POPULARITY
No país do futebol, ela escolheu o rugby, esporte que mudaria a sua vida. Nascida em Fortaleza, Taís Prioste é a primeira atleta brasileira na história a atuar na primeira divisão da liga francesa de rugby. A RFI conversou com a jogadora do Bobigny, time que treina nos arredores de Paris. Ela conta sobre a adaptação na França e o sonho de disputar a Copa do Mundo feminina pelo Brasil. Taís Prioste vem de origem humilde, sendo a caçula de sete irmãos. Seu pai era mestre de obras, a mãe gerente de reciclagem e desde cedo ela já tinha a consciência da importância de trabalhar e ajudar a família.Foi graças ao convite de uma amiga que Taís começou a treinar rugby, aos 22 anos. Através do esporte, ganhou bolsa de estudos integral na universidade e começou a competir no Campeonato Brasileiro Universitário. A partir dali, passou a se dedicar totalmente ao esporte. Dois anos depois, foi contratada para defender o Montpellier, na cidade considerada a capital do rugby na França. Em 2024, defendeu o Western Force, da Austrália, outro país com tradição no esporte. E no segundo semestre do ano passado, foi contratada pelo Bobigny, nos arredores de Paris. "A minha adaptação está sendo a melhor possível, de uma maneira leve", diz a atleta. "Estou conseguindo me comunicar com mais fluência, isso me ajuda a entender as coisas dentro e fora do campo, nas comunicações em geral. E está sendo incrível jogar rugby aqui. O nosso futebol, aqui para eles é o rugby", explica Taís sobre a paixão dos franceses pela modalidade. "Em 2023, eu joguei pelo Montpellier. Fica no sul da França, mais perto das praias. Mas aqui, a gente tem uma diversidade cultural muito grande. Então, está sendo muito incrível. A França em si me abraçou, mas esse clube tem algo diferente. A gente dá muito as mãos para se ajudar", afirma. A rotina é puxada, com treinos físicos e de campo todos os dias. Ela conta que no tempo livre gosta de viajar e passear pela capital francesa. "Além do sonho de jogar rugby aqui na França, na Europa, todos os países estão pertinho. Dá para visitar tudo... Torre Eiffel, o Arco do Triunfo, esses monumentos que a gente sonha em conhecer. Eu gosto de passear, de viajar para outros países, então é algo muito legal", disse em entrevista à RFI Brasil. Um dos esportes preferidos dos francesesDe acordo com uma pesquisa, o rugby é o esporte preferido de 39% dos franceses, sendo o segundo mais popular do país, depois do futebol. "Então, é muito gratificante e, ao mesmo tempo, você tem mais responsabilidade, porque o campeonato francês tem um nível muito alto, um nível muito puxado para quem nunca pisou aqui, quem nunca viveu", observa. Impulsionado pela medalha de ouro nos Jogos Olímpicos, o rugby sevens está experimentando um crescimento excepcional na França. O rugby feminino também está atraindo interesse crescente, uma tendência encorajadora, à medida em que a Copa do Mundo Feminina de 2025 se aproxima. Os franceses também se identificam com os valores transmitidos pelo rugby, como competição, desempenho, dinamismo, respeito, comprometimento e solidariedade. Esses seis valores representam o que o rugby busca promover: desempenho esportivo aliado ao comprometimento social. "O rugby francês está sendo um divisor de águas", analisa Taís Prioste. "Em 2024, teve as Olimpíadas, em 2023 teve a Copa do Mundo masculina aqui. Então, eu pude pegar um pouco dessa energia da Copa do Mundo e foi algo surreal", conta. "Antes, eu era muito fã de futebol, agora eu sou muito fã de rugby. Então, imagina você ter uma admiração enorme pelo seu time: sou eu hoje em dia com o rugby", compara. "Focada"A RFI também conversou com Renaud Torri, um dos técnicos do Bobigny. Ele fala sobre as qualidades da atleta brasileira. "A Taís é muito profissional. Ela chega antes do treino, faz o treino que precisa na academia, faz os aquecimentos sozinha, é muito focada", destaca. "Ela traz a cultura do alto rendimento, do alto nível para o clube. Ela é uma jogadora muito poderosa, muito forte. E fora do campo, é uma menina muito agradável, ela traz muita alegria para o grupo", continua. O treinador ainda analisa o que significa para uma estrangeira jogar no rugby francês. "Para mim, significa que se você é boa e se você se dedica, você consegue as coisas. Porém, acho que é mais difícil se você nasce no Brasil do que se nasce na França. E até na França, se você nasce no Sul vai ser mais fácil, porque é uma terra de rugby, do que onde estamos, em Bobigny", explica. Enfrentar a França Outra curiosidade na carreira de Taís é que, no Brasil, é comum que as principais atletas de rugby se dediquem à modalidade sevens, que integra o programa dos Jogos Olímpicos. Porém, Taís preferiu competir exclusivamente na modalidade XV, considerada a mais tradicional do esporte.Pelo currículo internacional, Taís Prioste é considerada uma das principais jogadoras da Seleção Brasileira de rugby XV e foi peça fundamental na classificação inédita das Yaras, como são conhecidas, para a Copa do Mundo Feminina deste ano, na Inglaterra. O evento acontecerá de 22 de agosto a 27 de setembro e pela primeira vez na história terá a participação de uma seleção da América do Sul. O Brasil conquistou a vaga após vencer a Colômbia nas eliminatórias.O Brasil está no grupo D, ao lado de África do Sul, Itália e França. "As minhas expectativas estão lá em cima", diz a jogadora. "Apesar do Brasil estar debutando no Mundial, vai ser o maior desafio de todos os tempos", acrescenta. "Mas eu acredito muito no trabalho duro que o grupo está fazendo como equipe. Nós tivemos muitos amistosos até agora e ainda tem mais alguns por vir antes da Copa. Dá um pouquinho de nervoso, mas a gente acredita no trabalho de todos os envolvidos e do nosso treinador Emiliano. Mas a trajetória até aqui não foi fácil", aponta. Perguntada sobre o fato de competir contra a França, país que a acolheu, ela garante que o coração é verde e amarelo. "Nessa hora, você é muito brasileira, porque a gente sabe que o Brasil tem muito a evoluir. Ele não tem uma tradição do rugby como a França. Então é um gostinho mais especial. Dizer que eu estive na Copa do Mundo pelo Brasil, é o sonho mais alto", revela. O clube de Taís ficou orgulhoso com a convocação. "A gente está muito feliz, a gente tem muito orgulho disso", afirma o técnico Renaud Torri. "Nós temos meninas de vários países no clube, tem argentina, tem a Taís que é brasileira, tem italiana, tem holandesa, tem espanhola e a gente tenta fazer o melhor para elas conseguirem a seleção nacional", completa. Porém, Torri sabe que vencer da França será difícil. "O rugby não é como o futebol, em que todo mundo pode ganhar de todo mundo, e num jogo tudo pode acontecer. No rugby é mais difícil", explica. "Acho que o Brasil pode dar trabalho para a França, mas ganhar eu acho muito complicado. As meninas da Seleção Francesa são todas profissionais e a competição é desequilibrada com as condições de treino", continua. Mensagem a outros atletasSatisfeita de suas conquistas na França, será que Taís tem saudades de casa? "Desde o momento que eu saí de Fortaleza, em todos os cantos do mundo, eu tenho saudade", confessa. "Tem recordações de momentos bons. Mas, ao mesmo tempo, eu penso que é uma causa maior. É por mim. É uma visão de vida, porque o esporte mudou a minha vida. Ele abriu as portas, literalmente", comemora.A cearense deixa uma mensagem para as meninas que sonham com uma carreira de sucesso no esporte. "Eu diria que acreditem no seu trabalho, que o trabalho duro compensa o talento", afirma. "Ele abre portas. Foi assim que eu cheguei aqui, trabalhando duro, mostrando o que eu queria todos os dias e nunca parei", finaliza.
Em 2007, a mãe do engenheiro mecatrônico francês Bertrand Duplat morreu vítima de um gliobastoma, um câncer agressivo do cérebro. A localização do tumor impossibilitava uma operação. Para Bertrand, foi difícil aceitar que nada poderia ser feito para aumentar seu tempo de vida, que neste tipo de câncer raramente ultrapassa os cinco anos. Taíssa Stivanin, da RFI em ParisO luto impulsionou o engenheiro francês a concretizar um projeto: a criação de um dispositivo semiautônomo que pudesse “passear” pelo cérebro e ajudar os médicos nas cirurgias e tratamentos de doenças neurodegenerativas, como a doença de Parkinson ou o mal de Alzheimer. Foi assim que surgiu a empresa Robeauté, que, em tradução literal, significa “Beleza dos Robôs”. A startup foi fundada em 2017 pelo engenheiro francês e a executiva brasileira Joanna Cartocci, diretora de operações da marca, filha de mãe baiana e pai italiano, intérprete em seis idiomas e radicada na Europa desde os cinco anos. Joanna explicou em entrevista à RFI Brasil como esses pequenos robôs, do tamanho de um grão de arroz, poderão revolucionar a vida dos pacientes. "Hoje os cirurgiões quando operam o cérebro são limitados pela rigidez das agulhas. No caso de tratamentos com medicamentos, eles não chegam ao cérebro com a dose e a precisão necessárias para tratar várias doenças, sejam elas tumores, distúrbios neurodegenerativos, como Parkinson ou Alzheimer, ou doenças psiquiátricas”, explica.Concebido e aperfeiçoado com a ajuda de neurocirurgiões ao longo dos últimos oito anos, os micro robôs podem chegar ao mercado até 2030. A equipe desenvolve o produto ao lado de cerca de 70 especialistas em Neurologia, como cirurgiões, clínicos e pesquisadores. Os testes em laboratório estão sendo realizados em grandes centros, como o hospital Pitié La Salpetrière, em Paris. A equipe também colabora com vários estabelecimentos nos EUA. Os testes clínicos com humanos devem começar no próximo ano, em diferentes hospitais.“As ferramentas que os médicos têm à disposição atualmente são agulhas, cateteres que avançam no cérebro em linha reta, em apenas uma dimensão”, explica Joana. A precisão das intervenções cerebrais então esbarra atualmente na falta de tecnologia disponível e o objetivo do dispositivo é justamente preencher essa lacuna.Como funcionaO micro robô é dividido em duas partes. “Tem uma parte inicial, que é o transportador, e a parte final, que é a extensão. No transportador, acrescentamos vários elementos tecnológicos e inovadores. Dentro dele, tem um micromotor, de 0.8 milímetros de diâmetro e o robô inteiro mede 1.8 milímetros de diâmetro. Ele é feito para navegar de maneira não-linear dentro do cérebro”.O dispositivo é colocado no cérebro através de uma incisão na cabeça de cerca de cinco milímetros de diâmetro. Um lançador é então posicionado sobre o oríficio e o dispositivo é injetado dentro do cérebro. “Ele vai navegar em uma trajetória pré-definida pelo cirurgião, para atingir uma ou mais áreas, e voltará pelo mesmo caminho. Um fio torna sua localização mais visível e ele sabe ir para frente e para trás”, especifica Joana. O micro robô não é pilotado pelo cirurgião, mas ele pode controlá-lo manualmente se for preciso. Uma vez 'instalado', o dispositivo navega no ambiente neuronal, que é protegido pela barreira hematoencefálica – uma membrana permeável que protege o cérebro de substâncias nocivas. Essa membrana também limita a passagem dos medicamentos – um dos problemas que o micro robô vai solucionar nas intervenções, as tornando minimamente invasivas de uma maneira geral. Outra função importante agregada ao dispositivo é a realização de biópsias. “Estamos testando o micro robô em ambientes pré-clínicos, ou seja, nos animais. O objetivo é iniciar os testes em humanos já no ano que vem. Vamos começar com a biópsia, porque é uma prova de conceito que funciona bem e com um risco menor”, descreve Joana. “O valor de uma tecnologia como essa é fazer três coisas de uma só vez: diagnosticar, com a biópsia, tratar, levando ou remédios ou a ferramenta necessária, e monitorar: poder ficar mais tempo dentro de um cérebro patológico, para entender se o remédio teve a difusão ou penetração necessária nos tecidos, para poder tratar essas doenças", conclui.
A equipe do cientista húngaro Dezső Németh, do Centro de Pesquisas em Neurociências de Lyon, na França, mostrou que as distrações pontuais, que surgem enquanto estamos ocupados, podem ser úteis na aquisição de certas habilidades, como aprender um novo instrumento ou idioma. Taíssa Stivanin, da RFI em ParisEstudos mostram que os seres humanos passam entre 30% e 50% do tempo divagando. Nessas horas, nossa atenção desvia do ambiente e da atividade que estamos realizando e criam “vida própria”. “Agora, por exemplo, durante a entrevista, você está falando comigo e me ouvindo, mas ainda assim, provavelmente está pensando em outras coisas que não estão relacionadas com a nossa conversa”, explicou o neurocientista Dezső Németh à RFI Brasil.Durante a execução de uma tarefa, mesmo se estamos totalmente concentrados, há momentos em que desligamos e nossos pensamentos se desconectam do que estamos fazendo. Os cientistas chamam esses períodos de “vagabundagem mental”, ou mind wondering, em inglês.“Durante cerca de 50 anos, a Ciência mostrou que este estado prejudicava a cognição, porque afetava a atenção”, diz o neurocientista. Os estudos mostraram durante décadas, ressalta, que esses momentos de distração poderiam afetar a memória de trabalho, um componente essencial da função executiva no cérebro. Ela é responsável pelo armazenamento temporário da informação pela memória de curto prazo e sua manipulação verbal ou visual. “Por exemplo, na escola, os alunos devem ouvir o professor está dizendo. Mas se estão no mundo da Lua, isso pode ser visto como um problema, porque não estão prestando atenção. Talvez por essa razão, não poderão executar a tarefa perfeitamente”, exemplifica.Outras pesquisas realizadas ao longo das últimas décadas, diz o cientista húngaro, comprovaram que esses momentos de distração influenciam também na produtividade dos adultos. Elas concluíram que, em excesso, a "vagabundagem mental" poderia até mesmo afetar o PIB e a economia, porque impedem o foco no trabalho, diminuindo a produtividade.O neurocientista húngaro questionou quais seriam os pontos positivos desses momentos em que nossos pensamentos derivam independentemente da nossa vontade. Para isso, ele e sua equipe recrutaram 135 pessoas para participar de testes online. Durante o exercício, uma imagem aparecia e desaparecia logo em seguida em uma das quatro janelas da tela. Os voluntários tinham que adivinhar em qual dos espaços vagos ela surgiria novamente.Questionados sobre o foco e o surgimento de pensamentos aleatórios durante a atividade, 117 participantes relataram ter pensado em outros assuntos pelo menos uma vez. A pesquisa mostrou que esses voluntários que divagaram durante o teste tiveram melhores resultados em comparação aos participantes que permaneceram focados, tentando entender, de forma consciente qual seria a sequência de aparecimento do desenho na tela. Aprendizagem implícitaA conclusão foi que sonhar acordado favorece a chamada aprendizagem implícita e as conexões cerebrais com o ambiente. “Você aprende mesmo sem perceber que está aprendendo alguma coisa. Nosso cérebro sempre está tentando descobrir modelos e estruturando o ambiente”, explica o neurocientista.Segundo o pesquisador, a aprendizagem implícita propiciada por essas distrações pontuais facilita a aquisição de novas habilidades, como tocar um instrumento, praticar um novo esporte ou aprender um idioma. Agora são necessárias mais pesquisas para determinar até que ponto esses momentos de divagação influenciam o processo de aprendizagem implícita apenas de forma positiva, ou se isso pode ser variável. É preciso diferenciar também, diz Dezső Németh o que acontece no cérebro durante a aquisição de conhecimentos totalmente novos e o aperfeiçoamento de competências já existentes.Consolidação da memóriaO processo cognitivo que envolve a "vababundagem mental" está conectado ao da consolidação da memória, que acontece durante o sono. Durante o estudo, a equipe do cientista húngaro também notou semelhanças entre esse estado mental e os observados no cérebro enquanto estamos dormindo, que ocorrem no córtex pré-frontal. “Esse processo cerebral está conectado ao fenônemo que chamamos em Neurociências de replay. Isso significa que, se você está executando uma tarefa em um determinado momento e começa a divagar, seu cérebro inconscientemente vai continuar repetindo essa tarefa, e isso vai ajudar na consolidação da memória”, explica o cientista húngaro.A hipótese da equipe, que ainda precisa ser comprovada, é que o cérebro simula as informações que estão chegando, e as reproduz como se estive rebobinando um filme. Durante esse processo, a aprendizagem provavelmente seria reforçada. É preciso também investigar, diz o pesquisador como as emoções envolvidas nos pensamentos que surgem enquanto estamos ocupados interfereria nesse processo.
Uma comitiva técnica da Secretaria de Estado da Cultura do Paraná (SEEC) está em Paris até domingo (16) para tratar do projeto de construção do Museu Internacional de Arte de Foz do Iguaçu, em parceria com o Centre Pompidou. O projeto da primeira filial do tradicional centro cultural francês no continente americano terá um investimento previsto de R$ 200 milhões e a obra deve ficar totalmente pronta em 2027, de acordo com o Governo do Paraná. A RFI Brasil conversou com Luciana Casagrande Pereira, secretária estadual da Cultura paranaense para saber mais detalhes sobre a iniciativa. Maria Paula Carvalho, da RFI em ParisA comitiva brasileira desembarcou na capital francesa na segunda-feira (10) para reuniões, workshops e visitas técnicas com equipes do Centre Pompidou para troca de experiências, planejamento e diretrizes de concepção do novo espaço dedicado à arte no oeste do Paraná. As negociações com a instituição francesa começaram em 2022. O museu brasileiro será um espaço pluridisciplinar, abrangendo artes visuais, cinema, música e dança, consolidando-se como um centro cultural dinâmico no país. “Para a gente, é uma grande oportunidade. É uma visibilidade para os nossos artistas. É uma entrada no circuito internacional de arte e é importante para a população ter acesso a esse acervo importante que o Pompidou tem, mas sempre dialogando com o nosso território”, destaca Luciana Casagrande Pereira, secretária da Cultura do Paraná. “Não é um Pompidou que chega exatamente como o da França e se instala na nossa região. O projeto científico foi concebido entre a nossa equipe e a equipe do Pompidou, mas ele nasce do zero. Sobre as exposições, o que vai ser apresentado, ainda estamos iniciando essa construção”, explica. O projeto arquitetônico da primeira sucursal de um dos mais famosos espaços de arte moderna e contemporânea de Paris na América terá a assinatura do arquiteto paraguaio Solano Benítez. “Ele é um arquiteto internacional, que já ganhou o Leão de Ouro na Bienal de Arquitetura de Veneza e que conhece a nossa região”, diz Luciana Casagrande Pereira sobre a escolha do autor. “Ele respeita muito o território, entende a nossa cultura, como nos comportamos ali”, acrescenta. “Tenho certeza de que será um orgulho não só para nós paranaenses e brasileiros, mas para os países vizinhos também”, completa. A ideia é de que a natureza seja um elemento central no conceito arquitetônico do edifício, que ficará a cerca de 10 minutos de carro do Parque Nacional do Iguaçu, onde estão as famosas cataratas do Iguaçu. “Solano Benítez tem um estilo. Ele trabalha com o tijolo, que é um material milenar, que não tem nada de inovador, mas a técnica que ele usa é muito inovadora”, revela a secretária de Cultura. “Nós não vamos importar material de nenhum outro país. Nós vamos construir com a nossa matéria-prima, que é a terra”, comenta. A construção será feita em um terreno de 24 mil metros quadrados cedido pela CCR Aeroportos, empresa responsável pela administração do aeroporto de Foz do Iguaçu. “Eu não digo que é complexo, eu digo que é desafiador, é instigante”, afirma Luciana Casagrande Pereira. “Tem o projeto arquitetônico, mas você tem a preparação da cidade, da região, a sensibilização das pessoas, da comunidade, para receber. Tem a questão jurídica, financeira, tudo que um projeto deste tamanho envolve. Mas temos obtido muito sucesso em todos esses desafios e estamos muito animados”, acrescenta. “É um projeto grande, de 10.000 metros quadrados e nós estamos planejando as inaugurações em algumas fases. Pretendemos entregar o museu completo em 2027, mas em 2026 nós já teremos uma algumas partes abertas”, antecipa. A secretária de Cultura explica por que Foz do Iguaçu foi escolhida para abrigar a nova sede do Centre Pompidou. “Eu acho que há o interesse pela região de tríplice fronteira. Além disso, o Paraná passa por um momento de muita segurança jurídica”, continua. “Nós somos o primeiro estado em educação, o que é bem importante. É uma região muito fértil, onde nós estamos plantando este projeto. Então, acho que é uma somatória de valores”, conclui. O avanço na concretização do museu acontece em um ano chave para o Centre Pompidou de Paris, que fechou as portas, na segunda-feira à visitação nas salas de exposição permanentes para passar por uma grande reforma que deve durar cinco anos. Até setembro de 2025, o local abrigará ainda pequenas exposições temporárias, antes de interromper totalmente o seu funcionamento para a realização de um projeto colossal de restauração, cuja remoção do amianto será a parte mais demorada. A previsão é de reabertura em 2030. “Neste período de metamorfose do Pompidou estaremos ainda mais presentes no Brasil e no Paraná, será um momento crucial para todos nós, estamos muito felizes com este projeto”, afirma Laurent Le Bon, presidente do Centre Pompidou, citado pela equipe paranaense presente em Paris. Uma comitiva do centro de artes francês, incluindo o presidente da instituição, esteve no Brasil em julho do ano passado para conhecer o espaço e definir detalhes do projeto de construção. Na ocasião, também foi feita a assinatura de parceria de colaboração técnica para a construção do museu no Paraná. Para Alice Chamblas, chefe de desenvolvimento internacional do Centre Pompidou, o Paraná tem uma paisagem cultural muito rica, especialmente na capital Curitiba. “Mas entendemos que é um desejo do Governo do Estado equilibrar essa paisagem, fortalecendo a cultura em outras regiões e o projeto do Museu Internacional de Arte de Foz do Iguaçu vem exatamente a esse encontro”, afirma a francesa, também citada pela equipe brasileira. Carolina Loch, diretora de implantação do Museu Internacional de Arte de Foz do Iguaçu, explica que o acervo do museu estará muito conectado ao território onde o prédio será construído. Porém, os visitantes irão encontrar peças importantes da coleção francesa. “O museu terá um foco muito grande na América Latina, em especial nos países da tríplice fronteira, ao mesmo tempo em que teremos trabalhos que já são apresentados ao público na Europa, a partir da coleção do Pompidou, estabelecendo novas narrativas”, explica Loch. A vinda da missão paranaense à Paris ocorre em um momento simbólico, já que 2025 marca o Ano do Brasil na França e o Ano da França no Brasil. “Eu acho que dá mais destaque. Ele não foi pensado para isso. Mas certamente é uma grande ação, tanto para o Brasil quanto para França”, afirma a secretária de Cultura do Paraná. Sobre o Centre Pompidou Mais do que um museu de arte em Paris, o Centre Pompidou é um complexo cultural efervescente, que abriga biblioteca, ateliê de escultura, cinema, dança e um centro de estudos musicais e acústicos. O edifício, localizado no coração da cidade, chama a atenção pelos traços da construção, como a tubulação colorida, escadas rolantes visíveis e vidro e aço que cercam a estrutura, com vista para diversos cartões postais da capital francesa. O projeto imaginado pelos arquitetos Renzo Piano e Richard Rogers, a pedido do então presidente francês Georges Pompidou, destoa do resto da arquitetura em uma região conhecida por seus prédios que datam de outro século e chegou a ser chamado de “máquina horrível” durante a sua construção. Inaugurado em 1977, o Beaubourg, como é carinhosamente conhecido, possui um rico acervo de arte moderna e contemporânea de cerca de 140 mil obras, de 1905 até à atualidade. Considerado um dos principais espaços de exposição de arte moderna e contemporânea do mundo, o Pompidou compete com o MoMA de Nova York para saber quem tem a maior coleção do planeta. O complexo cultural abriga peças de artistas como Pablo Picasso, Joan Miró, Salvador Dalí, Frida Kahlo e Francis Bacon. Com o fechamento temporário, uma parte de sua impressionante coleção será exibida no Grand Palais, também em Paris, assim como nas filiais do Pompidou fora da capital francesa, como na cidade de Metz, no leste da França, ou no exterior, como em Málaga, na Espanha, em Xangai, na China e, em breve, em Bruxelas, na Bélgica. Outra parte das obras será exposta em um polo artístico previsto para ser inaugurado em 2026, em Massy, a 30 minutos ao sul de Paris.
Em sua passagem recente pela França, onde disputou a Copa Davis pelo Brasil, o tenista João Fonseca revelou uma de suas armas para o bom desempenho nas quadras. O carioca que vem sendo considerado um dos nomes mais promissores do tênis internacional na atualidade é praticante de yoga, e relata os benefícios antes das partidas. A RFI Brasil entrevistou profissionais da área e esportistas e revela como essa prática milenar tem se mostrado uma ferramenta eficaz no mundo dos esportes. Maria Paula Carvalho, da RFI em Paris A rotina de exercícios, respirações e meditação complementa os treinos, com bons resultados dentro e fora das competições. O yoga é uma filosofia de vida milenar surgida na Índia há cerca de 5 mil anos e sua prática está relacionada à saúde, bem-estar e melhoria na qualidade de vida. A cada ano, cresce também o número de atletas e times que o utilizam para aperfeiçoar seu desempenho, em especial, para aumento da concentração, autoconfiança e capacidade de realização de objetivos. "Desde que eu era pequeno, o meu pai fazia yoga com o mestre Orlando Cani, que trabalhou com Rickson Gracie do jiujitsu", conta João Fonseca, que decidiu incluir o yoga em seus treinamentos. "Eu conheci ele desde novo, mas nunca fui tão interessado", diz. "Quando fui crescendo mais no tênis, eu fui praticando nos jogos mais difíceis, em que eu sentia mais pressão. Fui criando rotina de meditação e respirações. Atualmente, antes de todos os jogos, eu procuro fazer respirações para me manter mais calmo", afirma. Jogadora da Seleção Brasileira de rugby, Aline Furtado também é adepta do yoga. Aos 29 anos, a atleta olímpica conta "os efeitos terapêuticos" que diz sentir com a prática. "Eu comecei no yoga através da meditação. Assim que eu entrei no alto rendimento do rugby, foi um momento meio conturbado, muita ansiedade pré-jogo e eu usava a meditação como uma forma de me tranquilizar, tirar o nervosismo, voltar para o momento presente, tirar os pensamentos do futuro. Aos poucos, eu fui indo para as posturas, junto com a respiração, e foi muito importante", revela. "Hoje eu tento praticar yoga nos finais de semana. Isso me ajuda a fazer mobilidade ativa, pois o rugby deixa o corpo muito tensionado e rígido", diz. "Isso me ajuda a ter atenção plena no que estou vivendo", conclui.Benefícios comprovadosDisciplina milenar, até então praticada por pessoas consideradas “zen”, o yoga agora é reconhecido pela ciência. Os pranayamas – a respiração – e os asanas – as posturas – que fazem parte da raiz do yoga foram incorporados a inúmeras vertentes da prática.A primeira pesquisa que comprovou os benefícios do yoga para a saúde como um todo foi publicada em 1924. Na época, os indianos queriam provar aos ingleses a eficácia dessa ciência milenar. Atualmente, mais de quatro mil estudos científicos evidenciam os benefícios da prática.Instrutora de yoga há mais de 20 anos, Letícia Portella explica que "a prática proporciona o desenvolvimento físico, emocional e mental do atleta". Ela desenvolveu um método usando técnicas que beneficiam esportistas para terem um maior rendimento em competições, citando como benefícios "o alongamento, tônus muscular, concentração, capacidade pulmonar, resistência corporal e qualidade de vida de modo geral". No caso específico de esportistas de alto rendimento, o yoga "reduz a ocorrência de câimbras e lesões, melhora a consciência corporal, auxilia nos reflexos e na tolerância à dor, melhora a capacidade cardiorrespiratória e o fôlego, além do ganho de elasticidade e mais flexibilidade nos movimentos", garante a professora. "E isso não é só para o corpo, mas também para a mente", completa. De olho nessa tendência, Portella implementou um projeto de yoga voltado para cavaleiros na Sociedade Hípica Brasileira, no Rio de Janeiro, onde morou antes de se mudar para a Holanda, país em que continua atuando na área. Entre alguns nomes que conheceram o yoga através de suas aulas estão os cavaleiros Fábio Leivas, Doda Miranda, Marlon Zonatelli e Luiz Felipe Azevedo, que fez uma consultoria com Letícia em seu haras, na Bélgica, para conquistar autonomia na prática. No caso específico do hipismo, ela explica que "quando o atleta está nervoso, estressado, ele passa tudo isso para o cavalo", que também terá a sua performance afetada. "Eu tenho muitos atletas de hipismo que fizeram aula comigo e contam como que eles usam as técnicas de respiração, de meditação. Quando você sente que está com a respiração agitada, tem uma respiração que você faz na hora que já desacelera, já reduz o seu ritmo cardíaco", ensina. "Os atletas que fazem yoga não divulgam muito. Isso é um trunfo, é um diferencial, porque eu percebo que é um segredinho deles", brinca a professora, com certificado em "gerenciamento da felicidade" pela Harvard Business School. O surfista de ondas grandes Eraldo Gueiros treinou com a professora em duas pré-temporadas para competições no Havaí, em 2005 e 2006. As atletas do remo do Brasil Fabiana Beltrame, Kissya Cataldo e Luana Bartholo também se beneficiaram do método de yoga oferecido por ela como complemento de treinamento antes dos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012. Outros esportistas que praticaram com Letícia foram o lutador Rodrigo Minotauro e o jogador de futebol Rodrigo Juliano. Também conhecido como Rodrigo Beckham por sua semelhança ao ídolo do futebol inglês, o ex-atleta, que já atuou em clubes como Botafogo, Vasco da Gama, Santos e Corinthians, contou à RFI que começou a praticar yoga para se recuperar após uma cirurgia no joelho."Os esportes fazem com que você tenha um caminho muito solitário, onde você precisa aprender a ter disciplina, competir contra você mesmo, desenvolver uma gestão emocional, e um dos maiores fantasmas dos esportes são as lesões que a gente enfrenta", diz. "E como desde cedo eu enfrentei algumas lesões, aos poucos eu vim tendo a oportunidade de conhecer ferramentas que nos davam oportunidade de ter uma concentração maior, um foco maior, e foi aí que o yoga entrou na minha vida", revela. Após os resultados positivos, em 2008 ele levou o método para seus companheiros de time, na época o Boa Vista, do Rio de Janeiro. "A gente fez um trabalho para conectar cada jogador com ele mesmo e com o grupo, de forma coletiva. E apesar de ser uma ferramenta nova, que então não era muito usada no Brasil, funcionou muito bem e a gente conseguiu resultados excepcionais", conta. "Na alta performance, o yoga consegue fazer com que você una as suas faculdades dentro do esporte para ter um melhor desempenho, pois você começa a ver as coisas com mais clareza, além de ter mais concentração para tomar decisões", observa. Atualmente, Rodrigo Juliano mantém o yoga em sua rotina. "É um benefício invisível. Eu procuro praticar de manhã para começar o dia em paz, com exercícios para conectar a parte muscular com a respiração, para sair de um estado perturbado para um estado consciente", conclui. Seja qual for a modalidade de yoga, as experiências relatadas mostram que a prática nascida no Oriente tem sido uma aliada para a saúde global e bom desempenho de atletas em todo o mundo.
Um dos cinco focos do Fórum Econômico de Davos este ano é impulsionar soluções para o enfrentamento da crise climática para “salvar o planeta”. Os revezes na política ambiental dos americanos já começaram no primeiro dia da volta de Donald Trump à Casa Branca, mas muitas empresas garantem que não darão marcha à ré neste processo – e o Brasil poderá se beneficiar dessa movimentação de recursos. Lúcia Müzell, enviada especial da RFI Brasil a DavosO governo brasileiro foi à Suíça para vender o potencial do país e atrair investimentos – contando também com a fuga de alguns deles dos Estados Unidos nos próximos quatro anos. "Eu acho que o retrocesso na agenda ambiental e climática é ruim, não importa se você tem oportunidades ali ou não. Nós não temos tempo: precisamos fazer as coisas com velocidade”, destacou Roberto Azevêdo, ex-diretor-geral da Organização Mundial do Comércio e que agora atua em investimentos na economia verde."A temperatura está subindo e o fato de o Brasil eventualmente se beneficiar de uma coisa ou outra é importante, é bom para o país, mas não devemos celebrar muito, não. O que nós queremos é que a agenda ambiental e climática caminhe, e caminhe rápido”, disse Azevêdo, presidente global de operações da Ambipar, multinacional líder de soluções ambientais para as cadeias de negócios.O Brasil é uma potência ambiental pelas suas florestas, biodiversidade, clima e matriz energética. Além disso, acumula conhecimento científico e tecnológico nestes setores, incluindo o que há de mais moderno em agricultura sustentável e monitoramento de desmatamento."Acho que todos os setores precisam participar desse processo. Obviamente, o Brasil é uma liderança em energia limpa, mas a gente vem avançando em uma agricultura com recursos vindos de economia circular, com integração, agrofloresta”, complementou o vice-presidente de sustentabilidade da Ambipar, Rafael Tello. "Temos aí uma série de oportunidades.”O Instituto Arapyaú, filantropia com mais 15 anos de atuação, faz a ponte para viabilizar projetos de bioeconomia e soluções baseadas na natureza. A CEO Renata Piazzon aposta que "um vácuo" vai ser deixado pelos Estados Unidos, e avalia que a realização da COP 30 esse ano no país coloca o Brasil em um momento de "muita relevância".“A gente é a única filantropia brasileira que faz parte de um grupo maior de filantropos, Funders Table, que investe mais de US$ 4 bilhões na agenda de mudanças climáticas. Já teve sinalizações de mudança de uso do recurso para países em desenvolvimento – muito do recurso da filantropia global em clima que seria usado para apoio a projetos nos Estados Unidos, parte dele deve migrar para outros países emergentes”, avaliou. "Eu acho que esse é o caso do Brasil, então acho que é um ano que a gente precisa mostrar soluções, coisas que já deram certo e que o Brasil já colocou em escala. Restauração é uma das coisas”, frisou.Desconfiança nos projetosAgroecologia, agricultura regenerativa e soluções tecnológicas para um agro mais sustentável, como biofertilizantes, também têm potencial de atração, sublinha Piazzon. Mas nos diferentes painéis sobre o tema em Davos, dois bloqueios para apostar no país foram repetidamente evocados: confiança nos projetos e segurança regulatória, jurídica e institucional.“Nada disso vai acontecer de forma natural e espontânea. Não é uma dádiva divina. Você tem os recursos, mas você precisa ter políticas públicas que ajudam nesse sentido”, explicou Azevêdo. "Precisa ter um ambiente internacional que favoreça o trânsito dos serviços e mercadorias que são transacionados na economia verde brasileira e para o mundo. E, sobretudo, precisa trazer para o exterior uma narrativa mais sofisticada sobre o que acontece no país”, notou.A Re.green é uma das empresas que atua para atrair capital privado para a restauração de florestas no Brasil. O CEO Tiago Picolo reconhece que "não é fácil” transmitir a segurança da qual os investidores precisam."Pelo lado da iniciativa privada, eu acho que você precisa ter uma proposta de valor e uma equipe muito bem estruturada. Não tem segurança política suficiente para compensar um projeto mal feito ou pessoas que não têm experiência ou não estão estruturadas, uma equipe estruturada para fazer isso”, disse. "Na Re.green, a gente focou muito nisso, em trazer os cientistas que realmente conhecem do assunto, trazer as pessoas da área florestal para gerar essa segurança."Leia tambémCOP29: gastar mais em energias fósseis do que na transição "é suicídio planetário", diz Carlos NobreRenata Piazzon, do Instituto Arapyaú, recomenda que o país consolide um a visão de longo prazo sobre a sustentabilidade, independentemente do governo no Planalto."O Brasil precisa olhar para além de COP 30, porque o mundo não acaba em Belém. Falta a construção de uma visão de país para os próximos dez anos, a visão do Brasil que vai estar aí depois das eleições de 2026”, afirmou.Interesse no mercado de carbono brasileiroA perspectiva do mercado regulado de carbono é outro aspecto que impulsiona o fluxo de recursos externos para o país desenvolver projetos socioambientais. No fim do ano, o governo aprovou no Congresso e sancionou a lei que cria as bases para essas transações.Pela sua diversidade ambiental, o Brasil é apontado como o país com maior potencial do mundo na geração de créditos. Durante o fórum, a Microsoft anunciou a ampliação de um projeto de restauração de áreas de floresta nativa na Mata Atlântica e na Amazônia, passando de 16 mil para 33 mil hectares."Não é uma coisa de curto prazo, vai demorar. Passou uma lei, mas tem um monte de regulamentações que têm que ser desenvolvidas nos próximos anos. Mas é um sinal bem positivo”, comentou Tiago Picolo.Leia tambémEm Davos, ministro Silveira diz que Brasil abrirá mão do petróleo quando países ricos cumprirem promessasMas para que este mercado realmente funcione – e não seja apenas uma espécie de licença para as empresas continuarem a emitir livremente gases de efeito estufa –, é preciso garantir a integridade da oferta e da demanda dos projetos."Esse negócio da baixa integridade no mercado é uma faca de dois gumes, porque, por um lado, muitas pessoas – as empresas – ficam fora do jogo, sentam no banco de reserva esperando para entrar no campo, e me gera um trabalho de ter que explicar como é que eu me diferencio”, observou. "Por outro lado, quem quer estar no jogo aumentou muito o sarrafo, então são poucos que conseguem transmitir essa confiança, essa integridade."Rafael Tello salienta que a capacidade de auditar os resultados dos créditos que o Brasil negociar "vai ser cobrada”. "A gente precisa trabalhar com essa realidade, mas tem, sim, interesse. Precisa de cooperação, de transparência, precisa de seriedade. É uma visão de longo prazo”, pontuou também o executivo da Ambipar. "A gente não vai resolver isso de um dia para o outro, então a gente precisa trabalhar passo a passo, de forma consistente, para materializar essa potência que a gente tem no Brasil”, resumiu.
Os desafios do Brasil em um mundo em transformação são debatidos no Brazil Economic Forum, promovido nesta quinta-feira (23) em Zurique (na Suíça). O evento reúne empresários e autoridades como o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luis Roberto Barroso, o ministro do STF Gilmar Mendes, o ex-presidente Michel Temer e o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles. Lúcia Müzell, enviada especial da RFI Brasil a ZuriqueO momento de incertezas no cenário global, acentuadas pelo início da presidência de Donald Trump, dominou as discussões pela manhã, ao lado dos temas relacionados à sustentabilidade. O ex-presidente Michel Temer defendeu que as relações entre o Brasil e os Estados Unidos sejam menos pessoais, entre Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump, e sim institucionais, entre dois chefes de Estado.Temer considerou inadequado o comentário do líder americano que, já na posse, afirmou que "não precisa do Brasil”. Porém, avalia que o Brasil não deveria escalar nas declarações.“O que deve prevalecer é a relação institucional. Tem que fazer, é evidente, algumas observações críticas, se for o caso, mas especialmente lançar uma palavra de harmonia, porque nós não podemos desprezar o poderio da nação americana”, apontou o ex-presidente.Riscos da polarizaçãoO presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, participou por videoconferência da abertura do fórum e evocou os riscos que pairam sobre a democracia brasileira. “Nós estamos vivendo tempos muito incertos, muito sombrios, de obscurantismo, de negacionismo e de um saudosismo a coisas do passado que foram muito ruins para a humanidade. É muito importante que as pessoas responsáveis desse país possam se unir para fazer o enfrentamento devido de contenção e de combate a esse retrocesso democrático que muitos ainda tentam fazer no Brasil e fora”, argumentou.A polarização política no país, num contexto em que os dados começam a ser lançados para as eleições de 2026, também foi abordada por Luis Roberto Barroso. "Cada um acha que pode criar a sua própria narrativa, portanto acho que uma das coisas que nós precisamos no mundo contemporâneo é fazer com que mentir volte a ser errado de novo, e a gente possa trabalhar sobre fatos comuns, sobre os quais a gente possa formar a nossa opinião”, apontou.Situação econômicaO presidente da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), Isaac Sidney, ressaltou que em tempos “desafiadores”, a pressão sobre a solidez econômica do Brasil fica ainda maior. Sidney demonstrou preocupação com o endividamento brasileiro, "apesar do grande esforço da equipe econômica"."Não podemos esperar que haja uma melhora do cenário internacional para fechar as nossas brechas", disse, ao defender o endurecimento do arcabouço fiscal no país, já que, “do lado das receitas, o plano já se esgotou”. "O mundo passa por um momento bastante turbulento, recheadas de muitas incertezas, que não nos dão espaço para errar”, disse. "Não é raro a gente encontrar forças populistas quando a gente vê aumento da inflação. Por isso, todo o cuidado com inflação é pouco, no mundo e no Brasil.”Enquanto isso, a 120 quilômetros de Zurique, o Fórum Econômico Mundial de Davos está em compasso de espera para a fala do presidente Trump, que deve acontecer às 17h (14h em Brasília), por videoconferência. Este deve ser o momento mais importante do evento, que reúne a cúpula econômica mundial no pequeno vilarejo nos Alpes suíços. O fórum começou na segunda-feira, dia da posse de Trump.A expectativa é como ele vai se posicionar sobre o multilateralismo, o livre comércio, as guerras na Ucrânia e em Gaza, mas também se vai mencionar temas que causaram temores de uma escalada global das tensões, como as possibilidades de anexação da Groenlândia, do Canal do Panamá e até do Canadá.
Qual o impacto da decisão da Meta (Facebook, Instagram, WhatsApp) de cessar as suas operações de checagem de fatos nos Estados Unidos? A RFI Brasil ouviu especialistas do mercado digital para saber as implicações para os usuários e discutir as críticas feitas por empresas de tecnologia americanas sobre o que consideram um excesso de regulamentação neste setor na Europa. Maria Paula Carvalho, da RFI em ParisNa terça-feira (7), a Meta anunciou que encerraria o seu programa de moderação nos Estados Unidos e o substituiria por um sistema de notas da comunidade, semelhante ao usado pelo X, do bilionário Elon Musk. Para analistas, Mark Zuckerberg ilustra a vontade de grandes empresários da tecnologia de se alinharem à dupla conservadora formada por Musk e o presidente eleito Donald Trump. Mas para Roberto Abramovich, professor de marketing e inovação na Iéseg, escola de comércio em Paris, o efeito da medida será nulo. "O impacto é zero. Na verdade, o que a gente vem notando nas mídias sociais é que há uma relação de confiança muito baixa hoje em dia, mesmo com todas os fact checkings e todas as moderações que coloquemos", diz.O professor aponta que o próprio modelo econômico das redes sociais é baseado em tráfego – de modo que quanto mais bombásticas, parciais e atendendo a um público as notícias são, mais as pessoas clicam e compartilham os posts. "As mídias sociais vivem disso", completa. "Portanto, se a informação é checada ou não, não muda o modelo", continua.Para Abramovich, "Zuckerberg reconheceu que o modelo dele é mais caro e não necessariamente melhor. Então, ele corta custo, se alinha com Elon Musk, que tem uma abordagem mais pró-Trump. Caíram as máscaras: somos o que somos e fazemos o que fazemos", observa.Checagem de fontes O acadêmico avalia que a única maneira de os usuários se protegerem de manipulação das informações é investigar suas fontes. "Todos nós temos de ser um pouco mais jornalistas e realmente checar as nossas fontes. A gente tem que ter um espírito crítico e entender que tudo o que se lê é simplesmente baseado num ponto de vista e tentar realmente entender a origem da informação", recomenda. Já Rafael Sasso, cofundador da startup Liquid AI e especialista em inovação, destaca que a posição da Meta visa impedir o uso político das redes sociais. "O governo dos democratas e o aparato de inteligência se apoderaram de mídias sociais como forma de controle de narrativa. Isso está discutido em milhares de horas no Congresso, no Senado, e está virando processos judiciais", destaca. Ele acredita que essa situação "vai fazer com que algumas cabeças no aparato de inteligência americano sejam cortadas na troca de governo".Para Sasso, professor-associado também na Iéseg, essa discussão acabou prejudicando os democratas. "Politicamente, você viu muitos professores, muitos intelectuais mudando de lado exatamente por causa disso. Eu não estou defendendo a extrema direita, o que eu estou falando é que todo mundo deveria ter voz igual e a partir daí, a gente criar maneiras de regular extremos. Você não vai deixar o nazismo ter voz, por exemplo", comenta. Apesar da relevância do tema, Sasso explica que ainda não existe uma solução para o problema da manipulação das informações divulgadas nas redes sociais. O uso político é a maior fonte de problema na discussão da liberdade de expressão nas redes sociais, na sua opinião. "O problema é eu usar [a moderação] para calar a voz que vai contra mim ou a minha narrativa. A grande pergunta é: como a gente isola o uso político? Se a gente conseguisse isolar o uso político, a gente conseguiria regular isso de uma maneira pró-democracia", aponta. Regulamentação europeiaNa Europa, onde a regulamentação do setor é maior, a Comissão Europeia rejeitou “categoricamente” as acusações de censura lançadas pelo presidente da Meta, Mark Zuckerberg. Diante da pressão das empresas de tecnologia americanas, o desafio do bloco será manter-se firme na regulação da internet sem, no entanto, prejudicar a sua relação com os Estados Unidos."Acho que a preocupação é totalmente legítima. O que era um risco, quando a gente imaginava um cenário um pouco futurista daquele empresário que domina uma empresa gigantesca e essa empresa faz coisas para dominar o mundo, eu acho que hoje é real", compara Roberto Abramovitch.. "Não é mais uma suspeita, mas um desejo, uma ação de proprietários de mídia, que no caso é o Musk, de fazer esse tipo de interferência direta na política. Isso está acontecendo", alerta.Para Abramovich, a União Europeia tem razão de querer se proteger. "Se a gente olhar friamente na Europa, há uma transição gradual da esquerda para a direita. Esses grupos políticos estão sendo expostos através de pessoas como o Musk e o Trump. Então, isso realmente é preocupante", afirma. "A Europa tem uma abordagem para economia de mercado que é um pouco mais protetora. Ela acredita que as entidades podem atuar, mas ela não acha que tem que ser um quadro de impunidade", conclui. Em contraposição, o pesquisador de tecnologias Rafael Sasso vê em Elon Musk um defensor da pluralidade nas redes socias. "O Musk é um caso de democrata que ficou chocado com o que os democratas fizeram nos últimos anos nos Estados Unidos e na política global pelos aparatos de inteligência", avalia. "Quando comprou o Twitter, ele virou para outro lado. Como Musk, muita gente que votou no Trump também não é republicana. Eles estão sendo contra aquilo que foi feito nos últimos anos, contra as ações antidemocráticas que foram instauradas, contra as fake news oficiais", analisa. Sasso destaca que é preciso ter regulação e criar maneiras de monitoramento para não permitir que a influência política e da inteligência tenha força para controlar as narrativas. As divergências apontadas pelos especialistas ilustram os enormes desafios futuros para empresários e o público das redes sociais.
A França lembra a partir desta terça-feira (7) os 10 anos da série de atentados terroristas que marcou o país e o mundo. Entre 7 e 9 de janeiro de 2015, os irmãos Kouachi e Amedy Coulibaly assassinaram 17 pessoas em ataques ao jornal satírico Charlie Hebdo, em Paris, na região de Montrouge e no Hyper Cacher, supermercado frequentado pela comunidade judaica, nos arredores da capital francesa. A RFI Brasil reconstitui os três dias de ataques terroristas que chocaram a França e o planeta. Na manhã do dia 7 de janeiro de 2015, os franceses acordam com a notícia do primeiro de uma série de atentados que paralisam o país. Usando um capuz e carregando fuzis automáticos russos do tipo Kalashnikov, os irmãos Kouachi, Saïd e Chérif, se dirigem ao 11º distrito de Paris, a sede do jornal satírico Charlie Hebdo, e perguntam a uma mulher na rua o endereço exato do local, neste que marcará a história da França como o primeiro ataque terrorista à sede de um veículo de imprensa.Por volta de 11h20, os terroristas forçam um funcionário a entrar no prédio e sobem ao segundo andar, onde acontece a reunião de pauta. Os irmãos Kouachi invadem a sala e abrem fogo, matando 12 pessoas, incluindo figuras icônicas do jornal, como Charb, Cabu, Wolinski, Tignous e o economista Bernard Maris. Na sequência, eles gritam: "Allahu akbar", slogan apropriado da religião muçulmana pelos radicais islâmicos que significa “Deus é o maior”, dizendo logo depois "Vingamos o Profeta Maomé".Exatamente às 11h30 do 7 de janeiro, os irmãos Kouachi deixam o local de carro e após um confronto com uma patrulha policial, executam à queima-roupa o policial Ahmed Merabet na rua. Às 11h50, os terroristas abandonam o carro no nordeste de Paris e continuam a fuga em outro veículo.Mas o pesadelo estava longe de acabar. No dia seguinte, 8 de janeiro de 2015, os franceses são surpreendidos por um novo tiroteio na região de Montrouge, ao sul de Paris. Por volta de 8h, Amedy Coulibaly, cúmplice dos irmãos Kouachi, mata uma policial municipal, Clarissa Jean-Philippe, e foge, deixando pistas que conectam seu ato aos irmãos Kouachi. As autoridades francesas seguem a pista, mas não conseguem localizar os agressores, deixando o país em suspenso.Hipermercado judeu: o pesadelo continuaNo dia 9 de janeiro, os irmãos Kouachi são finalmente localizados às 8h e meia da manhã em Dammartin-en-Goële, a 35 km ao nordeste de Paris. Eles se refugiam em uma gráfica, fazendo um funcionário refém. Mais tarde, por volta de uma da tarde, Amedy Coulibaly invade o supermercado judeu Hyper Cacher, na porta de Vincennes, no leste da capital francesa. Ele mata quatro pessoas e faz vários reféns, exigindo a libertação dos irmãos Kouachi.Às 17h, as forças da tropa de elite do batalhão antiterrorista da França invadem a gráfica onde se encontram os irmãos Kouachi e ambos são mortos pelas forças de segurança. Ao mesmo tempo, uma unidade de intervenção especializada da polícia nacional francesa intervém no Hyper Cacher. Coulibaly é morto, e os reféns sobreviventes são libertados.Caricaturas de MaoméNo entanto, a redação do Charlie Hebdo já era vigiada pela polícia francesa desde 2011, e, desde 2006, o jornal satírico sofria ameaças por publicar caricaturas de Maomé. Em 25 de setembro de 2020, um jovem paquistanês apareceu na rue Nicolas Appert, no leste de Paris, armado com uma faca de açougueiro. Zaheer Mahmoud pensava que estava em frente à sede do Charlie Hebdo e feriu gravemente duas pessoas.Na realidade, o jornal havia se mudado cinco anos antes para um local ainda mantido em segredo, após o ataque que dizimou sua equipe editorial, mas o agressor não sabia disso. Sob custódia da polícia, ele declarou que não suportava a nova publicação de caricaturas de Maomé nas páginas do Charlie Hebdo, que havia decidido republicá-las algumas semanas antes, na abertura do julgamento dos ataques de janeiro de 2015. A decisão do jornal provocou explosões de raiva em vários países muçulmanos, inclusive no Paquistão, país de origem de Mahmoud.Ao todo, a série de ataques terroristas deixou 17 mortos, sendo 12 na redação do jornal satírico Charlie Hebdo, uma policial em Montrouge e quatro pessoas no supermercado judeu Hyper Cacher. Os atentados marcaram profundamente a França, gerando uma imensa mobilização nacional, simbolizada pela gigantesca manifestação espontânea de 11 de janeiro de 2015, realizada na praça da República, na capital francesa.Em 2020, foi realizado o julgamento de 14 acusados da série de atentados, cujas penas foram de 4 anos de detenção à prisão perpétua. O corpo do webmaster Simon Fieschi foi encontrado sem vida no quarto de um hotel em Paris, em 2024. Atingido por tiros de fuzil que fragilizaram definitivamente seu estado de saúde, ele era um dos sobreviventes do tiroteio que dizimou a redação do Charlie Hebdo e é considerado a 18ª vítima do atentado. "Je suis Charlie"Os atentados geraram uma imensa mobilização nacional, simbolizada pela gigantesca manifestação espontânea de 11 de janeiro de 2015, realizada na praça da República, na capital francesa.A manifestação reuniu cerca de quatro milhões de pessoas na França, tornando-se uma das maiores mobilizações da história do país. Em Paris, entre 1,5 e 2 milhões de pessoas marcharam em homenagem às vítimas dos ataques.No restante da França, cerca de dois milhões de pessoas participaram de manifestações em várias cidades, criando o famoso slogan que se tornou uma hashtag utilizada nas redes sociais do mundo inteiro: “#JesuisCharlie”, ou “#EusouCharlie”, em português.Entrevistado pela RFI, Guilherme Canela, diretor da seção para a Liberdade de Expressão e Segurança de Jornalistas da Unesco, defende o humor como elemento-chave da liberdade de expressão. “O importante é trazer a discussão para a esfera pública. Ou seja, como proteger o humor, vis-à-vis de outras questões que também têm que ser discutidas. E infelizmente, a intolerância há 10 anos não permitiu fazer uma discussão saudável", analisa."A discussão foi para a violência, porque o problema não é discutir, o problema não é ser contra ou dizer ‘nós achamos que tal coisa é de bom gosto ou de mau gosto. Isso também é parte da liberdade de expressão. O problema é partir para a violência e não o diálogo ou a discussão sobre essas questões”, avalia Canela.Memória e futuroO atual diretor do Charlie Hebdo, Gérard Biard, falou à RFI sobre o papel do jornal satírico em 2025. "Trata-se da memória de todos aqueles que fizeram Charlie, e ao fazermos o Charlie, perpetuamos também a memória de Cavanna, que o criou junto com Choron. Assim, perpetuamos também a memória de GB, de Fournier, de todas essas pessoas que fizeram de Charlie o que ele era e o que ele ainda é. Então, é isso que precisamos transmitir", declarou."O 7 de janeiro de 2015 é uma data fundamental, obviamente, na história do jornal. Mas não devemos parar por aí, mesmo que sempre voltemos a isso. Hoje somos uma redação entre 30 e 40 pessoas que colaboram, com muitos jovens desenhistas e jornalistas, de ambos os sexos. São eles que farão o Charlie Hebdo daqui a 10 anos. É para isso que estamos caminhando, é sobre isso que pensamos e é para isso que estamos indo, espero, em direção ao futuro", concluiu Biard.Dez anos depois dos ataques terroristas que marcaram a França, o serviço especial antiterrorista da polícia francesa evoluiu algumas de suas práticas, estreitando significativamente a colaboração entre os batalhões de elite especializados. Mas a principal consequência prática dos ataques de janeiro é a Lei de Inteligência de 24 de julho de 2015. Ela define a estrutura dentro da qual os serviços de inteligência da França estão autorizados a usar técnicas de acesso a informações, seja por telefone ou escuta eletrônica.
Um brasileiro está preso na França suspeito de diversas agressões sexuais, abuso contra menores e estupro incestuoso. A RFI Brasil ouviu vítimas e seus familiares, que temem que o acusado seja solto e continue a molestar outras crianças. Edi Maikel dos Santos Silva, de 37 anos, é natural de Belém do Pará. Ele chegou a atuar como pastor em Annemasse, uma pequena cidade francesa na fronteira com a Suíça. Aviso: essa reportagem contém depoimentos fortes Maria Paula Carvalho, da RFI em ParisHá dois anos e meio, Edi Maikel dos Santos Silva está preso preventivamente na França, de acordo com decisão do Tribunal de Annecy, no sudeste do país. Pelo menos oito vítimas prestaram queixa à Justiça e relataram ter sido agredidas pelo acusado, ao longo dos últimos 20 anos. Camilla Araújo de Souza é sobrinha do acusado. O que não impediu os abusos, que começaram quando ambos moravam na Guiana Francesa, em 2002. Hoje, aos 28 anos, ela lembra das primeiras agressões. "Tudo começou quando eu tinha seis anos, ele veio morar com a gente durante um tempo e foi a primeira vez que aconteceu", diz. "Minha mãe surpreendeu a gente, ele tentando esfregar o pênis dele no meu bumbum. E quando a minha mãe viu isso, eu achei que ela iria brigar com ele mas, na verdade, ela me bateu e brigou comigo", relata. "Ele é meu tio, irmão da minha mãe. Depois disso, os meus pais se separaram e a gente morou com a minha avó, depois com a minha tia. Quando a gente estava na minha avó, ele tentou fazer de novo. Mais uma vez tentando esfregar o pênis dele em mim", conta. Ja morando na França, o assédio continuou. "Ele veio com um papo para cima de mim dizendo que uma mulher tem uma 'capinha' na vagina, que precisa tirar isso e se não for uma pessoa que tire, tem que ir no médico fazer uma cirurgia, que todas as mulheres passam por isso e que ele queria fazer isso comigo", diz. "E eu caí no papo, foi assim que começaram as penetrações do pênis dentro da vagina, quando eu tinha 12 ou 13 anos. E depois disso, eu voltei para casa e, sempre que não tinha alguém por perto, ele tentava algo. Me chantageava (dizendo) que ia se matar se eu não fizesse tal coisa", continua. "Ele me seguia, sabia os meus horários, uma vez me pegou de canto, com uma faca na mão, e disse que se eu não fugisse com ele para Lyon, iria se matar. E eu com medo acabei indo, porque a gente fica pensando: ele é tio, mais velho, tem que obedecer. Nisso, quando a gente estava em Lyon, eu fiquei um tempo sem menstruar e deu positivo", lembra a jovem. A gravidez não se confirmou em um segundo exame, mas o trauma estava longe do fim. A RFI teve acesso a exames psicológicos feitos na vítima no âmbito do inquérito, que apontam "manifestações massivas de stress pós-traumático", "sofrimento persistente", "crises de ansiedade", "medo" e "sentimento de culpa". Hoje, mãe de um casal de filhos, Camila teme pelo futuro. "O meu maior medo é de acontecer a mesma coisa, principalmente com a minha filha", diz. "O que mais me revolta é você falar que é cristão, que acredita em Deus, mas não assume o que fez, então não está arrependido", lamenta. "Me revolta muito o fato de ele falar que nunca aconteceu nada, que ele nunca teve desejo por adolescentes, por crianças, sendo que ele deixou trauma em todas nós, em mim, nas minhas primas. O que mais me revolta é ele não assumir e ainda ter gente que ajuda", desabafa. Foi outro tio de Camila que insistiu na denúncia. A RFI conversou com Fabrício Cordeiro Brasil, que imediatamente percebeu o comportamento suspeito do ex-cunhado, que na época chegou a fugir com a menina. "Eu falei que isso não é normal. Ele é uma pessoa de maior. Ela tem 13 anos, isso se chama pedofilia, incesto. E vocês não têm o direito de esconder isso. Nem a mãe e nem vocês as tias", relembra. Porém, foi somente quando descobriu que as próprias filhas também haviam sido molestadas, que Fabrício pôde denunciar Edi Maikel. Assim como Camila, outras primas dela confessaram terem sido abusadas."Nunca pensei que ele seria capaz de fazer isso"Kissia era uma criança na época. "Eu era pequena, tinha cinco ou seis anos, morava na Guiana Francesa e, nessa época, o meu tio Edi Maikel morou com a gente em um estúdio e ele dormia na mesma cama que eu. Todas as noites, eu me acordava com a mão dele na minha calcinha", revela. "Ele era um tio que eu amava muito, eu nunca pensei que ele seria capaz de fazer isso. E que não era só com a gente, mas eram muitas pessoas. Ainda mais que ele era pastor e trabalhava com crianças", afirma. "Nesse caso o que me chocou mais nem era ele, mas a minha mãe que não acreditou em mim e que fica até hoje defendendo ele", acrescenta. Em novembro, Edi Maikel pediu liberdade condicional, mas a justiça negou. Um alívio temporário para as vítimas, como Kissia, que aguarda apreensiva o julgamento definitivo. "Não ter essa certeza que ele vai ficar na prisão indefinidamente, tem essa insegurança que ele possa sair e que a justiça não acredite na gente. E tem também essa dor, esse sentimento de que a nossa própria mãe e a família do lado dos Santos Silva não acreditam na gente, isso machuca muito, até hoje", lamenta a jovem. A irmã dela, Victoria Cordeiro, também conta ter sido abusada pelo tio. Foi em 2009, quando a família passava uma temporada no Brasil. Na época, a menina tinha quatro anos. Ela lembra de ter contado os fatos para a mãe, a irmã do agressor, que segundo ela nada fez a respeito. Somente aos 17 anos, a jovem tomou coragem para falar sobre o assunto. "Enquanto os outros dormiam, eu fui ao banheiro e Edi Maikel me seguiu. Eu pedi a ele para me ajudar, ele pediu que eu me virasse de costas e começou a me tocar de forma estranha nas partes íntimas. Foi desagradável, mas aos 4 anos, eu não sabia o que acontecia. Ele não parou, fazia coisas atrás de mim, apesar de eu chorar. Quando ele terminou, mandou eu me calar e me deu um pirulito para eu me conter". Hoje, aos 20 anos, Victoria ainda sofre com essas memórias. "Até hoje, é um choque para mim. Esse homem que se faz passar por um pastor e que é um pedófilo. É insuportável, não tenho outra palavra", completa. "Eu me sinto decepcionada, com raiva, traída, como todas as vítimas. Me sinto destruída, frustrada, desesperada, sobretudo. É uma mistura de todos esses sentimentos", conclui a vítima. Enteada também denuncia agressãoA reportagem também entrevistou a ex-mulher de Edi Maikel. Mayra Angela Silveira Vieira já tinha uma filha, Marjorie, quando passou a viver com o acusado. "A gente era casado havia onze anos. Quando a gente se conheceu, a Marjorie tinha quatro anos e, logo em seguida, já chamou ele de pai", contextualiza. "Era essa a relação de pai e filha. E quando ela tinha 15 anos, isso veio à tona. O comportamento dela estava bem diferente. Havia muito ciúme da parte dele, uma possessão. Nessa época eu me separei dele e percebi que, durante uns três meses, ela ficou muito feliz, radiante", relata. Ao estranhar o comportamento da filha, Mayra resolveu investigar. "Alguma vez ele já te faltou respeito, ele te desrespeitou?", perguntou a mãe. "Aí, ela baixou a cabeça e começou a chorar. Não queria falar. Eu insisti e ela só chorou e disse que sim. Eu perguntei quando foi a primeira vez e ela disse que tinha 5 anos. Perguntei quando foi a última, ela disse: foi quarta-feira passada. Ou seja, ela vivia isso durante 10 anos", calcula. "Eu pensei que eram só toques, carícias, mas a irmã dele falou: não foi só isso. Teve outras coisas mais sérias", explica. Mayra conseguiu uma confissão do ex-marido, em um vídeo. A conversa foi gravada no âmbito de uma formação que ambos faziam para ser psicanalistas. "Aí foi quando ele, no vídeo, confessou. Foi uma peça fundamental, a polícia recebeu este vídeo traduzido. Nesse mesmo dia, eu mandei ele sair de casa e falei: se você não sair por espontânea vontade, eu vou denunciar". A conclusão do exame psicológico feito pelo Tribunal de Annecy em Marjorie Vieira Palheta, hoje com 18 anos, não deixa dúvidas sobre os transtornos provocados no desenvolvimento da jovem. Ela afirma "ter medo de homens" e que o padrasto agia como se tivesse "dupla personalidade". Ela sofre de insônia, tem pesadelos e não suporta a vergonha pelo ocorrido. A mãe dela busca justiça. "Isso de certa forma me matou, porque depois disso eu nunca mais fui a mesma pessoa", afirma Mayra. Interrogado pelo juiz, Edi Maikel diz não se lembrar dos fatos e ter sido vítima de amnésia após uma queda. Ele nega ter tido relações sexuais com as vítimas. O acusado também passou por exames psicológicos, em novembro passado. No laudo, ao qual a RFI teve acesso, ele revela ter sofrido agressões sexuais por três adolescentes, quando tinha entre seis e sete anos, e ter sido vítima de maus tratos da madrasta. Edi Maikel alega ainda ser vítima de um complô e de mentiras.A RFI Brasil entrou em contato várias vezes com o advogado do acusado, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.O que prevê a justiça francesaA advogada de defesa das vítimas, Sylvie Correia, explica que os depoimentos delas serão fundamentais para uma possível condenação. "Não temos nada provado. Em casos de estupro e agressões sexuais, em 99% dos casos, é a palavra de um contra a palavra de outro, porque não tem ninguém presente no momento dos fatos", diz. "O que vale neste caso, é que tem muitas pessoas que não se conhecem e que se queixam da mesma coisa. Ou seja, é o número de vítimas que vai fazer com que realmente o juiz preste atenção", acrescenta. Caso seja condenado, Edi Maikel pode pegar até 20 anos de prisão, já que a legislação do país prevê penas mais duras quando há agressão de membros da própria família. "Isso na França é uma circunstância agravante, pois se considera que o padrasto, o pai, o tio tem autoridade sobre a vítima e, então, é mais grave perante a justiça", explica a advogada Sylvie Correia. "Ele tem aquele jeito de dizer que é bom, falar muito de Jesus, falar de Deus e as pessoas acreditam nele. Ele é muito bom falador. Foi assim que conseguiu enganar a todos", conclui. Edi Maikel dos Santos Silva continuará em prisão provisória até o mês de maio, quando poderá recorrer novamente. Para a Justiça francesa, essa é a única forma de evitar que ele possa pressionar as vítimas, prejudicar a investigação ou mesmo fugir para o Brasil.
Cenários de tirar o fôlego, quebra de recordes, polêmicas e uma animação contagiante e inesperada por parte do público francês. A Olimpíada de Paris foi aclamada como o evento esportivo mais espetacular de todos os tempos. E ficou dentro do orçamento de € 4,5 bilhões, segundo o balanço divulgado pelo presidente do Comitê Organizador, Tony Estanguet. Maria Paula Carvalho, da RFI em Paris"Foi um grande desafio levantar todo esse dinheiro graças a 84 empresas que financiaram 95% do projeto, além da bilheteria, pois batemos um recorde histórico do número de espectadores, o que permitiu arrecadar muitos recursos e ainda sobrou dinheiro para investir no esporte: cerca de € 27 milhões", disse Estanguet. De acordo com os organizadores, Paris 2024 registrou o recorde histórico de 9,5 milhões de ingressos vendidos, quebrando a marca estabelecida em Atlanta 1996, de 8,3 milhões de ingressos. A arrecadação da bilheteria alcançou € 1 bilhão 333 milhões, muito mais do que o esperado. Tudo começou com uma façanha: o inédito desfile de delegações no rio Sena, debaixo de chuva. Cerca de 7 mil atletas participaram da primeira cerimônia de abertura fora de um estádio. A bordo de 85 barcos, eles percorreram a capital francesa ao longo de seis quilômetros, diante de 320 mil espectadores. A cerimônia itinerante organizada pelo diretor artístico Thomas Jolly durou quase quatro horas e valorizou o patrimônio francês. O espetáculo foi visto por mais de um bilhão de espectadores que acompanharam pela TV, em todo o mundo, e contou com estrelas do pop mundial, como Lady Gaga e a francesa Aya Nakamura. Do alto da Torre Eiffel, iluminada por milhares de luzes e ostentando os anéis olímpicos, a cantora canadense Céline Dion interpretou O "Hino ao Amor", de Édith Piaf.Pira olímpica sem fogoA pira olímpica de Paris foi acesa nos Jardins das Tuilleries, no centro da capital francesa e virou ponto de visitação. No formato inovador de um balão, a pira de 30 metros de altura permaneceu acesa 24 horas por dia durante os Jogos Olímpicos graças a outra novidade: a chama, na verdade um efeito de luz em contato com vapor d'água. A cada anoitecer, ela subia aos céus de Paris para um “voo" de quatro horas, ao lado do Museu do Louvre.Dar destaque aos monumentos parisienses foi um objetivo alcançado com sucesso. A exemplo da arena, aos pés da Torre Eiffel, cenário perfeito para coroar as brasileiras Duda e Ana Patrícia, campeãs olímpicas do vôlei de praia. "Eu acho que a gente ainda não sabe nem o que a gente está sentindo. É muita coisa ao mesmo tempo, só estamos sentido o peso no pescoço. Eu brinquei com a Duda que é o peso do trabalho que dá para ganhar uma medalha", disse Ana Patrícia, em entrevista à RFI. Já Duda falou sobre a rivalidade com a dupla do Canadá. "Todas as nossas finais importantíssimas foram contra o Canadá e que destino, né? Não sei o que descrever, mas deu certo", comemora. Também foi diante da torre Eiffel, que o brasileiro Caio Bonfim conquistou a prata inédita para o país na prova da marcha atlética de 20 km. A Esplanada dos Inválidos sediou as disputas de tiro com arco e a chegada da maratona. Outro marco do evento foi a enorme estrutura com diversas arenas montadas no entorno do milenar obelisco de Luxor, que agradou aos milhares de espectadores dos esportes radicais, na praça da Concordia.Foi lá que a maranhense Rayssa Leal, a Fadinha, conquistou a medalha de bronze no skate street feminino. E Augusto Akio, o "Japinha", faturou o bronze no skate park. Enquanto não longe dali, no Campo de Marte, o Brasil fazia história com o ouro na categoria peso pesado do judô para a brasileira Beatriz Souza. "É inexplicável, um sentimento que não têm palavras, eu estou extremamente feliz com tudo o que eu fiz no dia de hoje, é inexplicável", disse. Heróis francesesNo mesmo dia, na mesma arena, o judoca francês Teddy Riner conquistou o seu terceiro título olímpico individual. Escolhido para acender a pira olímpica em Paris, ao lado da corredora Marrie-José Pérec, Riner foi um dos heróis nacionais desta edição dos Jogos Olímpicos. Além dele, outro nome fez os franceses voltarem a sonhar. O nadador Léon Marchand, apontado como sucessor de Michael Phelps e novo ídolo do esporte nacional, conquistou quatro medalhas de ouro e uma de bronze na piscina da Arena La Defense.Depois de muitas críticas, na fase de preparação, o entusiasmo inesperado dos torcedores franceses com os Jogos Olímpicos surpreendeu atletas e organizadores, ajudando a esquecer o momento político difícil que o país enfrentava, a espera da indicação de um primeiro-ministro, o que só aconteceu depois da "trégua olímpica", imposta pelo presidente. Rebeca, rainhaEm Paris, o Brasil conheceu sua rainha. O time feminino de ginástica artística disputou a prestigiosa final por equipes dos Jogos Olímpicos, conquistando um terceiro lugar inédito por equipe.Mas um nome entraria para a história: Rebeca Andrade, 25 anos, quatro medalhas em Paris, homenageada no pódio por ninguém menos do que a americana multicampeã Simone Billes, que voltou a competir após uma temporada afastada.Biles e sua compatriota Jordan Chiles se curvaram no pódio diante de Rebeca Andrade que, com uma apresentação brilhante, levou o tão esperado ouro no solo. "Eu estou muito feliz e orgulhosa de todas as minhas apresentações, de todos os dias. Eu estou muito feliz de estar voltando para o Brasil com o ouro que os brasileiros mereciam muito e eu queria muito também", disse Rebeca à RFI.Com uma técnica impecável, ela se tornou a atleta que mais conquistou medalhas olímpicas para o Brasil em todos os tempos, somando seis condecorações. "Realmente, o esporte é muito difícil, mas para você ser a melhor você tem que trabalhar muito. Então, que bom que é difícil porque quando você sobe no pódio, não tem alegria maior do que levantar essa medalha e mostrar para todos vocês o orgulho que eu estou sentindo de representar todo o meu país, representar os meus treinadores e me representar também. Foi uma honra gigantesca", conclui Rebeca.Sena banhávelApós um adiamento por nível de poluição acima do limite, as provas de triatlo finalmente foram realizadas no rio Sena. Na maratona aquática, a brasileira Ana Marcela lutou até o fim, terminando em quarto lugar. Outro destaque foi Isaquias Queiroz, que conquistou sua quinta medalha olímpica ao ficar com a prata na categoria C1 1000m da canoagem de velocidade.Para tornar o rio Sena, que atravessa Paris, e o seu maior afluente, o Marne, banháveis para os Jogos Olímpicos, e posteriormente, para o público, os governos francês e da região Île-de-France investiram o equivalente a R$ 8,4 bilhões. Mais um legado para a capital francesa. Ao longo do evento, os jornais destacaram os sucessos alcançados, principalmente a segurança durante os dias de competições e o funcionamento dos transportes públicos, que estavam entre os maiores temores dos franceses antes das Olimpíadas começarem. No quadro de medalhas, o Brasil ficou em 20° lugar, com 20 medalhas conquistadas: três ouros, sete pratas e dez bronzes. Os Estados Unidos lideraram o placar, com 126 medalhas, seguidos por China e Japão. Jogos ParalímpicosApós um intervalo de duas semanas, os Agitos, posicionados no Arco do Triunfo, simbolizavam o início dos Jogos Paralímpicos de Paris 2024, uma oportunidade para pôr em evidência a falta de acessibilidade da capital francesa, como a falta de elevadores nas antigas estações de metrô. A cerimônia de abertura aconteceu na Praça da Concórdia, com desfile de 164 delegações e mais de 4 mil atletas, em um espetáculo sobre a inclusão. A começar pelos artistas convidados, como o francês Lucky Love, nascido sem o braço esquerdo. O Brasil teve representantes em quase todas as modalidades, com a maior delegação desde a Rio 2016. Gabrielzinho foi destaque brasileiroGabriel Araújo, o Gabrielzinho da natação, foi um dos porta-bandeiras e desde a sua chegada a Paris conquistou muitos admiradores. Com 1,21 m de altura, mas um gigante na raia, ele foi um dos principais destaques da competição, conquistando três ouros, e fazendo o hino brasileiro ser ouvido na piscina. O mineiro, que nasceu com má formação nos braços e pernas foi destaque da imprensa internacional. Em entrevista à RFI, ele celebrou esse momento. "Muito tranquilo, muito feliz sempre, sorriso no rosto, levando alegria onde passa, e aqui na França eu vi que estou no caminho certo, que é transmitir alegria para todo mundo, que contagiou toda essa galera. Então, fico muito feliz e é uma honra para mim toda essa energia positiva", disse. Dobradinha no atletismoO Brasil também brilhou no atletismo, conquistando, logo na estreia, uma dobradinha no pódio dos 5000 m masculino na categoria T 11, para atletas com deficiência visual no Stade de France, em Saint-Denis, subúrbio norte de Paris.O mato-grossense Yeltsin Jacques, um dos favoritos na modalidade, ficou com o bronze e o paulista Júlio César Agripino quebrou o recorde mundial da prova. "Para mim foi sensacional. Eu fiquei muito agradecido a toda a minha equipe porque foi um título inédito, foi um recorde sensacional que a gente precisava e a gente trabalhou muito", disse à RFI Brasil. Quatro dias depois, Júlio César Agripino e Yeltsin Jacques disputaram novamente juntos os 1500m da classe T11 para deficientes visuais e alcançaram mais uma vitória, só que desta vez trocaram de lugar no pódio. Agripino levou o bronze e Yeltsin ficou com o ouro, batendo o próprio recorde mundial. "Levar um pedacinho da torre Eiffel para o Brasil, levar um pedacinho da torre para a gente. Estou muito feliz de estar levando esta medalha e levar esse orgulho para o Brasil", disse. A equipe brasileira de goalball bem que tentou. O ouro não veio, mas a equipe ficou com o bronze em Paris, neste esporte paralímpico baseado na percepção tátil e auditiva, em que os jogadores utilizam uma venda nos olhos. Outro ponto alto dos Jogos Paralímpicos para o Brasil foi o ouro da paulista Alana Maldonado, na final para mulheres até 70 kg do judô. "Só gratidão, primeiramente a Deus, é muita emoção estar vivendo isso novamente, muito obrigada a todos os envolvidos, é um time muito grande por trás disso e essa medalha não é só minha", disse em entrevista à RFI. O Brasil obteve 25 ouros, 26 pratas e 38 bronzes, em um total de 89 pódios nos Jogos Paralímpicos de Paris, o melhor desempenho na história da competição. Foi a primeira vez que o país ficou no Top-5 no quadro de medalhas, atrás apenas da China, Estados Unidos, Reino Unido e da Holanda. Além de lembranças memoráveis, as competições deixaram várias lições entre os torcedores, que saíram transformados dessa experiência. "Me impressiona o fato de eles terem algumas deficiências e não se deixarem levar por isso, sempre buscarem a excelência, um esforço a mais, coisa que a gente, às vezes no dia a dia, não faz. Eu tiro o chapéu e saio daqui com uma lição aprendida. Eles me deram uma lição importante para a vida", disse um torcedor. Encontro marcado, então, daqui há quatro anos em Los Angeles.
Entre as brasileiras que conquistaram o seu espaço em Paris, certamente está a ex-modelo carioca Cristina Cordula. Em 30 anos na França, ela trilhou o seu próprio caminho no disputado mundo da moda. Porém, se engana quem pensa que a passarela até aqui foi um mar de rosas. Ela conta que, no início da carreira, encontrou muitas portas fechadas, mas que tudo mudou quando decidiu cortar o cabelo bem curto, que virou a sua marca registrada. Cristina não desistiu nas primeiras dificuldades e agora é uma referência de elegância, como conta nessa entrevista exclusiva à RFI Brasil. Maria Paula Carvalho, da RFI em ParisRFI: Como foi conquistar o seu espaço, primeiro como manequim e modelo, e agora como consultora no país da moda?Cristina Cordula: Foi difícil. Eu moro aqui há muitos anos e sou consultora de imagem, com um programa na televisão já há 20 anos e vários livros. Tudo na vida é difícil, ainda mais em um país que não é o seu. Foi muito trabalho para poder alcançar os meus objetivos. E talvez a forma que eu tenho de trabalhar, esse lado brasileiro, de ser mais positiva, mais alegre, ajudou. A consultoria de imagem é uma coisa muito particular, muito sensível. Então, uma coisa é você falar de um jeito sério, com gravidade, e outra coisa é você falar de um modo mais positivo: "olha só, você ficar tão mais bonita assim, minha querida, você vai ver!". Isso dá uma certa alegria para as pessoas. Então, acredito que é esse lado brasileiro que as pessoas gostam. RFI: Você estrelou vários sucessos na televisão, como "Um novo Look para uma nova Vida", "Rainhas do Shopping", entre outros. E você tem os seus bordões: "magnifaïk", "ma chérie", etc. Você não é só uma consultora de moda, mas também empresária, autora, tem a sua marca de maquiagem. Ao olhar para trás, como você avalia esses 30 anos em Paris? Cristina Cordula: Eu só posso ser muito grata com a minha trajetória de vida, com os programas, os meus livros, a minha linha de maquiagem, que eu lancei há dois anos, e a minha agência de consultoria de imagem. Eu fico muito feliz de ter conseguido alcançar isso aqui. Mas tudo é com muito trabalho. Nada se alcança assim fácil. RFI: Foi mais difícil ser consultora de imagem na França, um país que é símbolo de elegância e bom gosto?Cristina Cordula: Eu acho que até no Brasil seria o mesmo trabalho, mas aqui tem a barreira da língua, de ter que se expressar de outra forma. Eu fui modelo internacional por muitos anos, eu morei em Nova Iorque, morei em Londres. Depois, eu decidi morar em Paris, fiquei aqui, onde construí a minha família. Eu era muito jovem quando eu saí do meu país, eu tinha 20 anos. Então, esses são momentos difíceis na vida e você precisa de muita coragem para continuar. Mas graças a Deus, com a força do meu trabalho, eu consegui e estou muito feliz aqui, muito feliz mesmo. Eu adoro este país. RFI: Uma das suas marcas registradas é o cabelo curto. Isso lhe abriu portas? Cristina Cordula: Meu cabelo curto foi feito quando eu era modelo em Milão, por um cabeleireiro brasileiro chamado Marco. Na época, eu estava chateada porque eu já estava aqui na Europa desde janeiro, nós estávamos em outubro, e eu não tinha conseguido ainda o trabalho que queria, com o glamour dos desfiles, fotos, etc. Eu estava triste, querendo voltar para casa, com saudades da minha família e falei: "Marco, eu vou voltar para o Brasil, porque o Brasil é o meu país. Eu trabalho muito bem lá, todo mundo me conhece, tenho a minha família lá, os meus amigos que amam muito. Não está dando certo para mim aqui, eu não sou feita para cá, o meu tipo não é para ser modelo na Europa". E ele falou: "Cristina, você não consegue trabalhar na Europa por causa do cabelo comprido. Não fica bem em você, é cafona. Você fica muito perua com esse cabelo. Aqui você tem que ter a sua diferença. Você tem que ter um estilo diferente de todo mundo". E aí eu falei: "você quer saber de uma coisa? Corta o meu cabelo, porque pior do que isso não vai ficar e cresce em dois minutos. Não tem problema". Aí, ele cortou e eu fiquei muito feliz com a imagem que eu vi e pensei "porque eu não fiz isso antes?" Gostei muito do meu cabelo e ele abriu muitas portas.A minha carreira de modelo explodiu. Eu fiz os grandes desfiles, de grandes marcas: Chanel, Dior, fotos para as revistas. Depois, a minha carreira, obviamente, quando eu cheguei aos 30 anos, parou e eu, ao mesmo tempo, me casei e tive o meu filho, que é franco- brasileiro, hoje com 30 anos. Eu construí a minha família. Eu queria continuar trabalhando na moda, mas fazendo alguma coisa que fizesse bem para as pessoas. RFI: Foi então que você se tornou pioneira na consultoria de imagem na França?Cristina Cordula: Eu não queria só vender uma roupa. Eu queria fazer uma coisa que fosse mais humana. E aí eu escutei falar sobre a consultoria de imagem, que já existia nos Estados Unidos e na Inglaterra. Eu pensei: isso é maravilhoso, é um trabalho que eu vou usar o meu conhecimento e democratizar a moda também. Era o começo do fast fashion, no início dos anos 2000, e eu pensei que todo mundo tinha o direito de se vestir bem, de se sentir bonita e bonito. Então, eu trabalhei a minha própria técnica, comecei a estudar, comecei a aprender sobre cores e vi o que se fazia fora. Eu criei a minha própria técnica e abri a minha primeira agência. Era muito difícil na época, pois havia muito tabu, porque os franceses não aceitavam. Porque falar de imagem, de look, é uma coisa que pode ferir até o ego da pessoa. É uma coisa muito sensível. E os franceses têm muita resistência no começo, mas depois relaxam e aceitam. Eu comecei com isso aos poucos, então veio o programa da televisão, dois anos depois que eu abri a minha agência de consultoria e aí foi indo e até hoje estou aqui. RFI: Uma coisa que você ensina é se aceitar e usar aquilo que a gente tem de melhor. Você poderia dar um conselho aos leitores? Cristina Cordula: São as nossas diferenças que nos destacam. Essa coisa de ser igual a todo mundo e de estar na moda não serve para todos. Eu corto o cabelo assim porque está na moda, ou uso calça larga porque está na moda. Porém, de repente não fica bem em mim, com a minha morfologia. Essa calça pode não valorizar o seu corpo, os seus ossos, vai fazer você ficar baixinha, vai dar muito ombro, vai torcer o busto. Entendeu? Tem que usar uma roupa que seja obviamente moderna, mas que combine com a sua morfologia e que combine, também, com o seu estilo. Porque, por exemplo, uma pessoa que é descontraída, jamais eu posso propor a ela uma roupa muito chique, salto alto e saia justa, essas coisas muito sofisticadas, porque ela não vai gostar, vai se sentir fantasiada. RFI: Você tem saudades do Brasil e como é a sua relação com o país? Cristina Cordula: Claro que eu tenho saudades do Brasil. Nossa, eu sou brasileira! Eu vou ao Brasil sempre no Natal e pelo menos umas duas vezes por ano. Eu tenho uma relação maravilhosa com o Brasil. Eu tenho muitos amigos lá. Eu adoro o meu país e eu sinto muita falta. A coisa que eu tenho mais saudade do Brasil é a maresia. Eu sou carioca e o cheiro da maresia do Rio de Janeiro, aquele cheiro forte... Quando eu chego no Rio, eu digo: "é a minha madeleine de Proust", como a gente fala em francês. Na França, uma madeleine de Proust é uma espécie de gatilho que traz de volta uma memória de infância. A expressão vem do romance “Em Busca do Tempo Perdido”, de Marcel Proust, em que o narrador vê surgir uma lembrança, ao comer uma madeleine, essa iguaria francesa. Mais ou menos o que acontece com a carioca Cristina Cordula ao sentir o cheiro da maresia de sua terra natal, e que ela não esquece, apesar da vida de sucesso em Paris.
Entre as brasileiras que conquistaram o seu espaço em Paris, certamente está a ex-modelo carioca Cristina Cordula. Em 30 anos na França, ela trilhou o seu próprio caminho no disputado mundo da moda. Porém, se engana quem pensa que a passarela até aqui foi um mar de rosas. Ela conta que, no início da carreira, encontrou muitas portas fechadas, mas que tudo mudou quando decidiu cortar o cabelo bem curto, que virou a sua marca registrada. Cristina não desistiu nas primeiras dificuldades e agora é uma referência de elegância, como conta nessa entrevista exclusiva à RFI Brasil. Maria Paula Carvalho, da RFI em ParisRFI: Como foi conquistar o seu espaço, primeiro como manequim e modelo, e agora como consultora no país da moda?Cristina Cordula: Foi difícil. Eu moro aqui há muitos anos e sou consultora de imagem, com um programa na televisão já há 20 anos e vários livros. Tudo na vida é difícil, ainda mais em um país que não é o seu. Foi muito trabalho para poder alcançar os meus objetivos. E talvez a forma que eu tenho de trabalhar, esse lado brasileiro, de ser mais positiva, mais alegre, ajudou. A consultoria de imagem é uma coisa muito particular, muito sensível. Então, uma coisa é você falar de um jeito sério, com gravidade, e outra coisa é você falar de um modo mais positivo: "olha só, você ficar tão mais bonita assim, minha querida, você vai ver!". Isso dá uma certa alegria para as pessoas. Então, acredito que é esse lado brasileiro que as pessoas gostam. RFI: Você estrelou vários sucessos na televisão, como "Um novo Look para uma nova Vida", "Rainhas do Shopping", entre outros. E você tem os seus bordões: "magnifaïk", "ma chérie", etc. Você não é só uma consultora de moda, mas também empresária, autora, tem a sua marca de maquiagem. Ao olhar para trás, como você avalia esses 30 anos em Paris? Cristina Cordula: Eu só posso ser muito grata com a minha trajetória de vida, com os programas, os meus livros, a minha linha de maquiagem, que eu lancei há dois anos, e a minha agência de consultoria de imagem. Eu fico muito feliz de ter conseguido alcançar isso aqui. Mas tudo é com muito trabalho. Nada se alcança assim fácil. RFI: Foi mais difícil ser consultora de imagem na França, um país que é símbolo de elegância e bom gosto?Cristina Cordula: Eu acho que até no Brasil seria o mesmo trabalho, mas aqui tem a barreira da língua, de ter que se expressar de outra forma. Eu fui modelo internacional por muitos anos, eu morei em Nova Iorque, morei em Londres. Depois, eu decidi morar em Paris, fiquei aqui, onde construí a minha família. Eu era muito jovem quando eu saí do meu país, eu tinha 20 anos. Então, esses são momentos difíceis na vida e você precisa de muita coragem para continuar. Mas graças a Deus, com a força do meu trabalho, eu consegui e estou muito feliz aqui, muito feliz mesmo. Eu adoro este país. RFI: Uma das suas marcas registradas é o cabelo curto. Isso lhe abriu portas? Cristina Cordula: Meu cabelo curto foi feito quando eu era modelo em Milão, por um cabeleireiro brasileiro chamado Marco. Na época, eu estava chateada porque eu já estava aqui na Europa desde janeiro, nós estávamos em outubro, e eu não tinha conseguido ainda o trabalho que queria, com o glamour dos desfiles, fotos, etc. Eu estava triste, querendo voltar para casa, com saudades da minha família e falei: "Marco, eu vou voltar para o Brasil, porque o Brasil é o meu país. Eu trabalho muito bem lá, todo mundo me conhece, tenho a minha família lá, os meus amigos que amam muito. Não está dando certo para mim aqui, eu não sou feita para cá, o meu tipo não é para ser modelo na Europa". E ele falou: "Cristina, você não consegue trabalhar na Europa por causa do cabelo comprido. Não fica bem em você, é cafona. Você fica muito perua com esse cabelo. Aqui você tem que ter a sua diferença. Você tem que ter um estilo diferente de todo mundo". E aí eu falei: "você quer saber de uma coisa? Corta o meu cabelo, porque pior do que isso não vai ficar e cresce em dois minutos. Não tem problema". Aí, ele cortou e eu fiquei muito feliz com a imagem que eu vi e pensei "porque eu não fiz isso antes?" Gostei muito do meu cabelo e ele abriu muitas portas.A minha carreira de modelo explodiu. Eu fiz os grandes desfiles, de grandes marcas: Chanel, Dior, fotos para as revistas. Depois, a minha carreira, obviamente, quando eu cheguei aos 30 anos, parou e eu, ao mesmo tempo, me casei e tive o meu filho, que é franco- brasileiro, hoje com 30 anos. Eu construí a minha família. Eu queria continuar trabalhando na moda, mas fazendo alguma coisa que fizesse bem para as pessoas. RFI: Foi então que você se tornou pioneira na consultoria de imagem na França?Cristina Cordula: Eu não queria só vender uma roupa. Eu queria fazer uma coisa que fosse mais humana. E aí eu escutei falar sobre a consultoria de imagem, que já existia nos Estados Unidos e na Inglaterra. Eu pensei: isso é maravilhoso, é um trabalho que eu vou usar o meu conhecimento e democratizar a moda também. Era o começo do fast fashion, no início dos anos 2000, e eu pensei que todo mundo tinha o direito de se vestir bem, de se sentir bonita e bonito. Então, eu trabalhei a minha própria técnica, comecei a estudar, comecei a aprender sobre cores e vi o que se fazia fora. Eu criei a minha própria técnica e abri a minha primeira agência. Era muito difícil na época, pois havia muito tabu, porque os franceses não aceitavam. Porque falar de imagem, de look, é uma coisa que pode ferir até o ego da pessoa. É uma coisa muito sensível. E os franceses têm muita resistência no começo, mas depois relaxam e aceitam. Eu comecei com isso aos poucos, então veio o programa da televisão, dois anos depois que eu abri a minha agência de consultoria e aí foi indo e até hoje estou aqui. RFI: Uma coisa que você ensina é se aceitar e usar aquilo que a gente tem de melhor. Você poderia dar um conselho aos leitores? Cristina Cordula: São as nossas diferenças que nos destacam. Essa coisa de ser igual a todo mundo e de estar na moda não serve para todos. Eu corto o cabelo assim porque está na moda, ou uso calça larga porque está na moda. Porém, de repente não fica bem em mim, com a minha morfologia. Essa calça pode não valorizar o seu corpo, os seus ossos, vai fazer você ficar baixinha, vai dar muito ombro, vai torcer o busto. Entendeu? Tem que usar uma roupa que seja obviamente moderna, mas que combine com a sua morfologia e que combine, também, com o seu estilo. Porque, por exemplo, uma pessoa que é descontraída, jamais eu posso propor a ela uma roupa muito chique, salto alto e saia justa, essas coisas muito sofisticadas, porque ela não vai gostar, vai se sentir fantasiada. RFI: Você tem saudades do Brasil e como é a sua relação com o país? Cristina Cordula: Claro que eu tenho saudades do Brasil. Nossa, eu sou brasileira! Eu vou ao Brasil sempre no Natal e pelo menos umas duas vezes por ano. Eu tenho uma relação maravilhosa com o Brasil. Eu tenho muitos amigos lá. Eu adoro o meu país e eu sinto muita falta. A coisa que eu tenho mais saudade do Brasil é a maresia. Eu sou carioca e o cheiro da maresia do Rio de Janeiro, aquele cheiro forte... Quando eu chego no Rio, eu digo: "é a minha madeleine de Proust", como a gente fala em francês. Na França, uma madeleine de Proust é uma espécie de gatilho que traz de volta uma memória de infância. A expressão vem do romance “Em Busca do Tempo Perdido”, de Marcel Proust, em que o narrador vê surgir uma lembrança, ao comer uma madeleine, essa iguaria francesa. Mais ou menos o que acontece com a carioca Cristina Cordula ao sentir o cheiro da maresia de sua terra natal, e que ela não esquece, apesar da vida de sucesso em Paris.
Um curitibano vem fazendo sucesso na Venezuela graças ao esporte nacional do país: o beisebol. Leonardo Reginatto é um dos jogadores mais reconhecidos das torcidas e quadras venezuelanas. Ele já passou por várias equipes e atualmente joga no Caribes de Anzoátegui, cuja sede fica na cidade de Puerto La Cruz (no leste do país). Ele cumpre na Venezuela o sonho de viver de um esporte ainda em expansão no Brasil. Elianah Jorge, correspondente da RFI Brasil em Caracas“Para mim era um sonho poder ter jogado essa Liga, sei que é a qualidade que essa Liga tem, uma Liga de jogadores com muitos nomes, com muitas experiências, então para mim era sempre um sonho. Graças a Deus eu pude cumpri-lo! Já ganhei essa Liga duas vezes: ganhei o ano passado e também ganhei com o Magallanes um ano antes. Então estou muito feliz em poder ter ganhado dois títulos aqui nessa Liga, onde eu sempre sonhei jogar”, diz o jogador.O beisebol chegou muito cedo à vida do brasileiro, quando Leonardo Reginatto ainda era um menino. “Eu comecei no esporte por causa de um vizinho de nacionalidade japonesa. O beisebol no Brasil foi trazidos por eles, os japoneses. A gente estava morando no mesmo condomínio e eles convidaram a gente para começar a jogar. Eu tinha na época cerca de 5 ou 6 anos. Meu irmão já tinha oito, e o mais velho dez anos. Foi nessa idade que a gente começou (a jogar) e por causa do convite deles que a gente conheceu o beisebol”.Das brincadeiras de criança, Reginatto tomou gosto pelo beisebol e fez do esporte sua profissão. Ele, inclusive, representou o país natal em torneios internacionais. “O que mais me emociona é tudo que o beisebol pode me proporcionar, conhecer vários lugares, jogar um esporte que eu me apaixonei desde pequeno como profissão, já faz 14, 15 anos que eu estou jogando, então poder representar o Brasil também e viver do esporte para mim sempre foi um sonho. A paixão que eu tenho pelo beisebol é o que me motiva”, destaca.A Venezuela é o único país da América do Sul onde o beisebol é esporte nacional. Essa história anda lado a lado com a expansão da produção de petróleo em território venezuelano, no final do século 19. Os americanos que chegaram trabalhar nos campos petroleiros jogavam beisebol nas horas vagas. A popularidade foi aumentando até o beisebol virar o esporte nacional. Enquanto nos países vizinhos abundam quadras de futebol, na Venezuela elas são de beisebol. Leonardo conta parte de sua história, vivida nas quadras de vários países da região: “Eu fui para os Estados Unidos, joguei 10 anos lá. Também jogo na liga do México agora. Joguei em uma na liga do Canadá, joguei um pouco na liga do Panamá. Joguei na liga dominicana e agora na Venezuela. Essa vai ser minha sexta temporada aqui”. No beisebol, um jogador pode atuar em diferentes times, desde que não sejam do mesmo país e nem durante a mesma competição, a chamada liga. Por isso Leo compete na Venezuela na Liga de Inverno, e em seguida vai para o México atuar na disputa local. Atualmente, os times da Liga Venezuelana de Beisebol Profissional (LVBP) buscam a classificação para a Série do Caribe, o torneio anual jogado em fevereiro onde o vitorioso de cada país busca o título de campeão. Reginatto lembra seus melhores momentos: “Nessa liga aqui da Venezuela, os melhores momentos foram ser campeão com Magalhães, que foi meu primeiro título. Logo no ano passado com o Tiburones também. E também com o Tiburones a gente conseguiu vencer a Série do Caribe, que é o campeão geral. Por exemplo da liga venezuelana, da liga mexicana, da liga dominicana, da liga de Curaçao. Eles fazem um torneio dos campeões e a gente acabou sendo campeão também. Isso se chama a Série do Caribe. Então esses foram os momentos mais importantes, com certeza”.O beisebol é um esporte de estratégia. As partidas podem variar de uma hora e meia a até seis horas. Na quadra, os dois times adversários, integrados por nove jogadores, buscam fazer pontos após o jogador acertar a bola com o bastão e correr pelas quatro bases do campo - o chamado “run”. De maneira bem simplificada: para anotar uma corrida (run), o jogador na posição de rebatedor precisa acertar a bola e correr pelas bases até voltar à base, também chamada “home plate”. O trabalho do time que está defendendo é impedir que o adversário consiga alcançar as bases e, assim, fazer ponto. Criado nos Estados Unidos, em 1846, a linguagem deste esporte é bastante própria. Muitos termos foram mantidos em inglês. Leonardo explica a posição em que joga: “Eu sempre joguei de “infielder”, que são aqueles que ficam mais à frente pegando as bolas rasteiras. Essa tem sido a minha posição de toda a vida”.Para iniciar no beisebol é preciso investir na indumentária, e sai caro. Além da bola, é preciso o bastão, luvas, uniforme com boné e tênis e, dependendo da posição do jogador, um capacete e um espécie de protetor frontal. Mas para aqueles que viram profissionais o investimento que vale cada centavo. O beisebol é um dos esportes mais movimentam dinheiro no mundo. Só a Major League Baseball (MLB), organização americana de beisebol profissional, gira cerca de U$ 10 bilhões por ano. Na Venezuela o beisebol movimenta cerca de U$ 35 milhões por temporada, de acordo com o Instituto de Estudos Superiores de Administração (IESA). Leonardo não comenta quanto ganha. Na Venezuela o salário de um jogador iniciante supera os cinco mil dólares. Mas José Altuve, o jogador venezuelano mais bem pago da atualidade, ganha cerca de U$ 43 milhões por ano para jogar em um time dos Estados Unidos. Ganhos "vão além da parte financeira"“Os maiores êxitos, para mim, primeiro foi ter conseguido ser jogador profissional. Ter ganho dois títulos aqui na Venezuela, um também na própria Série do Caribe; ter ajudado o Brasil a se classificar para a Copa do Mundo uma vez. Para mim esses foram os momentos mais marcantes”, diz ele.Em seu histórico como jogador profissional de beisebol, Leonardo também comemora ter representado seu país natal: “Defendi a Seleção Brasileira quando pequeno, campeonatos pan-americanos, sul-americanos”. Nos dias de jogos, o clima nos estádios venezuelanos é de alegria. É comum a venda de uísque, cerveja, tequeños (tradicional salgado recheado com queijo), além da presença das mascotes de cada time. O do Caribes de Anzoátegui é o Caribito, um boneco branco grande vestido com o uniforme do time. Há rivalidade, mas é mais amena do que no Brasil e o risco de distúrbio entre as torcidas é quase nulo. Na Venezuela, a maior rivalidade recai sobre os torcedores do Leones de Caracas e os do Navegantes del Magallanes. O clima é mais familiar, se comparado aos estádios brasileiros.Leo identifica semelhanças: “Por exemplo, uma pessoa que nasceu em São Paulo, geralmente torce para o Corinthians, São Paulo, Palmeiras, esse tipo de coisa acontece aqui. Então, é uma liga com bastantes torcedores dos países. Eles acompanham bastante, transmitem na TV e tal. Nas finais os estádios sempre estão cheios. Tem aquela rivalidade, me lembra bastante o futebol do Brasil”.Assim como nos outros esportes, um atleta do beisebol não costuma passar dos 40 anos na carreira. Leonardo Reginatto espera poder ficar por mais tempo nas quadras fazendo o que mais gosta na vida: “Minha metas é seguir jogando nessas ligas de alto nível. Não sei até onde eu vou jogar, na verdade, já tenho 34 anos. Continuar jogando com um bom nível, até onde eu conseguir, até onde eu aguentar, até onde eu tiver oportunidade”.
Durante dez anos, Gisèle Pélicot viveu um pesadelo oculto: drogada pelo próprio marido, foi vítima de abusos cometidos por dezenas de estranhos. O caso revela a crueldade disfarçada em um relacionamento de aparência perfeita, trazendo à tona o horror que pode se esconder dentro de casa. Instagram: @erikamirandas e @casosreaisoficial https://casosreaispodcast.com.br/ Roteiro: Lucas Andries Fontes: BBC, G1, CNN Brasil, IstoÉ, O Globo, The Guardian, RFI Brasil, Aventuras na História, Wikipedia, France-Voyage.
A Seleção Brasileira de ciclismo fez história no campeonato Mundial de ciclismo paralímpico que termina neste domingo (29), em Zurique, na Suíça. O Brasil conquistou diversos pódios, entre eles, as duas primeiras medalhas para o país na classe handbike masculina. A RFI Brasil conversou com um dos medalhistas para analisar esse bom desempenho da equipe. Maria Paula Carvalho, da RFI em ParisO Brasil é representado na competição, que começou no sábado (21), por 18 atletas com deficiência física ou visual e uma atleta piloto.As duas medalhas inéditas na prova de handbike, as bicicletas impulsionadas pelas mãos, são a realização de um sonho para Marcos Mello Júnior, mineiro de Nova Lima, que ficou com o bronze no circuito de estrada e a prata no contrarrelógio. "Essa medalha é muito especial para mim, porque faz oito anos que eu estou no paraciclismo", disse. "Para o paraciclismo brasileiro foi um marco, porque foi a primeira vez que um atleta da categoria H, dos handbikes, ganha uma medalha fora do Brasil, principalmente num campeonato tão importante. Então, acho que tanto para mim quanto para o paraciclismo, foi uma medalha bastante importante", avalia.Marcos ficou em segundo lugar na prova de contrarrelógio, com tempo de 38min35s40, atrás do italiano Fabrizio Cornegliani, que chegou com pouco mais de 2min de avanço. ''É difícil dizer se foi o meu melhor tempo, porque os circuitos das provas mudam de cidade para cidade e depende da inclinação do terreno, se está ventando, se está chovendo", explica. "A minha participação foi muito boa, não só pelo resultado, mas por tudo o que acontece durante uma competição. As conversas com os outros atletas, o desenvolvimento pessoal que é muito importante também, nessa relação interpessoal com todos do grupo. Isso é primordial", comemora. Marcos entrou no paraciclismo através do convite de um amigo que já praticava. "Eu tomei coragem, comprei um equipamento de iniciante, bem inferior ao equipamento que eu uso hoje, que é um equipamento bastante competitivo", diz. "A minha deficiência é tetraplegia. Então, eu tenho movimento dos braços, mas eu não movimento a mão e o movimento dos braços é movimento bastante limitado por causa da tetraplegia", observa.AutonomiaO paraciclismo é dividido em 13 classes para homens e para mulheres, de acordo com a natureza da deficiência do atleta, especialmente no que diz respeito a escolha da bicicleta. As regras são idênticas às do ciclismo tradicional.Marcos destaca a autonomia proporcionada por este esporte. "Para quem não está habituado, não conhece o paraciclismo, eu gosto de falar que o paraciclismo é como se eu voltasse a andar novamente porque ele me dá uma autonomia de ir para lugares mais distantes, numa velocidade muito maior do que eu iria com a minha cadeira de rodas, por exemplo", compara."É claro que vai depender de uma força física boa se você quiser ir mais rápido. Mas ainda assim, uma pessoa pouco treinada consegue se divertir bastante com o paraciclismo. E é interessante que a posição que a gente fica na bicicleta, que é uma posição semideitado, passa muito próximo do chão e dá uma sensação de velocidade indescritível", relata. O mais difícil, ele diz, é encontrar equipamentos adaptados à sua necessidade. "O mais complicado da minha categoria é que as adaptações nas bicicletas são muito pessoais e difíceis. Então, nem sempre você vai achar uma adaptação no mercado, alguém que já fez para aquilo que você precisa, porque vai depender muito da sua deficiência e o tanto que ela te atrapalha no esporte", continua. "Mas é bem desafiador fazer uma adaptação para você e depois ver que a adaptação ficou excelente e que você consegue ótimos resultados com aquilo que criou, de acordo com a sua deficiência, de acordo com a sua dificuldade em estar praticando o esporte", acrescenta. Investimento e apoioMarcos diz que o investimento inicial foi todo dele, "assim como é o caso de todos os atletas, pois são raras as associações que têm alguma bicicleta para as pessoas conhecerem e começarem", lamenta. "O patrocínio é bem difícil, eu não tenho. O apoio que eu recebo é do Bolsa Atleta, um programa federal que ajuda os atletas que ficam até a terceira posição em um campeonato mundial, campeonato estadual ou municipal", observa. "Quando a gente se inscreve numa competição, a própria Confederação de ciclismo consegue a estadia e não pagamos a inscrição da prova. Essa ajuda de custo é bastante importante, porque a gente consegue diminuir os gastos e participar de mais competições ao longo do ano e não é uma realidade em outras modalidades, que você tem que ter verba para tudo isso", reconhece. Treinamento O treinamento no paraciclismo depende dos ciclos de competições. "As minhas planilhas de treinos variam de 30 minutos a até 3 horas por dia quando está chegando muito perto das competições", diz o atleta sobre a rotina no esporte. "O treinamento é uma das coisas importantes que a gente não pode relaxar de jeito nenhum, tem que estar sempre em dia, porque os nossos adversários estão sempre treinando e querendo chegar à frente", completa. Fim de um ciclo paralímpicoO Campeonato Mundial de Zurique encerra a temporada de competições internacionais e o ciclo paralímpico, explica Edilson Rocha, o Tubiba, Coordenador de Paraciclismo da Confederação Brasileira de ciclismo. "Na terça feira (1), dois dias após o término da competição, o ranking é atualizado e a gente vai fazer o levantamento de posições do ranking, quantas posições a gente ganhou, quantos atletas a gente tem no top 3, no top 4 e 5 e vai avaliando o que a gente precisa evoluir, como a gente vai crescer ainda mais", explica. Apesar do apoio do Comitê Paralímpico Brasileiro e do Ministério do Esporte, ele diz que é muito difícil para o país alcançar o mesmo patamar no ciclismo do que outros onde o esporte está consolidado e tem mais visibilidade. Citando as conquistas nos Jogos Paralímpicos de Paris 2024, ele aponta a meta do Brasil. "A Holanda conquistou 56 medalhas nos Jogos, 27 de ouro. 16 dessas medalhas vieram do ciclismo, dez de ouro do ciclismo, ou seja, 25% das medalhas da Holanda vieram do ciclismo e 37% das medalhas de ouro da Holanda vieram de ciclismo. Então, o ciclismo foi fundamental para a Holanda ficar em quarto lugar à frente do Brasil", calcula. "Então, se a gente conseguir melhorar a nossa modalidade e fazer com que o Brasil divida essas medalhas com essas potências, certamente a gente vai crescer ainda mais", aposta.A Seleção Brasileira espera poder contar com a construção de um novo velódromo dentro do Centro de Treinamento Paralímpico, em São Paulo. "A gente vai ter a construção do nosso velódromo e vai poder desenvolver um trabalho muito bom. Outros exemplos: a Grã-Bretanha teve 22 medalhas no ciclismo. A Austrália, 11 medalhas no ciclismo, A França, 26 medalhas no ciclismo, 52% das medalhas de ouro da França vieram do ciclismo, ou seja, mais da metade das medalhas de ouro que a França, que era sede dos Jogos Paralímpicos, conquistou vieram de uma única modalidade, que é o ciclismo", aponta. "Eu acho que esse campeonato mundial ajuda a trazer também um pouco de luz pelos bons resultados que a gente está tendo, além dos Jogos de Paris. E aí a gente pretende desenvolver um projeto e crescer cada vez mais para que o Brasil se consolide como uma potência no paraciclismo e se mantenha dentro do top cinco ou chegue no top três do quadro geral de medalhas em Jogos Paralímpicos", espera. Nos Jogos Paralímpicos Paris 2024, o Brasil teve seis atletas no paraciclismo e não conquistou medalhas. Outras medalhas em ZuriqueA modalidade é mais uma prova de que pessoas com deficiência podem ter altíssimo rendimento no esporte. Até a última quinta-feira, o país já tinha conquistado sete pódios no mundial de Zurique.Na quinta-feira (25), nas competições de estrada, Jady Malavazzi foi ouro na classe H3 feminino, enquanto Gilmara Rosário ficou com o bronze na classe H2.A paulista Gilmara Sol do Rosário já tinha conquistado uma medalha de bronze na prova contrarrelógio, com tempo de 28min,50s16, atrás da americana Katie Brim e da italiana Roberta Amadeo. Na classe C5 masculino (atletas que competem em bicicletas convencionais), Lauro Chaman ficou com o bronze na estrada. O paulista já tinha conquistado a prata na prova contrarrelógio, confirmando ser o maior medalhista do paraciclismo brasileiro, com mais de 50 medalhas em eventos oficiais.
Um grupo de pesquisadores franceses descobriu que a presença de um subtipo do linfócito Th17, uma das células que compõem nosso sistema de defesa, pode contribuir em alguns casos ao desenvolvimento de certos tipos de tumores, como os do intestino, fígado ou pâncreas. Taíssa Stivanin, da RFI em ParisO estudo foi realizado durante quatro anos por especialistas do CNRS (Centro Nacional de Pesquisa Científica da França), do Inserm (Instituto de Pesquisas Médicas da França), da universidade Claude-Bernard Lyon 1 e do Centro de Pesquisa Oncológica de Lyon.Os cientistas franceses identificaram um dos mecanismos do processo inflamatório presente em algumas doenças crônicas que levaria ao surgimento de certos cânceres, disse à RFI Brasil o imunologista francês Julien Marie, que participou da pesquisa, publicada no final de julho na revista científica Nature Immunology.Para entender como os pesquisadores chegaram a essa conclusão, é necessário compreender o papel dos glóbulos vermelhos ou brancos, os linfócitos, em nosso organismo. “Os glóbulos vermelhos são responsáveis pelo transporte do oxigênio no sangue e os brancos combatem os agentes infecciosos e as células defeituosas”, explicou o cientista francês.Os glóbulos brancos são divididos em dois grandes grupos, formados pelos linfócitos B, que produzem os anticorpos, e os linfócitos T. A função deles é destruir células defeituosas ou que foram contaminadas por um vírus ou uma bactéria, por exemplo. Para isso, libera moléculas como as citocinas, que vão criar a inflamação e favorecer a cicatrização e a cura.O problema é que esse processo às vezes pode sofrer alterações e gerar doenças ou agravar infecções – um exemplo é a forma grave da Covid-19. A equipe francesa descobriu que o linfócito Th17, presente na Doença de Crohn, uma patologia crônica intestinal, poderia atuar no aparecimento de células cancerígenas.Muitos tumores, lembra Julien Marie, surgem a partir de uma inflamação crônica. Quando ela atinge uma parte específica do intestino, como é o caso dos pacientes que têm Crohn, as células vão se modificar e se tornar cancerígenas exatamente na porção inflamada. “No nosso estudo, tentamos entender quais eram as células do sistema imunológico na origem dessa inflamação que vai gerar o câncer. São etapas extremamente precoces do desenvolvimento da doença”.Esse mecanismo localizado ajudou a equipe a “cercar” a área onde ocorre todas as modificações celulares. Os cientistas então constataram que um subtipo dos linfócitos Th17 estava na origem de alguns tumores. “Hoje temos técnicas que permitem analisar uma célula de cada vez. Percebemos que as células Th17 tinham oito subtipos, e um deles podia desencadear o câncer através da inflamação criada por ela mesma”, explica.Citocina bloqueia aparecimento do câncerO estudo analisou os linfócitos invitro, no laboratório, as células das biópsias de pacientes que tinham a Doença de Crohn. Eles têm, em geral, quase seis vezes mais chances de desenvolver um câncer colorretal que um indivíduo normal, explicou o cientista francês, e entender o porquê era um dos objetivos da equipe.Durante o estudo, os pesquisadores conseguiram provar que o linfócito Th17 estava presente nos pacientes que desenvolveram os tumores. “No nosso artigo científico caracterizamos os linfócitos que geram o câncer, fazemos uma descrição deles e definimos um certo número de marcadores que propomos para defini-los", explicou. "Fomos ainda mais longe, porque toda a questão por trás da nossa pesquisa era saber se podíamos bloquear o aparecimento do câncer”, acrescenta.Foi justamente essa uma das grandes descobertas da pesquisa. “O desenvolvimento das células cancerígenas pode ser bloqueado pela presença de uma citocina, TGF–β (TGFBETA)”. Se o nível dessa citocina diminui no intestino, por exemplo, favorecerá o aparecimento do câncer, reitera Julien Marie.A descoberta pode ajudar no desenvolvimento de novas terapias contra o câncer e também na prevenção, através da utilização dos marcadores propostos no estudo. Eles são preditivos do risco de desenvolvimento da doença e permitirão um diagnóstico precoce ou até mesmo antecipar o risco do paciente antes de o câncer aparecer.Para Julien Marie, o estudo também é importante porque quebra um paradigma: o nosso sistema imunológico, criado para proteger o organismo, às vezes pode ser nocivo. De cada três cânceres, lembra, um se desenvolve a partir de uma inflamação crônica – um mecanismo que ainda continua sendo, em parte, um mistério para a Ciência.
A OMS (Organização Mundial de Saúde) declarou a Mpox como Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) em agosto e os países agora se preparam para a chegada da nova variante da doença, o clado 1b. Ele foi identificado em julho na República do Congo e está se propagando rapidamente. Taíssa Stivanin, da RFI em ParisCerca de um milhão de doses da vacina Jynneo, desenvolvida pelo laboratório dinamarquês Bavarian Nordic, devem ser encaminhadas em breve para conter o surto na região. Em todo o continente africano, já foram oficialmente diagnosticados cerca de 5 mil casos, de acordo com as últimas estimativas - 20 mil se os dados consideram as infecções "prováveis".Até o momento, o Brasil ainda não registrou contaminações com o novo subtipo, mas desde o início do ano, foram registradas mais de 800 infecções da outra variante, a clado-2, que se espalhou em 2022. Por que a nova linhagem é considerada mais preocupante pela OMS e qual a diferença entre os dois subtipos? A RFI Brasil conversou sobre o novo surto de Mpox com o virologista Olivier Schwartz, diretor do Departamento de Vírus e Imunologia do Instituto Pasteur, em Paris.Segundo ele, poucos casos de infecções do subtipo clado 1b, que já chegou à Europa, foram descritos pela comunidade científica. Na Suécia, uma pessoa que voltava da República do Congo foi testada positiva em agosto. Desde então, os pesquisadores do país analisam o caso para dividir as informações em nível europeu, explica o virologista francês.“O paciente foi atendido e as amostras analisadas e sequenciadas. Os pesquisadores suecos agora estão tentando 'ampliar' o vírus para poder estudá-lo, analisar suas características e dividir os dados com outros laboratórios, entre eles o Instituto Pasteur", detalhou o especialista.Na França, as autoridades reforçaram os diagnósticos e preparam a campanha de vacinação. O Instituto Pasteur é um dos cerca de 200 centros preparados para aplicar as doses, e poderá também realizar o teste PCR que confirma a infecção. Segundo o cientista, apesar do sistema de saúde francês estar em alerta e preparado desde o primeiro surto de Mpox em 2022, a expectativa é que não haja uma explosão do número de casos, devido à imunidade adquirida pela população. Antes de 1980 a vacinação contra a varíola, um vírus da mesma família do Mpox, era obrigatória. Além disso, parte da população considerada a risco na época foi imunizada em 2022. Uma das questões agora é estabelecer a eficácia do imunizante, que contém um vírus vivo atenuado, ou seja, enfraquecido, contra a infecção pelo novo subtipo. “Sabemos que a vacina é eficaz contra o clado 1 em testes com animais, feitos em laboratório, e em testes celulares. Mas por enquanto, a eficácia contra o novo subtipo ainda é desconhecida. Mas, sabendo como o imunizante funciona e conhecendo o sequenciamento do vírus clado 1, esperamos que a vacina possa combatê-lo. Os estudos mostram uma eficácia de 70% a 90% de redução de infecções graves após duas doses”.Clado x VarianteQual a diferença entre um clado e uma variante? De acordo com Olivier Schwartz, o clado é um grupo de vírus e uma variante é uma “cepa em particular”. Segundo ele, “no caso do Mpox, esses grupos são definidos por análises de sequências genômicas. Percebemos, ao reconstituir a árvore filogenética, ou seja, a árvore genealógica dos vírus que circulavam, que existiam dois ramos principais: o grupo ou clado 1 e o grupo ou clado 2. Eles são próximos”.Segundo o virologista do Instituto Pasteur, também não há grandes diferenças entre os dois clados em termos de mortalidade, apesar do clado 1 ser um pouco mais virulento. O cientista lembra que é difícil saber em que proporção as condições sanitárias ou ambientais contribuem para o aumento do número de formas graves da doença.TransmissãoO vírus Mpox é transmitido principalmente através do contato próximo e prolongado com pessoas doentes que tenham bolhas, feridas, erupções cutâneas, crostas e fluidos, como secreção e sangue. O Ministério da Saúde alerta que objetos recentemente contaminados também podem transmitir a doença.Já a carga viral presente na saliva expelida quando duas pessoas conversam, por exemplo, é bem menor. “Provavelmente há casos, mas talvez não seja a principal forma de transmissão. Por hora, não temos evidências. Que eu saiba, não há provas de que o clado 1b é transmitido de maneira eficaz pela respiração”, esclarece o virologista.A transmissão do vírus por pessoas assintomáticas também ainda não foi confirmada. Segundo Olivier Schwartz, é possível que pessoas vacinadas contra a varíola no passado desenvolvam formas extremamente leves da doença e possam ser contagiosas, mas essa hipótese deve ser confirmada por estudos comparativos de carga viral.Pacientes imunossuprimidos correm mais risco de desenvolver formas graves e, nessa situação, o diagnóstico é fundamental para evitar complicações. A prevenção passa pelo isolamento rápido dos casos positivos. Os sintomas aparecem entre 3 e 21 dias após a contaminação e incluem, além das erupções cutâneas, febre alta, dor de cabeça e cansaço. Pais de crianças pequenas devem ficar atentos para não confundir a doença com a Catapora, que provoca o aparecimento de bolhas parecidas. Por isso é importante realizar o diagnóstico o mais cedo possível.Antiviral está sendo testadoDe acordo com o virologista francês, o antiviral Tecovirimat está sendo testado contra a doença. Estudos mostram que ele pode acelerar a cicatrização das lesões, mas exigem aprofundamento, já que os primeiros resultados foram decepcionantes.“Sabemos que é uma molécula antiviral que funciona muito bem nos modelos animais e em cultura celular nos laboratórios. Então é muito cedo para saber se, no homem, a falta de eficácia demonstrada no estudo está relacionada a outros parâmetros”.Entre esses parâmetros, o especialista do Instituto Pasteur cita o momento do início da terapia e compara com o Paxlovid, um dos antivirais usados contra o vírus da Covid-19. Para frear a infecção e a transmissão, ele deve ser prescrito entre dois e três dias após a contaminação.
No último dia dos Jogos Paralímpicos Paris 2024, que encerram neste domingo (8), atletas, torcedores e comissão técnica das equipes brasileiras avaliam a organização do evento e a acessibilidade oferecida pela capital francesa nestes 12 dias de competições. E o balanço é favorável, conforme as entrevistas feitas pela RFI Brasil com muitos participantes que saem desta edição transformados. Maria Paula Carvalho, da RFI em ParisA garra demonstrada pela equipe de goalball do Brasil após a conquista do bronze nos Jogos Paralímpicos de Paris é um exemplo da força de vontade e superação exigidos todos os dias por pessoas com deficiência. Uma luta que esta edição do evento procurou colocar em evidência, ao propor uma “revolução de consciência” em favor da inclusão, segundo as palavras do Comitê Organizador. O evento também revelou uma das fragilidades de Paris: apenas 3% da vasta rede de metrô da capital francesa oferece acessibilidade plena, algo que a cidade teve que contornar para receber 350 mil visitantes com deficiência durante as competições.A RFI conversou com Arthur Eugênio Furtado, Conselheiro de Administração do Comitê Paralímpico brasileiro, sobre as condições de acessibilidade para os atletas. “Eu não tive nenhum report deles a respeito deste aspecto. Eu que não tenho deficiência, vejo o quanto eles devem ter de desafio em uma cidade como Paris, mas especificamente da nossa equipe eu não tive nenhum comunicado a respeito disso”, explica.Com mais de 400 medalhas conquistadas até hoje em Jogos Paralímpicos, ele acredita que o Brasil se estabelece como uma potência paralímpica. "Eu acredito que sim, a nossa meta é manter o que a gente vem mantendo nas Paralimpíadas anteriores, é um desempenho muito bom, a gente tem uma estrutura boa no Brasil para o esporte paralímpico e eu acredito que vamos sair daqui com um bom resultado”, acrescenta Furtado.O Brasil encerrou a sua participação na capital francesa com 89 pódios: 25 ouros, 26 pratas e 38 bronzes, a melhor campanha do Brasil na história dos Jogos Paralímpicos. O país teve o maior número de ouros e maior quantidade de medalhas - superando em 17 pódios os obtidos em Tóquio (72). Pela primeira vez na história nos Jogos Paralímpicos, o Brasil também é top-5, ficando atrás de China, Grã-Bretanha, EUA e Holanda, sendo que os holandeses só superaram a delegação brasileira por uma medalha de ouro.Atleta de goalball e também conselheiro do Comitê Paralímpico do Brasil, Leomon Moreno fala sobre os esforços feitos no país pela acessibilidade e integração. "Hoje, a gente vêm trabalhando muito nas estruturas de governança e administração para deixar os atletas totalmente entregues à área fim do esporte, que é dentro de quadra, das piscinas, das arenas, correndo nas pistas e lutando nos tatames", explica. “O que a gente precisa melhorar imensamente é o diálogo entre todas as camadas da sociedade. Se todas entenderem que a pessoa com deficiência é igual a qualquer outra, somente tem uma limitação, tudo vai ser pensado com acessibilidade e tudo vai ser pensado para atender todos e é isso que a gente tenta promover e difundir, não só no Brasil, mas fora do Brasil também”.Dever cumpridoPara os 45 mil voluntários que trabalharam nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Paris, os eventos deixarão saudades. “E um parêntese encantado na nossa vida de todo dia, um momento maravilhoso com os espectadores contentes de estarem aqui. E nós, voluntários, ficamos muito felizes de poder acolher o mundo inteiro na nossa casa, em Paris”, disse à RFI o francês Maxime Elghozy, que recebia o público na arena Paris Porte de Versailles.“Os franceses e os parisienses que reclamaram no início estão muito felizes de ver que tudo correu bem e os estrangeiros também demonstram estar gostando, então toda a França está muito feliz de ter acolhido estes Jogos”, acrescentou. Maxime ainda falou sobre as emoções vividas nas competições paralímpicas. “São situações tão incríveis, temos muitos exemplos de pessoas com as quais cruzamos aqui, alguns que têm os quatro membros amputados e conseguem nadar, é impressionante, um que faz tiro com arco com a boca, pessoas que são tetraplégicas e conseguem fazer esporte de altíssimo nível e é magico de ver isso”, destaca.A arquiteta paulista, Camila Tauil, veio do Brasil para ajudar na organização. Cansada, ela diz que tudo valeu a pena. “Eu vim para ser voluntária, vim de São Paulo somente para as Paralimpíadas e ver todo o esforço por trás dos Jogos, para isso acontecer, é algo gigantesco, com certeza eu vou sair diferente", disse a brasileira à RFI. "Eu vim para fazer uma coisa que eu não faço no Brasil, não tem nada a ver com a minha profissão de lá, eu vim para ajudar a organizar os jogos e vou sair diferente, ver que a gente consegue fazer tudo, nada é empecilho ou barreira, os Jogos são incríveis, tem muita gente assistindo, os estádios estão lotados”, comemora. Lição de vidaA mesma sensação de dever cumprido ouvimos de muitos torcedores presentes nas arenas paralímpicas. Como é o caso do jornalista Carlos Antônio de Oliveira, que mora na Polônia e veio para ver as competições em Paris. “Estar aqui nestas Paralimpíadas é algo muito especial, é a minha primeira vez, então, conhecer um pouco mais dos esportes, dar visibilidade, dar oportunidade de esses atletas serem reconhecidos e de a gente passar um pouco da nossa força para eles é algo inigualável", avalia. "Então, saio daqui com o dever cumprido de ter oferecido um pouco do meu melhor para eles que merecem tanto”, acrescenta. “Me impressiona o fato de eles terem deficiências e não se deixarem levar por isso, sempre buscarem a excelência, buscarem um esforço a mais, coisa que a gente no dia a dia às vezes não faz. Nós que somos tão agraciados, que não temos problema nenhum reclamamos tanto e estas pessoas vêm aqui e se superam dia após dia, fazem coisas impressionantes e que eu jamais conseguiria fazer. Eles me deram uma lição para vida”.Lucas Calegari é outro torcedor que vai sair transformado desta experiência. “Para mim é muito importante estar aqui, eu venho do Acre, vim somente para os Jogos e é muito gostoso ver que o Brasil arrebenta, ganha muitas medalhas, mas de maneira geral, você vê um espírito muito bacana entre todos os atletas, os staffs, ganhando ou perdendo, todo mundo numa sinergia e alegria grande, é gostoso fazer parte disso, um sentimento de carinho, de amor, de união, muito especial, vou levar para sempre esta experiência”, diz.Os Jogos Paralímpicos Paris 2024 terminam neste domingo, com uma cerimônia de encerramento no Stade de France.
Por causa dele, o hino do Brasil já foi entoado pelo menos duas vezes na piscina dos Jogos Paralímpicos, em Paris. Gabriel Araújo, o Gabrielzinho, é um dos principais destaques da competição, com várias reportagens sobre a sua performance e o seu carisma tendo sido publicadas na imprensa europeia. Ele levou o ouro nos 100m e 50m costas, na categoria SM2 para atletas com limitação físico-motora na quinta-feira (29) e sábado (31). Neste domingo (1º), ele bateu duas vezes o próprio recorde nos 150 medley. Ao todo, serão 5 provas no evento. A RFI Brasil ouviu torcedores na Arena La Défense e conversou com este fenômeno da natação paralímpica. Maria Paula Carvalho, da RFI em Paris"É um fenômeno brasileiro, estamos orgulhosíssimos de tê-lo aqui conosco", diz a engenheira Dafne Brito. "Muito legal, temos que torcer por ele, hoje e sempre", completa. Com 1m e 21 centímetros de altura, Gabriel Araújo é um gigante da natação do Brasil. O mineiro que nasceu com focomelia, uma anomalia congênita que impediu a formação dos braços e pernas, detém diversos títulos internacionais e tem impressionado o público em Paris. "O cara é um monstro, é incrível de ver isso de perto, estamos aqui para isso, estamos para o espetáculo", diz Iana de Brito, engenheira agrônoma, ao descrever o que viu. "Ele tem um poder, dá para ver que ele usa tudo o que pode. Um guerreiro, é o nosso guerreiro", completa. "A gente acha fantástico. Ele fez um documentário aqui na França recentemente, a gente assistiu faz dois dias, daí ver o documentário e assistir ele nadar, a gente se sente tão pequena, porque ele é tão grande e a gente é só desse tamanho," diz a engenheira civil Juliana Xavier de Lima, que vive na capital francesa. "Os Jogos Paralímpicos mexem comigo e com os demais espectadores, mexe com todo mundo", observa a brasileira, que também estava na torcida neste domingo.O filho dela, Hugo, de 12 anos, também comenta o desempenho de Gabrielzinho. "Eu acho ele inacreditável porque ele não tem braço, e ele tem umas pernas muito pequenas e consegue dirigir o carro e mandar mensagens com os pés", destaca o menino. "Ele é um exemplo porque não desistiu e se bateu até o fim", acrescenta o jovem torcedor franco-brasileiro.Uma trajetória que impressiona até quem trabalha no evento, como o francês Eric Huynh, supervisor de fotografia do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Paris 2024. "Há muitas coisas impressionantes sobre ele. A sua capacidade de ser muito autônomo, a maneira como ele mergulha e como ele nada, tão rápido e bonito. E quando ele sai da água, tem aquele sorriso incrível, é um atleta exemplar e inspirador", diz o fotógrafo. Ovacionado na França, Gabriel tem transformado pessoas por onde passa. "Para mim, é alguém que me dá força. Eu olho e penso: meus pequenos problemas não importam. Ele me dá coragem e vontade de me superar, pois se ele consegue? Realmente essas pessoas são exemplos", completa Huynh. "Um menino feliz e recordista mundial"O técnico de Gabriel, Fábio Antunes, fala sobre a reação dos franceses ao talento do nadador. "Para a gente é uma energia a mais, ele é um menino carismático e feliz e isso é legal para mostrar que as pessoas com deficiência podem ser felizes, podem se divertir e ocupar qualquer lugar da sociedade", diz. A RFI Brasil entrevistou o nadador Gabrielzinho após a classificação dele para a final dos 150 medley, no fim da manhã deste domingo, quando bateu o próprio recorde mundial da prova, com tempo de 3min 15s 06 centésimos. "Eu vim para nadar contra o relógio, contra mim mesmo que é o que eu sempre faço, eu gosto de estar sempre evoluindo e evolução quer dizer que se eu melhoro o meu tempo e sou melhor do que eu fui ontem, para mim é muito gratificante", disse o atleta.À noite em Paris, na final, Gabriel bateu novamente a sua melhor marca, terminando a prova com tempo de 03min 14s e 02 centésimos. "É o que eu falo, é sempre bom estar entre os melhores e brigar com os melhores é melhor ainda", disse. O atleta ficou em quarto lugar na categoria SM3, já que a modalidade dos 150 metros medley masculino é disputada em multi-categorias, mostrando o bom desempenho do brasileiro mesmo entre adversários com menos comprometimento físico-motor do que ele. O ouro ficou com o alemão Alexander Topf, que fez 3min 00s16. Os australianos Ahmed Kelly e Grant Petterson levaram a prata e o bronze.Perguntado sobre o fato de ter sido citado em diversos jornais da França, Gabriel diz estar "muito feliz e emocionado porque jamais imaginaria viver tudo isso tão novo". Ele conta sobre "a atmosfera única e toda a energia, tudo o que está acontecendo". "Eu fico feliz, mas não é o que eu fico pensando, porque eu tenho que pensar nas provas, é o que eu vim fazer", diz, demonstrando concentração."Usar todas as armas"Gabriel conta que treina de segunda a sábado, 4 horas por dia, em Juiz de Fora, Minas Gerais. Uma rotina que as pessoas não veem, mas que ele cumpre com alegria. "Não veem o mais difícil, a rotina de treino, o dia a dia que. Eu falo que é o mais difícil. Na competição se você está cem por cento preparado, fica mais fácil de acontecer". Para nadar, Gabriel usa a ondulação do tronco, a força de todos os músculos. "A parte técnica é difícil de falar, pois é o meu treinador que sabe, mas o meu objetivo é usar todas as armas que eu tenho, lutar com as armas que eu tenho, as pernas, o quadril muito forte, o ombro, a cabeça, o pescoço; é o que eu tenho, eu tenho que otimizar tudo isso e fazer o melhor, ser um atleta inteligente", resume. Perguntado sobre a vida fora da piscina, ele descreve uma rotina alegre. "Muito tranquilo, muito feliz sempre, levando alegria onde passo e, hoje, na França eu vi que estou no caminho certo, de transmitir alegria para todo mundo, alegria que contagiou essa galera, é uma honra para mim passar essa energia positiva", diz. E o que a natação significa na vida dele? "A natação significa tudo, transformou a minha vida, me proporciona coisas que eu jamais imaginaria viver, realizar sonhos e fazer o melhor que é nadar, algo que só depende de mim, isso é gratificante. Fico feliz e vamos continuar no caminho", promete. Gabriel disputa ainda os 200m livre nesta segunda-feira (2) e os 50m livre na sexta (6) em Paris.
Os paratletas brasileiros já estão em Paris, alojados na Vila Paralímpica, após o fim da fase de adaptação em Troyes, no leste da França. A reportagem da RFI esteve no Centro Esportivo de Aube, onde a preparação vinha sendo feita, e conversou com alguns deles. Após os ajustes finais para suas competições, o clima entre os atletas é um misto de ansiedade e grande expectativa para o início dos Jogos Paralímpicos. Renan Tolentino, enviado especial da RFI Brasil a TroyesVelocista dos 400m rasos na classe T11, para deficientes visuais, Felipe Gomes conta que esse período em Troyes foi importante para os atletas se adaptarem ao solo francês.“A gente está fazendo os últimos ajustes. Estamos animados para fazer um bom trabalho aqui na França (...) Temos uma estrutura legal, alimentação como no Brasil, o que está permitindo a gente a trazer um pouco do Brasil para cá, para chegar na hora da competição e dar o nosso melhor”, opina Felipe.“Pretendo fazer uma boa competição e a consequência disso a gente vai saber quando cruzar a linha de chegada", acrescenta o velocista.Experiente, Felipe chega para os Jogos de Paris 2024 como o segundo maior medalhista da delegação brasileira em Paris, contabilizando seis pódios paralímpicos: dois ouros, três pratas e um bronze. Ele almeja melhorar ainda mais os números nestas Paralimpíadas.“Eu quero aumentar essa marca. Todo mundo quer. Se eu não tivesse medalha nenhuma, eu gostaria de ganhar a primeira. Agora que eu tenho as medalhas, eu quero continuar ganhando, porque é o objetivo de todo atleta, chegar na principal competição do ciclo e medalhar", afirma. "A gente mantém essa chama acesa, essa vontade e vai brigar com todos os outros – respeitando todo mundo, mas procurando fazer o nosso melhor”, conclui Felipe.Estreante aos 16 anosHá quem esteja fazendo sua estreia em Paralimpíadas e iniciando uma trajetória que tem tudo para durar. Sophia Kelmer tem apenas 16 anos e vai disputar sua primeira edição. Ela é a mais jovem da seleção de tênis de mesa e a segunda mais nova de toda a delegação brasileira. Para Sophia, Paris 2024 representa o começo de um sonho.“É um sonho se tornando realidade. Eu sempre brinco com o pessoal da seleção que, três anos atrás, eu assistia eles pela TV e hoje eles são os meus colegas de seleção", relembra. "Eu busco sempre aprender o máximo possível e desfrutar dessa experiência. Espero ter muitas outras em Jogos Paralímpicos, mas acho que a primeira é sempre a mais emocionante”, comenta Sophia.Apesar de ter só 16 anos, ela chega a Paris com alguns títulos na bagagem. É pentacampeã brasileira da classe 8, dos paramesatenistas com comprometimento moderado nos membros inferiores e superiores.Leia também“Vou em busca do tri”, diz Petrúcio Ferreira, fenômeno das pistas que chega a Paris como bicampeão paralímpicoEla também já conquistou uma prata no individual feminino e um bronze nas duplas femininas nos Jogos Parapanamericanos de Santiago em 2023, além do ouro no individual e nas duplas femininas no Parapan de Jovens em Bogotá, também no ano passado. Os resultados a permitem sonhar ainda mais alto em Paris.“Tudo que eu venho construindo, mesmo com pouca idade, me dá muita experiência, muita bagagem para chegar nesses jogos o mais forte possível para buscar os melhores resultados para o nosso país", salienta.“A expectativa está demais. Quero muito chegar à Vila, ver a estrutura toda. Sempre tive o sonho desde criança de me tornar atleta paralímpica. E agora que esse sonho se tornou realidade, eu só quero desfrutar o momento e jogar o mais feliz possível, porque o resultado é consequência de um trabalho bem feito”, diz Sophia.Da redação para as ParalimpíadasTambém do tênis de mesa vem outra estreante: Carla Maia até já participou de três edições das Paralimpíadas, mas cobrindo como jornalista, profissão que exercia anteriormente. Em Paris 2024, ela faz sua estreia como atleta do tênis de mesa para cadeirantes. “Eu já participei nos bastidores, torcendo pelos atletas, mostrando as histórias deles, indo atrás de notícia. Agora finalmente chegou minha vez, porque meu grande sonho sempre foi vir como atleta. Dessa vez eu consegui, depois de 20 anos treinando", comemora. "Estou vivendo um sonho. A cada dia uma experiência diferente. Estar no meio deles só me motiva cada vez mais.”“Cada vez mais eu penso: essa é só a primeira. Desta vez, eu que estou aqui para brilhar. Espero que eu brilhe muito”, Carla Maia, paramesatenista brasileira.Os Jogos Paralímpicos de Paris começam na quarta-feira (28) e seguem até 8 de setembro, reunindo mais de 4,4 mil dos melhores atletas do mundo ao longo de 12 dias de competição e festa.
À primeira vista, os alojamentos em tijolos vermelhos lembram um campus universitário como qualquer outro. Mas o Instituto Nacional do Esporte de Alta Performance da França (INSEP), forma os maiores atletas do país. A RFI realizou uma visita a esta espécie de internato, na zona leste de Paris, para desenvolver os melhores talentos. Localizado numa área de 28 hectares no bosque de Vincennes, o centro esportivo tem as melhores instalações para diversas modalidades olímpicas. Maria Paula Carvalho, da RFI em Paris Fundado em 1975, este é o centro de treinamento olímpico e paralímpico de referência na França, onde mais de 500 atletas de alto nível encontram as condições ideais para evoluir. "A particularidade do INSEP é ter, em um só lugar. todos os componentes: a formação, o treinamento e o alojamento", explica a diretora adjunta Anne Barrois-Chombart. "A vantagem é diminuir os deslocamentos, sabemos que o tempo é muito importante para um esportista de alto nível e o objetivo é otimizá-lo, para que o atleta possa consagrar o tempo disponível ao treino, à formação e a sua recuperação", completa. Cada atleta tem apoio personalizado, acompanhamento médico e psicológico, além de formação e até reconversão profissional. Por aqui já passaram nomes como o judoca bicampeão olímpico Teddy Riner e o canoísta Tony Estanguet, hoje presidente do Comitê Organizador dos Jogos de Paris 2024. Com orçamento anual de € 38 milhões, o instituto emprega 280 treinadores. muitos deles ex-atletas ou indicados pelas confederações esportivas. Franck Abrial competiu nas Olimpíadas de 1988 e hoje é um dos responsáveis pelo departamento de luta. "A prioridade é o esporte e a performance, mas nessa casa eles também podem construir o seu projeto de vida, para depois entrar na carreira que quiserem", diz, em entrevista à RFI Brasil. O ex-lutador de wrestling conta que os atletas levaram alguns dias para se adaptar ao tatame mais rígido, recém-instalado, uma réplica do que será usado das competições de Paris 2024. "Psicologicamente, dizer que é o mesmo tatame que nos Jogos Olímpicos já é uma vantagem", explica. "Nós viemos aqui, colocamos nosso calçado de luta, e esse contato com a superfície quando vamos combater um adversário, é como sentiremos nos Jogos Olímpicos, e nos sentimos bem", descreve. A pista de atletismo também acabou de ser reformada e é semelhante à oficial do Stade de France, local das competições olímpicas. As pistas de esgrima do INSEP também foram modernizadas. O gerente da Unidade de Instalações Esportivas, Frederic Charles, fala dos benefícios para os atletas franceses. "Podemos pensar que eles estarão em ótimas condições e que não precisarão de uma fase de adaptação, e se eles não têm tempo ou não querem treinar nas pistas onde vão acontecer os Jogos, porque tem muita gente e poucos horários disponíveis, eles sabem que treinaram, dois ou três meses antes, nas pistas que encontrarão nas Olimpíadas", diz. Campo de base da França Várias equipes da França ficarão concentradas no INSEP para os últimos ajustes e o entrosamento do grupo, antes de irem para a Vila Olímpica, em Saint-Denis. É o caso da corredora Gemima Joseph, classificada para os 100 e os 200 metros rasos. Ela treina o sprint com uma carga a mais, presa a um cabo, e tudo é verificado nas imagens e em programas de computador. "Isso permite que eu esteja no meu melhor nível, eu sei que as minhas adversárias estarão no topo, e aqui eu tenho os melhores equipamentos para poder me aperfeiçoar", diz "Eu estou feliz de poder usufruir disso e competir no mais alto nível", acrescenta. "Aqui, eu posso acertar pequenos detalhes, a explosão e resistência nos 100 metros, me permite trabalhar mais duro e quando retirarmos a carga, eu estarei mais leve, mais livre e mais competitiva", aposta. Tecnologia de ponta Ao visitar um centro de treinamento como o INSEP, vemos que a tecnologia é cada vez mais importante para a boa performance de um atleta. Porém, se os computadores e sensores ajudam a conhecer a condição física naquele momento, os dados servem apenas indicadores para o treino. É o que explica Nicolas Prevost, responsável pelo laboratório de ajuda a performance. "É mais uma ajuda à decisão, do que realmente nos dar ordens precisas ou que tenhamos que seguir o computador. É mais uma ajuda e nós fazemos as escolhas, nós decidimos o que implantar", afirma. O laboratório fica dentro de um ginásio de 13.000 metros quadrados dedicado ao atletismo. Os equipamentos ajudam a testar o preparo de cada atleta. Um colega jornalista aceitou medir sua performance no salto, e não se saiu mal. Também testamos uma outra máquina, com o objetivo de avaliar a cognição e a rapidez de resposta a um estímulo. Nicolas Prevost lembra, no entanto, que não há receita mágica para formar um campeão. "Se tivéssemos a receita, nós seguiríamos. Não tem receita. Há diferentes perfis de atletas. Alguns são muito talentosos naturalmente, mas que têm dificuldades, há outros que precisam de muito trabalho para desenvolver o seu talento, cada atleta é diferente e tem sua singularidade. E nós nos adaptamos a eles", conclui.
A poucos dias do primeiro turno das eleições antecipadas na França, organizações de defesa do meio ambiente e cientistas alertam sobre os riscos de um governo de extrema direita para o futuro da política ambiental do país, a segunda maior economia da União Europeia. O partido Reunião Nacional se opõe ao que chama de “ecologia punitiva”, defende o enfraquecimento do Pacto Verde europeu e de uma série de medidas que colocam a França no caminho da descarbonização completa até 2050. Lúcia Müzell, da RFI Brasil em ParisPara aumentar a sua aceitação popular, a legenda adaptou o discurso sobre o clima: deixou de lado as tiradas negacionistas e passou a evocar o tema para reforçar as posições nacionalistas que traçaram a sua história. A sigla de extrema direita compreendeu que, no contexto francês, não poderia mais rejeitar a crise climática se quisesse chegar ao poder.“Eles adotaram uma postura mais cautelosa: reconhecem a existência da desregulação climática, mas a responsabilidade direta do homem nisso ainda não é tão clara, para eles. Então, a solução que apresentam para a questão climática vai ao encontro da argumentação central da extrema direita, pela soberania nacional”, observa o cientista político Bruno Villalba, especialista em política ambiental francesa e professor da AgroParisTech. “Eles vão pegar tudo que pode confortar a tese central do partido, que é a defesa da identidade nacional, do local. Por exemplo, eles são contra a energia eólica porque dizem que as turbinas afetam a paisagem tradicional da França”, salienta. O programa do partido, cotado em primeiro lugar nas pesquisas de intenções de voto nas eleições francesas, inclui um curto parágrafo sobre o assunto: “Nós desenvolveremos uma ecologia com bom senso, baseada nas realidades cientificas, protetora do nível de vida dos franceses e que garanta a nossa independência nacional”, diz o trecho, logo depois de afirmar que “as famílias e empresas francesas sofrem a cada dia com uma ecologia punitiva, através de normas que prejudicam o poder de compra e o crescimento econômico”.Discurso em contradição com emergência climáticaO problema é que essas medidas foram adotadas para que o país seja capaz de zerar as emissões de gases de efeito estufa nos próximos 15 anos. Especialistas advertem que o ritmo da transição deve acelerar, e não diminuir, para que este objetivo seja mesmo cumprido.O paleoclimatologista Jean Jouzel, um dos cientistas franceses mais respeitados do mundo, foi um dos que tomou posição sobre a situação política atual no país. Ele disse ter ficado “completamente abatido” com a dissolução da Assembleia Nacional do país e a possibilidade de o candidato do RN, Jordan Bardella, ocupar o cargo de primeiro-ministro.“As questões ambientais estão ausentes da campanha eleitoral, ao mesmo tempo em que somos confrontados à realidade climática, que estamos na beira do precipício”, lamentou Jouzel, ao jornal Libération.“Do ponto de vista da proteção do meio ambiente, é um partido relativamente negacionista, mesmo que ele não diga isso com todas as letras. Ele quer paralisar o avanço das energias renováveis”, disse Arnaud Schwartz, vice-presidente da associação ambientalista France Nature Environnement, entrevistado pela RFI.“Eles são favoráveis a uma agricultura industrial, voltada à exportação, ao mesmo tempo em que autorizam a importação de produtos agrícolas aqui, produzidos em condições bem piores no exterior. Ou seja, eles estão de acordo que a gente polua mais os nossos solos, que destruamos a nossa saúde – o que ao faz nenhum sentido a longo prazo”, denuncia Schwartz.Assim como em outros países, a extrema direita francesa também não faz questão de se dissociar dos combustíveis fósseis – responsáveis por 80% dos gases de efeito estufa que aquecem o planeta. O Reunião Nacional prega a revogação da proibição da venda de veículos novos movidos diesel e gasolina, prevista na União Europeia a partir de 2035, e o fim das zonas de baixa emissão de CO2 nas cidades.Desacelerar o ritmo da transição da economiaA sigla também quer “reduzir” a pegada de carbono por meio de incentivos para as indústrias francesas retornarem ao país e ao dar “prioridade à produção nacional”. O cientista político Bruno Villalba ressalta que muitas destas promessas não são factíveis.“Para começar, a margem de autonomia de um primeiro-ministro em relação às diretivas e regulamentações europeias é bastante limitada. A partir do momento em que a maioria delas são adotadas, elas são aplicadas automaticamente na lei francesa – a menos que ele decida encarar as multas que a União Europeia nos enviaria”, lembra. “Mas o que ele pode, sim, fazer, é jogar com o tempo e adiar a aplicação das decisões europeias.”Nesta semana, as principais organizações ambientalistas francesas se reuniram em um colóquio organizado pelo site Reporterre para abordar os riscos da ascensão do partido fundado por Jean-Marie Le Pen. O diretor-geral do Greenpeace França, Jean-François Julliard, afirmou que o programa do Reunião Nacional “ignora os desafios da descarbonização”.“Eles não têm nenhuma compreensão desses desafios e às vezes eles negam o problema, a intensidade e a amplitude das mudanças climáticas, da perda da biodiversidade e de todas as poluições que estragam o mundo. Um líder do Reunião Nacional já disse que o IPCC ‘exagera' nas suas recomendações”, comentou. “Até quando eles tentam dizer que não são negacionistas, vemos que eles não têm nenhuma visão sobre como eles vão enfrentar a questão climática, se chegarem ao poder.”O partido poderia se inspirar na gestão da italiana Giorgia Meloni. Uma vez na chefia de governo, a líder do Fratelli d'Italia pisou no freio das ambições climáticas do país, a exemplo do recente endurecimento das regras para a instalação de painéis solares na Itália.Meloni também adota um duplo discurso: na esfera internacional, se mostra colaborativa nas negociações climáticas, mas no âmbito interno permite que ministros e aliados questionem as ciências do clima.
Uma pesquisa feita pela equipe do neurocientista francês Mickael Naassila, presidente da Sociedade Francesa de Estudos sobre o Alcoolismo e professor da Universidade da Picardia, no norte da França, mostrou que o uso de cogumelos que contêm a psilocibina, uma substância alucinógena, pode tratar o alcoolismo. Taíssa Stivanin, da RFIOs resultados do estudo, feito com camundongos, foram publicados no mês passado na revista científica britânica Brain. O neurocientista francês e sua equipe observaram que a molécula inibe um dos receptores cerebrais envolvidos no alcoolismo. A descoberta, que agora deverá ser testada em humanos, poderá viabilizar rapidamente novos tratamentos, disse Mickael Naassila em entrevista à RFI Brasil. Nosso cérebro tem dois hemisférios e, na base de cada um deles, existe uma estrutura chamada núcleo accumbens - um conjunto de neurônios que têm um papel central no chamado circuito da recompensa. Esse sistema é ativado quando sentimos prazer, liberando a dopamina, um neurotransmissor que emite e recebe sinais das células nervosas. Elas se comunicam através de reações químicas complexas. No caso do abuso de drogas, como o álcool, o circuito da recompensa é ativado com frequência, o que leva à busca incessante pelo produto. “Na dependência química do humano ao álcool, à maconha ou à cocaína, sabemos que há uma diminuição de um receptor da dopamina chamado D2. Isso também é observado nos animais. Quando usamos a psilocibina em um tratamento, restauramos a atividade, ou o nível de expressão, do receptor D2 da dopamina”, explica o neurocientista. Outros estudos já haviam mostrado como a substância pode ajudar a evitar as recaídas. Durante a pesquisa, o cientista francês e sua equipe também constataram que o cogumelo agia de maneira diferente nos dois hemisférios cerebrais. O neurocientista então descobriu que se a psilocibina fosse injetada diretamente no núcleo accumbens do lado esquerdo, o consumo de álcool diminuiria pela metade, o que não ocorria do lado direito. Essa “lateralização” do efeito do cogumelo no cérebro pegou os cientistas de surpresa. “Testamos a psilocibina alucinógena em camundongos que não eram alcóolatras. A conclusão é que o consumo do alucinógeno, mesmo por alguém que não é dependente do álcool, vai provocar modificações no funcionamento cerebral e alterar a expressão nos genes no cérebro. E notamos diferenças à esquerda ou à direita.”Testes com humanosAs próximas etapas agora serão analisar a ação da substância em testes clínicos com humanos e realizar uma cartografia da ação da psilocibina no lado esquerdo do cérebro, utilizando técnicas de imagem cerebral, como a ressonância magnética.O objetivo é propor novos tratamentos contra o alcoolismo, que ainda geram cerca de três milhões de mortes por ano no mundo, segundo dados da Organização Pan-Americana da Saúde.Segundo o neurocientista, a psilocibina e o LSD, as duas moléculas mais estudadas no contexto da dependência química, recriam uma série de novas conexões entre diferentes estruturas cerebrais, atuando na sua plasticidade ao modificar estados de consciência. Estudos mostram que, por essa razão, as moléculas poderiam ser aliadas pontuais no tratamento contras as dependências químicas, associadas a uma psicoterapia.“Temos efeitos positivos a longo prazo. Entre nove e doze meses depois do início do tratamento constatamos uma diminuição do consumo de álcool, depois dessas sessões que incluíram a psilocibina e o LSD. Isso é mágico!”, ressalta Naassila.No entanto, a obtenção das autorizações para o uso científico das moléculas pode levar tempo, antes do início dos testes clínicos com humanos. “Para esses testes precisamos de moléculas certificadas, que possam ser administradas nos humanos. Essas moléculas custam caro.”Ele lembra que a sensibilidade aos efeitos da substância também pode influenciar o tratamento – os fatores individuais serão determinantes para sua eficácia. Hoje, de acordo com o neurocientista francês, a dependência química é tratada em função da sua gravidade, que é variável. Existem fatores genéticos e ambientais que podem desencadeá-la e influenciar a resposta aos tratamentos e às recaídas.
As delegações dos quase 200 países que participam da Conferência da ONU sobre as Mudanças do Clima encerram nesta quinta-feira (13), na Alemanha, dez dias de reuniões técnicas para encaminhar a COP29. Este ano, o evento acontecerá no Azerbaijão e se foca no delicado tema do financiamento climático – mas o encontro preparatório, na cidade de Bonn, falhou em trazer respostas para a questão. Lúcia Müzell, da RFI Brasil em ParisIsso significa que caberá aos ministros e chefes de Estado e de Governo tomarem as decisões, durante as duas semanas da COP, em novembro. Um dos principais objetivos é estabelecer uma nova meta anual de financiamento para os países em desenvolvimento conseguirem promover a transição para uma economia sem emissões de carbono e se adaptarem às mudanças do clima. Este montante, que substituirá os atuais US$ 100 bilhões, é estimado entre US$ 1,1 trilhão e US$ 1,4 trilhão.“Estamos um passo à frente de onde nos encontrávamos antes. Nós temos um texto. Porém, o conteúdo desse texto não é fruto de um consenso, mas sim, reflete um apanhado de visões conflitantes”, relata Eneas Xavier, que está em Bonn como observador da sociedade civil das negociações pela organização La Clima.“A impressão que fica é que os países falharam: perderam a oportunidade de avançar nesta pauta e deixaram o trabalho mais difícil para o final do ano”, diz o especialista em financiamento climático.Desconfiança afeta negociaçõesAs reuniões ocorrem sob um forte clima de desconfiança entre as nações em desenvolvimento e as desenvolvidas – que falharam em cumprir a meta de US$ 100 bilhões anuais a partir de 2020, conforme haviam prometido em 2009. A complexidade do cálculo – se envolve fundos de apoio ao desenvolvimento já existentes, por exemplo, ou se virá por subsídios ou empréstimos – torna o tema controverso há anos.“Já existe um histórico de décadas de endividamento público dos países em desenvolvimento para os investimentos em infraestruturas, que está em xeque devido à crise climática, como vemos no caso do Rio Grande do Sul, mas também no litoral paulista ou na grande seca que enfrentamos na região da Amazônia, no ano passado”, exemplifica Xavier. “Se a gente depender de recursos privados para a nossa adaptação e, principalmente, para reparar perdas e danos, essa conta vai ficar muito cara.”Outra fonte de bloqueio é a eventual ampliação da base de contribuintes para o financiamento. A União Europeia martela que a atual maior emissora de gases de efeito estufa, a China, deveria colaborar – o que também abriria a porta para outros grandes emergentes, como o Brasil, serem cobrados.“É um objetivo ainda muito controverso nas negociações porque é estruturado em uma convenção que data de 1992, com categorias de países que determinavam muito claramente quem são os países que deveriam contribuir. Mas hoje estamos em 2024 e alguns argumentam que um certo número de países em desenvolvimento tem a capacidade de fazê-lo”, pontua Lola Vallejo, diretora do programa Clima do Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Relações Internacionais (Iddri), em Paris.China e Brasil se recusam a mudar de ‘categoria'Ela ressalta, entretanto, que a China já é uma grande contribuidora das finanças climáticas, por meio de seus programas de desenvolvimento de infraestruturas mundo afora. Algumas pesquisas chegam a apontar que, em 2018, Pequim já teria sido a sétima maior financiadora, em volume de recursos.Para as nações ricas, o grupo de países membros do G20 refletiria melhor a realidade de hoje, em que os países emergentes subiram para o topo dos maiores emissores. Mas tanto Pequim, quanto Brasília, recusam categoricamente a mudança de status. “O posicionamento da China, assim como o do Brasil, é irredutível. Eles afirmam que não estamos aqui para rediscutir os termos do Acordo de Paris e da Convenção-Quadro do Clima e recai, exclusivamente, sobre os países desenvolvidos a obrigação de prover recursos financeiros”, frisa Xavier.Sistema financeiro a serviço do desafio climáticoA pesquisadora francesa salienta que a discussão que também está sobre a mesa é como todo o sistema financeiro internacional poderá atender ao desafio das mudanças do clima.“É sobre como vamos conseguir mudar essa discussão, ou seja, reformar as instituições financeiras internacionais e a forma como o nosso sistema financeiro atual poderia ser mais efetivo para estar à altura dos nossos objetivos contra as mudanças climáticas. Como vamos repensar a gestão das dívidas, como vamos adotar os direitos de saque especiais do FMI, ou seja, como todas essas instituições poderão atuar em favor dos objetivos climáticos”, explica.A criação de um mecanismo de monitoramento, para que o financiamento seja assegurado, está sendo desenhada.Restam muitos colchetes em aberto, constata Eneas Xavier. Mas apesar de tantas discórdias, o especialista não acha que a COP 29 possa terminar sem acordo e o assunto seja postergado para a COP 30, em Belém do Pará, em 2025.“Eu acredito que para o bem ou para o mal, essa decisão vai, sim, ser tomada em Baku. Existe já a previsão de que esta Nova Meta Coletiva Quantificada de Financiamento Climático entre em vigência em 2025, e para que isto ocorra, a decisão tem que ser tomada na COP29”, aposta. “Não acredito que a COP terminará sem uma decisão tomada.”
Quais as consequências do avanço da extrema direita no Parlamento Europeu? O que levou o presidente francês Emmanuel Macron a dissolver a Assembleia Nacional? De acordo com especialistas ouvidos pela RFI, os últimos acontecimentos trazem mais incerteza do que garantia de sucesso para qualquer um dos lados do espectro político. Maria Paula Carvalho, da RFI em Paris“A extrema direita tem uma dificuldade de fazer um único bloco unido”, destaca Tomás de Barros, pesquisador associado ao Centro de Pesquisas Políticas da SiencePo, em Paris, sobre a fragmentação do campo liderado na França por Jordan Badella e Marine Le Pen, do partido Reunião Nacional. O grupo conquistou neste domingo (9) quase um terço dos votos nas eleições para o Parlamento Europeu e se posiciona bem à frente da aliança centrista do presidente Emmanuel Macron. “Existem muitos grupos de extrema direita que ainda não conseguiram se unificar. Ela [a extrema direita] vai ter mais peso na decisão de quem será o próximo comissário europeu, para definir quais serão as políticas da União Europeia no próximo período, vai fazer barulho no Parlamento Europeu e usá-lo para catapultar pautas em seus respectivos países. Mas ela não conseguiu se impor”, explica o cientista político. “Não é que agora o Parlamento Europeu está dominado pela extrema direita. A legenda apenas cresceu um pouco de tamanho em detrimento de todos os grupos, mas, principalmente, do grupo dos liberais, do qual o partido do Emmanuel Macron faz parte”, analisa. Ao dissolver a Assembleia Nacional, Macron também estaria apostando nas divisões dentro da esquerda. Tomás de Barros explica que o centrista estava “encurralado”, uma vez que já não tinha maioria no Legislativo e sofreu uma derrota simbólica nas eleições europeias. “Em 2022, houve um movimento para as eleições legislativas, em que todos os partidos de esquerda se unificaram na nova União Popular, Ecológica e Social, a NUPES”, lembra o pesquisador. Essa união de esquerda, inédita nos últimos 40 anos, conseguiu um bom resultado nas urnas. Porém, nos últimos dois anos, ela se se mostrou “muito frágil” e com várias divergências, aponta. “Sobretudo com o conflito na Ucrânia e com a questão no Oriente Médio. Isso tudo realmente transformou em pó essa união de esquerda, que saiu fragmentada para as eleições europeias”, analisa. Para o cientista político, Macron confia que a esquerda não vai conseguir se reunir novamente, uma chance para ele se apresentar como o “salvador da democracia”. “Dessa maneira, ele conseguiria ir para o segundo turno e usar o discurso 'ou eu, ou o caos, ou eu ou a extrema direita', e assim tentar constituir uma maioria no Parlamento, o que é desafiador, mas ao menos reduzir as perdas e obrigar esses outros grupos políticos a comporem com ele, tentando hegemonizar esse campo do anti-extrema direita”, acrescenta. Normalização da extrema direita Outro ponto destacado pelo pesquisador é o esforço de alguns centristas em tentar normalizar as ações da extrema direita. “Por um lado, políticos como a Marine Le Pen, aqui na França, ou a Giorgia Meloni, na Itália, vão tentar se apresentar como candidatas normais, razoáveis, candidatas de centro, afastando dos seus movimentos e de grupos aliados setores que sejam virulentos, barulhentos, às vezes ligados a grupos neonazistas”, acredita. “Elas vão tentar tomar uma distância e se mostrar como direitistas pragmáticas. Isso é um movimento de normalização. O outro movimento é quando o centro acaba indo para a extrema direita, reproduzindo algumas das suas pautas para tentar capturar esse eleitorado”, explica. Um exemplo disso foi a tentativa de endurecimento das regras de imigração por parte do governo Macron, com a supressão do direito de solo aos filhos de migrantes nascidos na França, um projeto que depois teve vários artigos considerados inconstitucionais pelo Conselho Constitucional francês. “Ele tentou fazer esse movimento para agradar o eleitorado de extrema direita, mas são raros os casos em que isso funciona, porque o eleitor vai sempre preferir o original à cópia” observa Tomás de Barros. Dissolução da Assembleia Nacional é estratégia “rara” e “arriscada” A decisão do presidente Emmanuel Macron de dissolver a Assembleia Nacional surpreendeu a França. A última vez em que isso aconteceu foi em 1997, quando o conservador Jacques Chirac dissolveu a Assembleia e perdeu a maioria, resultando em um período de coabitação com o primeiro-ministro socialista Lionel Jospin. Quase trinta anos depois, muitos se perguntam qual é a estratégia de Emmanuel Macron. A historiadora Sílvia Capanema, da universidade Sorbonne, acredita que o plano possa ter dois objetivos. “O que ele pretende com isso? Criar uma maioria, já que ele tem uma maioria muito frágil, mas que pode ficar mais frágil ainda, ou entregar o poder para a extrema direita e tentar recuperar nas eleições de 2027, se colocando como a única alternativa”, explica a professora.Para isso, Emmanuel Macron teria de renunciar ao cargo de presidente, uma vez que já tem dois mandatos consecutivos, número máximo permitido por lei. “Ele fez isso de forma calculada”, analisa Capanema. “Ele provavelmente tem um plano A e um plano B: tentar reconstruir uma maioria com a direita e talvez seduzir o centro ou uma centro esquerda, se colocando como alternativa e, em um plano B, se a extrema direita ganhar, deixar que ela não consiga governar, como a gente já viu em outros lugares. Mas tudo isso é um risco enorme”, completa. Já uma aliança do bloco presidencial com a esquerda seria um cenário muito improvável, acredita Capanema. Ela explica que o centrista “não representa de forma nenhuma a esquerda”, conforme apontado em vários movimentos sociais. “Ele não vai representar uma frente democrática contra a extrema direita nunca. Agora, pode acontecer uma união das esquerdas, que é o que está se articulando, para tentar construir uma maioria”. A historiadora explica que essa alternativa exigiria consenso em temas muito importantes para o povo francês, como serviços públicos, aposentadoria, ecologia, salários e a questão da Palestina. “Seria uma configuração em que a esquerda se articula em termos sociais, ecológicos, de cidadania e internacional, e que colocaria esse centro do Macron, o centro direita, no lugar que eles estão: da derrota e do fracasso e o levaria ao enfrentamento contra uma extrema direita, onde tem fascistas e a direita tradicional”, avalia. Ambos os pesquisadores temem as consequências possíveis de um governo de extrema direita na França, especialmente para a população de imigrantes e muçulmanos, mas também para os militantes da esquerda e ecologistas. Ao mesmo tempo, admitem que as forças conservadoras vieram para ficar no espectro político, citando como exemplo o Bolsonarismo no Brasil e os seguidores de Donald Trump, nos Estados Unidos. “Virar a chave” Douglas Mansur, professor e cientista social da Universidade Federal Fluminense (UFF), destaca que “apesar da França ter sido uma das bases do pensamento e de políticas social-democratas ou mesmo de um liberalismo com alguma sensibilidade social, também foi e é um dos berços do pensamento conservador”. Em entrevista àRFI Brasil, o pesquisador explica que “há séculos há um núcleo duro desse tipo de pensamento na sociedade francesa”. A diferença, acrescenta, é que esse grupo tem crescido nos últimos anos, apesar de “já ter sido significativo em outros momentos, como no período do general De Gaulle”. Para Mansur, a estratégia de Macron de antecipar as eleições tem a ver com uma “tentativa de apaziguamento e de alertar para o que representa esse tipo de governo conservador e, assim, tentar conseguir unidade e alianças”.Outra análise seria que Macron quer “virar a chave” sobre o assunto eleições ainda “antes dos Jogos Olímpicos Paris 2024, que, por si só, já trazem tensão ante os conflitos que estamos vivendo no mundo, mas podem significar, também, uma narrativa sobre fraternidade entre os povos”, conclui o cientista político.
A Agência de Observação Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (NOAA, na sigla em inglês) alertou que a temporada de furacões do Atlântico de 2024, recém iniciada, deverá ser “extraordinária" este ano. O impacto das mudanças do clima sobre a frequência e a intensidade dos furacões e ciclones intriga os cientistas. Lúcia Müzell, da RFI Brasil em ParisSe, por um lado, eles são fenômenos climáticos naturais do planeta, por outro, o aumento da temperatura global, inclusive dos oceanos, tem levado a sua intensidade a também ser maior.A agência nunca havia previsto um número tão alto em suas projeções de maio: poderão ocorrer de quatro a sete furacões de categoria 3 ou mais, o que significa ter ventos superiores a 178 km/h, podendo chegar a 250km/h.Cientistas americanos chegam a defender que a escala Saffir-Simpson, que mede a força destes eventos e atualmente termina em 5, ficou obsoleta e deveria ser expandida para 6. O tema reúne alguns dos maiores especialistas do mundo em um colóquio na França, promovido pela Universidade Paris-Saclay no mês de junho."Até poucos anos atrás, não havia uma resposta para essa pergunta: a queima de combustíveis fósseis está fazendo os ciclones serem mais intensos ou frequentes? Essa era uma pergunta em aberto até pouco tempo, mas agora nós começamos a chegar a algumas respostas”, aponta Davide Faranda, diretor de pesquisas em climatologia do CNRS (Centro Nacional de Pesquisas Científicas), da França."Os primeiros estudos sobre ciclones tropicais começaram a sair e já sabemos que, pelo menos para estes ciclones, as mudanças climáticas – ou seja, a queima de combustíveis fósseis feita por nós, seres humanos – estão, sim, modificando pelo menos a intensidade de alguns ciclones tropicais”, afirma.La Niña combinada com aquecimento do Atlântico A chegada do fenômeno La Niña ajuda a explicar a temporada violenta de ciclones e furacões que está por vir, e que atinge principalmente o Caribe, a América Central e a América do Norte. La Niña resfria as águas do Pacífico e influencia o clima global. Uma das suas consequências no Atlântico é a diminuição da dispersão dos ventos nas regiões onde costumam se formar e avançar os furacões.Isso vai ocorrer num contexto em que as temperaturas do Atlântico norte estão anormalmente altas. A associação dessas condições favorece ainda mais a formação dos fenômenos extremos, que podem avançar para a terra firme, com efeitos devastadores.A brasileira Suzana Camargo, pesquisadora de ciências do clima e especialista em fenômenos extremos da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, ressalta que os especialistas estudam o impacto no clima das conexões entre o norte e o sul do oceano Atlântico – um equilíbrio que também é afetado pelo aquecimento do planeta."Todos esses efeitos podem, às vezes, combinar e levar a extremos climáticos não apenas no Brasil, como no Caribe e na África”, aponta.A pesquisadora compara a situação ao lançamento de um dado. "Você tem um sexto de probabilidade de cair em cada lado. Mas se o seu dado estiver um pouco deformado, não vai ser mais um sexto para cada lado. As probabilidades terão mudado”, explica. "É assim que eu gosto de pensar no aquecimento global: você está mudando as probabilidades do seu dado."Impacto na América LatinaNo Brasil, La Ninã poderá provocar seca no sul e sudeste e aumentar as chuvas no norte e nordeste. O professor emérito de ciências da atmosfera do MIT (Massachussets Institute of Technology) Kerry Emanuel assinala que, por enquanto, a ocorrência de ciclones e furacões na parte sul das Américas deve permanecer rara. Mas isso não significa que a região esteja ao abrigo de outros fenômenos extremos, a exemplo das recentes enchentes no Rio Grande do Sul."Não vejo razão para este tipo de evento climático extremo mudar muito, porque tem uma parte do mundo que não é favorável à ocorrência de ciclones tropicais. Mas tem outros eventos extremos que afetam a América do Sul, em especial inundações”, destaca."A região dos Pampas, na Argentina, tem um problema de tempestades severas convectivas, e este é um fenômeno que não tem merecido a atenção que deveria dos cientistas do clima, assim como da imprensa, exceto quando acontecem e são terríveis. O granizo causa inúmeras perdas todos os anos e estamos apenas começando a entender como essas tempestades estão respondendo às mudanças do clima”, salienta Emanuel.Suzana Camargo complementa: “Não vai ter impactos diretos dos furacões e ciclones no Atlântico norte, mas a gente sempre pode pensar em termos dos extremos climáticos que estão acontecendo no mundo todo. Não é só em relação a furacões, mas todos outros tipos de eventos extremos”, afirma. “O Brasil está presenciando isso, mas também tem uma onda de calor imensa na Índia. Estamos vendo todos os dias que eles estão ocorrendo no mundo inteiro. A situação está muito preocupante."A temporada de furacões e ciclones no Atlântico vai de junho a novembro. Já o fenômeno La Niña costuma perdurar de um a três anos.Neste segunda-feira (3), pesquisadores do WWA (World Weather Attribution) revelaram um estudo mostrando que as mudanças climáticas dobraram a chance de chuvas extremas no Rio Grande do Sul, além de aumentarem até 9% a sua intensidade. Quando associadas ao fenômeno El Niño, que acaba de concluir um ciclo, essa chance pode ser multiplicada por até cinco, alertou a pesquisa, realizada por cientistas internacionais, inclusive do Brasil.
Após anos de contração econômica, novas alternativas de crédito começam a surgir para os venezuelanos. Uma empresa privada e alguns bancos oferecem modalidades de crédito à população para facilitar o acesso a bens e serviços. Os consumidores aproveitam o crediário para parcelar roupas, viagens, motos, eletrodomésticos e até serviços médicos. Elianah Jorge, correspondente da RFI Brasil na VenezuelaA pioneira é Cashea, que surgiu no mercado venezuelano no final de 2023. Para garantir a rentabilidade em um país com frágeis garantias legais, esta empresa – em parceria com o estabelecimento comercial afiliado – aplica o chamado “desconto cego”. A cada compra feita pelo consumidor, a companhia recebe um pequeno percentual. Os limites de crédito chegam a US$ 200 e o consumidor pode pagar em até três parcelas.As transações de crédito e de pagamento são feitas por um aplicativo, explica Daniesca Borges, uma jovem consumidora que recorre a essa modalidade para comprar roupas e acessórios:“Você usa o aplicativo, vai à loja e escolhe os produtos. Quando vai fazer o pagamento, eles registram o seu perfil de usuário, cobram a metade na loja e sincronizam tudo com o aplicativo da empresa que oferece o crédito", conta. "Chega [no celular] a notificação do produto que você está comprando, a informação da data das parcelas a serem pagas e o valor de cada uma delas.”No ano passado, o Produto Interno Bruto (PIB) da Venezuela cresceu 2,6%, de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Embora tenha subido, o índice ainda está muito distante da chamada era da Venezuela Saudita, período entre as décadas de 1950 e 1980, quando o país era rico e a moeda nacional, o bolívar, tinha alto poder de compra. Apesar do salário mínimo de US$ 3,20 ( R$16,30), a população conserva hábitos consumistas. Há sede de consumo e de créditos na Venezuela. Em pouco meses o novo sistema de crédito registrou mais de um milhão de usuários e a afiliação é superior a 350 estabelecimentos em cinco cidades. Cashea se tornou o segundo aplicativo de finanças do país, atrás apenas do Banco de Venezuela, e está em 20° lugar na escala global.A atividade comercial motivada pela empresa vem dinamizando a atividade comercial no país. Pelas redes sociais, Pedro Valenilla, cofundador de Cashea, informou que estabelecimentos afiliados à empresa contabilizam aumentos de até 20% nas vendas, além de atrair clientes.O economista Luis Oliveros explica que, na atual situação da Venezuela, os bancos têm tido inúmeros problemas na concessão de crédito. "Há cerca de 10 anos, a carteira de crédito no país girava em torno de US$ 15 bilhões. Depois, com toda a crise econômica, a carteira de crédito caiu para US$ 300 milhões ou até menos", relembra."O último número divulgado pelo Banco Central da Venezuela aponta para uma carteira de crédito próxima de US$ 1,6 bilhões. Embora seja um aumento significativo em relação ao que tínhamos há 3 ou 4 anos, ainda está muito abaixo do que tínhamos como economia”, detalha Oliveros.Anos de consumo baixoEnquanto os bancos choram, a empresa que oferece sistemas de crédito vende de tudo a clientes ávidos por comprar após anos consumo em baixa.“Ainda há muito que crescer. A economia precisa de crédito e surgem empresas que têm ajudado os venezuelanos a ter algum acesso ao crédito, mas que não passam de intermediários. O que Cashea, por exemplo, faz é cobrar uma taxa daquela empresa e servir de intermediário para dar a essa pessoa 15, 30 ou 45 dias para pagar”, explica Oliveros.A crise econômica e a incapacidade de intermediação financeira abalaram o sistema de crédito no país. Por anos, os bancos não concederam financiamento a clientes de médio e pequeno portes.A economista e professora universitária María Antonia Moreno explica que um dos instrumentos usados para impedir a expansão secundária de dinheiro foi a implementação de uma taxa elevadíssima de reserva legal de quase 90%. “A enorme contração da renda petroleira e as arrecadações tributárias afetaram a confiança para dar crédito. Por isso o governo começou com a monetização da parte do gasto público, o que gerou uma inflação e uma grande desvalorização cambial, que aprofundou a perda patrimonial dos bancos", relembra."Foi uma rígida política de repressão financeira que o governo usou para corrigir a hiperinflação e que o fez através do impedimento da expansão secundária de dinheiro e, assim, frear a desvalorização cambial e a inflação. Isso se traduz, na prática, pela eliminação de crédito bancário em todas as áreas", constata.Inflação em quedaDe acordo com o presidente Nicolás Maduro, em 2024 a inflação registra o menor nível dos últimos 12 anos. Em abril, chegou a apenas 2%, bastante inferior aos experimentados entre 2012 e 2021, quando a desvalorização do bolívar teve forte impacto negativo nos créditos bancários. “Com a hiperinflação, o crédito ao consumidor chegou a desaparecer praticamente para a maioria dos portadores de cartões de crédito. De acordo com algumas estimativas, o montante da carteira de empréstimos bancários nacionais em cartões de crédito teria atingido, até o final de 2022, apenas 0,4% do que havia 10 anos antes”, salienta Moreno.O “plástico”, apelido dado ao cartão de crédito, virou motivo de piada entre os venezuelanos. Por anos, o valor permitido ao cliente servia apenas para comprar uma garrafinha de água.De acordo com a Sudeban (Superintendência das Instituições Bancárias, órgão regulador do setor bancário), em 2014, antes do agravamento da crise econômica, 13% dos gastos feitos pelos venezuelanos com cartões de crédito foram em supermercados e 5% em centros médicos e farmácias. Outros 11% foram para lojas de roupas e calçados.Atualmente, poucos clientes têm créditos bancários, que variam entre US$ 30 e US$ 200, conforme a comprovação da capacidade de reembolso. No entanto, estes valores não permitem a compra da cesta básica, orçada em US$ 554 (R$ 5.115), de acordo com a recente análise do Centro de Documentação e Análise Social (Cendas).As limitações impostas às instituições bancárias fazem com que, na maior parte dos casos, apenas as pessoas jurídicas consigam certos benefícios. "Não é que haja mais burocracia agora, mas sim que o banco é menor em tamanho. Cerca de 70% dos empréstimos bancários são direcionados para empréstimos comerciais porque o banco tem limitações importantes na concessão de empréstimos", ressalta Luis Oliveros. "Há uma reserva legal muito grande, mas além disso o banco tem um tamanho muito pequeno, portanto, as possibilidades de que ele tenha dinheiro para emprestar é menor. Então, o banco toma cuidado na hora de emprestar."De acordo com o analista financeiro Henkel García, o crédito bancário é destinado principalmente a empréstimos comerciais para empresas e setor agrícola. “O crédito ao consumidor ainda é muito baixo, embora agora comecemos a ver um pouco mais de limite no cartão de crédito para determinados clientes e também em alguns créditos a veículos, que também é uma carteira que está crescendo de forma incipiente", nota García. "Mas o resto do crédito ao consumo é muito, muito limitado."
A Olimpíada de Paris 2024 se apresenta como exemplar no quesito ambiental e optou por não equipar a Vila Olímpica com ar condicionado. A decisão causou insatisfação de algumas delegações, como a do Brasil, já que as competições ocorrerão em pleno verão europeu. Com a medida, Paris busca expandir a reflexão sobre quando a climatização é realmente necessária, em um mundo em plena adaptação para enfrentar temperaturas que serão cada vez mais quentes. Lúcia Müzell, da RFI Brasil em Paris Em julho e agosto, os termômetros podem chegar perto dos 40°C na capital francesa, uma realidade relativamente nova para os habitantes da cidade. Conforme a Agência Parisiense do Clima, o número médio de dias com tempo canicular por ano – ou seja, com temperatura máxima superior a 31°C durante o dia – passou de 7,2 para 16,6, na comparação com os dados do fim do século 19. O aumento, mais acelerado a partir dos anos 2000, foi ainda mais impressionante nas medições do calor noturno: na última metade do século retrasado, fazia mais de 21°C apenas 0,2 noites por ano – e, agora, esse número subiu para cinco.O comitê de organização dos Jogos Olímpicos de Paris tomou este cenário em conta na construção da Vila Olímpica, com o que há de mais moderno em isolamento térmico dos prédios e sistemas naturais de resfriamento. A concepção do local garantiria uma temperatura máxima de 28°C nas instalações, mesmo nos dias mais quentes.Em caso de calor extremo, ventiladores serão distribuídos e aparelhos móveis de ar condicionado poderão ser instalados “nos quartos mais expostos”, explicou o comitê, por email à RFI. Paris 2024 se diz pronto para adaptar “medidas estritamente proporcionais às necessidades dos atletas”, se necessário.“A responsabilidade ambiental está no coração do nosso projeto desde a nossa candidatura”, salienta o texto. Delegações vão alugar ar condicionado por conta própriaOs argumentos, entretanto, não convenceram todas as delegações que participarão do evento. Estados Unidos, Canadá e Noruega já se prepararam para alugar aparelhos e equipar os seus alojamentos. O Brasil também fez essa escolha."A gente não tem como correr riscos para a performance dos nossos atletas. A gente não é uns Estados Unidos, uma China, que têm uma abundância de possibilidades de medalhas. As medalhas e as chances de medalhas que a gente tem, a gente precisa guardar e cuidar muito bem”, justifica Sebastian Pereira, gerente de Alto Rendimento e Jogos e Operações Internacionais do Comitê Olímpico Brasileiro (COB).O COB diz valorizar as iniciativas de sustentabilidade no esporte e não considera a decisão de Paris “exagerada”. Entretanto, alega que o descanso em boas condições é fundamental para o desempenho dos competidores, que treinaram por anos para chegar à Olimpíada. "A gente está pensando em poder dar ao atleta a melhor condição para ele poder performar”, explica Pereira.Por isso, não serão estabelecidas restrições para o uso do ar condicionado nas instalações do Brasil durante as competições. "Se a gente tiver uma temperatura avançada, o que a nossa área científica e médica nos colocam é que se estiver acima de 24°C no ambiente, a recuperação do atleta pode ser prejudicada e deficiente pra aquilo que a gente almeja. A gente não pode arriscar”, ressalta.Por que o ar condicionado é solução e problema ao mesmo tempoA refrigeração do ambiente não é só uma questão de conforto: também salva milhares de vidas de pessoas mais vulneráveis, como idosos, gestantes e bebês, e mantém o funcionamento de hospitais, supermercados e fábricas. Ainda é crucial para a vida digital, ao permitir o armazenamento e transferência de informações nos data centers.O grande paradoxo é que, ao mesmo tempo em que solucionam o problema das temperaturas elevadas em ambientes fechados, os aparelhos de refrigeração contribuem, e muito, para piorar o aquecimento global. Eles representam uma fonte importante de emissões de gases de efeito estufa que causam a desregulação do clima, por duas razões principais: o elevado consumo energético e o uso de fluidos refrigerantes, os hidrofluorcarbonos (HFCs).Esses químicos despejam, lentamente, gases com uma capacidade de aquecimento da atmosfera que chega a ser três mil vezes maior que o CO₂.Um relatório da Agência Internacional de Energia (AIE) indicou, em 2018, que os equipamentos eram responsáveis pela emissão de 1 bilhão de toneladas de CO₂ por ano. O número é significativo, na comparação com o total de 40 bilhões de toneladas emitidas no mundo.Além disso, o ar quente eliminado no procedimento de refrigeração de prédios e carros piora ainda mais o calor nos centros urbanos. Diferentes estudos científicos apontaram que este ar rejeitado chega a elevar até 2,4°C a temperatura do ar. O relatório da AIE antecipa que o resfriamento de casas e escritórios vai triplicar e será uma das principais causas do uso da energia até 2050. Além da alta das temperaturas, a ascensão econômica e social de potências populosas como China e Índia também impulsionarão este consumo.Refrigeração e justiça climáticaA reflexão sobre o acesso à climatização se insere nas discussões sobre justiça climática: apenas 15% das pessoas que vivem em lugares com clima quente se beneficiam da climatização. Em 2021, uma pesquisa internacional com a participação de cientistas brasileiros antecipou que até 100 milhões de famílias no Brasil, Índia, Indonésia e México não conseguirão atender às suas necessidades de refrigeração, sobretudo nas grandes cidades, que concentram calor."Se você não tem o dinheiro para comprar o ar condicionado ou pagar a conta de luz depois, você não consegue se adaptar ao clima. Temos uma complexidade grande de as pessoas que menos contribuíram para a mudança climática, que é a população de mais baixa renda, serem as que mais sofrer com essas mudanças”, afirma a pesquisadora Talita Borges Cruz, do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia (Coppe/ UFRJ), uma das participantes do estudo."É claro que durante o verão é bem quente lá, mas para eles o maior problema é o aquecimento no inverno, e para a gente é o contrário. A gente quer resfriar e com as ondas de calor, ficou ainda mais evidente essa necessidade, o quanto isso demanda de energia”, analisa. Na Europa, apesar do aumento da consciência ambiental e de, culturalmente, os europeus serem avessos ao uso do ar condicionado, essa rejeição tem ficado para trás diante do desconforto das temperaturas mais elevadas. Em 2018, cerca de 90% dos lares americanos eram equipados, contra 19% dos europeus. Mas a AIE antecipa que o número deve quadruplicar na Europa até meados do século.Talita Rodrigues avalia que essa desigualdade também se reflete na decisão de Paris 2024 de não instalar os aparelhos em toda a Vila Olímpica, mas permitir que as delegações o façam por conta própria."É um paralelo com a realidade que a gente vive: as comitivas que têm recursos terão seus atletas, teoricamente, mais descansados do que os das outras que não têm os recursos para instalar o ar condicionado”, destaca Cruz.Foco deveria ser cumprir metas climáticasA pesquisadora também avalia que, ao direcionar a responsabilidade para o usuário, os governos continuar a se eximir das próprias responsabilidades de atingir as metas climáticas que assumiram nos tratados internacionais."Claro, cada pessoa tem que fazer a sua parte e ter consciência, mas eu acho que a conversa é mais ampla. Você acaba jogando a responsabilidade no mais fraco, ao invés de olhar para a sua matriz elétrica, como essa energia é fornecida para o ar condicionado”, salienta a especialista. "O mais importante é a gente poder chegar lá na frente com um clima em que as pessoas não precisem consumir tanto ar condicionado”, indica.A Agência Internacional de Energia e as Nações Unidas pedem “urgência” no desenvolvimento de aparelhos com maior eficiência energética e menor impacto ambiental, inclusive que não possam mais ser regulados para resfriar menos do que a 24°C.Os dois organismos também salientam a importância dos investimentos em técnicas de construção que limitam o calor, como imóveis melhor planejados para favorecer a circulação do ar e preservar o isolamento térmico e telhados arborizados, além do aumento das áreas verdes nas cidades.
A fase principal do torneio de Roland-Garros começa neste domingo (26) com a participação de seis tenistas brasileiros na disputa de simples, a maior do país em 36 anos, segundo a Confederação Brasileira de Tênis (CBT). Além dos já previamente classificados Thiago Wild (58° do ranking mundial) e Bia Haddad (14ª), outros quatro atletas conseguiram vaga na fase classificatória, encerrada na sexta-feira (24). Maria Paula Carvalho, de Roland-GarrosO advogado André Froes é um dos muitos torcedores brasileiros que viajaram a Paris para acompanhar o campeonato de Roland-Garros, o segundo Grand Slam de tênis da temporada 2024, depois do Open da Austrália. "É sensacional, a minha primeira vez aqui em Roland-Garros. Eu vim direto de Belo Horizonte. É demais", disse ele em entrevista à RFI Brasil em uma das quadras do lendário complexo esportivo parisiense. E a torcida tem motivos para estar animada. Estreando no tradicional aberto da França, Gustavo Heide já conseguiu vaga na chave principal. Além dele, o cearense Thiago Monteiro, número 2 do Brasil e 84° do mundo, também é uma das promessas do Brasil na competição. Ele chega a Paris com grandes expectativas e busca manter a boa forma dos últimos torneios. No Masters 1000 de Madri, na Espanha, Thiago foi até a terceira rodada, batendo o sétimo do mundo, Stefanos Tsitsipas. No Masters de Roma, na Itália, ele parou somente nas oitavas de final. O paulista Felipe Meligeni (136° do ranking da ATP - Associação de Tenistas Profissionais) é outro que garantiu sua vaga no quali de Roland-Garros, após vencer com facilidade o português Jaime Faria (183° do ranking mundial), na sexta-feira, por 2 a 0, com parciais de 6-4 e 6-2."Foi mais ou menos parecido quando eu passei no qualifying do US Open", disse em entrevista à RFI sobre participar do segundo Grand Slam de sua carreira. "É bom já ter passado por isso uma vez, é um feito importante para mim com certeza, mas não acabou nada, foi só o quali e agora chega a 'pedrada' também e tenho que estar preparado, descansado e seguir fazendo as coisas do jeito que estou fazendo com o time e a gente tem muita chance de fazer um estrago na chave principal", promete. Felipe Meligeni também falou sobre o bom momento do tênis nacional. "A gente está tendo um investimento melhor, a CBT vem ajudando muito o tênis brasileiro. Então, eu acho que isso enche os olhos e a gente jogando aqui dá exemplo para a galera que está vindo. Os resultados não vêm por acaso, todo mundo está jogando muito bem, os jogadores estão muito empenhados. Não somos muitos, mas se todo mundo torcer um pelo outro, tem tudo para ir para frente e acho que é um momento muito legal que a gente está vivendo", celebra. Esta poderá ser uma das edições mais disputadas dos últimos tempos, especialmente no torneio masculino. A principal razão é que muitos dos grandes nomes do circuito ATP têm enfrentado problemas físicos, como o espanhol Rafael Nadal, 14 vezes campeão de Roland-Garros, longe de sua melhor forma. Mais uma vez este ano, a competição vai oferecer partidas noturnas para proporcionar aos espectadores uma experiência ainda mais envolvente. Desde 2021, o torneio organizado pela Federação Francesa de Tênis é presidido pela ex-atleta Amélie Mauresmo, que anunciou algumas novidades: a quadra Suzanne-Lenglen agora dispõe de uma cobertura semelhante à da arena principal, Philippe-Chatrier, para que os jogos não sejam paralisados em caso de chuva. Outra inovação é a criação de um museu e de um auditório. Laura e Bia, duas brasileiras na disputa de simplesDisputar Roland-Garros é um sonho também para Laura Pigossi (119ª do ranking mundial). A tenista de São Paulo garantiu vaga na competição na sexta-feira, após vencer a romena Cristina Dinu (229ª) por 2 a 0, com parciais de 6-2 e 6-2, em 1h14 min. "Eu gosto bastante de estudar as minhas adversárias, ser fiel a uma tática, ser fiel a ser agressiva e venho fazendo isso em 2024. Desde o Pan-Americano, eu venho tentando mudar o meu jogo e ser mais agressiva, melhorar coisas que eu não fazia tão bem e acho que está dando resultado, eu acho que tem que continuar", acrescenta. A tenista pediu o apoio da torcida. "Eu realmente peço para o pessoal vir torcer porque muda o ambiente da quadra, muda a atmosfera e para nós faz muita diferença", explica. "Estou muito feliz de poder ter duas brasileiras na chave principal de Roland-Garros de simples, na dupla tem mais. E acho que é isso, seguir fazendo o meu trabalho, seguir confiando e passar essa mensagem para as tenistas mais jovens de que tudo é possível, contanto que você acredite nos seus sonhos, coloque muita energia neles e trabalhe duro que as coisas acontecem", conclui.Rumo a Paris 2024Nas duplas, outros cinco brasileiros estão na competição. Entre eles, o gaúcho Rafael Matos, campeão de duplas mistas no Australian Open de 2023. "É o meu terceiro ano, nos outros dois eu joguei muito bem, fiz bons resultados. Então, a expectativa está bem alta, eu adoro este torneio e estou bem feliz de estar aqui mais um ano", disse ele à RFI Brasil.O Open da França vai até o dia 9 de maio e é uma oportunidade para ver os melhores atletas do mundo em quadra, poucos meses antes dos Jogos Olímpicos Paris 2024, cujas partidas de tênis acontecerão no estádio da Porte d' Auteuil, no 16º distrito da capital francesa. "É o último torneio que soma pontos para classificar para a olimpíada. Jogar aqui em Roland-Garros, em Paris, com toda a história que o tênis brasileiro tem neste torneio, vai ser um sonho", diz Matos. "É em Paris, cidade que as pessoas já gostam de vir, é Roland-Garros, que tem toda a história do Guga (Gustavo Kuerten) por trás, um torneio incrível, um Grand Slam, então, soma tudo isso e as pessoas gostam bastante de vir", afirma o atleta. É o caso da dona de casa Erica Tardin, de Campinas, que aproveitou o fim de semana na capital francesa para conferir os jogos de Roland-Garros. "Eu sou muito fã de tênis, apareceu a oportunidade eu tinha que vir", disse. "A torcida vem em peso, brasileiro não decepciona", conclui.
As enchentes históricas no Rio Grande do Sul, o terceiro desastre climático no Estado em menos de um ano, fazem o Brasil sentir na pele o que os cientistas têm alertado há anos sobre as mudanças do clima que já ocorrem e vão se aprofundar. Mas as águas nos telhados das casas não bastaram para convencer uma minoria de brasileiros de que as alterações climáticas existem e, principalmente, são causadas pela ação humana. Como explicar a persistência do negacionismo, mesmo diante das evidências? Lúcia Müzell, da RFI Brasil em ParisUma ampla maioria de brasileiros, em torno de 90%, conforme pesquisas realizadas antes e depois da tragédia, reconhecem o problema. Entretanto, cerca de 15 a 20% dissociam a responsabilidade humana sobre o aquecimento do planeta e preferem acreditar em outras explicações.Essas versões vão desde os ciclos naturais da Terra até estudos sobre o espaço – como o projeto sobre a ionosfera Haarp, realizado nos Estados Unidos – ou conspirações internacionais que teriam forjado, de propósito, um volume excepcional de chuvas no Estado brasileiro.A RFI conversou com dois pesquisadores que estudam este comportamento – um, do ponto de vista da assimilação da informação, e o outro focado nos mecanismos cerebrais da crença em teorias do complô. Sebastian Dieguez, pesquisador no Laboratório de Neurociências Cognitivas e Neurológicas da Universidade de Friburgo, na Suíça, afirma que não é novo o conspiracionismo emergir em meio a situações trágicas."Os rumores e as informações falsas sempre circularam facilmente em todo o tipo de períodos angustiantes e preocupantes. Mas o que estamos vendo cada vez mais é essa angústia, esse medo, serem tão fácil e estrategicamente explorados por diferentes movimentos e ideologias”, indica o neurocientista. "Eles têm sabido se aproveitar dessas preocupações de uma forma cínica, oportunista, para se propagarem ou para ganharem dinheiro."Negar o problema é solução mais fácilO linguista Albin Wagener, pesquisador de ciências da linguagem e da informação na Universidade Católica de Lille, observa que a mudança do clima aparece como um tema “complexo demais” e sua compreensão pode não ser simples, inclusive para aqueles com níveis elevados de escolaridade. Sua escala é tão vasta e suas consequências, tão graves, que muitos têm dificuldade de acreditar que o homem possa ter sido o causador de uma anomalia dessa magnitude – e uma reação natural humana à tragédia é a negação."É como num luto: quando você perde uma pessoa, você tem um período de negação porque essa informação é muito dura para você. O paralelo é esse: temos que fazer o luto do mundo de antes, tanto o luto do clima de antes, que está mudando, quanto da nossa organização social e econômica, que não é mais adaptada a essa situação. Foi ela que destruiu o planeta”, explica."Só que tudo isso é informação demais: termos que transformar a economia, o consumo, a sociedade. Outra reação muito humana é querer se proteger – e a negação é uma forma de proteção”, aponta.Nas redes, todo o tipo de teses são propagadasPolíticos e um número insignificante de cientistas captaram e exploram esse sentimento, assim como formadores de opinião e produtores de conteúdo amadores. Na maioria das vezes, essas pessoas jamais estudaram climatologia – mas a celebridade delas confere credibilidade às teses alternativas.A abundância de todo o tipo de informações pelas redes sociais pode parecer ter democratizado o conhecimento, mas também virou um canal aberto para a propagação de teorias sem qualquer comprovação científica, nota Wagener."Com as redes sociais e a forma com a qual a própria imprensa se estruturou nos últimos anos, entramos em uma sociedade em que todas as opiniões são equivalentes. Na televisão, vemos pesquisadores ao lado de comentaristas e políticos, o que dá a impressão de que todas as opiniões sobre um assunto valem – só que isso não é verdade”, ressalta. "Um pesquisador é especialista na sua área de estudos, e ninguém mais em volta é, a princípio. Isso tem um peso, causa um efeito que a gente muitas vezes não percebe, mas que ajuda a embaralhar a nossa percepção das coisas."O negacionismo climático nasceu há mais de quatro décadas, no meio complotista e neoconservador americano – que, por definição, é avesso à ecologia. A natureza, alegam seus adeptos, é uma mera fonte de recursos à serventia dos seres humanos.Assim, a redução das emissões de gases de efeito estufa, causadores do aquecimento anormal do planeta, é vista como um freio para a atividade econômica e o livre mercado. Não à toa, o setor petroleiro foi um dos que mais contribuíram para divulgar o lobby negacionista.O neurocientista Sebastian Dieguez ressalta que o movimento é parecido com o dos antivacinas, e é marcado por diversos tipos de adesões. "Algumas pessoas simplesmente não se interessam muito pelo assunto e adotam a opinião de alguém que elas conhecem. Não são necessariamente extremistas, só não se importam”, cita. “E temos uma nova onda, que estamos chamando de novos complotistas, que surgiu por volta de 2016, com a ascensão dos movimentos populistas e antissistemas, Donald Trump e o Brexit, e se reforçou muito durante a pandemia”, complementa.Para estes últimos, o tema foi rapidamente politizado e assimilado na polarização entre direita e esquerda. "Muitas vezes, eles precisam ser contra e assumir essa posição se quiserem demonstrar a sua lealdade a este grupo político ao qual pertencem. A pessoa pode temer ser rejeitada pelo grupo, ser considerada como não tão engajada assim. Então ela acha que precisa se associar a essa crença que está circulando entre os seus pares, assim como precisa seguir os influenciadores, os veículos e grupos de informação que a impulsionam”, detalha Dieguez.Como combater o negacionismo?Quanto ao futuro, os dois pesquisadores ressaltam que o contato mais próximo com a realidade das mudanças do clima "é um dos remédios incontornáveis contra o negacionismo”. “Acho que as pessoas deveriam buscar encontrar mais aquelas que enfrentam as dificuldades do clima todos os dias nas suas atividades, como os agricultores, independentemente dos seus posicionamentos políticos. Talvez assim elas vejam o quanto o problema é concreto, os eventos são graves, com impactos econômicos, sociais, culturais e migratórios muito fortes”, sublinha segundo Albin Wagener.O cientista da Universidade de Friburgo avalia que o maior acesso à informação certificada também pode ser uma solução valiosa – porém é ineficaz nos casos de radicalismo contra a ciência."Às vezes, é simplesmente o tempo que vai fazer com que o assunto saia do foco e a pessoa mude de ideia mais tarde. E também vemos muito as pessoas percebendo que houve algo de imoral por trás daquela posição que elas assumiram. É o caso de quando um político enriquece graças a este apoio”, lembra. "De toda a forma, é algo que pode levar muito tempo e é um caminho pessoal que a pessoa deve decidir seguir. É muito difícil de tirar alguém à força das suas convicções.”
Enchentes históricas, consequências sem precedentes. Os relatórios feitos sobre a situação das inundações no Rio Grande do Sul testemunham uma das maiores crises de desalojados internos em todo o mundo. Várias organizações internacionais com experiência em emergências humanitárias estão no Sul do Brasil para ajudar a traçar soluções no planejamento e gestão da catástrofe. A RFI conversou com algumas das que estão atualmente no terreno. Maria Paula Carvalho, da RFI Brasil em Paris Os números mais atualizados da Defesa Civil estadual apontam 461 municípios atingidos pelas chuvas que deixaram, em poucos dias, 540.192 desalojados no Rio Grande do Sul. De acordo com o último relatório anual do IDMC (Centro de Monitoramento de Deslocamentos Internos), com sede em Genebra, na Suíça, o atual balanço representa hoje três quartos de todos os deslocados por causa de desastres climáticos no Brasil no ano de 2023 (745.000).“Tenho muitos anos de experiência, eu estive no Haiti, no Equador, em terremotos, recentemente na Turquia, e esta é uma emergência grande e complicada pela extensão do país. Obviamente é um país muito solidário, mas as extensões de terra aqui são muito grandes. Então, o envio de ajuda humanitária às zonas afetadas é medido em muitos quilômetros e muitas horas,” explica Marco Franco, chefe de operações da Federação Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho (FICV) no Brasil.Ele ressalta que a emergência no RS afeta mais de 2 milhões de pessoas, o que equivale a aproximadamente metade da população do Panamá, que tem 5 milhões, compara. “A chuva não para, continua chovendo e isso dificulta muito. Caíram árvores, pontes e isso dificulta que a ajuda chegue rapidamente", salienta Franco, lembrando que, em poucos dias, choveu 300 milímetros, o que seria esperado para o período de uma semana.O chefe de operações da FICV dá o exemplo do trajeto entre Caxias do Sul e Porto Alegre, normalmente feito em três ou quatro horas, mas que agora está levando 17 horas. “Devemos considerar que, nas próximas semanas, também pode haver proliferação de mosquitos e um aumento dos casos de dengue nas zonas afetadas por causa de tanta água”, alerta. A Federação Internacional da Cruz Vermelha, considerada a maior organização humanitária do mundo, lançou um apelo de emergência de 8 milhões de francos suíços, o equivalente a mais de R$ 45 milhões, para fortalecer a assistência humanitária às comunidades afetadas pelas inundações no Rio Grande do Sul.Seus voluntários, treinados para atender este tipo de emergência, têm prestado os primeiros socorros, cuidados de saúde e apoio psicológico à população afetada, além de organizar centros de coleta de mantimentos em Caxias do Sul e Porto Alegre. Nos albergues, há aproximadamente 80 mil pessoas, entre as quais famílias grandes com crianças e idosos, relata. "Uma preocupação a mais é a queda na temperatura. Atualmente, faz entre 7°C e 10°C, o que significa que além de refúgio, elas precisam de agasalhos”, alerta Marco Franco. A OIM, Agência da ONU para as Migrações, também está trabalhando em conjunto com os governos no sul do Brasil, fornecendo apoio técnico para a gestão dos abrigos. A OIM destaca à RFI a importância de incluir as discussões sobre mudanças do clima, nas considerações sobre a mobilidade humana. A centenária ONG britânica Save the Children é outra organização com atuação no Brasil e que enviou dois representantes para São Leopoldo, na região metropolitana de Porto Alegre. Com um orçamento inicial que ultrapassa os US$ 100 mil (cerca de R$ 512 mil) para esta emergência, a organização trabalha com parceiros locais na distribuição de 1.000 kits de comida por dia aos necessitados. “O Brasil tem uma capacidade e uma funcionalidade, uma coordenação muito bem estruturada. As organizações internacionais registradas no país atuam como organizações locais e todos os trâmites são feitos com os parceiros locais, com as capacidades locais, pois eles têm conhecimento do contexto e necessidades, além do idioma", explica Alessandro Tuzza, diretor da Save the Children Brasil.“Pelo que vimos, é importante citar o compromisso da população na resposta, no voluntariado. Pela primeira vez, vejo uma atenção tão integral por parte de toda a população”, destaca.Ele sublinha que um número elevado de vítimas perdeu tudo: desde os bens materiais até "a dinâmica familiar, o contato com os amigos da escola, o sistema de ensino". A maioria das escolas nas áreas afetadas continuam fechadas. "Queremos assegurar que o retorno à normalidade seja um novo começo, com uma nova perspectiva”, completa. Impacto nas criançasO Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), que atua no Brasil há mais de 70 anos, também correu para assistir o extremo sul do Brasil, explica o escritório brasileiro da organização. Tradicionalmente, a instituição opera nas regiões Norte e Nordeste, onde há maior concentração de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. Considerada uma das maiores agências especializadas das Nações Unidas, o Unicef fornece recursos humanitários e técnicos para auxiliar programas governamentais em diversos níveis da administração. Desde que as chuvas começaram a provocar vítimas no Rio Grande do Sul, três profissionais foram enviados a campo, convocados pelo Ministério do Desenvolvimento Social e dos Direitos Humanos e Cidadania. “Já fizemos um primeiro mapeamento e agora estamos começando a trabalhar justamente no desenvolvimento de protocolos de atenção técnica para a gente assegurar que crianças e adolescentes abrigados tenham uma atenção focada nas necessidades dos meninos e meninas que estão sendo impactados por essa tragédia”, disse Denise Stuckenbruck, representante adjunta interina do Unicef Brasil, em entrevista à RFI.Ela indica que organização distribui kits, chamados de "kits de aprender e brincar", composto por jogos educativos e guias para atividades lúdicas e educativas, a serem usados nos abrigos. "Para que crianças que estão abrigadas possam contar com atividades organizadas com recursos próprios para tentar mitigar o impacto negativo da vida delas nos abrigos”, acrescenta. O Unicef calcula que atualmente 15.000 crianças e adolescentes estão em 700 abrigos gaúchos, entre elas 1.900 menores de 5 anos. Um dos trabalhos consiste em ajudar para reunificar as crianças e adolescentes separados de suas famílias. "Isso tem que ser feito de maneira profissional, para prevenir uma situação mais crítica, que pode levar a mais abusos. O impacto socioemocional e de saúde mental é muito forte e o trauma que pode permanecer na vida dessas crianças é muito profundo”, destaca Stuckenbruck. Para desenvolver esse trabalho, o Unicef conta com a solidariedade dos brasileiros. “Nós estamos operando com recursos generosamente doados para a nossa resposta no Brasil. Nós temos, assim, o benefício de contar com a generosidade e a confiança da população brasileira”, reconhece.A representante destaca ainda que as ações no Brasil estão coordenadas, entre as três esferas de governo e a sociedade civil. A falta de recursos para enfrentar a tragédia, afirma, não é o principal problema neste momento. "Ainda não consideramos a necessidade de fazer um apelo de mobilização de recursos internacional, até porque isso ainda não nos foi solicitado pelo governo brasileiro”, sublinha. Princípios humanitáriosA gaúcha e humanitária internacional Fernanda Baumhardt, que trabalhou com agências especializadas da ONU na resposta às inundações no Peru e no terremoto do Equador, entre outras emergências no mundo, relembra da importância de uma atuação com base nos princípios humanitários: neutralidade, imparcialidade, humanidade e independência."As agências humanitárias devem ser puramente técnicas e apolíticas. O nosso lado deve ser sempre e apenas o lado das pessoas afetadas e em sofrimento. Isso significa que, na prática, ao coordenar com as diferentes instâncias do governo, precisa-se manter o foco e ecoar as vozes dos necessitados, construir pontes com as diferentes autoridades, sendo porta-vozes da realidade e prioridades do terreno, que é dinâmico", aponta. "Esta escuta precisa ser ativa, constante e humana”, apela Baumhardt.
As enchentes sem precedentes que afundaram o Rio Grande do Sul no caos ilustram o duro impacto das mudanças climáticas nos países menos desenvolvidos, onde falta estrutura de prevenção, de enfrentamento de desastres e, depois, de reconstrução. A tragédia expõe a necessidade de financiamento climático para as nações mais pobres enfrentarem os fenômenos extremos – mas, no caso do Brasil, também evidencia como o país negligencia os investimentos em adaptação às alterações do clima. Lúcia Müzell, da RFI Brasil em ParisCidades inteiras gaúchas precisarão ser reconstruídas – casas, estradas, infraestruturas, serviços. Os governos nas diferentes esferas e instituições privadas agora se concentram no problema emergencial do resgate e apoio aos desabrigados e restabelecimento dos serviços atingidos. O cálculo preciso dos prejuízos de uma catástrofe dessa magnitude vai levar tempo. O número deve passar da centena de bilhões de reais – sobretudo se também incluir um plano estruturado para evitar que os futuros eventos extremos sejam tão devastadores.“A gente, antigamente, nos contratos de infraestrutura, por exemplo, chamava esses riscos como sendo de 'força maior'. Era uma coisa que ninguém podia prever, que acontecia a cada 10 anos, que nem era contabilizado porque poderia ser um terremoto que ocorre a cada 50 anos”, explica Maria Netto, diretora-executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS) e uma das maiores especialistas do país sobre o assunto. “Esses riscos agora passam a ser recorrentes, e o custo de inação, o fato de não ter prevenido, é muito mais alto do que se tivesse sido feito”, frisa Netto, que antes atuou no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).Segundo levantamento do Centro Brasileiro do Clima, somente três Estados brasileiros possuem planos atualizados de adaptação. Além disso, os recursos disponibilizados são insuficientes e sequer chegam a ser plenamente utilizados. Até o começo do mês, o Brasil havia usado apenas 19% da verba prevista no Orçamento da União para a prevenção e combate de desastres neste ano – principalmente devido à falta de projetos apresentados pelos Estados e municípios, que carecem de pessoal especializado. “Não basta simplesmente construir tudo como era, diante da informação e da certeza de que estamos todos sujeitos aos riscos climáticos. É preciso reconstruir as moradias, os negócios e a estrutura econômica de praticamente todo o Rio Grande do Sul, mas em novas bases”, salienta Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, focado em políticas públicas resilientes à mudança do clima. “Não se trata de reconstruir o desastre.” Projeto de lei para acelerar planos de adaptaçãoA prevenção inadequada é um problema não apenas do Brasil. As previsões de orçamento e os planejamentos de infraestrutura, investimentos ou de agricultura atuais, inclusive dos seguros, são baseados em dados históricos de riscos. “Ainda não há o hábito fiscal de prever o custo da inação. A gente não faz uma análise mais sofisticada, que considere que se os últimos 5 anos foram fora da curva, talvez eles sejam a nova curva”, observa Maria Netto.Em meio ao drama gaúcho, o Senado acelerou a análise e a aprovação do projeto de lei 4.129/2021, que estabelece as diretrizes para os planos de adaptação em níveis federal, estaduais e municipais. O texto havia passado pela Câmara no fim de 2022 e ainda não havia sido apreciado pelos senadores.A diretora-executiva do iCS ressalta que os governos tendem a privilegiar investimentos de efeito imediato em vez daqueles para melhorar a resiliência a eventos futuros, sem prazo para ocorrerem.“Os governos não veem o benefício direto. É muito mais fácil financiar um shopping center, uma zona de comércio, que todo mundo vai achar que vai criar empregos, do que transferir a construção de uma estrada para um lugar mais seguro devido ao risco de enchentes, investir em barragens, sistemas de drenagem”, diz Netto. “Mas se eu não fizer isso, é batata: vai haver um custo econômico lá na frente, muito maior, que eu vou ter que pagar”, adverte. Quem paga a conta do clima?De um ponto de vista mais amplo, as inundações no Rio de Sul ilustram um debate antigo na esfera internacional: quem deve pagar essa conta? Os países dispõem de verbas especificas para desastres, mas os menos desenvolvidos encontram-se em uma situação não apenas mais fragilizada, como também alegam estarem sofrendo os danos de um problema maior causado pelos países desenvolvidos.O Brasil poderia pleitear os recursos internacionais previstos na Convenção da ONU sobre as Mudanças do Clima para os países em desenvolvimento se prepararem melhor. O fundo de US$ 100 bilhões anuais, prometidos há 14 anos pelos países avançados, pena a ser concretizado e o valor já está desatualizado em relação às necessidades reais.“O Brasil, até hoje, nunca deu prioridade para isso, porque sempre imaginou que outros países mais pobres, menores e inclusive mais vulneráveis, é que deveriam poder acessar e não nós, que somos uma economia média, emergente”, nota Natalie Unterstell. “Nós nunca acessamos o Fundo de Adaptação, a gente não tem projetos grandes para outros fundos climáticos internacionais. O Brasil realmente nunca priorizou isso, e acho que agora é um bom momento.”Desde a revolução industrial, as emissões de gases de efeito estufa pelas nações ricas dispararam e causaram o aquecimento anormal do planeta, que desregula o clima na Terra. Para que as consequências não sejam ainda mais graves no futuro, as emissões mundiais precisariam cair pela metade até o fim desta década e serem zeradas até 2050. “É claro que recursos para que o Rio Grande do Sul e o Brasil tenham melhores condições para começar essa nova construção são bem-vindos. Mas o principal não é isso. A responsabilidade da comunidade internacional é compartilhar os custos e garantir que a gente vai chegar à descarbonização da economia global – porque senão, sem combater a causa, não adianta”, frisa a presidente do Instituto Talanoa.Financiamento climático e desenvolvimentoO debate sobre financiamento climático também é associado ao desenvolvimento – ao proporcionar habitações mais seguras e em locais menos expostos, o país também melhora as condições de vida das populações mais vulneráveis. O Brasil teria uma oportunidade de ouro para isso: o Novo PAC, principal programa de investimentos do país, poderá mobilizar R$ 1,3 trilhão até 2026 – mas os recursos estão sendo alocados em projetos que desconsideram o “novo clima”, salienta Unterstell.Maria Netto avalia que, mais do que acesso a recursos financeiros, o que falta ao Brasil é apoio técnico para um planejamento estratégico de adaptação.“Acho que o Brasil se beneficiaria muito de aprender mais com outros países. A gente poderia, por exemplo, ver como a Jamaica está fazendo, porque a Jamaica provavelmente tem mais experiência em fazer critérios de mais resiliência das infraestruturas”, afirma. “Às vezes, a gente acha que é muito grande e tem tudo para ensinar, mas também temos muito para aprender.”O tema do financiamento será o foco da próxima Conferência da ONU sobre as Mudanças Climáticas, a COP29, que acontecerá em novembro no Azerbaijão. Os países deverão chegar a um consenso sobre uma nova meta global de recursos para o clima.
A medida em que vão se aproximando os Jogos Olímpicos Paris 2024, o calendário de eventos-teste do Comitê Organizador se multiplica. O mês de maio começou movimentado no Centro Aquático Olímpico (CAO), em Saint-Denis, ao norte da capital. Primeiro, a Copa do Mundo de nado artístico, seguida do campeonato francês de polo aquático. E na sexta-feira (10), terminou o campeonato Internacional de saltos ornamentais. Maria Paula Carvalho, da RFIO Brasil esteve presente com dois atletas, que tiveram a chance de conhecer as novas instalações. "O Brasil está com uma equipe pequena, mas muito bem preparada, de atletas experientes", disse em entrevista à RFI Ricardo Moreira, diretor técnico da seleção brasileira de saltos. "A gente está fazendo o melhor aqui na preparação, reconhecendo a área da competição, para que eles cheguem nos Jogos Olímpicos na melhor forma e com muita confiança para fazer o melhor pelo Brasil", completa.Ligado ao Stade de France por uma passarela de 100 metros, o CAO será o palco das disputas dos saltos ornamentais nos Jogos de Paris 2024, além do nado artístico e as eliminatórias de polo aquático. O complexo é composto por uma piscina de 50m e um tanque com plataformas.A arena com capacidade para 5.000 espectadores será o carro-chefe do projeto de um novo bairro e da revitalização deste subúrbio de Paris. "A piscina é excelente, não tenho nada a reclamar da estrutura aqui", avalia Ricardo Moreira. "Um pouco diferente das outras, em relação ao tamanho. Geralmente, na Olimpíada é uma piscina maior, uma arquibancada gigantesca e aqui eu vi que eles optaram por uma arquibancada um pouquinho menor, mas não vai diminuir de forma alguma o brilho da competição. Está tudo excelente". Ricardo explica que o Brasil vem conquistando espaço nas competições da modalidade. "O Brasil está crescendo nos saltos ornamentais. Não é um esporte em que tem tradição, mas que a cada ano a gente vem alcançando resultados mais expressivos. Antes, o Brasil participava dificilmente de uma Olimpíada. Hoje, não só participa, como está alcançando as finais. E a gente vê que está muito perto de alcançar uma medalha numa competição de expressão", acredita. Os atletas brasileiros vêm de duas semanas de treinos em Toronto, no Canadá, no mês de abril. Paris será a terceira olimpíada para Ingrid Oliveira, que já competiu em Tóquio 2020 e no Rio de Janeiro 2016, sem baixar das dez primeiras posições. "Eu acho que todos os atletas sonham com uma medalha olímpica, né? Mas eu conversei com o meu treinador e a gente resolveu brigar da quinta posição para cima. É o nosso objetivo: ficar no top five do mundo. Obviamente, eu vou brigar por uma medalha, mas eu acho que se eu sair com o meu dever cumprido, fazer o que eu venho fazendo nos treinos, eu já vou sair super satisfeita e vou dar o meu melhor. O resultado é só uma consequência", disse a atleta à reportagem da RFI.Ingrid falou sobre a ambientação às novas instalações olímpicas. O Centro Aquático de Saint-Denis, recém-inaugurado, será um dos legados desta edição dos Jogos Olímpicos. "A gente veio conhecer a piscina que sediará as Olimpíadas, conhecer um pouco e buscar as melhores estratégias, saber como é a piscina. Então, está sendo muito boa essa aclimatação aqui", diz. "Acho que a piscina está muito boa, a estrutura está muito boa e não tenho nada a reclamar. Porém, essa competição é só uma etapa da preparação, então, não tem que ficar me cobrando muito", observa Atleta acabou ficando de fora da provaIngrid acabou desistindo de competir no Aberto de Paris na última hora, após sentir dores na costela. "Eu resolvi me poupar porque o foco maior são os Jogos Olímpicos", disse em entrevista à RFI Brasil. "Eu estava sentindo dores na costela durante os treinos e abri mão dessa competição para estar bem fisicamente nos Jogos", acrescentou. Porém, ela fez questão de tranquilizar a torcida: "acredito que algumas sessões de fisioterapia já vão alinhar a minha costela e não acho que isso seja preocupante".Ingrid Oliveira começou ainda criança na ginástica e aos 12 anos foi convidada para entrar na equipe de saltos ornamentais. Ela tem treinado duro. A atleta ficou em 4º lugar na plataforma de 10m dos saltos ornamentais no Mundial de Esportes Aquáticos em 2022.Aos 28 anos, ela está focada nos Jogos de Paris. "A gente faz cinco saltos diferentes. São cinco rodadas na minha prova. No masculino são seis, pois eles fazem um salto a mais. E cada salto tem que ser de uma posição diferente, um tem que ser de frente, outro tem que ser de costas ou tem que ser com giro ou tem que ser na parada de mãos. Então, são saltos variados e a gente tem que acertar o salto", explica. E como ela pretende se preparar nos últimos meses? "O que a gente mais precisa é treinar, se preparar mentalmente, se preparar fisicamente e tecnicamente. Eu acho que é basicamente isso, curar algumas lesões que vêm incomodando e treinar, focar 100%. E é isso que a gente vai buscar fazer", afirma. Além dela, Isaac Souza também veio a Paris conhecer as novas piscinas. O carioca, nascido na Mangueira, disputará os Jogos Olímpicos pela segunda vez. O atleta, que vem de uma lesão no cotovelo esquerdo, também preferiu se poupar, participando apenas dos treinos oficiais em Saint-Denis. "Decidimos me resguardar porque eu estou vindo de lesão e estou tratando. Está bem estável, mas como está perto dos Jogos, é bom que eu consiga treinar para chegar muito bem nos Jogos", explica."Estar em Paris é uma alegria imensa. Eu estou animado e, ao mesmo tempo, nervoso de saber que está chegando a hora. Estou trabalhando com calma para chegar aqui e dar o meu melhor", completa. "Estou muito empolgado para esse momento, de chegar à Vila Olímpica, encontrar outros atletas que eu admiro. Vai ser irado chegar em pouco tempo aqui", conclui. Na segunda quinzena de junho, a dupla embarca para um training camp na Polônia. O país europeu também foi escolhido para a aclimatação pré-Jogos, de 20 a 29 de julho. A chegada a Paris para as competições está marcada para 30 de julho.
Madri foi palco do Fórum “Transformações: Revolução Digital e Democracia”. Autoridades e acadêmicos brasileiros e espanhóis se reuniram para debater temas como a regulação do conteúdo online, a inteligência artificial e o futuro da democracia na era digital. Ana Beatriz Farias de Oliveira, correspondente da RFI Brasil em MadriO evento, organizado sexta-feira (4) pelo Fórum de Integração Brasil Europa (FIBE), contou com a presença do ministro do Superior Tribunal de Justiça, Ricardo Villas Bôas Cuevas. Presidente da comissão de juristas que propõe subsídios à regulação da Inteligência Artificial no Brasil, ele avaliou que, depois de mais de quatro anos de debate, o Brasil já está “muito perto de chegar a um consenso sobre a regulação”, mas deixou claro que a meta, neste âmbito, deve ir além do território nacional.“Esse modelo regulatório, originalmente, nasceu sob a inspiração do modelo europeu de regulação e hoje ele já incorpora elementos também do Reino Unido e dos Estados Unidos. Há uma convergência internacional em alguns pilares da regulação e o Brasil faz parte desse debate, portanto estar nesse Fórum na Europa é muito importante para que possamos intensificar esse diálogo e quem sabe atingir o ideal de uma regulação internacional sobre a inteligência artificial que acho que deve ser a meta de todos”, declarou à RFI.Quem também compareceu ao encontro foi o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes. O magistrado defendeu a necessidade de regulamentar a internet, ressaltando que os brasileiros já pagaram um preço alto pela falta de mecanismos de responsabilização pelo que se publica online – referindo-se aos reiterados ataques sofridos pelas instituições que culminaram no episódio de 8 de janeiro de 2023.Membro do Conselho Consultivo do Fórum de Integração Brasil Europa, Gilmar Mendes foi citado várias vezes, ao longo do dia, como um dos responsáveis pelo êxito do evento, que já foi sediado em Lisboa e acontece pela primeira vez em solo espanhol.“A Espanha tem uma experiência muito rica em relação a isso, a Europa tem uma experiência rica com a ideia da regulação que inicialmente começou na Alemanha e depois passou para âmbito europeu”, declarou, em entrevista à RFI. Na Europa, “já se definem as responsabilidades de provedores”, por exemplo, e o Brasil tem muito a aprender do modelo implementado no continente, salientou Mendes.Lei europeia Ibán García del Blanco, um dos representantes espanhóis, foi o único eurodeputado espanhol a participar das negociações finais que, em dezembro, permitiram que a União Europeia chegasse a um acordo sobre a primeira lei de inteligência artificial completa do mundo. A norma busca principalmente garantir que os modelos de inteligência artificial generativa não violem os direitos fundamentais.Estão previstas na lei europeia garantias de transparência e de veracidade na transmissão de informação. O eurodeputado declarou que é “crucial que as grandes democracias do mundo se unam em torno de alguns aspectos essenciais para, de certa forma, equilibrar a balança frente a agentes globais e empresas multinacionais que detêm um poder imenso, muitas vezes superando até mesmo o poder dos Estados em si”.Já a deputada espanhola Tesh Sidi participou de um painel dedicado a discutir a consolidação de uma democracia 4.0. Engenheira informática, a parlamentar acrescentou que até o momento a transformação digital tem sido tratada de forma compartimentada e ressaltou que, pela primeira vez, a Espanha tem um ministério dedicado à transformação digital e está olhando para essa questão de forma mais séria.Tesh Sidi defende a criação e a implementação de uma sociedade verdadeiramente digital, com as novas ferramentas servindo para uma maior participação da cidadania em processos eleitorais, além de defender a criação de uma linha estável de financiamento público que fomente as iniciativas relacionadas a este campo.Cenário do BrasilO senador Eduardo Gomes, relator da Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial no Senado Federal, também compareceu ao fórum e traçou um panorama dos avanços na regulamentação da IA no Brasil. De acordo com ele, “nós estamos vivendo um momento agora praticamente da derradeira consulta para a concepção do texto final e votação na Câmara e no Senado”.O senador falou sobre alguns dos principais pontos que estão sendo debatidos em relação ao tema no país e que serão incluídos nesta redação. Segundo ele, estão sendo previstas “a garantia ao direito de propriedade, aos direitos autorais, à proteção do ser humano em todos os seus aspectos – de segurança e de propriedade dos seus dados”. Eduardo Gomes disse ainda que, por se tratar de um tema volátil e que se atualiza a todo instante, este é um assunto que será visitado permanentemente pelo Congresso para suas regulações, definições, adaptações. “Porque é uma novidade que muda a vida de toda a humanidade, então não há pretensão de apresentar uma lei definitiva”, conclui.“Nós entendemos que lidamos com uma base a ser regulada que muda muito, mas vamos fazer isso com muita atenção, com muita tranquilidade e com muita serenidade”, ressalta o senador.
Enquanto o governo envia sinais contraditórios sobre o rumo da política ambiental no país, a bancada ruralista no Congresso acelera a ofensiva para promover retrocessos na legislação. O chamado “pacote da destruição” em tramitação na Câmara ou no Senado mais que triplicou em relação aos anos Jair Bolsonaro, denunciam organizações ambientalistas. A lista atualmente conta com mais de 20 projetos de lei, entre eles alguns que visam desidratar o Código Florestal, maior instrumento legal de proteção das florestas no país. Os textos vistos como os mais perigosos são o PL 3.334/2023, que pode reduzir a área de preservação da Amazônia para 50%, em vez dos atuais 80%, o PL 364/2019, que transforma em áreas rurais aquelas com vegetação de tipo não florestal, como as do Cerrado e do Pantanal, os PLs 1366/2022 e o 10.273/2018, que amputam recursos financeiros de órgãos ambientais responsáveis pela fiscalização, como o Ibama, e o chamado PL da devastação, 2.159/2021, pelo qual as regras de licenciamento ambiental no Brasil seriam amplamente flexibilizadas. “O Brasil tem uma legislação forte, consistente, embora a gente tenha dificuldade de implementação. Mas eles estão tentando flexibilizar essa legislação de forma geral”, alerta Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima. “Estamos vendo isso todo dia. Esses são os que estão na pauta nas últimas semanas. Eles ainda têm que tramitar nas duas Casas de forma completa, mas as chances de passarem são grandes.”A bancada ruralista conta com uma maioria de 324 dos 513 deputados federais e 50 dos 81 senadores – o que significa que é capaz de aprovar ou barrar qualquer texto. O grupo, hoje mais numeroso do que durante o governo anterior, encara as regras ambientais como entraves que precisam ser combatidos. A Comissão do Meio ambiente sequer tinha presidente e não havia realizado nenhuma sessão este ano, até o fim de abril.Exemplos recentes do que essa força representa foram a aprovação da nova lei dos agrotóxicos e sobre o marco temporal, referente à delimitação dos territórios indígenas, em 2023.Lula no exterior x realidade do CongressoNas viagens ao exterior, o presidente Lula tem exaltado o desempenho do governo, com trunfos como a queda do desmatamento da Amazônia e a adoção do primeiro Plano de Transformação Ecológica, pelo Ministério da Fazenda. Mas no âmbito nacional, está mais difícil de avançar na pauta ambiental do que parece. Com a configuração atual do Congresso, os projetos que envolvem o tema viraram "moeda de troca" para o governo aprovar outras agendas prioritárias, a exemplo da Reforma Tributária, aprovada no fim de 2023. Os paradoxos dentro do próprio governo sobre até que ponto o meio ambiente é, de fato, uma prioridade, fortalecem a percepção de que existe um olhar dúbio sobre o assunto – e abrem a brecha para que os projetos de lei envolvendo a pasta fiquem reféns do Congresso.“A demanda da bancada ruralista é a pauta ambiental. Tem uma racionalidade. O que não dá é para aceitar que a pauta ambiental seja a moeda de troca”, aponta Araújo.Os embates entre os ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, de um lado, e dos Minas e Energia, do outro, são frequentes. O ministro Alexandre Silveira planeja alçar o país de nono para quarto maior produtor mundial de petróleo e defende que os recursos financiem o desenvolvimento do Brasil, em contradição com a emergência climática.O próprio presidente Lula também não esconde o desejo de ver avançar novas frentes de exploração do óleo no Brasil, como na bacia da foz do rio Amazonas. Na Câmara, até o deputado petista Nilto Tatto, coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, defende essa posição.“É papel nosso, enquanto ambientalistas, trabalhar para que se pare de utilizar as energias fósseis, mas eu também não posso falar aqui, de forma simples, que é fácil para o Brasil abandonar essa energia, por aquilo que ela representa, do ponto de vista de recursos e de capacidade do país, em termos de investimentos – inclusive na transição ecológica”, afirmou o parlamentar, à RFI Brasil.A dinâmica das votações também tem pego o governo de surpresa, ao passarem pelas comissões parlamentares – dominadas pelos ruralistas – sem sequer a realização de debates. Foi assim que o projeto de lei para limitar a cobrança da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental acabou de avançar. Se aprovada, a mudança resultará em um corte estimado em 25% das receitas do Ibama, o órgão responsável por coibir crimes ambientais no país."É evidente que a atual legislatura é desfavorável, mas, em geral, o governo não tem oferecido a resistência necessária para conter os graves retrocessos socioambientais em tramitação no Congresso, mesmo que sua aprovação signifique o descumprimento das metas climáticas, das promessas presidenciais e das políticas públicas em andamento, como o PPCDAm, que visa a proteção da Amazônia", salientou Mauricio Guetta, consultor jurídico do Instituto Socioambiental (ISA).Mais firmeza com deputados da baseO deputado Nilto Tatto avalia que o Planalto deveria ser mais firme com os deputados da base que não têm seguido as orientações do governo.“Na hora da votação, o governo recomenda e eles não seguem. Não é tão simples dizer que a pauta está sendo moeda de troca para aprovar outras pautas”, argumenta. “Eu gostaria que o governo adotasse medidas mais drásticas. Poderia usar outros instrumentos para pressionar, como cargos reivindicados pelos partidos políticos e parlamentares, e emendas. Tem outros instrumentos para fazer valer o plano de governo que foi eleito e está sendo implementado pelo Executivo, e que o Congresso Nacional acaba atrapalhando em parte”, salienta.Além dos projetos do “pacote de destruição”, os ruralistas se mobilizam para alterar o DNA dos projetos voltados à transição energética do país – ainda sem estratégia clara, nem prazos, para se concretizar. O processo começou no ano passado, com a aprovação da regulamentação sobre as usinas eólicas offshore. Só que a Câmara incluiu no texto uma série de incentivos para indústrias poluentes, como gás e carvão.Da mesma forma, o projeto sobre os créditos de carbono no Brasil passou pelo Senado, mas os senadores excluíram do mercado regulado o setor agropecuário – que responde por 75% das emissões de gases de efeito estufa brasileiras.Os parlamentares também têm na mira as futuras leis sobre o hidrogênio verde e os biocombustíveis, entre outros projetos.
Representantes de 175 países, especialistas, organizações e lobistas da indústria realizam uma nova etapa de negociações das Nações Unidas de um tratado global contra a poluição dos plásticos – um derivado do petróleo onipresente na vida moderna. Ao mesmo tempo em que se tornaram banais, os plásticos ameaçam ecossistemas e atrasam o caminho para a redução do uso de fontes fósseis no mundo. Lúcia Müzell, da RFI Brasil em ParisA quarta rodada de diálogos, de um total de cinco, acontece em Ottawa, no Canadá. Nesta fase, a expectativa é os países conseguirem enxugar o texto que é negociado há quase dois anos. Até aqui, o processo tem sido marcado por fortes oposições entre os países produtores de petróleo, liderados pela Arábia Saudita, e os que desejam a adoção de um pacto internacional para limitar o consumo e a produção de determinados plásticos, como a maioria dos europeus. Um acordo final vinculante é esperado na reunião que ocorrerá em novembro, na Coreia do Sul."O tratado é muito longo, detalhado, e tem muitos elementos que ainda estão em aberto. Nós fazemos um apelo aos países para que tratem com a devida urgência a questão da poluição plástica e possam encaminhar os consensos com mais velocidade”, disse o gerente de políticas públicas da WWF-Brasil, Michel Santos, que está em Ottawa. "Acreditamos que é possível. Nós temos visto posturas muito positivas nesse sentido, inclusive do Brasil, que chega com uma postura mais propositiva e proativa, fazendo jus a um país que vai receber o G20 este ano e a COP30 no ano que vem.”O plástico, um dos materiais mais baratos para o uso em diversas indústrias, é encontrado desde em utensílios da vida cotidiana até em produtos médicos, de higiene e na alimentação, que o leva à corrente sanguínea de seres humanos e animais. Na natureza, os microplásticos – as menores partículas em que eles podem ser produzidos ou transformados, inferiores a 5 milímetros – poluem o meio ambiente, em especial os oceanos e solos, e causam problemas de saúde aos seres vivos.Hoje, o mundo fabrica 460 milhões de toneladas de plásticos por ano – mas esse número pode triplicar até 2060, se nenhuma ação mais efetiva para reduzi-los for adotada no âmbito internacional. Com frequência, o uso do polímero virgem sai mais barato do que reciclar o resíduo.“Existem diversos tipos de plásticos e não estamos aqui demonizando e querendo proibir todos. Queremos trabalhar pelo banimento daqueles que não têm reciclabilidade, os chamados plásticos problemáticos, os de uso único”, ressalta Santos. "O plástico durável é muito utilizado e trouxe avanços à sociedade”, afirma.Apoio para os países em desenvolvimentoO secretário nacional do Meio Ambiente Urbano e Qualidade Ambiental, Adalberto Maluf, representa o Ministério do Meio Ambiente nas reuniões. Ele avalia que o acordo estará bem encaminhado se, no Canadá, os países conseguirem chegar a definições claras sobre quais os tipos de plásticos devem ser limitados. Disso dependerá o grau de flexibilidade dos países resistentes a um tratado internacional ambicioso.“Mas a gente precisa ter um trabalho interseccional sobre financiamento também”, pondera o secretário."Não adianta a gente falar de um acordo internacional e deixar para discutir a questão da capacitação, da transferência de tecnologia, financiamento privado e público, em especial para os países que têm maior dificuldade. A gente precisa de uma abordagem um pouco mais sistêmica, pensando como apoiar prefeituras pelo mundo a estruturarem bons sistemas de gestão, como reduzir a quantidade de embalagens, tirar as que não tem reciclabilidade ou têm um alto custo para a reciclagem”, explica Maluf.Brasil ainda não tem lei para restringir plásticosO Brasil é um ator importante neste universo – além de ser produtor de petróleo, a matéria-prima do produto, também é o quarto maior consumidor do mundo de plásticos. Entretanto, apenas uma parte insignificante disso, 1,3%, é reciclada, conforme levantamentos da WWF e da organização americana Center for Climate Integrity . O índice é bastante inferior à média global de reciclagem, que já é baixa, de somente 9%.Já a taxa de reciclagem pós-consumo – ou seja, o plástico descartado pelos consumidores, como as embalagens – chega a 25,6% no Brasil. O desempenho é positivo na comparação com outras economias em desenvolvimento, mas ainda é distante do percentual verificado nos países da União Europeia (40%).Sem reaproveitamento suficiente, cerca de 325 mil toneladas de plástico vão parar no mar a cada ano no Brasil, segundo a organização internacional Oceana, que combate o problema. Atualmente, dois projetos de lei tramitam no Congresso para limitar estes danos: o PL 2.524/2022 visa banir os plásticos de uso único, como sacolinhas e canudos, e o PL 1.874/2022 estimula a economia circular de forma mais vasta no país, incluindo a reciclagem.Consenso internoEntretanto, a questão da redução da produção permanece delicada, devido ao peso da indústria petroquímica na economia do país. Nesse sentido, está em discussão em Ottawa a adoção de metas mínimas de reciclabilidade dos plásticos fabricados e a diminuição dos aditivos tóxicos utilizados no processo.Já a cadeia da reciclagem, que emprega quase 1.000 catadores, por muito tempo se opunha à imposição de redução da produção, mas agora vê com bons olhos a evolução do debate social sobre o tema.“A gente conseguiu construir a nossa posição [internamente]. Nas últimas reuniões, os ministérios das Minas e Energia e da Indústria ainda tinham visões diferentes. Nesse meio tempo, tivemos mais de 10 reuniões conjuntas e construímos uma posição mais consensual, junto à Casa Civil, e viemos aqui para o mundo tenha um acordo”, indica Adalberto Maluf. "O mundo não pode esperar: precisamos de um tratado global que reduza a poluição plástica urgentemente – e não pode passar do fim desse ano”, defende o secretário.
Ao condenar a Suíça por inação climática, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos tomou uma decisão histórica: pela primeira vez, um país foi incriminado pela Justiça por não fazer o suficiente para combater as mudanças do clima. A sentença gera jurisprudência e aumenta a pressão sobre os 46 Estados membros do Conselho da Europa – mas também evidencia as limitações que existem hoje nas ações judiciais pela causa ambiental. Lúcia Müzell, da RFI Brasil em ParisDesde 2021, a ONU reconhece como um dos direitos humanos o direito a um clima sadio. Agora, a corte europeia se tornou a primeira a aplicar esta determinação pela via judicial, depois de ser acionada por uma associação de idosas suíças.As “vovós suíças” alegaram que as mudanças do clima já atingem a sua saúde e as ondas de calor, mais frequentes devido ao aumento da temperatura do planeta, as colocam em risco de morte.Em uma breve entrevista coletiva ao deixar a corte em Estrasburgo, Anne Mahrer, copresidente da entidade, indicou que o próximo passo é pressionar para a Suíça aplicar a decisão. Entre as medidas, ela cita a redução do impacto ambiental da construção civil e dos transportes, o uso de energias fosseis e, “é claro, visar a atuação do sistema financeiro, que continua financiando essas indústrias”.“São 300 páginas onde está escrito muito claramente tudo que é preciso colocar em prática e que não é feito. Um país como a Suíça não ter orçamento climático, nem objetivos claros para chegar à neutralidade de carbono em 2050, é inacreditável”, disse Mahrer, ao enviado especial da RFI, Raphael Moran. “Um país rico, industrializado há tantas décadas, deveria ser exemplar – e não é. Quem paga mais caro são os países do sul, que menos contribuíram para a catástrofe”, complementou.Jovens portugueses perdem açãoNa mesma audiência, o tribunal também analisou a ação movida por seis adolescentes e jovens portugueses – a diferença é que eles não visaram apenas o próprio país, e acusaram 32 Estados europeus de não evitarem o aquecimento do planeta. A corte evocou falhas processuais e decidiu que não poderia receber o caso antes que todos os recursos judiciais fossem esgotados primeiro em Portugal.“Obviamente, sentimos muito orgulho de todo o trabalho que foi feito durante estes anos – não apenas nosso, mas de todos os cientistas e advogados que estavam conosco. E todo esse trabalho não foi perdido”, afirmou uma das jovens, Catarina Mota, de 23 anos. “Não acaba aqui. Isso é apenas o começo.”Reiniciar o processo em Portugal levaria anos, observa o jurista Paulo Magalhães, do Centro de Investigação Interdisciplinar em Justiça, da Universidade do Porto. E, no final, o resultado provavelmente não estaria à altura do problema.“Todos os processos promovidos em uma jurisdição nacional estão condenados a perder porque o Estado vai se defender dizendo que ele não é o único responsável pelas alterações climáticas. Os jovens até podem ter reconhecido o seu direito a um clima estável e que estão sendo violados direitos humanos, que o direito ao clima estável não lhes está a ser assegurado. Mas os Estados sempre vão dizer que estão a fazer a sua parte e os outros é que não fazem as suas”, explica o pesquisador.Clima não tem fronteiras, alega especialista em direito ambiental internacionalNo caso português, as emissões de gases de efeito estufa do país são baixas, na comparação com os maiores emissores. Na última década, Portugal também se tornou um dos melhores exemplos de desenvolvimento das energias renováveis.“Mas isso resolve o problema dos jovens portugueses? Não”, disse Magalhães. O clima continua a se degradar – afinal, é o sistema climático da Terra que segue em direção ao colapso, não apenas o de um país. Disso decorre o “buraco jurídico” em que a proteção do planeta se encontra atualmente, argumenta o especialista em direito ambiental internacional. A Terra é considerada apenas como um território, e não como parte de um sistema conectado.“Os tribunais se esquecem que o próprio sistema judicial e jurídico não está preparado para lidar com um bem que não tem fronteiras. Uma coisa é nos dividirmos o nosso território, de forma abstrata. Fazemos umas linhas no mapa, um espaço aéreo, mas não conseguimos dividir a composição bioquímica da atmosfera ou dos oceanos, nem a circulação global atmosférica e oceânica”, explica o professor.“O direito não tem sido capaz de representar esta realidade funcional e dinâmica do nosso planeta”, constata o autor de O Condomínio da Terra: das Alterações Climáticas a uma Nova Concepção Jurídica do Planeta.Por isso, aponta o especialista, o combate à crise climática é “incompatível” com a organização jurídica que existe hoje. Ele alega que, primeiro, seria preciso determinar que o clima é um bem comum da humanidade – a exemplo do que foi feito com o fundo do mar. Depois, a criação de uma autoridade internacional específica, inclusive com tribunal próprio, passaria a se ocupar dessas causas.“Se nós aceitarmos que o planeta é também um sistema e que o sistema é comum, poderemos criar uma contabilidade entre todos, de quantos impactos positivos fazemos a este bem comum e quantos negativos, e então teremos um saldo. Sem isto, não haverá ação coletiva”, salienta Magalhães. “Sem isto, continuaremos pelo resto da vida a dizer que os do norte emitiram historicamente e têm mais responsabilidades, o que é verdade, e os do sul a dizer que têm coisas positivas para o sistema pelas quais os do norte não pagam.”
A poucos meses dos Jogos Olímpicos de Paris, o doping genético se tornou uma preocupação concreta dos organizadores, apesar de, até hoje, nenhum caso ter sido oficialmente detectado. A RFI Brasil esteve no laboratório do pesquisador francês Bruno Pitard, em Nantes, no oeste da França, que explicou como as técnicas de manipulação genética tornam essa prática possível. Taíssa Stivanin, da RFIEm abril do ano passado, o Parlamento da França adotou um projeto de lei que autoriza o Laboratório Francês de Antidoping, na região parisiense, a recolher amostras de sangue e realizar testes genéticos mais sofisticados, que poderiam detectar mutações naturais ou outras manipulações genéticas em atletas.Elas incluem as técnicas do uso RNA mensageiro, um tipo de ácido nucleico que sintetiza proteínas e leva a informação para o citoplasma – uma região da célula localizada entre o núcleo e a membrana plasmática. O RNA mensageiro funciona como um manual de instruções que vai ensinar à célula como as sequências de proteínas devem se organizar para exercer uma determinada função orgânica.O termo se tornou conhecido do público durante a epidemia de Covid-19 e o advento das vacinas da Pfizer ou da Moderna, que usam esse modelo para gerar a resposta imunitária em seus imunizantes.Mas, neste contexto, como o doping genético é possível? O engenheiro e biologista francês Bruno Pitard, diretor do CNRS (Centro Nacional de Pesquisas Científicas da França), estuda vetores sintéticos para terapias gênicas e as técnicas de RNA mensageiro há mais de 30 anos. Segundo ele, os avanços dessa tecnologia durante a epidemia, que acelerou pesquisas em todo o mundo, tornaram possível a produção natural do EPO, ou eritropoetina. O EPO é um hormônio formado na medula óssea e produzido principalmente nos rins, em resposta à detecção de baixos níveis de oxigênio no sangue. Como ele oxigena os tecidos, poderia, desta forma, também melhorar o desempenho dos atletas. A molécula isolada de EPO sintética é comercializada há anos e usada principalmente para tratar pacientes com insuficiência renal e anemia, aumentando a taxa de glóbulos vermelhos no sangue.Segundo o especialista francês, a diferença é que, agora, há maneiras de ensinar ao próprio corpo como produzir naturalmente essa substância, graças às novas técnicas de RNA mensageiro, sem necessidade de tomar um medicamento.Mas, esse uso ainda é teórico, já que nunca foram feitos testes clínicos validados em humanos, lembra o cientista francês. Ainda não se sabe também quais seriam os efeitos colaterais no organismo de um atleta que tivesse acesso às ferramentas em laboratório para produzir o EPO utilizando a terapia gênica ou outras técnicas.Experiência em laboratórioHá 15 anos, Bruno Pitard conseguiu fazer com que camundongos passassem a produzir naturalmente o hormônio em seu laboratório na Universidade de Nantes, injetando diretamente o gene do EPO no músculo dos animais. Na época, ele recebeu e-mails do mundo todo interessados na pesquisa, inclusive de uma equipe de ciclistas, “interessados”, na experiência.“Pegamos a sequência de aminoácidos do EPO, fabricamos o RNA correspondente e administramos em animais, injetando-o no tecido muscular”, explica. “Ele começou então a produzir o hormônio, que foi secretado pela fibra e entrou em seguida na corrente sanguínea, chegando à medula óssea e atuando no aumento da produção de glóbulos vermelhos", acrescenta.Acesso difícilConcretamente, como as experiências são restritas aos laboratórios, seria difícil para os atletas ter acesso a essa tecnologia. Uma possibilidade, diz o cientista francês, seria tentar utilizar a mesma plataforma de RNA mensageiro produzida para fabricar as vacinas da Covid-19 para produzir EPO. Mas, neste caso, os atletas colocariam a própria saúde em risco. Um deles seria o desenvolvimento de uma anemia autoimune, por exemplo, já que as vacinas à base de RNA mensageiro foram produzidas para gerar uma reação do sistema imunitário.Para Bruno Pitard, todos esses aspectos tornam o doping genético difícil de ser colocado em prática. Mas ele é possível e, através do uso da terapia gênica, praticamente indetectável. “No caso da terapia gênica, poderíamos ter uma expressão do EPO a médio ou longo prazo. Isso permitiria ao atleta injetar a substância bem antes das competições", observa.Testes em primatasA equipe de Bruno testa, há cerca de dois anos, a injeção do EPO utilizando o RNA mensageiro em primatas, para tratar a insuficiência renal e a anemia. Ele lembra que o artigo ainda não foi publicado e que são necessárias todas as etapas clínicas em humanos para validar o estudo. Mas, nesse caso, a quantidade de EPO poderá ser controlada, não expondo os pacientes a outros riscos de saúde. “Inventamos um vetor que não é similar ao utilizado na vacinação contra a Covid-19, que é formado por partículas de lipídios”, descreve.“Inventamos uma outra classe de vetores sintéticos, que não causam inflamação. E é por isso que, nesse caso, através de um RNA mensageiro que codifica o EPO, conseguimos controlar o número de injeções, a quantidade de hormônio que vai ser expressada e as sequências necessárias. Quando não for mais necessária, a gente pode ou não continuar injetando, evitando a anemia autoimune." Ele reitera que as pesquisas ainda devem passar por testes clínicos em humanos.Para o cientista francês, graças aos avanços da Ciência, o doping genético deixou de ser ficção científica e tornou-se viável. “Há alguns anos isso me parecia futurista, mas é normal que os laboratórios antidoping se interessem pela questão. Aos poucos, nos aproximamos cada vez mais de coisas possíveis e realizáveis nos humanos”, conclui.
A pouco mais de cem dias do início da Olimpíada, nesta sexta-feira (29), o Comitê Olímpico do Brasil (COB) apresentou três instalações que vão apoiar o Brasil nos Jogos de Paris 2024. O QG do Time Brasil será o castelo de Saint-Ouen, um histórico palácio de 1823, nos arredores da capital francesa. Luiza Ramos, em Saint-Ouen-sur-SeineA prefeitura local fez uma parceria com o COB para ser a sede da comitiva técnica e dos 155 atletas nacionais já classificados para o evento, além dos que ainda possam conseguir vagas para competir em Paris. A expectativa do comitê é chegar a 300 atletas classificados, menos que os 317 que foram para Tóquio em 2021. Uma estufa e horta comunitária de Saint-Ouen (La Serre Wangari) servirá como centro de distribuição dos 50 mil uniformes da delegação e de treinamento de boxe. Já o ginásio esportivo do município será local de treinos para as equipes de vôlei, esgrima e taekwondo. A tríade de apoio fica à cerca de 1km da Vila Olímpica. Até o momento são 52 homens e 103 mulheres classificados – o que pode significar, pela primeira vez na história, que o Brasil venha a competir em Jogos Olímpicos com mais mulheres que homens, segundo o presidente do COB, Paulo Wanderley. Para ele, a forte presença feminina "é uma pauta atualizada"."O Comitê Olímpico do Brasil já dá exemplo nisso. Nós temos como funcionários do COB um maior percentual de mulheres do que homens", disse. A premiação para os medalhistas será no total de R$ 750 mil e será distribuída igualmente entre homens ou mulheres que chegarem ao pódio, seja em esportes individuais ou equipes. Segundo Wanderley, as ausências dos times de futebol e handebol masculinos, que não se se classificaram para Paris, desfavoreceram o quórum de homens. Mas a seleção masculina de basquete, que deve concorrer à vaga olímpica somente em junho, ainda pode se classificar.O presidente do COB disse estar otimista com relação à organização brasileira, apesar das preocupações com segurança e o alerta da França sobre risco de atentado "em massa" na abertura dos Jogos Olímpicos."Eu vejo com cautela, evidentemente. Todos nós. Quem é que não tem atenção com relação a isso? Mas nós confiamos na segurança, no planejamento deles [da França]. É um evento global. Eu confio que vai sair tudo bem", declarou Paulo Wanderley, acrescentando que todos os países vão ter segurança privada própria, por orientação do Comitê Olímpico Internacional, mas não detalhou os critérios da delegação brasileira.Parceria COB e Saint-OuenO prefeito de Saint-Ouen, Karim Bouamrane, que inaugura no sábado (30) a Rua Doutor Sócrates, em homenagem ao ex-jogador de futebol brasileiro, disse que o atleta foi uma das inspirações dos garotos no começo dos anos 1980."Ele era o exemplo de fraternidade, de igualdade (...) Homenageamos para a eternidade um grande povo que é o brasileiro, por todas as contribuições em termos de esperança, em termos de democracia, que fizeram que um prefeito, como eu, pudesse encontrar uma parte de sua inspiração, graças ao doutor Sócrates", afirmou ele, ao enfatizar ser "um prazer" realizar a parceria com o Brasil.A prefeitura de Saint-Ouen dividiu os custos de € 400 mil (cerca de R$ 2,2 milhões) das instalações com o COB. No ciclo olímpico para Paris, a entidade anunciou que teve um investimento total de R$ 52 milhões.Expectativa de medalhas e rio Sena O diretor de Alto Rendimento do COB, Ney Wilson, conta que busca proximidade com os treinadores de diversas modalidades para saber quais lacunas ainda existem nesta reta final e de que forma as necessidades dos atletas podem ser preenchidas.Ele revelou que há expectativas de medalhas sobre modalidades que demonstraram crescimento neste ciclo olímpico, como a canoagem slalom, a ginástica rítmica, o tênis de mesa e o tiro com arco. "Mas a gente ainda tem uma equipe em formação e não sabe exatamente quem são os atletas que estarão nos Jogos Olímpicos", ressaltou.Ney Wilson também monstra preocupação sobre a qualidade da água do rio Sena, que vai receber algumas competições. "A gente tem duas provas importantes para o Brasil: o triatlo e a Ana Marcela [Cunha] nadando lá [na maratona aquática], então sempre gera uma expectativa", mas o diretor confia nas promessas da prefeita de Paris, Anne Hidalgo, e do comitê organizador, quanto às condições sanitárias do rio durante as competições.Acolhimento nutricional e mentalPara deixar os atletas mais confortáveis e bem acolhidos durante os intensos dias que os esperam em Paris, no castelo de Saint-Ouen os atletas encontrarão uma estrutura completa com espaço de massoterapia, fisioterapia, atendimento médico, serviços da embaixada brasileira, refeitório com cardápio pensado no paladar dos atletas brasileiros e atendimento psicológico perto da Vila Olímpica. A gerente de Jogos e Operações Internacionais do COB, Joyce Ardies, ressaltou a importância da preparação mental dos atletas e destacou a contratação de uma equipe de cozinha brasileira. "Os atletas vão poder contar com a parte nutricional e emotiva, eles vão poder comer o arroz e feijão", mas coxinha e brigadeiro estão restritos. "A nutricionista jamais permitiria", brincou.A base do Brasil em Saint-Ouen servirá também como ponto de recebimento das famílias e amigos dos atletas, além de profissionais sem acesso à Vila Olímpica, mas que acompanham os atletas e poderão usar as estrutura. Entretanto, o que Joyce Ardies mais espera é que os espaços de comemoração sejam os mais usados pelos brasileiros. "A Casa Brasil, no Parque de la Villette, vai ser o local onde atletas vão acessar e celebrar as performances, e a gente espera que com muitas medalhas."Recrutamento de voluntários Sebastian Pereira, gerente-executivo de Alto Rendimento do COB, revelou que haverá uma um recrutamento exclusivo para cerca de 40 a 50 voluntários que queiram apoiar as operações do Time Brasil e da Casa Brasil durante os jogos. "Queremos chamar o interesse de brasileiros que estejam morando aqui na França ou no Brasil, que possam vir e estejam interessados em vir: A gente vai fazer um grande programa em parceria com a prefeitura de Saint-Ouen e com a Embaixada para recrutar esses brasileiros que possam vir nos ajudar", revelou.Os detalhes do programa de voluntariado ainda estão em discussão e devem ser divulgados entre abril e maio, segundo Pereira.Acompanhe o canal da RFI Brasil no WhatsApp.
Na estreia de Dorival Júnior como técnico da seleção brasileira, em uma fase de reformulação, foi a estrela do jogador mais jovem do elenco que brilhou. O atacante Endrick, de 17 anos, decidiu a partida e fez o gol da vitória no amistoso contra a Inglaterra, por 1 a 0, em Londres, no estádio de Wembley, no sábado (23). Tiago Leme, em Londres para a RFIDepois de um ano de 2023 de maus resultados e indefinições, o Brasil começa 2024 com bom desempenho em campo. Após a o jogo, Dorival valorizou o resultado positivo, mas ponderou sobre ainda haver um caminho longo pela frente.“Realmente é um momento especial, sim. Acho que poucas foram as vezes que a seleção brasileira, estando em campos ingleses, acabou vencendo. Isso tem que ter um significado pelo momento, pelas condições que estávamos. Não podemos perder o principal, que é apenas início de trabalho. Isso não pode ser um balizador desse momento. Temos que ter consciência que temos muito o que fazer, o trabalho é apenas inicial. Temos coisas importantes para corrigir e buscar um melhor equilíbrio”, analisou o treinador.Em um primeiro tempo equilibrado, houve boas chances para os dois lados. Pelo Brasil, Rodrygo parou em Pickford. Vinícius Júnior tirou do goleiro, mas Walker salvou quase em cima da linha. E Lucas Paquetá chegou a acertar a trave. Pela Inglaterra, Watkins chutou por cima. Phil Foden também tentou. E Gordon exigiu boa defesa de Bento. Mas nada de gols antes do intervalo.O gol históricoNa segunda etapa, Bento espalmou nova finalização de Gordon. Depois, Paquetá errou o alvo por pouco em um chute colocado. Endrick entrou em campo aos 24 minutos do segundo tempo no lugar de Rodrygo. Aos 34 minutos, o jovem jogador do Palmeiras e já vendido para o Real Madrid, aproveitou um rebote do goleiro, após o chute de Vinícius Júnior em um lançamento de Andreas Pereira e finalizou na rede. Foi o primeiro gol de Endrick pela seleção principal, em seu terceiro jogo com o uniforme brasileiro, que nesta partida não usou a tradicional canarinho.Com o feito, ele se tornou o jogador mais jovem a fazer um gol em Wembley. Após balançar as redes, Endrick se emocionou em campo, e depois explicou que isso até fez ele desperdiçar a chance de fazer o segundo gol.“Eu não tenho palavras para descrever a minha felicidade, porque sempre foi um sonho de criança. Fazer um gol pela seleção é muito importante para mim, para a minha família, para todas as pessoas que estão realmente comigo (...) Mas quando eu fiz o gol eu só conseguia pensar no gol, não conseguia fazer mais nada dentro de campo, e isso me atrapalhou um pouco no jogo. Infelizmente perdi um (segundo) gol e isso me prejudicou um pouco, mas creio que é normal”, explicou o jovem Endrick.O lateral Danilo, capitão da seleção, destacou o trabalho de Dorival, apesar do pouco tempo de preparação.“Acho que o futebol às vezes é fazer aquilo que já está inventado, digamos assim. Eu sou a favor de tudo no futebol, mas acho que essa seleção precisa um pouco de organização, e dentro dessa organização que os jogadores tenham liberdade. Então, o Dorival organizou, pôs cada um no seu lugarzinho e acho que foi importante”, afirmou.Siga a RFI Brasil através do nosso canal no WhatsApp. De olho nas CopasA seleção brasileira voltou a vencer após quatro partidas. Foram três derrotas, para Argentina, Colômbia e Uruguai, e um empate com a Venezuela, pelas eliminatórias da Copa, ainda sob o comando do técnico Fernando Diniz. O atacante Vinícius Júnior, uma das referências da equipe, falou sobre a importância do resultado contra os ingleses.“Uma vitória muito importante para a gente, porque a gente vinha de vários jogos sem vitórias, e o Brasil nunca tinha passado por um período assim. Eu fico muito feliz de voltar a jogador com a seleção, é uma alegria tremenda. E ver o Endrick fazer o gol aqui no Wembley, contra uma grande seleção. Acredito que jogamos bem, competimos, e isso é o mais importante. É uma nova geração, estamos evoluindo para que na Copa América a gente possa fazer um grande campeonato”, disse Vini.O Brasil venceu a Inglaterra pela primeira vez no novo estádio de Wembley. A última vitória no local havia acontecido quase 30 anos atrás, em 1995, ainda no estádio antigo. Mesmo em menor número na casa do adversário em Londres, a torcida brasileira fez mais barulho e comemorou no fim nas arquibancadas, que teve público total de mais de 80 mil pessoas.Na próxima terça-feira (26), a equipe de Dorival faz outro amistoso, contra a Espanha, em Madri. O foco é a preparação para a Copa América deste ano e, principalmente, a Copa do Mundo de 2026.
Lideranças indígenas do Brasil realizam um giro pela Europa esta semana para sensibilizar a opinião pública e dirigentes europeus sobre a proteção do Cerrado. Os representantes da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e organizações ambientalistas ressaltam que apesar da regulamentação ambiental rigorosa em vigor na União Europeia, soja oriunda de áreas desmatadas no bioma continuam a desembarcar regularmente nas fronteiras do bloco. Nos últimos anos, os olhos do mundo e do Brasil se voltaram para o desmatamento na Amazônia e com o governo Lula, os números começaram enfim a cair. Mas enquanto isso, a devastação segue a pleno vapor no Cerrado. Dinamam Tuxá, da coordenação-executiva da APIB, integra a comitiva que foi a Amsterdã, Paris e Bruxelas para alertar sobre o problema e cobrar mais proteção dos europeus.“O desmatamento da Amazônia está migrando para outros biomas do Brasil, devido à moratória da Amazônia sobre a soja, a madeira. Infelizmente, não temos visto, tanto os governos estaduais quanto o governo federal, políticas incisivas para conter o desmatamento no Cerrado, nem programas ou financiamento para que haja algo parecido como o Fundo Amazônia”, disse, à RFI. “Não vemos isso com a mesma força para nenhum outro bioma brasileiro.”Nesta quinta a ONG internacional Mighty Earth promove em Paris uma conferência sobre o Cerrado, “bioma esquecido”, como definiu Boris Patentreger, o diretor da entidade. Ele lembra que a legislação europeia sobre desmatamento importado – quando os produtos que chegam ao continente são resultados de desmatamento em outros países externos ao bloco – se restringe à proteção de florestas cujas árvores são maiores do que 5 metros. Assim, apenas um quarto do Cerrado foi beneficiado pela medida, adotada em dezembro de 2022.“O nosso prisma europeu não considera o Cerrado uma floresta, embora todo o seu ecossistema lá seja igual ao de uma floresta – em termos de emissões de carbono, biodiversidade e presença de populações locais. Ele, então, ele é menos protegido, e hoje é impossível garantir que as suas florestas são mesmo protegidas”, alegou. “Nós queremos que todos os outros ecossistemas florestais sejam incluídos na regulamentação europeia, de modo a abranger todo o Cerrado.”Sônia Guajajara cobra 'responsabilidade' de europeusPor coincidência das agendas, a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, também está esta semana na Europa, onde cumpre agendas na Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação e a Cultura), em Paris, no Vaticano e na FAO (agência da ONU para Alimentação e Agricultura), em Roma.Na capital francesa, em entrevista à RFI Brasil, ela lembrou que, como ativista, pressionou por anos o bloco europeu e as empresas a adotarem regras rígidas de controle ambiental dos produtos que importam do Brasil.“Agora, na condição de ministra, a gente continua entendendo que é importante que a Europa assuma também essa responsabilidade sobre a proteção ambiental, que possa garantir essa lei de rastreabilidade dos seus produtos, das empresas desses países, e que possa também fazer cumprir o Acordo de Paris, com a destinação de recursos anuais para proteger as florestas tropicais”, ressaltou a ministra. “A Europa tem essa responsabilidade, esse papel de ajudar a proteger, afinal de contas, temos aí uma região que muito colaborou para esse desmatamento global.”Dinamam Tuxá ressaltou que, enquanto o Ministério dos Povos Indígenas se estrutura, pouco mais de um ano após ser criado, o governo brasileiro "ainda não dá a devida atenção ao Cerrado". "Mas os desafios são muitos, por isso queremos colocar a comunidade europeia nele, afinal ela é o mercado consumidor da soja que está fomentando a destruição do Cerrado", frisou. Relatório sobre a soja A Mighty Earth, que costuma acompanhar o impacto da pecuária sobre a Amazônia, agora passa a divulgar relatórios sobre o avanço da soja nos dois biomas, foco do agronegócio brasileiro destinado à exportação. A região conhecida como Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) é a mais ameaçada.Apoiada por dados oficiais de satélites do sistema Deter e do Mapbiomas, mas também com equipes presenciais, a organização verificou que a usina da Bunge em Luís Eduardo Magalhães, na Bahia, recebe carregamentos de pelo menos uma fazenda que produz soja em áreas recentemente desmatadas. Da unidade, 40% das exportações partem para a França, alega Patentreger. A soja é utilizada principalmente para a alimentação animal, na agricultura.“Nesta fazenda, a gente pôde verificar casos de desmatamento que não respeitam a regulamentação europeia, porque constatamos novos alertas de devastação de florestas para o plantio. Vimos caminhões levando soja dessa fazenda para a usina da Bunge”, acusou. “No nosso relatório, pudemos provar que a França não está adequada à lei de combate ao desmatamento importado.”Neste contexto, os indígenas aproveitam a viagem à França, Holanda e Bélgica para se posicionar contra o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul. O tratado é visto como mais uma ameaça para as comunidades locais, pela perspectiva de aumento do fluxo de exportações de commodities pelo Brasil. Atualmente, as negociações do texto encontram-se bloqueadas.O governo francês já declarou que não aprovará o texto enquanto as regras ambientais de produção agrícola não forem equivalentes nos dois blocos. O tema estará na pauta da viagem oficial que o presidente francês, Emmanuel Macron, fará ao Brasil no fim de março.
Jovem filho de mãe brasileira e pai americano, Harold Rogers conta em Tropicália sua experiência de crescer na ponte aérea entre os Estados Unidos e o Brasil. Luciana Rosa, correspondente da RFI Brasil em Nova YorkPara Harold Rogers, a experiência de escrever é uma batalha diária, um trabalho que exige sangue, suor e lágrimas. Em seu livro de estreia, Tropicália (ATRIA, 2023), o jovem instrutor de boxe cria um mundo ficcional carregado de mistério e intriga que tem Copacabana como cenário e o mix de culturas como tempero.“Original e altamente envolvente”, foram os adjetivos escolhidos pelo Good Morning America, da emissora ABC para descrever a obra.O jornal The Washington Post ressaltou o talento de Rogers para trabalhar com um conjunto de diferentes vozes e fazê-las se sobressair ao ruído da cidade, fazendo o leitor se perguntar sobre a capacidade real do ser humano de reparar os danos causados àqueles que amamos. Nascido em Ohio, de pai americano e mãe brasileira, Rogers tem dupla cidadania e passou a infância entre as ondas da Baía de Guanabara e a pacata vida de Steubenville, cidade americana onde nasceu e cresceu.O autor recebeu a RFI na academia de boxe onde ele trabalha em Nova York para uma conversa sobre o livro que acaba de ser traduzido para o francês, publicado pela editora Calmann-Lévy, e está disponível nas livrarias da França desde 6 de março.Entre letras e ringuesA cidade de Nova York é um desses lugares do mundo em que cada um pode ser o que quiser, destino dos mais diversos perfis, onde o que é considerado normal muitas vezes é ser o mais estranho. Ter uma dupla identidade, como nos filmes de super-heróis, é algo quase esperado dos habitantes desta Gothan City.Por isso, descer aos subsolos de uma academia de boxe em Tribeca para encontrar não um pugilista, mas uma promessa da literatura é algo que nem chega a ser pitoresco. Harold Rogers nos conta como, com seu primeiro livro, vem nocauteando crítica e público, com sua escrita fresca e cadenciada como somente as belas canções da MPB sabem ser. É bastante curioso porque são contextos completamente diferentes: ora, estar sentado escrevendo em um ambiente tranquilo, ora descer para o treinamento. Rogers responde que, para ele, é o balanço perfeito."Escrever é algo que faz você ficar muito na sua própria cabeça, sozinho com seus pensamentos. Na academia, eu convivo com as pessoas, falo com as pessoas e eu estou mais focado no meu corpo, não tanto na minha cabeça. É bom ter esse balanço", diz.A relação com o boxe começou quando ele vivia no Brasil, aos 12 anos de idade e começou a lutar na academia que ficava em frente ao seu edifício onde morava, em Copacabana. Ele conta que "estava sofrendo bullying na escola porque era uma criança gordinha"."O boxe foi o jeito que eu encontrei de ganhar mais autoconfiança, ter coragem", relembra. Hoje, usa o esporte como meio de sustento.E como ele relaciona o boxe com o processo de escrita? "Realmente é um processo. [risos] Eu acho que reescrevi o meu livro inteiro umas dez vezes, do começo ao fim", conta."Quando você começa um livro, você acha que vai escrever uma vez e vai ser um hit, um sucesso enorme. Mas aí você escreve algo, não gosta, escreve aquilo e não tá certo e você vai aprendendo, vai conhecendo melhor o seu próprio trabalho. Com o boxe é assim também", explica. "Você tem que falhar, tem que levar soco na cara. Você sangra, exatamente como você sangra para finalizar um livro", compara.A mudança para Nova YorkRogers conta que veio para Nova York para fazer um mestrado em Belas Artes na Universidade de Columbia, que acabou financiando a publicação de Tropicália."Minha irmã gêmea, que também é uma instrutora de boxe, começou a trabalhar aqui [Church Street Boxing] e me arranjou este emprego", conta.Mas o livro nasceu ainda antes da mudança, durante a pandemia, quando Rogers diz ter ficado "exilado do Brasil porque não podia viajar"."Foi um processo terapêutico. Durante a pandemia meu avô morreu, meu tio morreu, e eu não pude ir para nenhum dos enterros. Eu estava pensando muito sobre o Rio de Janeiro e escrever esse livro foi uma forma de morar no Rio enquanto eu estava preso em Ohio."O livro que traz muitas expressões da língua portuguesa e, assim, desafia o leitor americano, pouco familiarizado com o idioma."Muitos escritores americanos convivem com o mundo latino-americano e escrevem em inglês e espanhol. Mas não muitos usam o português. Eu encontrei uma oportunidade de incorporar o idioma neste livro", aponta. "Como ele é escrito em inglês sobre o Brasil, eu achei muito importante poder ter português nele", ressalta. Tropicália, um misterioso conflito familiarRogers conta que a família do Tropicália se parece um pouco com sua própria família: Daniel, um jovem da sua idade (26 anos), tem uma irmã e avós muito presentes na sua vida, e um pai americano ausente – uma diferença em relação à sua vivência pessoal. "Eu acho que quando eu escrevi esse livro, eu estava pensando em como seria ter um pai ausente. Como teria sido a nossa vida se ele tivesse deixado a minha mãe no Brasil sem nenhum recurso?", conjectura.Um dos pontos altos da escrita de Rogers é sua capacidade de ter empatia com seus personagens, a ponto de poder transmitir variadas perspectivas em primeira pessoa."É uma coisa muito divertida! Difícil, mas divertida. Chegar na perspectiva do Daniel foi fácil porque ele é a pessoa mais parecida comigo. Já dar voz à Lúcia ou à avó Marta foi outra história, porque eu tive que pensar como é ser essa pessoa que eu não sou", comenta.A ficção da experiência vividaA RFI pergunta a Rogers o porquê da decisão de resgatar o vínculo entre os Estados Unidos e o Brasil. "Acredito que somente focando na sua experiência específica você consegue chegar em temas universais. Você tem que focar no seu mundo interior", enfatiza.Utilizando o conceito de multicultural do movimento tropicalista, o autor nomeia o seu romance e, ao se apropriar de um termo amplamente conhecido e associado ao Brasil, ele pretende não deixar nenhuma dúvida sobre as origens de quem é ou do que escreve."A Tropicália é um movimento que incorpora várias influências de fora do Brasil para criar uma coisa brasileiríssima. E o livro é exatamente sobre isso, porque eu sou metade americano, estudei nos Estados Unidos, eu tenho muita influência americana. Mas, eu queria criar alguma coisa com essas influências que fosse algo genuinamente brasileiro."
O aumento das áreas da Amazônia ameaçadas de atingir o "ponto de não retorno" de degradação preocupa cada vez mais a comunidade científica – mas ao redor do mundo, outras florestas também enfrentam condições de sobrevivência preocupantes. Na França, a mortalidade subiu 80% nos últimos 10 anos, segundo o último relatório nacional sobre o tema. Lúcia Müzell, da RFI Brasil em ParisMas o que leva uma floresta a morrer? “Tem as razões bióticas, biológicas, devido a doenças, insetos, fungos, que podem deixar as árvores doentes e torná-las empobrecidas, antes de morrerem. E temos as razões físicas, em especial o clima, que influencia o crescimento das árvores, o desenvolvimento delas. O clima pode ser muito nefasto e levá-las à morte”, resume a especialista em cobertura florestal Nathalie Derrière, chefe do Departamento de Resultados do Inventário do Instituto Nacional de Informação Geográfica e Florestal (IGN), autor do estudo.O papel das mudanças climáticas neste processo ainda é estudado pela ciência – hoje, não é possível afirmar que elas são as únicas responsáveis pelo maior adoecimento e morte das árvores verificados no país nos últimos 5 a 10 anos.As florestas europeias são, em sua maioria, temperadas, e a variedade de tipos de clima no continente é grande, podendo ser montanhoso, atlântico, mediterrâneo, continental ou até polar. Mas, de forma geral, o fenômeno de perda das florestas aumenta e se acelera, salienta Derrière.“Eu diria que, na Europa, nós estamos todos confrontados às mesmas problemáticas, embora com as especificidades locais, afinal as nossas florestas não são completamente iguais. Mas sim, florestas podem morrer, até quando nós cuidamos delas, como tem sido o caso aqui. Nós as preservamos, a superfície florestal tem aumentado, mas mesmo assim, vemos que elas estão empobrecendo”, explica. “Nem todo mundo é capaz de perceber isso: às vezes, temos a impressão de estarmos diante de uma árvore bem viva, porém por dentro ela está doente. Precisa ser como um médico de árvores para saber.”Sobrevivência em condições climáticas anormaisEm regiões como o noroeste francês, por exemplo, a cobertura florestal disparou em 150 anos, graças à diminuição da pressão agrícola e ao êxodo rural. Ao mesmo tempo, no centro e leste do país, a repetição de verões mais quentes e secos, além de invernos também secos, têm prejudicado o crescimento das árvores em comparação com os registros a partir de 1850, de quando datam os primeiros dados do IGN. Com 31% do território ocupado por florestas, a França hoje tem a quarta maior cobertura da Europa.“As árvores no sul da França estão acostumadas a ter o calor no verão há muito tempo. A variação das temperaturas não foi tão forte quanto ocorreu no norte, onde as árvores não estão acostumadas a ter verões secos e com temperaturas acima de 40C”, disse a especialista francesa. “Foi isso que aconteceu nos últimos anos e, geneticamente, elas não estavam prontas e não puderam se adaptar a isso. É por isso que foi lá que tivemos mais estragos.”A especialista também explica que, ao ampliar os fluxos do comércio internacional, a globalização trouxe novas doenças para as florestas, que chegam pela madeira e as plantas importadas de outros continentes. “Contra o clima, não podemos fazer muito. Mas contra as doenças, sim, e tentamos limitar a entrada delas no nosso território”, indica.Ponto de não retorno da AmazôniaEmbora o contexto seja bem diferente, um processo semelhante ameaça a Amazônia, floresta tropical úmida cuja capacidade de resiliência está sendo testada pelas mudanças do clima e a degradação provocada pelo desmatamento. No último estudo sobre o tema, publicado na respeitada revista científica Nature, os pesquisadores Bernardo Flores e Marina Hirota, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), estimaram que entre 10% e 47% do bioma pode não resistir e se converter em outros tipos de ecossistemas nos próximos 25 anos. É o chamado de ponto de não retorno da floresta.“Podemos fazer uma analogia com como as pessoas morrem: de doenças, de velhice, de várias formas. Numa floresta como a Amazônia, que é quase um universo por si só, a gente pode pensar que cada indivíduo dela tem uma estratégia de vida e, dependendo do estresse que ela sofre, ou das doenças que ela pega, ela morre ou não”, indica Hirota.“Durante milhões de anos, no passado, a Amazônia se sustentou porque as mudanças não eram tão aceleradas como agora. Se nenhuma mudança nesse quadro acontecer, elas só vão se acelerar mais, de modo que até 2050, uma parte substancial da Amazônia talvez não consiga se adaptar a essas novas condições”, adverte. A biodiversidade grande é um dos fatores que fortalecem a floresta e aumenta a sua resistência diante das condições mais adversas. Mas estudos em curso têm identificado que a diversidade de espécies de árvores está menor do que já foi, inclusive em áreas de mata fechada. Foi assim que, ao longo dos séculos, as florestas se empobreceram na Europa.“Eu acho que de uma forma geral, esses ecossistemas florestais caminham para uma coisa semelhante ao que aconteceu na Europa – embora a diversidade seja reconhecidamente maior aqui, mas o caminho de empobrecimento pode ser o mesmo”, disse Hirota. “Esse é um fim que a gente poderia esperar para cá.”
A cidade de Paris se prepara para triplicar o valor do estacionamento nas vias públicas dos carros tipo SUV, acusados de, entre outros problemas, causarem um maior impacto ambiental do que os veículos de passeio convencionais. O balanço superior de emissões de gases de efeito estufa varia conforme o modelo, mas o consumo de energia pode até ser mais intenso que o de um trajeto de avião. Lúcia Müzell, da RFI Brasil em ParisSegundo a Agência Internacional de Energia (AIE), um 4x4 emite em média 20% a mais do que um carro comum médio. As principais razões para explicar as variações são o tipo de motor, a aerodinâmica – menos favorável – e o peso do automóvel. Assim, os SUVs costumam consumir pelo menos 8% mais combustível, ao pesarem ao menos 300 quilos a mais do que um carro tipo sedã. Mas essa diferença pode ser bem maior, se comparada com um carro popular.Enquanto os modelos vendidos na Europa têm em média 1,5 tonelada, os americanos podem atingir 2,7 toneladas, ou seja, mais do que o dobro do que um veículo convencional. O espaço interno e porta-malas mais volumosos, além da maior sensação de segurança, fizeram com que nada menos do que 48% dos novos carros vendidos no mundo em 2023 tenham sido SUVs, sem distinção entre os modelos.“Eles sempre serão mais poluentes na medida em que o aumento de peso é aproximadamente proporcional ao aumento de consumo de combustível, ou de redução de rendimento energético. Uma SUV certamente fará menos quilômetros por litro do que um veículo compacto”, aponta Márcio de Almeida D'Agosto, professor de engenharia dos transportes na UFRJ e fundador do Instituto Brasileiro de Transporte Sustentável. O sucesso crescente desses carros nos meios urbanos levou a uma disparada das emissões dos veículos individuais, ao ponto de anular os resultados positivos gerados pela eletrificação progressiva das frotas nas cidades na última década, afirma um estudo da organização ambientalista Greenpeace. Impacto ambiental de andar sozinho de SUVOs SUVs e seus modelos mais compactos crossover já representam 25% dos carros em circulação no mundo – mas geraram mais de 31% das emissões dos automóveis, afirma a AIE. A alta foi a segunda maior razão do aumento dos despejos totais de CO2 em 2022, atrás apenas da produção de energia, porém à frente dos transportes aéreo e marítimo juntos. “Se nós considerarmos o perfil dos SUVs vendidos no Brasil em 2022, em média eles têm um consumo de 1,3 MJ (megajoule) de energia por quilômetro. Uma viagem de avião doméstico no Brasil consome em média 0,9 MJ por passageiro, por quilômetro”, resume Márcio D'Agosto, que foi um dos autores líderes do capítulo sobre esse assunto no quinto relatório do IPCC, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas.“Isso significa que uma viagem de SUV pode consumir mais energia do que uma de avião, porque você está trabalhando com um veículo pesado que carrega em geral apenas uma pessoa dentro. Brinco que fazemos viagens aéreas urbanas: ao pegar os seus SUVs, as pessoas estão fazendo viagens de avião dentro da cidade”, afirma, baseado em dados do Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular (PBEV) e do Inventário de Emissões do Transporte Aéreo, da ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil). O relatório da AIE indicou, ainda, que o aumento da eletrificação dos SUVs – que corresponderam a mais da metade do total de vendas de carros elétricos no mundo – não impediu que essa categoria despejasse um recorde de 1 bilhão de toneladas de CO2 na atmosfera em 2022. Isso significa o dobro do que o Brasil emite no período de em um ano, ou o equivalente a França e Alemanha juntos.O Conselho Superior para o Clima, organismo independente que orienta as políticas ambientais do governo francês, avalia que estes carros são simplesmente “incompatíveis” com a transição ecológica. Eletrificação de modelos não resolveOutro problema da eletrificação destes modelos é que, por serem maiores e mais pesados, eles exigem mais quantidades de metais raros na fabricação – matérias-primas cruciais para a transição energética das economias, assinala Jean Burkard, da organização WWF.“Precisamos dos veículos elétricos para a transição ecológica, mas carros que sejam o mais leve possível. As SUVs elétricas continuam sendo mais pesadas, logo precisam de mais metais raros como o lítio, o cobalto, o níquel ou o cobre”, observa. “Essa forte demanda pode provocar ruptura de matérias-primas para outras necessidades”, disse Burkard.“E depois, no fim de vida desse veículo, você provavelmente terá muito mais trabalho, se é que vai conseguir, para reintroduzi-lo no sistema produtivo, na circularidade econômica como nós queremos para termos sustentabilidade”, complementa D'Agosto.Para frear esse fenômeno, entidades como a Possible, do Reino Unido, defendem que o peso passe a ser um critério na hora de taxar a venda dos veículos. Na França, os carros com mais de 1,6 toneladas a combustível térmico já estão sujeitos à medida – ou seja, 9% dos novos registros, calculou a consultoria AAA Data, a pedido do jornal econômico Les Echos. Noruega e Irlanda também adotam medidas semelhantes.
A revolta de agricultores em vários países europeus, somada a um contexto político menos favorável ao avanço das políticas ambientais, pode pesar em decisões importantes que a União Europeia (UE) se prepara para tomar: o bloco deve atualizar os compromissos de redução de emissões de gases de efeito estufa no horizonte de 2040. Lúcia Müzell, da RFI Brasil em ParisA ambição europeia para 2030 está inscrita na Lei do Clima e o Pacto Verde Europeu desde 2021, que impõem a redução de pelo menos 55% das emissões, em relação aos níveis registrados em 1990. A Agência Europeia de Meio Ambiente prevê que, se o ritmo atual for mantido, o bloco “muito provavelmente” vai atingir o objetivo, embora de maneira desigual – a parte de emissões da agricultura permanece estável, ao contrário da queda registrada na indústria, por exemplo.É por isso que a Comissão Europeia encabeçou uma discussão para fixar as metas para os 10 anos seguintes, de modo a atingir à neutralidade de carbono em 2050. A presidente da comissão, Ursula von der Leyen, defende 90% de diminuição dos gases até 2040, conforme a recomendação do Conselho Científico do Clima, que orienta a UE sobre o tema.Se aprovada pelos 27 países do bloco, a meta se transformará em lei – que deverá exigir esforços ainda maiores para a sua implementação futura, a serem decididos para o período 2031-2040. No delicado contexto atual, nada disso está garantido."Eu, como cientista que trabalha há muito tempo sobre essas questões, vejo o contrário: não estamos indo tão rápido quanto deveríamos, se quisermos respeitar o Acordo de Paris, um tratado internacional que é obrigatório para os países. A maneira como a população percebe essa obrigação é uma outra questão”, afirma Catherine Aubertin, diretora de pesquisas no Instituto de Pesquisas pelo Desenvolvimento e especialista em economia ambiental e negociações climáticas.“Para muitos, todas essas normas instauradas para cumprirmos os nossos objetivos são vistas como um peso, mas elas deveriam ser compreendidas como normas de proteção. Acho que houve um problema de comunicação", avalia.Agricultores reagemLimitação do uso de combustíveis poluentes, como o diesel, proibição de agrotóxicos que afetam a biodiversidade e a saúde humana, limitação da irrigação em nome da segurança alimentar e sanitária nos períodos de seca – cada vez mais intensos e frequentes – são algumas das medidas percebidas como imposições vindas da União Europeia. Setores produtivos, como os agricultores agora, alegam que decisões como essas asfixiam suas atividades e atingem a competitividade nos mercados internacionais."No caso, da França, a Federação Nacional dos Sindicatos Agrícolas continua com a ideia de produzir cada vez mais, graças a uma agricultura intensiva que abala os ecossistemas, a água, o ar e a saúde dos próprios agricultores. É um modelo que nem deveríamos mais estar apoiando, já que os relatórios de organismos como o IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas], o IPBES [Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos] e a FAO [Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura] nos advertem que precisamos é produzir menos”, salienta Aubertin.Um dos aspectos denunciados pelos agricultores nas estradas de países como França, Alemanha ou Bélgica é a assinatura de acordos comerciais com nações externas ao bloco, como o negociado com o Mercosul, mas também com o Chile, o Vietnã e o Quênia. Esses tratados, que beneficiam a indústria mas prejudicam a agricultura europeia, também são criticados pelos ecologistas e por partidos de extrema direita, contrários à globalização.Contexto político menos favorávelO pesquisador Nicolas Berghmans, à frente do departamento de Europa do Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Relações Internacionais, em Paris, salienta que o atual movimento de produtores rurais poderá influenciar os eleitores nas próximas eleições parlamentares europeias, em junho – e, consequentemente, no andamento da próxima legislatura sob o ponto de vista ambiental."Algumas alas políticas, em especial a extrema direita, sempre se opuseram à agenda do Pacto Verde – não apenas como uma posição política, mas também pelo voto no Parlamento Europeu”, constata o pesquisador, ouvido pela RFI. "Também temos visto uma certa mudança de discurso que atinge a direita e a centro-direita europeias, ligada ao ritmo da transição. Eles querem que a gente não avance nem tão rápido, nem tão fortemente. Alguns políticos evocaram até uma ‘pausa regulamentar' da transição ambiental”, frisa.O presidente da Comissão de Meio Ambiente do Parlamento Europeu, o ecologista Pascal Canfin, alerta que o futuro do Pacto Verde é um dos grandes desafios da próxima eleição e que, sem apoio político, “ele vai parar”.Além dos populistas e, cada vez mais, os conservadores, também à esquerda enfraquece a defesa deliberada do tratado, de olho nas pesquisas de opinião. Na última eleição, em 2019, defendê-lo era uma vantagem. Hoje, não mais."A Europa poderia avançar mais devagar, mas o tempo está passando e não vamos esquecer que se parássemos hoje de enviar gases de efeito estufa para a atmosfera, a concentração de CO2 que já existe começaria a diminuir a longuíssimo prazo. Nós teríamos que parar imediatamente de encher um copo que está à beira de transbordar, e a agricultura convencional é uma grande fonte de emissões”, complementa Catherine Aubertin, lembrando que dois terços da superfície agrícola europeia estão ocupadas pela produção de alimentos de origem animal.
Um movimento difuso de agricultores ganha força pela Europa para protestar contra medidas dos governos nacionais, na França, Alemanha, Holanda, Bélgica, Romênia ou Polônia, mas também contra o que eles acusam de ser a “tirania" da União Europeia. Um dos alvos, instrumentalizados por partidos de extrema direita, são as normais ambientais impostas pelo bloco ao setor, cada vez mais rigorosas em nome da proteção da saúde dos consumidores e do planeta. Lúcia Müzell, da RFI Brasil em ParisNão é de hoje que siglas como a AfD alemã ou o Reunião Nacional francês se apropriaram da pauta do suposto exagero das regras ambientais europeias. Essas normas são apontadas por uma parte do mundo agrícola como sendo responsáveis pela perda da competitividade do setor, seja no próprio mercado interno europeu como no externo, por meio de acordos comerciais como o negociado entre a União Europeia e o Mercosul.“Esses acordos estipulam que dezenas de milhares de toneladas de carne bovina, e vários outros produtos, poderão entrar no nosso território sem nenhuma condição de normas, sem reciprocidade, enquanto que a mesma União Europeia, que assina esses acordos, e o nosso próprio governo nos impõem novas normas praticamente todos os meses”, disse o vice-presidente da Federação Nacional dos Sindicatos de Agricultores da França (FNSEA), Patrick Bénézit, em entrevista à RFI.Bénézit é também presidente da Federação Nacional Bovina. Ele alega que, a cada ano, o setor perde 200 mil vacas – substituídas por carne importada de países como o Brasil, que ele acusa de não adotarem legislações ambientais tão rígidas quanto a francesa.“Entre as normas que nós respeitamos e as que estão longe de serem aplicadas no Brasil ou em outros continentes do planeta, teremos muito trabalho para chegar a um equilíbrio. É quase impossível”, afirmou. "Continuar a nos pedir para aplicar cada vez mais normas enquanto não exigimos que elas sejam aplicadas fora é algo insuportável para os agricultores – e isso não está claro na cabeça daqueles que nos governam.”Eleições europeias à vistaA cinco meses das eleições europeias, que renovarão o Parlamento do bloco, o tema agora ganhou maior destaque. Os agricultores correspondem a menos de 2% da população europeia – mas o chamado mundo agrícola, de comunidades beneficiadas pelo setor ou simpatizantes das suas causas, é quatro vezes maior."Os agricultores alemães têm a impressão de serem as vítimas que estão pagando pela descarbonização da economia e que a ecologia está sendo mal aplicada. Eles acham, assim como em vários outros países, que os verdadeiros ecologistas são os agricultores, mas que agora estão cobrando deles uma descarbonização irrealista, elaborada por pessoas urbanas que não entendem nada do contexto agrícola”, explica Hélène Miard-Delacroix, professora de história e civilização da Alemanha contemporânea na Universidade Sorbonne. "Isso é algo que estamos vendo em vários países da Europa.”Apropriação pela extrema direitaO partido populista AfD soube captar essa irritação crescente, com um discurso climacético – “o clima sempre mudou ao longo do tempo” – e alegando que as políticas ambientais prejudicam ainda mais a economia alemã, em recessão.Na França, a percepção é de que o país decide aplicar regras mais rigorosas que as decididas em Bruxelas. A líder Marine Le Pen condena o que ela chama de "ecologia punitiva”, que obriga os agricultores a passarem horas por semana preenchendo formulários sobre os produtos químicos utilizados, em vez de cuidar do campo.O descontentamento se acelerou a partir de 2022 na Holanda, quando o então primeiro-ministro Mark Rutte tentou limitar a produção bovina do país para reduzir as emissões de gases de efeito estufa da agricultura."Claro que essa medida não passou, mas ela originou um grande movimento rural na Holanda que se espalhou pela Alemanha e, agora, na França, embora os tipos de agricultura praticados nesses três países não tenham a mesma estrutura”, relembra o cientista político Jean-Yves Camus, um dos maiores especialistas em extrema direita da Europa. "Na Holanda tem muito mais agricultura extensiva e os agricultores não reclamam de ter renda baixa, como na França. Mas eles temem serem privados da fonte de renda deles, a pecuária”, aponta o diretor do Observatório das Radicalidades Políticas da Fundação Jean Jaurès.Agricultura ‘como antes'O cientista político Bruno Villalba, especialista em política ambiental, observa que a irritação dos agricultores com a burocracia e a tecnocracia impostas pelos meios urbanos vem desde os anos 1960, quando a União Europeia ainda se consolidava – ou seja, muito antes das regulamentações ambientais que existem hoje."Desde então, a extrema direita sempre teve um olhar positivo para essas reivindicações. Mas eu ressalto é uma parte dos agricultores que adere, principalmente os que estão na agricultura intensiva e que mais dependem de subvenções para as suas atividades e estão mais sujeitos às tensões do sistema produtivo agrícola”, salienta o professor da AgroParisTech, a instituição superior de ciências agronômicas mais respeitada da França."Eles estão acuados entre a necessidade de produzir muito e o fato de que essa produtividade precisa atender a cada vez mais obrigações técnicas e, agora, ecológicas – e que são, não podemos negar, cada vez mais rígidas sobre a preservação da biodiversidade, o uso de agrotóxicos etc."O pesquisador afirma que a maioria dos europeus desconhece o funcionamento da União Europeia – o que torna o bloco um ‘bode expiatório ideal' para críticas como essas. Muitas das decisões são resultado das demandas dos próprios Estados, por mais segurança sanitária ou para preservar a qualidade dos produtos fornecidos pela agricultura aos consumidores.“O discurso da extrema direita evoluiu de uma forma interessante. Ela não fala mais tanto em ser contra a ecologia, mas sim defende trocar um certo modelo de ecologia – designado como punitivo, repressor e contrário aos agricultores – por um modelo localista, de preservação dos patrimônios e tradições, como a caça, em detrimento de questionamentos como a nossa relação com os animais, o bem-estar animal”, analisa Villalba."Ou seja, eles pregam um conservadorismo na ecologia e criticam aquela proposta pelos tecnocratas, os cientistas e os urbanos. Alegam que eles são a ‘verdadeira França' face a uma França urbana, de veganos, totalmente desconectada das obrigações impostas às produções agrícolas", constata o cientista político.
A 28ª Conferência do Clima de Dubai se encerrou nesta quarta-feira (13) com um acordo que, pela primeira vez em 30 anos de negociações climáticas, determina que o mundo coloque em andamento a “transição para o afastamento dos combustíveis fósseis”. O tratado acontece no mesmo dia em que, no Brasil, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) realiza o maior leilão de exploração de petróleo da sua história – uma coincidência que voltou a colocar o país numa posição embaraçosa na conferência. Lúcia Müzell, enviada especial da RFI Brasil a Dubai Ao longo da COP28, o Brasil foi deixando mais clara a sua posição a favor da saída das energias fósseis, as principais responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa que aquecem o planeta. Em discurso na plenária da conferência, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, celebrou que todos os países tenham "assumido as responsabilidades” sobre o papel dessas energias na crise climática. A decisão, se implementada, estará alinhada com o objetivo de limitar o aquecimento do planeta em 1,5ºC, o objetivo mais ambicioso do acordo de Paris sobre o Clima."Nós trabalhamos para que países em desenvolvimento e países ricos sejam todos comprometidos com essa responsabilidade comum, porém ela é diferenciada. E, nesse caso, os países desenvolvidos devem, sim, assumir a dianteira desse processo e trabalhar para viabilizar os meios de implementação, tanto na agenda de mitigação quanto de adaptação”, frisou Marina.Futuro dos projetos de petróleoQuestionada pela imprensa antes de deixar a COP, a ministra ressaltou que o governo “respeita as instituições” que, de maneira autônoma, avaliam a autorização de projetos como os leilões previstos pela ANP, mas também os estudos de prospecção de petróleo na Margem Equatorial do país."Esse é um debate que precisa ser feito dentro do Conselho Nacional de Política Energética, que considerará o que aqui foi aprovado em relação a uma trajetória que nos leve a retirar a nossa dependência, de todas as economias do mundo, dos combustíveis fósseis. É uma ação que deve ser pensada no contexto de países produtores e de países consumidores”, apontou. “Em relação à questão de oportunidade e conveniência da exploração de petróleo não só pelo Brasil, mas na relação com todos os produtores como todos os consumidores, é o debate que está sendo feito a partir de agora. Setor público e setor privado terão que traduzir o compromisso que aqui assumimos em suas ações e planejamentos”, afirmou Marina.O Brasil se encaminha para se tornar o quarto maior produtor mundial do óleo e, já nos primeiros dias de COP28, a informação de que poderia aceitar o convite da Organização dos Países Exportadores de Petróleo ampliada (Opep+) abalou a credibilidade do país no tema, observa Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa.“O ponto de virada do Brasil sobre combustíveis fósseis se deu a partir do momento em que ele recebeu o antiprêmio Fóssil do Dia, dado pela rede de organizações da sociedade civil CAN (Climate Action Network), justamente por conta do megaleilão e da posição do presidente Lula como país que pode entrar na Opep+. Isso foi uma vitória da sociedade civil, porque até ali o governo estava de fato defendendo posições mais desatualizadas”, comenta."Agora que essa sincronia com o nosso tempo foi alcançada, a gente espera que a política nacional também reflita isso. Temos muitas diretrizes do que esse nosso Plano de Transição vai ter que conter: desde oceanos até adaptação, que leve em conta a insegurança alimentar, além, é claro, da transição dos combustíveis fósseis para renováveis. Acho que temos um excelente roteiro e, no caso do Brasil, temos que transformá-lo num bom plano de investimentos”, explicou Unterstell.Mundo prevê aumentos dos investimentos em petróleoTambém Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, a maior rede de organizações ambientalistas do Brasil, avalia que o resultado da conferência deve levar não só o Brasil a questionar suas escolhas."Os mesmos países que estão aqui têm planos de aumentar em mais de 110% os investimentos e a extração de petróleo, gás, uso de carvão. Então não dá para assinar um papel aqui e fazer exatamente o oposto. O que vamos ter que cobrar daqui para a frente é que o que está sendo decidido aqui sobreviva no mundo real”, sublinha o ambientalista."O Brasil vai precisar fazer uma escolha: entrar na Opep ou ser líder da agenda. Não dá para ele querer ajudar a fazer crescer o clube do petróleo e também aumentar a responsabilidade do clima ao redor do mundo."Financiamento será foco em 2024Para além da questão do petróleo, a delegação brasileira sai “satisfeita" da Conferência do Clima de Dubai, conforme o embaixador André Correa do Lago, negociador-chefe do país no evento."Os principais interesses do Brasil foram claramente incorporados no documento. Algumas das coisas que nós acreditávamos que pudessem demorar para serem adotadas foram de maneira mais rápida, a começar pelo fundo de perdas e danos e a fórmula que foi encontrada com relação aos combustíveis fósseis”, indica o diplomata. "Também acho que a crítica feita aos países desenvolvidos por não terem fornecido os recursos financeiros que se esperava ficou claríssima no documento”, destacou.A próxima conferência ocorrerá em 2024 em Baku, no Azerbaijão, e terá como foco o financiamento para que todos os países sejam capazes de implementar a transição para uma economia de baixo carbono."São insuficientes, com certeza, os meios de implementação. Ainda não temos clareza sobre a tradução de uma transição justa, onde países desenvolvidos – na lógica do princípio de responsabilidades comuns, porém diferenciadas – tomam a dianteira, mas consideramos que temos aqui as bases para fazer avançar”, sinalizou Marina Silva. "A partir de agora, não haverá mais como tergiversar. Agora é arregaçar as mangas e viabilizar os meios para que as ações aconteçam.”O Balanço Global aprovado nesta quarta indica que as próximas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), – que deverão ser apresentadas pelos países em dois anos, na COP30 de Belém – devem estar alinhadas com a meta de limitar o aquecimento do planeta a 1,5°C até o fim deste século, conforme os níveis registados antes da Revolução Industrial. Encaminhar este alinhamento era a prioridade da delegação brasileira no evento.
Com uma Conferência do Clima presidida por um CEO de uma grande petroleira árabe, as esperanças eram fracas de que a COP28 pudesse trazer avanços sobre a diminuição dos combustíveis fósseis. Mas o debate sobre a redução gradual ou até o fim das fósseis se acelerou nos últimos dias, com a inclusão preliminar do tema no Balanço Global elaborado pelos 196 países participantes do evento. Lúcia Müzell, enviada especial da RFI Brasil a DubaiObservadora das negociações, Rosana Santos, diretora-executiva do think tank E+ Transição Energética, conta que “quase caiu da cadeira” quando o secretário-geral da ONU, António Guterres, incitou os participantes a visarem o “phase out” do petróleo, o gás e, principalmente, o carvão, cuja produção e consumo são os maiores responsáveis pelo aquecimento do planeta."Phase out é você paulatinamente sair da utilização do combustível fóssil, qualquer um, e a matriz energética em 2050 não ter nenhum tipo de fóssil. O phase down diz que a gente diminuiria um pouco o uso, mas que o fóssil ainda estaria presente na matriz em 2050 e a gente usaria tecnologias de captura de carbono para que a gente chegasse no no net zero, ou emissões líquidas zero”, explica.Até o fim da conferência, no dia 12, nada garante que a menção ao tema será mantida no documento – países como a Arábia Saudita, maior exportadora de petróleo do mundo, prometem não ceder nas negociações e dizem não aceitar nem a redução dos fósseis. Estados Unidos, Austrália e Japão são outros bloqueadores históricos nesse tema delicado."É realmente complexo, porque os campeões em energias renováveis não são necessariamente os campeões em combustíveis fósseis. Nos rankings de eólica e solar, essas duas principais fontes renováveis, a gente tem China e Estados Unidos em primeiro e em segundo. Mas nenhum deles é um campeão em termos de phase out ou phase down”, ressalta Ricardo Baitelo, gerente de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), e que também acompanha os debates em Dubai.Poucos exemplos no mundoOs dois especialistas citam a Alemanha como o maior exemplo na transição energética para uma economia sem fósseis e no impulso para que o resto do mundo faça o mesmo. No entanto, destacam que em momentos de crise, como os gerados pelas guerras, até os países mais avançados na questão recuam e voltam a reativar usinas a carvão, que emitem 39% dos gases de efeito estufa ligados à energia no mundo, segundo a Agência Internacional do setor (AIE). O petróleo vem logo depois, com 30%."Os relatórios de avaliação do IPCC dizem que até 2023, as emissões têm que cair pela metade e até 2050 elas têm que ser reduzidas totalmente. E quanto mais tempo a gente levar para chegar neste ponto, maior será o esforço para conseguir reverter”, salienta Baitelo. "Só que a gente ainda nem consegue sair da necessidade de alterar o padrão dessa curva. Se a gente fizesse uma analogia, o carro está em aceleração, então a gente precisa tirar o pé do acelerador para o carro poder estacionar totalmente.”Na esperança de que ainda há uma alternativa antes do abandono dessas fontes energéticas poluentes, porém baratas, muitos países apostam no avanço de tecnologias de Captura e Sequestro de Carbono da atmosfera (CCS, na sigla em inglês), outro tópico de peso nesta COP28. Rosana Santos explica que essas técnicas, além de ainda não estarem totalmente desenvolvidas, também precisarão do declínio constante das emissões de CO2 para serem, de fato, eficazes no futuro para limitar o aquecimento global."O problema é que essa tecnologia do CCS depende de outras tecnologias que ou ainda não estão bem desenvolvidas [armazenamento geológico do CO2, no subsolo da Terra], ou são soluções baseadas na natureza que a gente não tem segurança de que esse carbono vai mesmo ficar nas árvores que crescerem. Por exemplo, um grande incêndio florestal pode colocar tudo a perder”, afirma Rosana Santos, referindo-se ao potencial de absorção de CO2 por aumento da cobertura florestal. "Se der errado e tivermos contado com isso, a quantidade de carbono poderá ser muito maior em 2050”, adverte.Brasil em cima do muroDe olho no encaminhamento da COP30, que será realizada em Belém em 2025, a delegação brasileira tem se mantido cautelosa nas negociações. Embora Brasília não esteja impulsionando decisões ambiciosas, afirma que, se um consenso internacional for alcançado, inclusive sobre o fim das fósseis (phase out), o Brasil não se oporá. Na terça-feira, em uma coletiva de imprensa, o tema foi abordado pelo negociador-chefe na COP28, o diplomata André Corrêa do Lago."O debate internacional ainda não está estruturado em relações às opções para os combustíveis fósseis. As pessoas falam de consumo, de abate, de várias soluções diferentes e propostas neste contexto”, disse. “E sobre o Brasil, acredito que o Brasil é um país que tem muitas opções, felizmente. A sociedade brasileira, de uma forma democrática, e de uma forma muito informada, terá que ter um debate importante para ver como nós vamos lidar com essa questão, internamente”, pontuou.O Brasil tem sido pressionado pelas ONGs presentes da conferência pelas contradições em relação aos seus planos futuros de aumento de exploração de petróleo, mas também pelo recém-aprovado marco regulatório das eólicas offshore, pelo Câmara. O texto regulamenta a atuação de usinas eólicas no mar, mas incluiu a prorrogação de subsídios para as térmicas a carvão, potencialmente até 2050."É bastante irônico que o Brasil tenha vindo à COP com um sinal doméstico contrário. O que a gente já tinha no horizonte era o Brasil estar realizando um leilão que, historicamente, vai oferecer o maior números de petróleo e gás, e isso apenas um dia depois de a COP termina”, disse Baitelo, em referência ao recorde de oferta de mais de 600 campos de exploração de petróleo espalhados pelo Brasil, pela Agência Nacional de Petróleo (ANP). O leilão será realizado no dia 13 de dezembro."Isso já era suficientemente ruim, e vieram dois novos fatos: a questão de o Brasil fazer parte da Opep+, que parece ser bastante contraproducente ser anunciado bem na época da COP, e o outro é do Congresso, que é menos controlado pelo governo, e que não apenas não reverte os jabutis de dois anos atrás, de térmicas a gás, mas inclui novos jabutis para térmicas a carvão”, critica o gerente de projetos do Iema.Para Rosana Santos, o Brasil "tem de tudo para viabilizar o phase out do carvão", com apenas 2% da matriz ancorada nesse fóssil e com o potencial de se tornar um dos maiores exportadores de produtos descarbonizados."Mas não podemos ameaçar o ativo que nós temos. Existe, dentro do nosso Congresso e talvez dentro das pressões da nossa sociedade, um conjunto de tomadores de decisões que não entenderam isso e acabam empurrando medidas que podem ameaçar a nossa posição”, advertiu a diretora-executiva do think E+ Transição Energética.Após descanso, COP28 entrará no segmento ministerialO oitavo dia de Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças do Clima, esta quinta-feira (7), marca uma pausa nas negociações, com um dia inteiro de repouso para os participantes. Na véspera, o secretário-executivo do órgão da ONU que coordena as negociações climáticas (UNFCCC), Simon Steil, e depois o presidente da COP, Sultan Al Jaber, tentaram acelerar o ritmo das conversas. Al Jaber pediu para os países "saírem da zona de conforto” para chegarem a um acordo “ambicioso”, inclusive na polêmica questão do futuro dos fósseis.Nesta sexta (8), ele deve apresentar um primeiro rascunho do acordo final. A COP vai retomar em nível ministerial, o que significa que os ministros, em geral, do Meio Ambiente, vão assumir a chefia das delegações para a reta final, e mais difícil, das negociações. Pelo Brasil, será a ministra Marina Silva – que depois de acompanhar o presidente Lula à Alemanha, retornou aos Emirados Árabes Unidos.
Vinte anos atrás, Moysés dos Santos desembarcava em Londres pela primeira vez. Veio se apresentar em turnê de seis meses com uma banda gospel de uma igreja evangélica. O baixista paulista, da Vila Madalena, se encantou pelo que viu e voltou dois anos depois. A ideia era estudar jazz no Conservatório de Birmingham, o que fez por poucos dias, até ser chamado para nova turnê com uma banda diferente, onde chegou até a tocar com um dos professores que abandonou no conservatório. Vivian Oswald, correspondente da RFI em LondresAssim começou a carreira deste músico extrovertido, doce e cheio de amigos, que se radicou no Reino Unido e acabou incorporando um sotaque com entonação bem inglesa, idioma que só foi aprender quando se mudou para o país. Ele garante que a música é uma língua. Talvez essa seja a explicação.Da entrada até a biblioteca do hotel Mandrake's em Londres, onde conversou com a RFI Brasil, puxou assunto com todos pelo caminho. Descobriu até uma brasileira que convidou para assistir à entrevista. Moysés, que hoje toca mais funky jazz, já se apresentou com bandas de famosos e desconhecidos. Tocou em pubs no início da carreira e esteve no palco do Ronnie Scott's, uma das maiores casas de jazz de Londres, onde já se apresentou até Chet Baker e outros gigantes da música.Mas o que impulsionou a sua carreira recentemente e o animou dedicar-se a um álbum seu foi o fato de ser um dos coautores da canção "Brighter Days", que será entoada por um coral de 300 pessoas no programa de concertos que acontecerão em Windsor, no dia seguinte da coroação do rei Charles III. A música foi escolhida pelos organizadores do Palácio de Buckingham.Ela nasceu dos dias sombrios dos arrastados períodos de lockdown a que os britânicos foram submetidos durante a pandemia de coronavírus. Entre um confinamento e outro, Moysés sentou-se com a amiga britânica Emile Sandé e o produtor Olie Green para fazer a composição. A canção saiu em minutos, segundo ele. “Cinco minutos mais tarde, a gente estava com a música. Foi uma coisa muito natural e positiva e a energia estava lá. Foi um dia de trabalho e um dia para editar”, diz.Foi uma sensação de liberdade, antes mesmo de saber quando a pandemia ia acabar, num momento em que ainda não havia vacinas, segundo ele. “O mundo estava meio que virado do outro lado. Tudo o que a gente queria era mostrar uma música com vibes positivas para fazer as pessoas ficarem mais felizes. Essa música é especial para a gente, porque não sabíamos que ia tocar pelas rádios e pelo mundo”."Isso é história"Sobre ver sua música cantada e transmitida ao vivo para milhares de aparelhos de televisão pelo mundo, Moyses não esconde o orgulho: “Isso é história! Não sabia que a música ia ser escolhida por ele, pelo time dele. Um coral de 300 pessoas vai cantar nesse dia e está todo mundo feliz. Não falei com a minha família ainda. Vou ter que falar!”, diz, abrindo um sorriso.Moyses agora se dedica ao seu primeiro álbum, “Under the hat", que deve sair no final do ano. Mais conhecido fora do que no Brasil, ele quer badalar a novidade em casa. Seu projeto será multimídia e terá 16 artistas importantes que conheceu ao longa da carreira. Inclui ainda um livro de fotos dos artistas em gravação e ensaios para a confecção do álbum. As imagens também serão expostas em galerias. Outra novidade é que, quem escutar as canções, terá a possiblidade de silenciar instrumentos ou vozes para ter experiências diferentes com as mesmas músicas."Brighter days” já teve mais 9 milhões de visualizações no Spotify e é a quarta mais tocada por Emeli Sandé, que cantou na abertura dos Jogos Olímpicos de Londres em 2012. Virou tema de anúncio do bombom Ferrero Rocher, na Itália, e, segundo Moyses, já teria sido tocada para a rainha Elizabeth II em uma cerimônia na Abadia de Westminster.Moyses, que já tocou com Janelle Monae, Gregory Porter, Gavin James, The Vamps e Omar Kamaal Williams, agora terá em seu álbum nomes como o do brasileiro Arthur Verocai, Emeli Sandé, Kate Stewart, Joseph Lawrence, Jay Prince, Free Nationals, o premiado trompetista Theo Crocker, Judi Jackson, Lynda Dawn, Hamzaa e Josh Barry. A produção é dele próprio e de Ankit Suri.O músico brasileiro está cheio planos e todos incluem o Brasil, onde não põe os pés há quatro anos. Mas promete que irá assim que terminar o álbum, ao qual se dedica há um ano.