Brasil-África

Follow Brasil-África
Share on
Copy link to clipboard

Reportagens de nossos correspondentes no continente africano sobre fatos políticos, sociais, econômicos, científicos ou culturais, ligados à realidade local ou às relações dos países com o Brasil.

RFI - Radio France Internationale


    • Apr 2, 2023 LATEST EPISODE
    • infrequent NEW EPISODES
    • 5m AVG DURATION
    • 46 EPISODES


    More podcasts from RFI - Radio France Internationale

    Search for episodes from Brasil-África with a specific topic:

    Latest episodes from Brasil-África

    Empresário brasileiro cobra mais apoio governamental para estimular investimentos na África

    Play Episode Listen Later Apr 2, 2023 5:00


    Um convite para trabalhar em uma companhia aérea, tendo um cargo de liderança no setor de transporte de cargas, fez o gaúcho Marcos Brandalise trocar a Alemanha, onde vivia recém-casado com uma alemã, por Angola, em 1988, em plena guerra civil que marcou a história do país lusófono. Vinícius Assis, correspondente da RFI em Adis AbebaCinco anos depois, ele foi transferido para o leste africano. E foi no Quênia, uma das maiores economias africanas, que ele decidiu viver com a família e criar, em 1996, a própria empresa para apresentar, nesta região, as soluções com bons resultados para o Brasil em anos anteriores, especialmente na agricultura. Marcos começou a representar empresas brasileiras por aqui. “A gente viu o que aconteceu no Brasil nos anos 1970, 1980, 1990 e o que ainda está acontecendo. A gente imagina e tem esperança de que a África vai seguir o mesmo caminho do Brasil. O potencial aqui é fenomenal”, disse. Ele representa atualmente cerca de 15 companhias brasileiras e vende de chuveiros elétricos à maquinário agrícola.O Quênia enfrenta uma onda de protestos contra o novo governo por conta do custo de vida no país, que vem aumentando. Mas as recentes manifestações não são as primeiras que ele testemunha e isso não intimida um dos empresários brasileiros mais antigos - se não o mais antigo - investindo e vivendo no complexo e promissor continente africano. Teimoso autodeclarado, é um entusiasta da ideia de que o Brasil deve olhar mais para as oportunidades e desenvolver parcerias com o segundo continente mais populoso do planeta, apesar dos desafios dessa região que, até seis décadas atrás, era dominada por colonizadores europeus. “O processo de se desvencilhar dos colonialistas começou nos anos 1960. Então, são democracias ou governanças recentes. O processo deles é muito mais jovem. Tem muita coisa ainda para eles passarem para chegar em um nível de estabilidade governamental”, disse.Muitas realidadesEste assunto foi abordado na entrevista não só por conta dos protestos recentes no Quênia, mas porque o receio de golpes militares e o clima de instabilidade política acaba sendo um dos motivos para que empresários brasileiros sejam reticentes em se tratando do continente que, até 2050, deverá concentrar 25% da população mundial. O brasileiro reforçou ao longo da entrevista a diversidade da África, que muitos parecem ignorar ao olhar para esta parte do planeta de forma homogeneizada. “São 54 países e cada país é uma cultura”, destaca, embora reconheça que há similaridades. “Cada país é um país, não dá pra generalizar ‘África'. Tem que olhar para cada país de uma forma diferente. Tem uns com muito mais risco, outros com muito menos risco e outros sem risco”, reforça.O brasileiro se mostra otimista em se tratando das novas gerações de africanos. “O continente está experimentando um momento super interessante. As gerações novas, bem educadas, localmente ou internacionalmente, estão voltando com boas ideias e querem inovar. E a agricultura, nos últimos anos, tem sido uma área em que eles têm muito interesse”, disse.Com uma visão pragmática e realista, o brasileiro que vive há mais de 30 anos no continente africano não romantiza o seu discurso para estimular investimentos nesta região. “Tem muitos ‘buracos': o buraco cultural, o buraco político. Por exemplo, em agricultura, a vida animal selvagem é enorme aqui na África, em vários países. Então, isso conta para ter cuidado, para não prejudicar essa vida, que é uma riqueza africana, mas também um desafio para a agricultura”, frisou. O pastoralismo que ainda existe em grande escala é outro “buraco” destacado por Marcos para se ter cuidado, assim como títulos de terras. “Uma das nossas vantagens é que a gente entende a cultura e a gente entende como lidar com comunidades, com a vida animal selvagem e outras coisas. Não dá para ignorar isso porque senão o pessoal falha, como falharam vários projetos de diferentes investidores de diferentes nações”, contou.OportunidadesO Brasil ainda apresenta ótimas oportunidades internas, o que faz com que empresários brasileiros nem sempre se interessem em cruzar o oceano Atlântico para aproveitar novos investimentos. Mas a falta de conhecimento e o fato de se basearem apenas em experiências que não deram certo também afastam investidores brasileiros do continente africano, na opinião do Marcos.Algo que pode estimular a implementação de projetos brasileiros na África seria o BNDES voltar a olhar para o continente. A internacionalização do Banco volta ao centro do debate entre especialistas agora no governo Lula. Embora o BNDES tenha sido criado em 1952, foi nos anos 2000 que se começou a ver apoio à internacionalização de empresas brasileiras. Chegou a ter três escritórios no exterior: em Montevidéu, Londres e Joanesburgo, aberto dez anos atrás. Os três foram fechados pouco depois de Michel Temer ter assumido a presidência. “Conheci o pessoal que tocava o BNDES em Joanesburgo. Fizeram bastante esforços para entrarem no continente e financiar alguns programas, mas eles se depararam com uma coisa óbvia: outros países também têm programas similares. As iniciativas foram boas, o escritório de Joanesburgo era bom. A motivação estava lá, para fazer a coisa acontecer, mas infelizmente, falhou em algum lugar que eu não tenho capacidade de avaliar”, observou.Um assunto sobre o qual a reportagem também ouviu o presidente do Instituto Brasil-África (IBRAF), João Bosco Monte, que destacou duas falhas. “Foram menos de três anos de operação no continente e o banco não disse exatamente qual era seu interesse naquele espaço. Não dá para cobrir todo o continente com o pessoal escasso. Não era uma equipe muito generosa, muito grande. E o segundo erro foi que as empresas brasileiras não sabiam da existência de um banco de financiamento de empresas brasileiras na África. Então, o desconhecimento talvez foi o erro fatal”, esclareceu.O empresário gaúcho destacou que há, ainda, um grande potencial nesta região. “Mas temos que lembrar que têm muitos competidores entrando na África, especialmente agora. Então, tem que haver uma mudança, talvez. Uma reavaliação de como a gente entra com financiamento e tudo mais, que é importantíssimo e pode facilitar muito o investimento do brasileiro no continente e a visão do continente com o Brasil (pode) melhorar também”, disse.Marcos reconheceu que, no passado, o presidente Lula reaproximou o continente africano do Brasil, mas criticou o modo que isso foi feito. “Ele deu muito suporte a grande empreiteiras. Acho que pequenas atividades teriam tido mais resultado”, ponderou.O presidente do IBRAF também acha que não só as “campeãs” podem ter acesso ao financiamento do banco. “Outras empresas médias e pequenas também podem e devem ter condições de conversar e fazer negócios na África com a parceria do BNDES de forma objetiva e direta”, reforçou. Para João Bosco, é preciso repensar o apoio governamental, através de um banco de financiamento para que marcas, produtos e serviços do Brasil cheguem a espaços africanos, mas também colaborando com o outro lado. “Empresas africanas também podem se interessar em fazer negócios com o Brasil e no Brasil a partir de uma representação maior nossa no continente africano”, concluiu.Ao falar com a RFI, Marcos Brandalise disse discordar de algumas políticas do Itamaraty e diz que investidores de países como Itália, Turquia e China, por exemplo, têm mais apoio de seus governos. “O Brasil ainda está em uma fase precoce em se tratando de fazer negócio internacional. Eles ainda têm uma visão, eu diria, arcaica de como fazer negócio internacionalmente”, observa, deixando claro que ainda “tem um grande caminho para ser trilhado pelo governo brasileiro para melhorar as relações entre África e o Brasil”.BRICSO presidente Lula deve fazer a primeira viagem, deste terceiro mandato, para o continente africano somente em agosto, quando participará da cúpula do BRICS, na África do Sul. Na entrevista, Marcos afirmou que acha o BRICS uma associação super interessante, mas que pode ser melhor explorada. Ressalta que ainda é preciso ter cuidado com países do hemisfério norte, que detém hegemonia em vários aspectos. “O Brasil tem que continuar fazendo o papel dele de neutralidade, em vários aspectos, mas tem que ver a parte dele na economia. O BRICS pode ser tão importante para o Brasil como todos os outros blocos econômicos que existem no mundo. O Brasil é e tem que continuar sendo amigo de todos os blocos”, disse.O empresário segue a lógica do quanto maior o risco, maior pode ser a margem de lucro. E destaca que há “um potencial fenomenal” em se tratando da relação do Brasil com o continente africano. “Porque o africano gosta do brasileiro e quer fazer negócio com o Brasil, mas os mecanismos não existem efetivamente”, ressaltou.

    “Incomum” no Brasil, Samba é nome popular entre pessoas de países africanos

    Play Episode Listen Later Feb 19, 2023 6:08


    O ritmo que embala o carnaval brasileiro também é nome próprio na Gâmbia, país da África Ocidental onde o jornalista Samba Jawo nasceu. Encontrar “xarás” não é dificuldade alguma para ele. “É um nome muito comum na etnia Fulani. Na nossa cultura significa o segundo filho”, explica o gambiano que tem um irmão mais velho e três mais novos. Fã declarado de futebol, ele diz que foi por meio deste esporte que conheceu o ritmo brasileiro mais famoso, que tem o mesmo nome que ele. Vinícius Assis, correspondente da RFI em Adis Abeba, EtiópiaHá séculos, muitas pessoas em países do continente africano, principalmente na região do Sahel, recebem o mesmo nome que o cantor brasileiro Seu Jorge e sua companheira, Karina Barbieri, resolveram dar ao seu filho. Mas, no Brasil, a escolha causou polêmica no mês passado, quando o bebê nasceu.Uma funcionária do 28º Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais, na maternidade onde a criança nasceu, no bairro Itaim Bibi, Zona Sul da capital paulista, se recusou a emitir a certidão de nascimento do menino por considerar o nome “incomum". O caso foi parar na Justiça e terminou com vitória para os pais. Seu Jorge agora é, mesmo, o pai do Samba.O jornalista da Gâmbia se mostrou surpreso ao saber da situação enfrentada pelo cantor brasileiro e sua companheira. “É direito deles dar ao filho o nome que quiserem, e negar isso é violar o direito do casal”, comentou.No Brasil, a norma nos cartórios é seguir a lei 6.015, criada em 1973, que regulamenta os registros públicos no país. E foi baseada no artigo 55 desta lei que a oficial do cartório se negou a registrar a criança como Samba em São Paulo. O primeiro parágrafo deste artigo da lei afirma que: O oficial de registro civil não registrará prenomes suscetíveis de expor ao ridículo seus portadores, observado que, quando os genitores não se conformarem com a recusa do oficial, este submeterá por escrito o caso à decisão do juiz competente, independentemente da cobrança de quaisquer emolumentos. Mas para o pesquisador de culturas negras e história da África Salloma Salomão, o episódio foi uma prática autoritária do cartório. “Os ativistas negros no Brasil, a partir da década de 1940, começaram a colocar nomes africanos ou indígenas nos filhos. Nós estamos vivendo, talvez, o terceiro ciclo dessa prática, que ė uma tentativa de reconexão com as civilizações africanas. Mas a estrutura institucional brasileira continua sendo o que sempre foi: racista”, ele critica. "Samba, Sambo, Sambe, Sambará"O pesquisador lembra que, quando escravizados, os africanos eram seres humanos que tinham nomes, identidades, comunidades, cultura, civilização. Eles passaram a ser capturados e exportados como se fossem objetos. E essas pessoas de origem centro-africana, em sua maioria, ocasionalmente poderiam ter na origem o nome Samba ou outras variações, como Sambeh e Sambará.“Nomes nativos, mas também de influência islâmica, hebraica, aramaica”, ele explica. Salomão conta que analisou recentemente arquivos de viagens marítimas entre 1807 e 1850. De acordo com o pesquisador, navios foram capturados pela marinha britânica e desviados para a Libéria e Serra Leoa.As pessoas nessas embarcações foram recapturadas pelos ingleses e catalogadas mediante nome, idade aproximada, origem étnica. “Nos documentos daqueles que foram recapturados pela marinha britânica há aproximadamente 200 pessoas com nome Samba, Sambo, Sambe, Sambará”, afirma.Dentro de uma pesquisa mais ampla que ele tem feito sobre o gênero musical conhecido no Brasil desde o inicio do século 20 como samba, o pesquisador destaca que o gênero urbano nunca foi associado a uma pessoa. Mas na África Central, e mesmo no Senegal, samba é nome próprio. “Na costa atlântica, na costa índica e na região dos lagos, tinha e tem pessoas de nome samba e também suas derivações”, ele explica.Não deixar um negro usar o nome que quiser não é novidade. Ele ainda destaca que no passado não era permitido às pessoas escravizadas manter seus nomes africanos. Na maioria das vezes, estas recebiam nomes comuns na cultura de quem os capturavam. “Em situações muito especiais, pessoas africanas capturadas, transformadas em escravizadas e que obtinham sua liberdade, conseguiam recuperar seus nomes de origem”, ressalta Salomão.Bairro em LuandaSamba também é o nome de um bairro em Luanda, capital de Angola, onde há ainda um estilo musical de raiz chamado semba, palavra que significa umbigada em kimbundu, um dos idiomas falados em Angola. “A teoria para o gênero musical samba é que este deriva de um gênero musical chamado semba da região onde hoje é Angola, mas essas duas palavras coabitam em Angola”, esclareceu o pesquisador.De acordo com sua hipótese, uma pessoa de nome Samba produzia uma musicalidade no nordeste brasileiro, por volta de 1820. Essa pessoa era uma liderança muito importantemente entre libertos, alforriados e escravizados. “As festas que essa pessoa chamada Samba, que não dá para saber se era homem ou mulher, produzia eram de tal forma importantes que derivaram o nome de uma prática cultural. Essa é minha hipótese”, revela. O pesquisador conclui afirmando que “o racismo só é eficiente porque é combinado com uma profunda ignorância”.A brasileira Sara Rodrigues conta que há quase dez anos conheceu um homem vindo de um país africano que se chamava Samba. Ele fazia intercâmbio na Universidade Federal da Bahia. Atualmente a baiana mora na África do Sul, onde o significado do nome é algo considerado especial na cultura negra local.“O nome da minha filha, de pai preto sul-alfricano, é Kwena, que significa crocodilo. O significado em si não se trata do crocodilo, mas do que o animal representa”, ela explica.A menina foi registrada no Brasil. A mãe, que faz mestrado na área de Literatura e Cultura, conta que não teve problemas com o registro, e destaca que deu à menina um nome composto: Kwena Dandara. Quando um estrangeiro de nome “incomum” se apresenta a um negro na África do Sul costuma ser indagado sobre o significado do nome.Nelson "Rolihlahla" MandelaAinda de acordo com a brasileira, que pesquisa culturas sul-africanas na Cidade do Cabo, antigamente era comum colocar nome composto no país onde vive. “Um em língua indígena e outro bíblico”, esclarece.O sul-africano mais famoso do mundo ficou internacionalmente conhecido por um nome que não era originalmente seu. Nelson Mandela se chamava, na verdade, Rolihlahla, que significa "aquele que veio para fazer barulho". Mas era comum na época em que ele começou a ir para a escola que professores ingleses mudassem os nomes dos alunos negros na África do Sul.Se por um lado parece ser uma tendência ver brasileiros se inspirando no continente africano para escolher nomes de seus filhos, por outro, o Ocidente também ainda influencia pais africanos. É muito comum encontrar palavras em inglês usadas como nomes de pessoas, principalmente em uma parte específica do continente.“Geralmente, pessoas com nomes como Blessing, Sweetboy, Reason são mais encontradas no Zimbábue do que na África do Sul”, conta Sara, que incentiva o uso de nomes tradicionalmente africanos em crianças brasileiras, mas desde que os pais entendam seus significados, como fazem os africanos.

    Brasileira documenta sofrimento de deslocados por terrorismo islâmico em Moçambique

    Play Episode Listen Later Oct 23, 2022 6:38


    Desde abril, a carioca Mariana Abdalla mora em Moçambique, país africano de língua portuguesa famoso pelo litoral paradisíaco, mas que há cinco anos passou a ser motivo de preocupação internacional. A província de Cabo Delgado, no norte moçambicano, começou a ser alvo de ataques de terroristas ligados ao grupo Estado Islâmico em outubro de 2017. Vinicius Assis, correspondente da RFI na Etiópia As ações extremistas já causaram cerca de 4 mil mortes e fizeram quase um milhão de pessoas se deslocarem em Moçambique. Dados da Agência da ONU para Refugiados (Acnur) mostram que 946.508 vítimas fugiram das áreas onde viviam para tentar sobreviver. Mariana Abdalla mora atualmente na cidade de Pemba, capital desta província onde os ataques vêm acontecendo, a cerca de 2.500 km da capital moçambicana, Maputo. Ela tem tido contato direto com quem está sendo afetado por essa situação. “É um conflito que poucas pessoas conhecem”, nota a brasileira. Depois de seis meses e meio na região, ela conta que também acaba pegando um pouco as dores daqueles com os quais tem contato. “Você vê pessoas que estão há cinco anos se deslocando sem parar, sempre procurando um lugar mais estável”, detalhou. Segundo a brasileira, a maioria das pessoas afetadas por esses ataques viveu experiências muito traumáticas. “Presenciar um assassinato de ente queridos, filhos que não sabem onde estão os pais, órfãos, mães que deixaram os filhos, tudo isso também vai te afetando, e a empatia aflorando. Eu sinto que já estou muito impactada com tudo isso”, disse. Mariana começou cedo a entender, na prática, a ideia do que é ter uma vida de nômade. Ela passou parte da infância e da adolescência na Colômbia e na China com a família. A “paixão por outras culturas” a fez se formar em Relações Internacionais. A vontade de contar histórias, em vídeos e fotos, a levou a um mestrado mais voltado para a comunicação. Moçambique não foi o primeiro país africano que ela conheceu. Durante o mestrado, por exemplo, teve uma estadia em Uganda. Há quatro anos, ela trabalha para a ONG Médicos Sem Fronteiras. Hoje, é gestora de comunicação da organização em Moçambique. “É um lugar de difícil acesso. Por isso, é um privilégio, uma responsabilidade muito grande poder contar essas histórias, poder passar para outras pessoas o que está acontecendo”, disse. O cenário na região de Cabo Delgado ainda é volátil. As vítimas que sobreviveram aos conflitos estão constantemente com medo e traumatizadas. Algumas testemunharam massacres. Outras não sabem onde está parte da família. Como essa parcela da população carente já tinha preocupações suficientes para ter a saúde mental profundamente prejudicada, a pandemia do coronavírus não foi prioridade para quem vive nessa região do país. Os que já conseguem voltar para casa muitas vezes encontram seus imóveis destruídos. Tudo isso faz com que os afetados diretamente por esses ataques extremistas não consigam demonstrar expectativas de um futuro estável. Miséria e desalento “Aqui, quando eu pergunto ‘qual é o seu sonho?', as pessoas têm muita dificuldade em, até mesmo, entender a pergunta. A falta de perspectiva é tão grande, eles estão em um estado de alerta, de sobrevivência tão grande que é muito difícil, até mesmo, pensar no futuro, no que gostariam para si mesmas, a não ser a sobrevivência de agora”, afirmou. Mariana diz que, mesmo vivendo nessa região, nunca encarou uma situação de risco. Ela se lembrou apenas de um período mais tenso. “Na época de junho e julho teve realmente uma onda de violência bastante forte aqui em Cabo Delgado e tiveram ataques mais perto do sul, perto da capital, Pemba, que é onde fica minha base na maior parte do tempo, quando não estou visitando nenhum projeto”, explicou Mariana. Como na época a organização para a qual ela trabalha tentou reduzir bastante a equipe na região, a ida da carioca ao Brasil, para renovação de visto, precisou ser adiantada. “Eu tinha que renovar meu visto no Brasil em duas semanas e eles me perguntaram se eu não podia ir um pouco antes, realmente como uma medida de segurança, para tentar ter o mínimo possível de pessoal aqui”, disse. Ela acabou passando três semanas no Brasil para cuidar da renovação do visto e voltou. O governo de Moçambique demorou muito a admitir a presença de terroristas no norte do país, onde atualmente estão tropas de Ruanda e da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) ajudando o Exército do país neste combate. Autoridades locais falam em libertação de territórios antes ocupados e uma melhora na região, com insurgentes mais fragilizados. Mas a realidade está longe de ser considerada tranquila e estável. Região rica em gás e pedras preciosas Cabo Delgado é uma região rica em produção de gás natural e rubis, entre outros produtos. A exportação de madeira também tem um grande peso na economia da região, que ainda está na rota internacional do tráfico de drogas. Mas a população de Cabo Delgado pouco se beneficia das cifras produzidas pela riquezas desta parte do país. Os índices de pobreza e analfabetismo no norte de Moçambique também são altos. Como praticamente todas as pessoas que trabalham para ONGs em países africanos, Mariana não comenta as implicações políticas envolvendo esses ataques. A brasileira conta que apesar das dificuldades ao lidar com pessoas que enfrentam tantos problemas, o cenário atual no norte moçambicano a conquistou. Ela lembra que sua ideia, inicialmente, era ficar três meses em uma vaga temporária na equipe de comunicação em Moçambique. “Mas acabei ficando até agora e penso que vou ficar, pelo menos, até dezembro. O contexto, as necessidades, a importância de comunicar sobre esse conflito e o que as pessoas passam me conquistou, digamos assim, porque é uma realidade que poucos conhecem, especialmente no Brasil”, destacou. Mariana reforça que os ataques são localizados no norte de Moçambique, país que ela, inclusive, diz recomendar como destino turístico. Ela segue registrando o máximo que pode com suas câmeras, em uma região onde jornalistas nem sempre têm acesso. Questionada pela reportagem qual é o seu sonho, Mariana respondeu: “O meu sonho é que todas as crises, incluindo a de Moçambique, sejam escutadas da mesma forma", apontou. "Que tenham o mesmo peso, que não haja uma diferenciação tão grande. Pode parecer muito idealista, mas eu acho que esse é o espírito humanitário. Que todos sejam vistos e sejam escutados da mesma forma, e que a comunicação também tenha um papel igual nesse sentido”, concluiu.

    Historiadora ensina "etiqueta" a empresários brasileiros que querem fazer negócios com africanos

    Play Episode Listen Later Oct 16, 2022 5:00


    Em uma recente reunião com cinco empresários negros na Nigéria, brasileiros não reconheceram Aliko Dangote, o homem mais rico de todo o continente africano, com um patrimônio líquido estimado em US$ 12,6 bilhões. “Para o olhar do empresário brasileiro, todas aquelas pessoas eram as mesmas, estavam vestidas da mesma forma”, relatou a historiadora Carolina Maíra Morais, que presenciou a cena. “Essa leitura rasa sobre o continente é que a gente, primeiro, precisa transpor quando chega do Brasil na África”, frisa. Vinícius de Assis, correspondente da RFI na África Nascida na Baixada Fluminense, há seis anos ela cruza o oceano Atlântico anualmente com destino ao continente africano, principalmente viajando para a Nigéria, país de origem do marido e sócio da brasileira, Ajoyemi Osunleye. Ela conta que percebeu, ao longo desse tempo, que existe uma dificuldade na linguagem cultural entre o empresariado brasileiro e o empresariado de países do continente africano, de uma maneira geral, com as suas particularidades. “São dificuldades, por exemplo, em relação a coisas muito simples, como o tempo, a maneira de falar, a maneira de você se referenciar a pessoa”, disse. Foi aí que a historiadora decidiu, no ano passado, buscar mais um mestrado. Além do que fez em História da África, agora se dedica ao Comércio Exterior, na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ela pesquisa essa linguagem, pensando sempre no que pode fazer para facilitar essas relações. “A gente tem um potencial gigante que o Brasil não explora no continente africano, porque eles são muito receptivos para o empresariado brasileiro, mas o empresariado brasileiro ou não está interessado ou ainda não conseguiu enxergar um campo de negócios forte no continente africano. E tem essas dificuldades de acomodação cultural”, disse. Adaptação transcultural Há cinco anos ela criou uma empresa que tem promovido eventos, recebido comitivas africanas no Brasil e trazido comitivas brasileiras para África, “não só para negócios, mas também para eventos culturais” e ligados à educação. Diz que no mestrado na UFRJ tenta levantar a discussão sobre adaptação transcultural e destaca que percebe uma resistência, às vezes, ou uma falta de cuidado em relação a questões raciais entre empresários brasileiros e empresários africanos. “Não se vê empresários africanos de uma maneira como se olha para os mesmos empresários quando você está lidando com eles no Brasil”, disse. O rígido protocolo da rainha Elizabeth II é mundialmente famoso e tinha que ser respeitado por todos os que conseguiam se aproximar para conseguir algo da monarca, falecida este mês. Da mesma forma, a maneira de se portar diante de empresários africanos é importante. Não por uma exigência banal, um capricho, mas por uma questão de respeito a uma cultura sobre a qual muita gente pouco se informa. E estar atento a detalhes pode abrir portas mais facilmente. Carolina lembra que o povo brasileiro é muito conhecido no mundo todo pela linguagem corporal (o toque, a fala que nem sempre é muito formal). Muitas vezes, são gestos que nem sempre são bem vistos, dependendo do país africano. “Evitar esses toques, muitos apertos de mão. Dependendo da população que você tá lidando, a sua linguagem precisa ser um pouco mais oficial”, diz, destacando que é preciso estar atento ao que “eles consideram respeito”. Na semana de celebração dos 200 anos da independência do Brasil, Carolina ajudou o embaixador Francisco Luz, que está à frente do consulado-geral do Brasil na cidade nigeriana de Lagos, a organizar a programação da série de eventos com foco em cultura, gastronomia e negócios, buscando reaproximar os dois países. O embaixador Ricardo Guerra de Araújo também participou do evento, que recebeu ainda uma delegação da FIRJAN. “Eu falei com um deles, na verdade, antes dele chegar, sobre essa importância da gente fazer uma adaptação da nossa cultura, que é uma cultura muito expressiva no continente africano. Nós somos muito bem recebidos. O Brasil carrega ainda um bom nome no continente africano, mas que na hora, às vezes, de fechar um negócio, pequenas barreiras são entraves”, frisou. A Nigéria tem a maior economia africana, com um PIB de mais de US$ 510 bilhões. O maior produtor de petróleo da África também se destaca nos setores de manufatura, financeiro, serviços, comunicações, tecnologia e entretenimento. Com Nollywood, a versão nigeriana de Hollywood, a indústria cinematográfica da Nigéria é uma das maiores do mundo. Estima-se que a população passe de 210 milhões de habitantes, como a do Brasil, com a diferença de que o país mais populoso da África, territorialmente (923,769 km2) seja bem menor que o Brasil (8,515,767 km2). Mas a Nigéria também é estigmatizada pelo terrorismo e o tráfico do drogas, com traficantes nigerianos atuando, inclusive, no Brasil. Desafios dos quais ela não se nega a falar e faz, inclusive, comparações entre os dois países para afastar qualquer possibilidade de se usar esses temas como desculpa para não conhecer e, quem sabe, investir na potência econômica africana. “Dependendo de onde você vai no Brasil é muito perigoso. Eu não recomendaria você passear em algumas regiões do Rio de Janeiro em determinados horários do dia, por exemplo. E a gente pode fazer uma leitura ampliada para Nigéria. Não recomendaria você ir a determinados lugares no norte do país, por exemplo, onde a gente tem a grande parte desses conflitos. Mas também não é todo norte”, afirmou. Sobre a presença do tráfico de drogas, ela disse que não se pode reduzir um país à atitude de indivíduos e que brasileiros também são julgados mundialmente por causa do tráfico de drogas. ”A gente precisa saber com quem a gente está falando”, frisa. Também para se evitar cair em golpes, ela exalta a importância de se aproximar de câmaras de comércio e canais oficiais das embaixadas brasileiras. “Problemas podem acontecer no meio do caminho, como em outros países, mas você já tem um filtro importante para lidar com essas pessoas”, afirmou. Embora trabalhe promovendo a conexão do Brasil com outros países também, percebe-se que Carolina é apaixonada pela Nigéria, especialmente. Aliás, paixão e Nigéria combinam perfeitamente na mesma frase em se tratando da vida dela, que conheceu o marido, e hoje sócio, nigeriano no lugar mais carioca que existe: a Lapa. “Dançando o ritmo mais latino-americano que existe, que é a salsa”, lembrou. Ele é empresário e produtor cultural. Depois de tê-lo conhecido, ela conta que começou a se aproximar também do Rei Ooni de Ifé, líder máximo da cultura iorubá no mundo, hoje assessorado pelo casal no Brasil. Educação antirracista Antes de viajar para Lagos, de onde ela falou com a reportagem, a brasileira, que também é professora, esteve em Gana, onde participou da Conferência Mundial de Educação e Restituição e exaltou a importância de uma educação antirracista conectada ao continente africano. Lembrou ainda que no ano que vem a lei 10639/2003 completará 20 anos. Essa lei estabelece a obrigatoriedade da inclusão da matéria História e Cultura Afro-Brasileira no currículo oficial da rede de ensino no Brasil. “Não existe outra maneira da gente tentar mudar, tanto a nossa visão do que que é África quanto a visão do que é Brasil para os africanos, que não seja através da educação”, frisou. Ela ainda completou dizendo que a educação antirracista tem o papel, que enfatiza ser fundamental, de recuperar a relação com o continente. “A gente precisa entender quem eram esses reinos, quais eram as culturas, como era a forma de organização, o que a gente tem de produção intelectual, cultural e científica antes da escravidão, que é uma parte na história. Uma parte crítica que alterou toda a nossa relação com o mundo”, completou. Carolina espera uma reaproximação do Brasil com o continente africano no próximo governo, seja ele qual for. E diz que a população também deve cobrar das autoridades essa reaproximação. “Nós, população afro, somos maioria e a gente tem interesse específico em expandir essas relações”, frisou. Em suas redes sociais, recheadas de fotos e comentários sobre esta mais recente passagem por países africanos, a historiadora não se cansa de repetir que não existe Brasil sem África. 

    Nigéria ultrapassa Rússia no fornecimento de uréia ao Brasil

    Play Episode Listen Later Oct 9, 2022 5:04


    Entre tantas consequências, a guerra na Ucrânia comprometeu as exportações russas, o que acabou favorecendo países como a Nigéria, que agora é o segundo maior exportador de ureia para o Brasil. Até o ano passado essa posição era ocupada pela Rússia. “A gente está falando de quase 19% do volume (total) de ureia que o Brasil importou (este ano)”, detalhou Fátima Giovanna Coviello Ferreira, diretora de Economia e Estatística da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim). “Entre janeiro e abril, a Nigéria foi o principal fornecedor. Omã tomou essa posição a partir de maio”, acrescentou Francisco Luz, cônsul-geral do Brasil em Lagos, a maior cidade nigeriana. A diretora da Abiquim contou também que, comparando o volume importado pelo Brasil entre janeiro e agosto deste ano com o do mesmo período do ano passado, houve um aumento de 50%. “É um dado bastante expressivo”, disse. Em 2021, a maior economia africana era o quinto maior fornecedor deste fertilizante para o Brasil, respondendo por 10% de toda a ureia importada pela indústria brasileira. Ou seja: 2022 nem acabou e este volume já praticamente dobrou. O Catar atualmente está em terceiro lugar neste ranking e a Rússia em quarto. Dependência brasileira Neste campo, o Brasil ainda é bastante dependente do cenário internacional, importando quase 80% de toda a ureia usada em seu mercado de fertilizantes. No ano passado, a maior parte do produto vinha da Rússia e do Catar. “Por conta de toda essa crise no início do ano, nós ficamos muito preocupados com essa dependência excessiva da importação de fertilizantes vinda da Rússia. Então, a Nigéria acaba suprindo e dando ao Brasil uma oportunidade de diversificar a pauta de países com os quais a gente tem essa correlação na importação de ureia”, afirmou a diretora da Abiquim. O Brasil já importava ureia da Nigéria há anos, mas em volumes razoavelmente baixos. O interesse pelo insumo nigeriano aumentou depois da invasão à Ucrânia. “Porque era o único país onde projetos estavam sendo implementados para produção desse importante insumo para agricultura. Em outubro, a fábrica de fertilizantes da Dangote aqui em Lekki, no estado de Lagos, começou a produzir e a primeira produção já foi para o Brasil”, disse o cônsul. Pouco depois do início da guerra, o ministro das Relações Exteriores, Carlos França, teve uma conversa Aliko Dangote, dono desta fábrica e o homem mais rico do continente africano, sobre a possibilidade de garantir um fornecimento sustentável de ureia para o Brasil. Empresários brasileiros compram hoje 60% da produção nigeriana de ureia, desta e outras três empresas que fornecem este produto no país. Ciente de que a produção brasileira não é suficiente, William Marchió, consultor em projetos de agropecuária sustentável, defende que é preciso investimentos que diminuam a dependência de outros países. “Como os insumos mais importantes para produção, por exemplo, de milho, de grãos de uma maneira em geral, e boa parte da produção pecuária também, dependem do uso de fertilizantes nitrogenados, a produção interna é fundamental”, justificou. Ele ainda lembra que o coronavírus deu um motivo a mais para se pensar nisso. “Ainda mais quando você tem um exemplo de dois anos de pandemia, que dificultaram o uso de contêineres, de navios, de fluxo de importação. Muitas operações ficaram extremamente vulneráveis a isso. Então, a produção interna de ureados é fundamental. Porém, ela não é suficiente hoje. A gente ainda vai depender de importação”, disse. Ureia: realmente necessária? Este é o principal produto para fertilizar a agricultura brasileira. “Fertiliza a terra para que ela tenha uma maior produtividade”, contou Fátima. A ureia vem da cadeia produtiva do petróleo, a partir do gás natural. “Por isso que essa questão da Rússia ficou prejudicada. A Rússia é um país que tem muito gás natural, ela é competitiva na produção de fertilizantes derivados de gás”, explicou. A ureia é o nitrogenado mais utilizado na agricultura brasileira, segundo especialistas. “Nitrogênio é um dos elementos mais importantes para as plantas utilizarem como fonte de produção de massa, vamos dizer assim. Hoje a gente utiliza a ureia para fazer o milho crescer, para o capim, para a maioria das pastagens. Você usando 40 Kg de nitrogênio por hectare aumenta um animal em cima desse hectare, em termos de produção de pastagem”, explicou William. Uso de ureia é nocivo? Mas o uso deste tipo de produto é polêmico, principalmente em um momento em que se fala muito sobre agricultura orgânica. William Marchió diz que ureia não é nociva à saúde de ninguém, “a não ser que a pessoa ingira aquilo puro”. Ele considera essa “ferramenta interessante” fundamental na produção agrícola. Ao mesmo tempo em que diz que “não dá para ter boas produtividades sem o uso de fertilizante base ureado”, William aponta alternativas. Segundo ele, “uma das ferramentas tecnológicas que temos para diminuir ou mitigar o uso de ureia seria a fixação biológica de nitrogênio, usar bactérias para fazer a função da fixação de nitrogênio. Nós temos nitrogênio no nosso ar que respiramos. Essas bactérias são capazes de extrair esse nitrogênio do ar e entregar às plantas. Só que é um processo mais lento, é um processo que exige muita qualidade de solo, muito trabalho de condicionamento biológico do solo para que isso evolua”, disse. A Embrapa e outras instituições no Brasil fazem isso “com propriedade” e difundem essa ideia, de acordo com o especialista. “Só que nem todos os produtores conseguem fazer isso de maneira sistemática. A gente tem produtores hoje que são menos dependentes da ureia do que outros”, completou. Ainda sobre a polêmica em torno do uso de fertilizantes e defensivos agrícolas, a diretora da Abiquim os compara aos remédios usados pela maioria das pessoas e diz que diante da crescente demanda por alimentos, o uso desses produtos é fundamental. “Os produtos químicos são essenciais para que a gente tenha uma quantidade maior de alimentos para alimentar a população e o fertilizante é um deles”, concluiu. Impulsionando a relação Brasil-Nigéria Ureia, petróleo cru, nafta e gás natural representam 98% da importação brasileira vinda da Nigéria atualmente. As expectativas de crescimento de volume negociado nos próximos meses trazem otimismo sobre o aumento do fluxo comercial entre os dois países, que já foi bem maior do que atualmente. Analisando dados desde 1997, o fluxo comercial entre Brasil e Nigéria atingiu o pico em 2013, quando chegou a US$ 10,523 bilhões. Com um declínio que começou em 2015, chegou ao menor nível em 2020: US$1,22 bilhões. “Esses números eram inflados por causa da presença da Petrobras aqui, exportando o óleo que produzia aqui para o Brasil”, esclareceu o cônsul-geral em Lagos. “Este ano a nossa estimativa é que fique entre US$ 2,4 e 2,5 bilhões. Vai ser o melhor desde 2015, mas ainda vai ser um quarto do patamar que a gente operou entre 2008 e 2014, cujo comércio mínimo anual neste período foi de US$ 5,8 bilhões”, analisou. No período mencionado, a Nigéria era o principal parceiro comercial do Brasil no continente africano. Hoje ocupa a terceira posição, atrás do Marrocos e da África do Sul. Nos últimos dias, a notícia sobre a possibilidade de uma companhia aérea começar a operar voos semanais entre Brasil e Nigéria também animou empresários dos dois lados do atlântico. Isso significa que “os empresários vão ter mais facilidade de ir ao Brasil, a possibilidade de ter carga aérea direta mais barata e o crescimento do turismo também, que afeta a balança de serviços”, ressalta Francisco Luz. Quem já operou voos ligando diretamente os dois países foi a Varig, que entre os anos 80 e 90 chegou a ter um escritório na Nigéria. Nigerianos “descobriram” o Brasil Durante a pandemia, nigerianos “descobriram” o Brasil. O cônsul-geral do Brasil em Lagos conta que durante o surto, nigerianos começaram a ver o Brasil como um atraente destino turístico e de compras. “Turistas que iam fazer compras em Londres, Dubai ou em Nova York agora começaram a fazer compras em São Paulo, no Rio de Janeiro”, contou. Com isso, o consulado já emitiu este ano mais vistos entre janeiro e julho do que em todo o ano passado. “(Foram) 957 vistos só para o Brasil no ano passado inteiro. Este ano, já foram 1532 vistos”, detalhou. Ele acredita que até o fim do ano o número de vistos emitidos seja maior que o dobro do emitido no ano passado. O turismo religioso também é um nicho a ser explorado, pois a cultura Iorubá no Brasil é forte. O cônsul acredita também que facilmente exista uma demanda para pelo menos 20 mil turistas nigerianos visitarem o Brasil todos os anos, o que justificaria quatro voos semanais, sem contar ainda os turistas brasileiros e a diáspora africana vivendo no maior país da América do Sul. O Brasil possui embaixada na capital nigeriana, Abuja, comandada pelo embaixador Ricardo Guerra de Araújo, para tratar dos assuntos políticos multilaterais, de Defesa, e todo o relacionamento de governo a governo, e ainda o consulado-geral em Lagos, que cuida basicamente de assuntos consulares, comércio, cultura e educação, e trabalha com uma equipe restrita de cinco pessoas, incluindo o cônsul. Número claramente insuficiente para a expectativa de aumento de pedidos de vistos, o que representa metade do trabalho do consulado. As estimativas de crescimento são em várias áreas. Nollywood, a versão nigeriana de Hollywood, que faz da Nigéria um dos principais países do mundo em termos de produção cinematográfica, está começando a se interessar por coproduções com o Brasil. Sem falar que o país mais populoso do continente africano é hoje a nação com mais startups (mais de 5 mil) em África. Os desafios, como violência e tráfico de drogas, existem, como no Brasil. “A situação agora é assim, mas o empresariado está pensando a partir de 2030”, disse o cônsul, lembrando que Lagos não sofre com o problema do terrorismo que preocupa algumas regiões do norte nigeriano. “Em se tratando de criminalidade aqui, nos últimos relatórios mundiais de violência a Nigéria ficou no nível do Rio de Janeiro e abaixo de cidades como Baltimore e Detroit, nos Estados Unidos”, lembrou.

    Número de eleitores brasileiros na África aumenta, mas Brasil se afastou do continente promissor

    Play Episode Listen Later Sep 24, 2022 11:04


    Neste ano, 3.332 brasileiros poderão participar da eleição presidencial estando em 17 países africanos. O número de cadastrados no continente é quase 22% maior que o de 2018. Na eleição passada, 2.734 eleitores se registraram, só que no segundo turno mais da metade (54,2%) nem sequer apareceu nos locais de votação africanos. O percentual de abstenção ficou acima de 50% em 11 desses países. Vinícius Assis, correspondente da RFI na África do Sul Em 2018, Jair Bolsonaro recebeu no segundo turno 57,5% dos votos de brasileiros residentes na África. Os dados são do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal (TRE-DF), responsável por zonas eleitorais no exterior, e de embaixadas e consulados do Brasil em países africanos. A maior parte do eleitorado brasileiro no continente está na África do Sul, uma das maiores economias da região. Adalton e Fernanda Barbosa são originários de Salvador (BA) e se mudaram para a Cidade do Cabo em 2019. Além de trabalharem como modelos, os dois abriram um negócio próprio e vendem comida brasileira. Neste ano votarão pela primeira vez no exterior. “É muito importante”, frisou Fernanda. Ela acredita que este seja o meio de alguém dar o melhor para a própria nação estando longe dela. O casal acabou justificando o voto em 2018 por estar viajando, mas não quis perder a chance de votar desta vez. “Não estou feliz com este atual governo e estou com uma expectativa grande de mudança", disse Adalton. "Meu voto é muito importante para contribuir para isso”, destacou. O casal está entre os 1.016 brasileiros que neste ano podem votar na África do Sul, número aproximadamente 19% superior ao pleito de quatro anos atrás. Na última eleição presidencial, 855 brasileiros se cadastraram para votar no país (605 em Pretória e 250 na Cidade do Cabo). No próximo dia 2 de outubro, haverá urnas eletrônicas em cada uma dessas duas cidades. A maioria dos brasileiros residentes na África do Sul vive em Pretória, Joanesburgo e Cidade do Cabo. Os perfis são diversos. Há estudantes, empresários, servidores públicos, pesquisadores, militares, missionários e acompanhantes de expatriados. No país africano que tem Cuba e China como dois dos principais aliados, alguns brasileiros se mostram mais próximos do socialismo, enquanto outros demonizam o comunismo. A empresária Ana Karato nasceu em Salesópolis, interior de São Paulo, e mora na África do Sul desde 2008. Ela votou no exterior pela primeira vez na eleição passada. Casada, mãe de três filhas, Karato conta que apenas a mais nova da casa, de 3 anos, não irá votar neste ano. A eleitora paulista estima que o presidente Jair Bolsonaro correspondeu em seu governo ao favoritismo que teve no continente na última eleição. Quando a reportagem pediu um exemplo de ação, inicialmente ela se referiu “a aviões fretados para que brasileiros fossem repatriados” durante a pandemia. Na verdade, em 2020, a embaixada brasileira no país contratou apenas um avião da South Africa Airways – e não vários – por cerca de R$ 2 milhões, para repatriar em torno de 250 brasileiros. Os passageiros foram dispensados de pagar diretamente os bilhetes. A empresária brasileira disse ainda que não tem motivos para reclamar sobre a atual relação bilateral entre Brasil e África do Sul. “Quem estiver no governo, independente de quem for, precisa colocar os interesses do país em primeiro lugar. Eu teria que fazer uma análise para ver o que que seria interessante para o Brasil“, afirmou. Ela diz achar “interessante que o Brasil não está mandando dinheiro para outro país”. “O importante é o Brasil se desenvolver. Então, para você se desenvolver, é como no meio dos negócios: você vende alguma coisa, a pessoa precisa comprar. Tem que haver uma troca, não pode ser somente de um lado”, disse. Governos brasileiro e sul-africano mais distantes Os 12 voos semanais que ligavam São Paulo e Joanesburgo até antes da pandemia já não existem mais, o que para Kika Ermel, operadora de turismo que vive na África do Sul há 15 anos, é um dos exemplos do crescente distanciamento entre os dois países. Aliás, ela disse que a relação Brasil-África do Sul parece estar indo ladeira abaixo. “Politicamente falando, vejo uma falta de conexão entre os dois países”, lamenta Ermel. “Cadê o BRICS?”, pergunta ela, indignada, referindo-se ao bloco do qual Brasil e África do Sul fazem parte, junto com Rússia, China e Índia. Especificamente sobre a falta dos voos diretos, ela lembra que o assunto não é apenas uma questão comercial. “Há que ter a vontade política”, frisou. Kika conta que antigamente se programava para viajar para o Brasil e votar, mas há anos desistiu de fazer isso e prefere justificar sua ausência das urnas. Com perfil assumidamente conservador, ela declara que se identifica mais com Bolsonaro do que com Lula, os dois favoritos nesta eleição brasileira, mas evita partidarizar suas respostas em se tratando de expectativas para o próximo governo. Ela acredita que a pressão de Bolsonaro para tentar nomear o bispo licenciado da igreja Universal Marcelo Crivella como embaixador do Brasil em Pretória talvez possa ter criado um certo mal-estar na relação entre os dois países. O que também tem deixado a empresária do ramo de turismo indignada é o fato da embaixada brasileira na capital sul-africana estar há meses sem um embaixador. Falta de embaixadores e queda de exportações no governo Bolsonaro Atualmente, outras embaixadas africanas estão com o posto de embaixador brasileiro vago, como, por exemplo, Moçambique. Depois do constrangimento diplomático com Crivella, o governo da África do Sul aceitou a indicação do diplomata Benedicto Fonseca Filho, o primeiro embaixador negro do Brasil, que atualmente é cônsul-geral em Boston, nos Estados Unidos. Mas ele ainda precisa passar pela sabatina do Senado. “Certamente isso só acontecerá depois das eleições”, disse à reportagem uma fonte do Itamaraty. Na avaliação de Mario Schettino Valente, professor de Relações Internacionais do Ibmec da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a ausência de um embaixador em um país indica falta de prioridade. Em sua premiada tese de doutorado, defendida em 2020, Valente estudou os efeitos da política externa brasileira sobre o comércio exterior. “A tese comprova, de forma estatística, que a abertura de embaixada aumenta o fluxo comercial, principalmente as exportações”, afirmou. Atualmente, o que o Brasil mais envia para a África do Sul são óleos combustíveis de petróleo e carnes. E o que mais compra dos sul-africanos são minerais: prata, platina e alumínio representam mais da metade das importações brasileiras na pauta bilateral. Ainda de acordo com Valente, em 2019, o Brasil registrou o menor valor de participação nas exportações para a África do Sul em 20 anos. No primeiro ano do governo Bolsonaro, este percentual foi de 0,50%, maior apenas que o registrado em 1999 (0,49%). A constatação de recuo comercial é a mesma ao se analisar dados da África Subsariana. “Os piores anos da participação da África Subsaariana nas exportações brasileiras, desde 2000, foram em 2019 (1,628%) e 2018 (1,654%)”, informou. Ele acredita que a redução das atividades da Petrobras no continente tenha afetado este fluxo. Política externa minimizada na campanha A política externa não parece ser uma prioridade para os candidatos à presidência em 2022, muito menos em se tratando da África. Dos 11 candidatos que disputam a corrida presidencial, três citaram o continente africano em seus planos de governo: Léo Péricles (UP), Lula (PT) e Sofia Manzano (PCB). Pablo Marçal até fez referência à região no seu programa de governo, mas o PROS retirou a candidatura dele. Enquanto países como Turquia, Estados Unidos, Rússia e China seguem buscando cada vez mais espaço no continente africano, o presidente do Instituto Brasil-África (IBRAF), João Bosco Monte, lembra que o Brasil vem se afastando desta região desde 2015, e esse distanciamento se intensificou no atual governo. Brasília não deu à África a atenção correspondente ao resultado das urnas no continente em 2018. Para o presidente do IBRAF, a imagem do Brasil no exterior não é a mesma de anos atrás e isso se dá, muito, pela forma com que o presidente Bolsonaro conduz sua política externa. Na África não é diferente. “O Brasil não está bem representado. O presidente Bolsonaro, durante os seus quase quatro anos de governo, sequer pensou e, de forma objetiva, materializou a relação próxima que o Brasil tinha com a África. Ele nunca viajou para nenhum dos países africanos. Isso é muito ruim, porque não demonstra uma aproximação e interesse do Brasil em conversar com a África”, analisou. Engana-se quem associa a África a um lugar que apenas precisa de ajuda humanitária. Especialistas consideram este “o continente do futuro”. Não se fala em produção de carros elétricos, por exemplo, sem colocar na discussão a República Democrática do Congo, um dos maiores produtores mundiais de coltan, ingrediente fundamental para a produção de baterias, inclusive de telefones celulares. Brasileiros esperam reaproximação entre Brasil e África No segundo turno, em 2018, o petista Fernando Haddad venceu a votação em seis países africanos: Cabo Verde, Costa do Marfim, Marrocos, Nigéria, Tanzânia e Quênia, para onde o missionário católico Pedro Mariano Pinheiro se mudou há sete meses. Ele também é de Salvador (BA) e vive a cerca de 170 km da capital queniana, Nairóbi. Pinheiro já está se programando para ir até a capital, a fim de votar no dia 2 de outubro. “Acho que cada voto é importante para fazer a diferença e tirar esse governo que está acabando com nosso país. Mesmo aqui eu preciso exercer meu dever de eleitor”, afirma. O missionário disse ainda que espera mais diálogo entre o Brasil e o continente africano no próximo governo. O desejo dele é o mesmo da professora universitária Ivanise Gomes. Há 8 anos, ela vive em Moçambique, que terá neste ano o segundo maior eleitorado brasileiro no continente africano: 673 inscritos, apenas dois eleitores a menos do que em 2018. A brasileira, que antes optou por justificar sua ausência, decidiu não deixar de votar desta vez. “Eu acho que o Brasil está passando por uma situação muitíssimo delicada, política e socialmente. Para mim, é como um grito de socorro. Espero que meu voto faça diferença para que essa situação se reverta, que as coisas melhorem para o Brasil. Acreditar nessa melhora também vai reverberar nos países africanos, porque existia um diálogo entre Brasil, Moçambique, África do Sul, os países do sul global, e que foi esvaziado, cessado nesse último governo. Eu acredito que isso possa voltar a acontecer”, declarou a professora. Ela ainda criticou a atual falta de incentivos a pesquisadores brasileiros e moçambicanos, como existia quando ela chegou à região. “Que essa relação (entre os dois países) volte a ser como era antes, com bastante intercâmbio de saberes, professores, estudantes, além de outras áreas onde há cooperação entre Brasil e Moçambique”, completou. Voto com cédula de papel Durante a produção desta reportagem, vários brasileiros que vivem em países africanos e demonstram apoio ao atual governo em redes sociais foram contatados, mas muitos deles disseram que não fizeram o cadastramento eleitoral a tempo. Por isso, não poderão votar no exterior. Em nove países africanos, o voto será com cédulas de papel, uma vez que o número de eleitores brasileiros cadastrados não passou de 100. Após o fim da votação e a contagem local dos votos, todos os resultados serão imediatamente enviados a Brasília.

    Modelos baianos falam da representatividade negra no mercado da África do Sul

    Play Episode Listen Later Sep 11, 2022 11:04


    Não foi da noite para o dia que esses dois conseguiram estrelar campanhas de marcas de luxo. Unidos pelo trabalho, os modelos Fernanda e Adalton Barbosa se conheceram gravando um comercial e estão juntos há 12 anos. Os dois são de Salvador, Bahia, e começaram a carreira cerca de 15 anos atrás. Ela ainda era adolescente, tinha 16, como muitas nessa profissão. Vinícius Assis, correspondente da RFI na África do Sul Já ele começou a carreira com pouco mais de 20 anos de idade. O foco deles não são as passarelas, mas, sim, o mercado publicitário. Em 2013 ambos se mudaram para São Paulo, a mais cobiçada cidade brasileira para quem é desta área. Três anos depois, veio a ideia de dar um passo a mais na carreira: o mercado internacional. Foi, então, que fizeram contato com agências da África do Sul. Fernanda, que, por conta de uma campanha de shampoo na Argentina, já tinha feito a primeira viagem dela para fora do Brasil, acabou sendo convidada para uma temporada de três meses no país de Nelson Mandela, especificamente na Cidade do Cabo (ou Cape Town, em inglês). “Foi um desafio muito grande mesmo, eu lembro que eu não queria vir de jeito nenhum, viu. Eu fiquei com muito medo. O inglês foi o que mais me deixou apavorada. Vai ser muito difícil, eu estava com isso na mente, mas ainda bem que eu aceitei o desafio de vir. Passei os meus perrengues, que todo mundo que não fala inglês vai passar, mas valeu muito a pena mesmo”, lembra. Não saber se comunicar em inglês - um dos 12 idiomas oficiais da África do Sul - potencializou o nervosismo, mas não a impediu de encarar este desafio. Ela veio, mesmo sem dominar o inglês, para um país onde praticamente todo mundo fala mais de um idioma. “Absolutamente todo mundo que eu conheci aqui não só falava inglês, mas falava, tipo assim, quatro idiomas facilmente. Até o mendigo da rua”, destaca. Ela conta que isso a fez se sentir mal, por ser de uma potência gigantesca como o Brasil, onde se fala apenas português e não há muito incentivo para que se fale fluentemente outro idioma. Quando o contrato terminou, ela voltou para São Paulo. Aquele medo do início deu lugar ao sentimento de saudade. “Me bateu uma tristeza. Fiquei mal, doente e Adalto sem entender nada”, contou. Ainda em 2018, houve mais um convite, desta vez para passar seis meses na África do Sul. No fim daquele ano, Adalton acabou vindo também, mas a passeio. Era a primeira viagem internacional dele. Até que em 2019 os dois assinaram contrato de três anos com uma agência de modelos e se mudaram para a paradisíaca cidade que precisavam desbravar. “Foi paixão a primeira vista aqui nesse lugar maravilhoso”, disse Adalton, que entende do que Fernanda estava falando quando voltou para o Brasil. Mas a falta da fluência em inglês também foi um desafio para ele no início. Mas os dois voltaram para o Brasil, em abril de 2019, até que conseguiram, quatro meses depois, o visto de três anos para voltar para a África do Sul. Negros no mercado publicitário sul-africano No país estigmatizado pelo apartheid, regime de segregação racial que vigorou de 1948 até o início dos anos 90, e deixou marcas ainda perceptíveis, os negros representam cerca de 80% da população. Os brancos correspondem a quase 8%. Tem ainda os descendentes de indianos e os pardos, que somam os 12% restantes. É como oficialmente a população é dividida no censo sul-africano. O tom de pele de que vem de um país diverso, étnico-racialmente falando, como o Brasil é uma questão importante. “Isso é muito bem dividido e a moda é falada diretamente para cada tipo de grupo, coisa aqui no Brasil não é tão assim. Por exemplo: no Brasil é muito fácil uma menina mestiça, de pele bem clara, ocupar o espaço de uma menina negra. Não estou entrando em mérito aqui de quem é negro de quem não é”, frisa Fernanda, lembrando que apenas está comparando com a realidade do mercado na Cidade do Cabo, onde “quando eles querem uma modelo negra, eles querem uma modelo negra”. Ela lembra que brasileiras de pele mais clara e cabelos cacheados já vieram para a África do Sul e não trabalharam muito bem como achavam que trabalhariam. “Qual o grupo dessa menina aqui? Ela não vai encaixar quando o briefing pedir uma modelo negra. Em contrapartida, ela não vai encaixar tanto quando o briefing pedir uma modelo coloured (como os mestiços são chamados na África do Sul)”, esclareceu. Adalton enfatiza que, de um modo geral, o mercado para modelos negros é difícil.”A gente já sai perdendo para os brancos”, lembra. Mas ele, que usa dreads nos cabelos, diz que na África do Sul consegue trabalhar para marcas que vendem produtos mais elitizados, o que certamente não aconteceria se estivesse no Brasil. Mas mesmo assim eles enfrentam desafios por causa de suas características físicas. E por conta disso, Fernanda trabalha mais do que Adalton. “Eles dizem que o perfil de Fernanda é o perfil europeu. É a negra dos traços finos. Já eu, tive muita dificuldade de trabalhar no Brasil porque eu tenho lábios grandes e tal. Nesse tempo eu me cobrava muito. Sempre eu perdia para um modelo negro da pele mais clara com traços mais finos. Isso me deixava muito triste. Porém, aqui é bem legal para mim, porque eu me passo realmente como um africano”, disse. Adalton constantemente é comparado com os homens nigerianos e conta que o cabelo rastafári o faria ser visto apenas como “um negro descolado” no mercado da moda em São Paulo, deixando claro que a visão do negro endinheirado, dirigindo carros de luxo, praticamente inexiste no Brasil. “Aqui é diferente”, destaca o modelo. Fernanda faz questão de ressaltar a diferença entre modelos, de verdade, e profissionais do sexo que apenas se apresentam como modelos, mas acabam manchando a imagem de quem trabalha seriamente como eles. Essa confusão é “comum” por aqui também, onde - como no Brasil - existem os chamados books rosa e azul. A expressão é usada para definir o catálogo de mulheres e homens que fazem programas sexuais e são agenciados para isso. “Nesse mundo da moda, às vezes a pessoa pode se ludibriar facilmente com propostas. Pode acontecer, mas não dá para generalizar toda uma comunidade”, disse. É público e notório que nem tudo são flores neste meio. Em qualquer lugar do mundo, os cuidados são necessários para evitar que um sonho vire pesadelo. “Tem que prestar bastante atenção em qual agência você está, porque existem agências sérias e outras que não são serias”, alertou Adalton. Fernanda reforçou o alerta, lembrando que “muitas pessoas têm o sonho de ser modelo, entram em qualquer agência”, que pode ser “picareta”, onde os próprios “bookers” (agenciadores) as oferecerão para trabalhos que não tem a ver com o universo da moda e ainda afirmam que para elas serem modelos têm que passar por aquilo. “Procure uma agência séria. Procure ver modelos dessa agência. Vá no perfil da agência, veja os trabalhos que estão ali. Vá ao perfil do modelo, pergunte se a agência é séria de verdade”, recomendou. Os dois lembram que muitos podem cair em golpes quando acreditam que estão indo viajar em busca de oportunidades no mercado internacional da moda, mas acabam sendo vítimas de tráfico de pessoas. Pandemia e um plano B A África do Sul é o país que, até hoje, registrou o maior número de pessoas com COVID-19 do continente africano. E a pandemia atingiu em cheio o setor no qual esses brasileiros trabalham. O presidente Cyril Ramaphosa implementou um dos mais rigorosos confinamentos nacionais obrigatórios do mundo. Como modelos, os baianos recebem apenas se trabalham. Mas houve um momento em que os trabalhos pararam de aparecer. Antes dos casos surgirem por aqui, o coronavírus já estremecia a Europa. Por conta disso, os clientes europeus já tinham interrompido campanhas publicitárias com cenários sul-africanos. Foi quando um passatempo virou uma alternativa para garantir a renda do casal. Adalton começou a se dedicar à cozinha e experimentar receitas, como de bolos. Eles decidiram começar a vender a produção e criaram a Baianos in Cape Town. O foco é comida baiana, mas também vendem pão de queijo e feijoada. “Foi uma forma de não se amedrontar com a dificuldade que estava se iniciando”, lembra Fernanda. A embaixada e o consulado-geral do Brasil na África do Sul chegaram a bancar um avião inteiro para enviar brasileiros de volta no início da pandemia. Mas mesmo diante da incerteza sobre o futuro, o casal resolveu não voltar para São Paulo e, naquele momento, investir da venda de comida, o que os conecta diretamente com as suas famílias. A gastronomia brasileira é diversa, assim como a africana. Fernanda conta que chegou a chorar em um evento com um chef nigeriano quando provou um prato que a trouxe lembranças da infância. “Ele fez um tipo de sopa, que eu não sei dizer qual era o nome, mas que lembrou em cheio a comida que a minha avó fazia para mim. A gente tem o sarapatel, que é típico da Bahia, mas a forma com que minha avó fazia em casa era diferente. E era muito semelhante com a forma como ele fazia. Quando eu botei na boca, eu comecei a chorar”, disse. Aliás, os dois hoje se dizem fãs da comida nigeriana, exatamente por terem se identificado especialmente com os pratos e temperos deste país africano, mas a feijoada angolana, com verduras, também caiu no gosto do casal baiano. “Meu Deus, a minha avó fazia exatamente isso”, destacou Fernanda. Os trabalhos como modelos já voltaram, o que eles conciliam com a venda de comida brasileira, sem falar na produção de conteúdo para o canal que criaram na internet para falar da experiência deles na Cidade do Cabo. Dizem que, por enquanto, uma atividade não atrapalha a outra. Inicialmente a meta do casal era viver na África do Sul por três anos, cumprindo o contrato com a agência de modelos, que começou em 2019 e acaba no fim deste ano. Quando perguntados se já decidiram o que fazer quando o contrato acabar, os dois responderam juntos: vão continuar na África do Sul. Com a notícia de que a agência de modelos sul-africana quer renovar o contrato dos baianos por mais três anos, os dois já se preparam para extender os vistos de trabalho, o que não é algo tão simples na África do Sul. “A gente já criou raízes”, finalizou Fernanda.

    Economista Carlos Lopes lança novo livro e diz que Brasil pode participar da mudança estrutural da África

    Play Episode Listen Later Sep 3, 2022 5:55


    O economista da Guiné-Bissau Carlos Lopes lança um livro escrito com o economista do Zimbábue George Kararach onde fala sobre percepções que considera deturpadas sobre a África, além de novas narrativas sobre o continente e desenvolvimento no século XXI, passando pela necessidade de se investir na industrialização da região e oportunidades. Lopes diz não ter dúvida de que, no campo econômico, um dos maiores desafios da África é a industrialização. Mas entre os esteriótipos que o ocidente construiu sobre o continente africano, o que mais o incomoda é o de que a África nada mais é do que um fornecedor de matérias-primas, sem transformação. “É exatamente o modelo colonial”, disse. “Nós no livro tentamos demonstrar que há possibilidades reais de transformação estrutural, que há países que já estão fazendo a coisa certa, mas, evidentemente, não são a maioria. E, portanto, é preciso muito mais empenho para que esta transformação tenha lugar”, explicou Lopes. Os dois autores vêm trabalhando sobre o tema desenvolvimento econômico e dividiram as tarefas para escrever um livro a quatro mãos. Lopes contou à RFI que Kararach focou mais nos estudos de casos, enquanto ele cuidou da complexidade da narrativa de interpretação de todo o processo de transformação estrutural. Colonização O economista guineense, que foi secretário executivo da Comissão Econômica das Nações Unidas para África, disse que há características estruturais, históricas e culturais comuns entre os países africanos, principalmente em se tratando de heranças do período colonial. “Apenas um país africano não foi colonizado completamente, a Etiópia, mas tem muitas características comuns com os outros”.  Para ele, as diferenças que existem não impedem o debate sobre a África, em se tratando de representação global, em matéria de comércio. “Por isso os africanos têm que lutar, em termos internacionais, por um espaço de manobra, já que é mais fácil aparecerem no seu conjunto”, afirmou. A maior parte dos países desta região enfrenta problemas sistêmicos. “Quando olhamos para as diferenças, o que importa neste caso concreto abordado no livro é ver aqueles países que estão fazendo transformações estruturais e os que não estão fazendo”, disse. Quando se fala para quem não conhece a África, o economista reforça que é preciso enfatizar o tamanho geográfico do continente, o que normalmente as pessoas não consideram. “Muita gente não sabe que a China e a Índia são ‘pedacinhos' em relação à massa territorial da África”, lembrou. A Rússia “corresponde, em massa territorial, a mais ou menos um terço da África”, lembra. “Temos essa visão cartográfica completamente errada, e também essa visão errada em termos históricos, culturais, políticos. No livro tentamos corrigir essas percepções negativas”, disse. Ausência no programa eleitoral O economista afirma que não o surpreende o fato de apenas três candidatos à presidência do Brasil terem citado o continente em seus programas de governo. Mas lembra que “a África vai ter um papel muito importante no futuro e muitos países já o reconhecem”, citando o exemplo da Turquia, que vem aumentando consideravelmente sua presença no continente africano. Lopes afirma que “o Brasil tem muito o que aprender”. Lopes finaliza a entrevista deixando um recado a quem vai governar o Brasil a partir de primeiro de janeiro de 2023. Para ele, o país “caiu outra vez na armadilha de exportação de commodities”, depois de um processo de industrialização classifica de "bastante bem sucedido". “Temos problemas comuns e podemos desenvolver capacidades também de respostas comuns a nível de negociações internacionais”, disse o especialista africano.

    Carioca que assessora bancos e governos diz que Brasil está perdendo oportunidades na África

    Play Episode Listen Later Aug 28, 2022 7:21


    Formado em Direito, Bernardo Weaver foi seduzido pelo mercado financeiro logo no início da vida profissional. O sotaque não nega: ele é “da gema”. O primeiro emprego do carioca foi em um banco e ele acabou se tornando um financista. Fez MBA em Finanças nos Estados Unidos, onde mora há 20 anos. Vinícius Assis, correspondente da RFI na África do Sul Weaver já trabalhou para o Banco Mundial, desenvolveu projetos em países europeus e latino-americanos, o que ele considera marcante na própria carreira. Também deixou seus conselhos pelo Oriente Médio. Há três anos fundou a própria empresa para prestar consultoria a bancos e governos, inclusive na África. O primeiro país do segundo continente mais populoso do planeta onde atuou foi Moçambique, em 2014. “Foi um lugar que me marcou muito. Mostra a grandeza do nosso povo, o quanto a gente fez e o quanto a gente ainda pode fazer enquanto brasileiro”, disse. Em geral, os moçambicanos se identificam muito com o Brasil. Costumam ser muito bem informados sobre os artistas e também a economia brasileira. No interior do Senegal, em uma cidade chamada Ziguinchor, ele diz que conheceu também pessoas vindas de Guiné-Bissau, outro dos seis países africanos de língua portuguesa. “É uma região linda”, destacou, apesar de se lembrar dos desafios enfrentados pelos locais, como conflitos internos. “Acho que está mais calmo. Vale a pena visitar, sim”, ressaltou. O trabalho em Moçambique foi até 2019. “Eu estava ajudando governos municipais a aumentarem suas arrecadações, a diminuir a pressão fiscal que eles sofrem”, explicou. Dois grandes desafios de cidades africanas são moradias irregulares e a inadimplência de impostos, sem falar na grande dependência que municípios têm de repasses de verbas nacionais. “É melhor que as cidades tenham suas próprias fontes de receita e, com isso, os governos nacionais terão mais capacidade de pagar suas dívidas, investir em infraestrutura e melhorar o desenvolvimento econômico e a produtividade do país”, disse. A Mauritânia foi outra nação onde ele trabalhou, também no noroeste africano, como o Senegal, país, aliás, que o brasileiro diz ser o mais avançado dos dois. “A Mauritânia é um país muito menos desenvolvido, país muçulmano muito radical. Mulheres usam burca, você não pode tocar nelas”, contou, comparando este país que fica na região do deserto do Saara e também é banhado pelo oceano Atlântico com a Turquia, onde “mulheres usam calça jeans e andam sem véu no cabelo”. Infraestrutura sanitária deficiente requer investimentos No Senegal e na Mauritânia, ele analisou os sistemas de gestão de coleta de lixo para encontrar meios de fazer este tipo de trabalho com menos impacto danoso no meio ambiente. O objetivo também era aumentar a extensão da coleta e diminuir a insalubridade urbana, com um sistema de coleta de lixo eficiente. “O deles não era. Havia muita sujeira e lixão a céu aberto, o que gera doenças e cria um aspecto visual e econômico depreciado para a cidade”, disse. Ao detalhar o trabalho, o brasileiro contou que “fazia o modelo financeiro, via quanto ia custar os caminhões, fez um plano dentro das cidades para ter pontos de transferência para o lixo poder chegar ao aterro sanitário e ao centro de reciclagem para que pudesse ser disposto de forma ecologicamente correta”. Mercado de ações na Etiópia O último desafio está sendo criar um mercado de ações na Etiópia, um país de 120 milhões de habitantes sem praça financeira. O carioca vê a Etiópia como "um país que está meio perdido no mundo, em termos de relações políticas internacionais”. Neste aspecto, Weaver destaca uma possibilidade que o Brasil está perdendo, já que nos últimos anos veio se distanciando do continente africano. “O Brasil, que é um país que está isolado atualmente, podia chegar ali, botar um pouquinho de dinheiro e ia conseguir tudo. É o que os chineses estão conseguindo. E a gente tem uma afinidade cultural com eles um milhão de vezes maior. O pessoal da Etiópia parece 80% da população brasileira fisicamente”, disse. Ele afirma que poderia passar horas dando argumentos favoráveis a quem quer que seja sobre as possibilidades de investimentos no continente africano e na Etiópia, apesar do país enfrentar uma guerra civil, no norte, e estar na região chamada de o chifre da África, que sofre com a pior seca em 40 anos. “É quase impossível nāo ter (alguma oportunidade). Sempre tem alguma coisa”, frisou. “O mercado de ações da Etiópia certamente vai ter uma volatilidade muito grande no início, mas tem muitas empresas boas lá: a estatal de aviação é boa, a empresa de telecomunicações é boa, várias outras que estarão na bolsa de valores. É uma oportunidade tremenda para o Brasil ter um pé na África”, aposta. O Banco Central etíope quer agora a fusão de bancos locais para que possam enfrentar a concorrência do mercado internacional. “Se a Etiópia abre o mercado financeiro com bancos fracos, os bancos europeus e os dos países mais ricos da África vão entrar e destruir tudo, eles têm que se defender, com o fortalecimento do setor bancário. Foi o que eu falei para os diretores do Banco Central. Não sei se eles acataram ou tiveram a mesma ideia”, falou. De um modo geral, Weaver ressaltou que a “África é um lugar com potencial absurdo”, garantindo que a probabilidade de se conseguir bons projetos nesta região é grande. Ele repete que a China está aproveitando muitas oportunidades no continente. “O Brasil devia dar uma olhada lá para ver se tem alguma coisa que serve para o país”, salientou. Ele reforça que não diz isso com base em opinião, mas respaldado matematicamente. “É técnico! Muito difícil uma pessoa me provar que estou errado. Obviamente tem algo para fazer ali. Tem que analisar e ver se te interessa ou não”, disse. Assim como no continente americano, o brasileiro destaca que os países africanos também são diferentes. Rebate as críticas dos que olham para África como uma região hostil e violenta. “Para quem cresceu no Rio de Janeiro e em São Paulo, não existe ter medo de ir para o continente africano por causa da violência. No Brasil alguém te mata para roubar seu celular”, justifica. Sem exploração colonial Ele reconhece que “obviamente há crime”, mas diz que se sente totalmente seguro nas capitais dos países por onde passou. Por fim, Weaver defende que a elite intelectual do Brasil precisa se aproximar do continente africano. Ao falar em possibilidades de investimento, explica que isso não precisa necessariamente seguir um modelo colonial de exploração. “Se o Brasil conseguir investir, criar fábricas na África, a produtividade deles (países africanos) cresce muito mais. Obviamente o brasileiro que investir tem uma probabilidade alta de ganhar dinheiro, mas isso vai ajudar a desenvolver muito a África. Ao contrário dos países que tiram muita vantagem, é possível fazer algo mais equilibrado, adotar uma posição mais de parceria, o que sempre foi o norte do meu trabalho na África”, disse. Para o consultor, viajar para o continente a passeio é o primeiro passo para quem quer investir em um país africano. “Você vai para a África, experimenta uma cultura nova, lugar lindíssimo, um povo maravilhoso e gente de tudo quanto é tipo. Pega um avião e vai fazer turismo”, recomenda.

    Dos candidatos à presidência do Brasil, apenas três citam a África nos planos de governo

    Play Episode Listen Later Aug 21, 2022 4:56


    A política externa não está no centro das atenções dos presidenciáveis, muito menos o continente africano, na análise do presidente e fundador do Instituto Brasil-África (IBRAF), João Bosco Monte. Para ele, poucas linhas dos planos de governo são destinadas a explicar como o Brasil vai se comportar no cenário internacional e isso fica mais claro ainda em se tratando de África. “Há pouca definição de como o Brasil vai conversar com um continente tão grande, com 54 países”, destacou. Vinícius Assis, correspondente da RFI na Etiópia Dos candidatos que se lembraram do território africano em seus programas de governo, um é negro: Léo Péricles, do UP. Os outros são brancos: Lula, do PT e Sofia Manzano, do PCB. Antes do PROS anunciar a retirada da candidatura de Pablo Marçal e o apoio a Lula, Marçal também era um dos que citaram a África no programa de governo. “Acho que é pouco”, lamentou o professor de Política Internacional e Comparada na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Dawisson Belém Lopes, diante da quantidade de candidatos que se lembraram de governos africanos em seus programas. Ele ressaltou o grande potencial do segundo continente mais populoso do planeta ao falar que, além de ter um passado em comum, Brasil e África deveriam ter um futuro em comum como prioridade. “Uma região com 1,2 bilhão de seres humanos, com um crescimento econômico acima da média global, com potencialidades evidentes em qualquer esfera das relações internacionais, com um plano arrojado de desenvolvimento, que é encabeçado pela União Africana, a Agenda 2063, um continente que tem despertado um interesse e a atenção das grandes potências do mundo deveria receber do Brasil também um tratamento prioritário”, avaliou. “A África não é só dívida histórica, não é só um passado em comum. África é presente e África é, sobretudo, o futuro.”  África nos planos de governo Ao tratar do assunto, Lula (PT) fala em defesa da soberania brasileira e da recuperação de uma “política externa ativa e altiva” que alçou o Brasil à condição de protagonista global no passado. “Reconstruiremos a cooperação internacional Sul-Sul com América Latina e África. Defendemos a ampliação da participação do Brasil nos assentos dos organismos multilaterais”, diz o documento, que ainda fala na “implementação de um amplo conjunto de políticas públicas de promoção da igualdade racial e de combate ao racismo estrutural”. O candidato Léo Péricles (UP) se mostra anti-imperialista e deixa claro no plano de governo dele que pretende “aprofundar as relações multilaterais entre os países vizinhos na América Latina e retornar aos esforços diplomáticos contra hegemônicos, com os parceiros estratégicos africanos e asiáticos. Voltar a exportar influência e excelência técnica nas áreas em que o Brasil é referência e intensificar o intercâmbio com as experiências internacionais de transformação social, sobretudo para a superação do subdesenvolvimento”. Já Pablo Marçal (PROS) resume seus planos para a pasta de Relações Internacionais em dois tópicos: blocos econômicos com países prósperos e influentes nas decisões globais e um bloco Brasil-África. “Assumimos o compromisso de aproximar as relações políticas e econômicas com o continente africano, por meio de cooperação comercial e empresarial, visando o desenvolvimento mútuo através do bloco econômico Brasil-África, que buscará o trabalho direto com as 54 nações africanas”, traz o documento. A candidata Sofia Manzano (PCB), por sua vez, se compromete a “estabelecer relações diplomáticas e econômicas com os países em África levando em conta as vantagens mútuas, trabalhando para quebrar a relação subimperialista da burguesia brasileira com esses países. Pautar a criação de uma organização de Países Exportadores de Energia, Petróleo e Riquezas Minerais em âmbito latino-americano e africano, para proteger os interesses dessas regiões frente às investidas imperialistas”. Os programas de Jair Bolsonaro (PL) e Simone Tebet (MDB) até citam o BRICS, bloco do qual a África do Sul faz parte, junto com Brasil, Rússia, Índia e China, mas não se referem em momento algum ao continente africano especificamente. Todas as candidaturas ainda aguardam validação. Enquanto potências globais, como Rússia, Estados Unidos e China, buscam cada vez mais parceiros africanos, de olho no futuro, o professor Dawisson Belém Lopes, que também é pesquisador visitante na Universidade de Oxford, diz ter a impressão de que o Brasil está ficando para trás ao menosprezar o continente africano. “Acho que transcende nossos laços históricos, culturais e identitários com a África. Todo candidato à presidência da República Federativa do Brasil deveria, por óbvio, enfatizar a África quando tratar de política externa. Acho que é o mínimo”, destacou. O advogado sul-africano Emile Myburgh, que defende interesses de quase todas as grandes empresas brasileiras na África do Sul e também de empresários africanos no Brasil, disse que o fato de dois terços dos candidatos à presidência ignorarem o continente não o surpreende. “Dos dois lados há muita ignorância sobre o outro. Tem muita falta de conhecimento sobre nossos continentes. E os candidatos apenas refletem quem os apoiam. ¨Por isso tem uma minoria que fala sobre África”, disse. Racismo estrutural e institucional Para a doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo Paola Prandini, que atualmente mora em Maputo, capital de Moçambique, o fato diz muito sobre o racismo estrutural e institucional ao qual o povo brasileiro está submetido. “Infelizmente, essa estrutura desigual e extremamente injusta a que nós temos vivido historicamente, desde o processo de colonização portuguesa, no caso do Brasil, tem mostrado o quanto não se conhece do continente africano, mesmo sendo este o berço da humanidade. E sem África não existiria Brasil, uma vez que falamos de um país em que 56% da população se autodeclara negra e, portanto, afrodescendente”, afirma. Paola Prandini disse ainda que essa postura da maioria dos candidatos à presidência no Brasil “também demonstra o silenciamento proposital que acontece em relação a essa estrutura verticalizada e muito condicionada pela branquitude brasileira, o que também faz com que haja essa falta de interesse de perceber a obrigatoriedade e a emergência de se tratar de um continente que tem sido considerado globalmente como o continente mais importante do mundo nos próximos anos”. Brasil vem se afastando da África Nos últimos anos, o Brasil se distanciou do continente africano – um recuo brasileiro que começou antes do atual governo, de acordo com o presidente do IBRAF, João Bosco Monte. "O Brasil, desde o governo da presidente Dilma, depois passando pelo presidente Temer e, agora, com o presidente Bolsonaro, não olhou com a atenção devida para o continente africano. As relações se esfriaram”, disse. Para ele, isso ocorreu por decisão direta dos governantes. “Não houve uma intenção direta de fazer com que os movimentos de um lado e outro do atlântico se potencializassem. Ao contrário”, disse. Bosco lembra que a Dilma Rousseff teve poucas experiências com o continente africano e isso se repetiu com Michel Temer. “Não houve uma deliberada intenção de priorizar, de viabilizar as relações diretas”, reforçou, antes de destacar que a relação do Brasil com a região piorou com o presidente Bolsonaro. “Não houve uma única intenção de ter uma conversa mais direta com o continente africano. O presidente Bolsonaro nunca viajou para a África. Isso é muito ruim nos seus quase quatro anos de governo”, lamentou. Desde 2012, anualmente o IBRAF organiza o Fórum Brasil-África, com o objetivo de unir interesses em comum dos dois lados do oceano atlântico entre empresários, organizações, pesquisadores e, claro, governos. “Haveria de existir uma intenção de conversar com economias grandes, como Nigéria, África do Sul, Quênia, Marrocos, República Democrática do Congo, que têm, certamente, muito a contribuir com a agenda comercial do Brasil. Infelizmente, isso foi relegado e o ruim é que alguns países ocuparam, de uma forma muito direta, espaços que o Brasil já tinha estabelecido, como parcerias com alguns países do continente africano”, disse João Bosco Monte. Recados ao próximo governo Além de advogado, Emile Myburgh também é piloto de avião e acredita que o próximo governo, independentemente de quem vencer, deve se envolver na retomada de voos diretos entre o Brasil e a África do Sul. Dos 12 voos operados por duas companhias aéreas que semanalmente ligavam São Paulo e Joanesburgo até 2020, suspensos por conta da pandemia, nenhum voltou a operar. Incentivar o restabelecimento desses voos por uma ou mais companhias aéreas deve ser um objetivo do próximo governo, na opinião dele. Atualmente, passageiros que viajam do Brasil para a África do Sul, e vice-versa, a negócios ou a passeio, precisam fazer escalas em locais como Dubai, Doha, Adis Abeba, Turquia e Luanda, deixando a viagem mais longa, cansativa e cara. “Isso não é bom para a aproximação dos dois países e, visto a falta de conhecimento entre os dois países, eu não vejo esses voos sendo retomados sem um incentivo político”, disse. Em seguida, o advogado recomenda que o próximo a ocupar o Planalto se lembre da primeira década deste século, quando as maiores empresas e bancos sul-africanos se estabeleceram no Brasil e as maiores empresas brasileiras vieram para África. “Isso pode ser retomado e repetido”, lembrou. “Aquela relação que se deu naquele momento foi muito importante para que interesses africanos pudessem ser também interesses brasileiros”, destacou João Bosco Monte. Na opinião da doutora Paola Prandini, investir em conhecimento sobre países africanos deve ser prioridade. Ela destaca a necessidade de se fazer cumprir a lei federal 10.639, de 2003, que instituiu que todas as escolas brasileiras devem ter conteúdos relativos à história e cultura africana e afro-brasileira como parte dos currículos. “Infelizmente, quase 20 anos após a aprovação dessa lei, nós ainda sofremos com uma não viabilidade periódica da aplicação dessa lei”, lembra A educação, para ela, é essencial em qualquer processo político. “Para que tenhamos cidadãs e cidadãos conscientes, e que ajam de forma coerente com a sociedade em que vivem, não há como desconectar o Brasil do continente africano”, concluiu.

    Brasileiro ensina capoeira a crianças salvas de grupos armados no Congo

    Play Episode Listen Later Aug 7, 2022 19:25


    Há seis anos o brasileiro Flávio Saudade vive na cidade congolesa de Goma, onde ensina capoeira a crianças salvas de milícias armadas. Recentemente, ele acompanhou os protestos ruas contra a Monusco, a maior missão de paz que a ONU realiza atualmente.  Vinícius Assis, correspondente da RFI no continente africano As manifestações na República Democrática do Congo, aterrorizado por dezenas de grupos armados, já deixaram mais de 30 mortos e 170 feridos. A mobilização deixa claro o descontentamento de moradores com a missão da ONU que, para parte da população, não tem garantido a tão desejada paz. O general brasileiro Marcos de Sá Affonso da Costa é quem comanda a tropa da Monusco, de cerca de 15 mil militares de diferentes partes do mundo. Nascido em São Gonçalo, região metropolitana do Rio de Janeiro, Flávio Saudade já morou no Haiti, que também recebeu uma missão de paz da ONU com o objetivo de colocar ordem no país, depois de um conturbado período e a deposição do presidente Jean-Bertrand Aristide. O capoeirista ouve hoje o clamor de congoleses pedindo a saída da Monusco e lembra do que aconteceu no Haiti. “Quando existia toda aquela manifestação no Haiti, a gente ouvia muitos haitianos amigos nossos falando que quando a missão deixasse o país, tudo iria ficar pior do que em 2004 [ano do golpe de Estado]. E eu vejo hoje que o Haiti se afundou realmente numa situação ainda pior, que acabou levando várias pessoas queridas”, diz.  Flávio Saudade lamenta ao falar dos jovens haitianos a quem ensinava capoeira e que morreram no conflito. Ele teme que a mesma situação se repita na República Democrática do Congo. O capoeirista fala também de recentes ataques à casas de integrantes e bases da Monusco. “A gente soube que foi uma ação articulada. Eles tinham equipamentos. Então não foi uma coisa somente do povo”, disse. O brasileiro acredita que, assim como na nação caribenha, manifestantes congoleses podem também estar sendo influenciados politicamente: “Eu, particularmente, acredito que houve, sim, uma uma influência de forças políticas, mas eu não falo políticas partidárias. E forças exteriores que influenciaram grupos de pessoas para realizar esses ataques”, suspeita. A capoeira o levou a viver nesses dois países, que ele considera "ricos em calor humano", porém com populações ameaçadas pelas realidades enfrentadas, como em várias regiões do Brasil. Flávio faz paralelos entre os três países e vê semelhanças com a própria infância. A capoeira na infância precária Flávio é o segundo mais velho de quatro filhos. Perdeu o pai aos 8 anos, fato que o marcou psicologicamente e desestruturou a família, inclusive financeiramente. A casa da avó passou a ser o novo endereço. Faltava dinheiro, mas não o apoio afetuoso de parentes e vizinhos e fé.  “Eu me lembro da minha avó fazendo o sinal da cruz na boca e dizendo: não tem o que comer, então, a gente tem que agradecer e aguardar que amanhã Deus dará”, lembrou. Foi na infância que conheceu a capoeira, através de um tio, de quem Flávio fala com muita admiração. As mesmas lições que aprendeu com ele o brasileiro usa para se enturmar nas áreas periféricas onde atua hoje. Os primeiros movimentos da capoeira lhes foram ensinados para que pudesse se defender, assim como faziam africanos escravizados. As lições de combate foram aperfeiçoadas com estudo e dedicação ao longo do tempo, o que o permitiu levantar hoje a bandeira da capoeira social como um instrumento transformador. Mestiço, o brasileiro revelou ter descendência italiana e espanhola, mas a melanina na pele não esconde as raízes africanas. Flávio contou como teve as primeiras percepções sobre cidadania e negritude. “A capoeira me deu essa noção, do reencontro com minha raiz, com a África, com meus ancestrais. Ela me trouxe essa questão identitária que me permitiu me posicionar e, sobretudo, conhecer a minha história, a história dos meus ancestrais e, a partir dai, a cidadania, que deve nascer do conhecimento das nossas origens”, explica. Saudade que virou sobrenome Com o falecimento do pai e a situação financeira da família cada vez mais difícil, a mãe de Flávio não conseguiu mais pagar a escola particular que ele frequentava. Como o desligamento da escola não foi oficializado, as cobranças continuaram. Sem quitar a dívida, foi impossível conseguir o documento necessário para fazer a transferência para outro colégio. Assim, Flávio cresceu com saudades da escola, mas não de braços cruzados. Aos 21 anos, ganhando a vida como ajudante de pedreiro, conseguiu terminar o então "primeiro grau" (hoje ensino fundamental) graças ao extinto Telecurso 2000, quando teve contato com um computador pela primeira vez. Projetos sociais transformaram a vida dele, que conseguiu entrar para uma universidade particular e estudar Publicidade. Adulto, ele passou a trabalhar em uma ONG no Rio de Janeiro. A atividade na capital o distanciou de muitas pessoas queridas em São Gonçalo, inclusive da turma da capoeira. Nos reencontros com algumas dessas pessoas ele sempre expressava sua saudade, ao lembrar dos encontros que já não eram tão frequentes. Foi desta forma que o sentimento virou seu sobrenome. Hoje Flávio é coordenador de uma programa da ONG Gingando pela Paz, criada em 2005 e que o levou a ser convidado para ir ao Haiti, em 2008. Por conta disso, abandonou a faculdade. “A missão no Haiti seria para um ano, mas fiquei lá oito anos”, lembra. A mudança para o Congo Em 2016, Flávio se mudou para o Congo, mesmo ainda sem dominar o francês, idioma oficial na ex-colônia da Bélgica. Hoje ele vê semelhanças entre as crianças do Congo, as do Haiti e as brasileiras, de São Gonçalo. "São crianças em situação de rua, que foram mobilizadas para grupos armados e estão em processo de desmobilização”, diz. Segundo ele, a maioria é menino, mas há também meninas, sobreviventes de violência sexual. “Os tipos de violência, de problemas que essas crianças carregam são enormes, mas são todas crianças”, ressalta. “São crianças que são 'ricas', que tem todo potencial para realizar muitas coisas boas na vida. Porém, são crianças que estão em um contexto de ameaças muito grande como eu estava em São Gonçalo, sobretudo a violência armada”, compara, lembrando das memórias da infância. A dificuldade de acesso à alimentação das crianças congolesas o remetem à vida na região metropolitana do Rio de Janeiro. Mas o brasileiro também se lembra de uma época em que se podia brincar na rua até tarde da noite, o que não é mais possível em várias regiões dos países onde ele morou. Se de um lado há o tráfico de drogas, que - como em áreas do Rio de Janeiro - se apresenta como uma arriscada opção para jovens ganharem muito dinheiro ilegalmente, do outro estão as milícias armadas, que não costumam dar às crianças o direito de escolha. “O agravante é que elas são ameaçadas pelo sequestro para integrar grupos armados. Na minha época não havia esse perigo, sendo forçado. O tráfico de drogas sempre esteve lá e entra quem quer, como até hoje é. Mas aqui existe essa problemática do recrutamento forçado de crianças para ingressar em grupos armados”, contou. Capoeira como instrumento transformador Ele concorda que a capoeira, apesar de reconhecida pela Unesco como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, não é muito difundida no Brasil, onde nasceu. Mas, no exterior, a manifestação afro-brasileira vem se popularizando e, graças a trabalhos como o desenvolvido por ele, transforma realidades. O brasileiro considera a capoeira uma “tecnologia social que permite a reconstrução dos laços de confiança e afetivos”. Vínculos que, no caso dessas crianças, muitas vezes foram cortados com o recrutamento dos grupos armados. “A capoeira nos permite ter a consciência de coletividade. Muito mais do que uma prática esportiva, uma modalidade marcial, na origem dela tem a coletividade, cooperação, tudo o que é necessário para que a comunidade consiga se manter, se reestabelecer enfrentar seus desafios”, explicou. A imagem positiva do Brasil entre os congoleses o permite circular em áreas onde estrangeiros normalmente não vão. “Acho que o Brasil carrega essa responsabilidade do país que agrega pessoas, que recebe, acolhe. Infelizmente hoje nós vemos o Brasil transmitindo uma imagem de violência, armamento, intolerância com os mais humildes, os mais vulnerabilizados”, lamenta ao se referir ao assassinato do congolês Moïse Kabagambe, de 24 anos, no Rio de Janeiro. “Para os congoleses, isso é difícil de entender, como um país que eles olham como um local de paz e segurança, acolhedor, pode tratar um irmão dessa forma”, contou. A violência armada, de certa forma, não permite ao brasileiro viajar mais pelo país famoso pelas belezas naturais, onde fica a segunda maior floresta tropical do planeta, atrás apenas da Amazônia. Mas o capoeirista sabe exatamente o que responder quando alguém pergunta, sem entender, o que ele ainda faz no Congo. “Muito embora existam tantos problemas aqui no Congo, eu estou aprendendo, na verdade, e eu estou ganhando, crescendo enquanto ser humano, pessoa e profissional. Acredito que a África tem muito a ensinar, sobretudo a brasileiros e toda a diáspora que acabou se afastando de coisas simples”, conclui. 

    “Forró é a mistura de três culturas: africana, indígena e europeia”, diz brasileiro que ensina o ritmo em Ruanda

    Play Episode Listen Later Jul 24, 2022 6:49


    A dança já levou Fábio Reis a 20 países. O gingado certamente está no DNA deste filho de baianos que nasceu em São Paulo. Apesar de ter crescido ouvindo forró, principalmente nas férias que passava com a família na Bahia, começou a dançar mesmo aos 19 anos. Vinícius Assis, correspondente da RFI  “Eu não sabia nada. Tinha até um pouco de preconceito com o forró por causa da minha família que escutava forró o dia inteiro. Eu gostava mais de ‘putz putz'”, contou ele, ao lembrar que era com música eletrônica que se divertia. Só que foi “arrastado” pela namorada da época para o popular ritmo brasileiro. “Fui dançar com ela, não consegui, pisei no pé dela. Ela ficou meio brava e eu falei: Vou aprender a dançar esse negócio”, lembrou. Depois disso, começou a fazer aulas e se encantou, inclusive pelos laços com a família. “Desde quando eu estava na barriga da minha mãe, nas festinhas, tudo era forró”, disse, destacando que a família do pai gosta mais de dançar do que a da mãe. Discípulo do famoso coreógrafo e professor Jaime Arôxa, Fábio diz que foi formado “pela vida” para fazer o que faz. “Estudei a dança com foco no comportamento humano. Um estudo autodidata que eu faço até hoje”, esclareceu. Ele também trabalhou como DJ, o que o permitiu conhecer muitas pessoas na área de eventos. Em 2015, fechou a escola que tinha aberto no Brasil para começar a primeira turnê na Europa. Chegou a viver na França, na cidade de Lyon, e também trabalhou com o que mais gosta morando na Alemanha, onde conheceu a esposa, Melanie Axiotis. O dançarino contou que o forró é muito popular em alguns países europeus e que hoje em dia há dezenas de festivais naquele continente. “Quase todo fim de semana tem um festival de forró em algum lugar”, disse. Foi em um desses festivais, em Berlim, que ele e Melanie se conheceram, em 2018. Fábio nunca havia visitado um país do continente africano, que tanto influenciou a música e a dança no Brasil. Origens do forró O brasileiro conta que um terço do forró vem da África. “O forró é a mistura de três culturas muito importantes: africana, indígena e europeia”, explicou. De acordo com o professor, o movimento dos pés quando se dança forró é uma influência indígena. Já o balanço do quadril é o “toque” da África. E o abraço vem de danças europeias. Inspiração no molejo e, acredita-se, no nome também. Ele conta que uma das hipóteses sobre a origem da palavra forró é a expressão “forrobodó, que vem de uma palavra africana que significa bagunça, festa. E aí tiraram o bodó e deixaram só o forró”. A esposa do brasileiro - uma alemã que também é forrozeira - acabou recebendo uma proposta para trabalhar em Ruanda. E a oportunidade veio em um momento em que o Fábio vivia uma ótima fase profissional na Alemanha. “Eu estava no auge, com mais de cem alunos, dando aulas em três lugares diferentes, tudo cheio, festas umas duas vezes por mês”, lembrou. Mas, como bom companheiro, Fábio refez seus planos e se mudou com ela para o país do leste africano. “Para mim Ruanda era Luanda, capital de Angola”, conta e lembra que até hoje quando diz onde vive alguns amigos confundem o país com a capital angolana. O que também incentivou o brasileiro a vir foi a possibilidade de ter contato direto com quem entende mesmo de dança no continente africano. “Isso foi o que a África deu para a gente: dança, agito, festa”, destacou. Infelizmente, nem toda a história do continente é alegre. Ruanda é um país ainda marcado pelo genocídio contra os Tutsi, em 1994, que matou quase um milhão de pessoas. “Tem me chamado atenção a maneira de eles serem respeitosos depois de tudo o que eles passaram. Eles me passam uma tranquilidade”, declarou sobre o convívio diário entre os ruandeses, independentemente da etnia. O casal vive há dois anos na capital, Kigali. O brasileiro fez uma comparação entre o comportamento de parte da população de Ruanda e a postura de quem vive na Alemanha, nação europeia estigmatizada pelo nazismo. É como se algumas pessoas se comportassem bem diante das outras, mas guardando ainda escondido no peito algo mau resolvido. “Tem uma tensão ali, e eu percebi essa tensão também quando eu morei na Alemanha. É um povo que tem uma preocupação, no meu ver, por conta de como eu fui criado, com o respeito. É demais: muita educação, muito respeito. Tem que tomar cuidado com isso, como vai falar, como vai chegar”, disse. Resiliência é uma palavra que combina com Fábio e, na opinião dele, com o povo de Ruanda também. Eles estão na luta ainda e eles sabem que é um passo de cada vez. Eles têm essa percepção de que não é de um dia para o outro (que se supera algo como o genocídio). E 20 anos passam muito rápido. Olha como (o país) está agora. Aos poucos, ele vai conquistando o próprio espaço. O brasileiro já começou a dar aulas a pequenos grupos. Muitos dos alunos, até agora, foram europeus. Por conta da pandemia, o professor teve que se reinventar e desenvolver um método online para continuar dando aulas. Nem é preciso, necessariamente, uma segunda pessoa para o aprendizado virtual. Móveis e objetos como travesseiros podem ser usados nas aulas. “Ensinar forró online eu descobri que é trazer para as pessoas o que elas já fazem no dia a dia delas, porque dançar é você mover o corpo em cima de uma música, um ritmo, uma melodia”, resumiu. Enquanto no forró normalmente a mulher segue o homem, na vida deste casal foi o Fábio quem decidiu seguir a esposa quando a alemã recebeu a proposta para trabalhar em Ruanda. Decisão que ele não se arrepende de ter tomado. “Quando você começa a ver a felicidade do seu parceiro ou da sua parceira, você fala: como faço o meu projeto estar junto com o dela (ou dele)?”, disse. Fábio deixou essas palavras como uma dica aos casais que estão passando por este dilema. Para o brasileiro, isso pode ser também uma possibilidade para se sair da mesmice. “Eu estava fazendo o mesmo que eu fazia no Brasil há muitos anos. Então, eu falei: Por que não? Como seria o Fábio professor de forró em Ruanda?”, disse. Se depender dele, em breve muitos ruandeses estarão dançando forró. E o brasileiro, quem sabe, dançando ao som de ritmos locais. 

    Brasileira vivendo em Ruanda conta que nem tudo é “cor de rosa” no mundo das organizações na África

    Play Episode Listen Later Jul 17, 2022 7:45


    Desmotivada a continuar trabalhando no meio corporativo, e “cansada de contar diariamente milhares de mortos por causa da Covid-19 no Brasil”, em novembro do ano passado Caroline Haddad resolveu se mudar para Ruanda, pequeno país do leste africano com uma população equivalente a da cidade de São Paulo. Vinicius Assis, correspondente da RFI na África do Sul Ela não veio fazer voluntariado, mas o objetivo era trabalhar com algo mais focado em questões sociais, em vez de continuar apenas “vendendo pasta de dente”, como ela disse durante a entrevista na casa compartilhada onde mora atualmente na capital, Kigali. “Eu nunca tinha pisado em um país do continente (africano)”, destacou. Ela reconheceu que a imagem que tinha em mente era a do estereótipo associado ao genocídio contra os Tutsis, em 1994. “Ruanda, acho que é um ponto fora da curva no continente. Pegando especificamente Kigali, é uma cidade super organizada, limpa, arborizada. Não é aquele ‘mar de gente' andando pela rua, que é o que você imagina em uma capital, principalmente em um país em desenvolvimento”, conta ao falar sobre o que mais a surpreendeu aqui. Caroline nasceu em São Paulo. Cresceu em Araraquara, no interior, e voltou para a capital mais tarde, onde se formou em Comunicação com ênfase em Marketing. Também fez mestrado em Comunicação de Marcas, na França. O cansaço com o ambiente em que trabalhava a fez tomar uma decisão no fim de 2017: era hora de dar uma pausa. No ano seguinte começou a viajar, trabalhando remotamente com consultorias. “Essa é a vantagem de não ter emprego fixo: eu poderia ficar quatro ou cinco meses viajando (e trabalhando)'', lembrou. Descoberta do trabalho de Oranizações Internacionais Assim foi entre 2018 e 2019. A ideia para os meses seguintes já era conhecer países do leste africano, mas veio a pandemia. Foi neste período que ela conversou, em São Paulo, com um brasileiro que morava em Kigali sobre o trabalho dele em uma organização internacional sem fins lucrativos que assiste pequenos agricultores ruandeses. Caroline trabalha nesta empresa atualmente. A experiência a tem feito refletir sobre este setor, que ela não conhecia. “Trabalhar para uma organização que tem um propósito mais social eu acho que é diferenciador”, disse. Mas ela contou o que a surpreendeu e pode decepcionar algumas pessoas que também querem vir trabalhar com o foco no lado social no continente africano. “Algumas questões acabam passando normalmente pela mesma estrutura que você passa trabalhando para uma grande empresa. Tem toda a coisa do corporativo, das relações interpessoais, da burocracia do escritório, principalmente se você trabalha em grandes organizações. Talvez a gente idealize muito, por entender que (o trabalho) é um propósito maior. A gente idealiza aquela estrutura e ela também acaba passando por questões que são sistemáticas no mundo que a gente vive”, esclareceu. A brasileira destaca que essas grandes organizações vivem de financiamentos, principalmente, de grandes fundações bilionárias e na maioria das vezes beneficiam organizações internacionais em países africanos, em vez das locais. Boa parte dos recursos é usada para manter essas grandes estruturas funcionando. Ou seja: nem sempre a maior parte do orçamento é usada em benefício direto da população. “Existe um fluxo grande de financiamento que vem, na teoria, para redistribuir riquezas, mas ele acaba voltando para organizações que são também internacionais, que têm a maior parte da liderança de pessoas estrangeiras morando em África”, lembra. Choque de culturas Caroline ainda fala do choque de pensamentos, ao enfatizar que, em vez de respeitar culturas locais, muitas vezes essas lideranças estrangeiras trazem um jeito de pensar e agir que é de fora e, mesmo assim, tentam adaptar isso à realidade local, o que nem sempre funciona. “Eu não contava com isso. Acho que isso é uma questão a ser levada em conta (por quem quer vir para cá fazer o mesmo). Não sei se trabalhando em uma organização brasileira no Brasil eu teria este tipo de observação e crítica. Gera uma certa confusão. Estou aqui para um bem social, mas por outro lado beneficiando uma organização que é estrangeira e que lida com milhões, bilhões de dólares, e de que modo que isso é revertido para a população local”, desabafou. Nem sempre ela vai às áreas rurais onde estão os pequenos agricultores, regiões com infraestruturas bem diferentes das que se vê na capital. É neste ambiente que ela se dedica mais às pesquisas, tem um contato direto com a população que mais precisa de ajuda para se desenvolver economicamente. “Quando converso com os agricultores acabo esquecendo um pouco o que está acontecendo no mundo dos escritórios”, diz. A maior parte das tarefas ela desenvolve remotamente, mas também já esteve em países como Tanzânia, Zâmbia e Quênia por conta do trabalho. No dia da entrevista, a brasileira levou a reportagem para um tour gastronômico em Nyamirambo, uma popular região de Kigali onde vivem muitos muçulmanos. A capital ruandesa faz jus a fama de mais limpa do continente africano, embora os desafios urbanos existam aqui também. A vida em Ruanda Caroline se considera uma pessoa bem crítica e destaca a influência do autoritário governo de Ruanda no dia a dia da população. O país é comandado pelo mesmo homem há mais de 20 anos. O presidente Paul Kagame tem influência na política de Ruanda desde os anos 1990, quando houve o genocídio contra uma das três etnias do país. Fala-se em quase um milhão de mortos naquele sangrento ano de 1994. Este ainda é um assunto delicado para se tocar com quem não se conhece bem por aqui. A pele bronzeada e os lisos cabelos escuros que fariam Caroline ser chamada de morena no Brasil a fazem ter um tratamento privilegiado, como uma branca estrangeira em Ruanda. Ela ressalta que Kigali é uma cidade muito segura, o que para ela também tem a ver com este autoritarismo do governo. É comum ver policiais e até seguranças privados armados com fuzis nas ruas. Apesar das críticas ao chamado terceiro setor, ela recomenda a experiência, mas com cautela. “Se a pessoa tem interesse em conhecer esse mundo do desenvolvimento internacional é uma experiência importante, inclusive para ter essa percepção mais de perto. Mas tem de vir com a consciência de que não é tudo lindo, ‘cor de rosa', que existem questões mais complexas que passam por essa questão de, alguma forma, ainda se hierarquizar o que é ocidente, europeu, americano, e o que é ‘não ocidente', o sul global. No caso, a África, mas pode ser a América do Sul. Então é preciso ter consciência de que isso ainda existe, esse predomínio do norte global sobre o sul global”, conta. Ela considera a atual experiência “válida”, mas continua se fazendo perguntas como “a quem estou beneficiando com meu trabalho? A quem estou dedicando minha energia?”. A brasileira deixa transparecer que Ruanda não é onde pretende passar o resto da vida. Quer voltar ao Brasil um dia e acredita que esta experiência também a ajudará quando este momento chegar. “A gente, sim, tem questões muito sérias no nosso país, mas a gente tem a clareza de onde a gente deveria ou poderia ir. E isso de alguma forma até me dá mais motivação talvez em voltar para o Brasil em algum momento e também saber qual o nosso papel, o que a gente pode fazer pelo país”, finalizou. 

    Brasileiro se impõe como um dos principais produtores de cinema da África

    Play Episode Listen Later May 29, 2022 4:54


    Elias Ribeiro nasceu no Brasil, mas é na África do Sul que ele constrói sua carreira de produtor de cinema. Com sua produtora Urucu, ele já fez oito longas-metragens e foi nomeado duas vezes ao Oscar. A RFI encontrou Elias Ribeiro no Festival de Cannes, onde ele é um participante assíduo há 12 anos. A agenda de Elias Ribeiro em Cannes é impressionante. Ele acumula laboratórios com produtores emergentes, mesas redondas com jovens cineastas e encontros com produtores e instituições internacionais. O objetivo é um só: abrir espaço para o talento africano e colocá-lo no mapa do cinema internacional. Entre um encontro e outro no festival, o brasileiro encontrou um momento para falar com a RFI. Elias Ribeiro saiu do Brasil em 1999 já com a cabeça voltada para o cinema. Depois de passar por diversos países europeus, foi em 2010, aos 30 anos, para a África do Sul fazer um mestrado e nunca mais deixou o país. “Eu me apaixonei pela quantidade de histórias [do país]. Minha experiência internacional me fez virar um peixe grande em uma lagoa pequena. Abri a Urucu, me engajei no mercado internacional, a empresa cresceu e ficou impossível de ir embora”, lembra. Indicado ao Oscar A Urucu, sua produtora, fundada em 2011, se dedica a desenvolver conteúdos audiovisuais autênticos em diversos países africanos. A empresa já produziu oito longas-metragens e uma coprodução com o Brasil – “Luna” de Cristiano Azzi. A Urucu conseguiu emplacar duas produções na competição pelo Oscar de Melhor Filme Estrangeiro: o moçambicano “Comboio de Sal e Açúcar”, do diretor brasileiro Licínio Azevedo, radicado em Maputo, e o longa do Lesotho “This is Not a Burial, It's a Resurrection”, de Lemohang Jeremiah Mosese. “Esse projeto ganhou 34 prêmios internacionais. É um trabalho de que a gente tem muito orgulho”, conta o produtor. “This is Not a Burial, It's a Resurrection” foi desenvolvido pela Realness, um instituto cofundado por Elias Ribeiro em 2015 para incrementar a formação de roteiristas africanos. Com esse programa, ele quer compartilhar as histórias da África que o mundo desconhece, mas também da diáspora africana em muitos países, incluindo o Brasil. África tem muita história para contar “Na África, havia o clima de produzir coisas que emulassem Hollywood. Eu nunca acreditei nisso. Acho que história que funciona é história que viaja, que são autênticas. E na África tem muita história que a gente ainda não ouviu”, revela. Elias Ribeiro também quer desenvolver, mais do que coproduções norte-sul, parcerias sul-sul entre países que trabalham questões temáticas parecidas. “Acho que, por falta de recurso financeiro, a gente sempre olha para a Europa. Mas eu acho que a gente tem um nível conceitual. As questões que nossos cineastas estão desenvolvendo são bem parecidas com as do Brasil, Caribe ou América Central, onde existe um contingente grande da diáspora africana. Questões como pós-colonialismo, racialismo, identidade”, assegura. Ele não tem dúvida de que se impõe como um dos principais produtores africanos: “Se você falar de cinema africano, acho que as pessoas vão saber quem é Elias Ribeiro”, acredita.  Por enquanto, o produtor pausou as parcerias com o Brasil, mas espera retomar a coprodução com o cinema brasileiro depois das eleições de outubro.

    Ator paulista se dedica a unir Brasil e Moçambique através da cultura

    Play Episode Listen Later May 15, 2022 5:21


    Foi aos 10 anos de idade que Expedito Araújo decidiu que queria ser ator, inspirado pela escola em que estudava, no Rio de Janeiro, onde os alunos eram incentivados a ir ao teatro. Nascido em São Paulo, ele começou a carreira artística na adolescência. Deu vida a personagens nos palcos e na TV, mas com o passar do tempo acabou se tornando gestor cultural, trabalhando nos setores público e privado. Vinícius Assis, correspondente da RFI na África Seja atuando ou gerenciando projetos culturais, Expedito Araújo encara a arte como uma ferramenta transformadora, postura que o levou até o Timor Leste. “Fui convidado para fazer uma consultoria sobre a importância da cultura no desenvolvimento de um país”, conta à RFI. Em 2017, o brasileiro estava de férias na Tailândia quando uma amiga que vivia em Maputo, trabalhando para uma organização internacional, sugeriu que ele fosse para Moçambique ser voluntário em um orfanato. Naquela época, Araújo já havia visitado cerca de 40 países, mas nenhum africano. “Eu não tinha nenhuma curiosidade de conhecer, como a gente diz no Brasil, ‘a África'”, lembrou, destacando o hábito que muitos brasileiros têm de se referir ao segundo continente mais populoso do mundo como se fosse apenas um país. No total, a África é formada por 54 naçōes. Esta parte do planeta - que tanto tem em comum com o Brasil - não estava na lista dos destinos preferidos do ator que, no máximo, havia parado em Adis Abeba, capital da Etiópia, na escala de uma viagem para Cingapura. Mas ele acabou dando o braço a torcer e se programou para passar três semanas em contato com órfãos moçambicanos. “Primeiro foi uma descoberta. Eu não imaginava que existia no mundo uma realidade [como em Maputo]”, diz. Araújo também descreve a surpresa ao se deparar com uma cidade onde nem tudo é periferia, embora tenha ido para uma área mais carente. Nada que o desanimasse. Logo que chegou, montou uma peça com um grupo de adolescentes do local. Expedito explica que os adolescentes teriam que deixar o orfanato quando completassem 18 anos. Portanto, para ele, essa iniciação teatral poderia ser um possível caminho profissional. A primeira experiência em Moçambique - que ele mesmo classifica como "um processo muito intenso" - foi curta, mas suficiente para fazer com que ele se apaixonasse pelo país de litoral exuberante e desejasse voltar. Começou, naquele mesmo ano, o processo para conseguir um visto mais longo. O ator abriu mão do trabalho no Brasil e, na primeira oportunidade que teve, voltou. A decisão o ajudou a entender "o valor da simplicidade". Ele conta que nunca esqueceu o pedido que uma moçambicana o fez. “Uma menina, de 7 ou 8 anos, falou ‘tio posso pedir um presente? É meu aniversário.' E eu lembro que eu já falei ‘caramba, ela vai pedir um presente e eu não vim com grana para comprar o que no Brasil me pediam de presente'. E ela me pediu uma caneta vermelha. Aquilo me sensibilizou de um jeito que eu fui para o quarto em que eu estava e comecei a chorar”, disse. A menina que tinha HIV e havia perdido os pais de forma trágica teve o simples desejo realizado pelo brasileiro. “Na verdade eu comprei um estojo de canetas e canetinhas, como a gente chama no Brasil, para pintar”, lembrou. Diversidade moçambicana Enquanto muitos ainda enxergam apenas pobreza em um dos países africanos com mais brasileiros, ele exalta a diversidade que encontrou em Moçambique. “Não é só miséria. É um país com um dos litorais mais lindos de todos os países que pude conhecer no mundo”, enfatiza e lembra, também, das enormes diferenças de realidades na capital, Maputo. Além disso, chama atenção para o que qualquer brasileiro pode constatar ao desembarcar em Moçambique: muitos moçambicanos são apaixonados pelo Brasil. “Existe uma influência muito grande do Brasil aqui em Moçambique por conta das telenovelas brasileiras. Então, eles têm um carinho muito grande pelo brasileiro”, contou. Outros dois países da África que Expedito conheceu nos últimos anos foram a África do Sul e o Lesoto. Aos 42 anos, ele vive atualmente em Maputo, onde se engaja em projetos sociais e também se empenha em divulgar a cultura brasileira, participando de alguns eventos do Centro Cultural Brasil-Moçambique, além dos que organiza por conta própria. Esta parceria começou em 2017, quando ele foi convidado a integrar um evento em homenagem ao escritor e poeta Guimarães Rosa. “Foi tentador. E veio de novo o prazer de atuar', lembrou o brasileiro que estava há muito tempo sem trabalhar como ator e encarou o monólogo "A Terceira Margem do Rio", considerada uma das obras mais importantes de Guimarães Rosa. A partir daí Araújo passou a, uma vez por mês, fazer uma atuação, e pensou em não voltar para o Brasil na data prevista até então. “Eu comecei a ver a vida que eu levava e tudo não tinha mais sentido para mim”, lembrou. Foi quando decidiu, de vez, viver como ator e professor de teatro em Moçambique. Eventos com obras de Clarice Lispector, de quem o brasileiro se diz fã, Nelson Rodrigues e Miguel Falabella já foram organizados por ele. Missão consciente Até durante a pandemia de Covid-19, sob restriçōes de circulação e aglomeração, os eventos organizados pelo brasileiro continuaram, mas virtualmente. Foi assim que, por exemplo, falou sobre Tarsila do Amaral, considerada uma das principais artistas modernistas latino-americanas. Com duas transmissōes mensais ao vivo pela internet conseguiu alcançar quem estava inclusive fora de Moçambique. “Aí sim, começou uma missão consciente maior de trazer a cultura brasileira, aquilo que não está nas novelas, tanto para o brasileiro que está no Brasil ver, mas sobretudo para o moçambicano conhecer“, disse. Para a surpresa dele, no público dessas lives tinham pessoas que estavam em países como China, Chile, Austrália, Estados Unidos e também pela Europa aprendendo mais sobre a cultura brasileira. Apesar do maior alcance  que obteve, Araújo celebrou a volta dos eventos presenciais, deixando transparecer a paixão que um ator tem por estar perto do público. Araújo não pensa em voltar para o Brasil, pelo menos por enquanto. Encara o que faz pela cultura brasileira e pelo povo moçambicano como uma missão, como a dos professores da escola onde ele estudou que, mostrando o caminho do teatro, o fizeram seguir a carreira que seguiu. “Quando me perguntam aqui ‘quando você vai embora?' Eu digo ‘não sei'. Talvez quando minha missão acabar e eu não sinto minha missão cumprida”, conclui.

    Freira brasileira cria programa de microcrédito para mulheres na Etiópia

    Play Episode Listen Later Mar 12, 2022 7:29


    Ela optou por não ter filhos biológicos, mas perdeu a conta de quantas pessoas tiveram dela o amor digno de uma mãe. Como já são mais de 40 anos vivendo fora do Brasil, às vezes irmã Maria Bandieira até se esquece como algumas palavras são ditas em Português. Vinícius de Assis, correspondente da RFI na África  Mas além do sotaque gaúcho, ela não deixa de lado a fé que a faz seguir em frente, ainda mais morando em um lugar com tantos desafios. Uma religiosa que já cavou covas para enterrar muita gente, mas que se orgulha em dizer que crianças também vieram ao mundo através das mãos dela. Irmã Maria revela que uma vez pensou em desistir da missão no continente africano, diante das dificuldades iniciais, mas persistiu e chegou até aqui, ensinando e aprendendo com o povo etíope, principalmente com as mulheres. Ela destaca a diversidade da Etiópia, onde lida, na capital Adis Abeba, com médicas e outras profissionais bem esclarecidas, mas no interior o contato mais próximo foi com mulheres mais simples, pobres, muitas delas viúvas. Depois de tantas mortes devido à seca que castigou o país em 1984 ela conta que muitos homens desapareceram das vilas próximas de onde ela vivia. “Quando a gente perguntava 'onde está o pai da criança?', elas diziam 'foi procurar trabalho, foi procurar comida'”, disse. Para ela, o homem normalmente não suportaria ver os filhos morrerem de fome e todo o sofrimento causado por essa situação. “Ele sai. As mães ficam até o fim. São as últimas a morrer. Vinham ali com aquela última criança no colo... era um desespero aquele tempo”, lembra. Nascida em Erechim, Rio Grande do Sul, a freira brasileira que hoje tem 77 anos já passou mais da metade da vida na Etiópia, uma das cinco maiores economias da África, mas que ainda enfrenta grandes problemas internos, como desigualdade e conflitos. São cerca de 80 etinias no segundo país mais populoso da África. O idioma foi um dos desafios da religiosa que se mudou para a Etiópia no início dos anos 1980 e começou a dar aulas para crianças em uma área rural. “Para conseguir me comunicar com o povo, eu usava gestos, algumas palavras que sabia. Era uma dificuldade até um certo ponto, porque eles aceitavam e eu aceitava a situação. Era uma troca e nos divertíamos também”, disse a brasileira que hoje em dia conversa em pelo menos dois idiomas etíopes, oromo e amárico. Ela contou à reportagem que decidiu que queria ser freira e trabalhar em um país africano aos cinco anos, antes mesmo de ser alfabetizada. Irmã Maria tem ao todo quatro irmãos. Ela estava sempre por perto quando as três mais velhas estudavam. Um dia, viu em uma revista que as irmãs liam uma foto de freiras em missão no continente africano. A imagem nunca saiu da cabeça de Maria que cresceu e seguiu sua vocação. A mudança para a Etiópia foi em fevereiro de 1981. Os primeiros anos foram os mais difíceis, quando mudanças climáticas já mandavam seus sinais. “Cada ano a época da chuva encurtava, começava depois e terminava antes”, lembrou. Muita gente que ela conhecia morreu de fome, tuberculose e outras doenças. “O povo não tinha mais comida por toda a Etiópia. A TB (tuberculose) começou a aumentar muito no país”, conta. Naquela época a brasileira vivia a 20 km da cidade de Nekemte, em uma área sem luz, água e com transporte precário. Hoje os tempos são outros, para ela e para o país. A religiosa vive em um espaço onde funciona uma escola coordenada por freiras, em Adis Abeba. Embora dificuldades ainda existam para boa parte da população, a Etiópia conseguiu, nos últimos anos, até antes da pandemia, estar entre os países que mais cresciam. A brasileira destaca que nem todas as etnias do país ainda convivem em perfeita harmonia. Atualmente a Etiópia enfrenta uma guerra civil que começou em novembro de 2020, antes do conflito entre Rússia e Ucrânia atrair a atenção de todo o planeta. A guerra em andamento no norte etíope já deixou milhares de mortos, fez mais de 2 milhões de pessoas fugirem das áreas onde viviam, mas não foi o suficiente para fazer irmã Maria voltar para o Brasil. “Eu já vi tantas (guerras) que eu acho que estou um pouco acostumada com essa situação”, esclareceu. No país de maioria cristã, os católicos são minoria. Mas a brasileira lembra que isso nunca foi problema desde que ela chegou aqui. Prova disso é que crianças muçulmanas são mais da metade dos centenas de alunos nas escolas que a freira coordena. Ela ressalta que o trabalho dela é também voltado para a alfabetização de adultos, principalmente mulheres. O curso para aprender a ler e a escrever chegou a ser frequentado por 250 mulheres. Ela explicou que “em Adis Abeba a alfabetização é procurada porque elas se sentem muito diferentes depois de aprender a ler um pouquinho, escrever e contar o dinheiro”. No primeiro ano apareceram cinco mulheres e um homem. Mas só as alunas seguiram. “Acho que ele tinha que trabalhar”, disse. Irmã Maria começou também, há 20 anos, um programa de microcrédito para emprestar dinheiro para que mulheres pudessem começar a trabalhar e ter a própria renda, como, por exemplo, vendendo café ou legumes. As vendedoras da tradicional bebiba etíope estão por toda parte no país, assim como é comum ver pessoas vendendo batatas, tomates e cebolas na porta de casa ou na beira da estrada. O dinheiro do empréstimo era pouco, mas dava para comprar os materiais necessários para começar o pequeno negócio, depois de aulas sobre empreendedorismo, e o capital tinha que voltar para que outras mulheres pudessem se beneficiar do projeto. “Quando elas registram uma atividade que querem experimentar a gente dá um capital inicial. A gente não dá muito. Dá pouco. Procurem fazer alguma coisa com isso”, explica, antes de lamentar o fato do prograna estar atualmente suspenso por conta da pandemia. O fato de ter vivido por 15 anos no interior e depois ido para a capital, deu à religiosa experiência suficiente para entender que é fundamental respeitar as diferenças culturais neste país. Mas para ela as mulheres etíopes têm uma característica em comum: a dedicação à maternidade. “Elas são capazes de morrer realmente para o bem dessas crianças. Elas têm uma força especial. São doces, mães queridas”, diz. A vida da brasileira na Etiópia é um grande exemplo de que, sempre, mesmo para quem vai para ensinar, é possível aprender grandes lições em um país africano. “Eu vi que aqui a gente pode ser feliz com muito pouco”, conclui.

    Lições e desafios de uma feminista brasileira em Uganda

    Play Episode Listen Later Jan 15, 2022 5:31


    Foi a convite do atual companheiro que Marília Cardoso visitou Uganda pela primeira vez, em junho de 2018, quando desembarcou na capital, Campala. Feminista interseccional e radical, como ela mesma se define, desde pequena a paulistana é apaixonada por causas sociais e viu no país do leste africano um ambiente perfeito para colocar em prática o que aprendeu nos últimos anos sobre desenvolvimento social com o recorte de gênero, bandeira que ela orgulhosamente levanta há muito tempo. Vinícius Assis, correspondente da RFI na África do Sul Hoje, aos 35 anos, Marília tem total ciência dos privilégios que a pele alva a traz nessas terras e a mantém afastada de riscos aos quais as mulheres negras locais estão expostas, mas também diz não querer se colocar como a salvadora branca tentando remediar as mazelas deste povo. Ela foi disposta a ouvir e aprender bastante sobre seu papel de estrangeira branca nessa região. Durante a pandemia, ela e outras duas brasileiras – Helen Rose e Elisa Pires – fundaram o Instituto Agali Awamu, que na língua luganda significa “juntos conseguimos”. A entidade pretende impulsionar projetos sociais no Brasil e em Uganda nas áreas de educação, gênero, raça e meio ambiente, mas tudo através de uma metodologia comunitária. A paulistana frisou que “tem que haver o respeito” para conseguir realmente envolver a comunidade no processo decisório de criação de projetos. Com essa postura, conseguiu fazer trabalhos “diferenciados” e muito mais “específicos de cada região”. Assim, era possível ver a sustentabilidade do projeto não apenas financeiramente. “Quando a comunidade participa do desenvolvimento, de todas as decisões e do design do projeto, ela acaba conseguindo dar sequência para com as próprias pernas. Muitas vezes, após um período de tempo, com muito mais eficiência e mais capacidade de competência, justamente porque foi envolvida desde o começo, foi trabalhado por eles, foi criado com sabedoria, conhecimento, vivência deles”, esclareceu. Ao tocar neste assunto, Marília deixa claro querer evitar o que classifica de intervenções, como chama o estilo de trabalho de alguns órgãos internacionais, que chegam querendo dizer para determinada comunidade como ela deve viver e solucionar seus problemas, sem escutar e envolver os locais. As três fundadoras do instituto ainda não se conhecem pessoalmente: foram apresentadas virtualmente por amigos em comum. Mas todas tinham o mesmo sonho, que sai agora da tela do computador. Marília é formada em Relações Internacionais. Por quase 10 anos trabalhou no setor privado, em posições de desenvolvimento de negócios em empresas de tecnologia da informação – um mercado predominantemente masculino.   A história dela com o continente africano começou quando, em 2017, foi para o Quênia. A ideia era fazer um trabalho voluntário, mas Marília não queria simplesmente apoiar o já lucrativo setor do “volunturismo” (como é chamado na região o mercado que lucra com viajantes que buscam fazer voluntariado em países africanos, mas nem sempre preocupados com o impacto das suas ações nos locais). Foi quando conheceu um projeto que trabalha com empoderamento econômico feminino através do futebol, quebrando normas sociais de gênero bastante enraizadas no interior queniano, uma região de extrema vulnerabilidade social e econômica. O objetivo era implementar uma incubadora de negócios para promover a independência financeira de jovens e mulheres na região. Precisavam de alguém com experiência em desenvolvimento de negócios para treinamentos na área de marketing, vendas e empreendedorismo. A brasileira apareceu com essas habilidades naquele exato momento. “Entendemos que ali tinha uma sinergia. Eu queria trabalhar com organizações locais comunitárias, com desenvolvimento social com base comunitária. Não tanto com organizações internacionais, que já têm o seu playbook internacional de como as coisas devem funcionar. Eu queria ter um trabalho mais de base de campo", explica. Era para ter sido uma experiência de quatro meses, mas ela acabou morando por três anos entre Quênia, Ruanda e finalmente Uganda. Depois de um breve período no Brasil, foi para Ruanda, o primeiro país do mundo a ter um Parlamento onde as mulheres são maioria e que há anos está entre os dez países mais igualitários do planeta, de acordo com o Relatório Global de Gênero anualmente divulgado pelo Fórum Econômico Mundial. Na lista do ano passado, o país ficou em sétimo, logo atrás da Namíbia. Ambos se destacaram no grupo onde também estavam nações como Islândia e Suécia. Foi exatamente o caminho até essas conquistas que Marília queria explorar. Apesar da grande representatividade feminina, a brasileira destaca que Ruanda ainda é um país patriarcal. Em seus estudos, acabou se confirmando a relação do cenário atual com o genocídio de 1994, quando a população masculina de Ruanda foi assassinada em massa. As mulheres sobreviveram, resistiram, ganharam mais espaço, mas ainda enfrentam muitos desafios. “Hoje, Ruanda tem uma representatividade parlamentar de mais de 60% de mulheres no governo, porém ainda com práticas extremamente patriarcais, inclusive na legislação. Então, na prática acaba não sendo um país tão igualitário como se diz ser,” explicou. Ela também conheceu projetos que não só empregavam, mas também capacitavam mulheres. Assim, amadureceu a ideia de um negócio de impacto social em busca de um equilíbrio melhor na sustentabilidade financeira, modelo que ela e as parceiras brasileiras estão levando para Uganda. Marília defende que é possível não depender somente de doações, por exemplo. “Tem incentivos de impostos. Organizações que já conseguem se enquadrar nessa nessa categoria de empreendimento social, de negócio de impacto social, são taxadas de uma maneira muito específica, com incentivos fiscais muito alinhados com propósito dos projetos para garantir essa sustentabilidade financeira”, esclarece. "Isso me surpreendeu muito, até mais do que eu vejo no Brasil hoje." Em países onde ainda há instabilidades política, social e econômica, projetos podem acabar do dia para noite pelo fim de financiamento. “Então, muitas organizações hoje estão olhando para o equilíbrio dessa sustentabilidade para começar a se transformar em um negócio social”, completou. O destino a levou para Uganda, país onde o companheiro dela nasceu. Ele é produtor cultural e músico. Em meio às restrições impostas pela pandemia, os próximos meses serão de muito trabalho. Ainda há trâmites burocráticos para a implementação do instituto e há uma campanha virtual de arrecadação de recursos para cobrir essas despesas. Marília frisa que há muito o que fazer em prol das mulheres em Uganda, onde boa parte delas já experimentou violência sexual na vida. Além disso, relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo são consideradas crime no país, uma realidade que também incomoda a feminista brasileira. “A gente não pode só falar da questão de gênero individualmente. Ela é atravessada por questões de raça, socio-econômicas, de orientação sexual em diferentes países. O feminismo interseccional tem que olhar para essa amplitude, para essas relações de poder que discriminam e afetam, inclusive, mulheres trans”, explicou. Ela lembra que Uganda ainda é um país muito violento para a população LGBTQI+. “Porém, tanto o movimento feminista como o movimento LGBTQI+ aqui são movimentos muito articulados, muito organizados e muito vocais com relação a essa problemática. Trazem muitas denúncias e formas de resistência junto ao governo e organizações internacionais”, ressaltou. Uganda é um país governado pelo mesmo presidente, Yoweri Museveni , há 35 anos. Opositores são oprimidos e a liberdade de expressão, limitada. Neste cenário, ela diz seguir sem medo e testemunha corajosas formas locais de resistência. “A gente precisa entender todas as realidades, os contextos, os sistemas de opressão, as estruturas de poder que estão realmente impostas para conseguir promover uma transformação profunda, que contemple todas essas populações minorizadas e oprimidas. Eu aprendi muito isso a partir dessa minha experiência aqui”, contou. "A ideia é que a gente consiga criar cada vez mais essa consciência de gênero não só com as mulheres, mas com os homens também, porque é a partir de uma população educada, informada, que as coisas podem se transformar”, destacou. Marília diz que a vivência em Uganda a permitiu conhecer um especial senso de comunidade. “O que é seu é meu, o que é meu é seu, eu olho por você, você está sempre olhando por mim, as crianças são criadas por toda a vizinhança, o problema meu é um problema seu, o espaço público é um espaço público nosso, não é espaço de ninguém que fica aí, à deriva, como acontece muito no Brasil”, comparou. Essa potência de comunidade, na opinião da brasileira, precisa ser cada vez mais encorajada e resgatada. “Às vezes a gente só precisa facilitar as conversas, as discussões. Talvez até trazer alguns recursos financeiros necessários para promover o desenvolvimento de soluções importantes para aquela comunidade. Mas o saber está ali”, declarou.

    Brasil-África - Violência, pandemia e estereótipos fazem parte de rotina de psicóloga brasileira na África do Sul

    Play Episode Listen Later Jul 18, 2021 5:57


    A psicóloga brasileira Mara Perrotti acompanha de casa, em Joanesburgo, as últimas notícias sobre a onda de violência na África do Sul, como se já não bastassem as consequências da pandemia na vida de quem mora no país que registrou quase 40% dos casos de Covid-19 no continente africano. A paulistana se disse triste e surpresa ao ver isso acontecendo, mas nada que a abale psicológicamente ou a impessa de continuar pensando em ajudar os outros. Por Vinícius Assis, correspondente da RFI na África do Sul Por ter morado em São Paulo ela diz que, “infelizmente”, já está um pouco familiarizada com manifestações violentas. “Lá acontece também. É um desastre isso, triste de se ver. Em São Paulo, a gente já convive com violência. Então, a gente fica meio 'casca grossa' com isso”, afirmou. Mas ela sabe que outros brasileiros vivendo no país ou que pensam em ir para a África do Sul acabaram ficando preocupados. “É ruim, pois a pessoa já começa a pensar em ir embora”, lamentou. Um dia antes de o governo sul-africano impor um dos confinamentos nacionais mais rígidos do mundo, no fim de março do ano passado, por conta da pandemia, ela desembarcou em Joanesburgo, onde vive com o noivo (também brasileiro). Há mais de dois anos a psicóloga trabalha remotamente, antes de boa parte da população mundial ter sido forçada a aderir a esta rotina. Ao contrário de outros psicólogos, a brasileira não vê problema em chamar quem ela atende de paciente, pois acredita que isso não significa tratá-los como doentes. “A gente parte da premissa de que paciência é a ciência da paz. Então, eles estão vindo buscar a paz. Tem gente que os chamam de clientes. Me agrada muito esse cunho de vir buscar a paz”, explicou. Logo no início da entrevista, virtual, a brasileira se revelou apaixonada pelo único filho, que tem 23 anos e está no Brasil, pela profissão e se mostra íntima da ideia de se olhar para outro ser humano como se estivesse vendo a própria imagem refletida no espelho. Não por acaso escreveu no perfil dela em uma rede social uma frase de apresentação atribuída a Gandhi que resume esse conceito:"Eu e tu somos um só, não posso te magoar sem me ferir". Atendimento gratuito Tendo percedido o quanto a pandemia estava deixando muita gente ansiosa e preocupada, Mara fez um anúncio oferecendo atendimento psicológico gratuito a brasileiros na África do Sul. O post se espalhou em redes sociais e dez mulheres procuraram a psicóloga. Quatro ainda moravam no país. Outras tinham acabado de voltar para o Brasil. Mas o anúncio dela chegou também a brasileiras no Canadá e na Austrália. Todas se sentindo sem rumo. “Eu queria muito contribuir com alguma coisa neste momento que estamos vivendo. Achei que utilizar meu trabaho, minha escuta, ia confortar um pouco coração das pessoas”, contou. Mara preza pela privacidade das pacientes, mas revelou que quase todas estavam bem mais carentes afetivamente. E como o distanciamento físico passou a ser regra de comportamento, a saída para algumas brasileiras foi se aventurar nos aplicativos de relacionamentos. Isso escancarou uma realidade enfrentada por muitas no exterior: ter que lidar com o esteriótipo de mulher fácil. “Brasileiro tem um esteriótipo internacional meio complicado, principalmente as mulheres. A mulher brasileira é vista como muito sensual, muito sexualizada. Elas acabam recebendo propostas que passam do limite do que seria gentil”, analisou. A psicóloga tem pacientes homens, mas disse que durante a pandemia só foi procurada por mulheres querendo atendimento e que a inquietação nos pacientes homens tem sido mais em relação à questão financeira. Solidão O lockdown aumentou a solidão das pessoas, ainda mais na África do Sul que, em março do ano passado, implementou um dos mais rígidos planos de confinamentos nacionais do mundo por conta da pandemia. A “falta de troca” pesou, de acordo com a psicóloga. “O ser humano é um ser social. A gente precisa do outro para saber quem a gente é, para ter essa troca. Isso começou a gerar uma ansiedade, agitação. Muitas (pacientes) apresentaram quadro de insônia porque não aguentavam mais ficar em lockdown”, contou. A brasileira explica que o movimento psíquico sabe ligar as defesas do ser humano, os instintos de cada um para sobrevivência, para se reagir a crises. “A gente só precisa usar de criatividade para reinventar esse nosso cotidiano”, completou. Mas o que era para ter sido uma alternativa criativa de solução acabou gerando ainda mais complicação para as brasileras. “Quando a gente imagina que a gente está em lockdown e a gente está querendo fazer amigos para trocar experiências para se sentir um pouco mais socialmente ativo necessariamente a gente não precisa chegar a uma conversa de cunho sexual”, disse. A psicóloga contou que todas relataram que buscaram esse recurso relataram a mesma situação: chega um momento em que o “jeito” brasileiro entra em campo na conversa, exaltando quase sempre o carnaval, o biotipo da mulher e o desempenho sexual delas. “É muito triste. Há quatro ou cinco que querem muito se relacionar mas não conseguem. Não sei te dizer se essa é mesmo uma condição para que isso não aconteça. Essa realidade foi algo que me chocou bastante. Eu tinha ideia do que era, mas agora ficou muito claro para mim”, analisou. A psicóloga diz que como profissional ela não orienta, mas ajuda cada paciente a pensar no próprio bem estar, trazendo recursos que cada um tem para lidar com isso. “Vou questionando, ajudando a pensar nesse assunto”, disse. Como experiência pessoal, ela conta que nem usa na África do Sul algumas roupas que costumava usar no Brasil, por exemplo. “Eu me adaptei com o que eu quis me adaptar”, ressaltou. Crises nos casamentos e dificuldades de se relacionarem com os filhos também foram problemas enfrentados pelas novas pacientes brasileiras, muitas distantes do resto da família e nem sempre dominando o idioma falado onde vivem atualmente. Porém, Mara disse que nenhuma delas continuou a procurar a psicóloga. “Senti que estavam só querendo apagar incêndio. Elas vinham mais para desabafo do dia a dia”, lamentou. Um hábito que ela adotou para si e recomenda a todos, ainda mais na pandemia, é fazer uma revisão da vida, se perguntando sempre se está feliz. “Eu enxergo a vida como uma viagem. Como vou aproveitar essa viagem? O que quero viver neste período? O que faz sentido para mim, o que me deixaria feliz?”, colocou. Ela revelou que ainda deseja viver tempo suficiente para ser avó, mas que é saudável pensar na possibilidade de estar vivendo o último dia sempre se perguntando: "Se hoje fosse seu último dia de vida estaria feliz com aquilo que construiu?". 

    Brasil-África - Pesquisadora paulista ajuda a recuperar biblioteca da mais antiga universidade sul-africana atingida por incêndio

    Play Episode Listen Later May 30, 2021 4:53


    Uma tragédia que acabou unindo pessoas diferentes com um mesmo propósito. Foi como a paulista Gabriela Eugenio conseguiu ver, buscando um tom de positividade, a consequência do último incêndio florestal que, em abril, devastou parte da vegetação nativa da imponente Table Mountain, emblemático cartão postal da Cidade do Cabo, onde ela mora desde que se mudou para a África do Sul, há quase um ano e meio. Por Vinícius Assis, correspondente da RFI na África do Sul “O incêndio foi uma tragédia e até hoje é triste que a gente precise dessas tragédias para perceber o quanto nós temos o poder de fazer o bem quando estamos unidos, quando todos nós queremos atingir uma meta comum. Se todo mundo se unir, apesar das diferenças, a gente consegue um resultado incrível”, disse. No dia do incêndio parte da cidade foi tomada por uma gigantesca cortina de fumaça. O fogo destruiu imóveis construídos perto da montanha, forçando milhares de estudantes e moradores a evacuarem a área. O incêndio não chegou até a casa da brasileira, que vive em um bairro universitário próximo. Só que as chamas alcançaram prédios da Universidade da Cidade do Cabo, a mais antiga da África do Sul. É onde Gabriela, que é formada em Economia, atualmente faz mestrado em Desenvolvimento Social. Um dos locais mais atingidos pelo incêndio foi a biblioteca Jagger, onde estavam mais de 1.300 coleções e 85.000 livros sobre a história da África, entre obras inéditas, manuscritos, mapas, teses de doutorado, estudos sobre o regime de segregação racial do apartheid, sem falar em pinturas do século XIX. Não há cópias de boa parte deste material. Ainda não se sabe ao certo o tamanho do estrago, mas o que se viu nas últimas semanas - e também chamou atenção - foi a união de voluntários dispostos a dar continuidade ao incansável esforço de se manter documentada a história da África. “É aquela sensação de você perder uma parte do seu passado, apesar de não ser diretamente o seu passado”, declarou a paulista. O estudo que Gabriela desenvolve faz parte do centro de Humanas, onde a biblioteca ficou intacta. Mas Gabriela usava salas de estudos e computadores disponíveis na biblioteca destruída. Mesmo atualmente trabalhando bastante de casa, ela arregaçou as mangas e se juntou ao grupo de voluntários que se revezam desde o mês passado no campus da universidade para recuperar o que foi possível salvar. “ É triste pensar que alguns itens não serão recuperados. Por isso eu quis ajudar a recuperar o que ainda tinha chances para ver o lado positivo. Exatamente para superar essa tristeza, esse sentimento de perda, que surgiu a vontade de ir lá colaborar e dispor o meu tempo para recuperar o que tinha sobrevivido à tragédia”, justificou. Fogo e água destruíram materiais Ela conta que há diferentes frentes de trabalho na recuperação da biblioteca. O que não foi afetado pelo fogo pode ter sido afetado pela água utilizada para conter as chamas. Alguns materiais acabaram sendo afetados pela umidade. Cada ajuda foi e tem sido de extrema importância. “Meu grupo ficou responsável por passar por todas as caixas, os materiais que foram recuperados, e verificar se tinha mofo nesses materiais. Então, essas caixas que eram identificadas com mofo passavam para a equipe de limpeza fazer o tratamento e poder arquivar o material corretamente para depois ser realocado”, detalhou. De acordo com a a vice-reitora Mamokgethi Phakeng, graças ao revezamento de voluntários – cerca de 150 por dia – em quase duas semanas foi possível recuperar aproximadamente metade dos arquivos da biblioteca. O ministro de Educação Superior da África do Sul, Blade Nzimande, visitou recentemente o campus da Universidade da Cidade do Cabo atingido pelo incêndio no mês passado e disse que a maior parte dos prédios danificados deverá ser reparada até o fim de julho. Estudo comparativo sobre segregacionismo Gabriela está fazendo um estudo comparativo entre África do Sul, Brasil e Estados Unidos, três países que passaram por longos períodos segracionistas. A base da pesquisa da brasileira são conceitos apresentados pelo doutor Silvio Almeida, advogado, filósifo e professor, e a filósofa e escritora Djamila Ribeiro, ambos com livros publicados sobre o tema. “(Os dois) trouxeram essa ideia de que o racismo nessas sociedades, na verdade, é estrutural”, comentou. A ideia dela não é falar apenas sobre o Brasil. É mostrar que o racismo na África do Sul e nos Estados Unidos também é estrutural, exatamente, por que ele já faz parte das instituições. “Ele não depende de ações individuais, de grupos racistas. Já está permeado em todo o sistema político e econômico das três sociedades. Por isso que a gente vê tantas desigualdades sociais nesses três países”, explicou. A brasileira é otimista em relação a uma mudança deste cenário no futuro. “Atualmente há muita política de ação afirmativa, que é uma tentativa de fazer uma reparação histórica para esses grupos que sofreram desvantagens ao longo do tempo”, disse, exaltando o sistema de cotas raciais brasileiro em universidades e cargos públicos como um exemplo. “Com o tempo espero que a gente consiga ver uma maior inclusão social da população negra e africana também”, concluiu a mestranda. 

    Brasil-África - Pesquisadores brasileiros participam de projeto de troca de correspondência em português com estudantes

    Play Episode Listen Later May 16, 2021 6:43


    Comunicar ciência de uma forma acessível, incentivar crianças a chegarem ao ensino superior e fortalecer a língua portuguesa. São objetivos que se complementam dentro do projeto Cartas com Ciência, iniciativa que promove um verdadeiro intercâmbio acadêmico e cultural entre pesquisadores e estudantes dos países que falam Português. Caroline Ribeiro, Lisboa Quando a bióloga Anaclara Pincelli soube do projeto, não teve dúvidas de que queria participar. “É uma vontade de não conversar só entre cientistas e a gente está vendo o quão importante isso é, de a Ciência não ficar só com ela mesma”, explica. Doutoranda em Ciências Biomédicas na Universidade de São Paulo, a bióloga começou a se corresponder com uma adolescente de 13 anos de São Tomé e Príncipe. “Ela me contou das comidas que tem em São Tomé, perguntou se eu conhecia esses pratos. Perguntou se eu era médica, então foi bem interessante comentar que eu não faço esse trabalho de assistência, como médicos e enfermeiros, mas que, de certa forma, posso contribuir para a tomada de decisão na área da saúde. Em cada bloco de cartas, temos sugestões de temas que podemos aprofundar, contei um pouco do percurso que eu tive, como foi para chegar onde estou, foi muito legal”. Para se tornar um cientista correspondente é preciso estar no meio acadêmico, sendo pesquisador ou professor, e todos passam por um treinamento. “Por um lado, é para eles ficarem inteirados de como funciona o Cartas com Ciência e porque o projeto é importante. E é também para dar algumas ferramentas e sugestões de como escrever as suas cartas em uma linguagem acessível, que as crianças consigam compreender”, explica Rafael Galupa, co-fundador da iniciativa. Cada estudante passa um ano letivo se correspondendo com o mesmo cientista. Para acertar nas duplas, são levadas em conta as áreas de interesse de cada um. “No início do ano letivo, os estudantes preenchem um questionário em que escolhem, numa lista de palavras, alguns tópicos científicos. Os cientistas escolhem esses mesmos tópicos, que estão relacionados à pesquisa que fazem. Às vezes há empate e como perguntamos o que as crianças e cientistas gostam de fazer nos tempos livres, usamos isso para desempatar”, conta o responsável. Fundado há apenas um ano, o projeto já conta com 500 cientistas cadastrados e com cerca de 100 estudantes de escolas participantes em São Tomé e Príncipe, Timor-Leste e Portugal, mas o objetivo é chegar a todos os nove países de língua portuguesa. “No próximo ano letivo, em setembro, vamos começar em Cabo Verde e Angola, possivelmente em Guiné-Bissau. Na chegada do ano letivo do hemisfério Sul, no início de 2022, pensamos em organizar a primeira turma no Brasil”, diz Rafael Galupa. Para Judá Lobo, professor do Instituto Federal do Paraná, que se corresponde com uma estudante de 13 anos de São Tomé e Príncipe, o projeto se torna ainda mais relevante no contexto atual do Brasil. “A questão da Ciência no nosso país hoje tem um apelo político muito forte. A minha impressão é de que a Ciência no Brasil não é exatamente um valor. Claro que existem Universidades, comunidades científicas, mas talvez elas tenham ficado fechadas demais por muito tempo. Participar é muito importante, como cientistas e politicamente como cidadãos brasileiros”, afirma. O Cartas com Ciência é inspirado em um projeto americano. No cenário da lusofonia, em que cinco dos nove países falantes de português estão na lista dos menos desenvolvidos da ONU, a iniciativa quer reforçar a nossa língua como ferramenta de desenvolvimento social. “Reforço muito nas cartas que falamos de lugares tão diferentes, tão distantes, culturas tão diferentes, mas unidos pela língua portuguesa. É uma língua de oportunidades para nós e para eles”, diz Judá Lobo. Segundo a organização, para 90% dos alunos que participam é a primeira vez que entram em contato com um pesquisador científico e mais da metade deles, até então, nunca tinham escrito ou recebido uma carta. “É emocionante e gratificante saber que nós influenciamos a vida futura de muitas crianças. Sabermos que podemos contribuir para que uma criança consiga fazer a sua escolha. Por isso que me emocionei ao receber a minha primeira carta da minha amiga por correspondência”, diz a bióloga Agnes Novela, professora da Universidade Pedagógica de Maputo, em Moçambique, que troca cartas com uma menina da cidade de Coimbra, em Portugal.

    Brasil-África - Advogada brasileira denuncia violações de Direitos Humanos em Moçambique e Angola

    Play Episode Listen Later Mar 28, 2021 8:17


    Uma das atuais missões de Camile Cortez é denunciar ao mundo a crescente violência em Cabo Delgado, província que fica no norte de Moçambique. A população local é alvo constante de ataques terroristas e de abusos cometidos por integrantes das forças de segurança, o que amedronta locais, espanta visitantes e já fez mais de 600 mil pessoas deixarem as áreas onde viviam por medo. Vinícius Assis, correspondente da RFI na África do Sul Aos 17 anos, CamileCortez trocou a cidade de Porto Velho, em Rondônia, por São Paulo. “Porto Velho, infelizmente, não tinha o conteúdo em Direitos Humanos e Direito Internacional que sempre tive curiosidade”, lembrou. Hoje ela é advogada, concluiu dois mestrados na tradicional universidade francesa Sorbonne e vive na África do Sul. A brasileira é coordenadora da Anistia Internacional para assuntos envolvendo Angola e Moçambique, dois dos países de língua portuguesa no continente africano. No início do mês, a equipe de Camile divulgou um polêmico relatório sobre o norte moçambicano, pouco antes da organização Save the Children publicar outro levantamento afirmando que até crianças vêm sendo decapitadas por extremistas que, desde 2017, promovem atentados em Cabo Delgado. “É importante o conflito sair do silêncio. Outros países, o público em geral, começaram a ouvir sobre o que estava acontecendo em Moçambique. Isso é muito importante, pois exerce uma pressão sobre o governo moçambicano e todos os outros atores na situação, para terem mais responsabilidade sobre seus tratados e obrigações internacionais em casos de conflitos”, diz. Ao comentar a decisão dos Estados Unidos de incluir o grupo que atua nesta região moçambicana na lista de forças terroristas estrangeiras, ela diz que isso trará muitos desafios para assistência humanitária no terreno. “Foi o que a gente viu na Somália e na Nigéria”, declara. Sobre o anúncio de que militares norte-americanos treinarão integrantes das forças armadas moçambicanas por dois meses, ela disse que pode ser necessário um prazo maior. “Moradores entrevistados por nós relataram que os militares moçambicanos estão despreparados para um conflito e o treinamento é necessário, de uma certa forma. No entanto, nossa preocupação é que esse treinamento a longo prazo sempre deve ter uma perspectiva das obrigações de Direitos Humanos e Direito Humanitário", frisa. "O problema é que demoram gerações e gerações para que uma força militar comece a entender e implementar nas suas ações o Direito Internacional e os Direitos Humanos. Dois meses de treinamento não sei se seriam suficientes pra atingir este objetivo”, analisa. Denunciar os desrespeitos aos direitos humanos que ainda acontecem na África é bem diferente de simplesmente reforçar o esteriótipo negativo do continente. E a brasileira sabe bem disso. “É uma questão muito sensível. Existe este esteriótipo, mas a gente sempre toma muito cuidado com a forma de apresentar nosso trabalho, sempre tenta mostrar que essas pessoas têm dignidade. A gente tenta retratar a situação de uma forma a ajudar a população que está passando por este sofrimento e este abuso”, conta. Violência policial Enquanto protestos cresciam nas ruas de vários países após a morte de George Floyd, nos Estados Unidos, a equipe da brasileira trabalhava para denunciar a violência policial que também fez vítimas em Angola durante a pandemia. “Até o final do ano passado nós documentamos 11 assassinatos cometidos por agentes da polícia e das forças armadas”, afirmou. O objetivo do relatório era pedir o fim do uso excessivo de força letal pela polícia contra a população na tentativa de forçar o cumprimento das restrições de circulação impostas por conta da pandemia. Segundo a coordenadora, o impacto imediato do relatório foi a troca do discurso do governo, que inicialmente rejeitava qualquer responsabilidade nessas mortes. “O governo começou a aceitar que, realmente, excessos estavam sendo cometidos pela polícia e dizer que os casos seriam investigados e os culpados seriam responsabilizados criminalmente e civilmente pelas suas ações”, reitera. Camile lembra que atualmente uma equipe de advogados parceiros segue acompanhando os caso em Angola. “A gente vai continuar observando se realmente essa responsabilização criminal e civil está acontecendo de forma transparente e eficaz, se o governo vai cumprir com as promessas de fim de impunidade feitas logo após a publicação do nosso relatório”, concluiu. Comunicação Ao contrário de Moçambique, a brasileira afirma que há uma linha de comunicação entre a equipe dela e o governo angolano. “Em 2019, antes da pandemia, fomos até Luanda e tivemos uma reunião com a secretária de Direitos Humanos. Ambas as partes tentam dialogar, enquanto que em Moçambique a gente não tem acesso às autoridades do governo. Nossas solicitações de reuniões e informações são ignoradas. Então, a gente ainda não conseguiu estabelecer (o mesmo canal de comunicação)”, esclareceu. Apesar de trabalhar com temas delicados sobre Angola e Moçambique, Camile diz que recomenda os dois países para turistas brasileiros (depois que a pandemia passar). “Moçambique é um país incrível. Eu me sinto particularmente muito acolhida toda vez que vou a Moçambique, um país com várias belezas naturais e muito acolhedor”, disse, reforçando que – por enquanto – os ataques exremistas acontecem apenas na região norte do país. Encorajando o turismo de brasileiros em Angola, ela destaca a forte ligação entre os dois países. “Angola tem um vínculo histórico-cultural muito forte com o Brasil. Então, é muito interessante você visitar e conhecer um pouco mais sobre a história do país e ver como as histórias dos angolanos e dos brasileiros estão entrelaçadas e tem muita coisa bonita para se ver em Angola também", conta.  "Tem muitas províncias com canyons, belezas naturais, praias, safaris e que há muito ainda desconhecido por brasileiros. Recomendaria às pessoas visitar o país e se interessar por essa cultura angolana que é a raiz de uma parte da população brasileira”, disse. Pandemia complica viagens Mas o deslocamento da brasileira pelo continente tem ficado cada vez mais difícil. Não só pelas restrições de viagens impostas por governos africanos, mas pela dificuldade de se acessar áreas como o norte moçambicano. Em 2018, ela esteve pessoalmente na - cada vez mais violenta - província de Cabo Delgado, região que vem se tornando quase que inacessível para jornalistas e defensores dos Direitos Humanos como ela. “Neste momento em Moçambique a Anistia é um ator muito contraditório, mas isso não impede que a gente continue fazendo o nosso trabalho, monitorando e documentado a situação de forma credível, com todos os contatos que a gente já tinha na região e sem colocar ninguém em perigo”, reforça. Ela se sente feliz fazendo o que faz, já que, afinal, pela própria formação acadêmica, sempre se preparou para isso. “O meu trabalho hoje em dia me permite que eu ponha meu conhecimento disponível para ajudar pessoas que estão sendo perseguidas apenas pelo trabalho delas nesses países”, contou. Os momentos de frustração também fazem parte da realidade dela. “O trabalho de Direitos Humanos é a longo prazo, não é um trabalho que você vê o impacto e os resultados de forma imediata. Isso pode trazer um pouco de frustração, mas eu tenho uma motivação interna muito maior que me permite sempre continuar dando meu melhor para exercer meu trabalho da melhor forma”. No Brasil os pais sempre se preocupam com a segurança dela, que acaba os tranquilizando. “Eles sabem que tenho maturidade suficiente para saber até onde posso ir”, concluiu.  

    Brasil-África - Brasileiros dizem que se sentem mais seguros na África do sul durante a pandemia

    Play Episode Listen Later Mar 7, 2021 10:46


    Já são quase 14 anos morando em países africanos, vivendo diferentes experiências. Tempo suficiente para dizer que perseverança é uma palavra que combina perfeitamente com Marília Gabriela Ferreira e Jeferson Santos Barbosa, ambos de cidades do interior de São Paulo. Os dois atualmente vivem na África do Sul, onde o governo acabou de flexibilizar as regras de circulação no país, depois de ter implementado um dos confinamentos nacionais  mais rígidos do mundo, quase um ano atrás. O país se fechou pouco depois da confirmação do primeiro caso de Covid-19, no fim de março de 2020.  Vinícius Assis, correspondente na África do Sul Os dois tinham acabado de abrir um negócio próprio. Mesmo que ainda estejam sentindo o impacto econômico das medidas decretadas pelo governo sul-africano, os brasileiros elogiaram a forma do presidente Cyril Ramaphosa enfrentar a pandemia e afirmaram que se sentem mais seguros onde estão do que se estivessem no Brasil. “Vejo pela minha família. Eles estão realmente se preocupando mais, porque estão vendo que as pessoas mais próximas estão sofrendo perdas. Está chegando mais perto e está todo mundo meio que em pânico. Eu me sinto muito mais tranquilo aqui”, disse Jeferson. O casal contou que sempre obedeceu as regras impostas pelo governo sul-africano nos últimos meses. Marília acha natural que as pessoas se espantem mais quando recebem uma notícia de fora do ambiente onde vivem. Amigos e parentes se preocuparam quando leram sobre a variante do coronavírus identificada na África do Sul, no fim do ano passado, responsável pelo aumento de casos na segunda onda de infecções. “Mas a nossa vida aqui continua normal. Não tem pânico”, tranquiliza a brasileira. Ela disse que tem acompanhado notícias sobre a pandemia no Brasil. “A impressão é que lá está for a de controle. Então eu me sinto mais segura aqui, porque aqui eu sei que por hora está controlado”, concluiu. No ano passado, o casal até pensou em voltar para o Brasil em um dos voos de repatriação organizados pela embaixada do Brasil na África do Sul, só que eles não se juntaram aos aproximadamente 700 brasileiros ao todo repatriados e decidiram encarar a pandemia vivendo com os três filhos na Cidade do Cabo.     Jeferson conta que em algum momento a dúvida até surgiu. “A gente chegou a se perguntar 'e agora? Vamos fechar as portas e voltar para o Brasil, fazer alguma coisa por lá? Será que vale a pena? Balançamos”, admite. Mas o casal de cristãos disse que decidiu ficar, depois de muita oração. “Sentimos uma paz no coração e vimos que é o local que temos que ficar”, disse Jeferson. “Nosso plano está só começando”, completou a esposa. Mudança para o continente africano ainda namorando Os dois estão juntos desde 2006. Ela é fisioterapeuta, nascida no município de Tanabi. Ele nasceu em Lins e é engenheiro civil. O primeiro destino do casal foi Angola, em setembro de 2007, depois que Jeferson recebeu um convite para trabalhar em uma obra na ilha de Mussulu. Era pra ser apenas um período de três meses, mas o casal resolveu viver no continente africano. Os dois ainda namoravam na época. Ele se mudou primeiro. Um mês depois Marília viajou para encontrar o namorado. Ela chegou a exercer a profissão em Angola e também trabalhou como decoradora. “Já fiz um milhão de coisas”, lembrou. Mesmo com os desafios enfrentados no país africano eles, na realidade, não queriam voltar para o Brasil. Juntos chegaram a abrir uma empresa de organização de eventos, mas não queriam continuar em Angola. “Sentíamos que era um ciclo que estava chegando ao fim. E não tínhamos vontade de voltar para o Brasil. Estávamos naquele momento 'para onde iremos?'”, lembrou Marília, contando que foi durante uma viagem para a África do Sul que eles se encantaram com a Cidade do Cabo e decidiram que seria o próximo destino da família. A ideia era abrir um negócio próprio em vez de procurar emprego, como tentam fazer muitos brasileiros no exterior. Importando Açaí do Brasil O projeto de importar algum produto brasileiro deu início a um período de pesquisas e aprendizado. Foi quando o açaí - fruto típico da região amazônica - passou a fazer parte de um novo capítulo da história do casal. A primeira missão foi conquistar o paladar de angolanos e sul-africanos, introduzindo um produto até então desconhecido pela maioria. “Eu comecei a pesquisar algumas coisas e eu comecei a pensar: nunca vi açaí lá. Era uma coisa que nunca tinha passado pela nossa cabeça e a gente não sabia nada sobre isso”, revelou ao falar de como identificaram uma oportunidade e começaram a estudar sobre o fruto e planejar a mudança para o segundo país africano. Em 2016 eles contam que ainda não tinha açaí sendo vendido na Cidade do Cabo. Fizeram uma pesquisa com o público, incluindo degustação. “As pessoas que conheciam eram os turistas, na maioria”, contou Marília.   O sonho saiu do papel primeiro em Angola, como um teste. “Tivemos que adaptar o formato que era do Brasil para Angola, que é totalmente diferente. A própria formulação do açaí foi adaptada. No Brasil o pessoal gosta de muito doce. A gente diminuiu drasticamente o xarope de guaraná que é utilizado no Brasil”, contou Jeferson. A mudança para a África do Sul foi em 2017. “Acho que aqui é muito bom para criar as crianças. É o que a gente quer proporcionar para nossos filhos”, disse Marília ao falar do estilo de vida da paradisíaca Cidade do Cabo. O açaí que eles vendem é importado do Pará, o que significou, já no início, alguns desafios. “Todo negócio que depende de importação tem sua dificuldade. O produto pode vir de navio ou avião. Os fornecedores lá não têm muita experiência em exportação porque não precisam. O próprio mercado já consome tudo o que a gente faz, praticamente. Então, o desafio já começa em você encontrar o fornecedor adequado. Sabe-se que a vida de qualquer empresário tem altos e baixos. A primeira “queda” desde que decidiram investir no mercado sul-africano foi no fim de 2019, quando perderam cerca de 800 kg de açaí em um navio. “Na alfândega a carga entrou para o canal vermelho na inspeção do Brasil, porque muitas coisas que vêm para a África há a suspeita de envio de drogas. O pessoal simplesmente fez a vistoria na nossa carga toda e deixou descongelar tudo para ver se tinha droga e depois entregou a carga”, contou o empresário que disse ter contratado advogados para cuidar do assunto. A loja que montaram para vender açaí na Cidade do Cabo abriu as portas em janeiro do ano passado no bairro de Sea Point, um mercado que logo se mostrou mais atraente do que Angola. “Na primeira semana aqui vendemos mais açaí do que as nossas três lojas em Angola juntas no mesmo período”, revelou Jeferson. Dificuldades no caminho O investimento na África do Sul foi de cerca de US$ 200 mil, valor que o casal esperava recuperar em dois ou três anos trabalhando. Só que dois meses depois da inauguração, o presidente sul-africano Cyril Ramaphosa anunciou o lockdown. Mesmo que o país agora esteja na fase mais branda do confinamento, eles ainda enfrentam dificuldades pra importar açaí do Brasil. “Depois da pandemia, principalmente para a África do Sul, a dificuldade de transporte aumentou demais. E os preços também aumentaram. Agora consegue-se importar, mas com custo um pouco mais alto do que um ano atrás. Está muito difícil neste momento”, contou Jeferson. A loja chegou a ficar 10 dias sem o principal produto por problemas logísticos. O empresário contou que normalmente a polpa do açaí chegava em 15 ou 20 dias de avião. Eles tinham comprado uma carga em novembro, mas não conseguiam transportá-la. “Ficamos quase três meses em busca de voos para trazer a nossa carga e não conseguíamos. Ou porque os preços eram muito altos ou porque inviabilizava por causa do tempo que a carga ficaria em algum lugar sem refrigeração. Mas conseguimos”, disse a empresária. Atualmente, os dois importam do Brasil pelo menos 15 toneladas de açaí por ano e empregam 38 pessoas, isso na África do Sul e em Angola. Jeferson conta que acabou tendo que diminuir o quadro de funcionários na Cidade do Cabo, apenas, e que pagou o salário dos funcionários mesmo durante a pandemia. Outro produto tipicamente brasileiro que vendem é tapioca, sucesso em Angola, mas nem tão popular entre os clientes na África do Sul. Neste caso, não precisam importar o material do Brasil. Os dois estão praticamente reinaugurando o negócio, de um jeito diferente do que no início do ano passado. O local foi decorado com almofadas em tons próximos aos da cor do açaí, móveis de madeira clara e uma grande foto do fruto na parede. Quem chega é recebido com álcool e tem a temperatura checada por funcionáros, seguindo protocolos estabelecidos pelo governo sul-africano. Mesmo com as dificuldadese eles ainda recomendam aos brasileiros que quiserem empreender no exterior que importem produtos do Brasil. Deixam claro que são determinados e estão pouco se importando com o julgamento alheio. “Eu sou um cara muito positivo. As dificuldades sempre vão aparecer. Você pode estar na Suíça, em qualquer lugar você vai ter alguma dificuldade. Todo mundo vai te fechar portas, falar que não vai dar certo, que você não vai conseguir. Fuja disso. Trabalhe. A partir do momento que você faz alguma coisa com carinho, com amor e vontade de fazer a recompensa é automática”, aconselha Jeferson, lembrando que isso deve estar estruturado dentro de um plano financeiro e sabendo que qualquer operação dessas demora para dar resultado. “Não é fácil abrir mercado, trabalhando com produtos que as pessoas não conhecem. Mas depois que este caminho se abrir, tenho certeza que vai ser positivo”, concluiu. Depois de já terem sido chamados de loucos por várias pessoas, Marília lembra que o mais importante é a confiança em si mesmo. “Só você precisa acreditar. Você não precisa convencer ninguém nem esperar que os outros acreditem.

    Brasil-África - Pouco conhecimento de brasileiros sobre o continente africano leva a estereótipos, nota pesquisador

    Play Episode Listen Later Feb 13, 2021 6:39


    Único pesquisador brasileiro do Institute for Security Studies, Gustavo de Carvalho, 37 anos, vive há 12 anos na África do Sul. Ele diz que, ao contrário do que talvez possa parecer, o trabalho do especialista em missões de paz no continente africano não é perigoso – e afirma que os brasileiros deveriam aprender mais sobre a África para poderem ir além dos estereótipos. O pesquisador, nascido e criado em Brasília, já esteve em 27 países do continente e diz que se sente mais seguro em Pretória do que em algumas capitais brasileiras. Carvalho lembra que não há conflitos armados onde ele vive – há, sim, violência urbana, como a que todos os brasileiros das grandes centros também experimentam.   “Estatisticamente, cidades sul-africanas são tão violentas quanto cidades brasileiras. Não entendo como brasileiros, às vezes, ficam com essa paranoia com a África do Sul. Vivemos uma realidade muito parecida”, observa. Mas nem todos os parentes e amigos dele se convenceram disso ainda. Gustavo já perdeu a conta de quantas vezes o perguntaram, em tom de espanto, “o que ele está fazendo na África”. O pesquisador pisou no continente pela primeira vez em 2007 para fazer um estágio de oito meses em uma organização internacional, em apoio à União Africana. Dos 10 conflitos mais preocupantes do mundo, três estão na África Pós-graduado em Estudos Africanos pela universidade de Oxford, em 2008 ele viveu cerca de 2 meses em Burundi para uma pesquisa sobre o papel das Nações Unidas e da União Africana no país. As notícias sobre conflitos dentro da capital causavam preocupação na família. “Eu falava: mãe, a possibilidade de algo acontecer comigo aqui é, talvez, menor do que eu ser vítima de violência nas ruas de uma cidade brasileira”, contou. “Falta de conhecimento gera medo.” É fato que há conflitos em andamento no continente causando mortes e fazendo milhares de pessoas se tornarem refugiadas nos próprios países ou nos vizinhos, assim como em outras partes do planeta. O ACLED, projeto que monitora conflitos armados pelo mundo, divulgou no início do mês uma lista com os 10 conflitos considerados mais preocupantes em 2021. Na relação, aparecem três no continente africano: os que ocorrem no Sahel, em Moçambique e na Etiópia, país onde fica a sede da União Africana e para o qual o pesquisador viajava com frequência até antes da pandemia. O brasileiro acaba de começar a cursar doutorado em Administração na Universidade da Cidade do Cabo. Ele disse que normalmente causa espanto alguém destacar, no Brasil, estudos nas universidades africanas – resultado do grande desconhecimento sobre o continente, na visão do pesquisador. “Se no dia a dia já não conhecemos muito o continente, obviamente se você falar que uma universidade no Egito ou da África do Sul esteja entre as 200 melhores do mundo, sempre será uma surpresa”, disse. Combate à Covid-19 A pandemia mudou bastante a rotina de Carvalho nos últimos meses. Os seminários que organiza agora são virtuais, assim como as inúmeras reuniões com pessoas de diferentes partes do continente. Enquanto trabalha de casa, o brasileiro não vê a hora de poder se vacinar contra o novo coronavírus. Na avaliação dele, governos africanos tomaram medidas necessárias e na hora certa. “Tivemos o lockdown muito cedo, o que de certa forma conseguiu segurar um pouco a situação, até que o sistema de saúde pudesse comportar o maior número de casos. Mas o sistema de saúde aqui nunca entrou em colapso”, ressalta, destacando como exemplos a África do Sul e a Etiópia. Carvalho defende ser necessário incluir mais conteúdo sobre o continente africano na educação básica no Brasil. “O entendimento que a gente tem do continente é extremamente limitado, às vezes até estereotipado. Essa falta de conhecimento que se tem no Brasil é, para mim, uma ignorância da nossa própria história”, salienta. Ele destaca que em Moçambique e em Angola, principalmente, as pessoas são muito bem informadas sobre o noticiário brasileiro. “O continente africano vê o Brasil de uma forma muito positiva. É até vergonhoso o pouco que a gente sabe sobre o continente”, conclui. E o distanciamento entre o Brasil e a África se acentua cada vez mais, nota o pesquisador. Ele lembra que, nos anos 2000, a mudança de postura da diplomacia brasileira em relação aos africanos gerou grande expectativa. “Foi uma época em que o Brasil começou a expandir muito suas relações governamentais com o continente. Embaixadas foram abertas, existia um processo de cooperação técnica com países africanos", relembra. "Na época, ter o Brasil como um líder gerou muitas expectativas, que foram frustradas, e não só pela mudança de direcionamento de foco de política externa brasileira. Quando essa interação não se prolonga, ou não é tão sustentada como se espera, gera uma frustração”, sublinha. Mas Carvalho considera que o Brasil não poderá ignorar a África por muito mais tempo, principalmente se quiser conquistar uma vaga no Conselho de Segurança da ONU, em 2022. “Mais de 50% das questões discutidas e boa parte das resoluções do Conselho de Segurança são sobre a África. Se for, e quando for eleito, vai ter que trabalhar com uma grande quantidade de temas africanos”, diz. Um dos grandes desejos do pesquisador é ver ainda o Brasil reproduzir no continente africano o que fez no Haiti, país caribenho onde a missão de paz brasileira atuou por 13 anos para restaurar a ordem. “Na África, o Brasil pode entender um pouco mais da sua capacidade como ator em desenvolvimento e as suas respostas dentro das Nações Unidas e outros organismos internacionais”, afirma. A experiência de vida e profissional do pesquisador o faz concluir que, além das estreitas ligações históricas, o Brasil e o continente africano estão mais próximos do que muitos brasileiros pensam. “A gente tende a olhar muito para os países desenvolvidos, Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, e a gente olha muito pouco para o lado, para quem está numa situação semelhante à nossa”, analisa.      

    Brasil-África - Cabeleireira brasileira dribla o racismo e a recessão na África do Sul

    Play Episode Listen Later Mar 15, 2020 4:34


    A notícia de que a economia sul-africana acaba de entrar novamente em recessão não fez a brasileira Magali da Silva Rebola desistir de continuar investindo no país, onde a cabeleireira e empresária vive há 15 anos com o marido e as três filhas. Em 2005, eles cruzaram o oceano Atlântico pela última vez, e hoje vivem em Boksburg, a cerca de 20 km de Joanesburgo. O dia começa cedo para a brasileira: às 5h30 ela já está na academia. Três horas depois, Magali está com o salão de beleza aberto e pronta para colocar a mão na massa – ou melhor, nos cabelos das clientes. A decoração do ambiente de trabalho é inspirada no Brasil, com foto do Cristo Redentor decorando as paredes. Magali faz jus à fama de ser boa de serviço e está com a agenda lotada até o fim do mês – foi até difícil marcar uma entrevista com ela. A técnica ela aprendeu em um curso aos 18 anos, que na sequência aplicou no salão de uma tia. Depois, estudou magistério, na tentativa de realizar o sonho de ser professora. Nascida em São Paulo, casada com um sul-africano filho de uma brasileira e um português, ela conta que chegou a dar aulas para crianças quando chegou à África do Sul. Mesmo tendo já se passado mais de uma década após o fim do Apartheid, ela lembra que a segregação estava presente no dia a dia das dezenas de alunos que tinha em uma classe multirracial.“Eu fiquei frustrada em dar aula na África do Sul para as duas culturas (negra e branca). Minha classe era misturada, mas era complicado, até para eu dar minha opinião”, diz a brasileira de pele morena, considerada mulata no país de Mandela. “Cresci com as duas raças. Quando eu vim para cá pela primeira vez, meu esposo falou 'eu não vou te falar nada, mas quando chegar você vai ver o que é'. Foi dolorido para mim saber que as duas culturas ainda não eram tão próximas”, disse. Virada Essa realidade a levou a abandonar o magistério, em 2012, e a investir na carreira de cabeleireira. Magali parou de atender apenas amigas e pessoas próximas para conquistar clientes, abrindo o próprio negócio. A primeira sociedade, idealizada com uma portuguesa e especializada na venda de produtos brasileiros, faliu dois anos depois. Entretanto, levando ao pé da letra o ditado que diz que “brasileiro não desiste nunca”, a paulistana recomeçou o negócio em 2014 – desta vez, sozinha. Aprendeu novas técnicas para não ser apenas mais uma no setor e poder se destacar. Em um dos cursos que fez, cerca de 20 anos após o fim do Apartheid, mais uma vez as feridas causadas pelo regime se mostraram abertas. “Um dia, alunas negras estavam no fundo da sala fazendo trancinha uma na outra e eu as chamei para aprender a fazer luzes. Elas disseram que não faziam isso na cultura delas”, recorda-se. “O pior são as brancas que não conseguem fazer o cabelo nem do mulato. Por isso, não consigo contratar ninguém e trabalho sozinha”, disse.Magali garante que hoje os negócios vão de vento em popa, apesar do quadro recessivo no país. Além do salão em Boksburg, ela mantém um espaço em Durban, a quase 600 quilômetros, para onde viaja uma vez por mês para atender clientes. Negras buscam alisamentos ou recorrem a perucas A brasileira estima ter quase 100 clientes fiéis. No site e nas redes sociais do salão, Magali exibe fotos de antes e depois de mulheres atendidas por ela. Quase todas aparecem com cabelos mais lisos do que antes – porém, Magali nega que pregue o alisamento dos cabelos das negras.“Muitas delas querem alisar, mas meu objetivo é tratar e dar mais vida ao cabelo e valorizar o cacheado”, diz, ressaltando que tem poucas clientes negras. A brasileira compartilhou em suas redes sociais a animação Hair Love, que venceu o Oscar da categoria este ano exaltando o cabelo encaracolado. Ela também vibrou quando uma sul-africana, de cabelo naturalmente crespo, foi eleita Miss Universo.“A gente repara que, depois disso, muitas estão aceitando mais o próprio cabelo. Mas o problema é o bullying. Elas vão para escola e os outros dão risada do cabelo duro, afro, algo que acontece até no Brasil. Torço para que isso mude um dia”, comenta.As negras, explica, tendem a preferir usar perucas, em geral lisas, que são muito populares em países africanos. O acessório é considerado mais versátil, ao possibilitar visuais diferentes com facilidade. Além disso, é mais barato, na comparação com tratamentos capilares. Escova progressiva é “brazilians” na África do Sul A escova progressiva, comum no Brasil, é chamada de “brazilians” nos salões sul-africanos. Magali conta que chega a fazer de três a quatro por dia, a preços que variam de R$ 230 a R$ 1.500. “Tenho cliente já marcada para o fim do ano”, comemora. Com as três filhas e o marido empregados na África do Sul, a empresária não pensa em voltar para o Brasil agora, apesar do assunto de vez em quando surgir em casa. Ela planeja, ao contrário, investir mais no país que a família escolheu para viver, com a abertura de uma franquia na Cidade do Cabo e de um salão só para clientes negras. “Acredito que eu ainda tenha muita oportunidade aqui na África do Sul, mesmo com a crise. Sou muito positiva, nem fico muito pensando na crise. Vou levando, bem brasileira.”

    Brasil-África - Decepcionada como missionária evangélica na África do Sul, brasileira vira chef

    Play Episode Listen Later Dec 22, 2019 3:16


    Maria da Conceição Lima da Silva tem 48 anos e há 11 trocou Natal por Joanesburgo. Deixou no Brasil seis filhos, 13 netos, a mãe, amigos e outros parentes para ser missionária evangélica na Cidade do Ouro. O projeto foi cheio de contratempos, mas, em compensação, possibilitou que ela abrisse uma microempresa de gastronomia. Conceição estudou pouco, trabalhou muito, teve filhos muito jovem e quase nenhuma ajuda dos companheiros. O emprego mais constante foi o de empregada doméstica. Para completar o salário, fazia catering, sua paixão. Em Natal, participava da comunidade da igreja evangélica do seu bairro. Até que soube da possibilidade de realizar missões em outros países. Começou a pensar em sair do Brasil, em busca de uma vida melhor. Em 2008, soube que a congregação precisava de um chef de cozinha em Joanesburgo. O trabalho era tomar conta do Centro de Aperfeiçoamento para Pregação do Evangelho (Ceape). Sem falar inglês, se tornou uma espécie de faz tudo: faxineira, cozinheira e governanta do centro. O pacote incluía somente passagem e moradia no trabalho - não previa aulas de inglês, plano de saúde, transporte, permissão de trabalho, pagamento ou ajuda de custos. Os futuros missionários estudavam a Bíblia, interpretação dos seus textos e treinavam falar em público. A maioria dos noviços pagava o dízimo e ainda tinha que contribuir com as contas de água, luz, internet, alimentação etc. “Eu vim somente com a fé. Não pagava dízimo, mas trabalhava muito e não tinha dinheiro para nada”, relembra. Decepções com a igreja Com visto de turista, acabou visitando países como Botsuana, Moçambique e Suazilândia. E em 2010, chegou a retornar ao Brasil, onde ficou somente seis meses. Ao voltar a Joanesburgo, preferiu não procurar mais a igreja, abalada por desavenças entre os irmãos do Brasil e da África do Sul. “Vim somente com a coragem e a certeza de que tinha alguma chance no país. Por isso insisti”, afirma. O primeiro trabalho na África do Sul foi em uma fábrica de salgados de um português. Depois, uma colega portuguesa propôs abrir um negócio de comida – Conceição topou na hora, mas logo percebeu que fazia tudo e ganhava uma miséria. “Então comecei a trabalhar para mim. Passei a frequentar o grupo das brasileiras na África do Sul. Assim, as pessoas foram me chamando e surgiu o ‘Lar das Delícias’, que hoje é ‘Sabores, Great Gastronomy’”, conta a brasileira, que tem entre os clientes as embaixadas do Brasil, do México, da Argentina e da Holanda. Exploração A experiência fez com que, hoje, Conceição seja crítica ao trabalho missionário. Em geral, afirma, os candidatos não sabem exatamente o que os espera. No exterior, se deparam com problemas básicos. “As pessoas hoje ganham dinheiro através da palavra de Deus. Acho isso o cúmulo do absurdo!”, avalia. “Mas a minha fé continua maior do que antes, porque se não fosse Deus, eu não estaria na África do Sul e nem teria o que tenho: ou respeitada pelo meu trabalho e a qualidade de vida que tenho, não encontro no meu país.”

    Brasil-África - Advogado sul-africano que defende brasileiros fala de golpes, xenofobia e racismo no seu país

    Play Episode Listen Later Dec 8, 2019 3:36


    Emile Myburgh (47) tenta convencer a Justiça do país dele a conceder a guarda de uma criança de 5 anos à avó brasileira que vive no Rio de Janeiro. O menino atualmente mora em Joanesburgo e é alvo da disputa entre a auxiliar de enfermagem carioca Silvana Reis Almeida (53) e a família do ex-genro, que está preso por ter matado a própria esposa (filha de Silvana) e guardado o corpo em casa por quase 20 dias. Vinícius de Assis, correspondente da RFI na África do Sul O crime aconteceu em fevereiro do ano passado. A criança é fruto do casamento da vítima, Valéria de Almeida Franco Schmid, com o sul-africano condenado Johan Oswald Schmid (48). O menino estava no apartamento na hora em que o pai estrangulou a mãe. Atualmente ele vive com uma tia paterna. Este caso é considerado pelo advogado o mais complexo da carreira dele. E por este trabalho não está cobrando sequer um centavo da família brasileira, que o conheceu por intermédio da embaixada do Brasil. “Eu queria ajudar, queria fazer alguma diferença. Nem tudo os clientes podem pagar. Conto com a ajuda de outros dois advogados neste processo. Se eu fosse cobrar, pensando muito rápido, seria algo em torno de R$300 mil em honorários”, disse. O sul-africano abraçou a causa da brasileira e criticou a pena recebida pelo assassino confesso. Oswald, que está preso há mais de um ano, desde que se entregou, acaba de ser condenado a 5 anos de prisão. O que causou indignação, porque a pena mínima para homicídios na África do Sul é de 15 anos. A defesa defendeu a tese de que o assassino viveu um relacionamento abusivo com a brasileira. “Acho que a pena está totalmente equivocada. O juiz julgou que os abusos que ele teria sofrido contam como motivo para se desviar da pena mínima. Reduzir de 15 para 5 anos com direito a prisão domiciliar daqui a menos que um ano torna o nosso sistema jurídico uma piada”, disse, deixando claro que isso pode abrir precedentes para outros casos semelhantes. Com 22 anos de profissão, Emile é consultor de direito sul-africano da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) e tem uma vasta clientela de brasileiros, entre pessoas físicas, empresas multinacionais e a Embaixada do Brasil. Desbravando novos horizontes Ele não tinha vínculo algum com o Brasil - sequer falava português - até que uma oportunidade de trabalho o fez cruzar o oceano Atlântico. Era um jovem advogado sul-africano de 28 anos quando foi contratado por um escritório brasileiro. Além de inglês e africâner, falava italiano e confiou também nas aulas de latim que teve na escola para encarar o desafio no maior país da América do Sul. Durante dois anos, o endereço de Emile foi a capital São Paulo. A ideia era que ele, depois do biênio de treinamento, abrisse uma filial do escritório em Joanesburgo. Mas os planos de quem o contratou mudaram pouco antes da primeira eleição do presidente Lula, em 2000. “As expectativas sobre o futuro do Brasil eram péssimas e o escritório desistiu dos planos de abrir a filial. A economia brasileira, na época, estava indo mal. Então, eu pedi demissão, voltei para a África do Sul e montei meu próprio escritório para atender clientes brasileiros e, eventualmente, sul-africanos em Angola e Moçambique”, disse. Na entrevista o advogado revelou que tem sido cada vez mais procurado por brasileiros, principalmente empresários, que estão sendo alvos de golpistas na África do Sul. “Eu sempre recebi uma ou duas vezes por ano alguma consulta de alguém que foi vítima de algum estelionatário. Neste ano o número disparou. Já recebi sete ou oito consultas. Em agosto cheguei a receber duas em um mesmo dia”, contou. Os referidos golpes acontecem de diferentes formas. Uma delas é: alguém entra em contato com um brasileiro afirmando que há uma herança no nome dele no exterior. Mas diz que, por algum motivo, esta herança não pode ser transferida se não houver um pagamento de uma taxa. Agora, mais recentemente, outra forma de estelionatário tem vitimado empresários brasileiros. Emile falou de uma situação que tem se agravado ao contar que empresários brasileiros que buscam negócios na África do Sul acabam entrando em contato com falsos fornecedores. Os negócios parecem legítimos, mas não são. “Os estelionatários são bem espertos. Preparam contratos de compra e venda, documentos que parecem ser de frete e as vítimas mandam dinheiro porque acreditam que eles realmente compraram a mercadoria que estavam procurando. Depois descobrem que a mercadoria nunca chegará ou que precisam pagar mais taxas”, detalha. Emile conta que desembarcou do outro lado do Atlântico sem se guiar por estereótipos, mas ao chegar percebeu que os brasileiros não tinham a mesma postura em relação ao país dele. “Muitos brasileiros pensam na África como se fosse uma entidade única. Quando eu falei que era da África do Sul muitos ficaram perplexos quando eu expliquei que era um país dentro da África. Até hoje eu escuto brasileiro dizendo 'vou para a África´. E eu pergunto: para onde? Tem mais de 50 países na África”, disse ao revelar o que o irritou ao chegar ao Brasil. “Hoje não ligo mais. Vejo como uma oportunidade para explicar como é a realidade aqui na África, continente com muitos países, como a África do Sul”, completou. Racismo e xenofobia O país onde ele nasceu foi chamado de Raibow Nation (Nação arco-íris) pelo arcebispo Desmond Tutu após o fim do Apartheid, regime de segregação que marcou a história sul-africana, separando brancos dos não-brancos. O termo foi usado para celebrar a primeira eleição totalmente democrática do país, em 1994, que terminou com a vitória de Nelson Mandela, o primeiro presidente sul-africano negro. A expressão reforça a ideia de que todos são bem-vindos no país. Pelo menos na teoria. As últimas notícias publicadas na imprensa internacional mostram que na prática este conceito parece não estar sendo refletido no comportamento de todos. Recentes ataques contra estrangeiros em Joanesburgo deixaram mortos, feridos, empresas de imigrantes saqueadas e até incendiadas. Episódios que Emile viu com tristeza e colocaram as palavras xenofobia e África do Sul nas mesmas manchetes. “Por mais que o novo governo se ache sem preconceito, a nossa política de imigração atual tem as raizes na politica de segregação dos anos do Apartheid. Enquanto outros países africanos aceitam os chamados irmãos africanos de braços abertos, a África do Sul é o único país que quase se fecha totalmente para estrangeiros” disse antes de explicar que existe um mito de que estrangeitos se mudam para a África do Sul em busca de trabalho e mulheres sul-africanas. Este mito sustentaria até hoje a aversão de parte da população a outros africanos. O advogado conta que pessoalmente já sofreu por ser casado com uma estrangeira (brasileira). “Essa política se vê na nossa legislação de imigração, que dificulta tanto a convivência entre sul-africanos e estrangeiros. Estou falando de casais. A mentalidade é que um estrangeiro não se casa com um sul-africano por amor, mas porque quer vir pegar o emprego de um sul-africano. Isso é uma mentalidade totalmente absurda, mas está nas leis”, diz. Ele também contou que como grande parte da população tem “medo” de estrangeiros, os políticos não têm outra escolha: acabam concretizando essa xenofobia em legislação. “A xenofobia vai de baixo para cima. É uma coisa absurda contra a qual eu luto como posso”, conclui. Emile faz parte da minoria branca que representa quase 8% da população da África do Sul, país ainda lembrado pelo Apartheid, regime de segregação racial que terminou no início dos anos 90. Um tema que ainda parece incomodar. “Não é mostrado quando crianças de várias raças nas escolas brincam juntas, mas se por dois segundos formam um grupo negro e outro branco, tira-se uma foto e isso é mostrado como se fosse a realidade de que brancos e negros não se misturam”, disse Emile, que também reconheceu – lamentando - que ainda existem problemas entre as raças na África do Sul e problemas de desigualdade que se manifestam em linhas raciais. “Grande culpa disso é a herança do Apartheid, sem dúvida, e também a corrupção recente na África do Sul”, completou. Para o advogado tensões raciais não fazem parte do dia a dia dos sul-africanos. “Só que quando há um único evento de racismo, que lamentavelmente existe ainda, essa excessão é levada como regra, como se todo o branco odiasse os negros, e isso não é verdade”, disse. Emile é pai de uma menina de 7 anos, branca, que segundo ele frequenta escolas multiraciais desde os 3 anos. “Ela cresce com crianças negras, brincam, já foi chamada de namoradinha de um menino negro”, ressaltou. A meta dele como pai é deixar que a filha cresça vendo isso acontecer de forma natural, se relacionando com quem ela gostar e não julgando os outros pela aparência, cor ou orientação sexual. Um tipo de educação bem diferente da que ele mesmo disse ter recebido dos pais. Aposentadoria no Brasil Peças verde e amarelo não faltam no guarda-roupas dele que é casado com a brasileira Dalva Estela de Azevedo. Os dois se conheceram em uma festa em Joanesburgo, em 2010. Estão juntos desde então. Um dos acessórios preferidos da filha do casal, Verônica, é um chapéu com a estampa da bandeira do Brasil que o advogado comprou quando morava em São Paulo. Emile já esteve em 17 estados brasileiros e conta que não pretende envelhecer no próprio país. Os planos são se aposentar e viver no interior da Bahia com a família. Preferencialmente na região da Chapada Diamantina. A avó de Dalva, que tem quase cem anos, mora nesta parte da Bahia que chama atenção do sul-africano pela tranquilidade e a beleza da natureza. “Talvez na cidade de Mucugê, onde estivemos no ano passado”, frisa o sul-africano que é fã de pão de queijo, creme de papaia e guaraná. Emile também é piloto de avião. Um hobby que o faz frequentemente alugar aviões monomotor e sobrevoar paisagens sul-africanas. Ele ainda alimenta um sonho: sobrevoar todo o litoral brasileiro. “É possível aprender muito em uma viagem dessas, que pode levar de dez a 15 dias”, ressaltou. Bom, tempo certamente ele terá de sobra para planejar este vôo sem pressa, no melhor estilo baiano de ser e viver.  

    Brasil-África - Brasileira cria projeto para empoderar mulheres em favelas sul-africanas

    Play Episode Listen Later Aug 18, 2019 3:05


    Inicialmente era só uma viagem para estudar inglês, em 2004. Mas a brasileira Mila Moreano, hoje com 46 anos, acabou ficando permanentemente na África do Sul. E o tempo mostrou que esta decisão fez (e tem feito) a diferença nas vidas dela e de centenas de mulheres pobres da Cidade do Cabo. Vinicius Assis, correspondente da RFI na África do Sul Mila diz sempre ter procurado fazer da solidariedade uma prática cotidiana. Na África do Sul, criou um projeto que ensina, além de corte e costura, empreendorismo a mulheres de comunidades carentes. Mas para fazer isso, a brasileira foi além dos cartões postais da paradisíaca cidade. “A desigualdade me incomoda e a África do Sul é o país mais desigual do mundo. A diferença entre o rico e o pobre é imensa. Para mim a fome era só uma estatística. Nunca tinha visto pobreza tão perto de mim até que uma aluna me disse que não comia há dois dias, estava só tomando chá”, disse a brasileira, que passou a lidar diariamente com gente que nem sempre sabia quando seria a próxima refeição. Além do mais, abusos sexuais e violência doméstica faziam parte da história de vida de praticamente todas as mulheres pobres com as quais Mila passou a ter contato.  O incômodo diante dessa realidade não a impediu de tentar empoderá-las. “Sou privilegiada e sinto que tenho obrigação de compartilhar o que tenho com quem tem menos do que eu”, completou. Ela nasceu em Paty do Alferes, interior do Rio de Janeiro. Jornalista por formação, trabalhou em redações de TV e rádio no Brasil. Até que em 2015 resolveu voltar a estudar e se tornar professora. Foi quando começou a fazer pós-graduação em Pedagogia especializada em Educação para Adultos na Universidade da Cidade do Cabo. Montou seu local de pesquisa em uma casinha feita com telhas de zinco na comunidade Samora Machel, que fica em Philippi, uma das áreas mais perigosas da Cidade do Cabo. Inicialmente ela dava só aulas de inglês (nem todas as pessoas de baixa renda neste país, onde existem 11 idiomas oficiais, são fluentes em inglês). Depois começou a mostrar um caminho profissional a essas mulheres que não tinham muita esperança de futuro melhor. Aprendendo juntas “Comecei a dar aulas de costura à mão. Depois eu levei duas máquinas que eu tinha na garagem. Sei pouco de costura, o básico. Fomos aprendendo juntas, pesquisando no youtube“, disse. As alunas treinam produzindo peças, como mochilas, roupas e cooking bags, usando coloridos tecidos tradicionais africanos. “Elas têm tantos talentos! Existe um conhecimento nato que só precisa ser incentivado. Basta uma chance. Sabem mais do que imaginam. Foram sempre tão oprimidas que nem acreditam nos resultados”, orgulha-se. Depois das aulas essas mulheres se tornam professoras e costureiras profissionais nas suas comunidades. “Quero que elas tenham todo o conhecimento de como gerenciar um negócio para que elas possam ampliar. Podem ter uma clientela no bairro onde moram, na escola do filho, na igreja. A costura não morreu! O pobre ainda costura muita roupa em casa, faz reparos. É mais barato”, lembrou. A brasileira lembra que, no início, todas essas mulheres estavam desempregadas. Hoje não dependem tanto dos maridos. E em alguns casos são essas mulheres que atualmente sustentam seus lares, já que a África do Sul tem hoje uma das mais altas de desemprego do mundo. A vantagem é que são incentivadas a trabalhar a maior parte do tempo em casa, sem o custo e os perigos de encarar transporte público todos os dias, tendo que passar por ruas escuras ao anoitecer. O grande desafio é fazê-las entender que precisam se ver como mulheres de negócios. Um grande avanço foi fazer com que elas abrissem suas próprias contas bancárias. No início, quando precisavam de uma conta para receber um pagamento usavam as dos maridos. Nem sempre havia a garantia de que todo o dinheiro chegaria realmente a suas mãos. “Quando uma delas fala para mim 'você quer que viremos mulheres de negócios, mas a gente nunca teve isso na nossa família', eu falo: não tem problema. Você vai ser a primeira! Eu as levo a feiras e bazares para que tenham contato com clientes, aprendam a calcular descontos, dar troco, mostrar as opções, calcular preços dos produtos. Assim eu tento dar uma noção geral para elas”, contou. Projeto já beneficiou centenas de mulheres O projeto foi batizado de Yes, We Can! (Sim, Nós Podemos!) e já beneficiou aproximadamente 500 mulheres nesses quase quatro anos de existência. Cresceu sem investimentos em ações de marketing. Foi tudo graças ao famoso boca a boca, com uma amiga falando para outra. As professores – que também um dia foram alunas da brasileira – agora têm cartões de visitas e panfletos para divulgar as aulas, que hoje custam cerca de R$25 por 4 horas. Praticamente um valor que só cobre o material usado na produção das peças que, depois, podem ser vendidas ou usadas por elas. Atualmente o escritório central funciona em um dos conteîneres de um complexo criado por fundações para desenvolver pequenos negócios na comunidade Philippi. A condição para se pagar um aluguel menor é, por mês, dar aulas a 10 mulheres de graça. O espaço já está pequeno. Das quase 15 máquinas, quatro foram doadas. As outras elas vieram comprando aos poucos, às vezes de segunda mão. As aulas também são dadas em bibliotecas públicas pela Cidade do Cabo. No fundo do conteîner onde funciona a sede ficam os tecidos e todos os outros materiais usados nas aulas e para a confecção das peças. É principalmente com a venda desses produtos que o Yes, We Can se mantem e Mila consegue fazer com que as seis professoras e principais costureiras ganhem cerca de 700 Rands por semana (cerca de R$ 180). “Quando elas recebem o dinheiro falam 'oh, vou comer frango hoje à noite', 'vou comprar o uniforme do meu filho', 'o sapato da escola', 'o pijama da minha filha'. Quando você empodera uma mulher está empoderando a família e a sociedade”, orgulha-se. Mas a brasileira faz questão de afastar de si o estigma de “estrangeira branca usando mão de obra barata negra”. Projeto pode virar ONG “Existe este estigma e tento quebrá-lo através do meu trabalho , mostrando que sou genuína. Não temos nada em consignação. Tudo pertence ao projeto. As costureiras são todas pagas. E elas estão sempre satisfeitas pelo valor pago pelo produto. Tenho a preocupação em pagar bem, pois é produto feito um a um, nao é série. Agora me incomoda que me vejam como o caixa eletrônico delas. Sou a gerente, criadora de um projeto que gera renda para essas mulheres. Mas elas estão aprendendo que isso não é uma empresa onde elas costuram, vendem e vão embora,” afirmou, se colocando numa posição de coordenadora e não de patroa. O projeto ainda é totalmente informal. Mila conta que estão amadurecendo a ideia sobre criar uma ONG. O fato é que o Yes, We Can! ainda não dá lucro para a brasileira, que tem um imóvel perto da casa onde mora e o aluga para turistas. Esta é sua princial fonte de renda. A dedicação ao projeto vai além do retorno financeiro, que um dia ela espera ter. “Tento pelo menos recuperar o que invisto, mas isso não me dá lucro. O que ganho coloco no negócio. A ideia é, sim, que eu consiga também ter uma retirada, que seja sustentável. Não estou fazendo caridade. É empoderamento e treinamento de mão de obra. Então eu também tenho que ser paga por isso. Vamos chegar lá. Só uma questão de tempo”, conta. O tempo também constrói a confiança necessária para este tipo de trabalho. “Negros africanos acham que todo branco têm dinheiro. Mas acho que é um aprendizado. Confiança vem através do tempo. Acho que por causa do passado na África do Sul não existe muita confiança. As pessoas estão sempre tentado uma passar a perna na outra, vendo quem tira mais vantagem. O mundo está virando uma selva! E a gente conversa sobre esses assuntos delicados nas nossas reuniões semanais”, disse. As lições são muitas e diárias para a brasileira, que não era expert em costura nem em negócios. “Elas me empoderam muito mais. Eu as empodero de uma forma muito real, com o dinheiro que vira comida, roupa, mas elas me ensinam muito a praticar a generosidade, ser paciente. E me faz bem saber que eu trago algum sentido para a vida de alguém, que eu acrescento. Nem que seja um pequeno legado, mas sei que minha vida nao foi em vão. A minha existência ajuda ouras pessoas a existir. Isso me traz satisfação pessoal”, conta antes de lembrar que o requisito para participar deste projeto é assumir o compromisso de passar adiante o que se aprende aqui. Essa é a missão do trabalho: fazer essas mulheres acreditarem que elas conseguem!

    Brasil-África - Brasileira muçulmana se torna exemplo de solidariedade na África do Sul

    Play Episode Listen Later Jun 8, 2019 3:09


    Com a chegada do inverno, a brasileira Beatriz Barbosa Cezar se tornou um exemplo na Cidade do Cabo quando o assunto é trabalho voluntário. A RFI acompanhou a ação de vários brasileiros na tentativa de levar um pouco de conforto aos moradores de rua da região onde moram na África do Sul. Vinícius Assis, correspondente da RFI na África do Sul. Nem todo mundo consegue dormir tranquilo debaixo de um cobertor sabendo que o frio pode ser mortal para quem passa as noites ao relento. Apesar do inverno na África do Sul só começar dia 21 de junho, já tem feito bastante frio na Cidade do Cabo, onde termômetros já marcam temperaturas abaixo dos 15 graus. Sem falar na habitual ventania que faz até com que as árvores cresçam inclinadas por toda a cidade. Mas esse frio não desanimou um grupo de voluntários - a maioria brasileiros - que distribuíram 140 cobertores a moradores de rua da paradisíaca cidade sul-africana no domingo (19) à tarde. Tudo foi arrecadado em uma semana. A campanha foi divulgada em redes sociais e mobilizou, além das quase 20 pessoas que fizeram a entrega, outras - de diferentes países e religiões - que doaram cobertores ou dinheiro. Um brasileiro que mora em Johanesburgo doou 4 mil RANDS (o equivalente a R$ 1.120). O valor foi suficiente para comprar 80 cobertores. O grupo foi liderado por Beatriz Barbosa Cezar, uma guia de turismo natural de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, que há quase sete anos mora na Cidade do Cabo. Ela fez questão de ser bem transparente. “Prestei conta de todos os cobertores doados e comprados. Entreguei as notas de todas as compras que fiz”, ressaltou. Muçulmana, casada com um sul-africano, ela é mãe de três filho e se tornou uma referência na Cidade do Cabo quando o assunto é trabalho voluntário, principalmente entre brasileiros (estudantes de intercâmbio, moradores ou turistas). “Sempre me procuram, porque quase todo voluntariado aqui na África do Sul é pago, mas nossas ações são gratuitas. Não cobramos de ninguém. Quem quiser doar cobertores e alimentos até aceitamos, porque mantemos o projeto com nossos recursos, mas não é sempre e nem exigimos”, diz. Ainda sobre os programas onde estrangeiros pagam para fazer boas ações na África, o que também é conhecido no continente como “volunturismo”, Beatriz diz não saber ao certo se considera uma atitude correta ou errada. “Não tenho uma opinião a respeito, porque o grupo que recebe essas visitas precisa das doações. Mas não cobramos nada de quem quer participar das nossas ações”, comenta. Food 4 Homeless A entrega dos cobertores no domingo foi acompanhada da distribuição de comida: arroz com lentilha, em embalagens individuais de isopor. Este trabalho começou em 2016, quando Beatriz arrecadou 100 cobertores entre amigos depois que moradores de rua bateram na porta de sua casa pedindo alguma doação. Naquele ano ela também entregou sopa junto com os cobertores. Foi como surgiu o “Food 4 Homeless”, nome dado ao projeto criado por Beatriz e outros envolvidos. De lá para cá, toda quinta-feira ela reúne um grupo de voluntários para preparar comida na cozinha da própria casa e distribuir aos moradores de rua do Sexto Distrito, bairro onde mora. Também recolhem garrafas pet e entregam água filtrada a quem dorme na rua. O grupo percorre áreas da cidade paradisíaca que normalmente não são visitadas por turistas. Os carros da Beatriz e dos amigos dela se aproximam das mesmas áreas sempre perto do horário do almoço. Muitas vezes os sem-teto estão em barracos feitos de entulho no meio de terrenos onde o mato passa de um metro de altura. Beatriz os chama sempre do mesmo jeito: buzinando e - antes mesmo de parar o carro - gritando “Food! Come for food!”. Aos poucos eles vão surgindo. Ás vezes nesses locais há surpresas bem desagradáveis. Beatriz conta que em uma das entregas um morador disse que havia um cadáver há dias perto de onde dormiam. A necessidade é grande, como lembra Beatriz ao falar da entrega de cobertores. “Não conseguimos ir a todos os pontos do bairro onde tem moradores de rua. Entregamos os últimos cobertores debaixo de uma ponte. Faltaram uns 20. Eu me senti muito mal por que não tínhamos para todos. Tive que selecionar. Escolhi os mais idosos e tive que explicar para o restante que voltaremos com mais”, disse. Na manhã fria do dia seguinte, vários deles circularam pelo bairro “embrulhados” nos cobertores que ganharam dos voluntários, segundo a brasileira. Beatriz lembra que não tem atualmente nada para doar em casa. “Antigamente eu tinha sempre um cobertor a mais, uma peça de roupa, mas tudo o que tinha e o que foi coletado este ano já foi doado para as vítimas do ciclone que devastou parte de Moçambique”, disse. Religião A brasileira, que o tempo todo usa o hijab (típico véu característico das muçulmanas), ressalta que o projeto não tem nada a ver com religião. “Tem muçulmano, católico, evangélico, judeu, mas não existe nenhum envolvimento religioso. É uma ação de seres humanos. Ninguém precisa rezar para receber comida ou cobertor”, diz. Apesar de não comemorar o Natal, por ser muçulmana, nos últimos três anos ela organizou almoços para celebrar o nascimento de Cristo entre moradores de rua, com distribuição de comida e presentes arrecadados. Beatriz repetiu na entrevista a palavra caridade para definir o que faz. Constantemente publica em redes sociais fotos e vídeos das ações do projeto. Lembra que isso não tem nada a ver com autopromoção. É apenas uma forma de divulgar o que fazem. E destaca que nunca está sozinha. Tudo é em grupo. Foi exatamente na internet que a professora Josi Sampaio conheceu Beatriz, em outubro do ano passado. De lá para cá, a cearense que hoje mora na África do Sul tem participado das atividades de preparação e distribuição de comida. Ajudou, inclusive, na organização do almoço de Natal. Ela se mudou para a Cidade do Cabo para acompanhar o marido, que atualmente trabalha na cidade. “Eu nunca tinha feito algo parecido. Sempre quis ajudar, mas não sabia como. Tenho tempo livre aqui. Desde que conheci este projeto ajudo sempre que posso”, disse a professora. Beatriz está em tratamento contra o câncer, diagnosticado no fim do ano passado. Antecipou o almoço de Natal dos moradores de rua e deixou para pegar o resultado dos exames depois do evento, para evitar ter que cancelar tudo, já que havia a possibilidade de ter que ser operada às pressas. Mas o estado de saúde da brasileira não a faz parar de fazer caridade. Pode até limitá-la, mas as ações seguem, pois ela não está sozinha. “Como ela está com esse problema, nós a ajudamos também na preparação da comida, a carregar peso. Ela fica bem cansada, as panelas são grandes”, disse Josi. A campanha continua Beatriz não para! Agora organiza a segunda entrega de cobertores, marcada para o dia 09 de junho. E terá também o apoio do cônsul adjunto do Brasil na África do Sul, Michel Laham. Ele está no consulado brasileiro na Cidade do Cabo há dois anos e meio. Veio da Espanha, onde morou por mais de quatro anos. Por iniciativa própria, em janeiro criou um grupo, que hoje conta com cerca de 20 pessoas, para fazer ações de caridade uma vez por mês. A maioria deste grupo, segundo o cônsul, nunca tinha feito alguma ação do tipo. E são pessoas com boas condições, destacou. “Nunca fui muito envolvido em atividade social. Comecei agora. Acho que isso tem a ver com o momento em que cada um está vivendo. É uma questão ter consciência e redirecionar algum recurso para algo mais nobre, ajudar o próximo. Acredito no poder da associação. Você sozinho consegue fazer muito pouco. A Beatriz sem a menor dúvida é um exemplo a ser seguido”, concluiu.

    Brasil-África - Designer paulista desenvolve marca de roupas em Durban com mulheres em situação de vulnerabilidade

    Play Episode Listen Later May 12, 2019 3:46


    A designer de moda paulista Júlia Franco, 35 anos, trocou a capital da moda italiana, Milão, para se instalar em Durban, a segunda maior cidade da África do Sul. Sete anos depois, ela desenvolve a marca Shwe Wearable Library, que já produz em torno de 300 peças por mês, vendidas no mercado local e também exportadas para Brasil, Espanha, Estados Unidos e Itália. O diferencial do projeto de Júlia é que ela trabalha pela inclusão de mulheres em situação de vulnerabilidade. Kinha Costa, correspondente na África do Sul A designer paulista está mudando a vida de refugiadas, de um grupo de mulheres que sofreu violência doméstica e de idosas de um asilo municipal. A empresa é muito nova, mas já conta com mais de 60 funcionárias na folha de pagamento. Júlia Franco trabalhava em Milão com o consagrado designer italiano Roberto Cavalli. Em 2012, ela visitou Durban e resolveu fixar residência na cidade. No entanto, continuou trabalhando como freelancer para agências de moda em Milão. Em 2015, descobriu o tecido sul-africano “shweshwe” e passou a buscar infraestrutura para criar roupas a partir do tecido. A paulista desejava trabalhar com mulheres carentes e aceitou o convite de um um amigo, sociólogo, para visitar algumas instituições que cuidavam de mulheres em situação de vulnerabilidade. Foi nas visitas a um centro de mulheres refugiadas, outro de mulheres vítimas de violência doméstica e uma casa de repouso para idosas que ela descobriu o potencial da mão de obra que tanto procurava. Júlia adotou os três grupos e passou a visitá-los semanalmente. Como juntar três projetos distintos O projeto das mulheres refugiadas funcionava em um terreno cedido pela mesquita do bairro. A Igreja Católica, do mesmo bairro, construiu o espaço físico e montou, no local, uma infraestrutura com clínica médica e facilidades para as refugiadas tirarem documentos. Esse foi o grupo mais difícil de solucionar, conta Júlia, porque era grande. A empresa Shwe começou com 64 mulheres e o grupo de refugiadas tinha 40 mulheres. Sem condições de contratar tanta gente, Júlia pediu ajuda à Faculdade de Moda de Durban, que foi receptiva. “Eles, muito gentilmente, abriram as portas para todas nós", relata. "Foi muito emocionante, porque muitas dessas mulheres nunca tinham ido à escola, muito menos a uma faculdade. O primeiro dia de aula foi incrível, porque a gente passava pelos corredores e elas se encostavam nas paredes. Vendo toda aquela emoção, todo mundo ficou muito tocado”, lembra Júlia. O projeto que abrigava mulheres vítimas de violência era uma iniciativa privada e solitária de Pinky Cupido, que acolhia em sua casa vítimas de abuso sexual e violência doméstica. Pinky era uma excelente costureira. Ela foi contratada e passou a ensinar ao grupo os segredos do corte e da costura. O projeto que mais demorou a encontrar um caminho foi o das idosas – senhoras com idades de 75 a 92 anos. Júlia levava fios para crochê e tricô em suas visitas semanais ao asilo, mas não sabia exatamente o que iria fazer. Depois de alguns meses, elas decidiram misturar o tecido "shweshwe" com crochê e tricô. “As senhoras do asilo municipal nos presenteiam com seus dons, adicionando crochê e tricô às peças mais exclusivas.” A empresa Shwe não tem condições de contratar todas as pessoas, mas oferece infraestrutura para quem quer aprender a profissão. Mais de 100 mulheres passaram pela microempresa. Faculdade de moda abraça o projeto O projeto foi adotado pela Faculdade de Moda de Durban. O professor Khaya Mchunu começou a coletar a história de cada mulher e o resultado virou sua tese de mestrado. “Hoje, ingressam na universidade 28 mulheres, em média, por semestre, que aprendem corte, costura e a como abrir seus próprios negócios", explica. As roupas produzidas são vendidas no Brasil, nos Estados Unidos, na Itália, na Espanha e aqui na África do Sul. "As roupas carregam muito a história de garra e superação de todas essas mulheres", nota Mchunu, que afirma ter muito orgulho de participar do projeto. O tecido "shweshwe" "Shweshwe" é um tecido sul-africano fabricado em Durban e composto 100% de algodão. É um tecido de cores vibrantes e estampas encontradas somente na África do Sul. Mas é um tecido de difícil caimento, estreito, com apenas 90 centímetros de largura e ainda encolhe quase dez centímetros na lavagem. Para confeccionar um vestido curto são usados, pelo menos, três metros. É também um tecido caro, se comparado com tecidos tradicionais de 120 cm ou 140 cm de largura. Júlia Franco nasceu em Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo, e cresceu em Arujá. Adolescente, ela fez o colegial nos Estados Unidos e se formou em Hotelaria em São Paulo, antes de seguir uma formação de marketing da moda no Instituto Europeu de Design, em Milão. Ela é casada com um sul-africano e divide seu tempo entre a marca que criou em Durban e as viagens que faz ao exterior para apresentar seus produtos, mostrando que é possível mudar destinos e fazer a diferença.

    Brasil-África - "Na África do Sul, o racismo é explícito; no Brasil ele é implícito", diz fotógrafa brasileira em Joanesburgo

    Play Episode Listen Later Feb 3, 2019 4:22


    Renata Larroyd nasceu em Florianópolis, morou em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e em sete países. Formada em administração, ela decidiu mudar de profissão e hoje, aos 29 anos, é fotógrafa do Mail & Guardian, principal jornal sul-africano. À RFI, ela falou sobre sua experiência no país e comparou a segregação racial da África do Sul à do Brasil. Kinha Costa, correspondente da RFI em Joanesburgo A catarinense Renata Larroyd sempre gostou de fotografar. A primeira câmera profissional comprou com suas economias, ainda muito jovem. Outra paixão era conhecer culturas diferentes. Morou nos Estados Unidos, Alemanha, Uruguai, Chile, Rússia, Espanha e agora vive na África do Sul.  A jovem sempre foi convidada para fotografar eventos familiares e festas dos amigos. Fotografou muitos casamentos, formaturas e bebês recém-nascidos. Para ela, a fotografia era até então uma atividade semiprofissional. Mas, em 2015, quando morava em Belo Horizonte, decidiu investir na fotografia como profissão. E começou a procurar cursos profissionais fora do Brasil. Entre Nova York, Havana e Joanesburgo, foi na "Cidade do Ouro" - como é chamada a metrópole sul-africana - que descobriu o fotojornalismo.“É uma terra de muitas texturas, diversidade, muitas histórias e o custo de vida é relativamente baixo”.  A relação de Renata com a África do Sul já era antiga, pois, durante a sua adolescência, no Brasil, sua família recebeu uma jovem sul-africana de intercâmbio cultural. Desde então, ela alimentou o sonho de um dia conhecer o país. Missão: fotógrafa A experiência no Mail & Guardian, o principal jornal da África do Sul, se deu através do curso de Fotojornalismo e Fotografia Documental que fez durante o ano de 2018, na Escola Market Photo Workshop. O ano letivo da escola é dividido em quatro trimestres e, no início do terceiro, Renata foi enviada para o jornal com a missão de fotografar e publicar o seu trabalho.  Na época, ela não tinha a menor ideia do alcance e da importância do jornal, mas gostava da linha editorial e principalmente da qualidade das fotos. Em sete semanas, mais de 40 imagens clicadas pela jovem foram publicadas, principalmente retratos de artistas, mas também notícias e histórias de pessoas simples, inseridas em diferentes contextos sociais. Cobertura do carnaval brasileiro Neste mês de fevereiro, Renata está no Brasil para rever a família e cobrir o carnaval 2019 para o jornal sul-africano. Com suas fotos, ela pretende mostrar o que existe por trás de um dos maiores eventos populares do planeta e “desmontar os estereótipos que a maioria das pessoas têm, principalmente com relação ao  papel da mulher, e retratar as verdadeiras histórias de superação e de comunidades  por trás dessa grande festa”.  O plano é voltar a tempo de cobrir as eleições sul-africanas, que serão realizadas no início de maio. “Será bem interessante voltar, poder registrar o acontecimento e fazer um paralelo entre o que aconteceu em 2018 no Brasil. As histórias se repetem, apenas mudam de endereço. O Brasil e a África do Sul são muito parecidos até no ambiente político. Eu pretendo fazer esse paralelo entre esse jogo político que existe tanto no Brasil como na África do Sul”, conta. Questão racial À RFI, a fotógrafa também falou sobre racismo. “O ambiente na África do Sul, em geral, é extremamente segregado, infelizmente. Sou uma mulher branca, nunca usei a minha raça como argumento para conquistar nada. Aqui a questão racial é sempre pauta. As pessoas usam para qualquer tipo de argumentação. O racismo é muito presente, claro, explícito. No Brasil o racismo é implícito", avalia. Segundo ela, o que a levou a conquistar uma vaga no jornal Mail & Guardian, foi a sua capacidade de se adaptar rápidamente e de conseguir transitar em qualquer ambiente. O sucesso nas relações com os sul-africanos, independentemente de cor, status social ou crença, será a sua contribuição para o mundo da mídia e para a sociedade sul-africana em geral, diz a jovem: “Acho que pude mostrar para os meus amigos que se relacionar com pessoas de diferentes origens, sem preconceitos, é bacana”. Ela conta o que mais aprendeu em sua experiência fora do Brasil. “Hoje sou mais sensível à questão da justiça social. Todas as pessoas deveriam ter a oportunidade de viajar para o exterior, ter outras vivências, pra desmitificar conceitos e preconceitos, fazer novas amizades e abrir a mente. Eu não tinha essa percepção no meu mundo privilegiado de Florianópolis. Hoje sou uma pessoa melhor. Estou lutando mais pelas minorias e para equilibrar a igualdade social no Brasil e no mundo, através da minha fotografia", conclui.   

    Brasil-África - Brasileira e negro zulu, casados há 13 anos, comparam o racismo no Brasil e na África do Sul

    Play Episode Listen Later Jun 10, 2018 3:16


    A carioca Ana Terra Skosana, casada com o sul-africano Tshepo Skosana, membro da etnia zulu, o maior grupo étnico da África do Sul, considera que ainda existem fortes discriminações contra os negros mais de duas décadas depois do fim do Apartheid, o regime de segregação racial. O casal multirracial recebeu a reportagem da RFI em sua casa em Joanesburgo. Kinha Costa correspondente da RFI na África do Sul Na época do regime de supremacia branca, eles seriam um casal ilegal e sujeitos a multa ou prisão, porque existia a Lei de Imoralidade que proibia qualquer relação afetiva, sexual ou o casamento entre pessoas de diferentes raças. Felizmente, com o fim do regime separatista, essa e outras leis foram extintas e, hoje, a África do Sul tem uma Constituição (1996) considerada uma das mais modernas do mundo. No entanto, os resquícios do antigo regime ainda são muito evidentes, apesar dos novos tempos, do esforço do governo e da sociedade para integrar seu povo e criar a Nação Arco-Íris, tão sonhada por Nelson Mandela. A grande maioria da população de 56 milhões de sul-africanos continua vivendo separada em grupos raciais. As famílias multirraciais ainda causam desconforto, desdém, pena, cochichos e as mais inesperadas e bizarras reações, como a do juiz de paz, branco, que não queria realizar o casamento deles. Muitos africânderes, como são chamados os descendentes dos holandeses que colonizaram a região, ficam indignados porque pensam que Ana é sul-africana e, portanto, descendente de holandeses. Negros de diferentes etnias também estranham o casal, pela razão mesma razão, como se ela estivesse casada com um inimigo.  O casal se formou sem pensar em cor de pele, racismo e discriminação. Ela, com 19 anos, brasileira e branca. Ele, com 21 anos, negro, sul-africano, zulu. Para dois jovens apaixonados nada demais. Para a estrutura familiar e a sociedade em geral, um bicho de sete cabeças. Ana e Tshepo se depararam com o racismo desde o início. O casal teve que amadurecer e lidar com o preconceito racial dos seus pais e familiares. E identificar o racismo brasileiro, que não é explícito, mas que está enraizado na sociedade. Não foi fácil enfrentar a rejeição familiar, a dissimulação social, os olhares e os comentários sem sutileza. Expulso de casa pelo pai da noiva “No Brasil foi duro. Na África do Sul, eu era somente um jovem mimado que vivia em uma bolha. O racismo era algo sabido, mas nunca vivido explicitamente. Me perceber rejeitado pela família da moça por quem estava apaixonado, foi chocante", conta Tshepo. Por ter a pele clara, ele era considerado mulato no Brasil, e a questão profunda e discriminatória ficava escondida, apesar dos seus dreadlocks. A discriminação se manifestava em situações simples. Por exemplo, a família de Ana não entendia por que o jovem negro sul-africano, que mais parecia um garoto das favelas cariocas, escolheria morar em Ipanema, bairro chique da zona sul do Rio de Janeiro. Ser fino, instruído, educado e ter bom gosto não estava no programa. "Um dia, o pai da Ana me expulsou da casa dela. Era carnaval, sem ter para onde ir, fiquei dois dias perambulando pelas ruas do Rio", se recora Tshepo. "Mas, revendo tudo, acho que tivemos sorte. Sem falar português, arrumei um emprego bacana, em uma empresa de assessoria financeira para expatriados, que viviam no Rio de Janeiro. Com um bom salário. Foi aí que mandamos todos às favas. Fomos morar juntos, num bairro bucólico da Zona Sul do Rio de Janeiro, em um apartamento no bairro do Cosme Velho. Tenho um carinho enorme pelo Brasil. Tudo que acontece lá me afeta, porque foi no Brasil que me tornei o homem que sou.”  "No Brasil, as discriminações são de classe social" Na África do Sul, os familiares zulus, o maior grupo étnico do país, são orgulhosos de sua cultura e tradições. Ritos que para muitos são caducos, como o dote que o rapaz tem que pagar aos pais da noiva, o teste de virgindade para as meninas ou ser reservado ao pai do noivo o direito de escolher o nome do primeiro filho do casal. Ana e Tshepo dispensaram formalidades e tradições e criaram o núcleo familiar baseado em seus valores e suas formas de ver o mundo. Eles sofreram e sofrem, mas o casal tem encontrado mais paz e sossego depois de 13 anos juntos. Não que a aceitação seja plena e que, por alguns momentos, eles possam esquecer que têm uma família diferente. Mas, porque sabem que mudanças estruturais demoram muito tempo e que a luta é diária. E que por terem um filho, planejado e esperado, precisam olhar para o futuro com esperança. Para Ana, “o racismo na África do Sul é bem claro. As etnias que existem no país são diferentes e as pessoas se identificam com quem gostam e com quem desgostam. É assim que ela vê as pessoas se expressando, quando são racistas. Para Ana, "no Brasil, as discriminações são voltadas para a classe econômica, a posição social. A situação geográfica também influencia. Se é nordestino, sulista ou nortista. Um branco pode hostilizar outro branco por ele ser mais pobre. Ou um negro ser racista com um pardo, porque ele é nordestino e o outro carioca", comenta.  O racismo brasileiro tem similaridades com o sul-africano, mas é mais "hipócrita” na avaliação de Ana. Já para Tshepo, na África do Sul, “a discriminação é bem visível. A gente tem que viver com isso todos os dias. É um assunto bastante discutido aqui. Acho que temos que estar somente abertos para lidar com tão importante e delicado assunto”. Na África do Sul, a segregação é feita pela cor. No Brasil a miscigenação é um fato, mas infelizmente é uma faca de dois gumes porque disfarça o racismo existente, estima a brasileira.

    Brasil-África - Missionário brasileiro vive com população nômade em Burkina Faso

    Play Episode Listen Later Jun 2, 2018 3:34


    A vontade de trabalhar na África surgiu na adolescência, em Fortaleza, onde nasceu Cristiano Carneiro da Silva. Treze anos atrás, o brasileiro foi para o Burkina Faso, ex-colônia francesa, situada na região oeste do continente africano, e um dos países mais pobres do mundo. Lá, tornou-se missionário. Por Fábia Belém, correspondente da RFI no Burkina Faso “Eu faço parte da Missão Horizontes Mundial, que tem um trabalho dentro de Burkina Faso com uma associação. A prioridade é trabalhar com movimento de oração pelas pessoas, buscando formas de ajudar os mais carentes e necessitados deste país. No meu caso, eu vivo entre o povo fulani”, conta Silva.  Os fulanis ou fulas são um grupo étnico formado por diversas populações espalhadas pelo continente africano. “São boiadeiros semi-nômades e nômades”, explica o missionário. “Fulfulde”, a língua dos fulanis Segundo Cristiano, possuir um animal, “uma vaca ou uma cabra ou um bode”, é um fator importante no processo de interação com as pessoas da comunidade. Ele também destaca que foi preciso aprender a língua dos fulanis para ter sucesso no trabalho. “Foram praticamente três anos estudando fulfulde, morando na oca com eles, com uma vaquinha, e vivendo a vida como eles vivem”, lembra o missionário. Cristiano é casado com uma brasileira e tem duas filhas pequenas. A primeira nasceu no Brasil. A segunda, em Burkina Faso. Atualmente, a família mora no centro-norte do país. O missionário se adaptou à vida local - inclusive à escassez de água e de energia elétrica. “Por causa das baterias e as placas solares, nunca falta [energia]. Toda a minha energia é graças ao sol, por isso eu nunca reclamei do sol”, brinca. A vida sob a ameaça do terrorismo Cristiano também não reclama do calor, nem da poeira fina que vem do deserto do Saara. Tem aprendido, até a viver sob a constante ameaça de novos atos terroristas. Desde janeiro de 2016, Ouagadougou, capital do país, já foi alvo de três ataques. Mas desistir do trabalho em razão das dificuldades diárias nem passa pela cabeça de Cristiano. “Eu me sinto realizado no que eu estou fazendo, que é ajudar as pessoas. A felicidade está no meu coração.”  

    Brasil-África - Artista brasileira faz residência em centro cultural que combateu o apartheid

    Play Episode Listen Later Apr 15, 2018 3:56


    A carioca Celina Portella, 40 anos, está encerrando uma residência em artes plásticas em Johanesburgo, na África do Sul. Em entrevista à RFI, ela conta como  foram os três meses que passou na Bag Factory Arts Studios, um complexo de estúdios no centro da cidade e símbolo de resistência política no país que enfrentou décadas de segregação racial. Kinha Costa, de Johanesburgo para a RFI O Bag Factory Arts Studios foi criado durante o apartheid e tornou-se um centro de convergência de artistas, sul-africanos e estrangeiros de todos o horizontes. Foi o primeiro estúdio do país a colocar, lado a lado, artistas brancos e negros dividindo o mesmo espaço de trabalho. O local continua sendo um espaço que questiona e estimula o pensamento criativo. A formação de Portella vem de estudos de dança contemporânea em várias escolas do Rio de Janeiro, uma graduação em Design pela PUC-RJ e em Artes Plásticas na Universidade Paris 8. Ela trabalhou muitos anos como bailarina e colaboradora de coreógrafos, em companhias de dança contemporânea. Há quase duas décadas, trabalha com artes plásticas e dança. A partir do vídeo e da fotografia, suas obras dialogam com a arquitetura e o cinema, sempre questionando a representação do corpo e sua relação com o espaço. O foco central de sua obra é brincar com a realidade virtual e as ações corporais. A carioca define seu trabalho “no terreno ambíguo entre o material e o imaterial, entre a objetividade do mundo e a ilusão”. A sua obra tem a capacidade de transformar uma ação performática em situações inusitadas e imponderáveis. De provocar discussões, definições, intenções e conceitos.   Para Portella, o início da temporada em Johanesburgo foi um desafio. Ela se deu conta de que a troca cultural entre os dois países é praticamente inexistente. "Artistas brasileiros conhecidos no mundo, são desconhecidos aqui. O mesmo se aplica aos artistas sul-africanos no Brasil", constata. Passado o primeiro momento da adaptação, ela começou a ver pontos de ligação entre o Brasil e a África do Sul, e a se reconhecer no povo sul-africano, que é hospitaleiro, simpático, generoso e alegre, segundo ela, como o povo brasileiro. Prêmios  Celina Portella recebeu indicação ao prêmio da Bolsa ICCO/sp-arte 2016, ao prêmio de aquisição EFG Bank & ArtNexus na SP Arte 2015 e ao prêmio Pipa 2013 e 2017. E foi premiada na XX Bienal Internacional de Artes Visuales De Santa Cruz na Bolívia em 2016, assim como no II Concurso de Videoarte da Fundação Joaquim Nabuco em Recife.  Ela realiza mostras individuais, coletivas, dá aulas e ministra workshops, além de participar de residências, com destaque para a residência no Centre International d’accueil et d’échanges des Récollets em Paris, da LABMIS, do Museu da imagem e do Som em São Paulo, na Galeria Kiosko em Santa Cruz de La Sierra na Bolívia, entre outras. Celina volta para o Brasil com uma bagagem de grande aprendizado: novas técnicas, formas novas de trabalhar, de conviver e muita informação que poderá compartilhar no Brasil, além de objetos de arte popular e muitos tecidos sul-africanos e africanos, em especial Shweshwe.  

    Brasil-África - Agência de brasileira promove roteiros personalizados na África do Sul

    Play Episode Listen Later Apr 8, 2018 3:31


    Uma paixão além-mar levou a empresária paulistana Kika Ermel para a África do Sul em 2007, guiada também pelo sonho de empreender e tocar o próprio negócio. Foi num cruzeiro pelo Caribe que ela conheceu o futuro marido e sócio, João Freitas, nascido em Maputo. Há 11 anos, o casal toca a Route 66 Escapade Tours, que orienta turistas lusófonos e hispânicos em Joanesburgo. Kinha Costa, correspondente em Joanesburgo O funcionário do navio e a turista se conheceram em 1995. Viveram uma paixão que estava destinada a acabar com o fim das férias, mas sobreviveu à distância e aos poucos encontros, por mais de uma década. A África do Sul vivia um momento político especial com Mandela presidente: a esperança no futuro se renovava, a conjuntura econômica tornava-se mais atrativa, os exilados voltavam. Foi o caso de João Freitas, que em 1996 se reinstalou no país onde cresceu. Na capitalm sul-africana, ele abriu a empresa de turismo, focada na clientela em português e espanhol. Enquanto isso, o namoro virtual com Kika era alimentado por encontros de férias. Na época, ela administrava a empresa Ausplix, uma confecção especializada em camisetas de alto nível em São Paulo. Apesar do conforto profissional, resolveu que era hora de dar uma guinada em sua vida. A entrada da paulistana na sociedade expandiu os horizontes da Route 66 Escapade Tours, que passou a oferecer hospitalidade para turistas brasileiros. Kika e João, conhecidos como “desenhadores de viagens”, são operadores especializados em destinos de safáris por toda África do Sul e organizam transporte, hospedagem e passeios. São guias culturais credenciados e atendem de forma personalizada. As viagens valorizam a rica fauna e a abundante flora sul-africana, privilegiando os safáris de luxo, assim como passeios culturais e experiências interativas – é possível até tocar em animais selvagens, como elefantes, leões e girafas.

    Brasil-África - Especialização em Pilates ajuda brasileira a superar trauma familiar em Durban

    Play Episode Listen Later Mar 18, 2018 3:32


    A gaúcha Neila Lemos de Aguiar trocou a pequena Rio Grande pela cosmopolita Durban, onde dá aulas de Pilates. A brasileira se especializou neste método composto por exercícios físicos e alongamentos, que utilizam o peso do próprio corpo para sua execução, depois de ficar viúva e decidir continuar morando na África do Sul. Por Kinha Costa, em Durban Formada em Educação Física com especialização em ginástica para crianças, com foco em problemas de coluna, Neila Aguiar deixou o Brasil quando já tinha mais de 50 anos. A conversão para o Pilates aconteceu quando perdeu o marido subitamente e, mesmo assim, decidiu permanecer na África do Sul. Ela se especializou com Andry Marais, a mestre da cidade. Hoje, aos 72 anos, a instrutora brasileira tem o seu próprio estúdio, o Pilates Connections, no coração de Durban, a terceira cidade do país, com uma população de mais de 3 milhões de habitantes. Neila Aguiar conta que superou o trauma pela morte do marido, um engenheiro inglês que conheceu no Brasil, quando ele trabalhava na construção da hidroelétrica de Jacuí, dedicando-se às posturas do Pilates, que ela garante traz alegria e alivia as dores.

    Brasil-África - Artistas brasileiros estampam a arte urbana nas paredes de Cabo Verde

    Play Episode Listen Later Nov 25, 2017 5:33


    Os artistas cearenses Robézio Marqs e Tereza Dequinta, fazem parte do Acidum, um projeto que recria a arte urbana por meio de intervenções artísticas. O Acidum Project foi criado em 2006, em Fortaleza (CE). A dupla de artistas vem mostrando seu trabalho na Alemanha, Holanda, França, Estados Unidos e Canadá. Em Cabo Verde, no continente africano, Robézio Marqs e Tereza Dequinta atuam desde 2013 nas duas principais cidades do país, Praia e Mindelo. Odair Santos, correspondente da RFI, em Cabo Verde A dupla faz as chamadas "ações de rua" desde 2013 em Cabo Verde. "No ano passado pintamos a Embaixada do Brasil. Esta também foi a primeira vez que a gente veio a Mindelo, onde fizemos o laboratório rasta, um projeto da área de educação sobre artes urbanas", explicou Robézio, que voltou neste ano com Tereza para aumentar a pintura do muro da Embaixada do Brasil e participar do Festival de Literatura Morabeza. "Pintamos um muro em homenagem ao poeta cabo-verdiano, Jorge Barbosa, e uma parede na cidade do Mindelo sobre os 100 anos do torpedeamento dos dois navios brasileiros na Primeira Guerra", conta. Na cidade do Mindelo, na ilha de São Vicente, Robézio Marqs e Tereza Dequinta pintaram as paredes da Academia Livre de Artes Integradas do Mindelo, conhecida como ALAIM - um espaço aberto de formação permanente em diferentes áreas artísticas, dirigido por uma atriz brasileira residente em Cabo Verde. A parceria com a Academia Livre de Artes Integradas do Mindelo existe desde de 2016. Robézio Marqs disse que, este ano, também reproduziu em pinturas alguns espetáculos apresentados no local. "Escolhemos fotos de alguns espetáculos e os reproduzimos com nossos traços e o realismo fantástico que trabalhamos", diz. Tereza Dequinta disse que na breve passagem pelo Festival Internacional Graffiti na ilha de São Vicente, que acontece até este domingo (26), pintaram duas das 16 casas colocadas à disposição de artistas de Cabo Verde, Portugal, Brasil, Grécia, Espanha, França e Itália. A dupla também destacou a relação de afeto que se criou com o país africano."É uma relação de afeto, de descoberta e de inspiração. A gente se sente familiarizado com algumas coisas daqui, muito parecidas com o Brasil, principalmente da região do sertão. Há a preocupação em receber bem, um esforço do povo." Para a artista Tereza Dequinta a relação criada com as pessoas em CaboVerde é um reconhecimento do trabalho feito nas ilhas de Santiago e São Vicente. "Fizemos muitos amigos. Toda a vez que a gente volta reencontramos as pessoas."

    Brasil-África - Brasil tem participação de peso em principal festival de teatro da África Ocidental

    Play Episode Listen Later Nov 11, 2017 6:47


    O Festival Internacional de Teatro do Mindelo, Mindelact é considerado o maior evento de artes cénicas da África Ocidental. Ele acontece todos os anos na ilha de São Vicente, em Cabo Verde, e este ano contou com a maior delegação de artistas e companhias de teatro do Brasil. Ao todo, sete grupos brasileiros se apresentaram este ano no evento que terminou neste sábado (11). Odair Santos, correspondente da RFI em Cabo Verde A 23ª edição do Festival Internacional de Teatro Mindelact contou com a participação do grupo de Teatro Caixa Preta, do Núcleo Vinicius Piedade e Companhia, do Desvio Coletivo, do Grupo Dragão 7, da Companhia Satyrus, da Palavra Z Produções Teatrais e da contadora de histórias, Clara Haddad, Alguns dos artistas brasileiros que participaram do evento partilharam as suas experiências com a RFI Brasil, na cidade do Mindelo. Para a diretora do grupo Desvio Coletivo, Priscilla Toscano, foi “muito importante” para ela e, principalmente, para o grupo, essa participação. “É a primeira vez do 'Desvio Coletivo' num país africano. A gente tem feito a peça 'Cegos' há quase seis anos e o objetivo é realizar o máximo de cidades possíveis. Recentemente, a gente esteve na Ásia e pra gente, no mesmo ano, poder vir e fazer a África é muito importante" explica Priscilla. O ator brasileiro Vinicius Piedade, do Núcleo Vinicius Piedade e Cia, apresentou no festival o drama 'Cárcere' que é uma reflexão sobre a liberdade. A peça conta a história de um personagem que é privado de sua liberdade e de seu piano. De acordo com Vinicius Piedade, o Brasil tem uma relação direta com a África e "para nós é extremamente relevante ter esse contato direto com os nossos irmãos africanos". O ator afirma que a relação entre Brasil e Cabo Verde "é muito natural" porque "qualquer brasileiro que vem pra cá vai se sentir em casa, o que certamente não vai acontecer no Senegal, que é mais perto de Cabo Verde no continente". Brasileiroes conhecendo brasileiros em Cabo Verde Por sua vez, o ator Júnior Lima, que faz parte do grupo Dragão 7 que promove no Brasil um festival de teatro onde se dá a troca de experiência entre artistas e companhias de teatro do Brasil e dos países africanos de língua portuguesa, destaca o fato do Mindelact impulsionar o intercâmbio teatral. Junior Lima cita, como exemplo, o fato de poder conhecer o trabalho dos colegas que vem, como ele, de São Paulo: "Uma oportunidade única de encontrar e conhecer pessoas que mesmo lá na cidade de São Paulo a gente não tem acesso. Eu antes de vir pra cá não conhecia o trabalho do 'Desvio Coletivo' e do Vinicius Piedade e foi aqui, graças ao Mindelact que a gente pôde se cruzar e conhecer". Júnior Lima disse que cada relação que teve em Cabo Verde foi muito rica e que "o pessoal cabo-verdiano é de fato muito afetuoso, que para você na rua, que quer saber de onde você veio, o que faz na vida e a que se dedica para te conhecer ". O ator do grupo Dragão 7 afirma que “para além do intercâmbio artístico, (a experiência) foi de trocas humanas e muitos especiais". União linguística Já o ator Bruno Mariozz, da Palavra Z Produções Teatrais do Rio de Janeiro, o Festival Internacional de Teatro do Mindelo reforça a união linguística entre o Brasil e Cabo Verde. “Eu acho que o Mindelact reforça esse conceito e troca da nossa língua. Apesar de alguns sotaques e palavras diferentes, a gente se une através da língua", ressalta Bruno Mariozz. Mais de 30 companhias de teatro de 12 países realizaram 50 espetáculos, em 12 palcos diferentes, do Mindelact. Oito dessas apresentações foram encenadas por companhias de teatro brasileiras.

    Brasil-África - Startup de brasileiro inova no comércio de carros na África do Sul

    Play Episode Listen Later Sep 24, 2017 3:17


    Há dois anos e meio, o paulista Fernando de Azevedo chegava na Cidade do Cabo, a capital legislativa da África do Sul. Naquela época, ele não imaginava o que aconteceria no ano seguinte: viraria um empresário considerado um destaque em inovação na indústria automotiva sul-africana. Vanessa da Rocha, correspondente na África do Sul, especial para a RFI Fernando montou uma startup que compra veículos usados online. É um site onde a pessoa coloca as informações do veículo que quer vender e recebe uma cotação instantânea. Se concordar com o valor, pode agendar a vistoria, assinar os documentos e já recebe o dinheiro na conta. Segundo o empresário, a organização, criada no ano passado, cresceu num ritmo de 30% ao mês. Em um ano e meio de negócios, já tem 40 funcionários e recebeu investimentos com valor superior a 1 milhão de dólares. O grande diferencial é a agilidade, conforme explica Fernando, que é o sócio diretor da organização. “Nós somos uma tech startup dentro da indústria automotiva aqui na África do Sul. A gente faz pagamento instantâneo e nós tomamos conta de toda a papelada. Todo o processo leva apenas 30 minutos. Então, por isso a gente costuma dizer que com a gente não tem estresse, não tem trabalho. A gente resolve o seu problema de vender o seu carro de uma maneira competitiva e o mais rápido possível”, explica. A ideia do negócio surgiu a partir de uma experiência pessoal dele e do atual sócio “Eu, na época, tentei vender o meu carro para algumas concessionárias e nenhuma delas quis o meu carro o que foi algo bem frustrante. E o Michael, há uns anos atrás, precisou vender o carro dele de maneira privada e a pessoa que fez uma oferta pelo carro dele, na hora de completar a transação falou que ia pagar um valor bem mais baixo e o Michael precisava mudar de cidade, tinha que sair da cidade naquele dia então ele foi obrigado a aceitar a oferta e acabou perdendo dinheiro. E a gente pensou: não é possível que não tenha uma maneira melhor de fazer isso”, conta Fernando. Depois de compartilhar a história em comum, eles tiveram a ideia de abrir a empresa que compra o carro das pessoas que querem vender rápido e aceitam a cotação ofertada. Eles lucram ao revender para as concessionárias. Agora, o plano é de expandir e continuar inovando no setor, conforme explica Fernando: “A gente está olhando para o futuro, continuar crescendo e explorar mais outras oportunidades de inovação dentro da indústria automotiva da África do Sul. A gente também imagina uma expansão internacional, mas como o mercado da África do Sul é bem grande, a gente ainda quer explorar um pouquinho mais antes de pensar em outros países. ”.

    Brasil-África - Ana Marcela Cunha, tricampeã mundial de maratona aquática, fala sobre experiência na África do Sul

    Play Episode Listen Later Sep 10, 2017 3:30


    A tricampeã mundial de Maratonas Aquáticas, Ana Marcela Cunha, está na África do Sul para uma temporada de treino intensivo. É a primeira vez que a atleta viaja para o continente. A maratonista desembarcou na Cidade do Cabo no final de agosto e segue no país até 14 de setembro. Vanessa da Rocha, correspondente na África do Sul, especial para RFI Antes de desembarcar no país, Ana Marcela viajou para fazer a travessia de Napoli, na Itália. Lá ela venceu a prova, chegando com quase 11 minutos de folga em relação à segunda colocada. Com o troféu de ouro, voltou para a África do Sul. "Aqui na África, tenho treinado ao lado do atleta sul-africano, Nico, que já nadou algumas maratonas como o Campeonato Mundial de Budapeste e de Kazan. Também pude fazer algumas visitas, conhecer um pouquinho Cape Town, até as praias. Está sendo uma experiência incrível”, disse em entrevista à RFI Brasil. Ana Marcela e o técnico Fernando Possenti visitaram o cônsul brasileiro Ministro Carlos Alberto Asfora, na sede do Consulado Brasileiro, na cidade de Cape Town. O encontro foi organizado pela fundação AquAzzurra, uma instituição de apoio às crianças. O plano é ter Ana Marcela como parceira em projetos no futuro. "Nunca tinha vindo para o continente africano. Agora completei os 5 continentes. Espero retornar outras vezes pra fazer esse estilo de treino e conhecer melhor o país. Assim que eu cheguei, fui recebida pelo cônsul-geral em Cape Town e pude falar um pouquinho do meu esporte e da minha experiência. Espero voltar para fazer mais treinos como esse”.

    Brasil-África - Casal brasileiro se destaca na gastronomia sul-africana com venda de pão de queijo

    Play Episode Listen Later Sep 3, 2017 4:35


    Os paulistas Renata e Moacir Araújo desenvolveram uma receita de pão de queijo para fabricação em grande escala. Hoje, eles comercializam cerca de 5 mil unidades por mês em Cape Town, capital legislativa sul-africana. Vanessa da Rocha, correspondente na África do Sul, especial para RFI, O plano do casal era viver um ano sabático na África do Sul para aprender inglês. Como acontece com muitas pessoas que visitam Cape Town, eles se apaixonaram pela cidade. Mas morar no exterior era algo tão distante. Fora de cogitação. Até que uma ideia envolvendo o pão de queijo mudou tudo. Renata Araújo lembra que "no colégio teve um evento, o Heritage day, e no final do evento cada nacionalidade podia vender uma comida típica do seu país. Como nos dois somos de família mineira e temos a tradição de comer pão de queijo, claro que nós decidimos vender pão de queijo. Em quase duas horas de evento, nós vendemos aproximadamente 200 pães de queijo. E vieram vários professores perguntar, saber como fazer a receita porque era realmente muito gostoso, que eles nunca tinham comido nada tão gostoso. E aí eu pensei, poxa, que oportunidade que tem para montar um negócio aqui no país”. Os dois, que estavam de licença dos empregos no Brasil, pediram demissão. Resolveram se aventurar no empreendedorismo, uma área totalmente nova pra eles. Trabalhar na área da gastronomia também era novidade. Morar no exterior então, nem se fala. Para garantir o bom desempenho, fizeram um grande plano de negócios, “nós trabalhamos na logomarca, na embalagem, estudamos o mercado e tornamos o produto viável para ser comercializado”, conta Renata. Moacir Araújo, que tem o apelido de Moca, pondera que agradar o paladar dos sul-africanos e fazer o negócio dar certo foi fácil quando se compara com a questão burocrática. “A África do Sul é um país que está crescendo. Tem muitas oportunidades de negócios e em muitos aspectos é menos burocrático que o Brasil, mas ao mesmo tempo não é um país facilitador, principalmente para o pequeno e o médio empreendedor estrangeiro. É cada vez mais restrito e mais difícil obter o visto de negócio aqui na África do Sul”, explica. Sonhos de grandeza Renata está com planos de ampliar o negócio com a oferta de outros produtos típicos do Brasil. Ela avisa que um turista que estiver na cidade do Cabo, poderá experimentar o pão de queijo na rede hoteleira, acompanhado de novidades. “Nós começamos a oferecer para os hotéis e está sendo muito interessante para a gente ver o jeito que eles usam o pão de queijo. Eles não só estão oferecendo no café da manhã, mas também como entrada dos pratos principais e também nos eventos. Só que aí eles fazem o pão de queijo como burguer e com vários recheios. Então está sendo bem interessante ver o nosso produto ser vendido de outras formas que a gente normalmente não vê no Brasil. E atendendo a pedido de amigos, nós começamos a vender a coxinha também. Assim como o pão de queijo, todo mundo tem se apaixonado por ela.” O casal desenvolveu receitas adaptadas com os ingredientes encontrados na África do Sul e para fabricação em grande escala. Hoje, eles comercializam cerca de 5 mil unidades por mês em Cape Town, capital legislativa sul-africana.

    Brasil-África - Pobreza dificulta luta contra terrorismo, diz embaixadora do Brasil no Burkina Faso

    Play Episode Listen Later Aug 19, 2017 3:02


    A sensação de insegurança e o sentimento de tristeza persistem em Uagadugu, depois de um violento atentado no último domingo (13) em um restaurante frequentado por estrangeiros. Em entrevista à RFI, embaixadora do Brasil no Burkina Faso, Regina Bittencourt, falou da dificuldade da luta contra o terrorismo no país.  Fábia Belém, correspondente da RFI em Uagadugu Segundo testemunhas, dois homens, em uma moto, abriram fogo contra as pessoas que estavam no terraço de um restaurante bastante frequentado por estrangeiros. Antes de serem abatidos pelas forças de segurança, os atiradores deixaram pelo menos 18 mortos - dez burkinabês e oito cidadãos da França, Canadá, Kuwait, Turquia, Líbano e Senegal. Outras vinte pessoas ficaram feridas. A embaixadora do Brasil no Burkina Faso, Regina Bittencourt, conta que cerca de 50 brasileiros vivem no país. Deste número, 15 estão na capital. “Eu só pude tentar entrar em contato com eles na manhã seguinte ao atentado terrorista, e o fiz através da página do Facebook da embaixada, o 'Brasemb Uagadugu'. Eu mandei uma mensagem para todos os brasileiros, pedindo que eles confirmassem se estavam bem”, explicou a embaixadora. Atentados terroristas têm acontecido em diversas cidades do mundo, lembra Bittencourt. Mas quando ocorre em países como Burkina Faso, ressalta, há um componente que deve ser levado em conta, “a falta de recursos". "Isso é inerente a um país que é um dos mais pobres do mundo”, lembra. A falta de dinheiro equivale a sistemas de segurança frágeis ou quase inexistentes para combater o terrorismo no país. Isso permite, por exemplo, o avanço de grupos extremistas que se encontram no Sahel, faixa do território africano que se estende por quase uma dezena de países, inclusive Burkina.  O ataque do último domingo ainda não foi reivindicado, mas a preocupação do governo é que os terroristas tenham vindo de um dos países vizinhos, como o Mali ou o Níger, aproveitando as fronteiras no deserto, difíceis de serem controladas. Foi o que aconteceu em janeiro do ano passado, quando um hotel e um café foram atacados por terroristas ligados à Al-Qaeda. No total, morreram 30 pessoas de 18 nacionalidades diferentes. Vigilância e cautela como medidas de segurança O presidente de Burkina Faso, Marc Kaboré, condenou o ataque de domingo e fez um pedido à população.“A luta contra o terrorismo é uma luta de longo termo. Portanto, apelo para a vigilância, solidariedade e unidade de toda a nação para enfrentar a covardia dos nossos adversários”, frisou. Para a embaixadora do Brasil, é preciso que todos os brasileiros que vivem em Burkina Faso sejam cautelosos. “Tratem de evitar bares, restaurantes e locais frequentados, sobretudo, por estrangeiros. Nós, embaixadores, evitamos frequentar restaurantes e lugares populares, não só entre os burkinabês, mas, sobretudo, entre a comunidade estrangeira. São medidas que temos tomado para evitar ser vítima desse tipo de atentado.”

    Brasil-África - Capoeira reúne homens e mulheres no Egito

    Play Episode Listen Later May 20, 2017 4:51


    A prática da capoeira ganha adeptos no Egito. As rodas colocam homens e mulheres em contato físico num país que vem lutado contra a escalada do radicalismo. Por iniciativa própria, egípcios e estrangeiros que moram no Cairo mantêm encontros semanais. Maus hábitos, como intolerência e drogas, também estão ficando pra trás, depois do contato com a cultura brasileira.   Richard Furst, correspondente da RFI no Cairo Os ouvidos confirmam as semelhanças entre as músicas tradicionais do Egito e os batuques da capoeira. De origens africanas, os ritmos seguiram histórias bem diferentes que agora se encontram nas rodas animadas da capital egípcia. Os encontros, realizados três vezes por semana, aocntecem no segundo andar de uma casa que fica atrás dos Jardins de Ezbekiya, centro do Cairo. Não é apenas mais um grupo da modalidade. Trata-se de uma iniciativa dos próprios egípicios, que começou há quase cinco anos. Basta entrar no salão para escutar diferentes histórias. Além do som de atabaques e berimbaus, o que também está no ar são relatos de que muitos viram a vida se transformar com a prática da capoeira e com o contato com a cultura do Brasil. Tudo isso na maior metrópole árabe do mundo. Nascido no Cairo, Kamal Anis, pratica capoeira há quatro anos e detalha que se sente uma pessoa mais flexível, não apenas fisicamente, mas também na vida. Tudo por ter se acostumado a ficar com os pés descalços e por considerar a capoeira como o primeiro esporte levado a sério na vida. "Às vezes, deixamos de fazer apresentações públicas para evitar censuras de policiais nas ruas. O meu país é famoso pela história dos faraós, pela quantidade de mesquitas gigantes, mas não pelos berimbaus", relata Kamal. Desafio buscando possibilidades A prática da capoeira é uma oportunidade também de conexão de jovens egípcios com o mundo. O Egito parou de receber os grandes números de turistas interessados em conhecer de perto as riquezas históricas do país, devido aos registros crescentes de atentados e à insegurança que é sentida nas ruas.  Gingando contra qualquer medo, quem definiu um lugar para os encontros foi Luis Carlos Rodriguez, conhecido como Periquito. Ele saiu do norte do México há três anos, deixou um pouco o sombrero mexicano de lado para entrar na capoeira, mas não abandonou por completo suas raízes. A bandeira mexicana também ocupa parte da sala.  "Temos visitas de mestres e professores de todo o mundo, mas na verdade são as próprias pessoas e a energia do Egito que mantêm o grupo. É algo maravilhoso que tem mudado a vida das pessoas", desabafa orgulhoso Periquito que quer ampliar ainda mais o número de participantes. A princípio, Periquito veio para dar uma oficina de capoeira por um mês e acabou ficando no país para fazer mestrado em engenharia. "A capoeira é vista como algo internacional, vindo do Brasil, mas que se tornou do mundo, é algo maravilhoso que muda a vida da gente constantemente. Muitos aqui se deram conta de como é bom não precisar de drogas, por exemplo, para se divertir", completa.  Nada de segregação Numa sociedade patriarcal, e onde os direitos das mulheres são uma luta diária, a capoeira chega como uma prática que não impõe divisões. Homens e mulheres treinam juntos num mesmo espaço. E para surpresa, numa parte do salão reservada para os treinos, três garotas ensinam novos passos para os meninos que acabaram de chegar.  "Tem algo na cultura da capoeira que coloca as pessoas juntas para cantar, para conhecer a cultura, os movimentos do corpo. O mais interessante é que se eu for para outra parte do mundo, sei que vou encontrar mais pessoas que também conhecem esta arte", explica a egípcia Ragye Elmasry, uma amante da capoeira, que afirma se sentir no Brasil ao praticar a modalidade, mesmo sem nunca ter ido ao país. Quem participa tem que pagar uma taxa simbólica para manter o salão. Dependendo do dia, a quantidade de participantes chega a 50 pessoas. Tudo é derivado do seguimento Capoeira Brasil. "É uma oportunidade de liberdade, não há divisões em times, sempre estamos juntos. As vezes chutamos um ao outro, isso é divertido, gera amizades e vemos o mundo de forma mais ampliada da que muita gente está acostumada no meu país", pontua Ragye que diz ter amigos mais modernos, mas até os de cabeça mais aberta se surpreendem com a participação dela no grupo. Eles esperavam que ela tivessa atitudes tipicamente de uma dona de casa. Ela sorri ao contar o caso: "as pessoas esperam que eu seja mais "lady", mas estou com pés descalços. Eles me perguntam porque o seu pé está tão machucado, se mostram surpresos, eu logo repondo é o esporte e estou me divertindo". 

    Brasil-África - Atriz brasileira Chica Carelli leva peça inspirada em "Ubu Rei" a Cabo Verde

    Play Episode Listen Later Mar 19, 2017 2:44


    A atriz e diretora brasileira Chica Carelli, do Teatro Vila Velha, da Bahia, está em Cabo Verde para participar do projeto "K Cena", iniciativa cultural cujo objetivo é valorizar a língua portuguesa e o teatro como veículos para o desenvolvimento da identidade lusófona. Ela apresenta a peça “Somos Todos Ubu”, um espetáculo resultante da sua residência artística na cidade de Mindelo. Odair Santos, de Cabo Verde para a RFI Chica, que também é uma das fundadoras do Teatro Olodum na Bahia, trabalha com os alunos do 16º curso de teatro do Centro Cultural Português na ilha de São Vicente, em Cabo Verde. A atriz brasileira afirma que essa experiência é um desafio. "Tem sido uma aventura, eu vim aqui sem conhecer o país nem as pessoas, nesse projeto de intercâmbio importante, e tem sido muito desafiador", disse. "As pessoas são muito acolhedoras, o que favorece a construção da peça." Ema conta que a montagem de “Somos Todos Ubu”, que estreia no “Mês do Teatro em Cabo Verde”, em março, foi inspirada em dois textos   "Ubu Rei", de Alfred Jarry, e "O Rinoceronte", de Eugène Ionesco. "Ainda fizemos a loucura de juntar esses dois textos", comenta. Ela explica, sorridente, que "está sendo muito fácil trabalhar com os atores cabo-verdianos, porque eles são muito disponíveis e estavam abertos para propostas e foram descobrindo junto comigo o texto". Longa carreira teatral Chica Carelli tem 37 anos de carreira teatral e faz nessa peça uma analogia com a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, personagem, segundo ela, “grotesco”. "Um cara sem escrúpulos que vem e usurpa o poder do rei, ocupa o lugar dele e começa a criar leis absurdas, com impostos impossíveis e soluções loucas. E a gente associa muito esse personagem grotesco ao Donald Trump e, ao mesmo tempo, a gente reflete: mas esse cara só está no poder porque alguém o colocou lá", conta. Para ela, a cultura africana tem influenciado pouco a pouco o teatro brasileiro. Ela cita como exemplo o Festival de Teatro " A Cena Tá Preta", que acontece em Salvador.  "É uma coisa que está crescendo, esse teatro que coloca as raízes africanas no palco. Mas, evidentemente, não chega a 20% da produção teatral", disse. Mas, apesar de ver alguns avanços, a atriz acredita que o negro ainda não é muito presente no teatro e na TV brasileira. Chica cita as novelas brasileiras que são exibidas em Cabo Verde e Angola, nas quais há poucos atores negros. "O negro não se vê retratado. Eu acho que é uma coisa que está em evolução, mas ainda está longe do que seria necessário", desabafa. Uma das alunas do 16º Curso de Teatro do Centro Cultural Português do Mindelo, Lisa, disse à RFI que "é uma experiência incrível e uma honra fazer parte do projeto" que resultou na peça “Somos Todos Ubu”.

    Brasil-África - Brasil contribui para formação de militares em Cabo Verde

    Play Episode Listen Later Mar 12, 2017 4:05


    Na ilha de São Vicente, em Cabo Verde, o governo brasileiro construiu no Centro de Instrução Militar Zeca Santos em Morro Branco, um espaço de formação para militares chamado de “Sala Brasil”. A infraestrutura recebeu um investimento de mais de € 8 mil (R$ 26 mil) e tem capacidade para acolher 50 alunos. Odair Santos, correspondente da RFI em Cabo Verde O diretor do centro, o capitão Júlio Sancha, disse à RFI que a sala de instrução vai ajudar na formação de membros das Forças Armadas cabo-verdianas. “No local serão formados soldados, cabos e os sargentos", disse. “Fazia falta uma sala com essa capacidade aqui. Devido às dificuldades que enfrentamos, demoramos para ter um local desse nível” disse o capitão, reiterando que o centro poderá formar 800 militares por ano. As atividades práticas no centro de instrução militar acontecem no pátio e nos campos. Já as aulas teóricas, que começarão em abril, serão realizadas na "Sala Brasil". “As primeiras formações serão para polícia e comunicação militar”, indicou Sancha. Para o embaixador do Brasil em Cabo Verde, José Carlos de Araújo Leitão, a "Sala Brasil" vai servir de modelo a outras infraestruturas para capacitação de militares no arquipélago. O centro foi construído após uma visita do então chefe de Assuntos Estratégicos do Ministério da Defesa do Brasil, General Menandro Garcia de Freitas, em novembro de 2015, que viu a possibilidade do Brasil construir um local de instrução em Cabo Verde. A cooperação militar entre Cabo Verde e o Brasil é importante. As parcerias acontecem sobretudo entre a Marinha Brasileira e a Guarda Costeira de Cabo Verde, onde o Brasil presta assessoria militar.  

    Brasil-África - Brasileiros contam experiência de saltar do maior bungee jump do mundo, na África do Sul

    Play Episode Listen Later Feb 26, 2017 4:00


    Que tal saltar da ponte de bungee jump mais alta do mundo? A Bloukrans Bridge Bungy tem 216 metros de altura e fica na África do Sul, em uma reserva natural cercada por montanhas e pelo mar.  Amanda Lourenço, correspondente da RFI na África do Sul Localizada na Garden Route, uma conhecida rota turística que parte da Cidade do Cabo e atravessa vinícolas e parques nacionais, a ponte Bloukrans é o destino final de quem procura emoções fortes. Rodrigo Fernandes, arquiteto de Porto Alegre, veio passar alguns dias na África do Sul com a namorada e amigos e incluiu um salto de bungee jump no roteiro. “Sempre quis saltar e nunca tinha feito. Quando surgiu a ideia de ir para a África do Sul de cara o bugee jump virou meu ponto turístico número um. Na verdade ele foi até um incentivo para a viagem. Foi meu primeiro pulo e foi a melhor experiência da minha vida no que se refere a adrenalina, aventura, medo, pavor – tudo ao mesmo tempo”, conta. Fernandes diz que pularia novamente: “Agora mesmo, se pudesse! Mas a questão financeira pesa um pouco. Só que da próxima vez eu pularia amarrado pela cintura, pois dá para vir correndo e se atirar da ponte, não apenas cair de ponta-cabeça, quando acontece quando a gente amarra pelos pés”, explica o gaúcho. A baiana Renata Gatto veio passar dois meses fazendo trabalho voluntário na África do Sul e também saltou da maior ponte de bungee jump do mundo. “Quando eu comecei a pesquisar sobre a África do Sul e os passeios que eu queria fazer eu li sobre o bungee jump e fiquei bem interessada. Quando eu cheguei surgiu a oportunidade de viajar pela Garden Route, que passaria pelo local da ponte, foi quando eu decidi que eu queria mesmo saltar”, lembra Gatto. "Friozinho na barriga" Ela admite que deu medo sim, mas que isso não a impediu de seguir em frente. “Fiquei com bastante medo, porque quando você chega e vê a altura dá um friozinho na barriga. Mas depois que você pula a sensação é muito boa. É um momento único quando você não consegue pensar em nada. A sensação é maravilhosa”, conta a baiana. O programa custa 950 rands, cerca de 230 reais, sem incluir fotos ou filmagem, que são vendidas após o salto. O dinheiro não é reembolsado caso a pessoa desista de pular – o que não é raro acontecer. Estima-se que cerca de 20% dos aventureiros mudem de ideia depois de olhar para baixo. Mas a Face Adrenalin, empresa responsável pelo bungee jump, garante que a segurança vem sempre em primeiro lugar. Depois de 25 anos em atividade, a Bloukrans Bridge Bungy nunca registrou nenhum acidente fatal. Rodrigo Fleck, carioca que veio com a namorada visitar a África do Sul, conta que pesquisou bastante antes de saltar: “Nós vimos alguns vídeos, lemos sobre a empresa que organizava os saltos, parecia ser muito bem organizado e seguro, então resolvemos fazer”, conta. Mas por causa de um descuido, a experiência deles vai ter que ficar apenas na mémoria. “Depois de saltar a gente foi direto para o hostel super ansiosos para ver os vídeos e as fotos. Colocamos o DVD no computador do hostel, assistimos uma vez o vídeo de cada um e esquecemos o DVD lá, pra nunca mais ver”, lamenta Fleck.

    Claim Brasil-África

    In order to claim this podcast we'll send an email to with a verification link. Simply click the link and you will be able to edit tags, request a refresh, and other features to take control of your podcast page!

    Claim Cancel