Uma vez por semana, os temas que marcam a actualidade científica são aqui descodificados.
A Guiné-Bissau vai acolher no próximo domingo, 08 de Junho, a primeira Conferência Nacional sobre Piscicultura. O evento pretende reunir técnicos nacionais e internacionais, com o futuro dos oceanos no centro do debate. A organização do encontro está a cargo da Mana Nanque Piscicultura. Um dos objectivos é chegar ao fim da conferência com um documento, a entregar ao Governo, que permita lançar as bases do sector, como explicou em entrevista à RFI Dembo Mané Nanque. A primeira Conferência Nacional sobre a Piscicultura da Guiné-Bissau decorre precisamente no dia dos Oceanos, 08 de Junho, no Centro Cultural Francês e “contará com a presença de investigadores internacionais e nacionais. Nós escolhemos como lema deste evento “sustentando o que nos sustenta”. Estamos a realizar esse evento com o intuito de criar uma reflexão nacional sobre a saúde dos oceanos, sobre os recursos marinhos, como é que nós, a partir da nossa realidade, podemos criar soluções que vão impactar os oceanos de uma forma positiva”, sublinhou o organizador.O jovem guineense denuncia a sobrepesca a nível global, com os pescadores a não respeitarem os períodos de repouso biológicos. Portanto, defende a piscicultura para “libertar a pressão sobre os oceanos”. Segundo Dembo Mané Nanque, “a piscicultura contribuirá de uma forma significativa para garantir a sustentabilidade dos oceanos. Uma das coisas mais importantes que nós queremos com este evento é propor ao Estado um documento - planos estratégicos - que vise essencialmente promover a economia azul e o desenvolvimento sustentável através da promoção da piscicultura. Sabemos que os oceanos estão a ficar cada vez mais ácidos, a maior parte dos resíduos da humanidade vão directamente para os oceanos. É urgente investir na piscicultura como uma das alternativas para garantir a segurança alimentar e a sustentabilidade do planeta.”A primeira Conferência Nacional sobre Piscicultura da Guiné-Bissau está agendada para o próximo domingo, 08 de Junho, no Centro Cultural Francês, em Bissau.
A luta biológica destaca-se como uma estratégia essencial para o controlo sustentável das pragas nos Açores, substituindo pesticidas químicos por organismos naturais que regulam as populações invasoras. O professor jubilado e investigador do Centro de Biotecnologia dos Açores, Nelson Simões, explica como a luta biológica se tornou uma ferramenta essencial no combate às pragas nos Açores, destacando as vantagens ecológicas e os desafios desta abordagem face às ameaças crescentes causadas por organismos invasores e às alterações climáticas. Qual é o papel da luta biológica no combate sustentável às pragas nos Açores?Trabalhamos com germes patogénicos de insectos e o meu interesse é particularmente a utilização desses germes, uma vez que eles produzem moléculas que são tóxicas para os insectos. Nós retiramos os genes edificantes dessas moléculas, tentado melhorar a actividade dessas moléculas.O controlo biológico, ao fim ao cabo, é a substituição dos pesticidas de síntese química por organismos que são parasitas ou predadores naturais das pragas. Aquilo que vamos fazer é procurar esses agentes, quer sejam predadores, quer sejam agentes patogénicos dessas pragas. No meu caso concreto, estávamos a falar de pragas insectos. Íamos à procura desses agentes de controlo e depois tentávamos desenvolver o processo de modo a torná-lo eficaz, visto que, na realidade, há uma grande distância entre a existência desse agente patogénico ou desse controlador no terreno e depois a sua utilização. Aquilo que fazemos é tentar melhorar estes agentes e adaptá-los de modo a que eles possam ser controladores.E porque é que a ilha dos Açores, especificamente, é um terreno fértil para esse tipo de investigação?As ilhas estão muito sujeitas a invasões, ou seja, à entrada de organismos estranhos. Normalmente, quando entram esses organismos estranhos, não têm controladores naturais para fazer o controlo. A tendência é que esses invasores se expandam com muita facilidade e ocupem o terreno. Isto é um aspecto.Outro aspecto é que, quando se consegue encontrar algum controlador, temos um espaço físico muito limitado que facilita o estudo dessas relações. Por exemplo, no caso aqui do escaravelho japonês, enquanto conseguimos delimitar duas ilhas, fazer trabalhos distintos em São Miguel e em São Jorge, por exemplo, os nossos colegas italianos e suíços não conseguiam fazer isso porque a praga dispersava e aquilo que faziam num sítio, no ano imediato, já estava noutro.Refere-se ao escaravelho japonês?Estamos a falar do escaravelho japonês, mas tem-se usado muitos outros insetos. Estou a falar do escaravelho porque foi o último com que trabalhámos e, neste momento, é um problema efectivamente na Europa desde 2018.Que outras pragas ameaçam o arquipélago?Temos pragas, por exemplo, em fruteiras e em pastagens que são extremamente importantes e que causam estragos. Existem ainda uma série de outros invasores que são efectivamente problemáticos para outras culturas, nomeadamente o tabaco. Atualmente já se faz muito pouco, mas temos pragas no tabaco e no milho que são muito importantes.As alterações climáticas influenciam, de alguma forma, a chegada de novas pragas?De certeza absoluta que isso vai acontecer. A dispersão vai ser diferente daquilo que foi até agora. Neste momento, nos Açores não temos esses sinais, mas a expectativa é que venha a acontecer.Há vários estudos de predição, de distribuição de pragas em que efectivamente as alterações climáticas vão criar grandes problemas. Por exemplo, na situação actual, o norte da Europa — estou a falar de grande parte da Bélgica, Holanda e dos países escandinavos — provavelmente estão protegidos do escaravelho. Mas com as mudanças climáticas, aquilo que aparece é que o escaravelho vai lá chegar e vai sobreviver.Aqui no arquipélago, que bom exemplo trouxe a luta biológica?A luta biológica é considerada uma alternativa a tudo o que é a utilização de químicos, etc. Portanto, ecologicamente, a luta biológica é muito melhor aceite do que as outras práticas de controlo. Desde os finais dos anos 70, na Universidade dos Açores, instalou-se um laboratório de Ecologia Aplicada que começou a fazer trabalhos sobre a aplicação de luta biológica e, portanto, a substituir os pesticidas. Evidentemente que isso não foi utilizado em toda a sua extensão nos Açores, continuou-se a utilizar pesticidas. Agora, a informação existe. Nem sempre é possível aplicá-la, via de regra, é mais cara do que a utilização dos pesticidas químicos.Os efeitos da luta biológica são também mais demorada?Os efeitos não são tão rápidos. Os químicos têm uma actividade muito rápida, enquanto que os controladores biológicos necessitam de tempo para se adaptarem e para depois darem resultados.As monoculturas também contribuíram para a propagação de pragas? As monoculturas facilitam imenso o progresso das pragas, porque encontram todas as condições para se desenvolverem, por um lado, e, por outro lado, normalmente não encontram inimigos naturais que contrariem a praga.O trabalho que foi desenvolvido aqui em relação ao escaravelho japonês foi transferido para a Europa, precisamente para eles poderem enfrentar a praga do escaravelho japonês?Efectivamente, a expectativa é essa. Ou seja, que uma parte do conhecimento — que está a ser adquirido há cerca de 30 anos — possa ser transportado para lá [Europa] e que sirva de alguma coisa. Por exemplo, nós estávamos a usar aqui agentes patogénicos que depois foram usados, por exemplo, em Itália. Fizemos aqui estudos de microbioma e esperamos que parte dessa informação seja transferível, seja levada para a Europa.
O arquipélago dos Açores tem vindo a aumentar a aposta nas energias renováveis. Em São Miguel, maior ilha do arquipélago, a geotermia corresponde a cerca de 32% do total das energias renováveis. O objectivo é “duplicar a produção geotérmica em São Miguel até Junho de 2026. O que significa que a ilha vai passar a ter cerca de 65% de energias renováveis”. A garantia foi dada por Félix Rodrigues, administrador da Electricidade dos Açores (EDA) Renováveis. A energia geotérmica, que aproveita o calor do interior da Terra para produzir electricidade e aquecer edifícios, tem vindo a ganhar destaque. Graças à sua vulcânica, a ilha de São Miguel possui um enorme potencial geotérmico. O relevo vulcânico permite extrair do subsolo água a elevada temperatura e vapor, que podem alimentar as turbinas. Os cientistas garantem que os riscos sísmicos associados às explorações são controlados.Félix Rodrigues, administrador da EDA Renováveis, sublinha que há sempre riscos associados, todavia lembra que não corresponde à verdade a ideia de que a “geotermia pode provocar sismos".Há riscos associados a todas as explorações. Há risco de uma torre cair e há riscos associados à geotermia no sentido de que pode haver um blowout de um poço que rebenta. Não é uma entrada em erupção de um vulcão, mas pode afectar as pessoas que trabalham na proximidade.Portanto, estes riscos são geridos e há os cuidados de todos. E, por outro lado, é utilizado um fluido num circuito fechado que faz transferências de calor e, portanto, há algum risco associado a temperaturas elevadas, que é o caso da exploração geotérmica.Há, de facto, a ideia de que a geotermia pode provocar sismos. E a exploração geotérmica pode efectivamente provocar micro sismicidade. Ou seja, quando se está a extrair vapor e água, essa água no interior da terra provoca uma pressão. Se despressurizamos, podem haver pequenos microssismos.Nós monitorizamos e, ao longo de todos esses anos, tem sido feita uma monitorização sísmica das explorações e não há nada que tenha sido detectado. Não há sismos, grandes, micro sismicidade, sim pode ser induzida.Questionado sobre se a geotermia pode ser o caminho a explorar para uma Europa que se quer mais verde, o também professor universitário responde que "não há recursos de grande entalpia na Europa”, “apesar dos Açores serem uma referência internacional na exploração geotérmica na Europa”. O facto é que o arquipélago beneficia desta “posição privilegiada”.A geotermia de alta entalpia, usada nos Açores, “estou a falar de temperaturas muito acima dos 100 graus que atingem por vezes os 250 graus, não é fácil encontrar no território continental.”
A ilha de Santa Maria, nos Açores, acolheu no início do mês de Maio a 12a edição do Cansat Portugal, um concurso onde alunos do ensino secundário apresentam projectos de construção e operação de satélites do tamanho de uma lata de refrigerante. A Missão A.S.T.R.O. dos Salesianos de Lisboa - Colégio Oficinas de São José - foi a grande vencedora da edição de 2025. A ilha de Santa Maria, nos Açores, acolheu no início do mês de Maio a 12a edição do Cansat Portugal, um concurso onde alunos do ensino secundário apresentam projectos de construção e operação de satélites do tamanho de uma lata de refrigerante. O concurso é organizado pela Ciência Viva e pela Agência Espacial Europeia.Para Ana Noronha, directora-executiva da Ciência Viva. Coordena o ESERO Portugal, programa educativo estabelecido entre a Agência Espacial Europeia (ESA) e a Ciência Viva, a competição é “muito desafiante” para os alunos do ensino secundário e além de estimular a aprendizagem multidisciplinar a nível de engenharias e tecnologia, obriga ao trabalho de equipa e respeito pelo outro.É uma competição muito desafiante para estes alunos.São estudantes do ensino secundário, é muito trabalhoso e é muito rico, porque é um projecto que dá a ideia de uma verdadeira missão espacial escalada, obviamente, ao nível pedagógico-educativo dos conhecimentos dos alunos do ensino secundário.Mas vai um pouco para além, eles têm que aprender toda uma série de coisas que são essenciais numa missão espacial.Envolve programação, aerodinâmica, electrónica, componentes de engenharia e de tecnologia... E, por outro lado, o facto de ser um projecto obriga-os a trabalhar em equipa.Tudo isto torna o projecto muito rico, não só em termos dos currículos na escola, como também em termos de aprendizagem de vida.Ricardo Conde, presidente da Agência Espacial Portuguesa, integra o painel de júris desta competição. Ao microfone da RFI ressalvou as “Gerações Cansat”, traçando uma evolução notória na área espacial ao longo destes 12 anos.Nós começamos isto [o CanSat] há 12 anos aqui em Santa Maria. Olhando para o passado há 12 anos, o espaço era pouco disseminado nas escolas. Hoje é uma área económica. A juventude associa muito o espaço aos astronautas, ao cosmos e aos fogetões.Nestes 12 anos já preparamos gerações. É por isso que nós falamos aqui da geração dos Cansat.Muitos dos alunos que estão aqui hoje vão ser os profissionais da amanhã. E nós temos hoje já incorporados na nossa indústria, na própria Agência [Espacial Portuguesa], em todo o lado, aquilo que preparamos há 12 anos. Portanto, isto é um trabalho de resiliência no sentido de preparar as próximas gerações e um investimento que tem sido muitíssimo bem-sucedido.O nosso objectivo, é criar uma geração muito qualificada nestas áreas e depois obviamente gostaríamos muito que isto resultasse em inovação e em empreendedorismo.104 alunos e professores de escolas de todo o país participaram na 12.ª edição do Cansat. O evento decorreu de 1 a 4 de Maio, na ilha de Santa Maria, nos Açores, que acolheu as 16 equipas.Os CANssini da Escola Secundária D. Inês de Castro - Alcobaça venceram o Prémio Melhor Antena / ANACOM e o Prémio Melhor Desempenho Técnico. “O nosso projecto é com base em fotos tiradas com uma câmara no espectro visível e uma câmara térmica, reconstruir um mapa topográfico da superfície por debaixo do Cansat e um mapa térmico”, explicou um dos elementos da equipa. “Nós estamos aqui pela experiência, para explorar novas áreas, para o ano vamos para a universidade e queremos ter um maior leque de experiências”, acrescentou outro colega.O Prémio Melhor Missão Científica foi entregue à equipa Micro B-Plast, do Colégio de Santa Doroteia, em Lisboa, que construiu um satélite do tamanho de uma lata para analisar os microplásticos no ar: “Eu acho que toda a gente está muito consciente dos plásticos nos oceanos, microplásticos também na nossa alimentação, mesmo nos peixes que já andamos a ingerir. Isso é uma preocupação. E inicialmente o nosso projecto ia-se focar mais nos microplásticos na água até que percebemos que isso não ia propriamente ser possível. Então, depois começamos a investigar e percebemos que também existem microplásticos no ar, mas as pessoas não estão bem conscientes disso”, explicou uma das alunas da equipa, acrescentando que “o nosso satélite vai até 1000 metros e nós vamos ver se na descida há alguma relação entre a altitude e a presença de microplásticos”.Foi a Missão A.S.T.R.O dos Salesianos de Lisboa - Colégio Oficinas de São José - que venceu a 12ª edição do Cansat Portugal.
O albinismo afecta aproximadamente uma em cada 5 000 pessoas no mundo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Em Angola são cerca de 7 000 pessoas, segundo as autoridades locais. A associação Lumina Africa promoveu uma acção solidária de cuidados médicos, no início de Maio, na província do Bié, município do Andulo, no centro sul do país. Na semana passada, nos primeiros dias de Maio, uma equipa de médicos da associação Lumina África, em parceria com a associação volta a Africa, viajou até ao Bié, no município do Andulo, centro de Angola, para realizar uma acção solidária junto de pessoas com albinismo.As consultas beneficiaram a uma centena de crianças e de adultos com albinismo, entre os quais foram diagnosticadas 12 suspeitas de cancro da pele.Regiane Silva, médica de clínica geral, especializada em albinismo, lidera este projecto voluntário que juntou uma equipa de médicos, enfermeiros, cirurgiões e fisioterapeutas da Lumina África.RFI: Como chegaram a diagnosticar as doze suspeitas de cancro da pele? Regiane Silva: Não é a primeira vez que vamos até ao Andulo, na província do Bié. Fomos pela primeira vez em 2022, atendemos também centenas de albinos. Antigamente, aqui em Angola, as pessoas falavam que era feitiçaria, essas coisas místicas. Mas são simplesmente pessoas normais que têm um distúrbio da ausência de melanina no corpo, na coloração da pele. O albinismo é genético. Geralmente um dos pais tem um gene que acaba predominando e a criança sai albina. Fica com os olhos muito sensíveis e a cor da pele super clarinha porque tem ausência parcial ou total de melanina.O diagnóstico que fizemos não é definitivo. Essas pessoas foram encaminhadas para o Hospital de Oncologia, porque lá no Andulo o hospital municipal não tem essa condição. Se não houver um oncologista no hospital provincial, eles vão mandar para o oncologista aqui de Luanda. O oncologista vai fazer as avaliações de acordo com as nossas observações, ou seja 70 a 80% de probabilidade de se tratar de cancro da pele.RFI: Em que estado de saúde é que se encontravam as pessoas que atendeu, como é que as sentiu?Regiane Silva: Quando são crianças, a gente consegue olhar e ver se está sendo bem tratado. É mais fácil. As doze pessoas a quem fizémos esse diagnóstico de possibilidade de cancro são pessoas adultas, com a pele quase queimada. Eles são muito sensíveis, tanto à luz solar, como a certas luzes interiores que lhes são desaconselhadas.As crianças que eu encontrei estão com uma qualidade um pouco melhor do que da última vez que lá estive. Muitas delas usam chapéu. Os adolescentes e adultos é que por vezes apresentam estados bem deteriorados. E sobretudo nessa zona de Angola, em que eles trabalham muito na área de agricultura e expõem-se à luz solar.Muitas vezes não têm dinheiro para ter hidratantes, protectores solar, protectores labiais e nota-se pela deterioração do aspecto físico ao longo da idade, ele enfraquece quando a pessoa não tem a condição básica mínima. Trouxémos connosco vaselina, e um equivalente de protectores solares, que desta vez não tínhamos recebido como donativos. RFI: O facto de serem associações, através de acções solidárias, que trazem produtos e cuidados junto das populações com albinismo, revela que as iniciativas governamentais são insuficientes nessa área? Regiane Silva: O importante, e é o que temos feito, é conscientizar, é informar as pessoas, porque pensam que basta protector solar. Mas o salário mínimo aqui são 70.000 kwanzas, um protector solar na farmácia custa entre 20 a 30000 kwanzas. Imagine uma família com cinco pessoas...RFI: Como é que fazem nesse caso, se não têm apoios governamentais para facilitar a compra, por exemplo, através de subvenções?Regiane Silva: Não há. Por isso é que a minha organização Lumina Africa apoio a causa dos voluntários. Tenho trabalhado com uma farmácia que nos prometeu acesso a óculos graduados, mas ainda não consegui um oftalmologista que faça consultas gratuitas. Aqui nós vivemos em um mundo extremo, onde um é muito, outro é nada. Ninguém vai para essas regiões recuadas prestar apoio. RFI: Em Angola, já não se morre por albinismo, mas ainda há casos, nalgumas províncias angolanas de bébés com albinismo que foram mortos no acto de nascimento.Regiane Silva: Sim, é verdade. Alguns, quando não são mortos no acto do nascimento, mesmo aqui em Luanda, são abandonados, porque algumas famílias ainda têm a ideia de que são bruxos, de que é feitiçaria. Outras acreditam que o albinismo é contagioso e recusam aproximar-se das pessoas com albinismo.Eu já estive em quase todos os países de África, trabalhei na Nigéria, estive na Etiópia, que também tem um grande preconceito por falta da informação sobre albinos. E vejo que hoje em Angola existe menos preconceito à volta desta doença. Ainda existe, mas tem diminuído. Talvez porque hoje haja mais acesso à televisão. A informação acaba mudando um pouco os hábitos.A médica Regiane Silva e a equipa da Lumina Africa voltarão ao Bié, ao município do Andulo, em outubro de 2025. O albinismo é uma patologia que toca todos os seres vivos: seres humanos, plantas e animais.
Em Moçambique, um recente relatório revela que a água pública apresenta altos níveis de contaminação, pondo em risco a saúde dos cidadãos que a consomem. O problema, de dimensão nacional mas com especial incidência nos municípios de Maputo, Matola e Tete, resultou em vómitos, diarreias, alastramento da cólera e até mesmo em óbitos, de acordo o Observatório Cidadão para a Saúde. No relatório, publicado a 8 de Abril de 2025, a organização denuncia as "falhas no tratamento e fiscalização da água para consumo humano", questionando a "responsabilidade do Governo em Moçambique". Para além da recolha de dados laboratoriais, o relatório baseia-se também no testemunho de cidadãos que descrevem a "água turva" a jorrar pelas torneiras e relatam as consequentes doenças.Os riscos para a saúde de quem consome estas águas contaminadas são reais, desde a contracção da diarreia - uma das principais causas da mortalidade infantil em Moçambique, ou da cólera. Nos piores casos, o consumo de águas contaminadas resultou em mortes, esclarece ainda o coordenador do Observatório do Cidadão para a Saúde, António Mathe. O relatório já esteve entre as mãos de decisores políticos e aguarda-se a implementação de novas medidas, tendo em conta que Moçambique é signatário da norma internacional ISO 24500 que define padrões de qualidade de água. RFI: O que está em causa neste relatório? António Mathe: Os nossos testes laboratoriais sobre a qualidade da água mostraram a existência de água imprópria para o consumo, a nível nacional, e tanto na rede pública como na rede privada. Isto contradiz as estatísticas do Governo, que afirmam que o fornecimento de água potável se verifica em 84% das zonas urbanas e 39% ao nível das zonas rurais. Estes dados poderão ser uma ilusão porque continuamos a ter grande parte da população moçambicana sem acesso à água potável.Há situações em que, mesmo a olho nu, é possível perceber que a água que jorra nas torneiras constitui um risco à saúde pública, devido à cor e ao odor da água. Quando avaliamos os problemas reais a nível das regiões onde fizemos esta auscultação, através de inquéritos e testes laboratoriais realizados no Laboratório Nacional de Água, percebemos que os resultados são contrários àquilo que são os dados oficiais do Governo.Esta água públicada mostra sinais de que tipos de contaminação? Em muitas situações vem contaminada com com bactérias fecais, sinais de ferrugem... Que acarretam grandes problemas de saúde pública, principalmente de origem hídrica. Doenças como a cólera, a diarreia. Esta diarreia constitui uma das principais causas da mortalidade infantil em Moçambique e, portanto, constitui um grande desafio. Para além de problemas estomacais, vómitos que são reportados após as comunidades consumirem uma água imprópria.Houve casos que necessitaram hospitalizações?Sim. No ano passado por exempl, houve casos que resultaram em cólera, por exemplo na província de Cabo Delgado. Em Manica morreram três pessoas. Na província de Nampula, uma das províncias mais populosas do país, registaram-se 34 óbitos, e dois óbitos na província de Niassa.Mas verifica-se uma ligação directa entre estas mortes e o consumo de água contaminada?Sim, como se sabe um dos principais determinantes sociais de saúde é justamente o acesso a água potável e o saneamento básico. Dois factores que têm estado em causa nas nossas avaliações, principalmente na zona Norte do país e nas regiões mais populosas.Por outro lado, continuamos a ter mitos e tabus sobre alguns produtos para purificação da água. E grande parte da população moçambicana simplesmente não tem condições para comprar água purificada ou galões, nem água mineral.Como é que fazem os cidadãos que, por falta de recursos, não têm outra opção a não ser beber a água supostamente potável mas contaminada? Alguns explicam que fervem a água antes de a consumir apra eliminar quaisquer vectores de transmissão de doenças? Bom, esta é uma situação que muitas comunidades têm adoptado. Mas é um recurso que é utilizado na ausência do compromisso e da responsabilidade do Governo. Tem que haver uma melhor coordenação com o Ministério das Obras Públicas, responsável pelas infraestruturas, e os municípios. A garantia de saneamento básico vai condicionar as questões de doenças que surgem, principalmente na época chuvosa.Qual é o impacto da época chuvosa na qualidade da água para consumo? Na época chuvosa surgem várias nuances ligadas a doenças de origem hídrica. Em Moçambique a questão da garantia do saneamento básico e acesso a água potável ainda não é uma realidade. Temos regiões como Tete, por exemplo, por causa das indústrias que existem lá, os solos tornam-se sensíveis para a criação de bactérias. Tal como a presença de produtos químicos nos subsolos dessas áreas onde se faz exploração de minérios?Exatamente. Este também é um factor de risco quando falamos em doenças de origem hídrica. A cólera é ainda um grande desafio em Moçambique. A diarreia também continua a ser um grande desafio.E continuamos a ter uma estratégia multissetorial governamental a falhar. Falta coordenação entre os vários sectores do Governo. É preciso que haja uma maior responsabilidade na supervisão da qualidade da água. Porque aumenta o número de casos de cólera, de diarreia, mas também o número de óbitos.Significa que os serviços públicos estão a negligenciar a saúde de milhares dos seus cidadãos? Faltam técnicos qualificados, faltam investimentos, o que seria necessário?Bom, é um conjunto de factores que vão explicar todos, todos essas problemáticas. Por exemplo, a expansão da infraestruturas não é acompanhada de qualidade. E essa falta de qualidade enfraquece as questões ligadas à saúde pública.Enquanto isto acontecer, o sector da saúde vai sentir-se cada vez mais pressionado e despender de recursos que podiam ser utilizados para resolver outros desafios urgentes, como é o caso da desnutrição crónica infantil.Estes testes laboratoriais, uma vez mais, mostraram a falta de compromisso, a negligência das autoridades reguladoras, que continuam a fornecer água sem qualidade. E acima de tudo, assistimos à violação de um direito humano fundamental que é o acesso à água potável.O relatório recorda que as doenças relacionadas com a água não-portável matam mais de 3 milhões de pessoas por ano no mundo...Exactamente. Isso mostra, uma vez mais, que é o momento do nosso Governo levar estas questões muito a sério, porque está a criar situações de óbito a nível do país. E é importante perceber que enquanto isto acontecer no médio e longo prazo, a situação de consumo de água imprópria pode criar outros danos e problemas, outros problemas de saúde. Este relatório chegou às mãos de algum decisor político? Foi feita alguma denúncia junto das autoridades? As autoridades reagiram a estes dados?Os nossos relatórios são lidos e analisados pelo Governo. Inclusive, marcámos um encontro com autoridades governamentais que lidam com a questão do fornecimento de água e colocaram algumas algumas questões sob o ponto de vista da resolução destas destas problemáticas. Porque, na verdade, o que nós queremos fazer é influenciar o Governo no processo decisório e o processo decisório tem que estar directamente ligado à salvaguarda dos direitos humanos. E esta é, no final, a nossa intenção influenciar o governo a tomar boas medidas, boas práticas no contexto da governação.E houve até agora, alguma reacção por parte do Governo, ou seja, de dizerem, por exemplo, que vão tomar medidas para tentar remediar a situação?Nós percebemos que enquanto não formos os "watch dogs" a fazer a nossa advocacia sobre as problemáticas existentes, as autoridades governamentais nunca vão reagir.Portanto, a intervenção da sociedade civil do Observatório foi muito importante, e suscitou a marcação deste encontro para podermos dialogar e mostrar que caminhos estas autoridades podem ou devem seguir para que, de facto, as comunidades tenham água potável, tratada e segura.
Neste magazine falamos de saúde mental, um tema ainda envolto em muita incompreensão, estigmatização e falta de recursos. A Guiné-Bissau conta apenas com um centro público de saúde mental e duas clínicas privadas. Qual é a realidade diária de uma pessoa com doença mental? A estigmatização ainda é sinónimo de rejeição? Qual é o peso das crenças religiosas e tradicionais? Existem estratégias políticas para maior inclusão e tratamento? A Guiné-Bissau conta apenas com um centro público de saúde mental, o Centro Osvaldo Vieira, integrado na Faculdade de Medicina. Trata-se de um centro ambulatório, que não tem serviço de internamento. Para além desse local, existem duas clínicas privadas, nos arredores de Bissau.Sendo clínicas privadas, coloca-se inevitávelmente a questão dos recursos financeiros que podem deixar de lado grande parte da população, gerando ainda outro nível de desigualdade, desta vez no acesso ao tratamento. "Se o guineense já luta diáriamente para poder garantir o pão na mesa, como é que podemos imaginar que o guineense seria capaz de investir num membro da estrutura familiar que tenha problemas de saúde mental", questiona Pedro Cabral.Presidente da Federação das Pessoas com Deficiência na Guiné-Bissau, é com ele que abordamos estas questões. As estratégias políticas para tratamento da saúde mental são "inexistentes" no país, até porque "o próprio Estado considera que as doenças mentais e deficiências físicas são transmissíveis", aponta o também sociólogo.Fora da esfera política, é no núcleo famíliar que a exclusão agrava o percurso de vida do paciente. "Certas famílias consideram que uma pessoa com deficiência terá menos utilidade do que uma pessoa sem deficiência. A família é a origem de tudo, a origem de tudo. E os níveis de rejeição brutais que se vive na Guiné-Bissau enquanto deficiente mental ou físico têm génese na estrutura familiar. O estereótipo começa dentro da própria família", analisa Pedro Cabral. Existe também influência das práticas religiosas e culturais na percepção dos guineenses relativamente à doença mental e física. Testemunhando com a sua própria experiência, Pedro Cabral nota que se diz dos cegos "que, caso não morram cedo, são feiticeiros ou têm bruxaria".A pessoa com deficiência tem dupla limitação: limitação natural decorrente da deficiência e limitação decorrente rejeição da sociedade.Ficam no entanto algumas notas positivas: o progresso tecnológico facilita a vida das pessoas em causa e, é verdade, nota-se maior tolerância e compreensão do fenómeno graças ao trabalho dos actores da sensibilização (associações, ONG, etc). Por exemplo, Pedro Cabral com quem falámos, portador de deficiência visual, tirou um curso na Universidade Lusófona de Bissau e mestrado na Faculdade de Direito; responde às mensagens do telemóvel graças a uma aplicação e é hoje um exemplo encorajador para muitos jovens na mesma situação. Falta agora a implementação de políticas a nível do Estado para que o progresso dos direitos das pessoas com deficiência seja efectivo. Ouça a entrevista por completo:
Em Moçambique os ciclones estão a aumentar e os ventos são mais intensos. Além disso, em 2024, o país registou uma temperatura sem precedentes, nos últimos 75 anos, 1.2 graus centígrados acima da média do período anterior. Os dados constam do relatório anual do Estado do Clima de Moçambique - 2024, do Instituto Nacional de Meteorologia. Bernardino Nhantumbo, meteorologista, explica que o relatório “comprova a tendência mundial” e alerta para os impactos do aquecimento global do planeta. Em Moçambique os ciclones estão a aumentar e os ventos são mais intensos. Além disso, em 2024, o país registou uma temperatura sem precedentes, nos últimos 75 anos, 1.2 graus centígrados acima da média do período anterior de 1981 – 2010. No dia 28 de Outubro de 2024, o mercúrio dos termómetros subiu até aos 44,5 graus em Chingodzi, na província de Tete, centro do país, foi a temperatura mais alta registada na rede de estações meteorológicas.Os dados agora avançados constam do relatório anual do Estado do Clima de Moçambique - 2024, do Instituto Nacional de Meteorologia, publicado no final do mês de Março.Em entrevista à RFI, Bernardino Nhantumbo, meteorologista e pesquisador na área do clima, ligado ao INAM, explica que o relatório agora publicado “comprova a tendência global” e alerta para os impactos que o aquecimento global do planeta têm em Moçambique:Uma das consequências [das alterações climáticas], apesar de não termos estudos conclusivos, é que Moçambique está sendo cada vez mais impactado por ciclones. Só a título de exemplo, de 2021 a esta parte, foram 10 ciclones. Estamos a falar de uma média de dois ciclones por ano.Anteriormente tínhamos uma média de um ciclone. Houve um aumento de 100%.”Moçambique é, a nível global, um dos países mais severamente afectados pelas alterações climáticas. O país é recorrentemente palco de cheias e ciclones tropicais, além de períodos prolongados de seca severa.Ao aumento da frequência de ciclones, acresce-se a seca ou a chuva fora de época, o aumento dos dias de verão:Na nossa definição, consideramos dias de verão dias cuja temperatura é igual ou superior a 30º e notamos que há um aumento claro.Se no passado, ao ano, tínhamos cerca de 100 dias com 30º ou mais graus. Agora, estamos em cerca de 200 dias. Isto é, em mais de metade do ano estamos a registar temperaturas com mais de 30º.De acordo com o Instituto Nacional de Estatística, entre 2019 e 2023, eventos extremos provocaram, pelo menos, 1.016 mortos em Moçambique e afectaram quase cinco milhões de pessoas.
Na Groenlândia encontra-se a segunda maior camada de gelo do mundo, depois da Antárctica. O degelo dessa camada contribui para a subida do nível das águas do mar, além de que o gelo ao reflectir a luz solar ajuda a manter o equilíbrio térmico do planeta. Para João Canário, investigador do Instituto Superior Técnico, a protecção da Gronelândia deveria passar por um tratado semelhante ao da Antárctida. O debate sobre a Gronelândia está na ordem do dia, não pelo seu valor ambiental e climático, mas pelo seu valor militar, geopolítico e económico. Todavia, o papel da ilha para o equilíbrio da terra é de uma importância extrema.Para João Canário, investigador do Instituto Superior Técnico, a protecção da Gronelândia deveria passar por um tratado semelhante ao da Antárctida.Penso que a Gronelândia devia ter um estatuto semelhante ao da Antárctida.Ou seja, um tratado que proíbe acções militares e a exploração de recursos, quer biológicos, quer naturais, enquanto o tratado tiver vigor.Portanto, aquilo que eu acho é que deveria haver para a Gronelândia um tratado semelhante.O docente do Departamento de Engenharia Química, liderou uma equipa de investigação que em Julho de 2023 esteve na ilha para recolher amostras do solo com o objectivo de estudar os impactos do degelo nos ecossistemas.O meu trabalho é com solo gelado, solo que está gelado há centenas e ou milhares de anos. Ao solo gelado, em inglês chamamos de permafrost.O trabalho na Gronelândia vem no seguimento do trabalho que temos feito no Canadá e no Alasca, em zonas em que também existe permafrost, mas o permafrost já tem outras características, é descontínuo, ou seja, não ocupa uma área toda.Portanto, o que nos levou à Groenlândia foi precisamente este permafrost contínuo e sobretudo a questão o processo de degradação está agora a começar e então do ponto de vista científico para nós é interessante e é importante porque é para nós podermos acompanhar esta degradação logo do princípio.
A tuberculose continua a ser um problema de saúde pública significativo em Angola. Em 2020, o Relatório Global sobre a Tuberculose da OMS indicava uma taxa de incidência de cerca de 361 casos por 100.000 habitantes no país, ou seja, uma das taxas mais altas do mundo. Em 2024, em Luanda, foram registados quase 29.000 casos de tuberculose e mais de 1.000 mortes. Neuza Lazzari, chefe do Departamento de Saúde Pública do Gabinete Provincial de Luanda, afirmou que a tuberculose está muitas vezes associada a condições deficientes de higiene e à falta de acesso a cuidados de saúde. Em 2024, em Luanda, foram registados quase 29.000 casos de tuberculose e mais de 1.000 mortes. Qual é a principal causa da elevada incidência de tuberculose na capital angolana?A tuberculose é uma doença infecciosa causada por uma bactéria, o Mycobacterium tuberculosis, transmitida pelo ar, que afecta principalmente os pulmões, mas pode também afectar outros órgãos.É preciso compreender que não há qualquer diferença entre a tuberculose que afecta os angolanos, actualmente, e a tuberculose diagnosticada em outros países.No entanto, a tuberculose está mais ligada a condições, principalmente deficientes, de higiene, e em Angola essa situação é mais frequente.Uma situação de pobreza, a falta de acesso a cuidados de saúde e condições de vida precárias contribuem para o aumento de casos de tuberculose?Sim. Sendo uma doença muito mais frequente em pessoas de nível socioeconómico baixo, a tuberculose também pode afectar pessoas com nível socioeconómico mais alto.Passo a explicar: eu posso ser uma pessoa pobre e trabalhar numa residência de alguém rico, mas com uma imunidade baixa. Nessa situação, essa pessoa está sob o risco de apanhar a doença, não porque vive em situação de pobreza, mas porque está exposta à contaminação, uma vez que se trata de uma doença provocada pelo contacto com as gotículas de saliva expelidas pela pessoa infectada.Por exemplo, as pessoas fumadoras, que têm HIV, pacientes que fazem diálise, com cancro e que tenham uma imunidade baixa são pessoas que podem ser facilmente contagiadas com a bactéria.Estas pessoas que acabou de citar fazem parte do grupo mais vulnerável, mas também há os idosos e as crianças…Exactamente. Também é uma doença muito comum nos serviços prisionais, devido ao aglomerado que lá se vive. São, muitas vezes, locais fechados, com pouca circulação de ar. Portanto, é também um grupo de risco.Quantas pessoas foram afetadas pela tuberculose em Luanda? Qual é a taxa de mortalidade associada a esta endemia?Posso apresentar apenas os dados relativos a 2024 na província de Luanda, lembrando que anteriormente a capital angolana tinha nove municípios e agora tem 16 municípios. No entanto, entre Janeiro e Dezembro de 2024, foram notificados 28.761 casos e registaram-se 1.040 óbitos neste período.Em 2023, foi apresentado um plano de luta contra a tuberculose. Estes números, que acabou de detalhar, significam que as medidas tomadas pelas autoridades falharam?Não! Se compararmos 2024 com 2023, houve uma redução do número de casos de tuberculose. Mas para nós, não obstante ter-se registado uma redução de casos, uma morte é sempre uma morte. O nosso objectivo é deixar de ter uma elevada taxa de incidência de tuberculose.No entanto, a saúde não trabalha sozinha. Existe a doença, existem os programas e existem os esforços do Governo para apetrechar as unidades e garantir a disponibilidade de medicamentos.Mas temos outros factores, como o da pobreza, fazendo com que a pessoa infectada acabe por infectar outras pessoas. Por isso, defendemos que as pessoas que vivem em condições de pobreza devem receber mais apoio social.Quais são as medidas do Governo para prevenir a tuberculose?Uma das coisas fundamentais, que é responsabilidade do Governo, é disponibilizar a vacina BCG desde a infância. Evitar os aglomerados, sabendo que em muitas residências que têm apenas um quarto e uma sala coabitam três ou quatro famílias. São estas condições que vemos não só na capital, na província de Luanda, mas também no interior do país.Por exemplo, as pessoas que têm a doença, mas que ainda não estão em tratamento, vão expelindo o bacilo e, se estiverem em contacto com outras pessoas, vão infetá-las. Por isso, essas pessoas devem usar máscara. Também deve ser feita uma busca activa nas comunidades, realizada pelos profissionais de saúde e também por agentes comunitários, para identificar as pessoas que têm a doença e que, por algum motivo, não estão a fazer a medicação. Essas pessoas devem ser encaminhadas para as unidades sanitárias para cumprirem o tratamento.O que acontece, muitas vezes, é que o paciente chega demasiado tarde ao hospital, ou então desenvolveu resistência ao antibiótico…Sim, e por isso fazemos palestras nas escolas, nas igrejas, nos mercados, nos serviços prisionais e nas instituições. Há um grupo da área de promoção da Saúde que faz essa sensibilização — todos os dias — nas unidades sanitárias. Os médicos e enfermeiros fazem uma pequena palestra matinal sobre os riscos que podem surgir para a saúde se não respeitarem o tratamento.Existe algum apoio internacional para combater esta doença?A nível da província de Luanda, temos a colaboração do Programa Nacional de Combate à Tuberculose e recebemos apoio técnico também da Organização Mundial da Saúde.Existe um plano para fortalecer o sistema de saúde em Luanda, para prevenir futuros casos de tuberculose?Existe o Plano Nacional definido pelo Ministério da Saúde de Angola para a província de Luanda. Temos consciência de que precisamos melhorar o diagnóstico laboratorial, principalmente com o GeneXpert [um sistema de diagnóstico molecular que utiliza a tecnologia PCR para detectar o DNA de micobactérias, incluindo o Mycobacterium tuberculosis], um aparelho que nem todas as unidades disponibilizam.Conhecendo o número de casos, associado à situação de extrema pobreza que se vive na província de Luanda, o GeneXpert seria um aparelho importante para detectar os casos de resistência múltipla, porque muitas vezes esses pacientes mudam de unidade sanitária e os técnicos de saúde não sabem se o paciente continua noutra unidade, se cancelou as consultas ou se abandonou o tratamento.Precisamos melhorar as estruturas das unidades de tratamento e diagnóstico. Enquanto província de Luanda, contávamos com a unidade do Centro de Endemias e Tratamento, a unidade que faz o internamento dos pacientes com tuberculose. Agora, com a nova divisão política, Luanda perdeu essa unidade. Continuamos a ter boas relações com a direcção da instituição, mas seria importante, a nível da província de Luanda, identificar outra unidade com capacidade similar para atender estes casos, para evitar as distâncias e diminuir a procura pelos serviços devido às distâncias. [Em 2024, a província de Luanda contava com 21 unidades de tratamento e 40 unidades de diagnóstico para a tuberculose].A tuberculose é uma doença tratável, se for diagnosticada precocemente. No entanto, continua a ser uma das doenças mais infecciosas e mortais em todo o mundo. Como se explica essa realidade?As condições socioeconómicas, de extrema pobreza, representam uma grande dificuldade na luta contra a tuberculose. Hoje em dia, em Angola, com os transtornos económicos e o encerramento de unidades privadas, principalmente após a pandemia de Covid, há uma maior procura pelos serviços públicos. Essa procura provoca uma sobrecarga do Serviço Nacional de Saúde.Confirma-se uma sobrecarga do Serviço Nacional de Saúde?Sim, a tuberculose é um problema, mas a malária é praticamente o prato do dia a dia, acabando por ser a principal causa não só de atendimento, como de internamento.
Em Cabo Verde 44,2% dos adultos apresentam excesso de peso e obesidade. O consumo excessivo de alimentos industrializados é um dos principais motivos do excesso de peso na população cabo-verdiana. A solução pode passar pela literacia nutricional e pela reeducação alimentar. Em Cabo Verde 44,2% dos adultos apresentam excesso de peso e obesidade. 14,3% são obesos. De acordo com os dados do segundo inquérito de doenças não transmissíveis realizado em 2020, 18% das crianças com menos de 05 anos já apresentam riscos de sobrepeso e 9% sofrem de pré-obesidade. O excesso de peso e a obesidade são dos principais problemas de saúde pública no mundo e responsáveis por 17% das mortes prematuras em Cabo Verde. O consumo excessivo de alimentos industrializados é um dos principais motivos do excesso de peso na população cabo-verdiana. A solução pode passar pela literacia nutricional e pela reeducação alimentar. Em entrevista à RFI, Ricardo Costa, nutricionista em São Vicente, sublinha que na ilha actualmente as pessoas “estão mais atentas ou mais conscientes” sobre a questão do que estavam há cinco anos. Explica que a reeducação alimentar passa, em primeiro lugar, por uma consulta com um nutricionista e depois segue com a motivação “de mudança” do paciente.O especialista lembra que este caminho é pluridisciplinar, a alimentação tem uma elevada influência nos resultados, mas não só, precisa de ser associada a mais desporto e menos sedentarismo.Sobre a alimentação infantil, o nutricionista é peremptório: “começa sobretudo pelo exemplo dentro de casa. Têm que ser os pais a dar estes exemplos e a optarem por uma alimentação mais saudável. A preocuparem-se com o que os filhos vão levar para a escola, quais vão ser os lanches ou o que eles comem fora de casa”. Confira aqui a entrevista completa.
Depois de vários meses de atraso, a França lançou a semana passada o seu terceiro plano nacional de adaptação às alterações climáticas, traçando um cenário que pode atingir os mais 4°C em 2100. As consequências do aquecimento global do planeta são "a nova norma" de uma "realidade trágica" segundo Agnès Pannier-Runacher, ministra francesa da Transição Ecológica. Como adaptar a França a um aquecimento planetário que pode atingir mais quatro graus? Após inúmeros atrasos, o Governo francês lançou o seu terceiro Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas (PNACC-3 - Plan National d'Adaptation au Changement Climatique). São cerca de cinquenta medidas que visam preparar o país para uma trajectória de aquecimento de referência de +2,7°C até 2050 e +4°C até 2100.Recordes de calor, inundações, erosão costeira… numa França já 1,7° graus mais quente desde 1900, as consequências do aquecimento global do planeta já "não são uma excepção", mas "a nova norma" e uma "realidade trágica", as palavras são Agnès Pannier-Runacher, ministra francesa da Transição Ecológica.Carmen Bessa Gomes, especialista em Ecologia na Universidade Agro Paris Tech, sublinha a importância deste documento num mundo cada vez mais céptico em relação ao clima.Este plano tem o grande mérito de existir. Era urgente ter-se feito a revisão dos planos precedentes. Esta é a terceira versão. Desde Junho que se esperava a publicação. É importante ter sido, também, o produto de um trabalho de concertação com vários parceiros. Actualmente, sobretudo dado a existência de tantos países com políticas cépticas, acho que é uma boa notícia, é um bom sinal a França ter publicado o seu plano de adaptação às alterações climáticas. Um ponto positivo do plano é de prever, por exemplo, a existência de uma ferramenta que é uma trajetória de aquecimento, de referência, que é algo que à partida vai permitir revisitar essa trajetória e questionar o quão bem ou mal ou o quanto nos estamos a afastar do esperado. Mas, de qualquer maneira, como se está face a uma situação desconhecida, vai ser sempre necessário fazermos uma gestão que vai se adaptar às evoluções da situação e à evolução também do conhecimento. O PNACC-3 inclui 52 medidas destinadas a proteger melhor as populações, antecipar os riscos, garantir a resiliência dos territórios e adaptar as actividades humanas a condições climáticas extremas.Entre as medidas apresentadas, encontra-se o reforço das protecções para os trabalhadores expostos a vagas de calor, vários estudos para melhor adaptar os transportes e as explorações agrícolas, planos para adaptar cada sector económico, a evolução das regras de renovação das habitações e ainda a protecção dos principais locais culturais franceses.A investigadora da Universidade Paris-Saclay acrescenta, igualmente, a importância de se incluir a questão da saúde humana no contexto ambiental, uma vez que alterações climáticas aumentam o risco de doença:O plano reconhece a existência de populações mais vulneráveis e, tem um ponto positivo também, que é integrar a noção de que a qualidade de vida e a saúde das populações humanas estão intrinsecamente ligadas ao ambiente e ao contexto e, portanto, que, na realidade, nos programas de desenvolvimento, gestão do território, etc. tem que se integrar também a dimensão saúde humana.É um ponto que, à partida, será positivo para a protecção das populações mais vulneráveis. A questão do financiamento das medidas é uma das principais críticas levantadas ao plano. Além do reforço do fundo Barnier – criado em 1995 para ajudar autarquias, pequenas empresas e particulares a financiar as obras necessárias para reduzir a vulnerabilidade a catástrofes naturais – Agnès Pannier-Runacher anunciou também uma "mobilização inédita do Fundo Verde no valor de 260 milhões de euros".
Até 2050, se nada for feito, o excesso de peso e a obesidade vão afectar um em cada três adultos e uma criança ou adolescente em cada três. Os dados constam de um estudo publicado na revista The Lancet. Os autores consideram que a inacção dos governos, ao longo dos últimos 30 anos, conduziu a um aumento alarmante do número de pessoas afectadas. Sobre a questão da obesidade, traçamos neste magazine Ciência, o panorama em Angola com o especialista em saúde pública Jeremias Agostinho. Até 2050, se nada for feito, o excesso de peso e a obesidade vão afectar um em cada três adultos e uma criança ou adolescente em cada três. Os dados constam de um estudo publicado na revista The Lancet, que reúne dados de 204 países e territórios do mundo.Os autores consideram que a inacção dos governos face à crescente crise da obesidade e do excesso de peso ao longo dos últimos 30 anos conduziu a um aumento alarmante do número de pessoas afectadas. Entre 1990 e 2021, o número quase triplicou entre os adultos com mais de 25 anos, passando de 731 milhões para 2,11 mil milhões, e mais do que duplicou entre crianças e adolescentes dos 5 aos 24 anos, passando de 198 para 493 milhões."Sem uma reforma urgente das políticas e acções concretas, 60% dos adultos, ou seja, 3,8 mil milhões de pessoas, e quase um terço (31%) das crianças e adolescentes, ou seja, 746 milhões, deverão ter excesso de peso ou ser obesos até 2050", alerta o documento.Mais de metade dos adultos com excesso de peso ou obesidade vive actualmente em apenas oito países: China (402 milhões), Índia (180 milhões), Estados Unidos (172 milhões), Brasil (88 milhões), Rússia (71 milhões), México (58 milhões), Indonésia (52 milhões) e Egipto (41 milhões). Os dados são de 2021.Sobre a questão da obesidade, traçamos neste magazine Ciência, o panorama em Angola com o especialista em saúde pública Jeremias Agostinho. “Aqui não temos dados concretos em relação à obesidade, porque não é uma doença de notificação obrigatória. As instituições de saúde não notificam os casos que identificam para a Direcção Nacional de Saúde Pública. Então, não temos noção de qual é a situação no geral. Os dados que temos são apenas de médicos que habitualmente lidam com a doença. Estamos a falar especificamente, por exemplo, de diabéticos, muitos diabéticos que são obesos também. Os endocrinologistas habitualmente dão os seus dados, em torno de cerca de 10% dos pacientes. Estima-se que essa seja a nossa taxa nacional. É só uma estimativa, porque não temos estudos que nos mostrem qual é panorama do país.” Entretanto, no decorrer da entrevista, o médico contactou a coordenadora do programa do Ministério da Saúde sobre as doenças crónicas não transmissíveis, que avança a cifra de 20% a nível nacional e diz que, segundo a OMS, a taxa pode estar em torno de 28% da população com obesidade. Todavia, Jeremias Agostinho relembra que isso são dados, "são muito questionáveis, porque não tem uma abordagem nacional." Os casos de obesidade concentram-se mais nas “zonas urbanas, principalmente nas das grandes cidades como Luanda, Huíla, Benguela e Huambo”. “A maior parte da população obesa é feminina”, explica o especialista.Questionado sobre as razões da obesidade, Jeremias Agostinho é peremptório” deve-se, principalmente, por causa do nosso estilo de vida”. O médico acrescenta que a população é “sedentária” e o facto de não existirem locais para a prática de desporto ao ar livre, nem segurança agrava a situação. Além disso, o médico alerta para a elevada iliteracia alimentar: “Temos níveis de literacia em saúde muito baixos e as pessoas não sabem da importância da variedade dos alimentos, de consumir proteínas numa determinada quantidade, açúcares numa determinada quantidade. As pessoas consomem o que é possível e isto tudo tem o seu impacto. E infelizmente, na nossa sociedade, o indivíduo obeso ainda é visto como um indivíduo saudável. Quando a pessoa aumenta de peso, habitualmente ouve sempre: “a tua vida está a melhorar. Estás bem! Estás gordo, sim senhor!”. É sinónimo de ostentação.”A subnutrição é um problema de saúde pública em AngolaJeremias Agostinho avança que num debate recente entre a classe médica sobre a obesidade, “nós éramos unânimes em como, cá entre nós, não representa um problema de saúde pública. Aqui, o problema é o contrário: a subnutrição." "A subnutrição é um problema de saúde pública. Estamos a falar de aproximadamente 50 a 60% das crianças. E, infelizmente, a nossa população é maioritariamente jovem. Temos cerca de 70% da população com menos de 35 anos. E as crianças representam provavelmente cerca de 15%, a maior parte delas sofre de subnutrição. Então, hoje o problema que temos é de subnutrição”, conclui.
O Presidente ucraniano afirmou que Ucrânia está pronta para assinar acordo de terras raras com os EUA. A expectativa era de que Volodymyr Zelensky assinasse o acordo na semana passada, quando esteve em Washington. As terras raras ucranianas, essenciais para várias indústrias, encontram-se em áreas controladas pelas forças russas, dificultando a exploração de recursos, explica o geólogo moçambicano e professor na UniLucungo, na Beira, Ubaldo Gemusse. RFI: O que são terras raras e por que é que são tão importantes?Ubaldo Gemusse: As Terras Raras são um conjunto de 16 elementos químicos. Nós aprendemos na química que existem alguns elementos que são considerados raros não pela sua ocorrência, mas pela fraca abundância em determinado território. A Ucrânia e a Rússia têm o privilégio de conter esses recursos geológicos, que são raros e têm uma importância muito vasta nas tecnologias, por exemplo, na fabricação de baterias e em carros eléctricos. São considerados raros pela sua fraca abundância na natureza.Há terras raras em África?Temos em Moçambique, no Zimbábue, na África do Sul, no Congo. Temos muito desse recurso raro, principalmente em Moçambique, por exemplo, no norte e centro do país, como a Zambézia, Nampula, Cabo Delgado e Niassa. Encontramos os elementos de terras raras, encontramos as terras raras nesses locais.Está a falar de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, onde existe um conflito armado desde 2017. Está a falar de terras raras na Ucrânia, ocupadas pela Rússia. Estava a referir também que há terras raras na RDC, onde existe também um conflito há muitos anos. Existe uma associação entre os sítios onde há terras raras e a presença de conflitos?Sim. Começando por Moçambique, no norte, por exemplo, temos uma das maiores ocorrências de grafite, outro recurso importante em África. Em Cabo Delgado, temos em Palma e são dois distritos onde existem grandes concessões para explorar esses recursos. No caso do grafite, ele é um recurso actualmente utilizado em tecnologias ou em nanotecnologias. Isso faz com que as grandes potências procurem esse recurso. Sendo Moçambique um país mais vulnerável, facilmente podemos ser corrompidos e entregar, como se fosse, o ouro ao bandido.O mesmo acontece com a Ucrânia. A Ucrânia também possui outros recursos além do grafite, como o lítio, que é extremamente raro. Sabemos que na Ucrânia há algumas argilas que contêm lítio, e não são muitos os locais que possuem lítio. O lítio actualmente é utilizado na fabricação de baterias. Mas além do lítio e do grafite, sabemos que desses 17 elementos que compõem as terras raras, estão o itérbio, o neodímio, o cério e o samário, encontrados em diversos minerais raros. Concretamente, esses elementos são mais frequentes na Ucrânia, na Rússia e um pouco em Moçambique.É possível extrair minerais raros em zonas de conflito, quais são os maiores desafios geográficos?Sim, é possível. E muitas vezes, a extracção desses recursos é feita a partir de grandes concessões. Por exemplo, a nossa lei em Moçambique, o nosso regulamento mineiro, determina que todo recurso táctico deve ser gerido a partir da concessão mineira. Para se obter uma concessão mineira é necessário ter capacidade financeira. Muitas vezes, os conflitos acontecem próximos ao local de exploração. Existem também alguns aspectos geopolíticos. As grandes potências, ou os financiadores, controlam os depósitos minerais. Quando se tratam de minerais estratégicos, elas controlam esses recursos e subsidiam algum valor à população local, ao governo. No caso de Moçambique, por exemplo, sendo um país pobre, o risco é maior para quem venha explorar. Portanto, o governo e a população saem a perder. Quando existem essas situações, não é muito aconselhável.Há impactos na exploração de recursos naturais sobre o meio ambiente e as populações locais?Há impactos. Geralmente, quando se fala de exploração mineira em Moçambique, primeiro é necessário adquirir o título de concessão mineira. Depois de obter a concessão, só se pode explorar a área se se tiver a licença ambiental. Essa licença exige um processo que começa com a instrução do processo. Nesse caso, a base do processo é fazer uma consulta pública à comunidade, informando as partes interessadas sobre as fases da exploração do recurso, desde a fase de instalação. Se formos pegar a nossa lei em Moçambique, o Decreto 54 sobre o Ambiente, a primeira fase é a licença de instalação, ou provisória, que permite o acesso ao local. Depois, há a licença de exploração ou operação desse recurso. Desde o início até o fim, no processo de legalização ambiental e da exploração mineral, as pessoas vão entender que ali haverá uma exploração. Muitas vezes, as empresas que vêm para explorar trazem grandes investimentos, como milhões de dólares ou euros, por exemplo. Existe uma responsabilidade social que elas têm para com a comunidade local. Algumas cumprem, mas na maior parte das vezes é complicado. Há falta de fiscalização local. No entanto, algumas empresas em Moçambique, por exemplo, têm responsabilidade social. Quando falamos de terras raras, não é apenas uma questão local, mas uma dependência global.Existem países que dominam esse monopólio. Falo, por exemplo, da China. Se fizermos uma pesquisa sobre quem é o maior produtor e exportador, perceberemos que a China lidera, seguida pelos Estados Unidos, pela Rússia e pela União Europeia. Já fiz algumas pesquisas sobre o lítio e, no passado, quando estava a fazer a minha tese, percebi que, por exemplo, nos Estados Unidos, nos anos 80 e 90, já tinham uma noção sobre os depósitos de lítio. Consideravam o lítio um elemento estratégico, mas nunca divulgaram as suas reservas. Sabemos que, por exemplo, em Portugal, há grandes reservas de lítio, e sabemos qual é a quantidade. Mas nos Estados Unidos e na China, essas informações dificilmente são divulgadas. Isso cria uma dependência de informação. O interessante é que, actualmente, a China é a maior produtora e exploradora do mundo.Portanto, a China tem o monopólio?Sim, tem o monopólio. A China dita o preço, o custo e a venda desses recursos a nível global. São esses os aspectos que vemos em relação à dependência desses recursos. Se formos pesquisar as matérias-primas utilizadas nos armamentos, perceberemos que as terras raras são essenciais para a fabricação das tecnologias militares mais recentes. A guerra é essa.Daí a importância e a procura das terras raras?Exactamente. Por exemplo, actualmente enfrentamos problemas com as mudanças climáticas. Alguns países já estão conscientes de que, em poucos anos, os carros movidos a combustíveis fósseis, como o petróleo, vão deixar de circular. A tendência é para carros elétricos. De onde vem essa matéria-prima? Deve haver uma fonte e essa fonte são as terras raras, como o lítio, o neodímio, a grafite, entre outros. Esses são os elementos que estão em alta.
No fim do mês de Janeiro, uma equipa de cientistas confirmou a existência do planeta HD 20794 d, que orbita à volta de uma estrela muito similar ao Sol, e que se situa apenas a 20 anos-luz da Terra. Este planeta é uma super-Terra e, em teoria, poderá ter vida. A confirmação da existência deste planeta veio através da utilização de um espectrógrafo, o Espresso, e a pesquisa poderá avançar ainda mais com a utilização de um novo espectrógrafo, o ANDES. Nuno Cardoso Santos, líder da equipa de Sistemas Planetários do IA e Professor no Departamento de Física e Astronomia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, que participou na confirmação da existência do HD 20794 d, explicou em entrevista à RFI como é este planeta."Está inserido num sistema que tem algumas propriedades interessantes. Em primeiro lugar, é uma estrela bastante brilhante e próxima de nós, o que permite fazer estudos complementares mais à frente. Portanto, nesse sentido, é interessante. Depois é um sistema que tem três planetas, todos eles à partida rochosos como a nossa Terra, embora não necessariamente como a Terra, mas são um pouco mais massivos do que a Terra. E depois um deles tem a particularidade de em parte da sua órbita em volta da estrela estar naquilo a que se chama a zona de habitabilidade, ou seja, a zona onde à partida poderá existir água líquida, o que nos dá perspectivas, eventualmente de um dia detectar a presença de vida num destes planetas", explicou o cientista.Unable to render the provided sourceA estrela à volta da qual circula o HD 20794 d é visível a partir da Terra a olho nú e esta não é uma estrela muito diferente do nosso Sol. Apesar de conhecido desde 2011, esta confirmação foi possível através da utilização do espectógrafo ESPRESSO."Aquilo que nós nós fizemos foi obter dados únicos com o espectógrafo ESPRESSO que é o melhor no mundo para fazer estes estudos. E o acumular dos dados ao longo de todos estes anos permitiu então concluir sobre aquilo que estamos a observar. É um aparelho que faz arco íris das estrelas e a partir da análise deste arco íris, ou seja, um arco íris não é mais do que a luz da estrela que é decomposta nas suas várias cores. E ao analisarmos este arco íris nós conseguimos, através de uma série de métodos, determinar se a estrela tem ou não tem planetas à sua volta", indicou Nuno Cardoso Santos.A apenas 20 anos-luz da Terra, este planeta vai agora continuar a ser estudado, especialmente com a chegada do novo espectógrafo ANDES,que deverá ficar pronto até 2032, e que permitirá conhecer mais a fundo estes exo-planetas, ou seja, planetas fora do nosso Sistema Solar. Mais descobertas colocam também mais questões à Humanidade como um todo sobre a possibilidade de se encontrar vida no Universo."Este género de descobertas está a começar a abrir a porta para respondermos à pergunta se estamos sozinho no Universo. O impacto que isso pode ter, creio que, além de científico, será também social", concluiu o investigador.
Sob a égide da iniciativa portuguesa '3 M' que desde 2021 desenvolve acções de voluntariado nos PALOP, uma equipa de quatro especialistas portugueses vai dar formação sobre a dor e os cuidados paliativos a 200 profissionais de saúde em Luanda, a convite do Instituto Angolano do Controlo do Cancro e do Ministério da Saúde de Angola, entre os dias 22 de Fevereiro e 1 de Março. Para além de uma formação básica na área da dor e dos cuidados paliativos, nomeadamente com pacientes que sofrem de cancro, o grupo vai procurar fortalecer as pontes entre as academias de Coimbra, Porto e Angola, como já aconteceu em formações anteriores ministradas em Cabo Verde e Moçambique.Hugo Ribeiro, médico paliativista e professor das faculdades de Medicina da Universidade de Coimbra e do Porto, é quem coordena esta equipa de especialistas. A pretexto desta formação, a RFI focou com ele os cuidados paliativos, o tratamento da dor e, para começar, o que se entende por dor.De acordo com dados oficiais, pelo menos uma em cinco pessoas no mundo vive com dores crónicas moderadas a fortes, estas últimas sendo frequentemente o primeiro sintoma da presença de uma doença.RFI: O que se entende por dor?Hugo Ribeiro: Nós temos dois tipos de dor aguda e crónica. Eu julgo que aquilo que nós vamos tentar passar mais será uma formação na área da dor crónica. Portanto, nós temos dor crónica do foro oncológico e não oncológico. É a dor crónica. É uma dor que ocorre há mais de três meses. É isso que está descrito, embora o tempo, na minha opinião, possa não ser tão significativo. O que é mais significativo é que uma dor durante um determinado período de tempo ou com uma intensidade tal justifica que a multidimensão de uma pessoa começa a ficar afectada. Ou seja, "eu já não tenho só dor. Eu já me sinto irritado. Eu já não consigo dormir. Eu já tenho o meu foro sócio familiar afectado. Eu já não consigo ser produtivo no trabalho". E, portanto, isto gera um sofrimento global. E é por isso que nós vamos abordar, sobretudo este contexto da dor total. Dor associada a doenças graves. Mas uma dor que, sendo mal controlada, acaba por afectar o indivíduo como um todo e, portanto, o nosso objetivo é controlar a dor, mas também controlar as consequências que a dor crónica traz para a pessoa e para a sua família.RFI: Como é que um médico consegue medir a dor de um paciente?Hugo Ribeiro: Nós, neste momento, estamos totalmente dependentes do auto relato. Na grande maioria dos doentes, nós temos que confiar na intensidade da dor relatada pelo próprio doente. Também temos formas de avaliar, através da heteroavaliação, com escalas que estão validadas para as diferentes populações. Em Portugal, temos escalas validadas, em França terão outras validadas aí, e enfim, em todos os países nós temos escalas de hetero-avaliação que nos permitem olhar para uma pessoa e através da sua face, uma face de sofrimento, através de uma posição antialérgica, através da respiração, através de uma série de factores que nos podem indiciar a existência ou não da dor. Portanto, é parte da avaliação. É muito importante. "A sua dor, de zero a 10 quanto é que é? Zero? E inexistência de dor é dez. É uma dor máxima? Quanto é que classificaria neste momento da sua dor?" Esta é uma pergunta bastante simples, mas que nos permite fazer depois um follow-up daquilo que é a intervenção terapêutica e se tem ou não tem o resultado pretendido. É apenas numa única dimensão, neste caso, a intensidade. Mas temos outras dimensões. Temos, no fundo, os sintomas associados. Nós caracterizamos bem a dor e por isso é fundamental formarmos os profissionais para estarem alerta para esta importância, porque só assim é que depois vamos conseguir, do ponto de vista terapêutico, ser mais incisivos, mais rápidos e mais eficazes e também mais seguros no tratamento da dor.RFI: Como é que se trata a dor?Hugo Ribeiro: Trata-se também de uma perspectiva multidisciplinar. Particularmente a dor crónica. A dor aguda terá um tratamento sobretudo mais farmacológico. A dor crónica tem uma importância muito grande. Os tratamentos farmacológicos, sem dúvida. Nós vamos efectuar treino durante esta semana naquilo que é o tratamento ou a abordagem terapêutica multimodal. Portanto, com a utilização de vários fármacos que possam ser sinérgicos entre si. E o objectivo é que o doente não tenha efeitos adversos, ou atenuar ao máximo a possibilidade de termos um efeito secundário associado a um fármaco. Mas, por outro lado, também termos uma perspectiva de tratamento multidisciplinar a várias terapêuticas não farmacológicas, com evidência científica robusta da sua utilização, também com sinergias com terapêuticas farmacológicas e que nós temos que estar com muita atenção e tentar reforçar o seu papel no âmbito de todos os sistemas de saúde, particularmente a psicoterapia, a terapia cognitiva comportamental, a fisioterapia, as massagens de relaxamento, as terapêuticas, a eletroestimulação. Portanto, temos uma série de terapêuticas que vamos abordar um pouco mais ao de leve, porque numa semana não vai ser possível abordar todas estas questões de uma forma pormenorizada. Mas vamos, pelo menos do ponto de vista terapêutico farmacológico, dar uma série de ferramentas, de conhecimentos para que uma gestão eficaz de terapêuticas básicas e intermédias seja efectuada por todos os profissionais que estejam presentes.RFI: A seu ver, o que é que poderia ainda ser melhorado nessa área da gestão da dor e dos cuidados paliativos?Hugo Ribeiro: Nós consideramos que é absolutamente fundamental que tenhamos em todas as faculdades de medicina, de enfermagem, de psicologia, pelo menos nestas profissões, formação pré-graduada, acentuada na área da dor e dos cuidados paliativos. Acreditamos que é só assim será possível que toda a gente tenha formação básica em cuidados paliativos e que, portanto, tenha estas ferramentas bem sedimentadas na comunicação até às terapêuticas farmacológicas básicas para o controlo destes sintomas e para depois também estarem mais preparados para identificarem doentes com alta complexidade clínica que precisem, aí sim, de equipas especializadas, em cuidados paliativos. No fundo, estamos focados em doentes com sofrimento, mas um sofrimento mais complexo, que não está a responder a terapêuticas de primeira linha. E então precisamos de uma equipa focada e diferenciada, que utilize várias estratégias farmacológicas e não farmacológicas para tentar atenuar esse sofrimento, quer seja ele relacionado com dor ou quer seja ele relacionado com outro tipo de sintoma, seja ele existencial, seja ele cultural, seja ele laboral, social, familiar. Portanto, há uma série de sofrimentos associados a uma perda de autonomia ou uma perda relacionada com a evolução de uma doença crónica que progride e que, em muitas situações de doença avançada, acaba por afectar a nossa esfera pessoal.RFI: Vão dar a essa formação relativa à dor e aos cuidados paliativos em Angola. Já deram essa formação em Moçambique, em 2021, e também em Cabo Verde, em 2023 e no ano passado. Globalmente, qual foi o feedback depois dessas formações?Hugo Ribeiro: Nós continuamos com uma ligação forte tanto a Moçambique como a Cabo Verde. O nosso objectivo é desenvolver condições para que haja formação básica. Continuamos com uma ligação. Praticamente todos os colegas que estiveram connosco a formação, continuam a partilhar connosco experiências, casos clínicos, tirar dúvidas ou pedir segundas opiniões. E, portanto, esse é um crescimento que acreditamos que é frutífero para ambos os lados. Acabamos também nós por ser confrontados com situações, com desafios, com obstáculos que não temos no nosso contexto e com outras situações, porventura, que podemos aprender também nos nossos próprios locais de trabalho, a lidar melhor do que se não tivéssemos esta ligação com os colegas de Moçambique e Cabo Verde. Por outro lado, temos um objectivo secundário que eu julgo que poderá vir a ser possível já no ano lectivo de 2025 / 2026, que é a abertura de uma pós-graduação em Cuidados Paliativos em Cabo Verde, com a colaboração da Universidade de Cabo Verde e a Universidade de Coimbra, promovida precisamente pelas nossas intervenções em que, no fundo, tornemos Cabo Verde e espero que também todos os PALOPs autossustentáveis no sentido da formação diferenciada. Portanto, nós estamos aqui focados em formação básica, mas também queremos que os colegas tenham a possibilidade de ter acesso à formação avançada, tenham as suas próprias equipas especializadas e que depois também promovam mais e melhor medicina da dor e cuidados paliativos nestes países.RFI: Quais são as vossas expectativas relativamente à formação que vão dar em Angola daqui a uns dias?Hugo Ribeiro: A nossa expectativa é que, no fundo, possamos ser mais uma parte da solução, que sejamos uma centelha de esperança para tantas pessoas que, já em Angola e Luanda, particularmente, tentam desenvolver os cuidados paliativos. Tentaremos reforçar a importância destas áreas da medicina da dor e dos cuidados paliativos junto dos outros colegas. E, portanto, temos a esperança de que, sendo essa centelha de esperança, acabemos por estimular que mais colegas procurem a formação mais diferenciada para estas áreas, para que haja um novo impulso, sobretudo dos cuidados paliativos em Angola. Isso seria o fundamental. Haver mais colegas, mais pessoas disponíveis para se especializarem nos cuidados paliativos e poderem dar um novo rumo também para esta área em Angola.
Em Cabo Verde são já muitas as áreas que procuram a inteligência artificial, nomeadamente a agricultura. Todavia, os ganhos da inteligência artificial podem sentir-se também no sector da medicina, na educação e na promoção do crioulo. O professor na Universidade de Cabo Verde e especialista em inteligência artificial, Arlindo Veiga, acredita que a inteligência artificial pode ser um motor de desenvolvimento em África. A inteligência artificial pode ser um motor de desenvolvimento em África? Sinceramente, sim. Basta ver o potencial que é reconhecido através da utilização da inteligência artificial. No entanto, não podemos esquecer o perigo de se criar um fosso, ainda maior, entre os países ricos e os países pobres. Uma forma de combater essa realidade é garantir que o benefício da inteligência artificial seja efectivamente distribuído por todos. Se assim for, será um grande aliado no desenvolvimento dos países africanos.Qual é a utilização da inteligência artificial em Cabo Verde?Neste momento, estamos a fazer ainda uma utilização exploratória, mas reconhecemos também um potencial enorme, principalmente na agricultura e na questão das regas inteligentes. Em Cabo Verde temos um problema de escassez de água e se arranjarmos sistemas inteligentes que controlem a irrigação, por exemplo, e fazer a gestão inteligente da água, distribuindo-a entre os vários reservatórios que existem cá, seria uma grande ajuda. Cabo Verde é um país arquipélagico e é muito difícil termos infra-estruturas em todas as ilhas. Estou a falar, por exemplo, na área da medicina, é difícil termos hospitais em todas as ilhas habitadas, talvez seja possível num futuro muito distante. Porém, se utilizamos as tecnologias de inteligência artificial, podemos levar certos serviços a zonas onde, sem essas tecnologias, seria impossível.Ou seja, onde muitas vezes não pode estar um médico, poderá estar uma máquina que fará um diagnóstico ao paciente que não se pode deslocar a um hospital?Sim. Ou em vez de ter o médico, ter apenas um especialista em recolha de imagens e análise, Ou então, ter um médico, mas todo o processo de exames ser auxiliado pela inteligência artificial.A inteligência artificial pode ainda ter um impacto na educação, uma vez que não temos universidades em todas as ilhas e fica dispendioso para os alunos deslocarem-se, auxiliando na difusão do conhecimento de forma equitativa entre todas as pessoas deste país. A língua materna, que é o crioulo e que não tem muitos recursos, pode muito bem ser desenvolvida, difundida a nível mundial e na nossa diáspora espalhada pelo mundo.A seu ver, as autoridades têm criado infra-estruturas e têm providenciado, por exemplo, formação para que todos os cabo-verdianos possam beneficiar da inteligência artificial?Ainda estamos um pouco atrasados, porque já temos países na região que já têm uma estratégia de inteligência artificial. Felizmente, em Janeiro, tivemos a semana da República que comemora datas importantes [34.º aniversário do Dia da Liberdade e da Democracia] a inteligência artificial esteve no centro do debate [o Presidente da República, José Maria Neves, afirmou que o país não pode ficar à margem das oportunidades oferecidas pela inteligência artificial para promover a dignidade da pessoa humana]. Entretanto, o meu receio é que este discurso vá mais no sentido de regulamentar. Eu tenho alguma prudência quanto a isso. Não se pode regulamentar o que não se conhece.A desinformação está muitas vezes associada à inteligência artificial. Quais são os riscos da desinformação?Tivemos uma campanha autárquica e vimos várias publicações - imagens e vídeos - com vozes adulteradas e figuras de relevo a fazerem afirmações que exigem muita atenção para perceber que não é real. Ou seja, é algo que já está a acontecer na nossa sociedade.Acredita que há uma ameaça à boa governação, à democracia e aos direitos humanos?A inteligência artificial em si não é uma ameaça, mas é preciso ter mecanismos que controlem a sua utilização. Como todas as outras tecnologias, podemos usá-la para o bem e podemos usá-la para o mal.Qual é o papel da regulamentação? O que tem sido feito em Cabo Verde?A regulamentação é importante, sem dúvida, mas eu ponho o foco na educação, mostrando o potencial que a inteligência artificial pode ter. Todas as pessoas que hoje em dia falam em regulamentação, normalmente, falam em regulamentação no sentido de controlar, o que a meu ver terá um impacto na criatividade. Eu teria alguma cautela neste ponto. É claro que existem directivas da UNESCO sobre a ética na inteligência artificial, que são reconhecidas quase por todos os países. A União Europeia já tem regulamentação que se pode aplicar aqui também ou fazer a sua adaptação interna.O que realmente precisamos é que os políticos definam quais são as áreas prioritárias e definam uma estratégia. Depois, haverá um financiamento, políticas e terão de se criar infra-estruturas. Nós não podemos regulamentar antes de fazermos este percurso.Considera que Cabo Verde se aproxima mais da Europa, que muitas vezes é acusada de ter uma regulamentação pesada, ou dos Estados Unidos ou da China, onde muitas vezes a regulação não existe e até se está mais a desregulamentar?Em termos tecnológicos, temos a tendência de seguir a regulamentação da Europa. No entanto, neste ponto da inteligência artificial, deveríamos seguir o bloco da nossa região. Na nossa região africana, o Senegal, o Gana e outros países que também estão a tentar ter uma visão africana da inteligência.Ou a Nigéria?Exactamente. A Nigéria que é o grande player. No entanto, nestas questões é preciso que haja equilíbrio e Cabo Verde, nesta região, não tem muita expressão. Somos um país de meio milhão de habitantes, falamos português e na nossa região há um grande lobby francês e inglês. Porém, o facto de sermos um arquipélago, com todas as particularidades, faz com que faça todo o sentido englobar Cabo Verde neste bloco, se se quiser fazer uma implementação responsável de inteligência artificial. Ou seja, sem deixar ninguém para trás e contemplando toda a diversidade.Nesse sentido, devemos criar uma estratégia específica para a nossa região e, quiçá, ser o exemplo para a África. Para que o continente tenha a sua voz no mundo e não apenas fazer um "copy-paste" do que existe nas outras regiões em termos regulamentares. Também acho que deveríamos ter um regulamento adaptado à nossa realidade. Um regulamento que não seja tão pesado como na Europa, mas que não seja tão desregulado, como nos outros exemplos que citou.O DeepSeek, lançado por uma startup chinesa, ganhou grande destaque ao superar o ChatGPT. No entanto, vários países se mostraram preocupados com a segurança, e alguns até proibiram a utilização do DeepSeek. Qual é a posição de Cabo Verde relativamente ao DeepSeek?Não posso falar em nome de Cabo Verde, mas posso dizer que foi recebido com um sentido crítico junto da comunidade académica. Todavia, há um facto que todos reconhecem, conseguiu-se fazer algo com muito menos recursos e com grandes restrições. Trata-se de um sinal de que, se for usada não apenas a força bruta do processamento, mas também a eficiência com poucos recursos, pode-se chegar longe.Em Cabo Verde podemos muito bem aproveitar o código aberto, aliás não é assim tão aberto, mas oferece mais detalhes dos sistemas, que outros escondem, devido à questão da propriedade intelectual como segredo de negócio, para não revelar como os modelos foram feitos. Aqui podemos aprender com os vários movimentos, focando-nos não só num único ponto, mas vendo tudo o que está a acontecer nos vários blocos e adaptando, criando a nossa própria abordagem. Num país com recursos limitados como o nosso, eu sugeriria que fosse melhor fazer a adaptação de modelos ou "transfer learning", que é um termo muito utilizado, com modelos que já deram provas, mas para os quais não temos capacidade para desenvolver do zero. Podemos injectar os nossos dados e adaptá-los para reflectir a nossa realidade.
Desde 2019, o "burn-out ", ou seja o esgotamento, o cansaço extremo gerado pela forte pressão, o stress ou o excesso de carga em termos de horário ou tarefas no emprego tem sido reconhecido pela Organização Mundial da Saúde como um problema com consequências sobre a saúde pública, muito embora os seus contornos e dimensões sejam ainda difíceis de estabelecer em termos estatísticos. De acordo com dados da OMS datando de 2023, pelo menos 35% dos trabalhadores na Europa, dizem ter estado perto do esgotamento ou sofreram um "burn-out" no trabalho.Neste quadro, África não é excepção. Nos casos de Angola e Cabo Verde tem havido alguns alertas sobre o aumento do número de "burn-outs".Sofrimento psicológico no trabalho faz parte da realidade angolanaDados oficiais apontam que no ano passado em Angola foram registadas mais de 300 mil pessoas com transtornos mentais, sendo que as autoridades referem ainda que 25% dos trabalhadores enfrentaram problemas desta natureza devido ao trabalho.No passado mês de Janeiro, o psicopedagogo angolano Ngangula de Sousa lançou um livro precisamente sobre esta matéria intitulado "Doenças mentais decorrentes da pressão no trabalho".Em entrevista concedida à RFI, ele dá conta de algumas das suas conclusões baseadas nomeadamente em entrevistas efectuadas junto de mais de 270 funcionários. "O que tem se verificado aqui em Angola, e não é só em Angola, embora eu fale muito da realidade de Angola, é que os trabalhadores da função pública, sobretudo eles, têm tido muitas doenças do foro mental decorrente desta pressão. Ou seja, não há uma certa valorização pelo trabalhador. Porque, afinal, quem produz, quem faz a máquina funcionar, é o trabalhador, é o técnico. O chefe ou gestor está ali apenas para gerir e para orientar. Mas a cultura angolana, ela mostra-se muito diferente disso. Ou seja, o chefe sente-se dono das instituições na qual foram nomeados para gerir. Então tem gerado aí um conflito que, na verdade, tem causado muitas doenças do foro mental. Este é o tema principal deste livro. A Directora Nacional de Saúde Mental de Angola, Massoxi Vigário, no final do ano passado, deu uma entrevista aos órgãos de comunicação pública, onde ela aponta que o índice de doenças mentais decorrentes desta pressão do trabalho aqui em Angola tem crescido de forma assustadora. O número de licenças de trabalhadores da função pública, não só por causa dessas mesmas doenças, também tem crescido. Isto só veio dar uma ratificação naquilo que é a minha pesquisa", diz o investigador."Os dados que eu tenho, os mais recentes, apontam entre 55 a 60% de trabalhadores da função pública e não só, têm algum tipo de doença mental decorrente desta profissão de trabalho. Têm trabalhadores com ansiedade, têm trabalhadores com síndrome do pânico, têm trabalhadores com a síndrome de "burn-out". E têm trabalhadores com depressão. (...) Eu entrevistei aí perto de 270 trabalhadores da função pública e alguns poucos de instituições privadas. E aí, com isto, não há produtividade, porque normalmente isto acontece muito aqui em Angola, os trabalhadores são ensinados a produzir, dão formações para aprender, a elaborar um parecer, para aprender a dominar o Microsoft ou para aprender a dominar uma língua em inglês ou francês. Dão formações para ter um relacionamento inter e intrapessoal, tudo isso, mas não dão formações para os trabalhadores aprenderem a gerir as suas emoções. Não dão formações para que os trabalhadores aprendam a fazer a higiene mental. E eu faço uma citação do Professor Doutor Augusto Cury, que é uma autoridade nesta matéria no Brasil e mundo afora, que diz que para que haja produtividade é importante que se tenha uma saúde mental boa. E repare que eu depois trago também aqui uma uma citação da OMS que diz que quase 1 milhão de pessoas morrem por suicídio a cada ano no mundo. Veja a seriedade disto. E depois ele diz que é a terceira causa de morte na faixa etária economicamente mais produtiva de 15 a 44 anos e é a terceira causa, na verdade, de insatisfação de trabalhadores de instituições públicas e isto no mundo. Tudo isso para dizer que não há uma valorização como se deveria ter nas questões de saúde mental do trabalhador", considera o psicopedagogo.Funcionários de Cabo Verde também são expostos ao "burn-out"Em Cabo Verde, a questão do sofrimento no meio profissional tem igualmente gerado algum debate. Jacob Vicente, director do único Centro de Atendimento Psicológico na cidade da Praia, chamou recentemente a atenção das autoridades sobre o aumento do fenómeno do "burn-out" em Cabo Verde, especialmente na função pública."No nosso centro e durante estes dois últimos anos temos estado a fazer estatística dos nossos atendimentos e o que nós percebemos dos funcionários públicos é que de facto sentem-se esgotados, com muito cansaço, procrastinação, necessidade de estarem sozinhos, mas também fazendo muito esforço depois da época do covid para mostrar trabalho e destacar-se. São todos sintomas que derivam do "burn-out". Temos várias tentativas de suicídio de funcionários públicos cada vez mais com diagnóstico de depressão. Então são estes indícios que nós temos e fizemos um estudo, observações que nós fizemos na administração pública e encontros com os gestores de recursos humanos, em que percebemos que os funcionários estão com uma baixa tolerância, principalmente no "front office". Então, temos indícios muito fortes de que o "burn-out" é a nova pandemia nas empresas e nos serviços públicos em Cabo Verde", refere o terapeuta."Nos quase 4.000 casos que nós atendemos no ano passado, cerca de 1.500 a 1.700 casos têm todos o perfil de "burn-out". Nós também atendemos os cabo-verdianos que estão fora do país e muitos deles também apresentam estes casos. Nós fazemos atendimento online para países como Estados Unidos e a Europa e percebemos isso também", detalha Jacob Vicente que ao descrever as consequências deste fenómeno em termos de saúde pública, dá conta de duas consequências "bastante graves".Para além de o "burn-out" ter "estado a dar prejuízo em milhões de dólares às empresas com o absentismo", o estudioso menciona o fenómeno do presenteísmo "em que as pessoas estão no trabalho mas não produzem absolutamente nada, não conseguem fazer absolutamente nada. É um indivíduo que entra na sua sala e, ao invés de ir falar com o colega ao lado, prefere mandar mensagem ou por e-mail, ou uma mensagem qualquer ou telefonar, mas evita o contacto físico. O sujeito que se encontra neste estado do presenteísmo, vai ao trabalho de facto, mas não consegue ver nada".Este quadro é agravado segundo o psicólogo pelo facto de "a providência social não contribuir para que os funcionários públicos e as empresas tenham uma comparticipação nas psicoterapias. Isto torna a situação muito mais grave em Cabo Verde. Então as pessoas ficam completamente desamparadas e esse desamparo faz com que surja também o sentimento de desespero. O sentimento de desespero muitas vezes agrava o quadro de depressão".Jacob Vicente refere por outro lado que apesar de existir "uma lei que defende o trabalhador no seu posto de trabalho, não há uma lei que cuida da saúde mental do trabalhador no seu posto de trabalho", este caso sendo "mais gritantes" quando se trata de classes profissionais como os professores ou os médicos.Questionado sobre o balanço que faz do ano de 2024 que foi declarado pelo governo cabo-verdiano como ano da saúde mental, o especialista mostra-se crítico. "O decreto-lei trouxe uma intenção extraordinária do governo, que é cuidar da saúde mental dos cabo-verdianos, mas não passou disso. E não temos acções concretas que depois vão permitir ao governo fazer uma seleção de medidas implementadas para dizer 'olha, nós tivemos este resultado'. Sim, Por um lado, foi um ano em que se falou mais da saúde mental em Cabo Verde, mas não houve nada em concreto", considera Jacob Vicente que, no entanto, dá conta de uma forte consciencialização da população do arquipélago."Nós percebemos é que, cada vez mais, as pessoas querem ir ao psicólogo, querem ir ao psiquiatra. As pessoas estão a pedir ajuda nas rádios. Em Cabo Verde, as pessoas ligam e falam com especialistas. Nós fizemos alguns programas nas universidades em que as empresas vão lá e participam, pedem apoio, pedem sinais, o que que devem fazer, o que podem deixar de fazer. Há uma abertura muito grande da parte das pessoas que estão na administração pública, nas empresas, sobre o acesso aos profissionais de saúde mental", observa o terapeuta.
Se a chegada do Ser Humano à lua já constituiu “um pequeno passo para o Homem, um grande passo para a Humanidade”, a chegada ao Planeta vermelho seria um passo gigantesco. Esta ambição, há muito que é manifestada pelo bilionário americano Elon Musk. Este tema sobre a "conquista" do Planeta Marte voltou à ribalta com a eleição de Donald Trump, que defendeu, no dia em que chegou à Casa Branca, que querer enviar astronautas a Marte e colocar a bandeira dos EUA no planeta. Foi precisamente sobre este tema que conversámos com Vasco Guerra, investigador e professor no Instituto Superior Técnico, da Universidade de Lisboa. RFI: Porque é que existe este lapso temporal tão grande entre a ida do Homem à Lua e só agora se estar a projectar a ida a Marte?Vasco Guerra: É uma pergunta bastante complicada. A exploração espacial, mesmo o voltar à Lua, tornou-se uma missão ou um desafio, se calhar, maior do que a maior parte das pessoas estaria à espera, uma vez que já tinha havido homens na Lua. Mas, até agora, ainda não se regressou à lua.[Em causa, poderão estar aqui] questões estratégicas do fim da Guerra Fria, dos desafios tecnológicos... Na altura, havia riscos que estavam dispostos a tomar e agora deixou-se de estar. A pergunta é mais complicada do que pode parecer porque não é só passar da Lua a Marte. É quase que passar da Lua a voltarmos a ter capacidade de ir à Lua para depois pensar em Marte. E tem a ver com todo o contexto geopolítico, de financiamento e também com as estratégias das potências mundiais, mais concretamente, onde é que está o seu foco e a importância da corrida espacial nesta geopolítica.RFI: Mas a nível técnico, quais são as principais dificuldades até ao momento que fizeram com que isso ainda não tenha sido possível? Eu li muito, por exemplo, sobre a questão da dificuldade ao nível do combustível. Há aqui vários factores que podem interferir nesta questão, não é?Vasco Guerra: Sim, claro. Esta é uma missão muitíssimo mais complicada do que ir à Lua. Desde logo, pelo tempo que dura. São missões muito longas, que envolvem depois toda a logística de alimentação, o combustível para ir e voltar, mas essencialmente depois para voltar. São escalas de tempo incomparáveis. Meses... Meio ano, pelo menos. E eventualmente, se for para ficar, pode ser que tenha que se ficar quase dois anos, ficar bastante tempo antes de voltar. É uma operação que tem uma logística muito diferente de ir à Lua. Essencialmente, devido às questões da água, comida e combustível. Depois existe a parte da radiação, que é muito complicada também. Portanto, a exposição à radiação, do ponto de vista dos efeitos para a saúde, são coisas muito diferentes de ir à Lua. RFI: E até que o Homem possa pisar Marte, existirão também nos próximos meses, nos próximos anos, várias missões anteriores de preparação, muitas delas incluirão apenas o envio de equipamentos para se estudar, por exemplo, o solo e outras características também do planeta. Sabe dizer-me o que é que farão exatamente nessas missões anteriores? Vasco Guerra: Há várias componentes. Há missões só de estudo científico, mas para enviar humanos há uma componente que é aquela onde eu trabalho mais directamente, que é a de como utilizar os recursos naturais do planeta para evitar ter que transportar coisas da Terra.Tudo o que seja produzir localmente, recursos que sejam úteis para a missão, que se possa produzir no local, obviamente que simplifica a logística, pois permite reduzir os custos e usar esse espaço para levar outras coisas nas naves espaciais que vão fazer a missão.Já existe uma máquina da NASA que faz uma prova de conceito da produção de oxigénio em Marte, a partir da atmosfera do planeta. Portanto, a atmosfera marciana é dióxido de carbono. Essencialmente, 96% é dióxido de carbono. Isto é algo que não deixa de ter alguma graça. Nós aqui na Terra, lutamos agora com com o excesso de dióxido de carbono e temos que perceber como controlar e talvez o utilizar.Em Marte, a atmosfera já é dióxido de carbono e, portanto, é necessário fazer o contrário: retirar o oxigénio da molécula de dióxido de carbono. Já há uma máquina que está a fazer isso, mas é um primeiro passo. Oxigénio é o passo zero ou o passo um para conseguirmos alguma coisa. Portanto, há essa missão.Depois aparecerão, de certeza, as questões da água. Há gelo debaixo da superfície de Marte, depois temos também a questão dos combustíveis. O mesmo oxigénio que usamos para respirar vai, se calhar, ser mais importante como uma componente da mistura depois do combustível para regressar. O monóxido de carbono, que é também resultado da decomposição do dióxido de carbono, também pode ser usado como um elemento do combustível. Portanto, combustível, será mais importante, a produção local, do que propriamente o oxigénio em si para respirar. RFI: Há pouco falávamos desta questão do oxigénio. Eu sei que grande parte do seu trabalho passa por tentar arranjar uma forma de produzir oxigénio depois de se aterrar em Marte. Em que ponto é que está a sua investigação neste sentido? Vasco Guerra: A ideia está relacionada com o que eu estava a descrever há bocadinho, de usar o dióxido de carbono da atmosfera marciana como matéria prima para produzir o oxigénio. Portanto, a NASA tem essa experiência, que é baseada em tecnologia que existe na Terra. Portanto, é uma experiência muito espetacular, mas em que a ideia é chegar a Marte, recriar localmente um bocadinho as condições que existem na Terra, ter uma atmosfera um bocadinho mais densa e quente.Portanto, é preciso comprimir a atmosfera marciana, aquecer e depois usar a tecnologia que existe na Terra. Nós estamos a tentar fazer o contrário, que é usar uma tecnologia que seja aplicável logo nas condições da atmosfera marciana. Portanto, a pressões e temperaturas mais baixas do que na Terra. Estamos entusiasmados e contentes. Estamos na primeira parte do processo, que é a da molécula de dióxido de carbono, como a decompor nos seus elementos, oxigénio e monóxido de carbono. Mas ainda estamos a tentar perceber e optimizar a parte a seguir, que é uma vez produzido o oxigénio, como separá-lo? Ele vai estar numa mistura e não queremos respirar monóxido de carbono, de certeza, não é?RFI: Em termos gerais, o que é que já se sabe sobre sobre este planeta que desperta tanta curiosidade? Vasco Guerra: Há, de facto, essa questão de que poderá ter tido condições para o aparecimento de vida nas formas mais primitivas, semelhantes às da Terra. Há pessoas que têm essa expectativa e que procuram evidências disso poder ou não ter acontecido. É também um planeta que nos permite tentar perceber como é que a Terra terá evoluído. Não está assim muito longe e tem algumas características parecidas.RFI: Até porque a Terra e Marte surgiram mais ou menos, ao mesmo tempo, não é? Vasco Guerra: Sim. E há esta questão: quais são os recursos naturais que existem em Marte? Portanto, há os mais básicos que vêm da atmosfera que são o carbono e o oxigénio. Depois, a uma profundidade que não é muito grande,a poucos metros, poderá haver a água, que traz o hidrogénio. Há poucos átomos ou poucos elementos que são omnipresentes em tudo o que se queira fazer.O carbono, o oxigénio e o azoto existem na atmosfera de Marte, portanto estão logo acessíveis. Não estou a dizer que sejam fáceis de extrair, não é? Mas estão acessíveis. E o hidrogénio também está relativamente acessível, a profundidades que não são muito grandes, e isso permite que se comece a pensar em muitos processos e na fabricação de dimensores compostos mais complicados, que são mais ricos, que são necessários para todas as tecnologias. Depois, há os minerais do solo, que é aquilo que também se está a aprender um bocadinho com a exploração da lua. Há vários metais no solo que depois poderão ser utilizados e aproveitados para outras coisas. RFI: Na sua óptica, quando é que acha que será real ou, viável que o homem possa pisar o planeta Marte? Vasco Guerra: Acho que vai levar tempo, creio que o fim da década é capaz de ser um bocadinho optimista. Talvez no final da década a seguir. E vai depender do empenho e da capacidade dos governos que têm essa ideia em mente. Agora com Donald Trump e Elon Musk, o tema aparece outra vez. Até há um mês atrás, qualquer projecto científico que se apresentasse aqui na Europa para exploração de Marte, era recebido com interesse, mas sempre com o comentário de "ah, mas isso acontecer, ainda falta muito tempo. Agora ainda estamos focados na Lua".Esta mudança na política americana traz Marte para a ordem do dia e é possível que haja grandes avanços. É um bocadinho difícil de se fazer essa futurologia, mas talvez no final da década 30, talvez. No final desta década que estamos a viver, vejo muito difícil. RFI: Termino com uma pequena questão se se nós considerávamos que a ida a lua era um pequeno passo para o homem, um grande passo para a humanidade. Considera que a ida à Marte constituiria um passo gigantesco. O que é que este passo representaria em termos concretos para a ciência? Vasco Guerra: Sim, acho que é um passo gigantesco, na perspectiva de ser preciso, no fundo, estabelecer... Podemos usar a expressão "colónia", usada por Elon Musk. Marte é demasiado longe para que as coisas possam funcionar dependendo apenas da Terra.Na Lua, apesar de tudo, não vou dizer que é fácil, claro que não é fácil, mas no caso de uma emergência à partida, há tempo para uma resposta relativamente curta de ajuda ou de auxílio a uma população ou a uma colónia, ou até simplesmente a missões que estejam a decorrer na Lua.Em Marte, isso é completamente diferente, não é? São pelo 3 meses para lá chegar, por isso seria o tal passo de gigante que estava a perguntar, que envolveria pensar em toda uma nova forma de imaginar a humanidade, digamos assim, com todos os desafios associados, inclusivamente coisas que não nos lembramos logo quando pensamos na exploração espacial. Falamos, por exemplo, do ponto de vista legal, quais é que seriam as leis que se aplicariam? Portanto, pensar não só o desafio científico, como o sociológico são duas componentes interessantes nessa aventura.
Quatro províncias angolanas, Luanda, Bengo, Icolo e Bengo, e Malanje estão afectadas pelo surto de cólera, declarado no passado dia 7 de Janeiro, em Luanda, no município do Cacuaco. De acordo com o Ministério angolano da Saúde, mais de 600 casos foram registados, com 29 óbitos. O médico especialista em saúde pública, Jeremias Agostinho, admite que a debilidade do saneamento básico de Luanda terá contribuído para o surto de cólera. Em menos de duas semanas, o surto de cólera - que começou no bairro do paraíso - já se alastrou por quatro províncias angolanas. Foram registados mais de 600 infectados e 29 óbitos. Como se explica este cenário? Na verdade, este surto não nos apanhou de surpresa. Em finais de 2023, início de 2024, o Ministério angolano da Saúde e a Organização Mundial da Saúde - OMS- notaram um aumento do número de casos de doenças diarreicas, a nível da nossa população, e em função do deficiente saneamento básico que termos, associado à agudização da pobreza, do acesso à economia e da alimentação - 90% da economia é informal - o risco de cólera era muito grande.Sem esquecer que países vizinhos, como a Zâmbia, Zimbabwe e Moçambique - cujo trânsito aéreo é muito frequente - já estavam a registar casos [ de cólera]. Em 2024, a Organização Mundial da Saúde e o Ministério da Saúde definiram um plano de contingência para casos de cólera, com a formação de profissionais de saúde, a partir de Abril e, infelizmente, em 2025 confirmou-se e começou o surto de cólera em Angola.Se já havia um plano de contingência, profissionais preparados, este alastramento não poderia ter sido evitado?Os últimos dados governamentais apontam que em cada dez angolanos, cinco não têm acesso a água potável. É um número bastante elevado e depois também temos que referir que em cada dez angolanos, cinco fazem defecação ao ar livre, uma vez que o acesso ao sistema de saneamento, principalmente a nível da capital, é muito restrito.As pessoas não têm acesso aos sistemas de drenagem comuns para as águas residuais ou as águas dos quartos de banho. Neste período, na capital e nas províncias, estamos a ter chuvas muito intensas e tudo isso levou a que o surto se instalasse.Por exemplo, no bairro do Paraíso, município de Cacuaco, onde tivemos os primeiros casos, essa zona que possui outros factores agravantes. As habitações são muito precárias e habitualmente por metro quadrado, residem cerca de 4 a 7 pessoas.São residências precárias, onde não há latrinas. Já falou aqui da época de chuvas, todos estes factores prepararam o terreno para este surto?Exactamente, com as chuvas que se vão abatendo pela cidade, o sistema de drenagem não está a funcionar e há muitas inundações. Então, quando juntamos aglomerados populacionais, enchentes, defecação ao ar livre, falta de acesso à água potável, cria-se um cenário propício para o alastramento da doença.Há ainda a questão do tratamento do lixo que é feito na capital…O tratamento do lixo aqui na capital é um problema crónico. Há bastante atraso na recolha do lixo e o lixo que é depositado no aterro sanitário, próximo dessa zona afectada pela cólera, não é um aterro sanitário, porque não se faz tratamento de lixo. A única coisa que se faz no aterro é a incineração de alguma parte do lixo. Depois a outra é invadida pela população que aproveita esse lixo para se alimentar.Por norma, por causa da falta de contentores para depositar o lixo, depositam o lixo nas valas de drenagem. A água das chuvas enche as valas e acaba por arrastar todo o lixo para as praias. Isto faz com que o risco de contaminação pela doença aumente ainda mais. Todo esse conjunto de situações faz com que a doença cresça rapidamente.Acabando por ter um impacto, também, nos alimentos que são consumidos?Na urbanização Nova Vida, que é mais ou menos uma urbanização para a classe média, o sistema de fossas está sempre a abarrotar e a verter água repleta de fezes. Essa água vai desaguar no rio Camba. Na zona ribeirinha desse rio é praticada a agricultura familiar, cuja rega é feita com a água composta por restos de fezes e lixo dos moradores da urbanização. Nas zonas afetadas pela cólera, é justamente a mesma coisa que acontece.A Empresa Pública de Águas de Luanda- EPAL- já veio afirmar que está com dificuldade em distribuir água para a população….Dizer que está com dificuldade de distribuir água seria minimizar o problema. Na verdade, nunca houve uma adequada distribuição de água para a população. A água que chega até aos cidadãos é uma água que, infelizmente, tem cloro, tem sabor e não cumpre os requisitos da chamada água potável. Agora que está a chover bastante e as populações precisam de água, por causa do surto de cólera, não há distribuição adequada, nem produtos para fazer a desinfecção da água.Quais são os sintomas de cólera? E quando é que os pacientes se devem dirigir a uma unidade hospitalar?São quadros de diarreia aguda bastante abundante, cãimbras, vómitos, fraqueza, muita sede e fome. São os sinais e sintomas que estão a ser apresentados pelos utentes.É neste quadro que os pacientes se devem dirigir ao hospital?Nós temos estado a aconselhar a todas as pessoas que possuem quadros de diarreia e vómito, abundante ou não, a se dirigirem às unidades de saúde. No caso da cólera, 80% das pessoas que serão infectadas não terão sinais e sintomas, mas transmitem a doença, uma vez que a bactéria se encontra nas fezes.O Governo está a fazer um bom serviço. Na principal zona afectada, montou uma área para internamento dos doentes, uma área para distribuição de água e outra de distribuição de meios para desinfectar a água. Esse processo tem que ser só mais abrangente para ver se, pelo menos, antes de Abril conseguimos acabar com o surto de cólera.Que recomendações deixa às autoridades e à população?As autoridades têm estado a trabalhar bem no quesito da informação, nomeadamente sobre o estado do surto e as medidas preventivas para a população. Esse trabalho tem de continuar. Deu-se início agora à distribuição dos soros de água, também é um trabalho que deve continuar a ser feito.Relativamente à população, o que recomendamos, nesta altura, são cuidados com a água que ingere, que usa para higiene pessoal e para a lavagem dos alimentos. A água deve ser tratada ou fervida. Também se deve ter cuidado com o lixo. Deve ser colocado em sacos para que as moscas, ou as baratas não tenham acesso. Estes animais também são transmissores da doença. E pelo menos durante esse período, devem ser construídas latrinas para não haver defecação ao ar livre.Também se devem evitar as idas à praia. A chuva leva o lixo e as águas residuais para as principais praias da capital.E os pequenos gestos como a lavagem das mãos e a lavagem dos alimentos…Exactamente, com água tratada, principalmente os alimentos que não vão passar pelo fogo. Deve-se consumir alimentos, de preferência, que se tem garantia que foram bem preparados. Fora de casa, aconselho as pessoas a não consumirem alimentos que não passem pelo fogo, como por exemplo, a salada, entre outros, por causa desse risco de transmissão.A lavagem das mãos, quando não é possível - nem sempre temos água - vamos passar álcool- gel. E isto fica sob responsabilidade das autoridadesque devem distribuírem esses meios para a população mais carente.
Os incêndios de Los Angeles foram descritos como “os mais devastadores” da história da Califórnia pelo Presidente norte-americano Joe Biden. Até este domingo, as autoridades registaram, pelo menos, 24 vítimas mortais. As alterações climáticas foram “um factor de agravamento” dos incêndios, mas vêm aí "dias difíceis" na luta contra o aquecimento global, avisa Francisco Ferreira, presidente da ONG ambiental ZERO. RFI: Por que razão estes incêndios na Califórnia estão a ser tao devastadores?Francisco Ferreira, Presidente da “ZERO”: “A situação da Califórnia e de Los Angeles reflecte, em primeiro lugar, uma extensa situação de seca nos últimos tempos, mas com uma enorme presença de vegetação por aquilo que aconteceu há um ano, que foi o inverno extremamente húmido. Ou seja, foram criadas as condições para ter uma enorme quantidade de biomassa, de mato, de floresta muito mais pronta para arder na sequência do inverno passado, que nas últimas semanas, nos últimos meses não teve a humidade suficiente para evitar uma propagação rápida de incêndios e que acaba por acontecer, na última semana, pela ocorrência de ignições. Para eu ter um incêndio, neste caso, a origem não é natural, há aqui claramente um decurso de uma qualquer actividade humana que ainda é preciso esclarecer e averiguar, em que o terreno estava realmente todo preparado para que, com ventos extremamente intensos e secos vindos do interior, ventos de leste a encaminharem a nuvem de fumo para o Oceano Pacífico, levassem a uma rapidíssima propagação.”O que são os ventos de Santa Ana?“Em Los Angeles, nós falamos de uma bacia porque se trata de uma zona que é relativamente baixa, mas toda ela rodeada de montanhas. Em determinadas ocasiões, eu tenho um posicionamento de um anticiclone e de uma baixa pressão que nos levam a ventos muito intensos de uma região nos arredores de Los Angeles, que é precisamente a zona de Santa Ana. E, portanto, quando eu tenho esses ventos, eles são bastante intensos porque eles atravessam as montanhas mais próximas de Los Angeles e levam a esta propagação.”O jornal Washington Post compara este fenómeno meteorológico a um “secador gigante”. Porque esta imagem? “Porque realmente o que se passa é que eu tenho uma região interior onde praticamente não tenho qualquer humidade do ar presente nessa área e que depois me é arrastada para o Oceano Pacífico. Portanto, eu tenho uma massa de ar a grande velocidade, mas sem humidade, a atravessar a zona de Los Angeles. Ao contrário daquilo que seria habitual e desejável, que era eu ter um ar húmido ou precipitação que contrariasse a ocorrência destes incêndios, o que eu tenho é um ar extremamente seco a grande velocidade que foi originado numa zona interior. Pior do ponto de vista meteorológico eu não conseguiria ter em termos de alimento para os incêndios que estiveram - e estão - a ter lugar.”Qual é a ligação entre as alterações climáticas e estes incêndios que foram descritos como “os mais devastadores da história da Califórnia” pelo Presidente americano Joe Biden? “Em primeiro lugar, nós devemos ter aqui alguma precaução porque se pode pensar que face àquilo que é um clima cada vez mais imprevisível e com comportamentos completamente diferentes do que seria o padrão normal - nós tivemos cheias significativas na Califórnia, tivemos um inverno muito húmido há um ano e agora estamos numa situação de enorme seca - estes extremos são realmente resultado das alterações climáticas, mas pode-nos dar a sensação de que é inevitável e eu não poderia fazer nada em relação a estes mega incêndios que estão a ter lugar. As alterações climáticas são, sem dúvida, um factor de agravamento daquilo que são problemas também estruturais do ponto de vista do ordenamento do território daquela zona. Ou seja, eu começo a ter aqui fogos que são já quase urbanos, que vão aumentando rapidamente porque eu tenho projeções a grande distância daquilo que é o meu incêndio principal. Esta zona de Los Angeles tem, sem dúvida, uma zona de maior presença de vegetação, mas a propagação toda que se dá com maiores prejuízos é já numa zona que nós chamamos suburbana ou periurbana e urbana, portanto, nós já não temos uma distinção entre o rural e urbano em zonas como Los Angeles, na periferia da cidade.É uma cidade que eu conheço relativamente bem. Ainda há poucos meses lá estive em trabalho relacionado com a área dos incêndios e da qualidade do ar e das emissões atmosféricas. Temos aqui um conjunto de factores, onde as alterações climáticas, onde o agravar destes extremos de contrastes entre invernos mais húmidos que o normal, com invernos ou meses mais secos que o normal, e depois condições extremas também motivadas pelas alterações climáticas, como sejam grandes velocidades de vento, como as que ocorreram sistematicamente nos últimos dias, com a estrutura de ocupação do espaço daquela zona, levam à tempestade perfeita entre aspas, levam realmente a este cenário absolutamente dramático e desolador que nós encontramos em Los Angeles. É aquilo, no fundo, que nós acabámos por ter também em Portugal em 2017. Foi o pior ano em termos de área ardida das últimas décadas e o que acontece tem muito a ver com estas circunstâncias. Nós tínhamos tido uma primavera bastante chuvosa, muita massa para arder no solo, nomeadamente na floresta. Depois, em cada um dos fins-de-semana, um em Junho e outro em Outubro, à custa de eu ter uma grande velocidade do vento, de eu ter um ar também muito seco e quente a percorrer as zonas que foram afectadas, nomeadamente em Outubro, foi realmente a mesma receita daquilo que se passou ou se está a passar ainda em Los Angeles.”Qual seria então a forma para travar essa “receita” ou essa “tempestade perfeita”? Tanto mais que os serviços meteorológicos americanos avisam que haverá “um comportamento extremo dos incêndios” que culminarão com ventos a 110 quilómetros por hora já a partir desta terça-feira de manhã?“Nesta altura, a única possibilidade de intervenção é usar os modelos que temos de previsão meteorológica e de propagação de incêndios para tratar da prevenção. É a única forma que é possível num incêndio que é um incêndio urbano, não é um incêndio florestal de grandes dimensões como nós temos tido nos Estados Unidos, no Canadá ou na Europa. Trata-se, neste momento, de um incêndio com características muito claras à escala urbana. Agora, no médio e longo prazo, obviamente, nós queremos minimizar o impacto das alterações climáticas. É absolutamente crucial que percebamos que esta é uma das questões chave em termos de adaptação climática e que nós temos que realmente reduzir as emissões para que não tenhamos um clima com extremos desta natureza cada vez mais frequentes.”Isto acontece numa altura em que Donald Trump vai chegar à Casa Branca, ele que é abertamente negacionista relativamente às alterações climáticas. A situação vai piorar?“Por isso mesmo é que nós temos aqui um problema grande à escala dos próprios Estados Unidos e à escala global. Nós estamos numa linha de aumento da temperatura de 3,1 graus em relação à era pré-industrial. 2024 foi o ano recorde desde que há registos com uma ultrapassagem do limite de 1,6 graus. Ou seja, tivemos 1,6 graus acima da média do período pré-industrial, basicamente quando olhamos para a média entre 1850 e 1900, em 2024 tivemos 1,6 graus acima dessa média de valores. Os Estados Unidos, em particular algumas zonas são, sem dúvida, exemplos daquilo que já são as consequências das alterações climáticas, quer na Califórnia em termos de incêndios, quer a intensidade e a destruição e a frequência de furacões na costa leste, nomeadamente na Flórida e ao longo de todo o Golfo do México. Eu acho que nós, infelizmente, estamos num período em que, politicamente, as alterações climáticas vão ter dias difíceis do ponto de vista da concertação à escala mundial e dentro dos Estados Unidos em particular. Isso vai-nos sair, mais tarde, muito mais caro, por não estarmos a tomar as medidas de prevenção em termos de adaptação e, acima de tudo, em termos de redução de emissões, porque o clima é muito resiliente. O clima demora muito tempo a mudar, mesmo que nós agora tivéssemos políticas fortíssimas para reduzir o aquecimento global e procurar reduzir estas consequências, iríamos ainda assistir a uma escalada dos efeitos para depois começarmos a ver essa diminuição. Mas quanto mais tempo perdermos, pior será.”Ultrapassámos o limite de aquecimento de 1,5 graus, como fixado pelo Acordo de Paris. O Observatório Europeu Copernicus também indicou que 2024 foi o ano mais quente de sempre desde que há registos. Até que ponto estamos num período crucial para a redução de emissão de gases responsáveis pelo aquecimento global para evitarmos esse ponto sem retorno na crise climática? Ou já chegámos a esse ponto sem volta a dar? “Nós ainda não chegámos àquilo que o próprio Acordo de Paris aponta. Ou seja, a ultrapassagem de um grau e meio foi em um ano. Vamos ver o que é que acontece nos próximos anos, se esta ultrapassagem é permanente ou não. Mas realmente o que a ciência nos diz é que acima de um grau e meio, eu tenho um efeito de cascata e de consequências muito mais dramático do que se conseguisse que a temperatura ficasse abaixo deste aumento.Eu diria que as notícias não são realmente boas e, infelizmente, este é um problema global. Significa que nós precisamos de respostas globais e a Europa tem aqui, sem dúvida, uma quota de responsabilidade grande do ponto de vista das suas emissões acima de tudo históricas. Mas é necessário continuar o diálogo, a concertação e a acção, mesmo que limitada, no quadro das Nações Unidas e da conferência que vamos ter este ano no Brasil, da Convenção das Alterações Climáticas. Realmente o clima está a avançar mais em termos daquilo que é a sua mudança do que os próprios cientistas previram que pudesse acontecer.”
Moçambique é um dos países mais gravemente afectado pelas alterações climáticas no mundo, o primeiro em África. Neste momento, o país faz contas às vítimas e aos danos provocados pela passagem do ciclone tropical intenso Chido,que entrou no domingo passado, pelo distrito de Mecúfi “com ventos que rondaram os 260 quilómetros por hora” e chuvas fortes. Neste magazine ciência olhamos para a resposta das autoridades na reposição do abastecimento de água e saneamento em situação de emergência. Moçambique é um dos países mais gravemente afectado pelas alterações climáticas no mundo, o primeiro em África. Ciclicamente, o país enfrenta cheias e ciclones tropicais durante a época chuvosa, que decorre entre os meses de Outubro e Abril.Neste momento, Moçambique faz as contas às vítimas e aos danos provocados pela passagem do ciclone tropical intenso Chido, de escala 3 (1 a 5), que se formou a 05 de Dezembro no sudoeste do oceano Indício, entrou no domingo passado, 15 de Dezembro, pelo distrito de Mecúfi, na província de Cabo Delgado, no norte do país, “com ventos que rondaram os 260 quilómetros por hora” e chuvas fortes.Na semana passada, na antevisão do Chido, as autoridades moçambicanas tinham admitido que cerca de 2,5 milhões de pessoas poderiam ser afectadas pelo ciclone nas províncias de Nampula, Cabo Delgado e Niassa, no norte, e na Zambézia e Tete, no centro.Em Moçambique, o período chuvoso de 2018/2019 foi dos mais severos de que há memória: oficialmente 714 pessoas morreram, incluindo 648 vítimas dos ciclones Idai e Kenneth, dois dos maiores de sempre a atingir o país.Já na primeira metade de 2023, as chuvas intensas e a passagem do ciclone Freddy provocaram 306 mortos, afectaram mais de 1,3 milhões de pessoas, destruíram 236 mil casas e 3.200 salas de aula. Os dados são das autoridades moçambicanas.Precisamente sobre a resposta dada pelas autoridades moçambicanas, em situação de emergência, no abastecimento de água e saneamento, Moçambique levou a cabo uma sessão de esclarecimento, na COP 29, que decorreu de 11 a 22 de Novembro em Baku, no Azerbaijão. Alcino Nhacume, chefe do departamento de Estudos de Projectos da Direcção Nacional de Água e Saneamento do Ministério das Obras Públicas, de Habitação e Recursos Hídricos de Moçambique, explicou a resposta que foi dada pelo país, a nível de abastecimento de água e saneamento, após a passagem do ciclone Freddy. Foi activado o contingente de resposta de emergência inserido nos projectos financiados pelo Banco Mundial. Era necessário responder rapidamente às necessidades, não no sentido de reabilitação, mas de reposição daquilo que foi danificado pelo ciclone.Reposição porque havia a necessidade de colocar novamente à disposição das populações afectadas infraestruturas de abastecimento de água e saneamento, por forma a que não se criassem outros efeitos secundários, como doenças de origem hídricas e outros problemas de saúde pública.
O projecto de ADN ambiental marinho levado a cabo pela UNESCO em 21 sítios protegidos um pouco por todo o Mundo tira uma fotografia dos nossos mares que pode ser muito útil para perceber como os oceanos e a biodiversidade evoluem com os efeitos das alterações climáticas. Com 500 amostras de um litro e meio de água do mar de diferentes partes do globo, os investigadores do projecto "Expedições de ADN ambiental" da UNESCO, foram identificadas cerca de 4.500 espécies desde peixes, a baleias, assim como tartarugas e tubarões. Esta técnica não envolve apanhar os animais e retirar amostras, apenas analisar os resíduos biológicos contidos nas amostras, um técnica ética, simples e com menos custos dos que as análises de ADN tradicionais como explicou Fanny Douvere, coordenadora do programa marinho do Centro de Património da UNESCO."O que é realmente interessante nesta técnica é que não estamos a retirar nada da água, excepto uma amostra de água, cerca de um litro meio. Portanto, não estamos a tocar em nenhuma espécie. É por isso que se trata de uma abordagem ética, porque estamos a deixar o ambiente em paz e estamos apenas a recolher a água e a filtrá-la para extrair o ADN. E para perceber o que lá está, que tipo de biodiversidade existe naquele lugar", disse a representante da UNESCO.Esta técnica inovadora identifica então as diferentes espécies marinhas comparando-as aos registos de ADN já conhecidos, um processo que se assemelha a uma investigação policial como exemplificou Ward Appeltans, que gere o OBIS, o Sistema de Informação da Biodiversidade Marinha."Penso que podemos ver isto como um género de projecto de polícia de investigação global dos mares, já que apenas com base no ADN, podemos saber se a espécie esteve nestes locais que estudámos ou não. Sabemos que o ADN, em média, sobrevive entre 24 a 48 horas na água antes de se fragmentar e ser destruído. Portanto, se conseguirmos apanhar uma sequência de ADN, sabemos que a espécie passou por aqui muito recentemente", indicou Appeltans."É realmente uma imagem instantânea. Portanto, sabemos os seres vivos que estavam lá naquele momento específico no tempo. E é por isso que também é muito importante repeti-lo ao longo do tempo. Porque se formos duas vezes por ano ao mesmo local, podemos começar a ver tendências", acrescentou Fanny Douvere. Para conseguir as amostras em 21 locais marinhos protegidos pela UNESCO, foram recrutados 250 mini-cientistas. A UNESCO trabalhou de perto com escolas desde o Banglhadesh, passando pela Austrália ou pelos Estados Unidos, incluindo também o Brasil de forma a incluir crianças a partir dos seis anos na recolha de amostras no mar, despertando o interesse sobre a biodiversidade marinha, mas também incluindo-as na luta contra as alterações climáticas."Uma das grandes vantagens desta iniciativa foi, de facto, trabalhar com crianças em idade escolar e com os professores. Por isso, contactámos as equipas de gestão locais responsáveis por estas áreas marinhas protegidas na Lista do Património Mundial da Unesco, que estabeleceram contacto com os seus professores dessas regiões. Assim, em muitos destes locais diferentes, os professores começaram por explicar às crianças porque é que íamos fazer aquilo. Também compreenderam que era um projecto não só naquele local, mas que acontecia em simultaneo em outros locais em todo o mundo. E o mais importante de tudo isto é que, sim, há uma grande ansiedade climática entre os jovens e nós estamos aqui para lhes transmitir uma mensagem de esperança. E não se trata apenas de uma história. Não se trata apenas de explicar coisas, mas de sair, ir para o terreno, ir para a água, fazer algo significativo com uma técnica que tem um método científico por detrás, mas é suficientemente simples para ser feita por uma criança de seis anos. No Brasil, por exemplo, quando fomos a Fernando de Noronha, a Área do Património Mundial e tínhamos crianças de seis anos e adoraram. Adoraram sair. Adoraram ser supervisionados pelos cientistas. Perceberam que não podia haver contaminação nas amostras, usaram luvas e puseram os óculos e compreenderam o que estávamos a fazer. Falámos com vários dos miúdos depois e eles sentiram-se muito ligados ao projecto, que o que estavam a fazer era algo significativo e não apenas conversa. Por isso, ainda estamos nesse processo, agora que temos estes resultados científicos e estamos a desenvolver folhas de informação que sejam adaptadas às crianças e que os professores possam utilizar para discutir o assunto na sala de aula"; explicou Fanny Douvere.Mas os mares ainda nos reservam muitas suprpresas. Estas amostras só permitiram identificar entre 10 a 20% das criaturas presentes nestes ecossitemas e algumas sequências de ADN encontradas ainda não foram identificadas, mostrando que ainda temos muito a aprender com os oceanos."Há provavelmente um milhão de espécies nos oceanos, e talvez um quarto seja descrito actualmente pela ciência. Por isso, ainda há muitas incógnitas e nem todas as especies já têm o seu ADN numa biblioteca de referência. É como uma lista telefónica. Nós recolhemos os números, mas com os números, temos de tentar saber a quem pertence esse número. E quanto mais a nossa lista telefónica for actualizada e melhorada, mais seremos capazes de referenciar esse número, ou seja, a sequência de ADN, a uma espécie. E isto levará alguns anos a ser melhorado. Mas tenho a certeza de que, no futuro, isto vai ser rapidamente melhorado. Portanto, dentro de alguns anos, espero que consigamos identificar todas as espécies", exemplificou Ward Appeltans.A ideia agora é expandir este programa a mais sítios protegidos da UNESCO, nomeadamente onde as técnicas cinentíficas possma ser melhoradas e mais cientistas treinados para conseguir levar a cabo estas análises. Nesta primeira fase, todas as amostras foram enviadas para um laboratório central na Bélgica, mas no futuro, a UNESCO quer que as análises sejam realizadas onde as colheitas são levadas a cabo, melhorando as capacidade de todos os países de cuidarem da sua biodiversidade."Qualquer material genético que seja enviado para o estrangeiro está sujeito a um protocolo internacional. Assim, há uma série de países, por exemplo, que não aderiram a esta iniciativa porque não era possível enviar o seu material genético para um laboratório central. Nós trabalhámos com o laboratório central porque queríamos ter um controlo de qualidade significativo. Queríamos também aprender sobre o assunto. Foi uma fase de teste piloto, mas é extremamente importante desenvolver essa capacidade, especialmente em países que não têm ainda acesso a esta tecnologia. Também existem técnicas que lhes permitem avançar para uma análise de dados potencialmente muito mais rápida do que a que conseguimos fazer actualmente, talvez mesmo no local. Por isso, como organização das Nações Unidas, é extremamente importante que formemos cientistas locais em todo o mundo nos laboratórios da eADN que possam aplicar o mesmo tipo de padrões de qualidade que conseguimos desenvolver nesta iniciativa. Assim, na próxima fase do projecto recolheremos amostras, caso o projecto prossiga, a ideia seria recolher material marinho dos locais Património Mundial em África e analisá-los lá", concluiu Fanny Douvere.Os resultados desta experiência estão disponíveis num site acessível a todos, fazendo com que seja possível através da ciência aberta partilhar o conhecimento adquirido nestes últimos três anos um pouco por todo o Mundo.
Os mais de 170 países presentes na quinta reunião do Comité Intergovernamental de Negociação das Nações Unidas, em Busan, na Coreia do Sul, não conseguiram chegar a acordo para implementar um tratado global de luta contra a poluição de plásticos. O biólogo cabo-verdiano, Tommy Melo, explica o que falhou nestas negociações, sublinhado que mais uma vez o lobbying do petróleo se impõe às questões ambientais. Após uma semana de negociações em Busan, na Coreia do Sul, os mais de 170 países presentes não foram capazes de alcançar qualquer acordo sobre um tratado global contra a poluição plástica. As divergências entre os países que integram a “Coligação de Altas Ambições” e os países produtores de petróleo- Rússia, Arabia Saudita e Irão quanto ao âmbito do tratado -conduziram à suspensão dos trabalhos que deverão retomar no primeiro semestre do próximo ano.Em entrevista à RFI, o biólogo cabo-verdiano, Tommy Melo, explica o que falhou nestas negociações, sublinhado que mais uma vez o lobbying do petróleo se impõe às questões ambientais.“Falhou o que falha sempre. Tivemos mais de 100 países juntos, num esforço de tentar conseguir chegar a um acordo e um mero punhado de países produtores de petróleo, mais uma vez fizeram o seu lobby funcionar”, denunciou.A delegada das ilhas Fiji, Sivendra Michael- à qual se juntou representantes do México, Ruanda e Panamá- acusou “uma pequena minoria” de Estados está a “bloquear o processo”, defendendo que se esses países não se alinharem “para obter um tratado ambicioso (...) então que se vão embora”.Tommy de Melo alerta para o facto deste impasse ter impacto nos países que não produzem plástico, como é o caso de Cabo Verde, mas que recebem “anualmente centenas de toneladas de plástico através das correntes marítimas”.“[Cabo Verde] sofre muito pelo pacto de não haver uma regulação muito mais forte na produção de produtos de plástico”, explica.Na abertura da cimeira foram mostradas imagens de uma ilha de plástico que se formou, nas últimas décadas, no oceano pacífico, um território marinho descontínuo que já tem a dimensão de três vezes o território da França.A ministra francesa da Energia, Olga Givernet, que representou o país nas negociações, afirmou que cada ser humano ingere semanalmente 5 gramas de plástico, ou seja, o equivalente a um cartão de crédito.O biólogo cabo-verdiano reconhece que são imagens “assustadoras, acrescentando que a presença de micro-plásticos é uma realidade e “todos os seres humanos já começam a sentir [os efeitos] na própria saúde”.De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico-OCDE- se nadafor feito, a poluição plástica poderá triplicar em todo o mundo até 2060.
Cientistas portugueses descobriram uma nova molécula que consegue transformar o CO 2 (dióxido de carbono) em CO (monóxido de carbono) usando a luz solar como fonte de energia.Sabendo-se que a alta concentração de CO2 provoca uma série de alterações climáticas, a revolucionária descoberta dos cientistas Marcos Bento, Sara Realista, Paulo Martinho e Nuno Bandeira, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, pode representar um enorme contributo na diminuição da poluição industrial. Com a descoberta, além da redução da pegada ecológica das indústrias, o monóxido de carbono resultante da transformação pode ser usado na produção de combustíveis ou utilizado para a produção de produtos químicos e farmacêuticos.A RFI esteve nos laboratórios da Faculdade de Ciências para perceber o trabalho desenvolvido que conduziu à descoberta e como esta pode ter efeitos sobre descarbonização da indústria e na utilização sustentável de recursos.
A COP29 chegou ao fim em Baku, Azerbaijão, com a aprovação do novo acordo de financiamento climático. 300 mil milhões de dólares por ano até 2035. Francisco Ferreira, presidente da ZERO, sublinha que o financiamento decidido em Baku é “pouco ambicioso e insuficiente, face às reais necessidades dos países menos desenvolvidos”. A COP29 chegou ao fim em Baku, Azerbaijão, com a aprovação do novo acordo de financiamento climático. 300 mil milhões de dólares por ano até 2035. A aprovação do novo documento foi feita de forma controversa na sessão plenária de encerramento da Conferência das Partes. Os países pobres e vulneráveis ficaram profundamente insatisfeitos e denunciam “pouca ambição”. A ONU sublinha que “não é momento para celebrações" e destaca “uma montanha de trabalho pela frente”.Para analisar as decisões saídas desta COP29, a RFI ouviu Francisco Ferreira, presidente da organização não-governamental portuguesa ZERO - Associação Sistema Terrestre Sustentável”, que sublinha que o financiamento decidido em Baku é “pouco ambicioso e insuficiente, face às reais necessidades dos países menos desenvolvidos”. Francisco Ferreira critica ainda a presidência azeri da COP, que aprovou o principal tema em discussão, quebrando a regra de consenso.RFI: Antes de nos debruçarmos nas decisões saídas desta COP, que comentário faz à presidência da conferência?Francisco Ferreira: Houve, claramente, dois aspectos críticos em relação à presidência desta COP 29, no Azerbaijão. A primeira, pelos detalhes de vários aspectos na negociação, foi uma presidência permeável à pressão de vários países que efectivamente não querem uma verdadeira e profunda inversão no uso dos combustíveis fósseis. Notou-se, em várias ocasiões, que realmente não era estrutural o pensamento da presidência em relação, por exemplo, a aspectos como a redução de emissões e a mitigação, até quase que chegamos ao cúmulo de retroceder em relação ao que tinha sido decidido o ano passado.Uma presidência é crucial na construção de consensos, na sua antecipação, na presença de documentos a que se dá tempo e oportunidade das partes se pronunciarem e concertarem os diferentes interesses e em que todas, obviamente, tem que ceder. Isso não aconteceu. Tanto não aconteceu que o acordo sobre o financiamento climático, que era o aspecto principal, acabou por passar [em plenária] pela rapidez com que o presidente da conferência bateu o martelo e deu por concluída ou firmada a decisão, porque senão isso não teria acontecido. Quando nós queremos que regras de consenso e de entendimento nestas convenções sejam a norma e temos uma presidência que agiu, até no momento mais crítico, de forma autoritária e fugidia, eu acho que isso traduz bem uma incapacidade de gestão da negociação na sua fase última e mais crítica. A COP29, que era denominada de “COP do financiamento”, termina com 300 mil milhões de dólares de financiamento público até 2035. Um montante que fica muito aquém daquilo que os países em desenvolvimento, os pequenos Estados queriam. É muito insuficiente, porque nós sabemos que as necessidades que estão em jogo são necessidades de biliões de dólares por ano por parte dos países em desenvolvimento, principalmente daqueles que têm menos meios, que menos contribuíram historicamente para o aquecimento global e que mais sofrem as suas consequências. Termos um financiamento de 300 mil milhões a atingir em 2035, mesmo que progressivamente, se contemplarmos a inflação e as grandes diferenças que poderão existir entre o financiamento acordado e a contribuição efectiva, temos aqui uma incerteza enorme. O mesmo devemos dizer do valor total de 1,3 biliões de dólares por ano, porque 75% é financiamento privado, de instrumentos que são diversificados, mas que não dependem dos países que, efectivamente, subscreveram este acordo na COP29. É aí que está um dos grandes problemas deste financiamento. Ou seja, estes 75% vêm do privado, mas podem não vir porque não estão garantidos à partida. E depois, em que forma é que chegam aos países que precisam desse montante?Exacto, em que forma e em que modelo. Pode ser até, eu diria perigoso e complicado, se for na forma de uma dívida agravada. Qual será realmente o peso da contribuição de economias emergentes como a Arábia Saudita e a China, que agora também são chamadas a apoiar? Há realmente aqui uma incerteza muito grande e, portanto, quando nós temos países desenvolvidos com uma responsabilidade histórica muito importante, deveríamos ter uma resposta muito maior, porque, como sabemos, a incerteza é grande em relação ao financiamento privado, mas também é grande em relação ao próprio financiamento público. Países como os Estados Unidos da América, que em Janeiro poderão vir a deixar o Acordo de Paris, põem também um ónus nos restantes e os restantes são muito poucos - estamos a falar da União Europeia, Austrália, Nova Zelândia, Japão e Canadá.Portanto, a concretização deste valor vai, sem dúvida, ser difícil, num momento em que as economias estão complicadas, há o redireccionamento de verbas, infelizmente, para outros fins, nomeadamente para os conflitos. Mas este é o “conflito” mais dramático e relevante que temos pela frente e que nos custará muitíssimo mais caro se não aplicarmos esses valores que deveriam aqui ter sido definidos de forma bem mais elevada do que foram. Outro avanço que houve nesta nesta COP29 foi a questão dos mercados de carbono. Todavia, no que em Baku ficou definido, a decisão apresenta falhas de transparência. Os mercados de carbono são um elemento essencial, por exemplo, para o sector da aviação. As emissões da aviação são compensadas através de um mercado voluntário de carbono e as companhias aéreas já o estão a fazer. Aprovar um mercado extremamente complexo em termos da sua utilização, com regras que não são suficientemente transparentes e acima de tudo, se não tivermos em conta que os projectos em causa têm que ter uma enorme integridade do ponto de vista da sua retirada de carbono, arriscamo-nos a um enorme descrédito de um mercado que supostamente deveria procurar garantir a neutralidade carbónica de muitas atividades.Em relação à mitigação e à adaptação, houve avanços nesta COP29?Na mitigação diria que houve quase um recuo. Nós deveríamos ter um apelo fortíssimo à redução das emissões, no quadro das contribuições nacionalmente determinadas que todos os países, em Fevereiro de 2025, devem fazer chegar junto da Convenção. O documento que foi aprovado é quase um conjunto de recomendações e de boas práticas e não uma mensagem forte para todos os países. No que diz respeito à adaptação, continuamos a andar muito devagarinho. Ainda estamos a trabalhar nos indicadores que serão finalmente definidos e que são imensos - vão até 100 para monitorizar o esforço de adaptação - e muitos países não têm ainda os seus planos de adaptação, como seria de esperar. Portanto, na adaptação há alguns progressos, mas ainda insuficientes e na mitigação quase um recuo face às necessidades. Durante a COP29 a sociedade civil, com uma actividade bastante limitada em Baku, olhava já para a COP30, a realizar-se em Belém, no Brasil, com olhos de esperança. Efectivamente, podemos esperar que Belém seja a COP das COP's como sublinhou a ministra brasileira do Ambiente? Esperamos, pelo menos, no Brasil, um ambiente diferente para a sociedade civil. Esperamos o concretizar de uma ambição de redução de emissões bem mais forte do que tem sido o caminho. Espera-se que a COP do Brasil seja decisiva em vários aspectos na adaptação, mas acima de tudo, na redução, nos compromissos de redução de emissões.O Brasil, que foi um dos poucos países que já apresentou o seu roteiro para 2035, também tem fragilidades: mostra a intenção de reduzir as suas emissões, mas ao mesmo tempo em aumentar em 36% o uso de combustíveis fósseis. Portanto, diria que há realmente uma esperança grande para a COP30. Mas também há fragilidades que os vários países, incluindo o responsável pela organização - Brasil - têm que ultrapassar para se tornarem mais honestos e consistentes com aquilo que deverá ser o esforço climático que é pedido a todos e onde quem ficar na presidência vai ser olhado como um exemplo ou não daquilo que os outros devem seguir.
A Juventude Ecológica Angolana promove a educação e consciencialização ambiental no país. A participar na COP29 que decorre em Baku, Azerbaijão, António Armando, secretário-geral da JEA, defende que a educação ambiental deveria passar pelos manuais escolares. A organização não-governamental procura nestes encontros ferramentas para desconstruir a linguagem complexa e elaborada dos dossiers para que o clima não seja um “assunto elitista”. A sociedade civil desempenha um papel fundamental nas conferências do clima, seja na sua contribuição dos espaços de negociação, nos eventos paralelos ou até mesmo nas acções de protesto, que acabam por ser amplamente reflectidas nos meios de comunicação social. Muitas vezes, também, são as organizações da sociedade civil que trazem para estes fóruns de discussão as grandes preocupações da sociedade, fazendo a ponte entre estas conferências e a população local. Exemplo disso, é a Juventude Ecológica Angolana que tenta simplificar as terminologias complexas aqui utilizadas. Em declarações à RFI, António Armando explicou que a JEA tem uma grande preocupação com a educação ambiental, que deveria constar do plano curricular das escolas do país. A nossa organização vira-se muito para a questão da educação ambiental. Estamos a simplificar novas terminologias. Nós não sabemos até que ponto a população conhece isso das alterações climáticas. Conhece enquanto efeito, mas enquanto conceito?Normalmente, durante estas semanas acompanham através dos órgãos de comunicação públicos que Angola está na COP, mas depois questionamos: todos os anos estamos na COP e o que é que a COP nos traz enquanto cidadãos, de bom ou de mau? Nós procuramos sempre buscar estas perspectivas para podermos, de uma forma mais simples, educarmos ou informarmos os cidadãos. A ideia é aligeirar os conceitos, de como é que podemos levar daqui para Angola as coisas mais importantes da COP. O activista, que tem participado nos eventos paralelos desta cimeira, sublinha a importância da sociedade civil num evento desta grandeza, porém acrescenta que “são poucos” para “uma COP que demanda participação mais activa e engajamento maior da sociedade civil”. António Armando refere que o país tem vindo a dar passos neste dossier, mas lembra que as alterações climáticas não podem ser um “assunto elitista”. É preciso descer mais baixo, formar pessoas, sobretudo activistas para que possam informar com clareza.Quando chamamos alguém a Angola para falar de alterações climáticas, temos cinco, seis ou sete pessoas interessadas, mas o efeito das alterações climáticas é para todos. Logo, não pode ser uma questão de um grupo reduzido.E aqui, quando estamos a olhar para o país, deveríamos colocar as alterações climáticas no nosso currículo escolar, criamos mais debates radiofónicos, mais debates televisivos para que possamos aumentar o nível de consciencialização da população.”Questionado sobre as perspectivas de acordo sobre financiamento nesta COP29, o secretário-geral da JEA é peremptório:Não teremos.(...) os grandes signatários, os mandatários das grandes potências não estão aqui. Isso também vem mostrar o fraco interesse que se tem.Sinto que muitos dos aspectos que foram aqui levantados vão ser levados para o Brasil e o Brasil vai fazer tudo para que a COP30 dê resultados concretos.”A COP29 decorre até dia 22 de Novembro em Baku, capital do Azerbaijão.
Os ministros dos países membros do Acordo de Paris têm até sexta-feira para definir como financiar um trilião de dólares por ano. O secretário executivo da ONU para o Clima, Simon Stiell, pediu menos “teatro” e mais acção. Nélio Zunguza, economista agrário moçambicano e coordenador executivo da Plataforma Juvenil para Acção Climática YCAC MOZ lamenta que os mais altos representantes das nações tenham escolhido ir ao Brasil, ao G20, em vez de virem à COP29. Os ministros dos países membros do Acordo de Paris têm até sexta-feira para definir como financiar um trilião de dólares por ano. O secretário executivo da ONU para o Clima, Simon Stiell, pediu menos “teatro” e mais acção.Na base da discórdia está o clássico pingue-pongue entre países ricos e o resto do mundo, com o financiamento e os esforços de redução de emissões de gases a serem empurrados de um lado para o outro.Mas se as decisões se querem em Baku, o dinheiro e poder estão concentrados, até esta terça-feira, no Rio de Janeiro, na cimeira do G20, onde o secretário-geral da ONU, António Guterres, pediu “compromissos” para salvar a COP29.A participar na cimeira do clima, no Azerbaijão, está Nélio Zunguza, economista agrário moçambicano e coordenador executivo da Plataforma Juvenil para Acção Climática YCAC MOZ. Em declarações à RFI, lamenta que os mais altos representantes das nações tenham escolhido ir ao Brasil ao G20, em vez de virem à COP29:Nós vimos o número dos tomadores de decisão, ao mais alto nível que se deslocaram a esta COP, foi um número bastante reduzido para as últimas duas COP's que eu pude assistir e isso já é um sinal. Mas, entretanto, começou recentemente o G20 e temos a China, os Estados Unidos, ao mais alto nível de representação.Qual é a mensagem que queremos transmitir?Será que as COP's ainda têm relevância? O que é que se pretende? Se têm, como é que isso se torna efectivo? Numa COP em que o objectivo único é o financiamento, até agora não estamos a ter clareza em termos de estrutura, de como é que esse financiamento estará disponível. E estamos a precisar de recursos para responder aos eventos climáticos extremos.Nélio Zunguza integrou igualmente um painel intitulado “O impacto das políticas climáticas da União Europeia nos países em desenvolvimento: o do CBAM (Mecanismo de ajustamento carbónico fronteiriço) em Moçambique. O encontro teve em foco o CABM e estivemos a conversar com jovens moçambicanos e jovens europeus, sobre quais seriam as implicações reais sob o ponto de vista socioeconómico para a vida dos jovens, mas também olhando para aquilo que é o contrabalanço em termos de ganhos ambientais nesta jornada de transição justa, principalmente para Moçambique. A COP29 decorre até dia 22 de Novembro em Baku, capital do Azerbaijão.
Segundo dia da Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas a decorrer em Baku, no Azerbaijão. Paulo Magalhães, Investigador do Centro de Investigação Interdisciplinar em Justiça da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, a assistir ao encontro, sublinha que mais uma vez “as condições necessárias para um controlo efectivo das alterações climáticas não estão postas em cima da mesa”. Na sessão de abertura, esta terça-feira, 12 de Novembro, o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliev, defendeu o direito dos países a explorarem os seus recursos petrolíferos e de gás. Por seu lado, o secretário-geral da ONU, António Guterres, apelou a novos impostos sobre o transporte marítimo e de aviação para ajudar os países pobres a financiar a transição climática. Na conferência, Paulo Magalhães, Investigador do Centro de Investigação Interdisciplinar em Justiça da Faculdade de Direito da Universidade do Porto e director executivo da Casa Comum da Humanidade, vai defender a limpeza da atmosfera: “Além de haver uma política de controlo de emissões, de redução de emissões e de neutralização das emissões actuais, deve criar-se uma outra linha de acção que é relativamente à realização de remoções positivas, isto é, remoções de CO2 que não geram direito a novas emissões nem servem para neutralizar emissões e com isto criar uma economia de limpeza da atmosfera”. Paulo Magalhães acrescenta que desta COP podemos esperar “Mais do mesmo daquilo a que temos assistido”, uma vez que “as condições estruturais que seriam necessárias para haver uma política efectiva de controlo das alterações climáticas não estão postas em cima da mesa”.Em Baku, a Casa Comum da Humanidade vai levar a cabo dois eventos, no pavilhão de Portugal, “sobre a necessidade absoluta de, para além de haver uma política de controlo de emissões, de redução de emissões e de neutralização das emissões actuais, se criar uma outra vertente, outra linha de acção que é relativamente à realização de remoções positivas, isto é, remoções de CO2 que não geram direito a novas emissões nem servem para neutralizar emissões e com isto criar uma economia de limpeza da atmosfera”. A Casa Comum da Humanidade sublinha que “o Acordo de Paris nunca será suficiente neste formato, porque é apenas uma tentativa de tentar pôr menos lixo na lixeira. O problema aqui é que, como em qualquer edifício, o sistema precisa de manutenção. Tem que haver regras quanto à apropriação do bem comum e regras quanto à provisão de bem comum.” Paulo Magalhães acrescenta que “nenhum país consegue assegurar aos seus cidadãos um futuro minimamente digno apenas dentro do seu próprio território, daí a necessidade de conciliar um bem comum que é intangível e global e que não ameaça a soberania como a única forma de garantir o futuro para as próximas gerações. Os países que mais contribuíram para o problema devem entender que a única forma de continuarem a ter economia é continuarem o próprio projecto do país no futuro, depende do restauro de ecossistemas no seu país e nos outros países que têm os ecossistemas mais determinantes no balanço do funcionamento do sistema climático.”Há três anos, Portugal tornou-se no primeiro país do mundo a enquadrar legalmente o clima, o clima estável como património comum da humanidade. Desde essa altura que tem a obrigação jurídica de promover esse reconhecimento junto das Nações Unidas. Primeiramente, “estamos a trabalhar com os países de língua portuguesa para depois começar a alargar ao resto dos países e introduzir isto na discussão, nos temas internacionais, como uma questão essencial para se poder abordar a questão climática de forma eficaz.”Em relação aos PALOP, a questão já foi abordada já o ano passado. Começou no Lubango, em Angola, foi discutida também na COP28, no Dubai e este ano no Brasil. “Neste momento São Tomé e Príncipe tem a presidência da CPLP e a próxima reunião dos Ministros do Ambiente será em São Tomé e Príncipe e nós queremos participar neste processo o máximo possível. Vamos agora ver se conseguimos entre todos, introduzir esta discussão na COP30”, prevista para Novembro de 2025 em Belém do Pará, no Brasil.
A Assembleia legislativa do arquipélago português dos Açores aprovou a 17 de Outubro a criação daquela que seria a maior área marinha protegida do Atlântico Norte.Numa altura em que a COP16 decorre até 1 de Novembro na cidade colômbiana de Cali, a Conferência das partes da ONU sobre biodiversidade. Na perspectiva da meta de 2030, até essa data os territórios dispersos pelo mundo deveriam avançar com planos de áreas protegidas até 30% da respectiva superfície.Foi neste contexto que o arquipélago português dos Açores acaba de aprovar um dispositivo criando um parque marítimo tido como o maior do Atlântico Norte.Uma área de 300 000 kms2 que deve garantir a preservação de cadeias de montanhas subaquáticas e de ecossistemas marinhos vulneráveis, incluindo corais de águas profundas, fontes hidrotermais e espécies marinhas.Bernardo Brito e Abreu é conselheiro para assuntos marítimos do governo regional dos Açores. Ele começa por apresentar este dispositivo que tem dado nas vistas à escala internacional.O nosso Parlamento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores aprovou o novo Parque Marinho e, portanto, estamos a falar não de uma área marinha, mas de uma rede de áreas marinhas que formam o Parque Marinho e que protege legalmente 30% de Zona Económica Exclusiva nacional em redor do arquipélago. Portanto, estamos a falar de 30% de quase 1 milhão de quilómetros quadrados de mar, o equivalente a uma rede com 287.000 quilómetros quadrados e, portanto, no Atlântico Norte neste momento não existe uma rede tão grande.Devo salientar que o nível de protecção desta rede só terá, pelo menos dentro da Zona Económica Exclusiva. Só terá áreas marinhas de protecção ou não é permitida qualquer actividade extrativa e áreas marinhas protegidas de proteção elevada. Portanto, apenas algumas artes de pesca mais selectivas é que são autorizadas e em toda a rede, as actividades que não são extractivas: marítimo ou turística ou a ciência todas são reguladas.Esta rede também cumpre com os "standards internacionais" da IUCN [União internacional para a conservação da natureza]. Neste momento, os líderes mundiais estão reunidos na Colômbia, em Cali, na COP 16, na Conferência das Nações Unidas para a Biodiversidade, a discutir exactamente como vamos proteger 30% do nosso território terrestre e marítimo.E neste momento, os Açores, cerca de seis anos antes do limite, já o fizeram dentro da sua competência político-administrativa. Eu devo salientar que a designação das áreas marinhas é um primeiro passo de um processo que, normalmente, é mais longo até estas áreas estarem efectivamente geridas.E, portanto, este diploma que os Açores aprovou portanto além do Parque Marinho e das novas áreas marinhas, também define um quadro legal muito concreto, com medidas e prazos bastante específicos para que esta implementação seja feita num espaço de tempo curto.Para não designarmos estas áreas, e que elas apenas existam no papel e, portanto, os próximos passos legais que têm de ser feitos são, nomeadamente, a definição de uma estratégia e de um plano de acção, de estratégia e de gestão. Estas áreas têm que ter todas planos de gestão e planos de ordenamento. E temos mais outra etapa, que é a revisão das áreas marinhas costeiras.Parque Marinho neste momento apenas engloba as áreas marinhas que são longe de terra. Portanto, nós temos uma outra série de áreas marinhas mais pequenas junto à costa, e essas terão de ser revistas e incluídas nesta rede até três anos, a partir da entrada em vigor. Isto vai mexer, portanto, com a Guarda Costeira com biólogos, para que esta execução ocorra com a celeridade a que faz referência ? Todo este processo que foi agora aprovado, decorre de um processo bastante longo, com cerca de cinco anos, em que se começou o programa "Blue Azores", que é uma parceria do Governo Regional que lidera o programa com dois parceiros, a Fundação Oceano Azul e o Instituto Waitt que, no fundo, serviu para acelerar um processo de revisão das áreas marinhas.Os Açores têm um grande histórico de criação de áreas marinhas protegidas, têm um grande histórico de investigação científica na Universidade dos Açores, e no Departamento de Ocenografia e agora a parte de investigação materializa-se no Instituto Okeanos.E, portanto, já há um longo... de mais de quatro décadas de investigação e de criação de áreas marinhas protegidas. E, portanto, este programa, no fundo, veio acelerar este processo para que os Açores tenham conseguido neste momento, dar este passo seis anos antes da data limite.E porquê? Porque os Açores contêm no seu mar uma grande diversidade de ecossistemas vulneráveis, uma grande riqueza de biodiversidade e, portanto, a cada ano que passa o oceano degrada-se. Temos três grandes ameaças: as alterações climáticas, a poluição e a perda de biodiversidade pela exploração intensiva dos recursos. E, portanto, isto globalmente !E, portanto, os Açores não só têm esta noção que temos que agir com urgência devido à questão ambiental, mas também porque vêem no mar um grande activo, porque com cerca de 1 milhão de quilómetros quadrados de área de jurisdição nacional [portuguesa] à volta do arquipélago, consideramos que o mar é um dos nossos maiores activos. E queremos que a nossa abordagem económica e de aproveitamento dos recursos não seja apenas extractiva.E queremos impulsionar e queremos, de certa forma, liderar pelo exemplo a nível internacional, que podemos ter uma abordagem económica ao mar de uma forma sustentável, uma verdadeira economia azul, em que evolui de uma abordagem puramente extractiva para uma abordagem de valorização da natureza. Tivemos este exemplo há algum tempo, quando deixámos nos anos 80 de caçar baleias e hoje em dia temos o sector turístico muito promissor de observação de baleias. No entanto, isso só se obteve aquando da adesão de Portugal à União Europeia. Sabemos que hoje há Museus da Baleia. O Pico São Jorge, nomeadamente, ficaram muito ligados a este último resquício da caça da baleia na Europa. Mas, obviamente, falando da parte extractiva, há muitas comunidades piscatórias nos Açores, não só na ilha de São Miguel, mas também. Tem noção de como é que se poderá antever de alguma forma, o impacto desta área no que diz respeito ao facto de que a pesca será regulamentada ainda mais do que actualmente ? Sim, sim, este processo foi longo, portanto, como lhe disse, o programa já tem cinco anos, mas nos últimos dois anos intensificamos esta parte final e a rede que hoje temos, ela decorre de um processo participativo com os vários utilizadores do mar. Não apenas o sector da pesca, mas todos as entidades que têm ou atividade económica ou competências no mar e, sobretudo na região oceânica, portanto offshore, não as costeiras, porque esta rede que foi agora redefinida são áreas oceânicas.E, portanto, nós fizemos em 18 meses mais de 40 reuniões com cerca de 17 entidades com competências ou interesses no mar. E, além disso, temos um longo período de consulta pública de apresentações e, portanto, o produto final desta rede é bastante participado e teve como base a ciência. Portanto, foi a ciência que nos indicou que zonas que activos é que existiam e onde é que eles estavam.E sim, nós temos uma noção bastante detalhada do impacto de cada área. Até vai ter em cada segmento da frota pesqueira, porque aqui estamos a falar da pesca como um todo, porque temos actividades de pesca muito selectiva em algumas áreas, nomeadamente no atum, na pesca do atum que é feito através da arte salto e vara, que é bastante selectiva e que até será permitida nas áreas marinhas de protecção alta.E depois temos obviamente as artes de pesca menos selectivas e com mais danos colaterais ou com mais pesca acessória, essas sim vão ser mais penalizadas por isso.Temos dois tipos de mecanismos: um imediato, para quando entrarem em vigor este decreto regulamentar, que será um mecanismo de apoio a compensações aos pescadores, mecanismo de apoio à retracção da actividade e que será, portanto, já tivemos o anúncio da Senhora Ministra do Ambiente e Energia, que será o Fundo Ambiental a suportar este mecanismo.E temos, paralelamente, estamos a desenvolver um processo de reestruturação do sector da pesca, que implica também alguma reestruturação na frota e que irá auxiliar a diversificação da actividade de pesca, de artes de pesca mais nocivas por outras menos nocivas. E, eventualmente, a redução de algum esforço de pesca e canalizar alguns dos profissionais da pesca para outras actividades marítimas que possam ser acomodadas e de facto continuarem na economia do mar, mas possam ser de facto canalizados para outras actividades não extractivas. Os Açores são a única parcela do território português que, no caso, avançam nesta meta com esta área marinha protegida do Atlântico Norte ?Posso falar é da nossa parte: o nosso objectivo, e o que é que nos fez seguir este caminho. Porque, de facto, os Açores acreditam que Regiões ultraperiféricas, regiões insulares, por dependerem sobretudo do mar e por, no caso dos Açores, a dimensão marítima portuguesa deve-se muito aos Açores. E achamos que devemos liderar enquanto região pelo exemplo e portanto, mais do que um plano de acção, mais do que um compromisso, Os Açores, neste momento, nesta semana da COP, trazem uma acção concretizada e esperamos que isto possa ser um exemplo a seguir. Estarmos aqui a trilhar um caminho que pode ser copiado, que possa ser seguido por outras regiões a nível nacional [português], a nível europeu e a nível internacional. Portanto, esse é o nosso contributo.
Em Moçambique, a Reserva Especial do Niassa é a maior área protegida do país. Conta com cerca de 42 000 km quadrados e a maior população de elefantes do país (cerca de 4 500), mas também leões e leopardos. A 17 de Outubro celebraram-se os 70 anos da Reserva, as comemorações contaram com a presença do chefe de estado moçambicano Filip Nyusi que protagonizou um dos gestos primordiais para a conservação dos chamados "Big Five", elefantes, búfalas, leões, leopardos e rinocerontes, através da colocação de coleiras nestes animais. Veremos, entre outros, porque é que este gesto, em aparência tão simples, é tão essencial para, nomeadamente, lutar contra a caça ilegal ou minimizar os conflitos entre homens e animais. A colocação dos colares é essencial para a preservação das especies faunísticas. Em entrevista à RFI, Afonso Madope, director da Wildlife Conservation Society Moçambique (WCS), a ONG que gere, com outros actores, a Reserva, lembrou a importância do gesto protagonizado pelo chefe de Estado Filip Nyusi durante a celebração dos 70 anos da Reserva. "Tem sido muito útil" a colocação dos colares, refere Afonso Matope, porque a monitorização dos animais assim tornada possível "ajuda de forma substancial a fazer o controlo de migração do animal ou da espécie, mas também ajuda a prevenir qualquer conflito entre homens e fauna".Quando os animais começam a migrar ou que uma manada se aproxima das aldeias e das áreas de agricultura das populações locais é despachada uma unidade de fiscais, treinados, capacitados, e baseados na Reserva do Niassa, por decisão do governo, que participa na gestão deste espaço.A luta contra a caça furtiva também tem se torna mais eficaz com a colocação destes colares. A aplicação destes colares permite uma melhor fiscalização da caça ilegal. Como explica Afonso Matope, os dados estão agregados numa plataforma universalmente utilizada, que recebe os sinais de migração dos animais e torna-se possível monitorá-lo.Na Reserva do Niassa observa-se um crescimento dos animais, a exemplo dos elefantes, na ordem dos 107%, graças, nomeadamente, à luta contra a caça furtiva. Para tal, a Reserva do Niassa conta com o apoio do exército moçambicano, através da disponibilização pelo governo de uma unidade da intervenção rápida.Por fim, outro factor resultante no aumento da população de elefantes prende-se com uma conjuntura internacional. "O crime de caça furtiva de espécies icónicas como o elefante, o leão, o rinoceronte e o pangolim não é determinado pela abundância ou raridade do animal dentro do território naiconal, mas sim pela demanda do mercado internacional. Então, quando há uma grande procura no mercado internacional, aumenta a caça furtiva e nos últimos tempos tem-se registado uma redução da demanda", analisa o director da WCS Moçambique. Para ouvir ainda a forma como homens e animais partilham o mesmo espaço de vida, na Reserva do Niassa, outros desafios que pesam sobre a protecção da biodiversidade e os mecanismos imaginados pelos gestoers desta área protegida, ouça a entrevista completa aqui:
A moçambicana Denise Nicolau integra a lista de seleccionados da segunda edição do programa RE.GENERATION da Fundação Príncipe Albert II do Mónaco. Ao microfone da RFI, a bióloga afecta à União Internacional para a Conservação da Natureza, falou do seu trabalho na protecção do Oceano Índico e na missão da Grande Muralha Azul. A moçambicana Denise Nicolau integra a lista de seleccionados da segunda edição do programa RE.GENERATION da Fundação Príncipe Alberto II do Mónaco. Treze pessoas de menos de 35, da ciência ao activismo passando pelos media ou empreendedorismo. Juntos na protecção do ambiente e dispostos a construir um futuro sustentável.Ao microfone da RFI, Denise Nicolau, afecta à União Internacional para a Conservação da Natureza, falou do seu trabalho na protecção do Oceano Índico e na missão da Grande Muralha Azul. A bióloga moçambicana afirma ser “um grande orgulho” poder integrar este programa da Fundação Príncipe Albert II do Mónaco. Quando fui seleccionada, foi uma grande surpresa. Eu sabia que estava a concorrer com, pelo menos, mais de 100 potenciais candidatos. Dei um pulo!Representa, de facto, um momento muito importante, é a primeira oportunidade de fazer um mergulho profundo naquilo que é a minha identidade e naquilo que eu acho que são as ferramentas ou a chave para o meu desenvolvimento pessoal e também o desenvolvimento de carreira. Tudo o que faço é representar a voz das mulheres, representar a voz das mulheres africanas num programa da fundação do Príncipe Alberto é, sem dúvida, um grande orgulho para nós.Denise Nicolau trabalha para a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), é responsável da região ocidental do Oceano Índico, como gestora regional para assuntos costeiros e marinhos, com especial destaque para a Great Blue Wall. A Grande Muralha Azul é um plano estratégico, nascido na região do Oceano Índico Ocidental e liderado por África, lançado oficialmente na COP26 (Cimeira das Nações Unidas para as Alterações Climáticas), em Glasgow. Tenho a responsabilidade de estar a conduzir um dos pilares de desenvolvimento da iniciativa, que é a Great Blue Wall ou a Grande Muralha Azul. Também faço parte da comunidade de práticas a nível da IUCN para os assuntos oceânicos, criando um espaço para desenvolvimento de novas iniciativas, explorar a inovação, mas também acções concretas de restauração de ecossistemas costeiros e marinhos. Estou baseado em Moçambique, em Maputo, mas estou a trabalhar com Moçambique, Tanzânia, Quénia, Comores e Madagáscar.A Grande Muralha Azul está a trabalhar com muito mais países nesta região do Oceano Índico.Portanto, estou no pilar de natureza azul, que é sobre soluções baseadas na natureza para adaptação climática.
Deve começar no primeiro trimestre de 2025, um projecto de protecção da Palanca Negra Gigante em Angola. A iniciativa é dirigida ao Parque Nacional da Cangandala e à Reserva Natural Integral do Luando. Vladimir Russo, director da Fundação Kissama, sublinha que o projecto poderá, “ trazer grandes ganhos com o reforço da capacidade de fiscalização e investimento em comunicações e salas de controlo de operações, essenciais para o patrulhamento e conservação da Palanca”. Deve começar no primeiro trimestre de 2025, um projecto de protecção da Palanca Negra Gigante em Angola. A iniciativa é dirigida ao Parque Nacional da Cangandala e à Reserva Natural Integral do Luando, ambos habitats naturais desta espécie angolana.No programa consta a construção de infra-estrutura, nomeadamente postos avançados, formação de novos fiscais e capacitação dos actuais. Avaliado em 3,6 milhões de euros, por um período de quatro anos, o financiamento fica a cargo da Agência Francesa para o Desenvolvimento em parceria com o Instituto Nacional da Biodiversidade e Áreas de Conservação. Sobre o estado actual da Palanca Negra Gigante, a RFI ouviu Vladimir Russo, director da Fundação Kissama, que sublinha que o projecto a concretizar-se poderá, “de facto, trazer grandes ganhos à Palanca e principalmente às áreas onde a Palanca existe, a reserva do Luando e o Parque da Cangandala, uma vez que, de acordo com o que está previsto na proposta, haverá um reforço da capacidade de fiscalização - que é essencial para a protecção da palanca -, haverá um investimento em comunicações e salas de controlo de operações, que são essenciais para parte do patrulhamento e conservação da palanca”. A fiscalização e patrulhamento são as principais armas contra os caçadores furtivos que são a principal ameaça à espécie. A Palanca Negra Gigante é um antílope que só existe em Angola. Tem estatuto de protecção internacional, actualmente possui o estatuto de criticamente ameaçada. Nos anos 1970 estimava-se uma população total de cerca de 2500 palancas. Actualmente, o número total fica-se pelos 10% da população original. A Fundação Kissama deu início ao projecto de conservação da Palanca Negra Gigante há mais de 20 anos, participando em campanhas de captura, tratamento veterinário e remoção de armadilhas. Durante vários anos foi a organização que geriu o Parque da Cangandala, até à transferência para o governo e tem estado na Reserva do Luando desde 2015.
O chefe de Estado de Moçambique, Filipe Nyusi, anunciou a angariação de “mais de 500 milhões de dólares”, durante o diálogo de alto nível sobre a Iniciativa do Miombo, floresta que abrange 11 países da África austral, que decorreu na semana passada, em Nova Iorque, nos Estados Unidos. A directora da organização Justiça Ambienta, Anabela Lemos, alerta para o facto destes fundos se basearem em créditos de carbono e sublinha que a única solução “é parar com o uso dos combustíveis fósseis”. O executivo moçambicano, que lidera o projecto, disse que estes fundos serão aplicados no mapeamento e recuperação das regiões mais afectadas pela desflorestação, bem como a monitorização de projectos capazes de gerar rendimentos alternativos à exploração florestal.A directora da organização Justiça Ambienta, Anabela Lemos, alerta para o facto destes fundos se basearem em créditos de carbono e sublinha que a única solução “é parar com o uso dos combustíveis fósseis”.RFI: O chefe de Estado de Moçambique, Filipe Nyusi, anunciou a angariação de “mais de 500 milhões de dólares. Não é a primeira vez que são anunciados fundos para a protecção da Floresta do Miombo. O que tem estado a ser feito?A directora da organização Justiça Ambienta, Anabela Lemos: Andamos a tentar ver no terreno como é que está a situação, mas tem sido muito difícil termos uma informação.Quais são as dificuldades, vêm de quem?No terreno não vemos o que esperávamos em termos de reflorestamento, pelo menos na questão dos mangais. Quando pedimos informação é muito escassa e tudo o que conseguimos chega-nos através dos órgãos de comunicação ou está na internet.Consideramos que não é com milhões de dólares que se vai resolver este problema [ protecção da Floresta do Miombo]. A principal preocupação da sociedade civil e das organizações, em Moçambique, é o recorrente corte ilegal de árvores e os crimes ambientais, sem que haja um controlo dessas situações.Será muito difícil aplicar este dinheiro se não houver uma estrutura, ou competência para canalizar [este fundos] e fazer o que está certo.As autoridades afirmam que este dinheiro será aplicado no mapeamento e na recuperação das regiões mais afectadas. Se diz que não é possível ver o que está a ser feito terreno, como é que as autoridades vão justificar -diante dos doadores- que vão avançar com estas medidas?Os exemplos que temos até agora mostram que não conseguimos ver aquilo que dizem os responsáveis. Mas, além disso, a nossa maior preocupação é que muitos destes fundos são baseados em créditos de carbono. Ou seja, estamos aqui a dizer que vamos resolver e minimizar os impactos do clima, mas fazemos disso uma solução falsa. Continuamos a poluir e depois vamos pagar para conservar as florestas.Acreditamos que a única solução para as mudanças climáticas é parar com o uso dos combustíveis fósseis. É claro que não se pode parar de um dia para outro, mas temos de começar. Com estas soluções estamos apenas a atrasar todo um processo que está a criar vários problemas, principalmente no sul global.A ideia das autoridades é também desenvolver projectos que sejam capazes de gerar rendimentos alternativos à exploração florestal. São florestas que atravessam vários países Angola, Moçambique, Botswana, Malawi e Congo, República Democrática do Congo, Namíbia, África do Sul, Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue. Como é que se chega a um consenso quando há tantos países envolvidos?Eu acredito que esses países chegarão a um consenso no que refere à distribuição desses fundos. Quanto à aplicação dos mesmos, em Moçambique pode não correr, mas num outro país pode correr. A meu ver, só os Governos podem explicar como é que esses fundos vão ser geridos e distribuídos. Todavia, enquanto se mantiverem estes créditos de carbono, a implementação destes projectos não vai ajudar absolutamente em nada. São discursos falsos, porque temos consciência que verdadeiro problema das mudanças climáticas [ é a utilização dos fósseis] e isto não é nada mais que tapar o sol com a peneira. Temos de começar a cair na realidade, temos de parar com o uso de fósseis. Precisamos sim de proteger nossas florestas, as do Miombo e todas as outras florestas nativas.Quando se sabe que o corte de madeira constitui um rendimento, de que forma é que se combate este flagelo?Não estamos a dizer que não se podem cortar árvores. Temos é de ter um plano de gestão-quando as cortamos- e temos de plantar outras, criando essa mudança. Isto porque existem árvores que levam muitos mais anos que outras para crescer e precisamos de saber que madeira vamos utilizar e de que forma. É preciso ter um controlo do corte legal, das licenças e do número de aprovações que existe. Porém, quando há corrupção, sistemas que ninguém está a monitorizar o que sai do país, isso não funciona.Entre 2008 e 2011 fomos a Cabo Delgado e depois à Zambézia e conseguimos saber qual era o número da madeira exportada para a China, através da informação que o Governo nos deu. Depois fomos à China e, quando lá chegamos lá, os números deles eram muito superiores àqueles que nos tinham dado aqui. Como é que é possível?Como é que se continua a dar dinheiro para salvar uma floresta que depois parece que não é salva?Isso é uma pergunta para os dirigentes e para os homens de negócios. Acredito que ninguém está muito preocupado em saber se a floresta vai ou não ser protegida. Eles querem que o sistema dos créditos de carbono prevaleça para continuarem a emitir. Cada país tem um limite e isso é um jogo, no fundo, que não vai resolver nada. Acredito que num país até consigam resolver, que possam evitar as ilegalidades das florestas.Em Moçambique tem sido muito difícil. Várias acusações, vários relatórios –nos últimos anos- já não sabemos o que vamos fazer. Sinceramente, já nem dizemos nada, porque é uma perda de tempo, porque ninguém faz nada. Está tudo controlado pela máfia, pela ilegalidade e pela corrupção.Acredita que devia sensibilizar-se a população para a importância desta floresta?Sensibilizar as comunidades é importante, mas quem vive na zona rural sabe a importância da floresta. Porém, na zona rural a pobreza é enorme e, muitas vezes, quem está no terreno são chineses que dão uma moto-serra e dizem para cortarem um tronco ou uma árvore pelo preço de 10 dólares. A fome faz muita coisa.O nosso país tem um problema enorme de pobreza e -às vezes a pobreza força a determinados comportamentos, uma vez que não há outro modo de sobrevivência.Enquanto ouvirmos estes grandes problemas, não vamos resolver nada. O nosso o país tem recebido investimentos enormes em combustíveis fósseis [investimentos que contestamos] e enquanto isso, o último relatório sobre o aumento de pobreza em Moçambique subiu de 46% para 65% em 2022.Considera que se devem acabar com os subsídios e apostar em alternativas para o fim das energias fósseis?Essa é a nossa prioridade, associada à conservação das florestas, através de um controle e monitorização legal.
O cancro da próstata é um dos tipos de cancro mais comuns nos homens a nível global. África não é excepção. A doença, quando detectada precocemente, tem elevadas taxas de tratamento. Dois em cada dez homens angolanos têm cancro da próstata. Estudos indicam que os homens de ascendência africana têm um risco significativamente maior de desenvolver cancro da próstata em comparação com outros grupos raciais. A próstata é uma glândula presente no sistema reprodutor masculino e o cancro da próstata acontece quando há um crescimento anormal das células nessa glândula, que pode acabar por se espalhar para outras partes do corpo se não for tratado a tempo.Dois em cada dez homens angolanos têm cancro da próstata. Quem o diz é Heriberto Araújo, médico urologista ligado à Clínica Sagrada Esperança em Luanda.No início, os sintomas e sinais de alerta podem não ser evidentes, é uma doença silenciosa, o que torna o rastreio precoce essencial. À medida que a doença progride, aparecem sintomas como dificuldade em urinar, aumento da frequência e diminuição do fluxo urinário, sangue na urina ou no sémen, dor ou desconforto na região pélvica, sensação de bexiga cheia, disfunção eréctil, entre outros sintomas.Estudos indicam que os homens de ascendência africana têm um risco significativamente maior de desenvolver cancro da próstata em comparação com outros grupos raciais.O especialista angolano aconselha os homens, com mais de 40 anos, a fazerem um rastreio anual. O exame médico de despistagem consiste no toque rectal, que permite, num primeiro período, verificar o tamanho da próstata. Caso neste exame o tamanho da próstata esteja acima do normal, ao paciente ser-lhe-ão pedidos outros exames, como análises de sangue - PSA, Antigénio Prostático Especifico, ou mesmo uma biópsia. O objectivo é detectar a doença o mais cedo possível para se evitarem mortes. “O controlo anual é um rastreio que significa uma consulta de urologia, fazer o PSA, o toque rectal, uma ecografia e quando houver alteração de um desses três parâmetros, aí solicitar uma ressonância. Se a ressonância tiver alguma alteração patológica, é preciso fazer uma biópsia. É a biópsia que vai dar o verdadeiro resultado”, explica Heriberto Araújo.Se o diagnóstico precoce é importante, a ocupar igual relevância neste campo está o estilo de vida. Especialistas defendem que os hábitos alimentares e a ausência de exercício estão na base do aumento do cancro da próstata.Desde Junho deste ano que em Angola é possível o recurso à cirurgia robótica em caso de cancro da próstata. No contexto do cancro da próstata, trata-se da prostatectomia robótica (remoção radical da próstata), um procedimento menos evasivo - que resulta em menos dor, menos cicatrizes e uma recuperação mais rápida - e com menos complicações - reduz o risco de danos aos tecidos circundantes, o que pode diminuir o risco de complicações como incontinência urinária e disfunção eréctil, frequentes em cirurgias tradicionais de próstata.
Combater a insegurança alimentar, reduzir o êxodo rural e mitigar as mudanças climáticas são os grandes objectivos do “Puder di Bentana”, um projecto recentemente criado na Guiné-Bissau por Dembo Mané. “Puder di Bentana” significa o “poder da tilápia” e traduz-se na produção, processamento e comercialização de tilápia, peixe ciclídeo de água doce. Em Dezembro de 2023, através do Programa de Jovens Líderes Africanos, Dembo Mané participou da 28ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, COP 28, que decorreu no Dubai. Esse foi o ponto de viragem para este empreendedor de 31 anos, que já tinha frequentado uma acção de reforço de competências em agro-negócio voltada para a piscicultura, promovida pelo Pnud, no Benim, em 2022.Em entrevista à RFI, Dembo Mané explica que “é um projecto que visa essencialmente combater a insegurança alimentar, o êxodo rural e as mudanças climáticas. Surgiu após a publicação do relatório das Nações Unidas, dizendo que a insegurança alimentar aumentou no continente africano devido a guerra na Ucrânia e os desafios da Covid-19. Lançaram o desafio aos jovens africanos no sentido de apostarem no agro-negócio como uma alternativa às mudanças climáticas e à insegurança alimentar. E logo eu, enquanto jovem, decidi começar a pensar numa alternativa e de poder ajudar a minha comunidade a combater a fome, com base neste projecto que visa criar transformação e comercialização do peixe."A rampa de lançamento acabou por ser a COP 28, que aconteceu no final de 2023 no Dubai, Emirados Árabes Unidos. “Na COP foram abordados alguns assuntos ligados à alimentação, à agricultura e eu acho que é um desafio enorme. Após a minha participação, senti-me ainda mais motivado para poder fazer crescer o projecto, porque na COP tive a oportunidade de conhecer alguns parceiros e alguns jovens. Trocamos experiências e achamos que é importante cada um trabalhar na sua comunidade para poder impactar vidas e provocar mudanças.”Dembo Mané lembra que na sequência das alterações climáticas, aumenta a acidificação dos mares e, por isso, “a piscicultura é uma das alternativas. Fazer o cultivo dos peixes além do mar, para poder abastecer o mercado e combater a insegurança alimentar. Quando estamos a utilizar a piscicultura, não recorremos a nenhum componente químico e é também uma forma de reduzir a sobrepesca, a pressão dos oceanos, para que possamos ter mais comunidade saudável. Do outro lado, a insegurança alimentar, na minha aldeia, a comunidade não tem acesso aos recursos básicos para a sobrevivência e a minha comunidade não tem peixe de qualidade. Os peixes que lá consomem não são saudáveis. Eu acho que a produção de tilápia na comunidade poderá impactar e oferecer à comunidade peixes saudáveis, 100% bio que vão combater a insegurança alimentar. Porquê? Porque o peixe que nós estamos a cultivar, a tilápia, é uma das maiores fontes de proteína animal. Tem ómega três que reduz problemas cardiovasculares, é uma fonte de proteína. Consumir este produto poderá melhorar a qualidade de vida da população, porque é um produto 100% bio, muito saudável, muito acessível e de acordo com a possibilidade da própria comunidade.”A tilápia é comercializada fresca ou desidratada, em forma de farinha e passa por um processo laboratorial de controlo de qualidade.O jovem guineense prepara-se agora para levar o projecto a Nova Iorque, Estados Unidos, onde vai participar na Cimeira do Futuro, “vou participar como delegado jovem da Guiné-Bissau e da África para impulsionar a agenda em prol da juventude. Como é que a comunidade ou a juventude pode ser envolvida e como é que nós podemos influenciar agendas em prol da nossa comunidade? Porque o futuro depende da juventude, nós somos o presente e a continuidade. A minha participação é importante para poder dar mais força à minha geração, à minha juventude e ao meu país em geral."A Cimeira do Futuro, um evento organizado pelas Nações Unidas, decorre de 22 a 23 de Setembro de 2024, em Nova Iorque, e reúne os líderes mundiais com o objectivo de desenhar um novo consenso internacional sobre como proporcionar um presente melhor e salvaguardar o futuro. O encontro de alto nível é precedido de múltiplas reuniões, entre elas, da juventude.
Foi atribuído ao investigador português Rafael Galupa um financiamento por parte do Conselho de Investigação Europeu no valor de 1,9 milhões de euros. O montante vai permitir a este investigador português estudar mecanismos envolvidos na evolução e regulação dos nossos genes, em particular do cromossoma X. Foi atribuído ao investigador português Rafael Galupa um financiamento por parte do Conselho de Investigação Europeu (European Research Council), no valor de 1,9 milhões de euros. O montante vai permitir a este investigador português - que lidera uma equipa de investigação no Centro de Biologia Integrativa (CBI), em Toulouse, França, - estudar mecanismos envolvidos na evolução e regulação dos nossos genes, em particular do cromossoma X. Ao microfone da RFI, Rafael Galupa diz ter ficado “surpreso” com o financiamento que significa “um óptimo reconhecimento da nossa investigação e do nosso laboratório que está a começar e, por isso, fiquei super contente com este financiamento que nos vai permitir desenvolver um projecto nos próximos cinco anos, em que podemos estar focados só a fazer este projecto e não temos que nos preocupar com pedir outros financiamentos”. O financiamento do Conselho de Investigação Europeu vai servir para o recrutamento, para os próximos cinco anos, de duas pessoas em doutoramento e uma terceira em pós-doutoramento. Trata-se de um financiamento exclusivo “portanto, durante este período não teremos outro tipo de financiamentos, mas que nos deixa confortável para podermos fazer todo o tipo de experiências associadas ao projecto.”Além disso, o “valor também vai ser aplicado para cobrir todas as despesas, os reagentes e os equipamentos necessários para o projecto. Está também envolvida a compra de um equipamento que nos permite separar células individualmente, células únicas, mediante as suas características. Este equipamento também é relativamente caro e, portanto, todo este bolo vai-nos permitir isso, para além de despesas com participação em congressos internacionais e com a publicação dos nossos resultados em revistas científicas”. O investigador português explica, ainda, que este projecto “foca-se num dos nossos cromossomas, o cromossoma X. Os indivíduos femininos têm dois cromossomas X e os masculinos, tipicamente, um cromossoma X e um cromossoma Y. E há um processo, muito curioso, que acontece nos mamíferos durante o desenvolvimento embrionário, que tem a ver com o facto de haver esta diferença de número de cromossomas X entre um sexo e o outro. E acontece que nos indivíduos com dois cromossomas X, há um deles que está inactivo. Portanto, em algumas doenças sabemos que esta inactivação do X fica desregulada, mas não sabemos quais são os genes que estão por trás disso. É uma pergunta complexa de se investigar e porque não tínhamos, até há pouco tempo, as técnicas necessárias para identificar esses genes. Mas neste momento temos, e foi isso que eu propus ao Conselho Europeu de Investigação, desenvolver um projecto para identificar estes genes utilizando técnicas de ponta na genética e na biologia molecular e utilizando o ratinho como modelo.” Rafael Galupa é investigador e lidera uma equipa de investigação no Centro de Biologia Integrativa de Toulouse. Além disso, tem uma posição de investigador permanente através do CNRS, o Centro Nacional de Pesquisa Científica francês. Em paralelo com a actividade profissional científica exerce uma actividade voluntária também ligada à ciência, na direcção da Cartas com Ciência e da Native Scientists, duas associações de cariz social que actuam junto de crianças e jovens de comunidades menorizadas e sub-representadas no meio científico.
Na semana passada, a ONU divulgou um relatório pouco auspicioso sobre a qualidade da água a nível mundial. De acordo com este documento, "a metade mais pobre do mundo contribui com menos de 3% dos dados mundiais sobre a qualidade da água". Ou seja, quase 4 mil milhões de pessoas repartidas nomeadamente pela Ásia e a África têm falta de dados sobre a água que consomem. Para termos uma noção, sobre as cerca de 250.000 análises feitas em fontes de água doce a nível mundial, apenas 4.500 fornecem informações sobre a qualidade da água das regiões mais desfavorecidas.Neste sentido, a ONU refere que a falta de dados e os "fracos níveis de vigilância" podem ter uma incidência sobre o cumprimento dos objectivos de desenvolvimento sustentável até 2030. Até lá, segundo o relatório, "mais de metade da Humanidade vai viver em países que não dispõem de dados suficientes para tomar decisões esclarecidas quanto à luta contra a seca, as inundações, os impactos dos caudais de águas usadas e da actividade agrícola".Efectivamente, as Nações Unidas apontam as mudanças climáticas, as actividades industriais, mineiras e agrícolas, como alguns dos factores para a degradação da qualidade de água, que se estabelece em 50% a nível mundial. Daí que os autores do documento recomendem que se desenvolvam programas de vigilância no sentido de estancar a falta de informações em determinadas regiões do mundo.Foi neste contexto que a RFI evocou o caso de Moçambique. No passado mês de Agosto, o Presidente Nyusi constatou melhorias neste aspecto, referindo que neste momento cerca de 60% da população moçambicana tem acesso à água potável.O activista ambiental moçambicano Rui Silva também dá conta de progressos, referindo que determinadas zonas, como Maputo, beneficiam de uma vigilância constante da qualidade da sua água, sendo que noutras zonas do país, isto já não é tão sistemático."No caso particular de Moçambique, obviamente que existem problemas em determinadas zonas. Em Maputo, especificamente, as águas da região de Maputo têm um controlo muito apertado, pelo que não tem havido problemas em termos da qualidade da água. Nesse aspecto têm feito um bom trabalho e o controlo é feito diariamente, várias vezes ao dia. Agora, a qualidade de água neste momento, não só em termos de Moçambique, mas em termos de África, passa muito, primeiro, pelas más condições com que as pessoas têm estado. Se formos pensar nos meios mais recônditos, em qualquer país da África, uma boa parte das pessoas tem os seus furos de água. O que é que acontece, não só com as questões das mudanças climáticas, mas também com o desmatamento das florestas, as queimadas, tudo isso está intervir na qualidade da própria água", começa por esclarecer o especialista.Questionado sobre os diversos desafios enfrentados por Moçambique no que tange à qualidade da sua água, Rui Silva cita o impacto da actividade mineira e também a falta de latrinas apropriadas."Tem sido muito discutido neste momento aqui em Moçambique, a questão da zona de Tete, mais precisamente em Moatize, onde a exploração de minas de carvão a céu aberto, em que de facto a água é completamente impossível de ser consumida, completamente impossível não só água como até o ar que as pessoas vão respirando. Isto, na minha modesta opinião, tem a ver muito com a falta de alguma fiscalização por parte das entidades centrais. Porque esta mina, por exemplo, quando esteve na posse de outra empresa (a brasileira Vale), os efeitos não eram tão graves como estão a ser neste momento (a mina passou a ser explorada pela empresa de capitais indianos Vulcan em 2022). A questão de haver água contaminada por causa das fezes, etc, passa também pela falta de condições que as pessoas têm, nomeadamente nos meios mais pequenos, em que têm as suas próprias latrinas que vão directamente para os solos e que nomeadamente em termos de urina, depois com as chuvas, etc, vão se infiltrando nos solos e podem eventualmente criar problemas, se calham em apanhar linhas de água que depois são enviadas para as habitações", refere o militante ecologista.Relativamente à actividade agrícola que é um dos factores apontados pela ONU para a degradação da qualidade da água, no caso de serem usados produtos como pesticidas e fertilizantes, ou ainda no caso de se efectuarem queimadas, Rui Silva refere que tem havido um esforço de sensibilização para estas problemáticas."Sei que em vários pontos do país tem havido essa consciencialização no sentido de se fazer a compostagem, para evitar também a utilização de fertilizantes químicos, que também pode vir a afectar a água. Por outro lado, as próprias queimadas e o desmatamento feito pelos agricultores que, por uma questão de quererem mais espaço, etc, sem a plena consciência que estão também a criar outros problemas ambientais, isso tem sido um pouco uma realidade, embora tenho consciência que muita coisa está a ser feita no sentido não só de tentarem consciencializar os moçambicanos, os agricultores, mas também tem sido uma aposta, o plantio de árvores nestas zonas. Claro que ainda há muito por fazer, principalmente em termos de consciencialização por parte das populações que muitas vezes, ou na esmagadora maioria das vezes, não têm consciência daquilo que estão a fazer", diz o estudioso.Ao referir que são entidades privadas ou público-privadas que asseguram o controlo da qualidade da água, sob a supervisão do Estado, o activista considera que "há empresas que, cada vez mais, estão empenhadas em termos de responsabilidade social, em termos da qualidade de vida das comunidades, etc. Cada vez há mais. Mas tudo depende sempre de empresa para empresa. Obviamente que há empresas que pensam mais na parte financeira do que na parte ambiental. Aliás, isso é o maior problema do mundo em termos globais. E é principalmente os países mais industrializados em que não conseguem fazer esse equilíbrio entre a parte financeira e a parte ambiental."Por outro lado, embora constate esforços e melhorias no controlo da qualidade da água, Rui Silva não deixa de apontar os desafios que subsistem e que se prendem muito com a falta de capacidade financeira."Moçambique, sendo um país em desenvolvimento, obviamente que tem as suas limitações financeiras e o próprio Estado não consegue chegar a todas as necessidades. E obviamente que pode muita gente começar a pensar 'lá estão em África a estender a mão', mas não tem nada a ver com isso. Passa um pouco por haver também um certo apoio por parte de países mais industrializados, também mais desenvolvidos, até porque Moçambique, como se sabe, é dos países até que menos polui, mas dos mais vulneráveis às mudanças climáticas. E na última COP, já ficou acordado de haver determinadas verbas para ajudarem estes países que estão em desenvolvimento. Dentro das capacidades financeiras que Moçambique tem, que são muito baixas, muito tem sido feito. Na questão do acesso à água potável, muito tem sido concretizado. Claro que não se consegue tudo ao mesmo tempo, como é óbvio. A água de facto é uma prioridade para as populações, mas há outros aspectos que acabam por não ajudar, que é a falta de capacidade financeira por parte do país. Não é a falta de sensibilidade do Estado, mas é mesmo falta de capacidade financeira para poder atingir a totalidade das pessoas a terem acesso a água potável", diz o activista ambiental para quem o país tem poucas hipóteses de responder aos imperativos de sustentabilidade estabelecidos no horizonte 2030."Tudo vai depender de como os apoios que foram também 'prometidos', possam aparecer ou não aparecer. Nós sabemos que, por exemplo, nesta última conferência foi decidido já com a assinatura de todos os países ou praticamente da esmagadora maioria dos países. O apoio aos países em desenvolvimento, no entanto, já é uma questão que tem vindo a ser falada já em várias conferências e só nesta última é que as coisas parecem estar a começar a avançar. Portanto, não vai depender apenas exclusivamente de Moçambique, obviamente. Sinceramente, a mim, pessoalmente, se eu acredito que se vai atingir até 2030, muito sinceramente não acredito", conclui Rui Silva.
A Organização Mundial da Saúde declarou o surto de Mpox como uma emergência global, com casos confirmados em vários países de diferentes continentes e com uma nova variante em circulação. E esta nova variante preocupa os especialistas. Tudo indica que é mais perigosa e mais contagiosa. Walter Firmino, oficial de emergência dos escritórios da OMS em Angola, sublinha a mensagem de tranquilidade divulgada pela organização. RFI: A nova variante descoberta na República Democrática do Congo pode alterar os planos que estavam previstos até agora para conter a doença?Walter Firmino: Sim, vai exigir que o país intensifique as actividades de vigilância epidemiológica, tanto nas áreas sanitárias como nas comunidades. Vai também intensificar a comunicação e o envolvimento com as comunidades para sensibilizar a população sobre os sintomas e formas de transmissão. Portanto, exige mais esforço no nosso sistema de saúde.Como é que funciona a coordenação entre a OMS e os diferentes governos ? Como é feita essa ligação e comunicação? Quando foi declarada a emergência de importância internacional, a OMS activou o sistema de gestão de incidência que obriga os países a trocar informações. E também criou um dashboard, onde as pessoas ou os países podem ter acesso em tempo real a informações sobre a notificação de casos. É um sistema que ainda podemos melhorar. Muitos países não notificam em tempo real, mas existe um mecanismo de coordenação e de troca de informações no âmbito do Regulamento Sanitário Internacional.Neste momento, África continua a ser o principal foco de preocupação.Sim, é o principal foco. O Mpox já é endémico em África. Temos países como a República Democrática do Congo e outros na região. Mas a mutação, que é mais infecciosa e com transmissão fácil, passou as fronteiras do Congo e afectou outros países vizinhos. Alguns países que nunca notificaram casos estão agora a notificar, como o Burundi e a África do Sul. E há países que já tiveram casos há muito tempo e voltaram a notificar, como a Costa do Marfim.Em relação à Europa, neste momento, a OMS envia mensagens de tranquilidade.Porque é uma doença que não se transmite facilmente de forma rápida como uma infecção respiratória. É uma doença que se transmite por contacto. Pode ser por pessoas afectadas, que têm feridas e lesões na pele. Há uma nova forma de transmissão que é a via sexual. Mas mesmo assim, é uma doença que não provoca um número elevado de casos por dia, como outras doenças respiratórias. Quem tiver sintomas ou suspeita de Mpox deve detectar de forma precoce e fazer o rastreio dos contactos para controlar a progressão da doença a nível das comunidades.Em relação ao contágio, têm surgido informações diferentes. No princípio, surgiu a informação de que o Mpox pode ser transmitido por secreções como gotículas de saliva ou respiratórias. As últimas informações falam de contacto físico próximo, incluindo o contacto sexual. É possível ter certezas em relação à forma de contágio?O contágio cientificamente comprovado é por contacto com um doente com secreções que saem da ferida ou das lesões da pele e por via sexual. Também através do consumo da carne de macacos. Por via aérea ainda não está comprovado.As pessoas têm acesso à informação sobre a doença? Como é que a comunidade está a reagir a esta nova variante?No caso de Angola, onde estou neste momento, está a reagir normalmente e com tranquilidade. Criámos um plano de contingência para envolver as comunidades, dar informações correctas, explicar sintomas e também dizer o que podem ou devem fazer quando suspeitam que alguém tem sintomas.Estudos apontam que a nova vacina contra a varíola humana é cerca de 85% eficaz na prevenção da doença. Como é que vai ser feita a gestão das vacinas? Quais são os grupos prioritários?O Mpox está a ser transmitido com sintomas mais graves nas pessoas imunocomprometidas e nas crianças. Há poucas vacinas, estão a ser produzidas neste momento. Ser forem introduzidas em Angola, a população alvo será os profissionais de saúde e depois as pessoas imunocomprometidas porque desenvolvem a doença mais grave que pode levar à morte. O que dizemos agora à população é para não esperarem pela vacina e para terem comportamentos saudáveis para evitar o contágio. Na Europa, a vacina que pessoas com mais de 40 anos levaram quando eram crianças protege contra a doença?A literatura ainda não diz nada sobre essa possibilidade. Há vacinas que deixam a memória ao longo tempo e há outras que a memória com o tempo vai passando. As informações científicas vão surgindo e essa questão vai ser esclarecida. A posição da OMS é manter a tranquilidade das populações e reforçar o sistema de vigilância, reforçar a comunicação nas comunidades, evitar o estigma e cuidar da doença psicológica ou doença mental.A Angola faz fronteira com a República Democrática do Congo, o país considerado o epicentro do Mpox e onde foi detectada a variante mais perigosa. Por essa razão, o Governo de Luanda reforçou o sistema de vigilância.Angola reforçou o sistema de vigilância, elaborou um plano de contingência nacional e enviou esse plano às províncias da zona da fronteira com a RDC, que são cinco. As províncias replicaram esse plano de contingência e já se fez a formação dos técnicos da linha da frente da zona sanitária ao longo da fronteira. Há também actividades de envolvimento das comunidades nas províncias de Lunda Norte, Moxico, Lunda Sul, Malanje, Zaire e Uíge. São essas províncias que fazem fronteira com o Congo Democrático. Mas o país não ficou por aqui. Fez uma formação a nível nacional da equipa de resposta rápida que, por sua vez, vai fazer a formação a nível das províncias e municípios para termos uma equipa de destaque de resposta rápida, caso haja um caso para dar uma resposta atempada e evitar a expansão da doença.Esta é a segunda vez em dois anos que o Mpox é considerado uma ameaça global. O que aprendemos em 2022? Estamos melhor preparados para enfrentar a doença?A OMS deu as recomendações das boas práticas dos países afectados. Como sabem, estávamos a enfrentar a Covid19 e, por isso, houve actividades sobrepostas. Mas a abordagem é a mesma, as orientações são as mesmas e os países estão preparados para lidar com o Mpox. Porque não é uma doença emergente, não é uma doença nova e as medidas de transmissão e de prevenção são conhecidas.
Na semana passada, no dia 13 de Agosto, um grupo de habitantes de vários bairros da cidade de Moatize, na província de Tete, no norte de Moçambique, dirigiu uma carta às autoridades locais e à empresa de mineração Vulcan, estabelecendo o prazo de 30 dias para que sejam tomadas medidas contra a poluição provocada pela exploração do carvão por esta entidade na região. Os autores da carta que referem reservar-se "o direito de tomar todas as medidas legais de protesto e de tutela efectiva dos seus direitos individuais e colectivos" se nada for feito, queixam-se de estar mergulhados em poeiras de carvão, por causa das actividades da Vulcan que, segundo ONGs no terreno, trabalha cada vez mais perto das comunidades locais.A problemática do impacto ambiental da exploração do carvão em Moatize não é de hoje. A brasileira Vale explorou a mina durante uma dezena de anos até cedê-la por cerca de 253 milhões de Euros à mineradora de capitais indianos Vulcan em finais de 2021. Durante a época em que a Vale explorou a mina, houve nomeadamente denúncias de poluição da água com impacto na saúde da população mas também nas actividades económicas locais.Contudo, segundo Pinho Pires, membro da Rede Africana Juvenil em Moatize, a situação tem vindo a piorar desde que a mina está a ser explorada pela Vulcan. Ao descrever o cenário actualmente vigente na região, o activista social que tem dado apoio às comunidades afectadas pela poluição, mostra-se céptico quanto à resposta da Vulcan e das autoridades locais."O principal problema é a poluição mesmo do ar. Há muitas poeiras que acabam afectando as comunidades. A mineradora está mais próxima das comunidades. Então toda a operação que se faz dentro da mina, todas as poeiras dela se estendem para as comunidades", refere o activista ao explicar que neste contexto, "não se consegue deixar a roupa fora, não se consegue consegue deixar a água fora, deixar a farinha branca fora, assim como os outros utensílios domésticos" e que as partículas entram inclusivamente nas casas, mesmo fechadas. "A comunidade é obrigada a fazer sempre limpeza em circunstâncias em que o distrito não tem água" e "outro problema são as detonações que criam problemas, por exemplo, de habitação, rachas, infiltração, às vezes desabamento mesmo", descreve ainda Pinho Pires.Para além do impacto ambiental, o activista também detalha os problemas provocados pela actividade de mineração na saúde da população de Moatize. "Não há pesquisas muito maiores pelas quais possamos ter evidências em relação à saúde, mas pelos vistos temos muitos problemas ligados à respiração, constipação, problemas de gripe. E as pessoas que sofrem já de asma acabam sendo mais vulneráveis", refere o membro da Rede Africana Juvenil ao explicar que "as comunidades locais não têm condições de sair de um lugar para outro".Questionado sobre o período que antecedeu a chegada da Vulcan na região há dois anos, Pinho Pires considera que "agora está pior", o activista referindo que enquanto a Vale esteve a explorar a mina, "já se estava a minimizar a situação, já se estavam a usar novas tecnologias para reduzir os impactos".Ao explicar que a população tem tentado fazer chegar as suas reclamações à Vulcan através das autoridades moçambicanas, Pinho Pires diz que a população local acha que elas "não têm uma decisão forte sobre isso" e que "não há nenhuma actuação, nenhumas sanções, não acontece nada."Perante esta situação, a RFI tentou contactar a Vulcan que até ao momento não deu resposta às suas solicitações. Na sua página internet, a empresa que sublinha ter sido em 2023,"pelo segundo ano consecutivo, o Maior Exportador de Grandes Projectos", comunica também sobre a sua responsabilidade social e ambiental. Destaca as actividades que tem desenvolvido a favor da agricultura local, a segurança alimentar, o abastecimento de água, a reciclagem de materiais descartados pelas suas estruturas, o seu programa de gestão do ruído e vibrações, ou ainda o apoio às franjas mais vulneráveis da população da zona de Moatize.Ao ser questionado sobre a situação vigente no terreno, Eugénio Muchanga, administrador de Moatize, diz que efectivamente existem acções efectuadas pela Vulcan, mas que não são suficientes. O responsável local que reconhece a existência de poluição, confirma ter recebido a carta dos moradores descontentes e garante estar a envidar esforços para resolver o problema."O que posso dizer é que realmente a carta chegou às nossas mãos. É uma preocupação real que nós já vínhamos tratando com a Inspecção Geral das Minas que faz a vistoria dos níveis da poluição de ar. Esse trabalho está sendo feito nesse momento. Recebemos a carta e as entidades competentes estão trabalhando nisso. Mas é verdade que há poluição", começa por admitir o responsável local para quem é preciso insistir sobre "a questão do controlo das emissões de gases resultantes da mineração".Inquirido sobre a qualidade da água que tem sido um dos problemas apontados pelos residentes nestes últimos anos, o representante das autoridades moçambicanas informa que tem havido algumas acções desenvolvidas mas que ainda não é o suficiente. "Neste momento temos um projecto que está a finalizar o abastecimento de água para a cidade de Moatize e para a cidade de Tete. A probabilidade de abastecimento ficar completo está para os finais de Setembro, segundo os dados que nós temos", indica o responsável político.Por fim, ao sublinhar que a cidade de Moatize "não seria o que é, mesmo em termos económicos, sem o valor do imposto que (a Vulcan) paga ao Estado e retorna para a cidade", Eugénio Muchanga considera que a partir dos "conhecimentos que tem sobre mineração, sempre haverá problemas ambientais e de poluição".
A sustentabilidade esteve no centro das preocupações da organização dos Jogos Olímpicos 2024 em Paris, mas nem assim ficou livre de críticas. Um dos pontos emblemáticos de investimento neste evento foi a despoluição do rio Sena, com um dos autarcas de Paris a defender que os mergulhos neste curso de água são mesmo possíveis. A candidatura de Paris como cidade organizadora dos Jogos Olímpicos tinha uma grande componente de sustentabilidade e luta contra as alterações climáticas. Nesse sentido, Paris quis banir durante a competição o uso do plástico de utilização única, como explicou Antoine Guillou, vereador da câmara de Paris responsável pela redução de lixo e reciclagem em declarações à RFI."A nossa ambição era limitar o mais possível o plástico de utilização única, porque isso tem um impacto ambiental muito maior em termos de resíduos. Mas o que também é digno de nota é que os edifícios da Aldeia Olímpica, por exemplo, onde se conseguiu reduzir a pegada de carbono para metade em comparação com os padrões normais de construção. Por isso, estamos realmente a dar o exemplo em termos de construção, sendo a reutilização de materiais extremamente importante. Portanto, de facto, é a prova de que podemos construir de forma diferente hoje em dia. E isso é interessante, penso eu, para todo o mundo", declarou.Uma parte do orçamento atribuído a Paris para os Jogos Olímpicos serviu para levar a cabo projectos há muito ambicionados como a requalificação adiada de alguns bairros mais degradados, mas sobretudo a limpeza do rio Sena, até agora orçada em 1,4 mil milhões de euros."Muitos projectos foram significativamente acelerados pelos Jogos Olímpicos. Entre eles, a requalificação de certos bairros, como Porte de la Chapelle, que era um dos bairros mais desfavorecidos de Paris e que foi completamente transformado, inclusive em termos de vegetação, por exemplo. Isto foi claramente acelerado pelos Jogos Olímpicos. Podemos também falar do Sena, um rio que está poluído há décadas em Paris e na região da Ile-de-France porque lhe virámos gradualmente as costas. Era sobretudo um local de actividades de logística e de actividades industriais. Mas pensamos nele agora mais como um ambiente natural e, graças aos Jogos Olímpicos, conseguimos reunir todos à volta da mesa e fazer os investimentos necessários para que o rio ficasse suficientemente limpo para que as pessoas pudessem nadar nele. E vamos continuar a fazê-lo nos próximos anos. Este é um exemplo claro. Graças aos Jogos Olímpicos, ganhámos dez anos em termos de limpeza do Sena", indicou.Os Jogos Olímpicos vieram acelerar também a crise do alojamento em Paris, onde é cada vez mais difícil encontrar casas disponíveis para alugar que não seja por curtos períodos como em plataformas como o AirBnb, empresa que patrocinava mesmo os Jogos Olímpicos. O alojamento de qualidade, unido às mudanças climáticas estão no topo das prioridades de Barbara Gomes, conselheira de Paris, como referiu em entrevista à RFI."O nosso objectivo é que Paris seja uma cidade diversa com todas as classes sociais, portanto as casas que foram construídas para os Jogos Olímpicos são em prioridade para as pessoas com rendimentos modestos, mas também classe média como enfermeiros ou professores, e também para os estudante porque temos muitos estudantes e eles precisam de rendas mais baixas", concluiu esta conselheira de Paris.
O segredo para ganhar medalhas nos Jogos Olímpicos? O investimento dos países no desporto, quer seja para afirmação internacional, quer seja para resolver problemas internos. A resposta é do investigador e docente universitário Pedro Forte que estuda os impactos do treino desportivo e o desempenho dos atletas em provas desportivas. Nos Jogos Olímpicos há a festa do público, a alegria da prática do desporto e depois, claro, as medalhas. A França, por exemplo, nestes Jogos Olímpicos em casa já bateu o recorde do número de medalhas acumulando até agora 44 medalhas entre ouro, prata e bronze.Nos lugares cimeiros do pódio das medalhes estão ainda China, Estados Unidos da América ou Austrália. Para obter estes resultados, Pedro Forte, professor coordenador do Instituto Superior de Ciências Educativas do Douro, disse em entrevista à RFI que o mais importante é dar as condições necessárias aos atletas de alto nível não só para treinar, mas também para conseguirem um bom equilíbrio entre a vida pessoal e a prática desportiva."É preciso investimento. Quando nós vemos países extremamente desenvolvidos a liderar os pódios olímpicos, isto só pode dizer que existe uma boa captação de investimento para o desporto. Mas o desporto é um fenómeno mais do que de rendimento ou de afirmação pela competência física ou desportiva, é um fenómeno social. Nós temos assistido aos pódios olímpicos a serem essencialmente nações que têm uma intenção de afirmação de identidade ou, neste caso, de afirmação da sua posição mundial. E quando nós vemos países como China, como Estados Unidos, como a Austrália, são países que procuram uma afirmação mundial através do desporto", explicou Pedro Forte.Em Paris, vários episódios menos agradáveis têm sido relatados pelos atletas como a falta de conforto na Aldeia Olímpica, a má qualidade da comida servida aos atletas e ainda os polémicos mergulhos no rio Sena, recém-despoluído, que têm levado ao adiamento das provas. Tudo factores que afectam o desempenho dos atletas, como atesta Pedro Forte."Quando nós olhamos para os desempenhos dos atletas e percebemos que uma milésimo de segundo pode ser o suficiente para definir uma medalha de ouro ou uma medalha de prata ou uma medalha de bronze, todos os aspectos vão contribuir para não só o rendimento desportivo do atleta em si, mas também para o seu bem-estar. Se um atleta tem uma determinada rotina de descanso e esta rotina é de certo modo afectada, a sua prontidão para a prova ou para a competição também será algo afectada. Aliás, nós tivemos um exemplo nestes Jogos Olímpicos do adiamento de uma prova de águas abertas e que tem implicações enormíssimas na preparação dos atletas", indicou Pedro Forte.Pedro Forte é um dos investigadores mais prolíferos ao Mundo em termos de treino desportivo e já acompanhou atletas como Mário Trindade, atleta de atletismo paralímpico. Para este investigador, é importante ver o atleta como um ser humano em todas as suas dimensões, tal como acontece actualmente como Simone Biles, atleta norte-americana, que depois dos Jogos de Tóquio falou sobre a sua saúde mental e voltou a vencer agora em Paris."A comunicação social tem tido um papel muito importante naquilo que é a divulgação do ser humano nos atletas. A sociedade está muito habituada a olhar para os atletas como uma ferramenta para atingir uma posição social ou uma afirmação nacional. Mas na verdade, nós estamos a lidar com pessoas e essas pessoas também acabam por ter todas as actividades de vida diária a gestão familiar, a gestão emocional e eles tendem a estar sujeitos à pressão e não é fácil de gerir as expectativas dos treinadores, deles próprios, da família e dos amigos. Quando se abdica de tempo com com estas pessoas todas em prol de um resultado ou em prol da performance, às vezes lidam com desilusões ou lidam se com aspectos menos positivos que acabam por ter impacto a longo prazo na vida da pessoa", concluiu o investigador.
Cerca de 800 pessoas da localidade de Chã das Caldeiras, na ilha do Fogo, já têm acesso a electricidade através de uma mini-rede alimentada por energia solar fotovoltaica. "O projecto foi conduzido pelo Centro para as Energias Renováveis e Eficiência Energética da CEDEAO e visa levar energia eléctrica à comunidade de Chã das Caldeiras", como nos explicou Carlos Monteiro, director do Serviço de Energia do Ministério da Energia de Cabo Verde. A localidade de Chã das Caldeiras, em Cabo Verde, passou a contar com uma central solar fotovoltaica para electrificação desta comunidade do município de Santa Catarina na ilha do Fogo. Cerca de 800 pessoas da localidade de Chã das Caldeiras já têm acesso a electricidade através de uma mini-rede alimentada por energia solar fotovoltaica.Este foi um projecto conduzido pelo Centro para as Energias Renováveis e Eficiência Energética da CEDEAO. Com financiamento do Governo de Cabo Verde, da agência norte-americana USAID e do Fundo Especial de Intervenção da CEDEAO (ESIF).RFI: Em que consiste este projecto?Carlos Monteiro: O projecto consiste na construção de uma central fotovoltaica, financiada pela USAID, o CEREEC e o Estado de Cabo Verde e que visa levar energia elétrica à comunidade de Chã das Caldeiras.Este projecto marca uma fase importante no desenvolvimento da Ilha do Fogo?Sim, o projecto vem dar uma contribuição ao aumento da taxa de acesso da electricidade a nível do país e particularmente a nível de Chã das Caldeiras. É um processo que, não obstante a primeira fase que foi inaugurada, já está sendo trabalhada desde há uns tempos para cá. Há ainda que estender as conexões a mais pontos de consumo. O objectivo é atingir a totalidade dos pontos de consumo existentes dentro de Chã das Caldeiras e que, naturalmente, queiram ser conectadas a essa rede, a moradias e os pontos de consumo. A intenção é ver todos conectados de alguma forma, seja por tipos individuais ou por esta central para ter acesso à electricidade.O Centro de Energias Renováveis vai distribuir electricidade à comunidade de Chã das Caldeiras, uma população de cerca de 800 pessoas, na cratera do vulcão do Pico do Fogo, na Ilha do Fogo, Chã das Caldeiras pode vir a ser auto-suficiente em produção e distribuição de energia?Sim esse é o objectivo. É por isso que está sendo trabalhada a questão da expansão, porque a capacidade actual é insuficiente para ligar todos os pontos de consumo requeridos porque a energia que seria disponibilizada teria muita limitação em termos de quantidade. É por isso que se está a expandir tanto em termos de capacidade de produção como a capacidade de armazenamento. Naturalmente, a expansão vai contemplar um outro aspecto que é os sistemas isolados e fotovoltaicos para efectivamente proceder com a conexão a todos os pontos de consumo.O que é que está a ser feito para que essa expansão aconteça?Esse é um processo contínuo. Há um trabalho que é invisível aos olhos do público que é a questão do dimensionamento do sistema. A questão da mobilização dos fundos, a questão também da gestão. A parte visível são as obras, não é? Mas isso é um processo continuado. Foi inaugurada a primeira fase e, brevemente, vamos prosseguir com o lançamento de concurso para instalação de 16 kits fotovoltaicos. Estamos a trabalhar no caderno de encargos para o lançamento do concurso da expansão. Há um segundo aspecto que é a expansão da central, com todas as infra-estruturas associadas, designadamente o campo solar, baterias.A CEDEAO tem vindo a apostar em projectos de energia limpa para levar energias sustentáveis às comunidades mais vulneráveis na África Ocidental, como é o caso da Nigéria, da Gâmbia, do Togo. Este apoio por parte da CEDEAO é imprescindível para este projecto em curso em Cabo Verde?É claro, acho que todos reconhecemos o papel que o Centro de Energia Renováveis e Eficiência Energética para a CEDEAO tem feito na nossa sub-região e é um trabalho muito meritório a nível do nosso país e concretamente neste projecto.Cabo Verde tem vindo a apostar nas energias limpas e o país tem definido a estratégia nacional para atingir a neutralidade carbónica em 2050. Imagino que este seja uma boa notícia. E o que é que isso significa?Sim, claro. Por exemplo, em termos de taxa de electrificação, já superamos os 95% e a taxa de acesso também anda por aí. Em termos da expansão de redes, em termos de comunidades por electrificar, quase já atingimos a totalidade, através da expansão da rede. Há comunidades que vão ter que ser electrificadas com recurso à distribuição, a geração distribuída, sistemas fora de rede. Todas estas iniciativas que visam fornecer e promover o acesso à energia a estas comunidades representam passos significativos no cumprimento dos objectivos do Desenvolvimento Sustentável e também da neutralidade carbónica porque a instalação de sistemas de produção de energias renováveis, que visam também aproveitar o potencial do país. Tudo isso faz com que haja uma redução na importação dos combustíveis fósseis e, naturalmente, da questão económica também, em que a poupança. Todas as iniciativas que vão nesta direcção de reduzir a nossa pegada carbónica, a descarbonização da economia do país são iniciativas que devem ser aplaudidas e incentivadas.
A Comissão Europeia prepara-se para o verão mais atípico na União Europeia com fenómenos meteorológicos extremos. "Nos últimos treze meses, a temperatura média do globo tem sido sempre superior aos valores médios. Tudo indica que as alterações climáticas estão em curso e os cenários associados a uma situação de alteração climática sugerem o aumento da frequência dos fenómenos extremos", explica a meteorologista do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, Ângela Lourenço. RFI: Como é que se explicam estes cenários de alterações climáticas que sugerem condições meteorológicas cada vez mais extremas?Ângela Lourenço: O que tem vindo a acontecer, principalmente neste último ano, é que a temperatura média da Terra tem vindo a aumentar e têm sido ultrapassados recordes todos os meses, o que indicia já um cenário em que a alteração do clima pode realmente estar em curso, com a informação de que nos últimos treze meses a temperatura média do globo tem sido sempre superior aos valores médios. São valores que estão a ser ultrapassados, principalmente a temperatura máxima, mas também na temperatura mínima. Face a esta situação, tudo indica que de facto, as alterações climáticas estão em curso e os cenários associados a uma situação de alteração climática sugerem o aumento da frequência dos fenómenos extremos. Quando digo fenómenos extremos, estou a incluir as secas mais prolongadas, tempo quente com episódios de onda de calor mais frequentes nos períodos de verão, mas também estou a falar de ocorrência de precipitação forte. Por exemplo nas situações de verão podem ocorrer, em simultâneo, haver regiões do mundo ou regiões, em particular da Europa, que estão a passar por uma situação de onda de calor, mas outros países, ao mesmo tempo, terem situações de precipitação forte. Estamos a falar de situações extremas; pode ser frio, frio extremo também, isto no Inverno. Este fenómeno extremo é um cenário previsto nas alterações climáticas incluem tanto o calor ou a temperatura elevada, mas também as temperaturas muito baixas que podem ocorrer e precipitação forte, nevões, ciclones tropicais. Tudo isso são de facto condições que neste momento estão em cenário. Nalguns países já se começa a perceber que é uma situação que já está a ocorrer e portanto, nestas condições, é normal não só a Comissão Europeia, como também os Estados-Membros e outros países do mundo começarem a adoptar e a preparar se, a adoptar medidas de mitigação e preparação para essas situações.Como é que explica estas condições extremas num espaço geográfico tão próximo?Isso tem a ver com as situações meteorológicas e os padrões meteorológicos que ocorrem numa determinada situação. É óbvio que, se o tiver condições iniciais que potenciam um fenómeno extremo e, como eu disse, o fenómeno extremo, podemos incluir uma situação de tempo quente, mas simultaneamente uma situação de chuva forte. Se as condições iniciais potenciam fenómenos extremos é óbvio que, onde está previsto que ocorra precipitação, ocorra chuva, essa chuva pode ser muito forte. Onde está previsto que ocorra tempo quente, essas temperaturas poderão ser muito elevadas. Nós temos num espaço vasto, por exemplo, a Europa; podemos ter situações mais a norte, por exemplo, de passagem de superfícies frontais frias e na região mais a sul da Europa temos o anticiclone ou regiões estabilidade que sugerem situações de tempo mais quente. Ora, se as situações iniciais no Sul sugerem tempo quente, no Norte sugerem uma chuva, a passagem de uma superfície frontal fria, o que pode acontecer é, em simultâneo, nos termos a zona mais a norte da Europa, com chuva mais intensa e a zona mais a sul com as temperaturas mais elevadas. O fenómeno meteorológico no fundo, inicialmente teria previsto, fica potenciado para ser mais gravoso.Não esquecer também que estes padrões de que fala, os padrões meteorológicos variam de ano para ano?Exacto. Estes padrões meteorológicos todos nós já passámos por qualquer estação do ano e reconhecemos e identificamos este inverno este ano é mais ameno ou este inverno, este ano mais frio ou este verão é mais húmido ou o verão é mais quente e seco. Todos os anos vamos tendo variações nos padrões meteorológicos que dão origem a um estado do tempo que vai realmente variando de ano para ano. O que acontece é que muitas vezes temos situações que, não sendo necessariamente extremas são situações que fazem parte da variabilidade climática, ou seja, nem todos os anos são iguais. O que nos ajuda a perceber é que a definição de clima vai englobar todas estas estações do ano; verão ou inverno, primavera, etc. Vai englobar e vai se fazer uma estatística, obtendo uma média. Normalmente em meteorologia estas medidas são de 30 anos, o que significa que depois à medida que vai avançando na estação do ano, vamos comparando com a média. E, claro, ela será sempre um bocadinho mais quente que o normal ou um bocadinho mais frio que o normal ou muito próximo do normal. Mas de facto, todos os anos temos estações do ano que são ligeiramente diferentes. O que pode acontecer no futuro. É de facto haver aqui padrões meteorológicos que se podem tornar mais frequentes ou fazer com que, quando nós juntarmos vários anos em conjunto para obter uma nova média, vamos obter um padrão climático diferente.Há um aspecto também que tem que ver com a nossa memória ser mais curta?É verdade porque o ser humano tem limitações de memória e é normal. Muitas vezes já não nos lembramos de quando tínhamos cinco anos ou quando tínhamos dez anos. Como é que tinha sido o outono desse ano, a não ser que tenhamos vivido um episódio particular, mas normalmente vamos esquecendo. O que acontece é que é preciso perceber quão anómalo um determinado ano ou uma determinada estação do ano, seja verão, inverno, primavera, etc. Quão enorme é o afastamento e, portanto, quão diferente ele é da média, porque, de facto, perdemos essa memória e essa memória já não acompanha isso tudo e só nos lembramos, se calhar, dos anos mais recentes e portanto, temos dificuldade em perceber se de facto, há 20 anos atrás ou há 25 anos atrás, se houve um verão semelhante ou não houve um verão semelhante.Estamos a poucos dias do início dos Jogos Olímpicos de Paris. Os organizadores estão preocupados com a segurança dos atletas e do público devido às temperaturas que podem atingir níveis muito altos. Quais é que são as medidas de precaução que podem tomar?Em relação aos atletas e óbvio que são atletas muito especiais, são atletas de alta competição e, portanto, têm medidas muito específicas. E para cada modalidade, com certeza que existirão medidas de protecção que ainda assim são diferentes. E eu creio que as medidas de protecção são na realidade genéricas para todos os cidadãos. Todas aquelas medidas que preservam a hidratação: hidratar se as pessoas beberem bastante água e estarem à sombra nas horas mais críticas do dia. Não só preservando essa hidratação, mas também a preservar a questão das cautelas das queimaduras solares. Isto são situações que se aplicam a toda a gente, inclusivamente para os atletas, embora, como eu disse, atletas de alta competição depois têm aspectos muito particulares e cada um a ter as suas medidas mais específicas. De facto a hidratação e procurar locais de sombra ou zonas mais frescas, que pode ser inclusivamente no interior de edifícios, como seja, por exemplo, os centros comerciais. Estes são os aspectos mais significativos: procurar a sombra no período do dia mais quente e procurar estar sempre hidratado.
O surto da varíola do macaco matou pelo menos 975 pessoas na República Democrática do Congo, de acordo com o Centro de Controlo e Prevenção dos Estados-Unidos. Na vizinha Angola, não se registou até ao momento nenhum caso, segundo as autoridades que reactiviram contudo, como forma de prevenção, o Plano Nacional de Contingência. Para já, não há indícios que deixem a Organização Mundial da Saúde pensar que a varíola do macaco pode constituir um problema de saúde global, como aconteceu com o Ebola ou com a Covid-19, mas existe o risco de alastramento regional da varíola do macaco. Responsável pela morte de quase mil pessoas, incluindo várias crianças, na RDC, o vírus pode propagar-se a outros países, alertou a OMS a 26 de Junho. De acordo com especialistas, esta doença é mortal em 5% dos casos em adultos, 10% quando se trata de crianças.Neste sentido, as autoridades angolanas reactivaram o plano de prevenção para dar resposta a eventuais casos da doença.Em entrevista à RFI, Eusébio Manuel, epidemiologista da Direcção Geral da Saúde em Angola, explica que a vigilância foi reforçada nos pontos de entrada do país, porque o "reforço do sistema de vigilância é fundamental".O Plano de Contingência compreende também a formação de pessoal médico e a distribuição de instrumentos em vários pontos fronteiriços, portos, aeroportos e fronteiras terrestres. Reconhecendo que "os recursos humanos nunca são suficientes", como em todos os países que observam um aumento da população, Eusébio Manuel explica que, ainda assim, todos os esforços estão a ser realizados para "detetar um caso em tempo oportuno ou então evitar a própria reintrodução da varíola dos macacos no país".
O que é que faz com que milhões de pessoas fiquem a chorar de decepção ou de alegria com um jogo de futebol e vivam as emoções mais extremas? O que é que explica o amor incondicional por um clube ou por uma selecção? O futebol é mesmo uma paixão e uma forma de amor tribal, provaram neurocientistas da Universidade de Coimbra, nomeadamente Miguel Castelo-Branco que nos explicou o que se passa no nosso cérebro quando vemos um jogo. RFI: O que se passa no nosso cérebro para ficarmos tão irracionais quando vemos um jogo?Miguel Castelo-Branco, Neurocientista da Universidade de Coimbra: "Isso é uma questão muito interessante que nós estudámos em claques, a claque do Futebol Clube do Porto e a claque da Académica. Realmente, o futebol traz algo de muito tribal no ser humano. Foi o que nós vimos. Nós basicamente estudámos várias regiões do cérebro, como é que elas são activadas em várias situações: situações de jogo do clube amado - passo a expressão porque estamos mesmo a falar de amor - ou noutras situações, mas a mais relevante para o que me está a perguntar é esta. Nós vimos que o cérebro activa como se estivesse a viver momentos de paixão, mais até do que o amor romântico. Nesse estudo nós podemos realmente demonstrar que áreas do cérebro que têm a ver com a emoção, nomeadamente uma região que se chama a amígdala, activa de uma forma desproporcionada se nós compararmos com outras situações associadas ao amor ou à ligação afectiva."Como é que o futebol é uma forma de amor tribal ou romântico? "Nós, como seres humanos, evoluímos durante milhões de anos e temos uma necessidade intrínseca de pertencer a uma tribo. E o futebol oferece isso: uma tribo com a qual nós nos identificamos, com a qual nos ligamos, criando um sentimento de pertença. Nós vimos isso muito nos adeptos, nas escalas psicológicas que usámos. Eles têm dimensões de pertença, de identidade, de afecto, que nós associamos até mais à paixão irracional do que do ao amor reflectido, por assim dizer. Foi isso exactamente que nós vimos nas regiões de recompensa do cérebro, nas regiões que têm a ver com a emoção e nas regiões que têm a ver com este conflito entre a razão e a emoção. Portanto, vimos um padrão cerebral que estava relacionado com estas variáveis psicológicas que nós chamamos de pertença, de ligação.Assim como nós falamos no amor mãe e filho, em que há um ‘attachment', uma ligação emocional, no futebol nós vemos uma ligação emocional à tribo que também é muito importante para nós. Costuma-se dizer que podemos mudar de partido político, mas não mudamos de clube. As pessoas transferem muito essa necessidade de pertencer a uma tribo para o futebol."O que explica esse amor incondicional ao nosso clube de futebol ou à nossa selecção? É esta paixão quase irracional?"Ela tem elementos de irracionalidade porque isso é típico da paixão. A paixão e o amor não criticam. Nós aceitamos e descontamos tudo aquilo que é negativo. E nós chamamos-lhe paixão porque a paixão rapidamente se pode inverter num processo de raiva quando ficamos desapontados. Nós vemos esses elementos sobretudo em adeptos que pertencem a claques em que este fenómeno é mais evidente."O que é que acontece no nosso cérebro quando a nossa equipa marca um golo? "Nos adeptos do Porto, nós vimos precisamente isso quando mostrámos um golo de Kelvin. Nós vimos que as áreas que activam com o amor romântico activam também nestes adeptos, mas activam mais e há regiões como esta das emoções, da amígdala, que activam muito mais do que no amor romântico. Portanto, nós conseguimos ver isso porque esses momentos são inesquecíveis para um adepto e não se apagam da memória, são sempre revividos da mesma forma intensa."E os momentos negativos? Ou seja, quando sofremos um golo, quando há uma derrota, aí já esquecemos? "As pessoas são muito menos sensíveis à exposição a essas memórias. Também foi uma surpresa para nós. Ou seja, o cérebro destes adeptos é muito mais receptivo para memórias positivas do que para memórias negativas, inclusivamente ao ponto que se costuma dizer que ver o rival sofrer dá recompensa, mas nós nem vimos muito esse padrão. Vimos muito mais o padrão de receptividade emocional a memórias positivas de eventos muito significativos da vida do adepto."No entanto, quando se perde um jogo e em momentos de Mundiais ou de Europeus, parece que o mundo desaba para os adeptos. Se calhar a longo termo vamos esquecer, mas na altura até há pessoas que ficam com palpitações…"Sim, isso é verdade, mas apaga rapidamente. Ou seja, a pessoa pode andar um dia ou dois assim - estamos a falar de pessoas típicas - mas depois há um mecanismo de esquecimento. E repare, há clubes de futebol em Portugal que estiveram anos e anos sem ganhar títulos e os adeptos continuavam lá porque os adeptos procuram-se, o nosso cérebro procura os momentos positivos. Podemos ficar mal dispostos durante um ou dois dias, mas temos um mecanismo de esquecimento relativamente eficaz para esse tipo de episódios negativos."Compara, no fundo, a paixão pelo futebol, e as emoções que aí vivemos, ao que é vivido no amor romântico. Num e noutro caso, pode haver excessos, fanatismo, violência, obsessão…"Sim, esse é o problema porque quando nós falamos em emoção temos sempre esta dicotomia entre emoção e razão. Assim como pertencer a uma tribo pode levar a excessos porque significa sempre a rejeição de outra coisa, a questão do ‘fair play' é algo que é muito importante e que tem que ser cultivada porque nós ao nos identificamos com uma tribo, implicitamente estamos a rejeitar alguma outra coisa. Há sempre os dois lados da moeda e no amor é a mesma coisa. Depois é esta questão da pertença: um adepto com um maior grau de fanatismo sente que pertence ao clube e fará tudo pelo clube. No amor acontece a mesma coisa e isso pode levar a excessos porque é emocional. A emoção é algo que, na sua essência, também tem que ter algum mecanismo de controlo e, portanto, a emoção também cega. Nestes fenómenos do amor, seja romântico, seja tribal - no caso do futebol - nós temos sempre este perigo de a emoção nos cegar e isso vê-se em muitos âmbitos."E é possível ver futebol sem ficarmos “cegos”?"Eu acho que é difícil porque nós vemos sempre como um óculo enviesado. As pessoas normalmente quando são adeptos de um clube, vêem mais facilmente um penálti a favor do seu clube do que contra. Nós perdemos a neutralidade, o amor não é neutral, a paixão não é neutral e a paixão futebolística não é neutral. Faz parte. Por isso é que nós precisamos de mecanismos de controlo que existem no cérebro para regular estes processos emocionais."O que é que faz com que tantos milhões de pessoas até tenham superstições e adoptem ou evitem certos comportamentos durante ou antes do jogo? "O futebol é uma religião e a religião tem ritos. Nós, seres humanos, associamos e aprendemos a associar eventos a determinados acontecimentos como se eles fossem de prever. Os ritos, que são quase religiosos, é uma forma de afastar o mal, por assim dizer, e daí aparecerem esses hábitos que parecem muito estranhos, supersticiosos, porque o futebol tem esta dimensão de uma tribo, de uma religião. Claro que não há fundamento para esses ritos terem alguma utilidade, mas isso é algo que, de alguma forma, afaga a ansiedade que estes momentos também provocam."Um dos jogos de quartos-de-final é entre Portugal e França. Há muitos binacionais - francoportugueses ou lusofranceses. Como é que eles decidem por quem torcer? Já que estamos a falar de amor e paixões no futebol, aqui vence o poliamor?"Isso é uma excelente questão. É possível realmente a pessoa estar dividida neste amor, é mais raro, diria eu, no fim, as pessoas têm sempre uma preferência, têm sempre uma identificação, uma identidade, mas nós temos adeptos que torcem de forma intensa por dois países. No fim, há sempre uma identidade pessoal. Eu diria que, no fim, há sempre uma preferência."
Decorreu em Angola, no Centro de Ciência e Tecnologia do Lubango, um seminário sobre o Sistema de Informação Geográfica. Um dos organizadores do seminário foi Evanilson Pires, engenheiro ambiental e Coordenador do curso de Licenciatura em Engenharia do Ambiente do Instituto Superior Politécnico de Tundavala. Decorreu em Angola, no Centro de Ciência e Tecnologia do Lubango, um seminário sobre o Sistema de Informação Geográfica. Um encontro que serviu, entre outros, para estudar formas de mitigar a seca em Angola e na Namíbia. Um dos organizadores do seminário foi Evanilson Pires, engenheiro ambiental e Coordenador do curso de Licenciatura em Engenharia do Ambiente do Instituto Superior Politécnico de Tundavala.Em entrevista à RFI, Evanilson Pires, explica que o Instituto Superior Politécnico de Tundavala tem em mãos uma rede de estações meteorológicas para estudar os padrões climáticos e está a implementar uma rede de monitorização de poluentes atmosféricos e sempre neste nexo clima, poluição, actividades económicas e biodiversidade.O engenheiro ambiental referiu que a iniciativa faz parte do projecto de retenção e armazenamento de água “WIRE” do Centro de Serviços Científicos da África Austral para as Alterações Climáticas e Gestão Sustentável dos Solos (SASSCAL).
No continente africano, mais de 24 milhões de pessoas na região austral do bloco enfrentam fome, desnutrição e escassez de água, devido à seca e à desertificação.René Machoco, activista da Justiça Ambiental , sublinha que “cerca de 50% da área moçambicana corre o risco de desertificação". O ano de 2023 foi o ano mais quente desde o período pré-industrial (1850-1900), com a temperatura em África a aumentar 1,45°C da média. Os dados são da Organização Mundial de Meteorologia .No continente africano, mais de 24 milhões de pessoas na região austral do bloco enfrentam fome, desnutrição e escassez de água, devido à seca e à desertificação.René Machoco, activista da organização não-governamental Justiça Ambiental moçambicana, sublinha que “cerca de 50% da área moçambicana corre o risco de desertificação, afectando essencialmente a província de Maputo, Gaza, Inhambane, Sofala, um pouco de Tete e Manica.”O activista da justiça Ambiental aponta como principais causas da desertificação a “insuficiência de água superficial ou baixa precipitação, déficit pluviométrico, queimadas descontroladas além das plantações de monoculturas com recurso a fertilizantes, usados de forma intensiva.”Machoco relembra que “o país se localiza numa região que é muito afectada pelos eventos climáticos extremos”, todavia “podemos criar medidas de adaptação e de mitigação a essas mudanças climáticas. Temos que encontrar medidas que evitem ou que minimizem a emissão de carbono, que é um dos principais elementos para o efeito de estufa (...) medidas que não pressionem a biodiversidade, opções de desenvolvimento que garantam a sustentabilidade das nossas florestas, evitando as plantações de monoculturas, fazendo diversificação de espécies com sucessão de culturas, apostando em medidas para o controlo de queimadas descontroladas”, entre outras.
Assinalou-se esta segunda-feira o Dia Mundial de Combate à Desertificação e à Seca. As Nações Unidas apelaram mais uma vez a métodos de prevenção da desertificação e recuperação de terras, alertam que a destruição avança ao ritmo de cerca de quatro campos de futebol por segundo e acrescentam que 40% da área terrestre está degradada. Em Angola, as províncias mais afectadas pelo processo de desertificação e pela seca estão localizadas no sul do país. Assinalou-se esta segunda-feira o Dia Mundial de Combate à Desertificação e à Seca. As Nações Unidas apelaram mais uma vez a métodos de prevenção da desertificação e recuperação de terras, alertam que a destruição avança ao ritmo de cerca de quatro campos de futebol por segundo e acrescentam que 40% da área terrestre está degradada. Este ano, o Dia Mundial de Combate à Desertificação e à Seca é assinalado sob o tema "Unidos pela Terra. Nosso legado, nosso futuro”.Segundo a ONU, segurança, saúde, fome e pobreza estão intrinsecamente ligadas à prosperidade da Terra. Terras prósperas sustentam vidas, meios de subsistência e ecossistemas. De acordo com os dados da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação, o continente africano é o mais afectado pela problemática. Em Angola, as províncias mais afectadas pelo processo de desertificação e pela seca estão localizadas no sul do país.Belmiro Pascoal, biólogo e consultor ambiental, sublinha que em Angola “os períodos de seca aumentaram desde 2019 e já se registaram os piores cenários dos últimos 40 anos, onde o índice pluviométrico esteve a 65% abaixo do normal, o que levou mais de 1.3 milhões de pessoas a se deslocarem para outros países. Nós chamamos aqui de refugiados do clima. Isso em torno principalmente de três províncias: Cunene, Huíla e Namibe. Estima-se uma perda financeira em cerca de 168 mil milhões de kwanzas.”Questionado sobre os factores que contribuem para a desertificação, o biólogo angolano sublinha a “característica desértica” da região, “a questão da intermitência dos rios. Existem zonas onde a população obstruiu o caudal e a água já não chega mais a preencher o leito normal do rio”. Esses factores associados à crise climática, fruto da acção humana, que o mundo atravessa, acabam por acelerar o processo de desertificação do sul de Angola. Para responder e mitigar a problemática Belmiro Pascoal fala da necessidade de “mais quadros nacionais voltados para o desenvolvimento de projectos climáticos” no sul de Angola, “a questão do ordenamento do território, de forma a melhor distribuir da nossa população a nível do território”, sem esquecer a “melhoria das condições sociais da população”.O consultor ambiental ressalva de igual modo a importância da realização de “estudos geológicos, estudos climáticos, no sentido de poder minimizar os impactos geoclimáticos que já estamos a sofrer naquela zona,” além de “levar em consideração os trabalhos que as organizações de defesa do ambiente têm feito, no sentido de alertar e promover a educação ambiental”.
Os mangais são “berçários da vida marinha, fontes de subsistência das comunidades e ecossistemas de carbono azul”, por isso, é urgente mais educação ambiental para os proteger. Quem o diz é Danilson Lunguenda, Director de Gestão de Projectos da Otchiva, a iniciativa que tem protegido e restaurado mangais em Angola nos últimos seis anos. No Dia Mundial dos Oceanos, a 8 de Junho, 500 pessoas juntaram-se, incluindo 300 crianças, e plantaram 23.000 sementes de mangais. RFI: No Dia Mundial dos Oceanos, houve uma participação recorde de pessoas para uma campanha de reflorestação. Quantas pessoas participaram e como foi?Danilson Lunguenda, Director de Gestão de Projectos da Otchiva: Em alusão ao Dia Mundial dos Oceanos, assinalado a 8 de Junho, participaram mais de 500 pessoas, incluindo 300 crianças. Nós temos uma série de actividades, como a observação das aves migratórias, neste caso, de flamingos porque aqui é conhecido como o santuário das aves migratórias na comunidade do Tapo. Além disso, realizámos uma campanha de plantação de mangais com mais de 23.000 sementes de mangais plantadas, envolvendo as crianças, as comunidades, os pais e todos os voluntários que naquele dia participaram na causa.Qual é que é a importância dos mangais para os oceanos? Os mangais são conhecidos como berçários de maternidade da vida marinha. Cerca de 80% a 90% das espécies de interesse comercial, especialmente nas zonas tropicais, reproduzem-se nos mangais ou passam um estado de vida nos mangais. Não há como falar dos oceanos sem falar dos mangais porque então interligados. Reflorestando os mangais, estaremos também a proteger os nossos oceanos.Há quem diga que os mangais são “ecossistemas de carbono azul” e essenciais para o combate às mudanças climáticas. Porquê?Exactamente. Hoje em dia, o mundo está a acordar para os impactos das alterações climáticas e uma das maneiras de absorver esse carbono é através de ecossistemas naturais, como florestas e oceanos. No caso terrestre, as florestas, estamos a falar do” carbono verde”, que já é muito conhecido. Hoje em dia também se está a falar do “carbono azul” que é o carbono sequestrado por ecossistemas marinhos e costeiros. No caso dos mangais, são ecossistemas costeiros e são conhecidos por absorver 10 vezes mais dióxido de carbono quando comparados com outras florestas, o que torna estes ecossistemas importantes no combate às alterações climáticas.Há ainda outros benefícios ecológicos e económicos. Quer falar-nos deles?Os mangais também são considerados habitats para várias espécies. Lá tem muitas espécies de aves migratórias, tem crustáceos, tem os peixes, tem também mamíferos. Além disso, os mangais protegem a orla costeira contra erosões e inundações, protegendo dessa maneira as comunidades que vivem no seu entorno. Quanto a benefícios económicos, como eu disse, os mangais são habitats para várias espécies, como caranguejos e moluscos e essa biodiversidade marinha garante a sustentabilidade económica das comunidades locais.Também dão suporte e protecção às espécies em risco de extinção, como manatins, tartarugas, algumas aves…Exactamente. Por exemplo, durante uma das nossas campanhas de monitorização ambiental, havia uma ave que estava presa numa rede de pesca e nós quando soltámos essa ave, numa das anilhas estava escrito Londres. Era um garajau, que é uma ave ameaçada, e é sinal que nos nossos mangais aqui da nossa costa também repousam aves migratórias, além de outros mamíferos, como os manatins que vão para os mangais para se alimentarem, e alguns usam como refúgio.No entanto, os mangais, nomeadamente em Angola, sofrem várias ameaças e riscos. Quais são eles?Exactamente. Apesar da importância dos mangais como berçário da vida marinha, como fonte de renda e subsistência das comunidades e como ecossistema do carbono azul, os mangais têm enfrentado várias ameaças. Em Angola, há o corte da vegetação do mangal. Muitas comunidades cortam os mangais para construir casas, tarimbas. Também temos a poluição, especialmente os resíduos plásticos que provocam a morte de muitos organismos. Por exemplo, as aves, às vezes, confundem o plástico com alimento. Além disso, essa poluição vai contaminar os peixes que um dia irão parar aos nossos pratos.Temos também a caça furtiva às aves migratórias e, especialmente, as construções de infra-estruturas porque as pessoas querem construir na orla costeira para terem acesso ao mar. Então, muita gente entulha essa zona para dar lugar a essas construções. Essas são as principais ameaças que os mangais em Angola enfrentam.Temos trabalhado com o Governo, com as instituições, com as administrações, com o Ministério do Ambiente, para juntos restaurarmos os mangais e tirarmos essa condição de ameaça que os mangais têm sofrido.Quais são os mangais que estão mais destruídos e que seria mais urgente restaurar? De maneira geral, desde Cabinda até Benguela, os mangais estão ameaçados. Outrora estavam bem mais ameaçados, no entanto, com as acções da Otchiva temos vindo a mobilizar. Por exemplo, hoje em dia, a título de exemplo, aqui em Luanda, na zona do Benfica, havia uma zona em que estava a ser entulhada e graças às reivindicações da Otchiva e de todos os seus voluntários, podemos inspirar o Governo e hoje aquela construção já foi interdita e a zona está a ser recuperada.Um outro exemplo é a ponte sobre o rio Mbridge, no Nzeto, na província do Zaire, que também foi construída, destruindo os mangais, mas através de uma expedição científica que a Otchiva e os seus voluntários fizeram, partilhámos com o governo e aquela ponte foi restaurada, as obras foram refeitas e já há circulação entre o rio e o oceano. Então, a biodiversidade regressou àquela zona.Em Maio, a OTCHIVA foi aos escritórios das Nações Unidas em Genebra, na Suíça, para lançar o seu primeiro livro intitulado “Aves das Zonas Húmidas do Lobito, um catálogo para inspirar a sua protecção conservação”. Qual foi o objectivo desta acção e de que forma é que a ONU pode ajudar? O Lobito foi onde a Otchiva começou porque os flamingos do Lobito são conhecidos como identidade da cidade. Os voluntários da Otchiva viram que o seu habitat estava a ser degradado e começaram a reivindicar a protecção dessa zona e foram-se registando as aves desde o início da Otchiva, desde aves migratórias, aves residentes, aves transitórias. Compilou-se e chegou-se ao catálogo. Não é só um catálogo de aves bonitas, é também para mostrar a beleza do Lobito, as zonas húmidas que lá tem, o que é que o Lobito pode oferecer para inspirar para a sua protecção.A líder da Otchiva, Fernanda Renée, que é a mensageira mundial das zonas húmidas, tem trabalhado com voluntários, com instituições internacionais, com a Convenção de Ramsar para reverter esse quadro em que as zonas húmidas estão afectadas ou pressionadas. A ONU também abraçou essa causa, inspirou e apoiou para o lançamento do livro. Todo o mundo está engajado e está inspirado pelo trabalho que a Otchiva e os seus voluntários têm feito em Angola.Quantos anos tem a Otchiva e quais são os próximos projectos? Mais ou menos seis anos desde que começou. Daqui em diante pretendemos continuar com as nossas atividades de restauração das zonas húmidas e com as campanhas de educação ambiental, uma vez que só se protege o que se conhece. A educação ambiental é uma ferramenta crucial para mudar mentes e mudar a sociedade.Pretendemos continuar com as nossas campanhas de educação ambiental, inspirar mais e mais voluntários para a protecção dos mangais. Aqui, por exemplo, neste último fim-de-semana, houve 500 voluntários, especialmente crianças, então estamos a garantir que gerações futuras cresçam já com essa mentalidade ambiental. Além disso, lançámos, em Maio, o livro sobre as aves do Lobito e pretendemos continuar a lançar mais artigos sobre os mangais para alcançarmos um ambiente mais sustentável para que gerações futuras possam usufruir destes recursos.
Decorre esta semana o evento “Mulheres, Literatura e Natureza”, um encontro promovido pela Business as Nature e a editora Exclamação. O colóquio insere-se no Movimento das Mulheres pelo Clima da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e tem como objectivo destacar o papel das mulheres na construção de uma sociedade mais inclusiva e sustentável. Decorre esta semana o evento “Mulheres, Literatura e Natureza”, um encontro promovido pela Business as Nature e a editora Exclamação. O colóquio insere-se no Movimento das Mulheres pelo Clima da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e tem como objectivo destacar o papel das mulheres na construção de uma sociedade mais inclusiva e sustentável. Susana Viseu, presidente da organização não-governamental Business as Nature, defende que este evento serve para trazer para a linha da frente “a intervenção das mulheres nas diferentes áreas da sociedade e aqui também nas causas de conservação da natureza". RFI: “Mulheres, Literatura e Natureza”, que evento é este?Susana Viseu, presidente da Business as Nature:Este é um evento que vamos realizar no dia 05 de Junho, Dia Mundial do Ambiente, em Lisboa e, depois, vamos repetir no Porto, no dia 07 de Junho.Em Lisboa, vamos realizá-lo na Biblioteca do Palácio das Galveias e o objectivo é envolver mulheres que têm diferentes actividades, quer seja na literatura e na importância da literatura e dos movimentos artísticos naquilo que é a conservação da natureza e nas questões do activismo ambiental e climático e, também, as questões do empoderamento feminino e da importância das mulheres na liderança.Daí, termos um painel em que vai ser lançado um livro de uma mulher indígena, Eva Potiguara, da tribo das Potiguara, mulheres indígenas da Amazónia, que reflecte a luta na autodeterminação da mulher indígena e, portanto, também aquilo que foi a luta deste grupo de activistas na floresta amazónica contra a exploração do petróleo e a sobreexploração da floresta. Depois, vamos ter um painel dedicado à Rede das Guardiãs da Natureza, um projecto que a Business as Nature lançou no ano passado, em parceria com o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas e com o apoio do Fundo Ambiental, e que se desenrolou de norte a sul do país, em várias áreas protegidas. Vamos trazer mulheres-guardiãs de diferentes áreas protegidas em Portugal, desde o litoral norte de Esposende, a Ria Formosa, o Estuário do Sado, o Vale do Guadiana, a Serra da Estrela pelo Brasil, Dunas de São Jacinto e Montesinho. Portanto, umas mulheres vão intervir no evento na região norte e outras vão intervir no evento em Lisboa.Teremos também um painel ligado à literatura. A literatura como cimento cultural das minorias, em que pretendemos trazer a importância da escrita nesta defesa do património cultural. Neste caso, por exemplo, na região norte, vamos trazer a língua e a cultura mirandesa, mas também a cultura de minorias, como uma advogada de cultura e etnia cigana, como vários representantes de minorias, que também através da manifestação cultural e em especial da literatura, trazem para a praça pública aquilo que são as preocupações e o respeito pelos seus valores culturais. Temos também um painel de mulheres na liderança de empresas e dos desafios que estão relacionados com os indicadores de sustentabilidade (Environmental, Social and Governance). Que cada vez mais são uma exigência europeia dos balanços não financeiros por parte das empresas. Vamos também ter um painel de mulheres líderes empresariais para discutir este tema. Por fim, vamos ter uma tertúlia, uma conversa descomprometida sobre os desafios das políticas ambientais para a próxima década, trazendo diferentes gerações, diferentes visões sobre aquilo que são as políticas ambientais, para podermos projectar os próximos tempos em termos das questões de ambiente, alterações climáticas, conservação da natureza, etc. Terminamos em beleza, com o momento musical, com uma banda relacionada com o Brasil, com as comunidades indígenas e com a possibilidade de visionar o filme “A Flor do Buriti” de João Salaviza, que traz de uma forma muito expressiva e muito sentida daquilo que são as lutas das comunidades indígenas na Amazónia. Como é que se chega a este encontro? Mulheres e natureza é uma relação óbvia. Cada vez se fala mais do próprio papel da mulher no combate às alterações climáticas, mas também do facto de ser a mulher e a menina as que mais sofrem com as alterações climáticas. Como é que se junta aqui a questão da literatura?Desde sempre, até descobertas recentes o concluíram, até nas pinturas rupestres foram as mulheres que primeiro começaram a fazer a representação artística daquilo que eram as caçadas e as vivências do quotidiano na altura do Neolítico.De facto, as mulheres têm sempre muito presente esta questão da sensibilidade artística, embora tenha sido pouco revelada ao longo da história. Sabemos que no século XIX e meados do século XX, muitas vezes, as mulheres escreviam sobre um pseudónimo masculino porque se achava que as mulheres não tinham a capacidade para serem escritoras e para viverem da escrita.Nós queremos trazer para a linha da frente, cada vez mais, aquilo que é a intervenção das mulheres nas diferentes áreas da sociedade, da economia, das artes, na literatura… Também porque a literatura sempre foi, nos movimentos e nas correntes transformadoras da sociedade, uma forma fundamental de transmitir as ideias, de fazer com que mais movimentos se juntassem em torno dessas causas. E aqui também nas causas da conservação da natureza, da protecção do ambiente. A escrita das mulheres que escrevem sobre a natureza e com a natureza são fundamentais para aumentar a ligação a estas causas. Quais são os desafios das políticas ambientais para a próxima década? Um dos grandes desafios prende-se mesmo com a necessidade de envolver as populações naquilo que são as causas ambientais. E nós estamos a sentir, a nível da Europa, que é o líder, digamos assim, mundial em termos das políticas ambientais, um risco de algum retrocesso dos avanços que foram desenvolvidos, até devido daquilo que são os processos de negacionismo, de subida dos extremismos, seja de extrema-direita, seja de extrema-esquerda, que têm visões muito negacionistas da própria ciência e que podem levar a esses retrocessos.A mim preocupa-me que o norte global não estabeleça a necessária cooperação multilateral com os países em desenvolvimento, o chamado sul global. Porque sendo estes problemas transnacionais, que não se resolvem só com políticas de um determinado bloco, seja o europeu, sejam outros, é fundamental esta cooperação. Sem ela não conseguimos realmente implementar os avanços necessários para esta transição. E, depois, temos de compreender também as necessidades destes povos, não olhar para as necessidades destes povos à luz daquilo que é a nossa realidade de países desenvolvidos europeus. Mas com os óculos deles, não com as nossas lentes. É isso, o que às vezes é muito difícil. E é muito difícil nós, às vezes, compreendermos as necessidades dos diferentes grupos e os interesses dos diferentes grupos, que são muitas vezes legítimas.O desafio é tentar compatibilizar todas estas visões e todos estes interesses, de forma a encontrar soluções que sejam equilibradas, não só para a preservação ambiental, mas também para as pessoas. Não podemos esquecer aqui este elemento para as sociedades, para o combate à pobreza, para evitar a exclusão social de mais pessoas neste processo de transição. Portanto, isto para mim é um grande desafio e todas estas temáticas espero que sejam trazidas neste neste painel. Estamos a menos de meio ano da COP29, que vai ser realizada em Novembro, em Baku, no Azerbaijão. Qual é o ponto da situação? O que é que já está a ser preparado e o que é que se pode esperar desta COP, realizada novamente num país produtor de petróleo? Sim, este até bastante mais do que no caso do Dubai, Emirados Árabes Unidos. No Azerbaijão, cerca de 70% do PIB do país é efectivamente baseado no petróleo e gás. Acho importante trazer os diferentes interesses, nomeadamente os interesses do petróleo e gás para cima da mesa. Prefiro que eles estejam na mesa a debater de forma aberta os seus interesses e a tentar encontrar compromissos, do que, como no passado, estarem a tentar influenciar por detrás, mas sem qualquer transparência. Dissimulados?Dissimulados. Prefiro que seja transparente, que seja assumido. Que cada um diga ao que vem, que sejam conhecidos os interesses de cada um, até para que depois nós, nas soluções que resultam da negociação, podermos ter uma visão mais clara de como é que se equilibram as diferentes partes.Neste momento, vão decorrer as reuniões preparatórias da COP29 em Bona, na Alemanha, onde estaremos presentes para participar nestas sessões preparatórias, em especial nas sessões dedicadas à revisão do Plano de Acção de Lima.Esta COP29 vai ter um foco muito importante nesta questão do nexo Gender and Climate [Género e Clima]. O Plano de Acção de Lima, que foi estabelecido na COP de Lima [COP20, Dezembro de 2014 ]vai ser revisto este ano em Baku e, portanto, os Estados que assumiram o compromisso têm que agora mostrar o que é que fizeram entretanto e como é que vão assumir de uma forma efectiva o envolvimento das mulheres e das meninas na acção climática; como é que vão proteger estes grupos que são, de facto, os mais vulneráveis às alterações climáticas. Portanto, este vai ser um ponto forte no qual nós esperamos que possam haver avanços e que possam haver compromissos mais efectivos por parte dos diferentes Estados.Espera-se, também, avanços relativamente ao Fundo das Perdas e Danos, e que é importante perceber o que é que tem vindo a ser feito para operacionalizar esse instrumento e também haver mais contribuições para esse fundo, para que ele possa realmente permitir aos Estados que já estão a ser afectados pelas alterações climáticas, ter a devida compensação e as medidas que permitem a adaptação. Esta questão da adaptação é um foco relevante.Depois estamos a meio caminho para 2030 e nesse sentido, é muito relevante perceber os avanços que podem ser estabelecidos ao nível dos compromissos dos países. Seguramente não iremos conseguir cumprir a meta de 1,5, mas ver se se consegue, pelo menos, atingir compromissos que não excedam o ponto de não retorno naquilo que são as alterações do sistema climático.