entre um mês e meio e dois para concluir todos esses exames e é óbvio que fiquei emocionalmente desgastado. Mas continuei trabalhando normalmente. Afinal, não sentia nada”, contou o médico à RFI.Após todos os exames, o cardiologista descobriu que tinha leucemia linfocítica crônica. Ele conta que foi difícil aceitar o diagnóstico, mas isso nunca o impediu de levar uma vida normal. Após vários anos de convivência "pacífica" com a doença, Eurico Correia teve sintomas como anemia e aumento do baço, controlados com quimioterapia e tratamento oral.Doença silenciosaComo aparece a leucemia? Tudo começa dentro da medula óssea, o tecido que fica dentro do osso. Ali nascem as células do sangue, originárias das células-tronco, que vão se dividindo e se especializando em glóbulos vermelhos, brancos e plaquetas.Quando a leucemia se manifesta, é porque as células imaturas, que ainda não se especializaram, já substituíram as "normais" dentro da medula, do sangue e do sistema linfático.Existem vários tipos de leucemia e a incidência da doença difere de acordo com o tipo e subtipo, explicou o hematologista brasileiro Jayr Schmidt Filho, que atua no hospital A.C. Camargo, em São Paulo.“As leucemias agudas se originam de células imaturas dentro da medula óssea e são doenças mais agressivas. Há, também, as leucemias crônicas, que se originam de elementos de células já amadurecidas da medula óssea no nosso sangue e evoluem de maneira mais lenta”, diz.A classificação também engloba as leucemias mieloides, que se originam de células que produzem globulos brancos, vermelhos e plaquetas, detalha o especialista. Já as leucemias linfoides se originam nos linfócitos – um tipo de glóbulo branco. As combinações ainda incluem outros subtipos e formas da doença menos frequentes, lembra.A leucemia pode atingir crianças, adultos e idosos e cada tipo da doença é mais propício em uma determinada faixa etária. A leucemia mieloide aguda é a que está mais associada à predisposição genética.TratamentoO tratamento depende da forma de leucemia, mas envolve quimioterapia e, às vezes, necessidade de transplante de medula óssea. “A indicação do transplante vai depender da característica e da gravidade da doença, considerando que já se sabe que ela não se resolverá com a quimioterapia e o transplante pode ser necessário. Ele é feito idealmente após a quimioterapia, obtendo a remissão da doença”, explica.O hematologista também lembra que novos remédios revolucionaram o tratamento, como os inibidores de tirosinoquinase. A terapia gênica também é utilizada para tratar algumas formas da doença, como a leucemia linfoblástica aguda. “Temos que prestar atenção aos sintomas de fraqueza e cansaço, e identificar a anemia. Uma anemia não vira uma leucemia, mas é um indicativo de doenças hematológicas, ou de doenças com fatores de risco para leucemia”, conclui.
Ter varizes não é um impedimento para fazer exercícios, explica a cirurgiã vascular Nathassia Domingues, membro da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular. Pelo contrário: a atividade física é uma aliada dos pacientes e deve ser praticada com regularidade, explicou em entrevista à RFI. Taíssa Stivanin, da RFI“Existe um mito de que a atividade física pode piorar as varizes e dilatar as veias, mas é o contrário. Quanto mais a gente faz atividade física, mas trabalha a bomba muscular da perna e melhora nossa circulação”, diz Nathassia. As varizes são veias dilatadas que podem prejudicar a circulação e, sem tratamento, causar problemas sérios para a saúde. “O sangue dentro da veia circula do pé para o coração, ou seja, de baixo para cima e contra a força da gravidade. Ela então tem que fazer esse esforço, principalmente quando trabalhamos sentados ou em pé, para o sangue voltar para o pulmão e continuar circulando pelo coração”, detalha. É por essa razão que medidas simples, como colocar as pernas para cima alivia alguns sintomas relacionados à doença. Entre eles está aquela sensação de inchaço e peso que algumas pessoas sentem depois de passar o dia todo sentadas, por exemplo. “A gente até brinca dizendo que o nosso segundo coração do corpo é a panturrilha. Então quanto mais essa musculatura for trabalhada, melhor será para a circulação”. A musculação é indicada em todos os casos, justamente para reforçar os músculos das pernas, diz. “Para quem tem varizes já instaladas em um estado avançado, atividades de impacto podem piorar a situação. Por isso é importante consultar um médico para avaliar qual será o tipo de exercício mais adequado. Mas, de uma foram geral, todas as atividades estão liberadas e não só podem como devem ser feitas por todo mundo, especialmente pessoas com varizes”, lembra. Graus de gravidadeExistem seis níveis de gravidade das varizes, que começam com pequenos vasos visíveis na perna e depois podem se transformar em feridas que cicatrizam dificilmente.“Começam com vasinhos e depois as veias vão ficando mais saltadas e visíveis. No terceiro grau, a perna vai inchando. No quarto grau, já há complicações como a dermatite ocre. A pressão na veia e no pé é muito alta e há a dificuldade para o sangue retornar para o coração”, explica a cirurgiã. “São manchas amarronzadas de cicatrização difícil e um indício de comprometimento importante na cicatrização da perna. No quinto grau, o paciente teve a ferida e cicatrizou, e o sexto grau é uma ferida aberta, um estágio que obviamente a gente não quer que chegue”, completa. Existe uma predisposição genética que, associada a fatores ambientais, pode desencadear a doença. Entre eles estão o tabagismo, sedentarismo ou sobrepeso.As mulheres também têm mais propensão por conta das oscilações hormonais que ocorrem na gravidez, explica a médica. Além disso, o uso da pílula também favorecer o aparecimento das varizes e até de trombose. O tratamento é feito com anticoagulantes que vão deixar o sangue mais fluido e visa evitar situações graves, como a embolia pulmonar. “As varizes aumentam o risco de trombose, e a medicação, como dizemos de maneira popular, “afina” o sangue. Com o tempo o organismo vai dissolvendo aquele coágulo. A medicação é para a trombose não agravar e para evitar a embolia pulmonar, que é quando esse coágulo que está dentro da veia desprende, corre na circulação e vai para o pulmão. Dependendo do caso, pode ser fatal, e é a complicação que a gente mais teme da trombose”, conclui.
Quantos mitos você já ouviu sobre as crianças superdotadas? A imagem do bom aluno, que tira 10 em tudo, ou que tem um talento extraordinário em algumas áreas, é apenas um dos muitos clichês que cercam as chamadas pessoas com altas habilidades ou inteligência considerada superior – ou seja, acima de cerca de 98% da população mundial. Na vida real, a situação é bem diferente. Os superdotados que passaram por testes elaborados e validados cientificamente, de fato se destacam pelas suas capacidades cognitivas excepcionais. Uma delas é a memória de trabalho, que permite o armazenamento temporário de informações a curto prazo.Mas essa diferença também pode, em alguns casos, ser acompanhada de outras patologias, como o Distúrbio do Déficit de Atenção, por exemplo, com ou sem hiperatividade, além de outros problemas. Essa combinação "explosiva" pode gerar diversas dificuldades, inclusive na escola.Este é o caso do francês Gelis, 12 anos, que apesar das suas capacidades intelectuais brilhantes, também sofre de dislexia e de um distúrbio neurovisual - um desequilíbrio na capacidade de adaptação à luz pelo cérebro que pode provocar distorções na hora de ler um texto, por exemplo. Ele conta que, aos seis anos, consultou uma psicóloga porque “não conseguia ficar parado na carteira." Diante das queixas dos professores, que reclamavam da falta de concentração de Gelis e do fato que ele “nunca terminava o que começava”, os pais chegaram à conclusão de que era necessária uma avaliação médica. Ele então fez um teste de inteligência e a família do garoto descobriu que Gelis, na verdade, tinha altas habilidades, termo que na França é traduzido literalmente como “alto potencial intelectual”.“É uma inteligência diferente da dos outros e não pensamos da mesma maneira que todo mundo. Não sabia o que isso queria dizer e achava simplesmente que eu é que não era normal”, diz o adolescente. Ele tem consciência da sua facilidade de aprendizado, mas isso nunca foi exatamente uma vantagem na escola, onde os dias pareciam longos demais. “A gente aprende devagar e repete sempre a mesma coisa”, reclama.Na quinta série do Ensino Fundamental, Gelis começou a ter sintomas depressivos e começou a se recusar a ir para a escola. Até mesmo a Matemática, que até então era sua matéria preferida, não despertava mais seu interesse. A fobia escolar levou o menino a abandonar os estudos e ele e sua família agora estão em busca de outras soluções.Cérebro diferenteA neurobiologista francesa Béatrice Millêtre é autora do livro “A criança precoce no dia a dia: conselhos para simplificar a vida na escola e no cotidiano”, em tradução livre. Ela lembra que, em geral, a superdotação não está necessariamente associada a outras patologias. Pelo contrário: a maioria dos estudos científicos mostra que os distúrbios mentais são mais comuns na população que tem uma capacidade cognitiva normal.“As pessoas com altas capacidades cognitivas integram aquilo que hoje qualificamos de neurodiversidade. Ou seja, eles utilizam um raciocínio diferente para chegar ao mesmo resultado, utilizando um outro caminho”, explica.Segundo a especialista, uma característica comum a praticamente todos os superdotados é a memória privilegiada. “Sabemos que, em média, uma criança precisa de oito a dez repetições para memorizar um conceito – esse é um exemplo que utilizo com frequência porque ele ilustra bem a situação. Já uma criança superdotada, quando ela ouve, e se a questão interessa, uma ou duas repetições são suficientes”, exemplifica.Essa comparação demonstra como pode ser difícil para uma criança com capacidades cognitivas brilhantes se adequar ao ritmo da escola. Mas, para a neurobiologista, o segredo para facilitar a adaptação está em “usar” a empatia acima da média, que é comum a esse perfil. Explicar, por exemplo, que, para que todos os alunos possam entender o que foi dito, são necessárias muitas repetições sobre um mesmo conteúdo. Esse é um argumento que pode bastar para que os jovens superinteligentes aceitem o "tédio" da situação com mais facilidade.Para o pedopsiquiatra francês Olivier Revol, especialista no tratamento dos Distúrbios de Déficit de Atenção e em superdotação, é importante explicar a essas crianças que elas não são melhores ou piores do que ninguém, apenas diferentes.“É uma criança que tem certas habilidades, que muitas vezes não são homogêneas, com pontos fortes e fracos. Vamos poder ajudá-la, se houver dificuldades, corrigindo um problema de atenção ou de coordenação motora. É comum um superdotado ter problemas para escrever, por exemplo. Nosso objetivo é então fazer com que suas competências sejam mais homogêneas”, explica o especialista.A inteligência é genética, acrescenta Béatrice Millêtre, mas a expressão desse gene, lembra, também dependerá, em parte do meio-ambiente. Uma criança com uma inteligência normal que é estimulada pode ter resultados até melhores do que um superdotado.“Sabemos, de maneira simplista, que o gene da inteligência será inibido em torno de 60% por aquilo que acontece no meio ambiente. Isso significa que uma criança superdotada que cresce num meio onde essa especificidade não é levada em conta, não vai brilhar, não parecerá tão inteligente assim. Ele precisa de um meio favorável para que esse gene possa se expressar”, conclui.