Brasil- América Latina

Follow Brasil- América Latina
Share on
Copy link to clipboard

Reportagens de nossos correspondentes na região sobre fatos políticos, sociais, econômicos, científicos ou culturais, ligados à realidade local ou às relações dos países com o Brasil.

RFI - Radio France Internationale


    • Aug 13, 2023 LATEST EPISODE
    • infrequent NEW EPISODES
    • 5m AVG DURATION
    • 45 EPISODES


    More podcasts from RFI - Radio France Internationale

    Search for episodes from Brasil- América Latina with a specific topic:

    Latest episodes from Brasil- América Latina

    Clube de Mulheres de Negócios em Língua Portuguesa inaugura núcleo na Cidade do México.

    Play Episode Listen Later Aug 13, 2023 5:55


    O projeto, fundado em março de 2020, em Portugal, para promover o intercâmbio empresarial entre mulheres empreendedoras e profissionais autônomas que falam português, já está presente em quatro continentes.  Larissa Werneck, correspondente da RFI no MéxicoCriado pela brasileira Rijarda Aristóteles, que mora em Portugal desde 2014, o Clube de Mulheres de Negócios em Língua Portuguesa começou reunindo executivas e estudantes universitárias que falam português em encontros presenciais, em Lisboa, para aumentar suas possibilidades de venda de produtos e serviços para promover a liberdade financeira, principalmente entre as estrangeiras que moravam no país. No entanto, com a pandemia da Covid-19, assim como a vida de todas as mulheres, o clube também ganhou um novo significado.“Unir mulheres empresárias, empreendedoras e profissionais liberais em torno de uma rede de network que pudesse conectar mulheres de várias partes do mundo unidas pela língua portuguesa. E por que a língua portuguesa? Porque além de ser uma das línguas mais lindas de todos os tempos e além dela ser a quarta, quinta, mas falada no mundo, ela traz possibilidades de criatividade e inovação ao Brasil.”, explica a fundadora Rijarda Aristóteles.No mesmo ano, Rijarda deixou a carreira acadêmica para realizar o seu propósito.“Resolvi investir e focar em algo que começou a fazer muito sentido, que foi exatamente criar uma plataforma de network com foco em resultados positivos, ou seja, o nosso negócio é um dos primeiros aqui em Portugal que tem na sua constituição ser um negócio de impacto social positivo. Então eu criei essa plataforma, comecei a conversar com algumas amigas, porque a gente tem que lançar mão de amigas no primeiro momento, e aí tive a minha primeira embaixadora no Brasil e a segunda aqui em Portugal. E aí nós começamos a construir esse movimento.”, diz ela.Após três anos de fundação, os resultados são muito positivos. Atualmente, são duzentas e quarenta embaixadoras, presentes em doze países, além de mais de quatrocentas empreendedoras que passaram pelo Programa Empreender Feminino, que promove formação teórica e prática, de maneira virtual, em aulas ao vivo e acesso a conteúdos gravados. Além disso, com o fim da pandemia, os ambientes de negócio e de capacitação proporcionados pelo clube já voltaram a ser, também, presenciais. Este ano, mais de 500 mulheres, de diferentes nacionalidades que falam português, se reuniram durante dois dias na cidade de Fortaleza, no Ceará, durante a segunda edição do Conecte-se, um evento de capacitação e networking que contou também com uma feira de produtos e serviços.Português como língua francaNesta semana, o Clube de Mulheres de Negócios em Língua Portuguesa ganhou mais um núcleo na América Latina: o México.  A primeira reunião foi realizada na última quinta-feira, na Cidade do México. Segundo a embaixadora do grupo no país, Lilia Lustosa, um dos objetivos do núcleo mexicano é ampliar a presença do clube em outras cidades para que as empresárias possam, além de gerar negócios dentro México, expandir para outros continentes.“Não precisa ser brasileira, nem portuguesa, nem moçambicana, mas precisa falar português, pode ser mexicana falando português, pode ser de qualquer nacionalidade. Então se você quer fazer negócio com Portugal, você não precisa ir para Portugal abrir uma empresa, você vai arrumar um colaborador, uma parceira, você vai fazer um contrato com ela ou um acordo que seja. Mas você não precisa estar lá e você vai conseguir vender seu produto em Portugal ou onde quer que seja, porque o clube já está em doze países, então de cara já são doze países onde você pode fazer negócio, além do México”, explica Lilia.O Clube de Mulheres de Negócios em Língua Portuguesa permite a participação de todas as mulheres que tenham negócios juridicamente constituídos ou em vias de constituição.Maria Teresa Dória, que trabalha há 25 anos como estrategista de expansão de mulheres empreendedoras, participou do primeiro encontro do clube no México. Ela mora no país há um ano e meio e pretende se unir a essa rede internacional, principalmente devido à conexão que o idioma pode gerar.“Já existem em outros segmentos trabalhando com mulheres, mas realmente ficou claro para mim que o objetivo desse clube é diferente. Ele mostra mulheres com o interesse em um momento da vida de mais de quarenta anos que eu acho interessante. Então você já tem um núcleo de mulheres especificamente numa outra fase da vida que, além da vontade de trabalhar e de empreender e de prosperarem nos próprios negócios, tem essa aproximação imediata. E, além disso, a forma delas estarem unidas pela mesma língua tem uma parte cultural fundamental que muitas vezes a gente não percebe e desconhece, mas que nos une imediatamente.”, diz Tereza.

    Embaixada do Brasil no México inaugura o Instituto Guimarães Rosa

    Play Episode Listen Later Jul 16, 2023 8:43


    Atualmente, existem 24 unidades do Instituto Guimarães Rosa no exterior, sendo 13 na América Latina e no Caribe, seis na África, três na Europa e duas no Oriente Médio. A nova unidade faz parte de um projeto do Itamaraty de unificação dos centros culturais do Brasil, que tem o objetivo de integrar a política cultural brasileira, estimular o intercâmbio e ampliar a difusão da língua portuguesa na sua variante brasileira. Larissa Werneck, correspondente da RFI na Cidade do México João Guimarães Rosa foi médico, escritor e diplomata. Reconhecido como um dos principais nomes da literatura brasileira por sua narrativa e linguagem inovadoras, é autor de grandes obras como "Grande Sertão: Veredas". O escritor, que neste ano completaria 115 anos de nascimento, foi o escolhido pelo Itamaraty, em 2021, para dar nome ao então Departamento de Cultura, em Brasília. A partir dessa mudança, todos os centros culturais que o Itamaraty têm ao redor do mundo passaram a se chamar Instituto Guimarães Rosa.Gustavo Raposo, chefe do setor educacional da Embaixada do Brasil no México, explica que a mudança consolida o entendimento que o Itamaraty tem sobre a importância da língua portuguesa para a integração latino-americana.“Essa unificação ocorre em torno de Guimarães Rosa que, além de escritor, teve um papel importantíssimo na Segunda Guerra Mundial, quando atuava no Consulado em Hamburgo, salvando muitas vidas. Então, é a partir desse personagem tão rico que queremos unificar nossa proposta de estimular o conhecimento da língua portuguesa. De Brasília são enviadas as diretrizes para essa rede de institutos, e aqui no México a gente parte de uma experiência bem-sucedida de outros países para, justamente, dar mais força para a promoção da cultura brasileira no exterior, principalmente o idioma”, diz Gustavo. Além de aulas de português na sede, que fica no bairro de Polanco, na Cidade do México, o Instituto Guimarães Rosa realiza exames de proficiência da língua portuguesa, além de projetos para estimular o conhecimento sobre o idioma. “Nós temos oito cátedras em universidades mexicanas e estamos trabalhando para criar uma rede e ampliar o número de cátedras. Dessa maneira, crescem as sinergias e a colaboração. A ideia é criar uma plataforma onde as pessoas possam ter acesso à programação dessas cátedras e que elas possam também contar com a coordenação da Embaixada. Também vamos retomar o BraMex, um programa de intercâmbio para alunos de graduação. A gente acredita firmemente nos laços humanos, além do laço acadêmico, que se cria com o intercâmbio. E essa é uma parte muito importante da relação bilateral”, acrescenta o chefe do setor educacional.Promoção cultural Além de impulsionar o ensino da língua portuguesa e de ser um centro de estudos do idioma, o Instituto Guimarães Rosa tem o objetivo de promover a cultura nacional. A partir de agora, todas as atividades apoiadas pelas embaixadas brasileiras levarão o selo do Instituto. De acordo com Rodrigo Almeida, conselheiro e chefe do setor cultural da Embaixada do Brasil no México, ambos países passam por um momento importante de retomada de vínculos e de projetos bilaterais em diferentes áreas. Em abril, o então Secretário de Relações Exteriores do México, Marcelo Ebrard, e o Ministro de Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, se encontraram na Reunião da Comissão Binacional México-Brasil, na Cidade do México. A partir desse encontro foi produzido um comunicado conjunto sobre projetos que devem ser realizados em parceria.“Mais de um terço desse documento diz respeito a atividades culturais, o que dá uma dimensão da importância que esse setor tem para os dois países. A principal novidade é a criação do Ano Dual, que significa que será um ano do Brasil no México e, ao mesmo tempo, um ano do México no Brasil, em função dos 190 anos de estabelecimento de relações diplomáticas", explica."As comemorações já começam nesse segundo semestre e vão até o ano 2024. É um momento de muita satisfação para ambos os povos porque a gente tem muita coisa em comum, mas a gente precisa também se conhecer mais e, por isso, teremos também atividades mexicanas no Brasil, para o público brasileiro conhecer mais sobre a cultura do México também”, explica o diplomata.Semana do Cinema BrasileiroEntre as atividades culturais programadas para este ano está a Semana de Cinema Brasileiro, que estreia no dia 18 de julho na Cineteca Nacional do México. Está prevista, também, uma exposição fotográfica de artistas brasileiros na avenida Paseo de la Reforma, uma das principais da capital mexicana. Além disso, segundo Rodrigo, será lançada uma coleção de livros exclusiva de escritores brasileiros. “A coleção vai se chamar Vitória Régia e está sendo feita em aliança com a Editora Elefante, uma editora mexicana importante. Vamos estar também na Feira Internacional do Livro de Guadalajara, um dos maiores eventos literários do mundo, com a participação de autores jovens como Jeferson Tenório, Itamar Vieira Júnior e Amara Moira. Neste ano, teremos ainda a banda Cores de Aidé, formada por dez mulheres que tocam ritmos afro-brasileiros, no Festival Cervantino, em Guanajuato, que é um dos principais festivais de música da América Latina”, diz Rodrigo Almeida. Outro evento será a mostra especial em homenagem a Di Cavalcanti, um dos principais nomes do modernismo brasileiro. De acordo com o chefe do setor cultural da Embaixada do Brasil, o objetivo é mostrar o lado muralista do pintor, pouco conhecido pelo público.“Ele foi muito influenciado pelo muralismo mexicano, que é um movimento que está completando 100 anos, assim como a Semana de Arte Moderna no Brasil. Então, foi uma feliz coincidência de datas e a gente vai organizar essa mostra no Colegio de San Ildelfonso, uma das instituições emblemáticas do muralismo", explica."Ainda em 2023, vamos participar do Mextropoli, o maior evento de arquitetura do México, com a exposição Muros de Ar, que já foi exibida em Veneza e que já foi exposta em outras unidades do Instituto Guimarães Rosa. Essa é, por exemplo, uma oportunidade de o público mexicano testemunhar uma parte da cultura brasileira que talvez não seja tão conhecida”, finaliza.Todas as atividades do Instituto Guimarães Rosa do México estão disponíveis nas redes sociais.

    “Páginas Verde e Amarelas”: conheça o guia de empreendedores brasileiros em Madri

    Play Episode Listen Later May 7, 2023 7:23


    Se um brasileiro chega a Madri, seja para passar uma longa temporada ou para viver por tempo indefinido, é bem provável que, cedo ou tarde, ele comece a sentir falta de coisas que só tinha no Brasil. Pensando nesse público que carrega a saudade de casa, a associação sem fins lucrativos Mulheres do Brasil – Núcleo Madrid lançou o guia “Páginas Verde e Amarelas”, em parceria com o Consulado-Geral do Brasil. Ana Beatriz Farias, correspondente da RFI em MadriO catálogo tem o intuito de fortalecer a rede de brasileiros que vendem produtos ou ofertam serviços na capital espanhola. Por isso, é possível encontrar na lista os contatos de empreendedores de diversas áreas, desde fornecedores de doces e salgados brasileiros até autores de obras de arte, revendedores de acessórios, ligerie e óleos essenciais. Estão incluídos serviços, como tratamentos de saúde ou estética, consultoria jurídica, atividades domésticas e música ao vivo, entre outras ofertas.“É um grande apoio, principalmente para esses núcleos que estão fora do Brasil”, diz Andréa Canone, uma das líderes do núcleo madrilenho do grupo Mulheres do Brasil. “No nosso país, a gente já sabe mais ou menos onde tem que comprar isso, onde tem que comprar aquilo. Quando você chega num país novo, fica super perdido no começo. Você não vai comprar o polvilho em qualquer lugar ou, sei lá, o feijão, que você gosta, é diferente aqui”, explica Andréa. Na apresentação do “Páginas Verde e Amarelas”, agora disponível na internet, já está o aviso: brasileiros que estiverem interessados em anunciar produtos ou serviços no catálogo podem fazê-lo de forma gratuita. Basta se inscrever. A ideia é que cada vez mais pessoas possam ter uma boa experiência.No final de 2021, Larissa Alff abriu, em Madri, uma empresa de marketing com outra brasileira, Elisa Portugal. Estar em contato com membros da associação Mulheres do Brasil fez toda a diferença naquele momento.“Quando a gente abriu a empresa, as meninas do grupo Mulheres do Brasil e do “Páginas Verde e Amarelas” já começaram a perguntar sobre o nosso trabalho. O que eu acho legal desse grupo é que quando alguém precisa de alguma coisa vai primeiro procurar ali”, conta Larissa.A empreendedora diz que, antes mesmo de criar o nome da sua empresa, já surgiu uma demanda por parte da rede brasileira. “Porque uma quer apoiar a outra, a gente quer se valorizar. Então, se a gente precisa de um pão de queijo ou de um bolo de aniversário, a gente vai no “Páginas Verde e Amarelas”, vê no grupo quem é que tem aquele serviço ou produto, para só depois procurar fora”, disse Larissa à RFI. O projeto do catálago nasceu de um grupo criado no WhatsApp pelo núcleo de Madri da associação Mulheres do Brasil, que já reunia tanto empreendedores brasileiros que vivem em solo madrilenho quanto aqueles que sentem falta dos produtos da terrinha e queriam saber de quem comprar. Com o tempo, os laços vêm sendo fortalecidos e novos contatos profissionais são feitos dia a dia.Segundo Andréa Canone, quando a ideia de conectar empreendedores brasileiros surgiu, as voluntárias do Mulheres do Brasil começaram a telefonar para possíveis interessados incentivando a participação no projeto. Rapidamente, formou-se uma lista de 100 pessoas. A partir de então, as organizadoras decidiram esquematizar os contatos e criar o guia. Quando a notícia chegou às redes sociais, o plano se consolidou por completo. “Depois do lançamento a gente teve muita procura”, comenta Andréa.Cartilha de direito da mulher Antes de criar o catálogo “Páginas Verde e Amarelas”, o núcleo de Madri do grupo Mulheres do Brasil lançou a cartilha “Dignidade, proteção e apoio à mulher brasileira na Espanha”, com informações sobre violência de gênero, guarda e tutela de menores e serviços de apoio. A publicação é, na verdade, a reedição de um texto que estava disponível no Consulado Brasileiro em Madri, como explica a advogada e colíder do comitê de direito da mulher, Thaís de Camargo Rodrigues. O documento requeria uma atualização que foi realizada pelas brasileiras. "A gente atualizou toda a lista dos órgãos de suporte de Madri e também alguma coisa de Barcelona. Colocamos as diferenças dos dois Consulados, quem atende a que parte da Espanha. A gente queria que a mulher que lesse o texto soubesse onde buscar ajuda”, diz Thaís.O núcleo madrilenho do grupo Mulheres do Brasil foi fundado em 2019 e, desde então, vem expandindo suas atividades. Um segundo núcleo atua em Barcelona. As participantes se dividem em comitês que abrangem as áreas de cultura, educação, direito da mulher, empreendedorismo, carreiras e comunicação. Elas promovem encontros para fortalecer as redes profissionais, sessões de leitura de histórias para crianças, grupos de conversação para quem está aprendendo o espanhol e orientação jurídica. O projeto original, hoje presente em vários países, foi lançado pela empresária Luiza Trajano.

    Patrícia Bastos leva canções e ritmos da Amazônia a festival no México

    Play Episode Listen Later Oct 22, 2022 8:19


    A cantora brasileira Patrícia Bastos participa da 50ª edição do Festival Cervantino, em Guanajuato, no México. O evento, que reúne nomes nacionais e internacionais da música, do teatro, da dança, das artes plásticas e da literatura, vem se consolidando como um dos mais importantes da América Latina e do mundo. No show do próximo dia 28 de outubro, a cantora apresentará ao público mexicano canções que reúnem ritmos, cantos populares e histórias da região amazônica. Larissa Werneck, correspondente da RFI no México Nascida no Amapá, Patrícia Bastos começou a cantar profissionalmente aos 18 anos. Desde o início da carreira, sua música é marcada pela união de ritmos afrodescendentes, como o batuque e o som do marabaixo, uma das principais manifestações culturais e folclóricas do norte do Brasil. E é com essa mistura musical popular que a cantora pretende encantar o público mexicano. “Essa é minha primeira apresentação no México e eu estou muito ansiosa para participar do Festival Cervantino, já que é uma grande oportunidade de mostrar a cultura de um lugar tão distante para os mexicanos que é o Amapá, na Amazônia. Eu espero subir no palco e dar o recado com os nossos tambores e marabás, com a nossa música da Linha do Equador, que é tão alegre”, diz Patrícia. Repertório dos shows inclui o zouk, ritmo popular nas fronteiras do norte brasileiro Para atrair ainda mais o público latino, Patrícia Bastos incluiu o zouk no repertório dos shows que realizará no México. Além da apresentação no Festival Cervantino, ela fará apresentações em Puebla e na Cidade do México, onde contará com a participação especial da cantora cubano-mexicana Leiden. “Esse intercâmbio de culturas é muito importante. Apesar de só conhecer a Leiden à distância, eu sou muito fã do trabalho dela. Trocamos muitas mensagens até escolhermos as músicas da nossa apresentação. E a música mexicana é muito contagiante também, repleta de histórias bonitas e interessantes, assim como a nossa música. Eu acho que nosso encontro nos palcos será muito bonito”, completa a cantora amapaense. Brasil tem histórico de participações no Festival de Guanajuato A 50ª edição do Festival de Guanajuato vai até o dia 30 de outubro. Ao longo dos últimos anos, a participação brasileira tem sido marcante, como explica Gustavo Raposo, chefe do setor cultural da Embaixada do Brasil no México, que está apoiando a vinda da cantora. “Para a gente, é muito importante participar do Festival Cervantino pela sua história e pela sua importância para a cultura. Trouxemos artistas de diferentes vertentes musicais, como Chico César, que participou de maneira virtual em 2021. Tivemos também a Dona Onete, do Pará, em 2019, e Yamandú Costa, em 2018. São atrações muito diversas musicalmente, e dessa maneira mostramos que o Brasil tem muito a oferecer. E este ano, nós estamos muito felizes com a vinda da Patrícia Bastos, e a apresentação dela nos enche de alegria”, afirma Gustavo. Indicação ao Grammy Latino em 2017 A mescla de ritmos amazonenses rendeu a Patrícia várias premiações. Além disso, ela foi indicada ao 18º Grammy Latino, em 2017, na categoria Melhor Álbum de Raízes Brasileiras com Batom Bacaba, uma produção realizada em parceria com Dante Ozzetti e Du Moreira. “Conseguir chegar a uma premiação desse porte é muito importante para anunciar o que se faz e ao que se propõe a música da Amazônia produzida no Amapá. Ser indicada nessa categoria é um prêmio de reconhecimento do que venho fazendo ao longo dos anos, uma música identitária ancorada na tradição, com arranjos contemporâneos, que ajuda a escrever a identidade cultural do meu país. Isso me enche de alegria e reforça o papel da arte e do artista.”, celebra a cantora.

    No território do Xingu, indígenas se sentem abandonados pelo governo brasileiro

    Play Episode Listen Later Oct 15, 2022 7:04


    Mais vulneráveis às doenças das cidades e morando em regiões de difícil acesso, a saúde dos indígenas da Amazônia é muito frágil. No parque indígena do Xingu, o maior território protegido do Brasil, vivem 16 povos diferentes. Nos últimos anos, eles também sofrem dos efeitos do desmatamento e das mudanças climáticas.  Sarah Cozzolino, correspondente da RFI no Brasil. Camila é atendida sobre uma cama ginecológica improvisada na aldeia indígena Waura. Ela sente uma dor na barriga há dois anos, desde que ela toma um remédio para não menstruar, pois ela é um dos médicos tradicionais da aldeia. "A gente tem cigarro para curar a pessoa que está doente", explica Camila. "O espírito fala qual é a dor que ele está sentindo, qual espírito que tá fazendo mal a ele", completa. Camila é um dos 6 pajés da sua aldeia, no parque indígena do Xingu, no Mato Grosso. Para os indígenas, existem vários tipos de médicos tradicionais : os pajés, como Camila, que se comunicam com os espíritos, e os raizeiros, especialistas em chás a base de ervas e raízes.  Durante a pandemia de Covid-19, esses médicos tradicionais foram muito solicitados, como explica Caio Machado, presidente e co-fundador da ONG Doutores da Amazônia : "eles começaram a usar a medicina tradicional deles, como um chá que eles tomam. Uma coisa que chamou muito a nossa atenção é que naquela região há cerca de 10.000 indígenas e eles tomaram esse chá. E desses 10.000 indígenas, morreram 2 indígenas. Até os não indígenas estavam começando a tomar esse chá. Isso quer dizer o que? Que a medicina tradicional é muito forte!", avalia. Apesar das recomendações de isolamento social para lutar contra a propagação da covid-19, os indígenas conservaram a sua forma de vida em coletividade. "Quando a Covid-19 chegou, veio a medida de fora, dizendo para separar… Mas não teve jeito", lembra Tapi Yawalapiti. "Não tem como a gente quebrar nossa organização social, de ficar longe da família… Então foi muito difícil para a gente adaptar uma regra que veio lá da cidade, dentro da aldeia". O cacique Yawalapiti é filho do antigo cacique Aritana, grande líder da luta indígena do Xingu, que morreu em 2020, vítima da pandemia.  Nessas regiões isoladas, o acesso aos atendimentos especializados pode ser muito complicado e os hospitais ficam fora do território indígena, a várias horas de carro. Por isso, a ação anual da ONG "Doutores da Amazônia" é muito necessária : os indígenas conseguem ter acesso a dentistas, ginecologistas e oftalmologistas, entre outros. "Sofremos muito preconceito e discriminação racial na cidade, então às vezes a gente não é bem-vindo nos hospitais, lamenta o cacique. A gente é esquecido, abandonado no hospital. Então, aqui, todo mundo tá muito feliz, os médicos atendendo… e as pessoas voltando para suas aldeias muito felizes. Então isso é muito importante. E uma vantagem em comparação com o atendimento da cidade", diz o cacique. Alerta para mudanças climáticas Tapi Yawalapiti observa com apreensão a grama queimada de sol, no pólo Leonardo Villas-Bôas, onde acontecem os atendimentos da ONG. É a época das queimadas, e o cacique está cada vez mais preocupado com a mudança climática na Amazônia. "Nós que moramos na floresta, sabemos cuidar da floresta, sabemos cuidar do rio, sem poluir, acredita Tapi. Mas a gente esta notando que o tempo mudou. Então hoje, se você tacar fogo aqui, vai embora, perde controle. Na década de 1990, não tinha isso. Então hoje a gente tem que ter muito controle de queimada, muito", afirma. O desmatamento é visível nas fronteiras do parque. Na estrada, da capital de Goiânia até a entrada do Xingu, é necessário atravessar hectares e hectares de plantações de milho e soja. "Tem onze municípios em volta do nosso território", explica Iakari Kuikuro. "Estão derrubando muitas árvores, mato, para plantar soja, arroz, e muito mais… Eu estou muito preocupado com o futuro", diz. Ao pensar na situação, Iakari Kuikuro não consegue reter as lágrimas. "Daqui para frente, como que a gente vai reagir contra esse crescimento dos municípios em volta do nosso território?",  pergunta o indígena. "Hoje em dia, a gente está recebendo muita pressão. Esse nosso território ficou como se fosse uma ilha de floresta… Por isso que estamos lutando para fazer cerca", acrescenta. Segundo uma pesquisa do instituto Imazon, entre agosto de 2021 e julho de 2022, o desmatamento na Amazônia foi o maior dos últimos 15 anos, com 10.781 km quadrados devastados, o equivalente a sete vezes a cidade de São Paulo. "Com esse governo atual, nosso território é ameaçado", reclama Tapi Yawalapiti. "Toda a terra da população indígena do Brasil está ameaçada. Então, nossa luta é isso : enfrentar o projeto de lei que o governo sempre vem lançando contra os direitos indígenas. Então isso deixa a gente preocupado. E a gente comunica entre nós, dizendo que no momento, a gente tem que se unir, para gente poder defender o nosso direito", finaliza. Apesar de ser considerado um dos territórios mais protegidos do Brasil, em 2021 foram reportados no Xingu 305 casos de invasão e exploração ilegal de terras. Um aumento de 180% em comparação com 2018, quando Jair Bolsonaro ainda não era presidente. 

    Panamá: Inflação, corrupção e escassez de alimentos motivam protestos, relata brasileira

    Play Episode Listen Later Jul 30, 2022 5:00


    “Buenos días, Panamá!” É da varanda com vista para a Cidade do Panamá que todos os dias a goiana Viviane Naves saúda seus seguidores de uma rede social. Deste ponto privilegiado da capital panamenha ela usa o humor para se conectar com o país onde chegou em 2020, em plena pandemia da Covid-19. Também é de lá que agora ela acompanha as manifestações que, nas últimas semanas, vêm agitando este país da América Central. Por Elianah Jorge, correspondente da RFI em Caracas A insatisfação que tomou conta das ruas de diversas regiões e da capital panamenha começou a ser sentida logo após o fim do confinamento e foi motivada principalmente pelo alto custo de vida. “Após esse período de euforia por recuperar a vida normal do cotidiano, começou essa sensação de que tudo estava caro, da falta de alimentos nos supermercados pela dificuldade de chegar [a mercadoria aos estabelecimentos]. Havia uma sensação de dificuldade de trabalho, das pessoas conseguirem dinheiro”, ela lembra. Neste país onde o Produto Interno Bruto (PIB) per capta é de US$ 14,5 mil, de acordo com o Banco Mundial, o desemprego chega a 10% e a informalidade gira em torno de 50%, informa a Contraladoria Geral do Panamá. E com a economia dolarizada, o custo de vida é bastante alto. “A comida aqui é muito cara. O custo de vida no Panamá é bem caro. Isso me assustou muito no início. Desde o início eu sentia essa preocupação [por parte do povo].” O recente fenômeno da inflação no Panamá fez com que o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) chegasse a 5,2% em junho deste ano em relação ao mesmo período do ano passado. A taxa pode ser moderada se comparada com a de outros países, mas vem pesando no bolso das famílias. A alta mais significativa foi a de 40% no preço da gasolina durante o primeiro semestre de 2022. “O que eu vejo que deixa mais cara a condição de vida é a comida e os remédios. Então veio a guerra na Ucrânia e o preço da gasolina aumentou muito por aqui, de uma hora para outra. Isso foi muito forte”, destaca Viviane. Indígenas Por causa da distância entre as zonas agrícolas e as cidades de médio e grande portes, o preço do combustível, que não é produzido no Panamá, gerou um efeito dominó. “Tudo ficou mais caro ainda porque muitos alimentos vêm de caminhão da região de Chiriqui (a cerca de 420 km da Cidade do Panamá), onde há produção de café e de muitos tipos de produtos. Tudo ficou mais caro e isso também pesou muito para os produtores.” Uma das principais forças desses protestos sãos os indígenas, muitos deles detentores de terras em determinadas áreas do Panamá. Ao lado dos produtores de alimentos, eles têm sido a principal pedra no sapato do governo de Laurentino Cortizo. Por causa da pressão social, o presidente, que chegou ao poder em julho de 2019, decidiu congelar em US$ 3,25 (cerca de R$ 16) o preço do galão da gasolina, que antes chegou a custar US$ 5. Junto com o anúncio feito nesta terça-feira (26) estão subsídios a outros produtos, como o arroz e o atum. Os sindicatos e outras associações não ficaram satisfeitos com as medidas. Eles também pedem a redução do preço dos alimentos, energia, remédios, e o aumento do orçamento da Educação, além do combate à corrupção, o que continua motivando os protestos. As perdas estimadas por causa das manifestações e paralisações das últimas semanas superam a quantia de US$ 500 milhões. “Da [minha] varanda dá para ver os protestos. Eu vi o caminho que eles [os manifestantes] estavam fazendo e desci para me juntar ao protesto. Foi quando eu encontrei o humorista Kenny Dancer, que faz muito sucesso aqui com a personagem ‘La Ministra'”, conta a ex-fisioterapeuta que agora trabalha como tradutora e produtora de conteúdo. “São pessoas que estavam com muita raiva principalmente pela corrupção que existe dentro do Panamá, dos partidos políticos. Nos protestos as pessoas reclamavam muito dos subsídios que os políticos têm até para bebidas alcoólicas. Eles recebem garrafas de rum! Esse tema foi muito forte dentro dos protestos”, ela explica. Corrupção Além de ser um paraíso fiscal, o Panamá também carrega outra fama: a de ser um dos países mais corruptos do mundo. Em 2016, a investigação jornalística intitulada de Panama Papers denunciou um gigantesco esquema de corrupção articulado pelo escritório de advocacia Mossack Fonseca, então sediado na capital panamenha, junto a governos, autoridades e empresas de todo o mundo. Apesar das medidas e do início dos diálogos do governo com os grupos de opisição, ainda há manifestações no país. “Os protestos ainda continuam, mas não tem mais bloqueios de estradas. Houve um acordo com o governo na última mesa de diálogo. Alguns itens básicos, 72 de uma lista proposta ao governo, ainda não foram aprovados. Então eles ainda estão brigando, mas as principais vias não estão mais fechadas. Já está chegando mercadoria na Cidade do Panamá e nas províncias também”. Viviane, que já morou no Peru e em Cuba, além de desejar “Buenos días, Panamá”, também faz votos de um futuro melhor ao país que a acolheu: “O Panamá é um país lindo, rico e que merece dar uma melhor qualidade de vida a toda sua população. Eu espero que esses protestos, que esse anseio da população e dos meus amigos que querem um país melhor, consigam [resultados]”.

    Voluntariado é caminho para adaptação no exterior, dizem brasileiras no México

    Play Episode Listen Later Jun 11, 2022 5:18


    Brasileiras que vivem no México realizam trabalhos voluntários para diferentes organizações. Além de apoiarem causas importantes, elas contam que a atividade ajuda na familiarização com a vida fora do Brasil. Larissa Werneck, correspondente da RFI no México Em uma busca rápida na internet por programas de voluntariado no exterior, é possível encontrar uma grande quantidade de projetos e organizações que realizam trabalhos voluntários em diferentes regiões do mundo, que oferecem às pessoas a possibilidade de contribuir para ações que vão desde o desenvolvimento de comunidades desfavorecidas até programas de proteção ao meio ambiente. As vantagens são muitas, tanto para os beneficiários dos projetos, quanto para os voluntários.  Além do sentimento de ajudar quem necessita e de colaborar para a transformação social, ser voluntário fora do Brasil traz muitos benefícios, entre eles, a possibilidade de conhecer novas culturas e novos costumes, o aprendizado de um idioma e a criação de novas relações sociais, sejam elas profissionais ou pessoais. No caso de famílias expatriadas ou em transição, as vantagens vão além: o voluntariado pode ser um grande aliado no processo de adaptação à vida em um novo país. Foi o que aconteceu com a Karla Machado, mineira de Belo Horizonte que mora no México há treze anos. “Quando a gente chega no México, como expatriada, a gente tem muito tempo ocioso, né? E, logo que eu cheguei, eu fui apresentada um grupo de brasileiras que já faziam um trabalho voluntário na Abrame, que significa Amigas Brasil-México. Esse grupo realizava encontros para arrecadar dinheiro, produtos de limpeza e alimentos para abrigos que necessitavam de assistência. Além de fazer voluntariado, esses encontros são uma forma para a gente se enturmar e de receber dicas sobre o novo país, como informações sobre médicos e serviços, por exemplo”, afirma. Os anos foram passando, e Karla começou a se envolver ainda mais nos projetos, assumindo novas funções a cada ano. Hoje, ela é coordenadora da Abrame, organização que atualmente direciona o trabalho para dois abrigos: um para pessoas idosas e outro para crianças e jovens em situação de pobreza que foram afastados das famílias por questões de violência e abuso. “A Casa Hogar San Francisco, que fica em Toluca, no Estado do México, era um lugar muito precário, sem armários nem camas para as crianças dormirem. Além disso, elas não tinham como levar merenda para a escola. Com o trabalho das nossas voluntárias, conseguimos fazer reformas na casa e organizar doações de alimentos, que são realizadas mensalmente. Eu fico muito feliz porque algumas das crianças que nós conhecemos aos 8 anos de idade já estão na universidade”, conta Karla. Já o trabalho no Asilo Emanuel, localizado em Coacalco, também no Estado de México, começou há dez anos. Atualmente, vinte homens e mulheres vivem no lugar, que necessita de reformas urgentes. “Sempre ajudamos com doações de dinheiro, alimentos e produtos de higiene. Agora, vamos apoiar na reforma do asilo. Uma brasileira que é arquiteta está fazendo o projeto sem custo e nós vamos levantar os recursos para as obras”, diz a coordenadora da Abrame. Famílias brasileiras apoiam fundação para crianças com câncer Outra organização que recebe o apoio de famílias voluntárias brasileiras no México é a Fundación Mark, criada há 16 anos pela mexicana Sonia Zuani. A fundação leva o nome do seu filho, diagnosticado com leucemia, aos seis anos de idade. “Inicialmente o tratamento do Mark foi em um hospital público do México e, infelizmente, eles não cuidavam da parte emocional das crianças internadas. Eles não permitiam que elas levassem jogos e não havia espaços lúdicos de atividades direcionadas para elas. A fundação foi um sonho do meu filho, que quis criar um lugar para que crianças,como ele, pudessem brincar e se divertir. Ela foi constituída no mesmo dia em que ele faleceu. Esse foi o seu legado”, diz Sonia. Atualmente a Fundación Mark possui sete brinquedotecas em hospitais públicos que tratam de crianças e adolescentes com câncer. Quatro deles estão na Cidade do México. Os outros estão em Toluca, no Estado do México, em Villahermosa, capital do estado de Tabasco, e La Paz, que fica no estado de Baja Califórnia Sul. Nesses espaços, além das crianças poderem brincar com os jogos e brinquedos, são oferecidas atividades físicas, pedagógicas e cursos de bem-estar emocional para as famílias e profissionais de saúde. “Temos o apoio de muitas empresas, mas o voluntariado para a nossa fundação é indispensável. Nesse sentido, eu posso dizer que metade da nossa bandeira é brasileira, porque as famílias brasileiras nos apoiam muito, não apenas com doações de brinquedos, roupas e alimentos, mas na organização de eventos e, principalmente, na mobilização para novos voluntários”, afirma a presidente e fundadora da Fundación Mark. As paulistanas Ellen Negrão e Desyrre Beber estão entre essas famílias. Ambas vivem no México há cerca de dez anos. “Eu conheci a Fundación Mark através da minha cunhada, que é mexicana. E na festa de seis anos da minha filha nós doamos todos os presentes que ela ganhou para as brinquedotecas. Foi assim que eu comecei a me envolver. Hoje, graças ao voluntariado, eu tenho contato com realidades que eu não tinha no Brasil, e ajudo a uma causa importante. Além disso, quando eu cheguei, ajudou a ocupar meu tempo e a criar amigos e oportunidades”, salienta Desyrre. Ellen foi uma das convidadas da festa. Hoje ela é uma das principais mobilizadoras do grupo formado por cerca de 40 brasileiras que apoiam a fundação, com doações de brinquedos no Natal, realização de festas, quermesses e venda de produtos. Em maio deste ano, por exemplo, a Fundación Mark recebeu a doação de milhares de cápsulas de café expresso. Em apenas um dia, as brasileiras venderam cerca de cinco mil. “Eu sempre trabalhei como voluntária, desde a minha adolescência no Brasil. E quando eu cheguei ao México eu conheci a fundação e me encantei pelo trabalho da Sonia. Fiz curso nos hospitais para trabalhar nas brinquedotecas e me orgulho muito do que já fizemos. Mobilizamos muitas famílias e empresários brasileiros para a causa. Infelizmente com a pandemia os eventos foram suspensos, mas este ano, voltaremos com uma grande festa para os adolescentes. Pra mim, o mais importante, também, é poder passar essa mensagem para os meus filhos”, diz Ellen. Voluntariado para o mercado de trabalho Além de ajudar na adaptação das pessoas que vivem fora do Brasil e de ter uma função social importante, o trabalho voluntário é um caminho, também, para brasileiros que buscam recolocação profissional no exterior. Segundo Carolina Porto, que trabalha como consultora e voluntária da ONG Families in Global Transition, que oferece apoio às famílias em transição, o voluntariado é um primeiro passo para a criação da sua rede de relacionamento profissional. “A principal ferramenta para alguém que está mudando de um país para outro é criar uma rede de relacionamentos para se adaptar melhor. E se você tem o objetivo de buscar um trabalho, uma posição de voluntariado pode te ajudar bastante nisso porque, provavelmente, você vai conhecer pessoas com interesses em comum aos seus. Ou, também, pode ser a oportunidade de você aprender alguma coisa nova. Você estará fazendo o bem para o próximo e para você mesmo”, explica ela. Além disso, segundo Carolina, é preciso, primeiro, entender a cultura de voluntariado do país onde você vai viver. “O voluntariado é visto de maneira diferente em cada país. Na Holanda, por exemplo, quase 80% da população realiza algum tipo de trabalho voluntário e isso é muito bem visto pelas empresas. As vagas de voluntariado, inclusive, são anunciadas nas mesmas plataformas usadas para o trabalho remunerado. Já no México, onde eu morei, eu não tive essa perceção. Mesmo que eu estivesse trabalhando para uma organização internacional, se eu não tinha salário, muitos não consideravam trabalho”, conclui a consultora brasileira.

    Museu de Arte Latino-americana de Buenos Aires homenageia 100 anos da Semana de 22

    Play Episode Listen Later Feb 19, 2022 7:49


    Com a série de eventos "Antropofagia Revisitada", o Museu de Arte Latino-americana de Buenos Aires (Malba) presta homenagem ao centenário da chamada Semana de 22, que marcou o começo do modernismo brasileiro. O movimento influenciou a arte em toda a América Latina, passando pela Bossa Nova, pelo Tropicalismo e até o Rock Brasil, que completa 40 anos.  Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires Até a próxima semana, o Malba mantém uma visita guiada pelas 15 peças modernistas de artistas brasileiros que fazem parte da coleção do local, que conta com obras de Tarsila do Amaral, Lígia Clark, Di Cavalcanti, Portinari, Hélio Oiticica, entre outros.  Em sintonia com o centenário da emblemática Semana de 22, o museu argentino e a Embaixada do Brasil em Buenos Aires organizaram uma série de atividades, presenciais e virtuais, com artistas e acadêmicos, brasileiros e argentinos, sob o conceito de "Antropofagia Revisitada" que incluiu mesas redondas e apresentações. Macunaíma, de Mário de Andrade, ganhou uma nova tradução em espanhol. Os debates puseram a lupa sobre as temáticas em voga na época, Mulheres, Negros e Índios no modernismo brasileiro. Se Tarsila do Amaral propunha "devorar" a arte europeia com o seu quadro do "homem que come gente", o Malba inaugurou o Café Tarsila, onde uma parte do Abaporu foi transformado em biscoito e pode ser devorado. Influência brasileira Por alguns instantes, o Malba desta semana de 2022 remetia ao Theatro Municipal de São Paulo, palco daquela semana de 1922. Aquele Brasil de cem anos atrás também completava o seu primeiro centenário de independência e requeria identidade própria. O modernismo brasileiro propunha devorar a arte europeia não para copiá-la nem para se submeter a ela, mas para transformá-la em brasileira, com elementos próprios daquela nova nação. Ao longo das décadas seguintes, o modernismo contribuiria para uma identidade de vanguarda através pintura, da escultura, da poesia, da arquitetura, da literatura e da música. Diego Murphy, responsável pelo passeio através das obras brasileiras, explica que a Semana de 22 catalisou o que acontecia de forma generalizada pela América Latina, tornando o movimento brasileiro a referência que influenciaria a arte em toda a região. "No começo do século 20, os países da região discutiam qual era a sua identidade. Vários olhavam para a Europa, mas alguns começaram a olhar para dentro de si. Enquanto no resto da América Latina as discussões aconteciam de forma individual, caótica e pouco clara, no Brasil, aconteceram de forma muita clara e contundente. E isso começa a se irradiar do Brasil a toda a América Latina", explica Diego Murphy à RFI. Naqueles anos 1920, dois movimentos ecoavam pela América Latina: a "Antropofagia brasileira" e o "Muralismo mexicano" que tinha uma conotação mais política, após a Revolução Mexicana. "O Muralismo mexicano é muito forte e se irradia pela América Central, mas também nos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, havia muita resistência a esse movimento tão político. A Antropofagia brasileira, em contraposição à Europa, tem muita influência na região, mas, sobretudo, na América do Sul, especialmente no Chile e na Argentina. Não chega a surgir um movimento, mas surgiram individualidades que geraram frutos interessantíssimos na arte", compara Murphy. A curadora chefe do Malba, Maria Amalia García, conta que os vanguardistas argentinos se espelhavam nos brasileiros. "Durante os anos 1920, tudo o que aconteceu na Semana de 22 do Brasil teve impacto na Argentina. Os modernistas argentinos observavam com atenção o que acontecia no Brasil. Os intelectuais e os artistas argentinos tiveram um vínculo fluído com o Brasil e com todas essas publicações e núcleos vinculados também com a vanguarda local", aponta Maria Amalia García à RFI. Abaporu em Buenos Aires O ponto de ebulição da Semana de 22 aconteceu em 1928, quando Tarsila do Amaral pintou um quadro como presente de aniversário ao marido, o poeta e escritor Oswald de Andrade, um dos líderes do movimento modernista. A imagem de um gigante sem boca que devora através da reflexão, com pés e mãos grandes sobre a terra e com as cores da bandeira brasileira em composição, foi a melhora tradução do conceito antropofágico que devorou a arte europeia para transformá-la em brasileira. Nascia assim o "Abaporu" (homem que come gente, em tupi-guarani) e inaugurava-se o canibalismo tropical. O ícone do modernismo brasileiro repousa há 21 anos no Malba. O casal Dorival Neto e Átina Rocha, os dois de Marcionílio Souza, interior da Bahia, estudantes de Medicina em Buenos Aires, tiveram o primeiro contato com o Abaporu neste centenário da Semana de 22. "Como alguém que veio do interior é a primeira vez que tenho contato pessoal com essas obras. E é irônico que seja em outro país. Muitas dessas obras com as quais eu só tive contato através de imagens nos livros ou em estudos para o vestibular, pude ver agora em Buenos Aires. Foi uma experiência muito boa", ressalta Dorival à RFI. "Apesar de não estar em casa, o Abaporu está num lugar que se tornou o seu lar. Está bem contemplado, como deve ser. Fico com uma certa inveja por esta obra não estar no Brasil, mas, ao mesmo tempo, fico orgulhosa porque está bem cuidada. Está num lugar que abraçou a nossa cultura e que fez dela também um pouco sua. Aqui você se sente em casa e isso é muito legal", reflete Átina, após a visita guiada. A visita pelas obras brasileiras chega ao final dos anos 1960, quando o canibalismo cultural já não é mais com a Europa, mas com os Estados Unidos, consequência do pós-Segunda Guerra Mundial. Nesta época, aparecem o concretismo e a Pop Art. Identidade brasileira na música Outra diferença que permitiu o modernismo brasileiro se tornar referência foi a conjugação de diversas disciplinas artísticas num mesmo movimento. Pintores, escultores, poetas, escritores, arquitetos e músicos giraram em torno de um conceito. "Essa conjunção é muito importante. O Brasil tem essa grande vantagem: uma comunhão entre artistas interdisciplinares. Nos outros países, isso não acontece", observa Diego Murphy.  "Há outra característica brasileira, diferente do resto da América Latina: a música. É central para a identidade brasileira", indica. O conceito antropofágico de devorar influências de fora para transformar numa arte brasileira incluiu a Bossa Nova, o Tropicalismo e até mesmo o Rock Brasil. A Bossa Nova era o samba moderno sob influência do jazz. Tom Jobim exaltava a influência nas suas composições de Heitor Villa-Lobos, integrante da Semana de 22. O Tropicalismo, sob influência do rock e do concretismo pós-moderno, também influenciou o rock brasileiro. Foi há exatamente 40 anos que uma música jovem irrompeu com elementos do modernismo e do pós-modernismo. A Pop Art aparecia nas capas dos discos e nos figurinos. A estética abusava das cores vivas, de identidade tropical. As letras contavam com diálogos teatrais de estilo jocoso e com um jogo de palavras sob influência do concretismo.  Nascia no Circo Voador, no verão carioca de 1982, a Blitz, o primeiro grupo que abriria as portas das gravadoras para a explosão do denominado Rock Brasil durante os anos 1980. "O Brasil tem essa grande diferença: gente agrupada com um objetivo em comum. Nada de individualidades perdidas, mas um movimento forte numa direção. Essa é justamente uma característica da vanguarda", conclui Diego Murphy.

    Brasil-América Latina - Treinadora de golfinhos brasileira acredita que interação entre animais e público favorece preservação

    Play Episode Listen Later Sep 26, 2021 8:34


    Aos 8 anos de idade, Cinthya Coutinho foi pela primeira vez a um parque aquático. Aquele momento despertou na brasileira o sonho de trabalhar com golfinhos, baleias orcas e outros cetáceos. Ela chegou a estudar veterinária, mas decidiu que biologia marinha seria o melhor caminho para chegar à meta. Também percebeu que precisaria morar fora do Brasil para trabalhar com o que sempre quis. Ainda na faculdade, ela foi preparando o terreno, fazendo contatos para consolidar a almejada carreira. Elianah Jorge, correspondente da RFI na Venezuela Cinthya conta que o começo da carreira foi bem difícil. "Quando cheguei nos Estados Unidos, fiz um trabalho voluntário no zoológico e depois entrei como estagiária no aquário. Vida de estagiário não é fácil. E aqui não é diferente", recorda. O estágio da brasileira incluía lavar, limpar, preparar os peixes para alimentação e monitorar os golfinhos. Mas ela conseguiu uma vaga e ficou satisfeita. No início, foi treinadora aprendiz até conquistar, etapa por etapa, o posto de treinadora sênior.  É no Miami Seaquarium, um dos parques aquáticos mais visitados da Flórida, que Cinthya trabalha. Ela vive seu sonho de infância, mas reconhece que o cotidiano como treinadora é exigente e a dedicação, praticamente integral.  “O que ninguém sabe é que a gente tem que estar no parque 24 horas por dia quando nasce um bebê. A gente não tem feriado, nem sábado e domingo, Natal ou Ano-Novo. A gente tem que trabalhar!", destaca. Mesmo tendo uma filha, Cinthya conta que há dias em que precisa trabalhar até a madrugada. "Tem vezes que eu trabalho 16 horas por dia, e as pessoas que estão do lado de fora não sabem disso. As pessoas só veem que a gente vai para o trabalho e que brincamos com os golfinhos.” A rotina no parque começa bem cedinho, com o preparo da comida dos animais e com a limpeza dos tanques e piscinas. Além, claro, dos treinos e ensaios diários para que profissionais e bichos façam bonito na hora do show. Pela regra, é preciso que sempre um treinador esteja de plantão no parque. Para este profissional, não há sábado, domingo ou feriados. A vida agitada é amenizada pelo contato diário com os animais. A brasileira cuida e treina golfinhos-nariz-de-garrafa, focas, leões marinhos e também uma baleia. O aquário onde Cinthya trabalha também abriga tubarões, tartarugas marinhas, aves, répteis e peixes-boi. De cara com a orca Para a brasileira, é um prazer interagir com os bichos. “A maior alegria que eu tenho é ver a carinha de cada um dos animais, passar o dia com eles, ver o reconhecimento deles e a relação que você cria, o convívio do dia a dia", avalia. "Você ensinar algo para eles, treinar algo que ajude na saúde deles... A relação com os animais é a melhor parte do trabalho”, declara. Em 2010, uma experiente treinadora morreu após ser atacada pela orca Tilikum, no parque SeaWorld. Batizada com o nome da famosa personagem do escritor Vladimir Nabokov (1899-1977), Lolita é a mais antiga orca cativa do mundo e atualmente a única do parque onde Cinthya trabalha. O show deste animal de quase seis metros de comprimento e de mais de três toneladas de peso é a atração mais esperada do aquário. Mesmo lidando diariamente com um superpredador, como é o caso de Lolita, Cinthya garante não ter medo. “No meu aquário nunca aconteceu nenhum acidente. Claro, trabalhando com animal é tudo sempre imprevisível. Os treinadores conhecem os animais muito bem. Mas, como eu digo, qualquer bicho tem boca pode morder. Isso faz parte do trabalho”, resume.     Conexão com animais A treinadora explica que nesta carreira o prazer pela interação com os bichos é o que prevalece. “A gente começa ganhando mal nessa profissão. É um trabalho que não se faz pelo dinheiro. É por amor! Para os outros departamentos e para os CEOs dos parques, eles não são tão focados nos animais. Para eles é um negócio. Mas para quem está ali todos os dias, e cuidando dos animais, é por amor”, enfatiza. Parece complexo ensinar animais aquáticos a interagirem com humanos, mas a treinadora garante que a tarefa é fácil. “Treinar golfinhos é o mesmo que treinar qualquer animal. Hoje em dia não se trabalha mais com punição e sim com reforço positivo. A gente só chama a atenção para aquilo que se quer e ignoramos o que é feito e a gente não quer. Se o golfinho fizer alguma coisa que vai chegar ao ponto do que quero, eu soo meu apito e ele ganha um peixinho. Tudo o que ele fizer e você não gostar, é ignorado.” Após anos de estudos e prática, Cinthya chegou à categoria sênior dos demais treinadores. O tempo também a ajudou a consolidar uma relação de cumplicidade com os animais.  “A gente se comunica por sinais e por gestos. Cada coisa que a gente treina tem um gesto diferente. Mas dependendo da relação que se tem com o animal, dá para se comunicar pelo olhar, toques, brincadeiras... Às vezes eu olho para o meu golfinho e ele já sabe o que eu quero. É bem mágico trabalhar com eles”, diz encantada.   Embora os cetáceos e mamíferos do parque sejam animais com longa expectativa de vida, para Cinthya o mais difícil da profissão é quando um dos bichos morre.  “Estou trabalhando de novo com os golfinhos. Eu já trabalhei com foca, com leão marinho e é muito complicado quando a gente perde um animal, você perde um dos seus, essa é a parte mais complicada da profissão”, pontua. Críticas dos defensores de animais Além das centenas de pessoas que visitam diariamente o parque, ativistas de direitos dos animais costumam protestar nas imediações do local pedindo a libertação dos residentes do Miami Seaquarium. Lolita, a orca e principal atração, foi protagonista de um documentário no qual ativistas pedem que ela seja reintroduzida na natureza. Eles afirmam que ela recebe treinamentos cruéis. Mesmo com tantos cuidados e a intensa dedicação aos animais, Cinthya vez ou outra recebe críticas, as quais rebate.  “As pessoas julgam muito essa profissão dizendo que os animais não deveriam estar sob cuidados de humanos e que o bicho não deveria morar em uma piscina. Eu até entendo. Não deveriam tirar um bicho da natureza para colocar em parque para entreter humanos. Mas esses animais são todos nascidos lá (no aquário). Eu digo: eles não saberiam viver na natureza. A interação humana é o que eles sabem. Eles buscam a atenção humana. São totalmente diferentes dos animais que estão na natureza. As coisas na natureza também não estão nada bem. Acho que tendo esses animais para o público ajuda na preservação, afinal as pessoas só cuidam do que conhecem. Conhecer esses animais é fundamental para proteger a natureza.” No dia 12 de setembro passado, cerca de 1.400 golfinhos-de-cara-branca foram mortos nas Ilhas Faroe, território autônomo do Reino da Dinamarca, sob a alegação das autoridades locais que a matança fazia parte da tradição local. A ação foi duramente criticada por defensores dos animais, que denunciaram a forma como o cruel abate foi orquestrado.  Na opinião da brasileira, a matança de centenas desses animais, que estão “sob ameaça”, demonstra que nem na natureza os bichos estão a salvo. “Eu recebo muitas críticas com o que trabalho. Mas ninguém olha para a realidade do mundo. Eles (os críticos) não têm ideia de quão bem tratados são nos nossos animais”, conclui.

    Brasil-América Latina - Como o Reino do Brasil ajudou na Independência da Argentina e do Chile há 200 anos

    Play Episode Listen Later Aug 7, 2021 4:51


    Em 1821, o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves foi o primeiro a reconhecer a Independência das Províncias Unidas do Rio da Prata, atual Argentina, e também do Chile. O reconhecimento internacional era um aval fundamental para que os novos países pudessem consolidar o processo de libertação. Porém, mais do que Portugal, o projeto de reconhecimento dos novos vizinhos era um interesse do Reino do Brasil. Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires O crucial reconhecimento das independências da Argentina e do Chile está completando 200 anos, tendo os dois vizinhos o mesmo patrocinador desse passo que abriu o caminho para a legitimação internacional do processo: o então Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Mas, dos três reinos, foi o do Brasil o grande interessado e impulsor da decisão. "O reconhecimento da Independência por parte do Reino de Portugal e do Brasil abriu um caminho importante para outros reconhecimentos posteriores. Foi o primeiro passo", indica à RFI o historiador Roberto Azaretto, apontando o exemplo seguido pelos Estados Unidos em 1822 e pela Grã-Bretanha em 1825. Posteriormente, será a Argentina a primeira a também reconhecer a Independência do Reino do Brasil e a formação do novo Império.  "O passo que o Reino de Portugal e do Brasil deram foi importante para a consolidação do processo de Independência porque foi o primeiro de um reino importante com influência no Rio da Prata e na Europa. Teve um efeito político forte", acrescenta à RFI o historiador Guillermo Cao. Os dois novos países tinham declarado as suas Independências anos antes num frágil processo que requeria de legitimação internacional para evitar uma reconquista por parte da Espanha. No caso do Chile, a Espanha chegou mesmo a reconquistar o território por um breve período. Já as Províncias Unidas do Rio da Prata ou Províncias Unidas do Sul, a situação não era menos frágil. Em 1820, disputas de poder entre as províncias no Rio da Prata tinham levado a região a uma guerra civil. O Governo de Buenos Aires tinha a representação das Relações Exteriores, mas disputava o poder com as demais províncias. O reconhecimento, portanto, teve um efeito internacional, mas também interno, ajudando a consolidar o poder de Buenos Aires. O nome Argentina surgiria, como alternativa, seis anos depois, mas só se consolidaria 50 anos depois. Presença no Brasil permitia proximidade O Brasil tinha sido elevado à categoria de Reino em 1815. Possuía bandeira e armas próprias. O Rio de Janeiro era a capital do Império, de onde o Rei D. João VI percebia que os movimentos de Independência na vizinhança eram irreversíveis. A Revolução Liberal do Porto, em 1820, exigia a volta do Rei a Portugal e o estabelecimento de uma monarquia constitucional. Antes de partir, D. João VI preparou o terreno para os interesses do Brasil na região. "A Casa de Bragança no Rio de Janeiro percebeu a importância do processo que acontecia no Rio da Prata. Era uma Corte europeia, mas, ao estar no Rio de Janeiro, tinha uma percepção mais próxima do que acontecia no continente. O Reino Unido de Portugal e Brasil viu que o processo de Independência era irreversível e que precisava inserir o Brasil na América, vincular-se com os países que estavam surgindo. Precisavam que o Brasil, já incorporado ao Reino, se vinculasse com essa nova geografia política que surgia", explica Roberto Azaretto. No dia 26 de abril de 1821, o Rei D. João VI retornou a Portugal, depois de 13 anos no Brasil. Dez dias antes, o então ministro dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, Silvestre Pinheiro Ferreira, escreveu uma carta, por parte do Rei, na qual reconhecia a Independência das Províncias Unidas do Rio da Prata. Na carta, Pinheiro Ferreira anuncia que "Sua Majestade Fidelíssima não hesitará em reconhecer a independência dos Estados vizinhos ao Reino do Brasil que forem estabelecidos, instalados e obedecidos pelos seus respectivos povos". "O Rei sempre quis manter relações estreitas com os povos vizinhos ao Reino do Brasil", escreveu o ministro português, destacando que "as Províncias de Buenos Aires ocupavam, incontestavelmente, o primeiro lugar". A carta foi entregue no Rio de Janeiro ao então designado cônsul agente mercantil em Buenos Aires, o comerciante português João Manuel de Figueiredo. No dia 28 de julho de 1821, Figueiredo apresentou-se em Buenos Aires ao então ministro de Governo e Relações Exteriores, Bernardino Rivadavia, que, em 1826, seria o primeiro presidente constitucional das Províncias Unidas do Rio da Prata. A carta de "Reconhecimento da Independência por parte de Sua Majestade Fidelíssima o Rei de Portugal D. João VI" causou comoção naquela Buenos Aires de 50 mil pessoas, das quais 8,5% eram portugueses, muitos vindos do Reino do Brasil. Duas semanas depois, no dia 11 de agosto de 1821, Figueiredo também entregaria o reconhecimento ao representante diplomático do Chile. Projeto brasileiro Para o historiador argentino, Guillermo Cao, embora essa seja uma história administrada pela Corte portuguesa, o reconhecimento da Independência era um projeto brasileiro. A província Cisplatina, atual Uruguai, tinha sido ocupada pelas tropas luso-brasileiras entre 1817 e 1820. Com a partida de D. João VI a Portugal, o conflito precisava ser resolvido pelo Reino do Brasil. "Os Reinos de Portugal e do Brasil unidos foram os primeiros a reconhecerem a Independência da atual Argentina, mas o interesse foi mais pelo lado do Reino do Brasil do que pelo lado do Reino de Portugal. Esse reconhecimento é mais um projeto brasileiro devido a sua necessidade de expansão territorial, especialmente sobre o atual Uruguai", aponta Guillermo Cao. "O reconhecimento da Independência da Argentina obedece a uma pressão da elite brasileira ao redor de Pedro que queria consolidar um domínio sobre o estuário do Rio da Prata e era preciso resolver esse conflito", sublinha. Influência na Independência do Brasil Para o historiador Roberto Azaretto, esses reconhecimentos das Independências de Argentina e Chile terão influência um ano depois na Independência do próprio Brasil. Até então, como reino independente e única monarquia no continente americano, o processo brasileiro era diferente do vivido pela América hispânica. Porém, em 1822, quando D. João VI quis recuar o Reino do Brasil ao anterior status de colônia, os exemplos de Independência na região ajudaram a elite brasileira a articular um movimento com Pedro, quem, no dia 12 de outubro de 1822, tornou-se D. Pedro I, o Imperador do Brasil Foi a aclamação de D. Pedro I como imperador -e não "o grito da Independência" de 7 de setembro- a ruptura formal com Portugal. "Sem dúvida, os brasileiros que estavam no Reino do Brasil foram influenciados por esses processos de Independência na atual Argentina e no Chile. Era mais um elemento que provava ser possível declarar a Independência. Além do mais, os brasileiros já tinham consciência do que representavam: um imenso território com riquezas", compara Roberto Azaretto. O histórico mandato de João Manuel de Figueiredo Ainda naqueles dias de 200 anos atrás, João Manuel de Figueiredo, quem veio do Rio de Janeiro para ser cônsul em Buenos Aires, faleceu repentinamente no dia 21 de agosto de 1821, apenas dez dias depois de formalizar o reconhecimento à Independência do Chile. O seu mandato como cônsul, portanto, durou apenas três semanas. No dia 29 de julho, dia seguinte ao reconhecimento da Independência da Argentina, Figueiredo participou do funeral do General Manuel Belgrano, autor da bandeira argentina e quem, em conjunto com o general San Martín, é o máximo herói da Independência de 1816. No dia 12 de agosto, participou na inauguração da Universidade de Buenos Aires. Nove dias depois, morreu de forma repentina na sua casa, a 300 metros do convento de Santo Domingo, onde permanece sepultado, justamente ao lado do general Manuel Belgrano. "É incrível o que ele fez a partir de 28 de julho de 1821, após a sua apresentação formal de credenciais. Em apenas três semanas, passou à história e, com isso, à imortalidade", ressalta o historiador Guillermo Cao.   Retribuição argentina Outra prova de que o reconhecimento das Independências dos novos países era mais um projeto brasileiro do que português é a continuação desta história. Em maio de 1822, quem assumiu o cargo vago pelo óbito de João Manuel de Figueiredo foi Antonio Manuel Correa da Câmara, enviado do Rio de Janeiro para representar o Reino do Brasil em Buenos Aires -já não o Reino de Portugal. As credenciais foram apresentadas ao mesmo ministro das Relações Exteriores, Bernardino Rivadavia, em 1º de agosto de 1822. No ano seguinte, em junho de 1823, será o ministro Rivadavia quem vai oficializar o reconhecimento das Províncias Unidas do Rio da Prata à Independência do Brasil, mas essa será uma história a ser contada dentro de dois anos, no bicentenário do primeiro reconhecimento internacional ao Império do Brasil.

    Brasil-América Latina - Brasileiras usam excedente de soja para melhorar nutrição na Bolívia

    Play Episode Listen Later Jul 17, 2021 11:13


    A Bolívia está entre os dez maiores produtores mundiais de soja. Mas também ainda é um país carente de recursos, onde parte da população não tem acesso à alimentação adequada. Inspiradas em fazer a diferença, as empresárias brasileiras Flavia Cabral e Karina Cabral criaram há mais de 18 anos a Fundação Soya y Vida, radicada no departamento de Santa Cruz, no sudeste boliviano. Por Elianah Jorge, correspondente da RFI na América Latina Com este trabalho social elas apoiam mais de 5.000 pessoas por ano com doações de soja e de produtos derivados da oleaginosa. Marina Cabral, filha de uma das fundadoras e que também ajuda a levar adiante este sonho feito realidade, dá detalhes: “Esse projeto surgiu quando as pessoas que fizeram a Fundação reconheceram a baixa nutrição das pessoas aqui na Bolívia. Pelo fato de a carne ser uma comida um pouco mais cara e a soja ser um grão com muita produção em território boliviano, principalmente aqui em Santa Cruz, ela é barata e tem bastante proteína”, conta. “Então, em vez da pessoa comprar a carne, que é cara, ou então ela dar a soja para o porco comer e depois comer a carne do porco, ela pode consumir a soja diretamente e assim melhorar o consumo de proteína. E de uma forma que não é preciso gastar tanto para ter acesso à nutrição um pouco mais barata”, explica. Programa brasileiro Foi graças a um programa colocado em prática na década dos anos 1980 pela Embrapa, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, vinculada ao Ministério da Agricultura, que as Cabral decidiram fazer a diferença na terra que as recebeu, explica Flávia.  “A gente veio do Brasil e lá tem um trabalho muito interessante da Embrapa em eles se preocupavam em aproveitar os benefícios nutricionais da soja na alimentação. Chegando aqui, em conversa com as amigas, falamos sobre fazer alguma coisa. Começamos aos poucos com essas amigas. Os amigos que acreditavam na gente iam doando e assim íamos fazendo, e tudo foi crescendo.” Seis anos após o início do projeto, as integrantes da família Cabral perceberam que o programa ganhava maior dimensão, parte delas graças às doações de voluntários. Era preciso ampliar e formalizar a estrutura, conta Flávia.  “Percebemos que para entrar em empresas para que elas fizessem doações - muita gente queria doar-, mas não tínhamos documentação. Então formalizamos a Fundação e fizemos tudo. Hoje em dia a gente recebe doações de multinacionais. O negócio cresceu muito mais do que a gente esperava”, continua.    Na Fundação boa parte dos membros ativos são brasileiros, perfil similar ao dos produtores de soja na Bolívia: muitos chegaram do Brasil, mas há também bolivianos e argentinos. Entre os maiores produtores mundiais A terra e o clima tropical do sudeste boliviano favorecem a produção da oleaginosa. No departamento de Santa Cruz estão 90% das plantações de soja do país. Essa característica posiciona a Bolívia entre os dez maiores produtores mundiais de soja. Na região sul-americana, o país andino ocupa a quarta posição entre os semeadores do grão. A safra anual da soja gira em torno de 2,7 milhões de toneladas. Desse volume, 60% são exportados. A produção da soja gera mais de 110 mil empregos diretos e indiretos, e representa cerca de 6% do Produto Interno Bruto boliviano. As integrantes da família Cabral estão entre os mais de 14 mil produtores de soja radicados em Santa Cruz. Com o excedente da colheita a Fundação Soya y Vida, apoiada por outros produtores, faz a diferença nas mesas bolivianas. “A Soya y Vida atende a mais de 5.000 pessoas, entre orfanato de crianças e adolescentes, hospitais, clubes de mães (que é algo onde mães do mesmo bairro se unem para a ajuda mútua), asilos, centros para pessoas com necessidades especiais... Então são mais de 12 toneladas de alimentos, seja em forma de leite, soja em grão ou em purê, e em 18 municípios diferentes”, enumera Marina, que é filha de Flávia. O foco da Fundação Soya y Vida é melhorar a qualidade de vida da população carente através do consumo da soja. Para isso, se baseia em quatro pilares, explica Marina: “A primeiro é a produção do leite de soja e do purê; a outra é a distribuição do purê, do leite e do grão; também ensinamos a usar a soja. O último é fazer o acompanhamento para saber se eles estão gostando e se estão usando (a soja) corretamente”. Alto valor proteico A soja tem alto valor proteico. De acordo com o Instituto Boliviano da Soja (IBS), o consumo de 100 gramas satisfaz cerca de 80% das necessitadas diárias de proteína.    De acordo com o Unicef, a desnutrição aguda na Bolívia é inferior a 5% da população, mas este número pode variar motivado pela crise alimentar ocasionada pela pandemia da covid-19. “Pegamos essa soja, a transformamos no leite de soja e também usamos o resíduo após a extração do leite - que é tipo um purê de soja - e o doamos a pessoas de baixos recursos. Às vezes doamos o grão, às vezes o leite e o purê. Além disso oferecemos aulas de culinária para ensiná-los a introduzir a soja na alimentação diária, já que não é algo que se saiba consumir. Ensinamos a usar a soja para aportar mais proteína (na alimentação) dessas pessoas”, enumera Marina. De acordo com dados do PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - até 2019 cerca de 37,2% da população boliviana vivia na pobreza. As ações da Fundação Soya y Vida acontecem sobretudo em regiões carentes de Santa Cruz de la Sierra, cidade que é considerada a capital econômica da Bolívia.   “A gente ajuda sem distinção. Nosso objetivo e, doando a soja, melhorar a nutrição das pessoas. Porque, inclusive, a gente sabe que quanto menos instrução a pessoa tem, menos condição de fazer uma alimentação adequada”, cita Flávia.    A Soya y Vida conta com o reforço de peso de outros produtores da região. É graças a doações de toneladas de soja, feitas após a colheita anual de março, e aos aportes feitos em dinheiro que a Fundação leva adiante o plano de alimentação. Flavia explica que “os doadores depositam ou em soja ou em dinheiro". "A gente precisa que a máquina (de moer a soja) funcione, a gente tem que pagar funcionários, impostos e todo esse tipo de coisas que custa: luz, água e etc. Então alguns pagam em grãos e outros pagam em dinheiro”. Há pouco tempo a Soya y Vida passou a ser um braço da Associação dos Produtores de Oleaginosas, a Anapo. Por meio dessa parceria a Fundação consegue reduzir custos e armazenar em silos as toneladas de soja doadas. “Nessa associação, a gente tem a nossa cozinha escola dentro de um dos silos da Anapo. Então quem doa em grãos envia para a associação onde temos a câmara fria para guardar a semente. Para o grão durar um ano, sem bichos, eles (a associação) têm toda essa estrutura de armazenamento para a gente puder fazer as doações”, detalha a fundadora.    Além da proteína, a soja tem alto teor de ferro, cálcio, zinco, potássio e vitamina E, o que demonstra o aporte nutricional do grão na alimentação. Para incentivar o consumo, sabendo que muitos ainda desconhecem o benefício da oleaginosa, Flavia descreve o que motiva as ações da Fundação:  “A nossa preocupação é introduzir a soja na receita da senhorinha que cozinha. Ela vai fazer a sopinha então a gente orienta: põe um pouquinho de soja que você está pondo proteína e melhorando a sua alimentação. Essa era a nossa preocupação. Aliás, sempre foi”.

    Brasil-América Latina - Brasileiros contam as dificuldades de morar na Colômbia, país palco de violentos protestos

    Play Episode Listen Later May 22, 2021 8:09


    “Aqui na Colômbia não existem direitos. O colombiano sempre abaixa a cabeça para tudo, mas agora não. Eles levantaram a cabeça e não abaixam mais. Eles querem brigar pelos seus direitos, pela reforma tributária e eles vão até o fim, com isso eu estou de acordo, mas não concordo com o vandalismo que está prejudicando a todos”. Por Elianah Jorge , correspondente da RFI As palavras da potiguar Micarla de Almeida apontam o que motivou milhares de pessoas a ocupar as ruas da Colômbia nas últimas semanas - apesar da pandemia da Covid-19. O estopim dos protestos foi o aumento de impostos proposto pelo presidente Iván Duque. A medida despertou a ira popular.  Quem também mora na capital Bogotá é o paulistano Mauricio Troncoso. Ele dá detalhes sobre a abrangência das mudanças que incentivaram as manifestações. “Dessa vez começou com o motivo da reforma tributária. O governo queria colocar um imposto de 19% sobre o combustível, serviços básicos de água e de luz. Esse imposto geraria várias consequências no dia a dia da população. Esse projeto já caiu, mas há outras reformas na área da saúde e das aposentadorias. Os protestos continuam para tentar vetar esses outros projetos”.    A economia desse país de 50 milhões de habitantes - e que faz fronteira com o Brasil – foi gravemente afetada pela pandemia. Em apenas um ano o número de pobres passou de 35,7% para 42,5%, em grande parte alavancado pela ausência de políticas estatais aos mais carentes. Explica Micarla: “Subsídio do governo isso não existe. Quem diz que recebe subsídio aqui na Colômbia está mentindo”. Sem encontrar apoio no governo, restou ao povo protestar nas ruas, enfrentar o fantasma invisível da pandemia e as truculentas forças de segurança estatais. Estas, por sua vez, respondem com fogo contra manifestantes que atacam com pedras e outros artefatos improvisados.  Vários países, entre eles os Estados Unidos, e organismos internacionais vêm lançando alertas ao governo colombiano contra a violência a civis. A Anistia Internacional pediu o fim da ajuda militar dos Estados Unidos ao governo colombiano após a escala de mortos nos protestos.  Mauricio prefere não ir aos protestos.      “A polícia revidou de uma maneira ainda mais violenta, usando armas de fogo. Pessoas desapareceram, pessoas morreram. Então os manifestantes reagem com mais força. Há um sentimento de indignação”.    Desde o começo das manifestações, em 28 de abril, pelo menos 43 pessoas morreram, a maioria civis; e cerca de 1.700 ficaram feridas. .  A violência desatada nos protestos intimida Micarla:  “O colombiano abriu os olhos, mas não é quebrando, destruindo as coisas. A insegurança está imensa. Eu já tinha trauma de sair sozinha, agora eu praticamente não saio”. Mauricio é terapeuta e continuou trabalhando, seja online ou presencialmente. A tensão motivada pelos protestos tem sido tema das consultas: “Os meus pacientes todos se sentiram afetados. Você sai à rua e tem gente morrendo, tem gás lacrimogêneo... O ponto do ônibus está destruído ou a pessoa não tem como chegar em casa porque há um protesto. O clima de insegurança é alto nesses dias”.      A empresa onde Micarla trabalhava, no ramo de aviação, mudou as políticas internas. Em vez do salário mensal, os funcionários trabalhariam por hora e precisariam arcar com custos de transporte e alimentação no horário de trabalho. Não valia a pena, explicou a brasileira. Para ajudar nas contas, ela começou a vender cestas de café da manhã. A princípio se deparou com a imposição da quarentena radical, e agora, com as vias bloqueadas pelos protestos.  “Como vamos conseguir nos manter se o governo não ajuda? (A conta dos) serviços e do aluguel vão chegar para pagar. Tem fralda, tem supermercado, como a gente vai se manter se não tem de onde tirar? O pouco que estávamos conseguindo fazer (de dinheiro) o governo não deixa sair por causa da quarentena total”. Na Colômbia o custo de vida é alto. O salário mínimo é equivalente a R$1.200. Em marco deste ano a inflação chegou a 0,51%. Para ter uma boa qualidade de vida é preciso ganhar alguns salários mínimos, realidade distante para boa parte da população.  O terapeuta paulista explica que no começo da pandemia os vários dias de confinamento obrigatório ajudaram a manter em baixa os casos de Covid. No entanto, agora com milhares de pessoas protestando nas ruas o cenário deve mudar, conta Mauricio: “Aqui em Bogotá nas primeiras semanas não se podia sair de casa; se a polícia te pegasse na rua multava, então foi bem fechado. Até hoje bares e lugares noturnos estão fechados. Todos estão preocupados com esses protestos. Daqui a duas semanas a coisa piora. A notícia que eu tive foi de que os leitos hospitalares na capital estão quase 100% ocupados”. Desde o começo dos protestos, a curva de contágio começou a subir. Até o momento, mais de três milhões de casos da Covid-19 foram registrados na Colômbia. Cerca de 83 mil morreram em decorrência do vírus.  A vacinação também está longe de beneficiar grande parte da população. Com problemas cardíacos, Micarla teria prioridade em receber a imunização. Ao acessar a página do programa nacional Mi Vacuna (Mi Vacina) os dados dela não aparecem no sistema.  Pelas redes sociais são inúmeras as denúncias de fraude e ilegalidades na campanha colombiana de vacinação. Na Colômbia não existe sistema público de saúde. Lá cada cidadão tem de ter o próprio seguro médico. Esse é outro fator que motiva os protestos.  “A gente não tem um sistema público de saúde. Não é como funciona no Brasil. Aqui você é obrigado a ter um plano de saúde. É preciso escolher entre as poucas empresas de seguro médico para se afiliar”.   Convocação pelas redes sociais  É através das redes sociais que a população fica sabendo da data dos protestos. Nesses dias, é complicado transitar nas principais cidades do país, sobretudo em Bogotá e Medellín.  Mas é em Cali, na costa do Pacífico, que a situação é ainda mais grave. Civis com armas de fogo agrediram manifestantes, uma demonstração da divergência econômico-cultural que aumenta a tensão naquela região da Colômbia.  Com as estradas bloqueadas, o desabastecimento já é uma realidade. Alguns comércios racionam a quantidade de produtos por cliente. Outros cobram ágio. É o que conta Mauricio: “Aqui em Bogotá não chega um monte de coisa. Fui ao posto de gasolina e não havia gasolina. Fui ao mercado e já não tinha mais ovo. O mercado está ficando desabastecido aqui na cidade”. Na última quinta-feira, o governo de Iván Duque se reuniu pela terceira vez com os organizadores do Comitê da Greve. Ele vem tentando conquistar a população, ou ao menos conter os ânimos com a promessa de dar créditos para a aquisição de casas e a entrada gratuita de jovens nas universidades. Mas os problemas do país são ainda mais profundos e complexos. Eles transitam pelo sistema de aposentadorias, a demanda por uma reforma policial e a melhor implementação do processo de paz.  Tantos fatores de divergência entre governo e população apontam que a crise colombiana tem tudo para se arrastar por um bom tempo.

    Brasil-América Latina - Decadência de "Torres Gêmeas" da Venezuela reflete ascensão e declínio do país, relata brasileira

    Play Episode Listen Later May 9, 2021 5:18


    O complexo urbanístico do Parque Central, localizado no coração de Caracas, é o perfeito retrato da Venezuela de antes e de agora. Quando foi inaugurado, em 1983, os edifícios e o país eram sinônimos da riqueza e vanguarda de uma potência petroleira. Agora, esta que foi a estrutura urbana mais famosa da América Latina continua sendo o símbolo do país – ambos empobrecidos, sucateados e maltratados. É lá que, há 30 anos, mora a comerciante paraense Imara Santos. “No Brasil, a coisa estava difícil e quando cheguei aqui encontrei um país próspero. Com um salário mínimo venezuelano, dava para fazer compras, pagar aluguel e ainda sobrava para comprar presentes. Não era milagre, era a moeda [bolívar] que tinha força", relembra.  Dados de 1990, um ano antes da chegada do Imara ao país, apontam que a Venezuela era a quarta economia da região. O Produto Interno Bruto (PIB) chegava a US$ 48 bilhões e o salário mínimo era equivalente a U$148,20. A pobreza extrema não passava de 23,18%. A brasileira é uma das quase 15 mil pessoas que moram no complexo composto por oito edifícios residenciais e dois prédios empresariais, de 225 metros cada um, conhecidos como as Torres Gêmeas de Caracas. Até 2003 elas ocuparam o primeiro lugar na lista de arranha-céus mais altos da América Latina. Atualmente estão em 27° e 28° lugares neste ranking – uma queda similar à da economia venezuelana, se comparada a dos demais países.  40 mil pessoas por dia O Complexo do Parque Central se assemelha a uma cidade dentro da cidade. Além da excelente localização em uma nevrálgica área da capital venezuelana, o Complexo abriga museus, cinemas, teatros, dezenas de estabelecimentos comerciais, entre eles supermercados, e a estação Parque Central do metrô caraquenho. Lá também funcionam ministérios e organismos estatais. Antes da pandemia, cerca de 40 mil pessoas circulavam diariamente por ali. “Isso era um mundo, uma cidade para mim. Tudo era um luxo, luxo total. As ascensoristas pareciam aeromoças lindas, impecáveis, perfeitas. Tudo (aqui) funcionava perfeito.”      Não é à toa que a brasileira usa o verbo no passado. O Parque Central já era. Hoje em dia, é sinônimo de deterioração, adjetivo que pode ser aplicado também para descrever o país. Em 1998, o PIB venezuelano conseguiu se manter dentro das cinco maiores economias da região. Mas em 2011 foi o último ano em que a economia da Venezuela cresceu, atingindo um PIB de US$ 334 bilhões. Depois, só decaiu, culminando em 2018, quando a crise fez desaparecer 44% das riquezas nacionais. A pobreza disparou e os casos de desnutrição começaram a aumentar.   "Caindo aos pedaços" A falta de manutenção transformou para pior o Parque Central. Similar ao que acontece em boa parte de Caracas, lá o fornecimento de água encanada é deficiente. As infiltrações formam poças nos corredores planos, e cascatas nas escadas. Nos edifícios residenciais, empresariais e nas galerias comerciais, falta iluminação adequada. “O Parque Central está caindo aos pedaços. Tem todo tipo de problema. O condomínio é barato, mas não funciona. Está tudo destruído. Tudo! É uma coisa muito triste, um verdadeiro caos", lamenta a moradora brasileira. "Não é nem sombra do que foi.” Atualmente o Complexo do Parque Central faz lembrar o filme “Mad Max”, produção australiana exibida em 1980 no Brasil, que mostra um território abandonado à própria sorte. Não é raro o surgimento de focos de incêndio nas estruturas do complexo. Em 2004 o fogo consumiu um terço de uma das Torres Gêmeas. Pelo menos dez andares da Torre Leste, onde funcionavam ministérios e organismos estatais, ficaram completamente destruídos. Apesar das 15 horas de labaredas, a estrutura conseguiu se manter de pé. Já em 2013, foi a vez da Torre Oeste sofrer um incêndio, de menores proporções. Perigo Nos prédios comerciais e residenciais, boa parte das escadas rolantes e dos elevadores não funcionam. É preciso transitar pelas escadarias. No entanto, o roubo de lâmpadas e de fios, além dos constantes apagões que acontecem na capital do país, transformaram o lugar em um escuro labirinto. No complexo, funciona uma unidade da Polícia Nacional Bolivariana e das Forças de Ações Especiais (FAES) –mas a presença deles não freia a criminalidade. Pelas redes sociais circulam denúncias e alertas de crimes e de situações arbitrárias que acontecem nos corredores e nos estacionamentos subterrâneos do Parque Central. Muitas pessoas evitam transitar desacompanhadas pelo local. “Tem muito assalto aqui. As pessoas não podem sair muito. Não podem chegar em determinada hora. É um salve-se quem puder”, indica Imara.      O governo bolivariano criou, em 2013, a Corporação do Distrito Capital, a Corpocapital, para gestionar o urbanismo em determinados lugares de Caracas, incluindo o Complexo do Parque Central. Com a justificativa de melhorar a infraestrutura do lugar, o organismo tenta arrecadar taxas, mas se depara com o empobrecimento da população. De acordo com a moradora, a “Corpocapital quer cobrar cinco dólares por apartamento, além de sete meses retroativos. Isso dá US$ 35”. “Quem pode ficar assim?” “Não tem sentido uma coisa dessas. A maioria das pessoas que mora aqui não são aqueles milionários de antes. São pessoas que estão recebendo uma pensão de dois dólares”, critica a brasileira. No Dia do Trabalhador, o presidente Nicolás Maduro subiu o salário mínimo de 1.800.000 bolívares para sete milhões de bolívares, o equivalente a cerca de US$ 2,40. Sem reconhecer o país onde passou momentos felizes e prósperos, a brasileira decidiu fazer o caminho inverso ao traçado três décadas atrás. “Penso ir embora, de volta ao Brasil, porque aqui está tudo muito difícil. O dinheiro não dá para nada. Você trabalha para viver o dia. Não tem direito a comprar mais nada, só a comida. Quem pode ficar assim?”, desabafa.

    Brasil-América Latina - Brasileiro cria projeto de aulas presenciais para alunos carentes na Bolívia

    Play Episode Listen Later Feb 20, 2021 6:04


    Para ajudar os alunos de áreas carentes de Santa Cruz de la Sierra, a maior cidade da Bolívia, o professor brasileiro João Veríssimo criou, junto com a empreendedora Mónica Flores, o projeto Aula 4x4. Para evitar a propagação da covid-19, as aulas de matemática e línguas, para alunos do ensino fundamental, são dadas em espaços abertos nas comunidades. Por Elianah Jorge, correspondente da RFI  O professor brasileiro aplica um protocolo sanitário rígido em suas aulas. O uso de máscara é obrigatório, a distância entre alunos e voluntários deve ser respeitada e todos devem levar álcool em gel para participar das aulas. "São grupos de no máximo quatro pessoas, sentadas em um quadrado imaginário, com um metro de distância entre cada uma”, explica João Veríssimo. "As crianças vêm para o encontro, para a Aula 4x4, de uniforme. A grande maioria busca reconstruir este único espaço de socialização que eles têm.” A iniciativa representa um alívio para as famílias, diz o professor brasileiro. “A maioria conta com esse projeto para manter os filhos, não apenas com um nível mínimo de aprendizagem, mas também ocupados. Todas as crianças e jovens deste país, no sistema público, passavam o dia sem nada para fazer, até o ano passado”, lembra. As doações são fundamentais para a continuidade do projeto. “Todo o material que precisamos foi doado. Fizemos uma divulgação nas nossas redes sociais e alguns grupos se prontificaram a doar dinheiro ou material. Com o dinheiro compramos os quadros”, explica. O Aula 4x4 foi implantado em dois bairros de Santa Cruz de la Sierra e já conta com pelo menos 60 estudantes, mas começa a se expandir. "Temos um terceiro bairro que demonstrou interesse e que agora, neste mês, iniciará os primeiros contatos para levar o projeto", detalha o professor. A ideia agora é levar o projeto para as universidades. “Temos planos de nos associarmos a universidades para trabalhar com estudantes dos centros de pedagogia e psicopedagogia das universidades e dos centros de formação de professores da Bolívia.” Apoio das comunidades O apoio de moradores das comunidades também é fundamental. São eles que literalmente abrem os pátios e quintais de suas casas, explica João Veríssimo. “Alguns não tem um pátio onde podem receber um grupo de até quatro pessoas, então pede emprestado o pátio do vizinho ou de algum outro participante do projeto que more perto”. Outro cuidado levado em conta na organização do Aula 4x4 é a restrição de circulação de pessoas alheias à comunidade. "Os facilitadores precisam ser do bairro para que na comunidade não entre gente de fora e aumente o risco de contaminação", explica. "Essa logística interna é algo que precisa ser bem pensada. As soluções são sempre encontradas pelos moradores. Levamos a ideia, pais e mães de família, e às vezes também as crianças, têm os meios paras superar as limitações”, conta. Epidemia paralisou ensino no país Até agora, foram detectados cerca de 239 mil de casos da covid-19 na Bolívia. Mais de onze mil pessoas morreram no país. Diante do avanço da pandemia, o governo provisório de Jeanine Áñez, que terminou em novembro de 2020, encerrou o ano letivo no primeiro semestre do ano passado. “O país não conseguiu estabelecer neste período nenhum modelo educativo e decidiu aprovar automaticamente todos os alunos”. As instituições de ensino continuam fechadas no país. Apenas nas cidades pequenas, com menor risco de contágio, os alunos conseguem ter aulas presenciais. Com a chegada do atual presidente da Bolívia, Luis Arce, ao poder, em novembro, a situação melhorou, diz o professor brasileiro. Em fevereiro, o governo instaurou um modelo de educação à distância por rádio, televisão e redes sociais, beneficiando os quase três milhões de estudantes inscritos nos ensinos fundamental e médio. O brasileiro explica que a iniciativa das aulas virtuais esbarra na falta de infraestrutura da Bolívia, beneficiando as classes mais altas. “A maioria da população não tem acesso a internet de qualidade. Mesmo em centros urbanos, a energia elétrica não chega em algumas regiões periféricas. Nem todas as casas possuem internet ou smartphones”. A organização We Are Social avaliou que 65% da população boliviana utiliza a Internet. De acordo com um levantamento divulgado pelo Banco Mundial, no ano de 2018, a energia elétrica chegava a cerca de 95,6% de toda a Bolívia. Para apoiar o ensino virtual, voluntários de outros projetos captam e consertam computadores e celulares inteligentes, que em seguida são doados a estudantes de áreas carentes. Dados publicados pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) mostram que, em 2020, a pobreza na Bolívia afetaria 16,8% da população, o equivalente a 453 mil bolivianos. O motivo é o impacto provocado pelo coronavírus na economia do país. Baixo desempenho educativo Um relatório divulgado recentemente pela Unesco mostra que a Bolívia ocupa um dos últimos lugares da América Latina no ranking do desempenho educativo. Mais da metade dos estudantes bolivianos estão atrasados em comparação aos estudantes de outros países da região. 

    Brasil-América Latina - Documentário sobre Venezuela coproduzido por brasileira está na disputa pelo Oscar

    Play Episode Listen Later Feb 6, 2021 4:53


    O cenário é uma comunidade de palafitas às margens de um lago poluído por petróleo. As personagens são os moradores do lugar, que têm um cotidiano atrelado à uma disputa política. Esse é o pano de fundo do documentário “Era uma vez na Venezuela, Congo Mirador”, da diretora Anabel Rodríguez. A coprodução do filme, que concorre em duas categorias entre os pré-candidatos ao Oscar, está a brasileira Malu Campos, que conversou com a RFI.   Por Elianah Jorge, correspondente da RFI na Venezuela “O documentário emociona tanto quanto um filme de ficção. Consegue com muito equilíbrio mostrar os dilemas e as mazelas enfrentadas pela comunidade: a degradação da natureza, o cotidiano dos moradores... Uma das cenas mais marcantes para mim é quando as crianças limpam o petróleo do corpo após uma tarde de brincadeiras na água. Tudo isso ela mostra com espaços, com respiro e muita poesia”, descreve Malu Campos. A obra compartilha com o público de forma sutil e ao mesmo tempo impactante, a vida dos moradores do Congo Mirador, um lugar que parece saído de uma ficção. Inicialmente, eram centenas de casas móveis, instaladas nas águas do Lago de Maracaibo.  Até pouco tempo, deste local da Venezuela eram extraídos diariamente milhares de barris de petróleo. Hoje em dia, a jazida petrolífera derrama o óleo bruto nas águas, agora contaminadas.  Com poluição e sem saneamento básico, os moradores do Congo veem no assoreamento mais um motivo para transportar suas casas, com o auxílio de embarcações, rumo a destinos melhores.  Para a realização do documentário, a equipe gravou mais 400 horas de imagens durante cinco anos de filmagens. A gravação registrou desde o desenvolvimento das crianças, até a deterioração do vilarejo, passando pela realização das eleições anuais no país comandado por Nicolás Maduro.  Cerca de 700 famílias chegaram a morar no Congo Mirador. Não há dados atualizados, mas estima-se que cerca de 30 delas ainda resistem a buscar um melhor destino e continuam no local. Encontro entre diretora venezuelana e produtora brasileira A diretora Anabel descobriu a comunidade de palafitas por acaso. Ela foi filmar o Relâmpago do Catatumbo, fenômeno meteorológico em que se registram mais de um milhão de raios por ano. A atividade, que costuma atrair pesquisadores e documentaristas de todo o mundo, gera 10% do ozônio atmosférico do planeta.  Foi neste momento que a brasileira e a venezuelana se conheceram. Pouco depois, Malu se uniu a Anabel na coprodução do documentário “Era Uma Vez na Venezuela, Congo Mirador”. “Esse fenômeno acontece no Lago de Maracaibo (região leste da Venezuela, perto da fronteira com a Colômbia). Lá a diretora aproveitou para filmar também os contrastes entre a riqueza da indústria petroleira e a pobreza da comunidade”, detalha Malu. O título da obra remete às origens do nome Venezuela: a pequena Veneza, em tradução livre. Assim a região foi chamada por Américo Vespúcio (1454-1512), por volta de 1499. A denominação se popularizou, embora grande parte do território venezuelano nada tenha a ver com a cidade italiana.  A Venezuela empobrecida, imersa em um jogo político e com moradores sofridos, que insistem em sustentar no rosto um genuíno sorriso, foi documentada pela produção em pouco mais de 90 minutos.    O enfoque político da obra ganhou profundidade com a relação que a diretor Anabel construiu com uma das protagonistas do documentário. Com isso, ela teve acesso a figuras do chavismo, geralmente herméticas aos meios de comunicação não estatais, segundo a coprodutora brasileira. “Ela (Anabel) esteve filmando durante cinco anos na comunidade, e terminou desenvolvendo uma amizade muito estreita com a Tamara, seu entorno e os representantes do partido (Socialista Unido da Venezuela), que iam trabalhar com a Tamara. Como representantes do Congo Mirador, eles tiveram a oportunidade de participar de um programa organizado pelo governador da época (o militar na reserva Francisco Árias Cárdenas) para mostrar um pouco do trabalho desses líderes comunitários. A diretora apenas estava atenta para captar aquele momento. Foi muito importante para o filme, eu acho.” Pré-seleção do Oscar A produção contou com um enxuto orçamento de US$ 150 mil. Para participar, no próximo 09 de fevereiro, da pré-seleção do Oscar nas categorias de melhor filme internacional e de melhor documentário foi preciso recorrer ao crowdfunding.  Malu conta que esta “campanha foi fundamental para ajudar a divulgação do filme junto aos representantes da Academia”. Independentemente da nominação ou não ao Oscar, “Era Uma Vez na Venezuela, Congo Mirador” já fez história. Pela primeira vez no cinema venezuelano, um filme de não-ficção foi indicado para participar de duas pré-seleções, nessas categorias, na mais importante premiação do cinema mundial. “A concorrência para o Oscar é enorme, mas (participar da competição) tem sido uma experiência incrível. Estamos tentando estabelecer contatos com a comunidade cinematográfica do mundo. A maioria dos filmes consegue apoio e contrata profissionais especializados para isso (fazer lobby). Estamos fazendo um trabalho de formiguinha, de corpo a corpo, explorando todos os nossos contatos pessoais. Mas no fundo, também com muita esperança e na torcida de que o nosso filme chegue lá”.  O Oscar seria a cereja do bolo para o documentário que já ganhou reconhecimentos mundo afora. Em dezembro passado no Cine Ceará a coprodução Venezuela-Reino Unido-Áustria-Brasil ganhou o prêmio da Crítica de Melhor Longa-Metragem e na categoria de Melhor Roteiro. Malu comemora ter participado de um filme que mostra as entranhas da Venezuela e que ainda pode levar um Oscar: “Para mim foi uma honra colaborar com esse trabalho, essa exposição da opinião real dos venezuelanos sobre o contexto político do país”.    

    Brasil-América Latina - Pioneira do brigadeiro na Venezuela, brasileira vira a rainha do “brigatone”

    Play Episode Listen Later Jan 2, 2021 6:46


    Vivendo em Caracas desde a década de 90, a doceira carioca Mônica Gentil esperava vender apenas trinta “brigatones” neste Natal, mas sua invenção fez um sucesso inesperado entre a clientela venezuelana. Resultado: a brasileira recebeu mais de 80 encomendas da sua invenção: uma mistura de panetone com o tradicional brigadeiro. Elianah Jorge, correspondente da RFI em Caracas “As pessoas aqui gostam de panetone, então por que não fazer um recheado com brigadeiro?”, contou Monica à RFI Brasil. “Quando você corta o panetone tem aquele creme dentro, com um toque brasileiro. As pessoas adoraram. Foi bacana e estou super agradecida com a resposta do venezuelano ao produto”, disse.  A história dela com a Venezuela começou nos Estados Unidos, onde foi estudar na década de 1990. Foi lá que conheceu o namorado venezuelano, que também estudava no país, e decidiram se casar. Em seguida, os dois voltaram para Caracas.      Mônica se tornou confeiteira há 14 anos. Ela queria dedicar mais tempo à família, mas sem deixar de trabalhar. O sucesso com os quitutes feitos para as festas familiares mostrou que o hobby podia virar profissão. “Todo mundo pedia e perguntava: por que você não faz isso para vender? Passei um tempo no Brasil, fiz uns cursos, me especializei e trouxe pra cá o brigadeiro em formato de festa, um pouco mais sofisticado, elaborado. O sucesso foi total”, conta.   Brasileira foi pioneira na venda do brigadeiro na Venezuela Mônica é uma pioneira. Foi ela quem apresentou ao mercado venezuelano, há mais de uma década, o tradicional brigadeiro, antes desconhecido no país. “Ao oferecer o meu produto nas mesas de doces das festas, percebi que ninguém oferecia o brigadeiro. Então foi realmente um sucesso”. No caso da carioca, a clientela foi conquistada, literalmente, no boca a boca. Foi assim que ela chegou a preparar mais de oito mil docinhos para uma única festa. Para quem começou sem maiores pretensões, ter uma extensa agenda de clientes foi uma doce consequência. A inovação é a chave do negócio. “O venezuelano adora novidade e está sempre buscando ser diferente do outro. Daí a importância de eu manter o menu sempre atualizado, trazendo sempre coisas novas dentro das possibilidades que tenho em obter os ingredientes, ou trazendo de fora. A cada dois, três meses tenho sabores novos (para os doces)”. Com o fim da escassez, grande parte dos ingredientes usados no preparo das delícias são obtidos na Venezuela. Isso aconteceu a partir da flexibilização aplicada, no final de 2019, pelo governo de Nicolás Maduro nas políticas de comércio internacional. Mas nem sempre foi assim. Na época da escassez, período entre entre 2013 e 2018, e caracterizado pelas longas filas nas lojas, com prateleiras vazias, ela recorreu à criatividade. Além de “trabalhar com o que ainda existia”, Mônica teve sorte de ter poucos produtos estocados, o que lhe garantiu alguns meses de flexibilidade. Mesmo assim precisou enxugar o menu e dar um jeitinho. “Para atender esses poucos pedidos até leite condensado aqui a gente aprendeu a fazer”.      O tempo passa e a fiel clientela continua fazendo encomendas. Mônica acompanha, desta forma, o crescimento das famílias. “Eu fiz o casamento, depois o batizado dos filhos do casal, em seguida a primeira comunhão. Isso pra mim é super prazeroso”, explica ela sobre a expansão de seu negócio a longo prazo. Crescimento constante   Com a epidemia a quarentena significou uma pausa nos trabalhos da carioca, mas não um freio. Mônica usou o período para aprender ainda mais e divulgar seu trabalho através das redes sociais. “No início da pandemia, quando a gente não podia sair, decidi que era tempo de investir mais em mim, no meu trabalho. Estou sempre estudando e achei que devia investir mais nas redes sociais. Deixei de atualizar minha página na internet e fazer publicidade em revistas e troquei tudo pelo Instagram”, diz.   O resultado do curso veio através da chuva de pedidos de “brigatones”, docinhos e bolos para as festas de fim de ano, além do crescimento de cerca de 40% em seguidores reais. Ficar ou voltar Ficar ou ir embora do país é um tema que sempre vem à mente de Mônica e de sua família. Apesar da complexidade que é viver em um país que enfrenta pelo terceiro ano consecutivo uma hiperinflação, a brasileira reconhece que se tornar referência no mundo dos doces, na Venezuela, é uma trajetória que ajudou a levar ao paladar venezuelano o gostinho do Brasil.  “Foi um começo difícil, em que eu fiz de tudo para oferecer o melhor produto. O resultado está aí: o brigadeiro hoje é super conhecido e o venezuelano ama o brigadeiro”.       

    Brasil-América Latina - Covid-19: epidemia avança no Uruguai e fronteira com o Brasil preocupa governo

    Play Episode Listen Later Nov 28, 2020 3:12


    O avanço da Covid-19 no Brasil é motivo de preocupação para o Uruguai. O país com o melhor desempenho da região no combate ao SARS-Cov-2 é considerado um caso de sucesso, mas a presença de um número cada vez maior de brasileiros na fronteira do país, além de outros fatores, pode desestabilizar a situação. Márcio Resende, correspondente em Buenos Aires A estratégia aplicada no combate à pandemia pelo Uruguai, além de eficaz, é única na região: o pais controla os contágios mesmo dando liberdade total aos seus cidadãos. Mas, apesar da posição invejável que ainda ocupa, o número de casos tem crescido desde setembro e, nas últimas semanas, gerou alerta entre autoridades e especialistas. Com o aumento do perigo no Uruguai, as atenções se voltam para a fronteira com o Brasil, por onde o vírus entra mais fácil a partir das seis cidades binacionais. Essa preocupação com o Brasil é grande, como admite o ministro da Saúde do Uruguai, Daniel Salinas. Em entrevista à RFI Brasil, o ministro define a fronteira com o Brasil como "o calcanhar de Aquiles" do Uruguai. "Essa fronteira é uma preocupação porque, de alguma maneira, gerou quatro surtos. E o último surto não está sob controle. É um desafio enorme e vai continuar sendo. É o grande calcanhar de Aquiles", admite Salinas. O sucesso do Uruguai está baseado na grande capacidade de testes, de rastreamento dos contatos e isolamento. Essa receita de testes apoia-se também num eficiente sistema de Saúde e no apego dos uruguaios às normas. Não foi necessário nenhuma quarentena obrigatória: a população acatou as recomendações dos especialistas. Hoje, tudo está permitido no país. Brasil dispensa ajuda, dizem autoridades O Uruguai interpreta o lado brasileiro da fronteira como cidade uruguaia do ponto de vista da proteção mútua. O governo do Uruguai quer ajudar o lado brasileiro com testes, mas o Brasil tem dispensado a ajuda. "As autoridades sanitárias brasileiras não estão recorrendo às nossas capacidades diagnósticas. Não estão pedindo a ajuda que poderíamos dar nos diagnósticos. Há mais circulação viral do lado brasileiro que do lado uruguaio. Isso é um fato", explica o ministro Daniel Salinas. Das seis cidades binacionais, a principal preocupação é com Santana do Livramento, no Brasil e Rivera, no Uruguai. Para se chegar ao lado uruguaio, basta atravessar a rua. E todos os dias centenas de brasileiros atravessam a rua para compras do lado uruguaio. Nos fins de semana, podem ser até cinco mil pessoas por dia. "Como irmãos que somos, procuramos colaborar o máximo possível e o nosso desafio é esse ponto vermelho na fronteira. A cidade de Rivera, de 93 mil habitantes, tem 2,6% da população uruguaia, mas concentra 26% dos casos do Uruguai. Então, é evidente que existe um problema", exemplifica Salinas. Além da fronteira com o Brasil, as outras duas preocupações do Uruguai incluem o comportamento dos jovens e os casos importados de coronavírus por via aérea, apesar de o país ter decidido manter as fronteiras fechadas para o Turismo, responsável por 8% do PIB uruguaio. "Estamos renunciando ao Turismo. É um sacrifício considerável de divisas para a Economia, mas é necessário porque depois viria um descontrole", afirma Salinas, baseando-se na experiência europeia com as férias de verão. "Atualmente, cerca de 30% dos casos de coronavírus no Uruguai são de pessoas que estão isoladas em casa, mas assintomáticas. De cada 10 casos, nove são atendidos a domicílio. Apenas um requer internação. De cada 100 pessoas internadas, três precisam de UTI. Desses, 45% sobrevivem. Nossas taxas estão entre os quatro primeiros países do mundo. Estamos nesse pódio", celebra o ministro Daniel Salinas, comparando o país à Nova Zelândia, à Coreia do Sul e ao Japão. Aumento de casos No começo de julho, o Uruguai chegou ter apenas 12 casos ativos de coronavírus. O país estava perto de anunciar que tinha vencido a pandemia. "A sensação de que a pandemia já tinha acabado fez com que o uruguaio perdesse o respeito pelo vírus. Foi uma falsa sensação de segurança. As pessoas falavam sobre a pandemia como algo que já tinha passado. Baixaram a guarda", explicou à RFI Brasil o analista político e diretor da Consultoria Factum, Oscar Bottinelli. Logo depois, no entanto, os contágios voltaram a crescer, mas continuavam abaixo dos 100 casos ativos. "Foi quando uma série de eventos fizeram os casos dispararem. Passamos de um nível abaixo de 100 para cerca de 500. Quintuplicaram em duas semanas", recorda Bottinelli. No dia 25 de setembro, uma grande "marcha pela diversidade" levou uma multidão de jovens às ruas de Montevidéu. Dois dias depois, o país enfrentou eleições municipais. A campanha eleitoral na reta final e as comemorações nos dias posteriores fizeram o número aumentar. Em novembro, os 500 casos ativos passaram a 1.000. Mesmo assim, os números estão entre os melhores do mundo. Com 3.450 milhões de habitantes - metade em Montevidéu-, o número total de contaminados é de 5.117 pessoas. Os contaminados ativos somam 1.022 e os mortos apenas 74, mesmo o Uruguai sendo o país com mais idosos da América Latina - justamente o grupo de maior risco. Quase 20% da população têm mais de 60 anos e, destes, 10% têm mais de 85 anos. O governo designou um responsável do Ministério da Saúde para acompanhar os uruguaios com mais de 65 anos. A totalidade da população uruguaia  tem acesso à rede hospitalar e ao saneamento básico. O sistema de saúde, integrado entre público e privado, permite a complementação de leitos sem custos para o Estado. O país também desenvolveu um sistema expandido de atendimento hospitalar a domicílio. São unidades de emergência através das quais os médicos vão até os pacientes e medicamentos são entregues sem que ninguém tenha de sair de casa. "Evitamos que as pessoas se aglomerassem nos centros assistenciais. Com isso, baixamos a probabilidade de contágios", descreve Salinas. Uruguaios elogiam, mas também criticam O presidente uruguaio Luis Lacalle Pou, um liberal, assumiu o governo em 1.º de março, apenas doze dias antes do primeiro caso de coronavírus no país. Para a decisão de apostar na responsabilidade cidadã e na liberdade individual de cada uruguaio, resistindo à proposta de uma quarentena obrigatória, pesou a visão ideológica. "Nesse ponto, existe uma questão ideológica. Lacalle Pou resistiu. Ele apostou numa linha contrária ao estabelecimento de lockdowns obrigatórios. Isso lhe deu uma margem considerável de prestígio, mas também não foram necessárias outras medidas porque a aceitação voluntária foi alta", avalia Bottinelli. No entanto, na hora avaliar a popularidade de Lacalle Pou, os uruguaios são exigentes. Segundo uma sondagem da consultora Factum, dirigida por Bottinelli, a aprovação do presidente gira em torno de 56%. "É um bom nível, mas é uma porcentagem normal no Uruguai. A aprovação da gestão em relação ao coronavírus é de 83%. Mas, quando se somam outros assunto como desemprego, salários, inflação, pobreza, segurança, a média de aprovação cai para 41%. Ou seja: os uruguaios valorizam a parte boa, mas são conscientes da parte ruim", observa os analista Oscar Bottinelli. Dezembro é um mês festivo com reuniões, despedidas e circulação interna. Pode ser também o ponto de inflexão para o Uruguai manter ou perder o controle do vírus, apesar de o país ter conseguido domá-lo até agora.  

    Brasil-América Latina - Superando dificuldades, brasileiro faz sucesso com empresa de salgadinhos na Venezuela

    Play Episode Listen Later Nov 21, 2020 7:15


    Leandro Pontes se instalou em Caracas onde criou, junto com a esposa, a venezuelana Gabriela Vitale, a empresa de salgadinhos brasileiros Tu Lanchinho. Superando as dificuldades de montar um negócio em um país em crise, o casal também busca mostrar, através da comida, um pouco da cultura brasileira.     Elianah Jorge, correspondente da RFI Brasil na Venezuela O empresário paulista chegou na Venezuela em 2016, época de grande escassez no país. As filas abundavam e comprar produtos industrializados era muito difícil. A falta da comida com gosto de Brasil levou Leandro a colocar a mão na massa. Ele começou a preparar coxinhas, risoles, pães de queijo, bolinhas de carne e outros quitutes. “Tudo começou com a saudade de comer aqueles salgados brasileiros, da comida do Brasil, do tempero do Brasil. Começamos a cozinhar em casa. Gabriela e eu fazíamos salgados para comer num sábado, num domingo. Íamos atrás das receitas familiares. Alguns salgados que a gente faz são receitas familiares, da minha avó”, explica o Leandro. Nas festinhas entre amigos, o casal levava os salgadinhos sem maiores pretensões e o que era prazer começou a virar negócio. Foi literalmente no boca a boca que a empresa ganhou forma. “Começaram a chegar pedidos e a gente começou a ver que tinha saída, que era uma ideia legal. Um dia pensamos: por que não trazer o (sabor do) Brasil aqui para Caracas, para a Venezuela?”, conta o empresário. Apesar dos mais de dois mil quilômetros de fronteira em comum, Brasil e Venezuela ainda são desconhecidos um do outro. Esta distância era minimizada pelo trabalho do Instituto Cultural Brasil Venezuela. Com o fechamento da instituição, em novembro de 2019, a lacuna entre os países se ampliou. Cafuné Leandro e Gabriela também buscam mostrar a cultura brasileira através do perfil da empresa em uma rede social. Lá eles explicam costumes e palavras usadas no Brasil, como cafuné e lanchinho, que dá nome ao negócio. “Pelo Instagram de Tu Lanchinho estamos sempre tentando explicar quais são nossos produtos e seu significado em espanhol. Além disso, estamos fazendo um trabalho de cultura, de idioma. Temos publicações onde explicamos, por exemplo, qual é o significado de Tu Lanchinho e como se pronuncia o nome da empresa”, conta a venezuelana. Apesar da escassez de alimentos ter chegado ao fim na Venezuela, Leandro não encontra no comércio local alguns produtos usados em pratos brasileiros. Para resolver o problema, ele recorre a importações. Em geral os produtos brasileiros vêm dos Estados Unidos. Antes do fechamento da fronteira, por causa da pandemia, ele também comprava ingredientes em Roraima. Outro grande problema é a desvalorização do bolívar, a moeda local, que levou a economia venezuelana a uma dolarização de fato. “Linguiça calabresa não tem aqui. Temos que importá-la e isso aumenta um pouco o custo de produção. A gente tem que importar o polvilho para fazer pão de queijo, isso também mexe no nosso custo.  O problema mais grave é a inflação. A gente precisou dolarizar os produtos a partir de uma tabela de custos e com um preço justo para quem compra e para quem vende”. Inflação e projetos Segundo o parlamento da Venezuela, controlado pela oposição, a inflação interanual chegou a 3.332%. De acordo com a empresa Ecoanalítica, que faz avaliações econômicas, de março deste ano - quando começou a quarentena - até o final de outubro, os preços dos alimentos subiram cerca de 671% no país.      Mas a complexidade econômica não é empecilho para Leandro e a produção da Tu Lanchinho vem crescendo. Por semana, o casal elabora mais de mil salgadinhos, sem contar as dezenas de brigadeiros e demais quitutes. Decididos a continuar na Venezuela, Leandro e Gabriela querem automatizar a produção, “mas sem perder o toque caseiro”. Eles, que começaram o negócio do zero, têm planos mais ambiciosos: “No futuro, pensando mais adiante, temos o sonho de montar um local com salgados da nossa fábrica e que sejam consumidos ali. Um lugar com música brasileira. Um ambiente gostoso, leve e onde a família venezuelana possa ir. Um lugar para aquele venezuelano que ainda não pôde ir ao Brasil se sente e que saia de lá falando “eu não sei como é o Brasil, mas acho que viajei um pouquinho para lá hoje”, diz Leandro.     

    Brasil-América Latina - "Preso" na Venezuela, paulistano corre atrás de soluções para voltar ao Brasil

    Play Episode Listen Later Oct 10, 2020 4:09


    Gustavo Feitoza chegou à Venezuela como turista, pouco antes do governo de Nicolás Maduro impor a quarentena para fear a propagação da Covid-19. Ele é um dos brasileiros que não receberam resposta do pedido de resgate enviado ao Itamaraty. Sem conseguir sair do país, ele se tornou testemunha do drama vivido pela população. Por Elianah Jorge, correspondente da RFI Brasil na Venezuela. Há sete meses, Gustavo Feitoza, paulistano de Campinas, vive em uma cidade do interior da Venezuela, onde chegou em plena epidemia. Rapidamente, ele fez amizade com seus vizinhos, com quem se comunica pela janela, pelo muro ou pelos aplicativos de telefone. Os relatos que ouve, diz, são emocionantes. “Um deles contou que eles mataram pombas para comer. A gente se sentiu tão chocado com essa história que dividimos nossa comida com eles”. Há anos a Venezuela está em hiperinflação. Isso minou o poder de compra e aumentou o empobrecimento da população. Gustavo explica que o consumo de produtos de origem animal agora é acessível a poucos. “A maioria da população aqui é vegana, não por opção, mas porque está tudo muito caro, tudo dolarizado. Comprar carne, leite ou ovos é impossível. A maioria se alimenta de grãos e de verduras, frutas e legumes”, explica. Gustavo está hospedado na casa de uma amiga, assim consegue equilibrar o orçamento. “Fiz toda uma manobra para esticar o dinheiro que trouxe para passar três meses aqui, mas estou há sete”, explicou. Durante todo este tempo, sem reposta do Itamaraty sobre o pedido de resgate, ele tenta buscar alternativas para voltar ao Brasil. O espaço aéreo venezuelano está fechado e não há previsões sobre quando voltará a abrir. Sair por terra é complexo: é necessário um documento, chamado de “salvo-conduto”, para circular pelo país durante a quarentena. Mas o problema vai além. O país, que tem uma das maiores reservas de petróleo do mundo, sofre com a escassez de gasolina. Uma cena comum, que pode ser observada em muitas cidades da Venezuela, é ver pessoas empurrando o carro para chegar ou sair do posto de gasolina. Nesta semana, chegaram três cargueiros trazendo gasolina importada do Irã. A escassez de combustível levou o governo a impor um rodízio para poder abastecer o carro de acordo com a placa. Neste contexto, as pessoas buscam alternativas para fazer os traslados, conta o brasileiro. “A falta de gasolina complica a vida de todo mundo. Aqui no bairro, ter bicicleta é um luxo. Temos que caminhar para chegar a todos os lugares que precisamos. Até tem carro aqui em casa, mas como não tem gasolina não dá para colocar o carro para rodar”. Sem eletricidade e sem gás Os moradores de Caracas são considerados privilegiados, embora a capital também tenha os mesmos problemas. Porém nada se compara ao sofrimento dos que estão no interior. Essa situação suscitou protestos em diversas cidades venezuelanas. Feitoza é um dos milhares que sofrem com os cortes e racionamentos de energia elétrica que há anos acontecem diariamente na Venezuela. Agora todo o país também enfrenta a escassez de gás doméstico. “Por causa da falta de gás doméstico, a gente utiliza o fogão elétrico. Mas aí a gente entra em outra problemática. Não dá para contar todos os dias com a energia elétrica. Às vezes ela é cortada sem nenhum aviso prévio”, comenta. Depois de tantos meses longe de casa e sem perspectiva de quando conseguirá sair da Venezuela, Gustavo diz que se sente privilegiado "porque pode comprar o arroz, o feijão, muitos não podem. É de partir o coração”. A escassez de gás doméstico levou parte da população a adotar o fogão à lenha. Essa prática tem gerado danos à saúde dos que precisam queimar madeira para preparar a comida. Um relatório, divulgado em abril deste ano e apoiado pela Organização das Nações Unidas, apontou que a Venezuela está em quarto lugar no índice de países com a pior crise alimentar do mundo. A situação venezuelana é mais crítica que a da Etiópia, que ficou em quinto lugar na lista. O documento aponta que 9,3 milhões de pessoas - quase um terço da população da Venezuela - não consumiam alimentos suficientes, adequados ao desenvolvimento humano. Cerca de 13% das crianças venezuelanas com menos de 5 anos estão raquíticas e 30%, anêmicas. Desvalorização do bolívar Um dos fatores que impede o acesso a uma alimentação adequada é a desvalorização do bolívar, a moeda venezuelana. Isso levou à dolarização da economia local. Cerca de 51% das compras de alimentos e de artigos de cuidado pessoal são feitas em dólares, de acordo com o economista Asdrubal Oliveros. “A maioria das pessoas aqui está ganhando um dólar pelos trabalhos que fazem e o dinheiro não dá para comprar o que eles querem”, conta o analista de marketing. No país socialista, a cotação oficial da moeda norte-americana é de 441.668 bolívares por dólar. O salário mínimo venezuelano é de 800 mil bolívares por mês, cerca de U$1,60. Para efeito de comparação, uma caixa de ovos custa cerca de Bs 1.200.000 (um milhão e duzentos mil bolívares).        De acordo com o Banco Central da Venezuela (BCV), a inflação acumulada de janeiro até setembro deste ano é de 844%. Porém, a Comissão de Economia e Finanças da Assembleia Nacional, de maioria opositora, informou que a inflação acumulada até agosto deste ano é de 1.079%.  

    Brasil-América Latina - Brasileira conta como é a vida na Guiana Inglesa, um país de vanguarda econômica

    Play Episode Listen Later Aug 15, 2020 4:21


    Há 14 anos Maisa Silva se casou e foi morar em uma região desconhecida para muitos. De lá pra cá, essa amazonense virou referência no mundo dos negócios na Guiana Inglesa, um país com 750 mil habitantes, “muito diferente” e que faz fronteira com Brasil, Venezuela e Suriname. Elianah Jorge, correspondente da RFI em Caracas Ela tem duas empresas. Uma dedicada ao setor de cosméticos e a outra, ao de negócios. Acostumada a prestar consultorias internacionais, Maisa tem que explicar onde mora:  “De onde você vem? De Gana? Não, da Guiana. Geralmente eu falo que venho do Brasil. Mas se perguntam onde eu moro, digo que no Caribe, que todo mundo sabe onde fica. Mas se falar Guiana não é todo mundo que conhece. As pessoas nem sabem que existe”. Maisa começou seu negócio assessorando brasileiros que queriam se estabelecer no país. Bastante comunicativa, se integrou na sociedade guianense a ponto de se mimetizar com os locais.  Além disso, contou com o apoio da sogra. Ela a orientava como lidar com a comunidade e os costumes locais, facilitando a adaptação a um país tão diverso e cujo idioma oficial é o inglês britânico. A população guianense é composta por cerca de 43% de indianos, quase 30% de afro-guianeses, 16% de guianenses mistos e 9% de indígenas. Além de estrangeiros de diversas partes do mundo    Fazem parte desse mosaico “três religiões muito fortes: os católicos, seguidos pelos hindus e muçulmanos”.  Maisa conta como é essa mistura no dia a dia: “Mesmo sendo muito racistas entre eles, com os negros e os indianos, nessa questão dos feriados de cada religião eles se respeitam bastante. Nessa parte eu tiro o chapéu”.  Na capital Georgetown moram cerca de cinco mil brasileiros. Muitos são donos de hotéis, lojas de equipamentos para mineração e restaurantes. A maioria chegou há décadas para explorar o garimpo.  Os brasileiros para os guianenses  “Os guianenses gostam de tudo que é do Brasil e que é feito no Brasil. Eles são fascinados. Existe a barreira do idioma, mas mesmo assim as brasileiras se casam com os guianenses e existe uma conexão muito grande”. Em Lethem, cidade guianesa a poucos quilômetros da capital de Roraima, 80% do comércio é movido por brasileiros que atravessam a fronteira para fazer compras no país vizinho.  Já nos garimpos, localizados no interior do país, os “brasileiros são vistos como a melhor mão-de-obra”, conta Maisa.         Na percepção da empresária, “os guianeses parecem não gostar do próprio país”. Na página referente à Guiana Inglesa do Portal Consular do Itamaraty, há a informação de que cerca de “45% da população vivem fora do país, principalmente no Canadá, Estados Unidos e países do Caribe”.  Em breve haverá um boom econômico na Guiana, mas o país ainda é pobre: “Temos uma infraestrutura precária, bueiros a céu aberto, a infraestrutura sanitária é horrível. Não temos hidrelétrica no país. Ainda estamos na era do gerador movido à gasolina”   O país recorre à queima de bagaço de cana para gerar energia ou a geradores, como explicou Maisa.    Nas ruas os carros dirigem em mão inglesa, quando o sentido de circulação é pelo lado esquerdo da via, e é alto o índice de acidentes fatais. “É meio arcaico. Às vezes a gente dirige no meio de burros, de cavalos, de bodes atravessando”, explica Maisa.   Mudanças à vista No início de agosto deste ano, o muçulmano Irfaan Ali, do Partido Progressista Popular (PPP, foi declarado presidente pela Comissão Eleitoral da Guiana Inglesa cinco meses após as eleições. “Este novo presidente não tem muita experiência na política, mas o vice-presidente tem, já que ocupou este cargo tempos atrás”, conta Maisa ao explicar que a Constituição da Guiana Inglesa não permite que a mesma pessoa volte a ocupar a cadeira presidencial. O país está em vias de ser um dos mais prósperos da América do Sul. Em dezembro passado começou a ser explorado uma gigantesca jazida de petróleo, encontrada na costa da Guiana em 2016. A estimativa é de que a produção local passe de 52 mil barris de petróleo por dia para 750 mil até o ano 2025.  Mas, por falta de tradição, “as pessoas não entendem nada do mercado petroleiro”. Sobre o novo presidente, que tem 40 anos e já foi ministro de Moradia, Água e Turismo, Maisa conta que “ele veio um pessoal jovem e com garra para fazer as coisas acontecerem. Ficamos admirados. As pessoas estão apostando nessa mudança”.  Mas para Maisa o boom econômico prestes acontecer nesta antiga colônia inglesa na América do Sul corre riscos: “Todo mundo tem medo de que esse dinheiro acabe nas mãos só de uns e não beneficiando os outros”. Pobre, porém caro Apesar de ainda ser pobre, a Guiana é um país caro. “Não temos indústrias, tudo é importado. E os impostos são muito altos”.  Um dos motores da economia local é a cana de açúcar e a exportação de arroz. Por anos a Guiana pagou com toneladas de arroz a troca de barris de petróleo que fazia com a vizinha Venezuela. A extração de metais preciosos, feita por empresas russas e canadenses, tem peso no país. Mas a exploração do ouro - feita por garimpeiros - tornou a Guiana “um país bastante caro”, segundo Maisa:   “Justamente por causa do garimpo o país ficou caro. Garimpeiro vem do mato e quer pagar tudo com ouro. As pessoas aqui falam que os garimpeiros estragaram a economia do país e por isso tudo ficou caro”. Desde 2019 o salário mínimo na Guiana varia entre 320 e 330 dólares, de acordo com a conversão da moeda oficial, o dólar guianense, que vale menos que a moeda dos Estados Unidos.  Uma cesta básica no país custa cerca de 300 dólares. É necessário o aporte de renda de três integrantes para que uma família consiga se manter.  Na capital Georgetown, um aluguel varia entre 300 a 1.200 dólares, ou mais, dependendo da região.      O futuro da Guiana De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), Irfaan Ali vai governar um país cuja economia registra a maior taxa de crescimento do mundo (86%), ritmo 14 vezes maior que o da China. Por sua vez o Banco Mundial reforça que a Guiana é um dos países com maior crescimento econômico este ano. O próspero futuro e com uma população tradicionalmente emigrante, Maisa acredita que em breve o país será dos estrangeiros:   “Eu vejo aqui um país de estrangeiros. Um país que será esmagado por outras culturas: brasileiras, venezuelanas, cubanas... Qualquer outro país que queira e veja oportunidade de investir aqui. Então eu não vejo os guianenes como maioria”.  

    Brasil-América Latina - “O Brasil vai virar uma Venezuela?”: Imigrantes venezuelanos no Brasil respondem

    Play Episode Listen Later Jun 27, 2020 3:57


    “O Brasil vai virar uma Venezuela”. A frase se tornou corriqueira em conversas acaloradas e em postagens nas redes sociais. Comparar um país ao outro virou praticamente um bordão na boca dos brasileiros. O tom até pode ser jocoso, mas faz referência ao caos vivido por cerca de 22 milhões de pessoas que enfrentam o empobrecimento da nação que já foi uma das mais prósperas da América do Sul. Para saber se a comparação faz jus à realidade, a RFI Brasil conversou com alguns dos mais das 264 mil venezuelanos que foram parar, por diversos motivos, no país do samba e do futebol. O economista e gestor cultural Luis Volcanes nasceu em Mérida, região dos Andes venezuelanos. Por anos morou em Caracas. Apaixonado pela cultura brasileira, aprendeu português e chegou a cantar com Teresa Cristina, em 2013, e com Beth Carvalho, em 2014, no icônico Teatro Teresa Carreño, na capital venezuelana. Para ele, não é possível comparar os dois países: “Se um brasileiro que nunca foi ou morou, e só ouve as notícias aqui, pisar na Venezuela, só de chegar no aeroporto e perceber como o aeroporto está, eu acho que aí muda (a percepção)...”   Volcanes conta que “apesar dos problemas que tem, o Brasil é um paraíso”.  A complexidade cotidiana de quem mora na Venezuela escapa até mesmo à mente criativa de um escritor de suspense. A vida no país é uma constante surpresa, onde a ação mais básica é transformada em uma equação. Não à toa os índices de pessoas com depressão e os de casos de suicídio dispararam.   “É um paraíso ter luz em casa. É um paraíso você poder tomar um banho a qualquer hora. (Aqui) não tem hora (determinada) para tomar um banho. É um paraíso poder entrar em uma loja, uma drogaria, um supermercado e você ficar parado na frente da prateleira de arroz e ficar pensando em qual (marca) de arroz pode comprar”, detalha o gestor cultural. Desde 2018 no Brasil, ele ainda não se acostumou com a abundância de marcas e produtos disponíveis no comércio. Luis sempre leva uma lista para manter o foco entre tantas opções de compra. As lembranças do período da escassez na Venezuela ainda permeiam a memória de Volcanes: “Eu ainda não superei entrar no supermercado e ver tanta coisa. Para mim é como (ver) obras de arte! Arroz, carne, queijos, biscoitos, leite...” Ver tantas cores, produtos, cheiros e opções o deixou encantado. A experiência beira o cômico se não fosse trágico: “Eu lembro que da primeira vez que fui ao supermercado, quando cheguei aqui, que já não tinha que pensar (na logística das compras), eu entrei e saí sem nada. Falei: 'o que eu fiz? Eu entrei para um museu'. Eu achava que o mercado era um museu: só para ver, para olhar as coisas”.    Os anos entre 2013 e 2018 ficaram marcados na história venezuelana como o período de escassez. Na época, para comprar apenas um quilo de arroz era preciso madrugar na fila sem a garantia de conseguir adquirir o produto. A flexibilização econômica aplicada pelo governo de Nicolás Maduro em meados de 2019 terminou com o problema. No entanto, por causa da inflação, para os venezuelanos das classes D e E continua sendo impossível ter uma alimentação equilibrada. Agora os supermercados do país estão abastecidos com produtos importados pelos próprios comerciantes. Os preços de 27 insumos são tabelados pelo Estado, no entanto o valor varia diariamente já que são pautados pela cotação do dólar informada pelo Banco Central da Venezuela. Em breve abrirá no país uma rede de supermercados Megasis, com produtos importados do Irã – o principal sócio comercial da Venezuela.    Divisão de poderes Da cidade natal Caracas para a Bahia: esse foi o destino da matemática Cristina Lizana Araneda. Quando ela ouve que o Brasil está virando a Venezuela, esta professora da Universidade Federal da Bahia destaca algumas diferenças entre ambos os países: “Uma das maiores questões é a separação de Poderes. No Brasil, felizmente, ainda tem essa independência. O Supremo Tribunal de Justiça, os ministros, o Congresso, a Câmara dos Deputados têm autonomia. Isso não acontece na Venezuela. Lá a única instituição que foi eleita pela vontade popular foi a Assembleia Nacional”. O parâmetro usado por Cristina tem a ver com a reviravolta que aconteceu na vida política venezuelana depois da eleição de 2017. Após anos liderado pelo Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), o Parlamento venezuelano passou a ser comandado pela maioria opositora. O chavismo não gostou. Criou então a super poderosa Assembleia Nacional Constituinte sob a justificativa de reescrever a Constituição estabelecida pelo ex-presidente Hugo Chávez (1999-2013). A ANC também está autorizada a governar as demais instituições estatais. Até o momento não há informações sobre o andamento da nova Carta Magna. O mandato do Parlamento, eleito em 2017, chega ao fim em dezembro deste ano. Há poucas semanas, o Supremo Tribunal de Justiça (TSJ) nomeou os novos reitores do Conselho Nacional Eleitoral sem consultar os parlamentares, sob a justificativa de que a casa está em desacato.    O TSJ também vem mexendo na organização dos partidos políticos. Além disso, alguns parlamentares opositores já foram presos, outros foram inabilitados politicamente e há os que preferiram fugir do país para escapar da perseguição política. Liberdade de informação As estruturas democráticas do Brasil em nada se parecem com as da Venezuela, sobretudo em relação ao acesso à informação, na opinião de Paula Ramón. Esta jornalista conhece bem os contornos da política venezuelana. Por quase oito ela cobriu para o “Últimas Notícias” (quando o jornal ainda era o de maior tiragem na Venezuela), o Congresso, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) e os partidos em geral. Entre idas e vindas, ela está desde 2012 em São Paulo, de onde reporta, através de uma agência de notícias, o que acontece no Brasil.    Dos tempos de cobertura em Caracas, ela lembra “que as instituições venezuelanas sucumbiram muito rápido ao chavismo”. Pedir algum tipo de informação ou uma entrevista através das assessorias de imprensa (estatais) ou falar com um porta-voz (de algum organismo do governo), “eu não lembro de ter conseguido alguma coisa assim na Venezuela”. Ela explica como conseguia para ter contato com as fontes e a alguns dados do chavismo: “(Na Venezuela) você tinha acesso a ministros e a políticos porque você ia e procurava eles. De tanto insistir, você conseguia coisas e aí ia conseguindo o acesso. Mas nos canais oficiais, isso deixou de existir muito rápido. No Brasil, você vê uma diferença clara. Você ainda tem acesso à informação, e é importante que isso se mantenha”. No sistema venezuelano faltam dados oficiais. O Banco Central da Venezuela ficou anos sem anunciar os números da inflação que assola o país. Há poucas semanas o organismo publicou, sem alarde em sua página de internet, que a inflação foi de quase 300% durante o primeiro semestre do ano. No entanto, o deputado opositor Juan Guaidó denunciou nas redes sociais que até abril deste ano a inflação foi de 341,61%. Até mesmo os números de casos positivos da Covid-19, diariamente divulgados por autoridades do governo de Maduro, foram questionadas pela organização Human Right Watch. A ONG internacional afirma que o número de infectados pode ser bastante superior ao que vem sendo informado.       No Brasil, em junho deste ano, o Ministério da Saúde começou a limitar informações sobre os casos do novo coronavírus. A opacidade de dados motivou algumas empresas de jornalismo a criar um consoórcio de imprensa para, de maneira colaborativa, buscar informações diretamente nos 26 estados e no Distrito Federal, visando noticiar à população com números atualizados. O Brasil passa por uma efervescência política que leva um considerável número de pessoas às ruas de diversas capitais do país que se manifestam semanalmente contra ou a favor ao governo de Jair Bolsonaro. Muitas vezes na linha de frente, reportando o que acontece, estão jornalistas e fotógrafos. Deixaram de ser raras as agressões aos profissionais de imprensa. “No Brasil nunca sofri agressão física, mas já vivi um episódio de tensão na rua, que mostrava um ponto de raiva, que me deixou surpreendida”, conta Paula. De acordo com organização Repórteres sem Fronteiras, o Brasil ocupa a posição 107; e a Venezuela o número 147 na classificação mundial 2020 da liberdade de imprensa. “Eu vejo o futuro repetir o passado” A polarização política que, sobretudo durante a Era Chávez, se estendeu a toda a sociedade venezuelana - gerando inclusive a ruptura de relações familiares - apareceu no Brasil no final do primeiro mandato da ex-presidente Dilma Rousseff (2011-2016).  Para uma sociedade ser considerada saudável é adequado que exista respeito às diferenças. Neste ponto Paula identifica semelhanças entre a polarização política que surgiu na Venezuela com a figura de Hugo Chávez e o que vem acontecendo com o Brasil:   “Esse tema da polarização, do outro como o inimigo que não pode existir, na Venezuela era contra a oposição. O Chávez falava “não voltarão”. Esse ódio de que você tem que extirpar o outro da vida política e social do país. A mesma coisa (acontece) aqui, os seguidores do presidente Jair Bolsonaro falam para aniquilar a esquerda”. Gesler Paul mora desde 2017 no interior de São Paulo. Por anos trabalhou como locutor nas principais rádios da Venezuela. Ele coincorda com Paula sobre a aceitação do brasileiro escutar posições contrárias à vertente política que defende: “Uma das situações mais comuns hoje no Brasil é a extrema polarização política que existe. Se você critica Bolsonaro, você é comunista e te mandam morar na Venezuela. Se você diz algo mais ou menos bom sobre Bolsonaro, você é fascista, racista e até te chamam de nazista. É uma situação que conhecemos muito bem na Venezuela com os "chavistas" e "esquálidos" (opositores) durante tantos anos, e que foi um dos piores erros dos venezuelanos de ambos os lados: apoiar o presidente sem nenhuma capacidade crítica ou criticando-o e apoiando aquele que é contra ele sem pensar ou apoiar a existência de outras vias”. Em um país com um histórico recente de ditadura militar (1964-1985), pode ser complexo compreender a suposta liberdade pregada por alguns brasileiros, aponta o locutor:  “É difícil entender qual é o conceito de democracia dessas pessoas, tanto de um lado como do outro. Isso é muito parecido (com a Venezuela). Você quer extirpar o outro da vida política e social." Gesler Paul faz um alerta sobre o uso do parâmetro venezuelano para efeitos de comparação:     “A Venezuela se tornou um curinga para se referir à destruição sistemática de um país. Não apenas no Brasil, buscam comparar o pior resultado possível de um país com a situação venezuelana. E é indignante, não apenas por você poder se sentir mal que te comparem sempre com o pior do pior, mas também pela falta de conhecimento do que realmente é ter vivido tudo isso na Venezuela”. Cristina Araneda sugere que o brasileiro tenha mais sensibilidade ao se referir à situação de um país do qual praticamente cerca de cinco milhões de pessoas se viram obrigadas a fugir: “É até indelicado dizer para um venezuelano que o Brasil virou uma Venezuela!”  

    Brasil-América Latina - Coronavírus: Brasil e Uruguai, a fronteira onde o pior e o melhor da América Latina se encontram, entra em alerta vermelho

    Play Episode Listen Later Jun 14, 2020 3:54


    Sant'Ana do Livramento, no Brasil, e Rivera, no Uruguai, formam uma única cidade onde o combate ao coronavírus tenta conciliar o medo e a necessidade de turistas. Neste fim de semana, a zona entrou em alerta vermelho, devido a um novo surto do lado brasileiro e foi criada a Unidade Epidemiológica Sanitária Única com medidas conjuntas com o Uruguai para conter a propagação. Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires O brasileiro Fernando Ravara (50) olha com preocupação para o novo surto de coronavírus que, nesta semana, surgiu no bairro Armour de Sant'Ana do Livramento. Nos últimos três dias, 27 novos casos elevaram a 72 o total de contágios nesta cidade gaúcha. Desses, 36 estão ativos. O posto de saúde da zona fechou depois que 11 dos 33 funcionários testaram positivo. A cidade saiu de bandeira laranja (risco médio de contaminação) a bandeira vermelha (alto risco). Todos os comércios vão fechar e as medidas serão endurecidas. "Temos entre 22 e 25 respiradores na cidade. Então, a grande preocupação é que, de repente, aconteça um surto grande e não haja respiradores para todos, considerando que estamos próximos ao inverno, quando as doenças respiratórias também aumentam. Esse é o medo da população", adverte à RFI Fernando, radialista com formação em Relações Internacionais. A cidade brasileira de Sant'Ana do Livramento registra uma vítima fatal de coronavírus num universo de estimado de 77 mil pessoas. Os números podem não ser expressivos se comparados com a trágica realidade brasileira, mas são alarmantes para o vizinho Uruguai que, na última semana, registrou cinco dias sem nenhum novo caso de covid-19. O maior problema do Uruguai é hoje esta fronteira com o Brasil. É onde o pior da América Latina faz fronteira com o melhor. O pior país no combate ao coronavírus e o melhor país em controlá-lo fundem-se num único conglomerado urbano sem divisões físicas. Apenas uma linha imaginária que consiste em simplesmente atravessar uma avenida, da João Pessoa, de Sant'Ana do Livramento, à 33 Orientales, na uruguaia Rivera. A metodologia de combate do governo uruguaio combina liberalismo individual com consciência civil: o presidente Luís Lacalle Pou não recorreu a nenhuma quarentena obrigatória, ao contrário de toda a vizinhança. Apelou à responsabilidade cidadã de cada uruguaio e apenas recomendou as medidas sanitárias de proteção. Os uruguaios acataram. Enquanto o número de vítimas no Brasil marca um novo recorde a cada dia, do outro lado da fronteira, o Uruguai exibe uma realidade oposta: 847 casos dos quais 23 falecidos, dois deles em Rivera que acumula 57 casos, 13 dos quais ativos. Zona restrita Esses números levaram o governo uruguaio a blindar Rivera do resto do país através de barreiras sanitárias e controle militar nas estradas. Na cidade uruguaia, encapsulada do resto do país, vivem 103 mil pessoas. Mas enquanto o Uruguai preocupa-se com esta zona da fronteira, Rivera-Livramento fazem valer o título de "Fronteira da Paz". A preocupação dessas duas cidades, completamente integrada entre si é com os turistas que vêm de outras cidades brasileiras. "A região aqui vive harmoniosamente. As pessoas não estão preocupadas com o vizinho. Enquanto o Uruguai está preocupado com a nossa região, a nossa preocupação é com os que vêm de fora, com os que vem de outras cidades para cá porque não sabemos se estão infectados", explica Fernando Ravara. Olga Ortiz Abelenda (57) era a dona do Galpón, uma típica churrascaria uruguaia, referência em Rivera, que atraía uma maioria de turistas brasileiros. Com a chegada da pandemia, Olga decidiu fechar as portas para sempre. Os custos fixos sem nenhum faturamento impedem o negócio. Mesmo no futuro, uma eventual redução pela metade da capacidade de mesas significaria anular qualquer lucro. Para a empresária gastronômica uruguaia, mais do que a doença, a falta de trabalho é o grande risco que ameaça a conurbação binacional Rivera-Santana do Livramento. "A minha preocupação é o comércio de Rivera que depende exclusivamente dos brasileiros. Eu tenho medo da crise porque as pessoas já estão com problemas para pagar o aluguel, para cumprir com os seus funcionários. Os proprietários estão-se endividando e muita gente já ficou sem emprego", descreve Olga à RFI. Fronteira da Paz Olga Ortiz é um exemplo da simbiose desta região. Morava no Uruguai, onde tinha o restaurante. Casou-se com um brasileiro e vive agora do lado brasileiro, a três quarteirões da linha imaginária de fronteira. Dos três filhos, dois nasceram do lado uruguaio; um do lado brasileiro. Por isso, um preconceito entre brasileiros e uruguaios sobre quem pode contagiar a quem é algo impensável. Antes do surto em Sant'Ana do Livramento nesta semana, havia 114 casos de coronavírus entre as duas cidades, exatamente 57 casos para cada lado. "Dentro da cidade, não há preconceito. Isso é mais com os que vem de fora, mas, mesmo assim, só por parte das pessoas que não têm comércio porque aquelas que têm comércio desejam que venham pessoas de fora", compara Olga. "Ninguém está pensando tanto na doença neste momento. Existe a preocupação, sim. Mas é muito mais preocupante ficar sem trabalho", garante. A também uruguaia Laura Cabrera Gariglio (38) mora em Rivera, mas está reformando a sua casa em Sant'Ana do Livramento. Filha de pai uruguaio e mãe brasileira, estudou no Uruguai, mas formou-se em Contabilidade no Brasil, onde estão os seus clientes. Laura soma-se às críticas de preconceitos por parte dos uruguaios de Montevidéu que consideram Rivera quase um território brasileiro. "Entre nós aqui na fronteira, não existe preconceito. E também não existe preconceito com quem vem de fora. Existe medo de um contágio, mas não preconceito. A gente sofre preconceito por parte dos próprios uruguaios, mas não sofremos preconceito por parte dos brasileiros", garante Laura à RFI. "A união aqui é tanta que ninguém está comparando qual lado tem mais casos. Puxamos todos para frente juntos", afirma. Com os seus Free Shop, a uruguaia Rivera é uma cidade de turismo de compras que atrai muitos gaúchos da cidades vizinhas e sacoleiros, sobretudo neste momento em que a fronteira com o Paraguai está fechada. Dependência dos turistas e das compras Os ônibus de turistas estão proibidos de entrar em Sant'Ana do Livramento, mas os carros de passeios e vans passam pelos controles sanitários nas estradas. Nesta semana de feriadão, muitos turistas foram à cidade para fazer compras. O intenso movimento levou a Prefeitura de Rivera a colocar barreiras sanitárias para os veículos brasileiros. Só neste sábado, foram mais de mil carros com 3.500 pessoas num único dia. Os habitantes locais optam por comprar carnes, vinhos, queijos e produtos de limpeza do lado uruguaio. Roupas, calçados e compras do mês nos supermercados do lado brasileiro. Para Laura, o perigo está justamente nesse fluxo de turistas de outras cidades brasileiras. "A minha preocupação é com a falta de conscientização das pessoas. Eu não entendo como pessoas de fora podem pensar em vir fazer compras com esta situação", surpreende-se Laura. "Mas tem a parte também econômica. As empresas têm de continuar a funcionar e o comércio daqui depende do estrangeiro", pondera. "Então, preocupa-me que venham pessoas de fora, mas também me preocupa que não venham", expõe o dilema que impera na região. População vulnerável Esse é o dilema que o brasileiro Rafael Castro (32) tenta decifrar. Formado em Relações Internacionais, Rafael faz um trabalho de assistência social na região, através da ONG Movimento Sal & Luz - Voluntários do Bem. O foco é na população vulnerável vítima do vírus e combustível para a propagação. "O coronavírus está atingindo mais as pessoas que já eram empobrecidas. Esse grupo é de risco econômico e sanitário. São pessoas que viviam de bicos, vendedores ambulantes e informais que comiam aquilo que conseguiam comprar com o que arrecadavam no dia. Ao voltarem para casa depois de se exporem durante o dia, convivem com um número elevado de pessoas numa mesma moradia pequena e precária", descreve Rafael à RFI. "Mas existe outro grupo que não é muito perceptível. São microempreendedores individuais ou pequenos comerciantes. São frágeis porque perdem o emprego ou precisam demitir funcionários que se tornam automaticamente empobrecidos por não terem poupança. Essas pessoas passaram a pedir cestas básicas", revela Rafael, quem até dois meses atrás foi secretário de Assistência Social de Sant'Ana do Livramento, onde 34% da população era pobre antes da pandemia. "O meu maior temor é que a questão sanitária vai gerar uma crise econômica profunda que, por sua vez, vai gerar uma crise social. Ao mesmo tempo, a gente não vê segurança em abrir o comércio novamente. É um dilema", conclui. Ação binacional No último dia 25 de maio, o presidente uruguaio Luís Lacalle Pou, presente pela segunda vez em Rivera, anunciava que nesta região de fronteira seria aplicado, pela primeira vez, o Tratado de Ação Binacional Sanitária. Foi depois de uma ligação ao presidente Jair Bolsonaro. Desde então, Santana do Livramento e Rivera trabalham em conjunto para combater o coronavírus. Nesta sexta-feira (12), diante do novo surto na zona, as equipes de Sant'Ana do Livramento e de Rivera acertaram criar uma Unidade Epidemiológica Sanitária Única com um critério comum. A Unidade aplicará, nos dois lados da fronteira, testes PCR produzidos pelo Instituto Pasteur do Uruguai e adotará medidas de prevenção e controle conjuntas.

    Brasil-América Latina - Sem representação diplomática, brasileiros aguardam resgate na Venezuela

    Play Episode Listen Later Apr 18, 2020 4:19


    Os brasileiros que moram, estavam de passagem ou os que estão em prisões na Venezuela, foram pegos de surpresa pelo encerramento das atividades da embaixada e dos consulados do Brasil no país comandado por Nicolás Maduro.  Elianah Jorge, correspondente da RFI Brasil em Caracas Nem mesmo a quarentena imposta pela pandemia da Covid-19 fez Brasília adiar os planos divulgados em fevereiro passado. Com a radical decisão, o governo de Jair Bolsonaro congelou as atividades diplomáticas na Venezuela para isolar politicamente o governo bolivariano. A rusga acabou gerando um grande problema para os brasileiros. Entre eles, estão os que anseiam ser resgatados pelo Itamaraty para voltar ao Brasil. É o caso da cirurgiã-dentista Telma Lúcia Mota de Castro. Ela chegou na Venezuela em 27 de fevereiro para participar da formatura do filho. Quando foi ao consulado brasileiro em Caracas pedir um documento, soube que o local seria fechado. Tanto o consulado-geral como os três vice-consulados do Brasil na Venezuela encerraram as atividades em 26 de março deste ano. Os mais de 10 mil brasileiros inscritos no cadastro consular não foram avisados.    Com o voo de volta cancelado por causa da pandemia, Telma recorreu ao Itamaraty. A princípio, não obteve resposta. Dias depois, recebeu informações através do número do Gabinete de Gestão de Crise para a América do Sul. “Eu realmente preciso voltar. Onde eu estou não tem água; a luz vai e vem, assim como a internet. Antes a gente tinha racionamento e agora a gente está sem água, realmente. Está muito difícil", afirma ela à RFI. O site do Consulado-Geral do Brasil em Caracas informa que “a comunidade brasileira residente na Venezuela poderá acessar o Portal Consular do Itamaraty para obter informações sobre assistência consular”. Até o fechamento desta matéria, o Itamaraty não havia respondido à RFI onde os brasileiros podem fazer os trâmites consulares após o encerramento das atividades diplomáticas na Venezuela. No entanto, o Ministério de Relações Exteriores (MRE) informou que “temos conhecimento de nove brasileiros não residentes que lá se encontram. Há outros brasileiros, residentes permanentes no país, que procuraram o grupo especial de crise para inquirir sobre a possibilidade de apoio consular. Até o momento, sabemos de 32 nacionais nessa categoria, cujas condições estão sendo estudadas para verificarmos que tipo de auxílio pode ser prestado”. Resgate sob pressão Os brasileiros veem o voo de resgate como a única alternativa para voltar ao Brasil. Foi o que declarou um empresário à RFI, mas sem se identificar: “Se a gente não conseguir embarcar, vamos ficar presos aqui por tempo indeterminado”. O Itamaraty havia organizado apenas o voo para levar de volta os diplomatas e adidos militares que estavam em missão na Venezuela. Mas a pressão gerada pelos incessantes pedidos de resgate levou Brasília a reavaliar a situação. No avião que levou os integrantes do corpo diplomático na última sexta-feira (17), embarcaram pelo menos 14 cidadãos brasileiros. Outro voo organizado pelo Itamaraty para a retirada de brasileiros está sendo esperado para esta segunda-feira (20). É nele que o jogador de futebol Igor Brodani da Luz pretende voltar pra casa. Após mais de 20 dias tentando contato com o Itamaraty, foi avisado sobre o possível voo. O problema é que ele está em Maturin, no nordeste venezuelano e a pelo menos nove horas de estrada até Caracas. Não bastasse a distância, há outro empecilho. “Na região onde eu estou não está tendo gasolina, então estamos tentando achar alguma forma em conjunto”, diz. Apesar da Venezuela possuir uma das maiores reservas de petróleo do mundo, falta combustível em todo o país. As filas diante dos postos de gasolina são quilométricas. Boa parte da frota está parada. Por causa da rígida quarentena, o jogador do Monagas Sport Club precisa pedir um documento às autoridades venezuelanas para poder passar de um estado ao outro até chegar a Caracas, onde irá se encontrar com outros brasileiros que serão resgatados pelo Itamaraty. Ajuda das Forças Armadas da Venezuela Já Maria Luiza Rodrigues Motta, ex-funcionária do vice-consulado brasileiro em Puerto Ayacucho (no sul venezuelano), precisou recorrer à Força Armada Nacional Bolivariana (FANB) para conseguir sair da Venezuela com a filha. Antes, porém, ela entrou em contato com a Divisão de Assistência Consular (DAC) para pedir vaga no avião da Força Aérea Brasileira (FAB), o mesmo no qual voltaram ao Brasil os funcionários do Itamaraty na Venezuela. “Eu tive que sair com o apoio dos militares venezuelanos, não do governo brasileiro porque eu não tive resposta de ninguém. Até cheguei, praticamente, a suplicar que me ajudassem mas, infelizmente, a ordem era retirar apenas os diplomatas. E os cidadãos brasileiras (ficaram) à deriva”.  Já o garimpeiro Luis Rodrigues Amorim decidiu tentar a sorte em uma nova jazida, localizada nas imediações da região amazônica de Puerto Ayacucho. Não teve sorte. “A mina era ruim”, segundo ele. Sem dinheiro para voltar para casa em Boa Vista, no norte do Brasil, graças à solidariedade de uma família brasileira ele “não dorme na rua, nem passa fome”.    Os recursos nesta cidade são escassos. Falta sinal de telefonia e a conexão de internet é precária.“A gente procurou o consulado, mas o consulado já estava fechado. Tinha encerrado todas as atividades. Então a gente não pôde fazer mais nada", contou. O brasileiro Roberto Coimbra é um publicitário renomado na Venezuela. Foi nomeado cônsul honorário do Brasil no estado Nueva Esparta (onde está a caribenha Ilha de Margarita) pelo presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2003). Os seguintes presidentes brasileiros mantiveram a designação do cargo até que, em 31 de março deste ano, as funções de Roberto foram cessadas com a saída do corpo diplomático. Foi através da cônsul-geral do Brasil em Caracas que ele soube do encerramento das atividades diplomáticas do Brasil na Venezuela. “Oficialmente o Brasil não tem mais nenhum representante consular ou diplomático no território venezuelano. Nós, brasileiros, estamos de certa maneira esperando algum tipo de informação por parte do Brasil sobre como proceder em caso de necessidade. Ou resolver atividades corriqueiras como é tirar ou renovar um passaporte ou oficializar algum tipo de documentação”.  A gravidade da falta de representação diplomática representa um risco para os brasileiros, sobretudo aos que estão nas cadeias venezuelanas. Funcionários do Itamaraty faziam as visitas e os auxiliavam nos trâmites com a Justiça venezuelana. “Abandonam cerca de 25 presos que estão em situação catastrófica nas prisões venezuelanas, e de longe não vai ajudar em nada a resolver a situação política que a gente está enfrentando”, reitera. Na opinião de Roberto Coimbra, faltou informação: “Eu estou seguro de que nenhum dos brasileiros que vivem aqui receberam nenhum tipo de informação oficial sobre essa saída”.  Questionado pela RFI, o Itamaraty, não respondeu, até o fechamento desta reportagem, onde os brasileiros que moram na Venezuela devem se dirigir para fazer os trâmites consulares. Para Coimbra, “a decisão (de fechar os postos diplomáticos na Venezuela) foi precipitada porque abandona os interesses que o Brasil tem na Venezuela, de longa data. Abandona os brasileiros que estão aqui – os residentes e os em viagem”. Avião de guerra para diplomatas Um problema de logística quase colocou por água abaixo o voo que sairia esta sexta-feira com os diplomatas, adidos militares e suas respectivas famílias. Para fazer o traslado pessoal e de parte da mudança dos funcionários em missão na Venezuela, a Força Aérea Brasileira tinha previsto aterrissar um avião Hércules na Rampa Quatro, setor do principal aeroporto da Venezuela destinado a aeronaves de caráter estatal. No entanto, na hora do recebimento da autorização para pousar, o Ministério da Defesa venezuelano impôs empecilhos alegando que o Hércules é uma aeronave de guerra.

    Brasil-América Latina - Brasileiros descrevem situação "complicada" na Bolívia diante da epidemia de coronavírus

    Play Episode Listen Later Apr 11, 2020 4:05


    A infecção viral causada pelo novo coronavírus já afetou mais de 260 pessoas e causou pelo menos 19 mortes na Bolívia. Cerca de 26 mil brasileiros residem no país, a maioria estudantes. Divididos entre a restrição de sair às ruas e o precário sistema de saúde boliviano, alguns decidiram voltar provisoriamente ao Brasil, enquanto outros preferiram ficar. A reportagem da RFI conversou com o advogado Henrique Souza e com a cabeleireira Jane Benedita da Silva que tomaram decisões opostas. Elianah Jorge, correspondente da RFI na Bolívia Após o aparecimento do primeiro caso da Covid-19, no final de março, o governo provisório de Jeanine Áñez impôs o estado de emergência nacional. Policiais e militares, incluindo da Marinha, participam das operações de controle para garantir que os cidadãos saiam às ruas apenas uma vez por semana e no horário autorizado. A cabeleireira Jane conta como funcionam as regras de distanciamento social na Bolívia: “Aqui a gente tem horário e dia para sair. Você tem que ver pelo número final da identidade. A minha termina em zero e eu tenho o direito de sair toda sexta-feira, das 8h ao meio-dia.” Quem infringe a determinação do governo pode ir preso, além de ter que pagar uma multa. Nesta semana, o prefeito de Patacamaya, no departamento de La Paz, foi preso por ter autorizado uma festa religiosa na qual participaram cerca de 600 pessoas. Os testes realizados posteriormente em alguns participantes deram positivo para a Covid-19.  Outra proibição é a saída aos sábados e domingos. No entanto, por causa do feriado da Sexta-feira Santa, os cidadãos que não puderam fazer suas compras semanais ontem receberam autorização para sair neste sábado (11). Pelo menos em Santa Cruz de la Sierra, onde mora a brasileira Jane, o uso de carros particulares está proibido. Em caso de infração, o veículo é apreendido e será devolvido apenas no fim da quarentena. Sem transporte público e sem poder usar o carro, quem precisa ir às compras, de acordo com Jane, recorre à criatividade e usa até mesmo malas de viagem para transportar as compras. Produção de cana-de-açúcar participa do combate à epidemia Santa Cruz de la Sierra é o centro econômico da Bolívia e onde foram registrados a maioria dos casos da Covid-19, cerca de 130 até  momento. A agricultura é a principal atividade nesse departamento que faz fronteira com o Brasil. A produção de cana-de-açúcar tem possibilitado que fábricas locais contribuam no combate à epidemia de coronavírus, conforme relata a brasileira Jane: “Aqui tem muita plantação de cana. Eles [os empresários] estão fabricando muito álcool e álcool gel e estão vendendo com um preço bem econômico.” Para reduzir o risco de propagação do coronavírus, o governo determinou o uso obrigatório de máscaras. As feiras livres, chamadas de “mercados”, continuam autorizadas para a compra de alimentos frescos. Mas nas imediações dos supermercados e das feiras foram instaladas cabines onde a pessoa, ao passar, é borrifada com líquidos higienizantes. Durante muitos anos, o fantasma da pobreza assolou a população de cerca de 11 milhões de bolivianos. Para minimizar as consequências econômicas da quarentena, o governo provisório de Áñez autorizou a entrega de um bônus para famílias necessitadas e idosos. Em breve, a presidente anunciará benefícios aos microempresários.  Covid-19 atinge o país em meio à crise política Embora grande parte dos brasileiros que moram na Bolívia sejam estudantes de medicina, a saúde pública no país ainda deixa a desejar. Além disso, a Bolívia passa por uma delicada situação política desde a saída do ex-presidente Evo Morales (2006-2019) e as conturbadas eleições de outubro passado. Jane descreve a Bolívia como "um país complicado", depois da saída de Morales e da ascensão de Áñez. A brasileira soube pela televisão que as autoridades estão preparando um hospital para acolher até cem pacientes da Covid-19. As novas eleições estavam programadas para 3 de maio, mas por causa da pandemia elas foram adiadas. Recentemente, o Tribunal Superior Eleitoral apresentou um projeto para que a votação seja realizada entre junho e setembro deste ano. Autônoma, Jane está assustada com o impacto da pandemia em seu orçamento. Mas ela comemora a decisão do governo provisório de reduzir o valor de alguns serviços básicos: “A presidente fez um decreto que dá prazo de alguns meses para a gente ter um desconto na conta de luz e quem estiver devendo não poderá ter o serviço cortado”, relata. As contas de energia dos meses de abril, maio e junho deste ano terão descontos que variam de 20% a 100%, de acordo com a determinação presidencial. Ficar na Bolívia ou voltar ao Brasil? Natural de Campo Grande, Jane mora há mais de 20 anos na Bolívia. Por causa da estrutura familiar, ela decidiu ficar no país apesar da operação organizada pelo Consulado do Brasil em Santa Cruz de la Sierra para a retirada de brasileiros. Já o advogado Henrique Souza optou por voltar ao Brasil: “Eu decidi sair com a ajuda do consulado porque a situação começou a ficar bem mais complicada na Bolívia. O sistema de saúde brasileiro é muito melhor que o boliviano. É sempre complicado você estar em um país sendo estrangeiro. Você vai ser sempre uma não prioridade.” O trajeto feito por Souza, que saiu de Santa Cruz em direção ao Paraná, foi complexo e com muitas paradas, sobretudo até chegar ao território brasileiro: “A travessia total durou quatro dias. Foram doze horas de ônibus de Santa Cruz até Corumbá, na fronteira com Puerto Quijarro. Lá, desembarcamos do ônibus na base do um por um. A gente tomou banho com água sanitária, as malas foram fumigadas, mediram a nossa temperatura. Atravessamos a fronteira. Tínhamos que lavar as mãos, passar álcool...” Neste contexto excepcional, algumas políticas aplicadas pelo governo provisório de Jeanine Áñez são criticadas. A organização pró-diretos humanos Human Rights Watch afirmou que o “governo interino da Bolívia aproveita a pandemia para sancionar penalmente quem publique informações que as autoridades considerem incorretas e isso viola o direto à liberdade de expressão”, afirmou José Miguel Vivanco, diretor para as Américas do organismo internacional.

    Brasil-América Latina - Brasileiros nas Antilhas Holandesas aguardam voo de resgate

    Play Episode Listen Later Apr 4, 2020 3:43


    Em vez de aproveitar as praias das Antilhas Holandesas, 12 brasileiros que viajaram às ilhas de Curaçao e Bonaire esperam retornar ao Brasil. Os planos de férias foram alterados pela pandemia do coronavírus. Longe de casa, eles cumprem a quarentena na região turística, mas sem poder conhecer as praias caribenhas dos países em que estão. Correspondente RFI em Caracas Este é o caso das amigas Eliana Alves e Inês e do casal em lua de mel Soraya Fukamichi Fiamengui e Fernando Fiamengui que integram o grupo de noves brasileiros que estão em Curaçao, uma ilha com pouco mais de 173 mil habitantes.  Na mesma região fica Bonaire, ilha onde vivem cerca de 18 mil habitantes, e que foi o destino escolhido por Mariana da Costa Amorim e por outro casal em lua de mel. Após o aparecimento do primeiro caso de Covid-19 em Curaçao, no dia 13 de março, o que era diversão se transformou em angústia e ansiedade.  Cônsul honorária ajuda brasileiros Sem representação diplomática formal do Brasil em ambas as ilhas, é Waleska Schumaker, a cônsul honorária do Brasil em Curaçao, Bonaire e outras ilhas do Caribe, que apoia o grupo. Após o cancelamento dos voos por causa do fechamento das fronteiras, ela coletou informações de todos brasileiros retidos:  “Com essa lista foi possível informar à Embaixada do Brasil em Trinidad y Tobago e ao grupo de crise do Itamaraty para que eles estivessem conscientes sobre esse grupo retido. Também apoiei para que eles conseguissem hospedagens a preços não muito altos. Hoje em dia, estou constantemente dando apoio emocional, acompanhando-os todos os dias, ajudando a levar alimentos e, mais que tudo, remédios ”.  Curaçao fechou seu espaço aéreo e aceita apenas voos para o resgate de expatriados.   Após programar a viagem em outubro passado, a médica Eliana Alves e a amiga Inês embarcaram dia 16 de março rumo a Curaçao. No meio das férias foram avisadas - via correio eletrônico – do cancelamento do voo de volta.  O que seriam sete dias descanso, virou um período indeterminado de preocupação. O hotel onde elas estavam foi fechado. As duas chegaram a receber uma proposta, mas, por cautela, preferiram recusar.  “A Câmara de Turismo de Curaçao ofereceu acomodações coletivas, sem que gastássemos nada, mas decidimos não aceitar porque estamos na faixa de risco por questão de idade. Tenho 63 anos e minha amiga, Inês, tem 64 anos”, conta Eliana A falta de uma data específica de retorno angustia as duas amigas, sobretudo por causa dos gastos extraordinários: “Por enquanto ainda temos recursos, mas eles começam a acabar. Aqui tudo é em dólar”.  Desde fevereiro deste ano a moeda norte-americana disparou. Esta semana a cotação do dólar chegou a R$ 5,27, valor muito superior ao de outubro passado, quando as amigas planejaram a viagem.  Curaçao recebe todos os anos centenas de turistas. Mas diante dos riscos do coronavírus, foi preciso fechar o aeroporto, hotéis e restaurantes. Apenas supermercados e farmácias estão funcionando. Lua de mel interrompida Uma história parecida vive a também médica Soraya Fukamichi e o marido Fernando Fiamengui. O plano inicial era curtir uma parte da lua de mel em Curaçao e a outra em Aruba - ilhas separadas por apenas poucos minutos de voo.  Ao perceberem que a situação ia piorar, eles tentaram sair da ilha mas “todos os voos para o Brasil estavam lotados”. Em seguida, conta ela, chegou a notícia:  “De repente veio o anúncio de que as empresas aéreas iriam cancelar os voos e em 24 horas, 48 horas basicamente, vários voos foram cancelados, inclusive o meu”.  Até o momento foram registrados pouco mais de dez casos positivos de coronavírus em Curaçao. Para evitar a expansão da doença, o governo da ilha tomou medidas drásticas: "Estamos muito apreensivos porque temos que ficar (fechados) 24 horas por dia. Só podemos sair para ir ao mercado ou à farmácia”, relata.  Ilhada, sozinha e em quarentena Situação igualmente complexa vive Mariana Costa Amorim. Ela foi de férias para Bonaire, onde passaria apenas dez dias. Sem conseguir voos para o Brasil, acabou comprando um voo para a Holanda na esperança que, de lá, poderia embarcar para a cidade brasileira onde está a filha, de seis anos. “Na tentativa desesperada de ir embora eu comprei uma passagem de Bonaire para Amsterdã e de Amsterdã para Brasília. Quando cheguei domingo no aeroporto, a empresa aérea KLM informou que eu não tinha autorização para entrar já que eles estavam embarcando apenas cidadãos da comunidade europeia”. Agora, Mariana conta os dias e o dinheiro está acabando. Para complicar um pouco mais a situação, não consegue trabalhar à distância por não ter um computador. Ela começou a receber advertências por faltas no trabalho e isso terá consequências no já comprometido orçamento da funcionária pública.    Em meio a situação totalmente inusitada, a solidariedade de dois brasileiros que moram em Bonaire fez a diferença: “Um deles, com quem eu venho falando, me trouxe um monte de comida. E eu até brinquei falando que além de alimentar o corpo, foi um gesto tão atencioso que alimenta a alma nesse momento difícil. Eu tô aqui sozinha, minha filha tá lá morrendo de saudade....” Até o momento não há registros de casos positivos de covid-19 em Bonaire. Integrado por nove pessoas em Curaçao e por três em Bonaire, o grupo de brasileiros retido nas Antilhas Holandesas é uníssono com as palavras da médica Eliana Alves: “Estamos aguardando que o Itamaraty se organize para nos resgatar”.  

    Brasil-América Latina - Inspirados em médicos cubanos, brasileiros realizam sonho de estudar Medicina em Havana

    Play Episode Listen Later Dec 1, 2019 9:52


    Cuba é célebre por enviar médicos a todos os cantos do mundo para suprir a deficiência de atendimento em regiões atingidas por catástrofes naturais ou economicamente desfavorecidas - áreas onde serviços de saúde são escassos. Esse foi o caso do Brasil que, durante os governos do PT usufruiu dessa parceria, recentemente interrompida por iniciativa do presidente Jair Bolsonaro. Além da participação em missões humanitárias internacionais, Cuba também acolhe estudantes estrangeiros, entre eles brasileiros, na Escola Latinoamericana de Medicina (Elam). O objetivo é formar médicos para atuar em áreas de atendimento precário nos países de origem desses futuros profissionais. Em Havana, a RFI encontrou dois jovens que participam deste programa: o pernambucano Ricardo da Silva Estevo, de 27 anos, e o baiano Diego Oliveira Nunes, de 29 anos. "Desde minha infância fui cativado pelos médicos cubanos que deram sua importante contribuição no Estado de Pernambuco, sempre apoiando regiões de difícil acesso. Além disso, Medicina pra mim sempre foi um sonho, especialmente estudar em Cuba, pela questão humanitária e de ajuda a todos os povos pelo mundo e pelo Brasil", conta Ricardo. Já Diego, além da meta de estudar Medicina, inspirado pela mãe, que é enfermeira, traz em sua bagagem familiar o engajamento social. "Minha família toda pertence ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra no Brasil. No programa da Elam, uma parte das vagas era destinada a organizações sociais. Então, fui selecionado e ganhei uma bolsa", diz. Dificuldades e surpresas Por trás da realização de estudar Medicina em Cuba e integrar uma importante missão humanitária, os dois jovens enfrentaram um cotidiano de dificuldades e desafios, mas também de muitas surpresas. No início, os maiores empecilhos foram a distância de casa, o idioma estrangeiro e a vida em um país castigado por décadas de bloqueios econômicos. Uma adaptação que resultou no crescimento e amadurecimento dos dois estudantes. "Eu chorava todos os dias com saudades de casa! Mas, com o tempo, fui me adaptando. No Brasil, temos muito e podemos sempre ter mais. Aqui, com o pouco que temos, fazemos muito. Porque o povo cubano tem essa característica: eles nos ensinam muito a ser otimistas e a valorizar as pequenas coisas", ressalta. Já o que mais surpreendeu Diego quando aterrissou em Havana foi o inesperado acesso da população a bens de consumo e as limitações da tecnologia, que chega a conta-gotas desde a recente abertura do país, no final dos anos Castro. Para o baiano, o sistema atual em nada se parece com o que estudou nos livros de História. "Pensava que iria viver em um país comunista. Mas, quando cheguei, vi gente usando smartphones, com carros novos... minha família não acreditava no que eu contava! Mas o que foi muito difícil no começo foi a comunicação. Antigamente, eles vendiam um cartão telefônico por US$ 10 com o qual eu fazia uma ligação de apenas quatro minutos para o Brasil. Mas aí ficamos sabendo que alguns cubanos tinham internet discada em casa e podíamos telefonar via internet. Metade do nosso dinheiro ia nisso!", conta. Atualmente, o país conta com rede 3G e 4G, em pacotes de 6.5 e 10 GB custando 35 e 45 CUC (cerca de R$ 149 e R$ 191). Também há cartões de acesso à internet que custam 1 CUC (equivalente R$ 4,26) por 150 MB. No entanto, o salário médio no país é 30 CUC (cerca de R$ 128) e o serviço ainda é caro para a maioria da população. Prática da Medicina em Cuba As dificuldades vividas no cotidiano também se refletem nos estudos e na prática da Medicina em Cuba, conta Ricardo. O pernambucano destaca as qualidades da Elam, um programa que, segundo ele, prepara os estudantes "para o mundo e para a vida". "Embora estejamos um pouco limitados por conta da bibliografia, que é um pouco antiga, os professores sempre tratam de atualizá-la. Saímos daqui extremamente capacitados. Você não imagina a experiência que vivemos trabalhando nos hospitais cubanos, porque aqui temos que imaginar, criar, pensar rápido para salvar a vida dos pacientes. Estudar Medicina em Cuba no prepara para situações reais", salienta. Com a formação chegando ao fim, os dois estudantes começam a planejar a volta ao Brasil. Mas por lá a situação não deve ser menos complexa, com todo o tabu criado em torno dos médicos cubanos do programa Mais Médicos e a propaganda contra Cuba realizada pelo atual governo. "Em agosto de 2020 devo voltar para o Brasil, mas ainda estamos dependentes da questão da revalidação dos diplomas. Minha previsão é ir para casa, mas preciso da certeza de que terei espaço para trabalhar lá. Afinal, não é fácil passar sete anos estudando fora de seu país, voltar e não poder trabalhar porque existe por parte do governo atual um partidarismo e o preconceito contra os médicos cubanos e os estudantes de Medicina em Cuba", observa. O pernambucano reconhece que a possibilidade de permanecer em Cuba após a graduação também poderia comprometer o ideal do programa da Elam. "Eu não estaria cumprindo o contrato que assinei que estabelece que, quando terminamos nosso curso, devemos voltar para nossos países e ajudar a nossa população, que é tão carente de saúde. Por isso, meu plano é esse: voltar pra casa para poder ajudar o meu povo e o meu país", reitera Ricardo. Caso a volta ao Brasil seja dificultada pelas políticas de Bolsonaro, Diego já pensa em outras alternativas. "Me faltam ainda dois anos e meio para finalizar a formação. Espero que daqui até lá a situação esteja melhor no Brasil. O que eu quero é voltar para o meu país, trabalhar na minha cidade, se possível na minha comunidade. Mas, se por acaso o Brasil continuar desse jeito, pretendo me organizar e ir para um outro lugar. Afinal, não quero perder todo esse tempo, essa dedicação e o investimento de meus pais em vão", conclui.

    Brasil-América Latina - Perdeu os acontecimentos na Bolívia? Professor analisa semana que abalou o país

    Play Episode Listen Later Nov 16, 2019 2:58


    A Bolívia tenta sair da convulsão político-social na qual mergulhou após as denúncias de fraude da eleição de 20 de outubro. Agora Jeanine Áñez, a segunda mulher na história boliviana a assumir a presidência, busca recuperar a institucionalidade depois de uma série de protestos que causaram pelo menos nove mortes e deixaram dezenas de feridos no país, comandado por Evo Morales por mais de 13 anos. Elianah Jorge, correspondente da RFI João Veríssimo é brasileiro e professor de Relações Internacionais da Universidad Nur, uma das mais conceituadas da Bolívia. Ele explica que, para entender a crise, é preciso voltar a 2016, quando uma consulta popular evidenciou que o quarto mandato presidencial não seria aceito, o que tampouco era previsto na Constituição.“No plebiscito de 21 de fevereiro, ficou determinado que haveria o limite de duas candidaturas seguidas, posteriores à primeira eleição. No entanto, Evo Morales não respeitou esse resultado. Ele conseguiu, no Tribunal Superior Eleitoral, a permissão de uma terceira candidatura. O Tribunal determinou que seria 'um direito humano' ele poder se candidatar outra vez”, relembra.A data da consulta popular originou o movimento 21F, que marcou o início das primeiras manifestações contra a candidatura de Evo e para reivindicar a decisão expressa nas urnas. No entanto, o então presidente insistiu em um quarto mandato.Após a votação do último 20 de outubro, uma auditoria feita pela Organização de Estados Americanos (OEA) apontou, em 10 de novembro, que a eleição da qual Evo teria saído ganhador já no primeiro turno não seguiu a legalidade do processo eleitoral. Mesmo assim, Morales queria levar adiante a realização do segundo turno.Foi o estopim para o começo de uma greve geral que durou 21 dias, seguida de uma repressão aos políticos do partido de Morales, o Movimento ao Socialismo, conhecido como MAS.“O que aconteceu foi uma caça às bruxascontra todos os candidatos e políticos do partido do Evo Morales, obrigando a todos a renunciarem", resume Veríssimo.O caso mais emblemático dos violentos protestos foi o de Patricia Arce, até então prefeita de um município de Cochabamba. Ligada ao MAS, ela foi retirada à força de sua residência, teve os cabelos cortados pela turba e todo o corpo pintado de vermelho. Outros políticos tiveram suas casas atacadas.Após receber um ultimato das Forças Armadas, restou a Evo renunciar. Ele e outros integrantes de seu governo receberam asilo no México. O agora ex-presidente afirma que um golpe de Estado o levou a deixar o governo.   Falta de legalidade O professor é cauteloso em afirmar que Evo Morales foi deposto por um golpe. No entanto, ele explica que a posse de Jeanine Áñez, no último dia 12, não cumpriu o que determina a Constituição. “Para a sessão de presidente em exercício do país, deveria haver quórum - o que não aconteceu. Ela foi lá e se declarou presidente em exercício do país, em uma sessão de cinco minutos.”Além disso, Jeanine saltou alguns processos. Uma eleição no Senado deveria ter sido feita antes da posse na presidência, já que ela até então era a segunda vice-presidente da casa. Os integrantes do MAS, que ocupavam dois terços da Câmara, não participaram do ato. Apesar da presidente em exercício tentar uma aproximação com o partido Movimento ao Socialismo, pairam dúvidas sobre a presença desta agremiação no atual cenário político boliviano. No poder entre 2006 e 2019, período dos mandatos de Morales, os integrantes do MAS foram pulverizados dos cargos públicos. “Caso seja comprovada a fraude, o partido deveria perder seu registro. O partido está completamente demonizado, junto com seus políticos e afiliados”, afirma o professor. Advogada, a presidente em exercício Jeanine Áñez tem o desafio de restaurar a institucionalidade e a estabilidade do país. Ainda existem focos de protestos na Bolívia.Rapidamente, Áñez precisa nomear um total de 21 ministros, restaurar o Tribunal Supremo Eleitoral - que deve ter sete membros, todos ratificados pelo Congresso -, para então convocar novas eleições.João Veríssimo acredita que o calendário constitucional não poderá ser cumprido, dada a complexidade de todo o processo. Já no próximo 22 de janeiro, o país deveria dar posse aos eleitos no pleito de outubro, caso o processo tivesse sido transparente.“É impossível. Com novas eleições, tudo começa do zero. Novos candidatos poderão participar das eleições, novas alianças. É preciso fazer as novas eleições primárias e a campanha eleitoral", nota Veríssimo. "Pode levar cinco meses, a partir da formação do novo Tribunal Superior Eleitoral.” Economia em risco A economia da Bolívia, antes das eleições, era uma das mais pujantes da região. Projeções do Fundo Monetário Internacional, divulgadas em outubro deste ano, apontam um avanço de 4% do Produto Interno Bruto do país.Com o caos político-social, a economia boliviana poderá sofrer. “Promete-se muito o fortalecimento das instituições, o combate à corrupção, o crescimento do país. Vamos ter que esperar o primeiro mês para ver como a presidência do país, na prática, vai fazer a engrenagem do país funcionar.” Tentativa de união A rixa entre os bolivianos do ocidente e os do oriente (oeste e leste) é histórica e marcada por um forte preconceito. Para tentar apaziguar os ânimos, Jeanine vem chamando a uma reconciliação nacional, conta o professor:“Jeanine Ánez tem feito alguns discursos louváveis sobre a união e da reunificação do país, que tem muito marcado as questões indígenas, as diversas nacionalidades, mas também uma divisão regional entre o oriente e o ocidente.” A nova presidente tem usado símbolos do país, como a bandeira whipala, de quadros coloridos que representam as comunidades andinas, e a bandeira patujú, com a flor nacional boliviana e que representa os povos do oriente boliviano.  

    Brasil-América Latina - Brasil e Argentina se unem para facilitar o turismo entre si e para atrair turistas internacionais

    Play Episode Listen Later Oct 12, 2019 4:39


    Argentina e Brasil vão anunciar em Macau o reconhecimento recíproco de vistos emitidos pelos dois países a turistas chineses. Além disso, querem criar um mercado comum de navios de cruzeiros e vão abordar juntos terceiros mercados. Márcio Resende, correspondente em Buenos Aires A parceria Brasil-Argentina para atrair investimentos no setor de Turismo e turistas estrangeiros começa neste domingo (13) no Fórum Global de Economia do Turismo (GTEF), em Macau, na China. Durante três dias, Brasil e Argentina, os convidados de honra do Fórum, terão a chance de se promoverem como destinos de forma conjunta para os chineses e de atuarem de forma coordenada para a captação de investimentos turísticos entre os maiores referentes mundiais do setor. O Fórum é uma plataforma na qual as autoridades têm contacto direto com os investidores. Tentação chinesa Para isso, Brasil e Argentina vão anunciar duas iniciativas que serão implementadas nos próximos meses: aquele turista chinês que tirar um visto para visitar a Argentina, terá, automaticamente, entrada aprovada no Brasil e vice-versa. São os chamados vistos recíprocos. Além disso, aquele turista chinês que já tiver visto para os Estados Unidos ou para o espaço Schengen terá, automaticamente, o direito de ingressar no Brasil e na Argentina sem a necessidade de outro visto. Um dos objetivos é atrair parte dos 149 milhões de turistas que a China emite hoje para o mundo. Desses, apenas 60 mil vão ao Brasil. Um número que pode ser multiplicado rapidamente, conforme explica à RFI o presidente da Embratur, Gilson Machado Neto. "Estima-se que a China, até 2030, emita 500 milhões de turistas para o mundo. A China vai abrir um escritório de Turismo em São Paulo, em novembro. Eu diria que, sendo pouco otimista, podemos dobrar a quantidade anual de turistas chineses ao Brasil", calcula Machado Neto. A Argentina experimentou um crescimento com duas pequenas iniciativas há dois anos. Passou a conceder visto de 10 anos para o turista chinês e autorização eletrônica de viagem ao turista chinês que tivesse visto aos Estados Unidos ou ao espaço Schengen. Em 2018, a entrada de turistas chineses aumentou 20% em relação ao ano anterior, chegando a 72 mil turistas. Nos primeiros oito meses de 2019, 50 mil chineses visitaram a Argentina, 8% a mais que no mesmo período de 2018. "Por ser a América do Sul tão longe para o chinês, ele não viaja só para a Argentina ou só para o Brasil. Combina os dois destinos. Por isso, a ação conjunta dos dois países no Fórum Global de Economia do Turismo, para que o aumento seja muito maior", explica o presidente da Embratur. "Estaremos juntos com o Brasil em Macau. Termos uma agenda para tratar da aceitação recíproca de vistos e dos investimentos que ampliem o Turismo aos dois países. Teremos um trabalho de promoção conjunta para terceiros países do mundo inteiro. Brasil e Argentina são irmãos turísticos. Vamos trabalhar como se fôssemos um mercado interno", reforça à RFI o ministro argentino do Turismo, Gustavo Santos. Terra à vista Antes de viajar a Macau, Gilson Machado Neto passou por Buenos Aires onde aconteceu, nesta semana, a Feira Internacional do Turismo, a maior da América Latina. Brasil e Argentina querem criar um mercado comum de navios de cruzeiros, ao qual se somaria o Uruguai, com rotas que liguem os três países e com uma legislação unificada que permita atrair investimentos e maior fluxo de turistas. A ideia partiu do ministro argentino e foi acolhida pelo Brasil. A Argentina alterou a sua legislação e tem recebido um forte aumento do número de cruzeiros. O Brasil tem uma legislação fora do parâmetro mundial que impede o desenvolvimento do setor, algo que o presidente da Embratur, Gilson Machado Neto, pretende que seja modificado em breve. "Hoje, o Brasil está numa realidade totalmente hostil às empresas de navios de cruzeiros. Queremos que a mesma legislação que regula 90% dos navios de cruzeiros no mundo sirva para o Brasil para que, assim, possamos concorrer em pé de igualdade com o mundo", explica Machado Neto. Em novembro, na próxima reunião de turismo do Mercosul, deve ser assinada uma carta de intenção com uma agenda de trabalho. Um dos pontos da carta deve ser o objetivo de criar uma lei de comum acordo entre Argentina, Brasil e Uruguai. O presidente da Embratur destaca um estudo da Associação Brasileira de Cruzeiros Marítimos (CLIA Brasil, sigla em inglês da Associação Internacional de Cruzeiros) que aponta aos efeitos derivados de ajustes na regulação, de melhoras na infra-estrutura e no desenvolvimento de novos destinos. "Se tivermos 20 cruzeiros por temporada, podemos gerar 600 mil empregos diretos e indiretos. É imensurável o potencial que temos. Já há interessados em investir", garante Gilson Machado Neto. "O Brasil é a melhor história de sucesso que nunca aconteceu no ramo de cruzeiros", conclui. Na próxima temporada, entre novembro e abril, o Brasil terá apenas sete navios a operar em toda a sua costa. Turismo Rodoviário E para incentivar o chamado "Turismo Rodoviário", Brasil e Argentina querem integrar, na fronteira, as Polícias e as Alfândegas dos dois países para evitarem as longas filas de carros e ônibus que esperam horas para atravessarem de um país ao outro. Ao saírem de um país, os turistas farão a saída e a entrada no mesmo local numa única tramitação No ano que vem, também deve ser criada a "Semana do Brasil em Buenos Aires" para divulgar a cultura, os sabores e os destinos brasileiros. "Estamos procurando fazer no espaço público na Argentina, com participação do poder público argentino, uma grande festa do Brasil, a Semana do Brasil", antecipa à RFI o presidente da Embratur, Gilson Machado Neto.  

    Brasil-América Latina - Brasileira da Opus Dei ajuda população carente em Caracas

    Play Episode Listen Later Sep 8, 2019 4:01


    A aposentada Telma Guimarães fez um caminho que poucas pessoas tiveram a coragem de fazer nos últimos anos: se mudar para a Venezuela. Convidada pela Opus Dei – organização da Igreja Católica presente nos cinco continentes – ela diz que não pensou duas vezes em poder ajudar em um país tão marcado pela crise. Elianah Jorge, correspondente da RFI Brasil em Caracas. Na contramão dos mais de quatro milhões de venezuelanos que abandonaram o país, a dentista aposentada Telma Guimarães despediu-se de São Paulo e desde julho do ano passado mora em Caracas. Ela conta o que faz neste país castigado por uma profunda crise: “Vim aqui ajudar muita gente amiga que, com toda essa situação, está passando por algumas dificuldades, mais do que econômica - que essa não tem jeito, todo mundo passa. Mas para ajudar a levantar o ânimo das pessoas. ” Opus Dei, na tradução livre do latim, significa “Obra de Deus”. Este é um braço da Igreja Católica que difunde o cristianismo mundo afora reforçando a importância da família e do trabalho. Criado há 90 anos e com sede em Roma, o prelado está desde o início da década de 1950 na Venezuela. Atualmente a Opus Dei está presente em 70 países, nos cinco continentes, e conta com mais de 92 mil integrantes. Deste número, pouco mais de dois mil são sacerdotes. Telma explica que na Opus Dei o desafio é alcançar a santificação através dos atos cotidianos e não de dentro de um claustro: “Essa é a grande novidade da Opus Dei. As pessoas não compreendem muito. A grande maioria dos membros da Opus Dei são casados. São pessoas que têm um trabalho profissional e se santificam através de sua vida diária, normal. Não é gente que sai do mundo”. Parafraseando o líder pacifista indiano Mahatma Gandhi (1869-1948), a brasileira detalha que “é uma luta ser santo, e isso é o bonito da situação. Não somos pessoas extraordinárias. Se os católicos vivessem tudo o que foi ensinado por Jesus Cristo, o mundo seria perfeito. E olha que Gandhi não tem nada a ver com os católicos”. Telma chegou a Opus Dei quando tinha apenas 18 anos. Naquela época, ela buscava respostas para questões sobre a vida. “Normalmente na Opus Dei existe uma direção no país. O prelado da Opus Dei delega algumas pessoas, homens de um lado e as mulheres do outro, para dirigir a Obra em cada sessão”. Sinônimo de hermetismo Para muitos, este braço da Igreja Católica é sinônimo de hermetismo. As críticas a Opus Dei recaem sobre a rigidez das regras para os integrantes da organização, o suposto elitismo e misoginia além do apoio ou participação em governos autoritários, especialmente o governo franquista da Espanha até 1978. Mas Telma relativiza as críticas: “Todos os Papas sempre tiveram imenso carinho pela Obra. Sempre foram muito acolhedores e trabalhando em perfeita sintonia com a Opus Dei. As críticas sempre vão existir. Jesus Cristo, que é Deus, não foi compreendido nem pela gente do seu tempo, mesmo diante dos milagres impressionantes que ele fazia. E nem é compreendido no mundo atual através das patentes extraordinárias que nós conhecemos através da ciência”. Ela explica que “em cada centro, onde é dada a formação, existem três ou quatro pessoas que têm um pequeno cargo que é o de direção das atividades apostólicas. Eu não tenho nenhum cargo. O bom é você fazer o que tem que fazer”. Telma tem uma longa experiência dentro da Opus Dei, além de talento para administrar. Ela mora em um dos centros da Obra. No edifício localizado em um agradável bairro da capital venezuelana, vivem pelo menos vinte pessoas, todas mulheres.  “São poucas as pessoas que estão para isso, que são as numerárias, como a gente chama. Elas são pessoas que vivem no centro da Obra para poder dar a formação para os demais Eu também sou uma numerária”, conta Telma. Moeda pulverizada As particularidades da Venezuela chamam a atenção de Telma. Entre elas está o preço da gasolina, que é praticamente grátis. Além disso, a desvalorização do bolívar, a moeda venezuelana, tem gerado um fenômeno: alguns pagamentos estão sendo feitos com mercadorias e não com dinheiro em espécie. “A nota mínima aqui é a de 50 bolívares, e a gasolina custa 0,00000 qualquer coisa. Então eu sempre levo um pacote de macarrão, de harina pan(a marca da farinha de milho que é usada para fazer as arepas, o prato nacional). Se eu tenho banana, dou banana. Eles (os frentistas) ficam supercontentes. Eu costumo ir ao mesmo posto de gasolina e (quando pago com mercadorias) eles falam: está mais que pago! ” A reconversão monetária, instaurada em agosto do ano passado, mais a hiperinflação (que deve chegar a mais de 10 milhões por cento este ano de acordo com o Fundo Monetário Internacional) pulverizaram o valor da moeda nacional. Não é raro ver as notas de bolívar desprezadas em lixeiras ou mesmo jogadas nas ruas. O país já foi um dos mais prósperos do continente. Hoje em dia a Venezuela produz apenas 734 mil barris de petróleo por dia, número aquém dos quase dois milhões extraídos em 2017. Esses números impactam o governo, mas sobretudo a população.  Um país à deriva A paulista observa com cautela a situação do país. Em janeiro deste ano aconteceu uma reviravolta política com a posse, em praça pública, do líder opositor Juan Guaidó. Além disso, entre março e abril, os megas apagões evidenciaram que na Venezuela as empresas de serviços básicos não estão com a manutenção em dia. “A PDVSA (a estatal Petróleos da Venezuela) não funciona. A eletricidade não funciona, a água não funciona, nada funciona! É um país onde até as leis não funcionam. A única lei que existe é a arma, e isso não é lei”.   Em algumas regiões do país falta gasolina. Os cortes de energia elétrica são constantes no interior e muitas vezes a capital venezuelana também fica às escuras. O fornecimento de água é restrito a apenas algumas horas por dia. Embora a violência tenha diminuído também por causa da crise, o país ainda lidera a lista de lugares mais violentos do mundo.  Apesar da tensão no ambiente, Telma, sempre com um sorriso nos lábios, busca elevar o ânimo daqueles com quem convive, seja na rua ou na Obra. Nas horas livres com as amigas, todas venezuelanas, ela compartilha um pouco do Brasil: “Ensinei elas a fazer caipirinha. Elas adoram caipirinha. Aqui todo mundo adora caipirinha! Faço doce de abóbora. Aqui elas só comem “auyama” (como a abóbora é chamada na Venezuela) na sopa. Eu fiz doce de abóbora com coco, que fica bem brasileiro. Elas adoraram”, finaliza Telma.

    Brasil-América Latina - Bombeiros argentinos estão prontos para ajudar o Brasil na Amazônia

    Play Episode Listen Later Aug 31, 2019 5:57


    Duzentos brigadistas argentinos especializados em combater incêndios florestais aguardam um sinal do governo brasileiro para participar das operações contra as queimadas na Amazônia. Os argentinos formam o maior contingente de ajuda dos países vizinhos ao Brasil. Correspondente da RFI em Buenos Aires No dia 22 de agosto, o presidente Mauricio Macri ofereceu ajuda a Jair Bolsonaro para combater os incêndios na Amazônia. A brigada argentina, especializada em investigação e gestão de desastres, está pronta há uma semana à espera apenas da ordem para atuar. Entre os 200 brigadistas, 60 são bombeiros que foram selecionados entre os mais de 400 que se inscreveram no Sistema Nacional de Bombeiros Voluntários (www.bomberosra.org.ar) para colaborar com o Brasil. "A lista de voluntários especialistas em incêndios florestais aumenta a cada dia", indica à RFI Gustavo Nicola, responsável pela Coordenação Única de Operação dos Bombeiros. Ele irá ao Brasil ao lado dos demais colegas. Nicola explica que o interesse dos bombeiros argentinos é maior do que o normal neste caso brasileiro porque existe uma dupla vocação: a de lutar contra um incêndio que destrói uma floresta, mas também a de combater uma ameaça à humanidade. "Nós estamos sempre dispostos a colaborar, mas, este é também um incêndio que afeta a humanidade. Acredito que, neste caso, há uma dupla preocupação. O bombeiro argentino quer combater o fogo, mas também está preocupado com o dano ecológico que o mundo está sofrendo. Eu acredito que isso muda a expectativa. Por isso, há tantos bombeiros dispostos a colaborar", observa. Culpa do homem Nicola também acredita que o combate às chamas na Amazônia pode ajudar a despertar a consciência dos argentinos para as sua próprias florestas e, por que não, a consciência do mundo. "Eu acho que este incêndio tem de nos deixar um ensinamento a todos para não voltar a se repetir. Tem de servir para haver uma conscientização em cada sociedade. Não só nos argentinos, mas também no mundo porque o desmatamento é mundial. Não é somente na Amazônia e na Argentina. É preciso de mais leis e de novas formas de trabalho para reverter o desmatamento. Temos de aprender com essa lição porque vamos pagar um custo alto", defende o coordenador, apontando o que a sua experiência no combate de incêndios florestais revela. "De todos os incêndios florestais, a culpa é do homem em 90% dos casos. As causas naturais são só 10% das vezes. O resto é culpa do homem", garante. A entrevista do bombeiro à RFI foi interrompida por dois grandes incêndios que ameaçaram as florestas de Córdoba nesta semana. No final, a situação foi controlada. À espera de uma definição Os brigadistas argentinos agora estão prontos à espera de uma indicação do governo brasileiro, mas esse sinal ainda não aconteceu. "O meu papel é preparar os combatentes de incêndios florestais. Não sabemos quando partiremos nessa missão. Também não sabemos para onde vamos. Eu cumpro com o dever de ter os brigadistas prontos. As decisões dependem das chancelarias de cada país entrarem num acordo", explicou à RFI o subsecretário de Proteção Civil do Ministério da Segurança, Daniel Russo, a cargo do Serviço Nacional de Luta Contra Incêndios Florestais. Russo pondera que as decisões, quando se tratam de incêndios, são dinâmicas, podendo variar conforme o caso. "O país que recebe a ajuda tem de saber quando é necessário. Os incêndios florestais mudam de uma hora para outra. Às vezes, a ajuda é para substituir uma equipe brasileira que possa estar cansada", exemplifica. Além de Argentina, Chile, Equador, Colômbia e Venezuela ofereceram ajuda ao Brasil. O Chile ofereceu quatro aviões hidrantes. O Equador acenou com três equipes de brigadistas. A Colômbia manifestou-se disposta a ajudar. A Venezuela sinalizou com o que chamou de "ajuda módica": cerca de 20 bombeiros. Até agora, o governo brasileiro não concretizou os pedidos. O presidente colombiano, Iván Duque, propôs a Brasil, Bolívia, Equador e Peru a união em torno de um projeto regional de prevenção e de cooperação perante catástrofes ambientais na Amazônia. Os países amazônicos farão uma reunião no dia 6 de setembro, na cidade colombiana de Leticia, na fronteira com o Brasil e o Peru. Os presidentes dos países envolvidos estarão presentes, à exceção dos dirigentes da Venezuela e da França, que não foram convidados. O território ultramarino da Guiana Francesa, que faz fronteira com o estado do Amapá, é coberto pela floresta amazônica, mas o presidente Emmanuel Macron não foi convidado por causa do atrito diplomático com Bolsonaro. Macron tratou as queimadas na Amazônia como uma "crise internacional", enquanto o governo Bolsonaro viu neste posicionamento a ingerência do francês num assunto interno do Brasil.

    Brasil-América Latina - Cineasta se veste de padre para filmar documentário na Venezuela

    Play Episode Listen Later Jul 27, 2019 5:38


    Após anos de planejamento, o cineasta baiano Dado Galvão conseguiu visitar a Venezuela. A meta era captar in loco material para o documentário “Missão Ushuaia”, nome inspirado na declaração que reafirmou o compromisso democrático dos países do Mercosul e que causou a suspensão da Venezuela, em 2017.  Elianah Jorge, correspondente da RFI Brasil na Venezuela “Quando começamos a missão, em 2015, a gente pretendia conhecer, através do cinema documentário, o que estava acontecendo no país. Mas as coisas foram piorando até acontecer a suspensão da Venezuela”, conta Dado Galão. Mesmo sem o visto concedido pelo governo bolivariano, Galvão decidiu continuar o projeto e planejou sua entrada na Venezuela por terra, pela fronteira brasileira. Para facilitar a entrada, decidiu se fantasiar de padre: “Eu uso uma camisa clerical, uma camisa de padre. Entrei assim no país levando também alguns acessórios para compor o disfarce”, revela o cineasta. Em sua jornada, Dado Galvão contou com a ajuda de um jornalista venezuelano, que o auxiliou com as entrevistas, inclusive uma feita com o autoproclamado presidente interino Juan Guaidó. Apesar do risco de ser deportado caso fosse descoberto, Dado se arriscou para ver tudo de perto. Mas, ainda na capital do estado brasileiro de Roraima, a situação de alguns venezuelanos o impactou. “Em Boa Vista eu vi uma família, com crianças, disputando comida no lixo com um cachorro”, lamenta. Com o agravamento da crise, o interesse se manteve. Porém “com o olhar centrado nos refugiados, na questão democrática e no que diz respeito ao protocolo de Ushuaia”. O bloco comum vem se revigorando, sobretudo após o acordo feito com a União Europeia após 20 anos de negociações. Mas, para Galvão, as dimensões de ações do bloco vão além das político-econômicas: “O Mercosul não é só negócios entre países. Vai além. Existe um estatuto do Mercosul, existe o Parlasul, onde estivemos entregando cartas escritas por refugiados venezuelanos que estão em Pacaraima e em Boa Vista, em Roraima, o estado brasileiro que mais recebe pessoas que fogem da Venezuela”. Cartas da esperança É através do cinema documentário com as ações com a bandeira do Mercosul e com a entrega de mensagens dos refugiados, chamadas de “cartas da esperança”, que Galvão espera contribuir com a sociedade venezuelana. Essas cartas foram escritas por venezuelanos e entregues a autoridades e a integrantes da sociedade civil no Brasil. Mas também houve o movimento inverso: brasileiros que escreveram mensagens de motivação aos venezuelanos. Mais de 400 venezuelanos passam todos os dias pelos postos de triagem em Pacaraima, a primeira cidade brasileira na fronteira com a Venezuela. A estimativa é de que mais de 96 mil venezuelanos estejam no Brasil. Além da câmera, na mala ele trouxe a bandeira do bloco comum, batizada de Abaixo-Assinado do Mercosul, e que conta com assinaturas de cidadãos e de personalidades como, por exemplo, a do político Leopoldo López, e mais recentemente a de Juan Guaidó. A peça foi exposta em vários lugares, inclusive na fronteira Brasil-Venezuela. Inflação deve chegar a 10 milhões por cento Dado se questionava sobre por que as pessoas preferem estar até em estado de mendicância no Brasil em vez de continuar em suas casas na Venezuela. Foi na hora da refeição, na casa de uma família venezuelana, que ele entendeu: “O prato era interessante. Era uma montanha de macarrão e um pedacinho de frango - que tinha mais osso que carne. Isso me marcou muito e me deu mais combustível para continuar na caminhada”. Ao contrário do que vinha acontecendo em anos anteriores, a escassez de alimentos parece ter chegado ao fim. Mas agora o problema é outro, explica Galvão: “O que me chamou a atenção aqui em Caracas é que os mercados estão abastecidos. Você encontra os produtos, mas as pessoas não têm dinheiro para adquirir estes produtos”. Ele se refere às consequências da altíssima inflação, que deve chegar a 10 milhões por cento este ano, de acordo com o Fundo Monetário Internacional. O salário mínimo, de 65 mil bolívares, não permite o acesso a uma adequada alimentação. Um quilo de carne custa cerca de 20 mil bolívares. O baixo orçamento de uma residência venezuelana contrasta com os investimentos estatais. “Uma coisa que me chamou atenção foi ver que ao mesmo tempo que a gente vê muita pobreza, a gente vê o pessoal das diversas forças policiais totalmente equipados, com armas modernas, muito bem vestidos com fardas novas”, explica Galvão. De acordo com o FMI, o Produto Interno Bruto venezuelano deve sofrer uma contração de 35% este ano. O documentário ainda não tem data de estreia, mas Dado Galvão acredita que ele representa um passo importante na luta por dias melhores aqui na Venezuela: “A gente acredita que através da ferramenta audiovisual, mais as nossas ações de ativismo, culturais e humanitárias, a gente está provocando uma discussão para que as pessoas vejam. E no futuro, tomara que seja bem próximo, a gente tenha uma solução democrática para o que está acontecendo aqui”.

    Brasil-América Latina - "Não existe espaço para um Bolsonaro na Argentina", diz autor de livro sobre o brasileiro

    Play Episode Listen Later Jul 6, 2019 4:37


    Para o sociólogo Ariel Goldstein, um ex-militar não poderia emergir na política argentina, embora o candidato a vice na chapa de Macri, Miguel Ángel Pichetto, na esteira da vitória de Jair Bolsonaro no Brasil, defenda rediscutir o papel dos militares na sociedade argentina. Em entrevista à RFI, Goldstein também afirma que Cristina Kirchner aprendeu com o erro do PT de insistir na candidatura de Lula, e que as fake news, embora sejam um risco, não devem ter influência nas eleições argentinas como tiveram no Brasil.   Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires O sociólogo argentino Ariel Goldstein, especializado em política brasileira, foi o autor do primeiro livro no mundo sobre Jair Bolsonaro, depois de eleito presidente. "Bolsonaro, a democracia do Brasil em perigo" foi lançado em março, em Buenos Aires. Desde então, Goldstein passou a acompanhar os reflexos do governo do ex-militar na região, sobretudo na Argentina, que entra agora na corrida eleitoral. O país vizinho foi o que mais condenou militares pelos crimes durante a última ditadura "Acho que não existe espaço para um Bolsonaro na Argentina porque o consenso da fundação da democracia argentina rejeita os militares. As organizações de direitos humanos têm muita força. Embora haja uma direita evangélica crescente na Argentina e economistas liberais ganhem fôlego, não é possível um ex-militar - nem mesmo um candidato com um partido tão pequeno como o de Bolsonaro - chegar à Presidência", sentencia o sociólogo. Em visita de Estado à Argentina em junho, o presidente brasileiro apelou à "responsabilidade dos argentinos" para evitarem que o país "se torne uma Venezuela", em alusão a eventual retorno de Cristina Kirchner ao poder. A campanha eleitoral argentina começa oficialmente dentro de uma semana. Bolsonaro voltará a Buenos Aires no próximo dia 16. Bolsonaro, cabo eleitoral de Macri Para Goldstein, o apoio eleitoral de Bolsonaro pode servir para Macri consolidar o voto conservador e dar um sinal de que também fará as reformas que o mercado espera, num eventual segundo mandato. "Bolsonaro vai tentar associar Cristina com a Venezuela. Isso pode servir para Macri dizer que o mundo não quer que a Argentina volte ao passado, mas Bolsonaro gera muita rejeição na Argentina pelo que ele representa, especialmente no que se refere à reivindicação da ditadura, que é algo chocante para o público argentino", avalia Goldstein. Mas poderia o "kirchnerismo" tentar associar a imagem de Macri com a de Bolsonaro e os dois com a repulsa que os argentinos têm pelos militares? "Não acredito que a Cristina Kirchner possa atacar o Macri associando-o com Bolsonaro. A Argentina vai precisar ter uma boa relação com o Brasil, a maior economia da América Latina, independentemente de quem ganhar as eleições", acredita Goldstein De fato, nesta semana, Alberto Fernández, o candidato de Cristina Kirchner disse que "não há nenhuma outra possibilidade a não ser estar bem com o Brasil que elegeu um presidente". "Eu respeito a decisão do povo brasileiro. Com o Brasil, só podemos estar unidos", disse Alberto Fernández, que, ao mesmo tempo, pediu: "Que o Bolsonaro continue falando mal de mim. Ele não sabe o favor que me faz", cutucou. Imagem de Bolsonaro na Argentina Para o sociólogo argentino que mais estudou Bolsonaro, a imagem do presidente brasileiro na Argentina varia de acordo com o segmento social. "Para os estudantes e professores universitários, a imagem é péssima. Há uma alta rejeição devido às declarações machistas, homofóbicas e todas as demais. Mas, por outro lado, Bolsonaro pode gerar alguma admiração no campo da política de repressão, de fortalecer a segurança pública. Essa ideia de combater com força a criminalidade pode gerar admiração nos setores populares", pondera. Vice de Macri defende militares Mas eis que surge um novo discurso na Argentina, a favor de rever o papel dos militares na sociedade. Essa retórica vem de Miguel Ángel Pichetto, escolhido pelo presidente Macri para ser o seu candidato a vice. Pichetto defende a renovação das Forças Armadas porque "a ditadura já acabou". "Esse discurso do Pichetto em relação às Forças Armadas é novo na política argentina. Nenhum político dos partidos tradicionais tem adotado um discurso em defesa das Forças Armadas. Isso obedece à pretensão de preservar o voto conservador dentro da coligação de governo e tem a ver com a vitória do Bolsonaro no Brasil", indica Goldstein. Cristina aprendeu com erros de Lula Segundo o sociólogo, a oposição liderada pela ex-presidente Cristina Kirchner aprendeu com o erro do Partido dos Trabalhadores de insistir com a candidatura de Lula. Em maio, ela desistiu de concorrer à Presidência e escolheu bem cedo no seu lugar, Alberto Fernández, enquanto Kirchner fica como candidata a vice. "O PT insistiu, até o último momento, com a candidatura do Lula, que estava preso. A Cristina Kirchner entendeu que precisava colocar um candidato cedo. Colocou o Alberto Fernández para que ele tenha tempo de fazer campanha e de receber a transferência dos votos da Cristina", compara. Experiência brasileira com Fake News Na comparação com a corrida eleitoral brasileira, surge a ameaça das fake news. O sociólogo não vê na Argentina uma reprodução do que aconteceu no Brasil e avalia que as notícias falsas terão menos capacidade de penetração entre os eleitores argentinos. "A sociedade brasileira tem um baixo índice de leitura de jornais, ao contrário da argentina. O público argentino é mais politizado, acompanha mais a situação política nacional”, afirma. “Essa diferença no consumo de notícias a partir dos jornais pode ser uma contenção contra fake news na Argentina. Acredito que existe o risco, mas não será tão influente como foi na eleição brasileira", aposta. O livro sobre Bolsonaro é o segundo que Ariel Goldstein lança sobre a política brasileira. Há dois anos, lançou o "Imprensa tradicional e lideranças populares no Brasil" no qual estuda a postura dos jornais brasileiros O Estado de S. Paulo e O Globo durante os governos de Getúlio Vargas e Lula. "A conclusão é que a imprensa brasileira concorre com essas lideranças populares pela definição da agenda. Essas lideranças falam muito sobre pobreza e sobre desigualdade no Brasil, enquanto a imprensa fala muito mais sobre a honestidade e sobre a corrupção dessas lideranças”, constata. “Essa concorrência pela definição da agenda política é uma reiteração que eu observei nesses dois momentos históricos do Brasil", sublinha Goldstein.  

    Brasil-América Latina - Brasileira investe em "Parada Inteligente", rede de lojas de conveniência na Venezuela

    Play Episode Listen Later Jun 29, 2019 4:21


    Apesar da crise, Venezuela vive um momento de oportunidades, na opinião da brasileira Elisany Pinheiro. Radicada no país há 20 anos, ela investe em uma rede de lojas de conveniência, a “Parada inteligente”. Por Elianah Jorge, correspondente da RFI na Venezuela Em outubro de 1999, poucos meses da chegada de Hugo Chávez ao poder (1999-2013), a brasileira Elisany Pinheiro veio passar férias na Ilha de Margarita, na Venezuela. Gostou tanto que acabou ficando no país. Na época, para se manter, começou a vender roupas que trazia da Parintins natal. Tudo ia bem até que, em 2003, Chávez instaurou um novo controle cambial no país, o que a levou a mudar de ramo. Surgiu então a oportunidade de investir em cinco franquias da chamada “Parada Inteligente”, que ela explica como funciona: “É como uma loja de conveniência pequena dentro dos centros comerciais (shoppings). Parada Inteligente quer dizer que onde você para, no local, consegue um pouco de tudo. Por isso que é inteligente”. A atual crise levou cerca de quatro milhões de venezuelanos a imigrar, porém Elisany destaca que apesar da situação, há estrangeiros que preferem continuar por aqui. Ela considera que ainda existem setores para investir no país comando por Nicolás Maduro: “Eu continuo insistindo que na Venezuela este é o momento das oportunidades. Porque é o momento onde há muitas necessidades, e geralmente a oportunidade está onde tem necessidade. Por isso os estrangeiros continuam aqui”. No entanto a empresária reconhece que a situação não está fácil. De acordo com estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI) este ano o Produto Interno Bruto da Venezuela deve sofrer uma contração de -25%. Esperar o momento certo “Agora é o momento de aguentar e criar. Ver qual a necessidade do mercado, continuar, resistir e esperar o momento correto. Quando ele chegar, dá para “pegar de cheio”, diz ela sobre os benefícios que virão com uma possível guinada econômica da Venezuela. Enquanto essa mudança não vem, Elisany decidiu investir em um novo setor e em um novo país. Há seis meses ela abriu nos Estados Unidos a UnivFilms, uma empresa de streaming, mercado que vem ganhando espaço e facilita o acesso a conteúdos na internet sem precisar baixá-los. O produto dela promete ser o “Netflix” dos produtores independentes. “Tanto a visão como a missão da UnivFilms é que ela seja a plataforma do cinema independente, com espaço para os novos talentos. A meta é expandir o negócio e levá-lo a países da América Latina. O Brasil, claro, é um deles. O carro-chefe da empresa é o streaming, mas, segundo ela, há um leque de possibilidades. “A UnivFilms tem uma linha de produtos para sustentar e promover o cinema independente, que é a produção audiovisual, (além da promoção de) festivais e eventos, um módulo de formação audiovisual, um portal de notícias e uma agência de talentos”. Olhando para o futuro A plataforma da brasileira funciona através da assinatura mensal, com valores que variam entre US$ 4 quatro e 10, de acordo com a velocidade dos planos de exibição do conteúdo. De olho no futuro, Elisany aposta também na modernização do pagamento através de moedas virtuais. “Existe esse movimento das criptomoedas, então a tecnologia está avançando dia a dia e nós não podemos estar atrás”. Mesmo buscando novos horizontes, Elisany continua atenta ao que acontece na Venezuela e também com os venezuelanos. Entre tantos planos, ela quer fazer um documentário inspirado no êxodo ao país vizinho. Retratar o êxodo “Pretendo fazer um documentário sobre a questão da imigração dos venezuelanos na Colômbia, o país que mais recebe imigrantes venezuelanos”. Até maio deste ano, de acordo com a Migração da Colômbia, cerca de um milhão e trezentos mil fugiram para o país, o que demonstra a gravidade das consequências da crise entre a população venezuelana.

    Brasil-América Latina - Jovem da Baixada Fluminense realiza sonho de estudar na universidade Sorbonne em Paris

    Play Episode Listen Later Jun 16, 2019 4:50


    Elian Almeida, de 25 anos, foi aprovado para um ano de intercâmbio na universidade da Sorbonne em Paris. A conquista é simbólica para esse jovem artista, originário da cidade de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Sarah Cozzolino, correspondente da RFI no Rio de Janeiro Elian Almeida tem muito orgulho de poder se apresentar em francês, mas ainda mais de ter sido aceito na universidade da Sorbonne, que passará a frequentar a partir do próximo mês de setembro. Há dois anos, o estudante da Universidade estadual do Rio de Janeiro (UERJ) começou a sonhar com estudar na França. "Me sinto anestesiado", confessa, muito feliz. Para esse jovem negro da Baixada Fluminense não foi fácil realizar esse sonho. Criado numa família humilde, ele foi o primeiro e único entre os cinco irmãos a entrar numa universidade pública. O estudante de artes visuais classifica sua trajetória como política. "Quero pensar na minha aprovação não só como uma exceção, mas deveria ser regra", ressalta. "Estudar na Sorbonne é difícil para uma pessoa que nasce na Baixada. Na comunidade ou na periferia, entrar numa universidade pública já é muito difícil."  Crise na educação O artista, que tem predileção por temas que tragam uma reflexão sobre o racismo no Brasil e a vida na periferia, entrou na universidade pública graças às cotas. "Na universidade, só tive dos professores negros. É muito pouco", lamenta Elian. Agora que o governo do presidente Jair Bolsonaro prevê cortar recursos na educação pública, Elian teme uma situação bem pior para pessoas como ele. "Não existe crise na educação, é um projeto. Quando você tira investimento da educação pública de qualidade, você dificulta que pessoas que não podem pagar uma universidade privada entrem no ensino superior e se formem."  O primeiro desafio enfrentado foi encontrar uma maneira de aprender o idioma. Não tendo como pagar pelos cursos de francês, reservados para uma elite no Rio de Janeiro, encontrou uma forma de pagar um preço mais acessível, entrando na associação "Abraço cultural". Lá, os professores são refugiados francófonos majoritariamente originários da África, capacitados para dar aulas de francês. Após dois meses de estudos intensos com um professor do Congo, agora refugiado e médico no Rio de Janeiro, quando já não podia mais pagar as aulas, continuou a estudar de forma independente, escutando os podcasts em "Français Facile", da RFI.  Um exemplo para muitos Elian, contudo, tem a consciência de que a sua determinação não é algo tão comum e já pensa maneiras de fazer com que outros jovens também possam realizar o sonho de estudar fora do país, quando voltar pro Brasil. Com outros amigos agora estudando na universidade de Harvard, nos Estados Unidos, o artista quer criar um projeto para que pessoas negras e pobres possam ser ajudadas a fazer um vestibular ou entrar numa universidade pública, no Brasil ou fora do país. "Não é só pensar no meu diploma, afirma Elian, mas é pensar como ele pode voltar para as pessoas. Se eu tive acesso, como que eu posso ampliar meu acesso?", reitera. O estudante admite estar ansioso com a partida que se aproxima: pensando nos aspectos práticos da sua viagem, abriu no início do mês uma vaquinha virtual para que as pessoas possam ajudar a financiar a sua passagem de avião e as primeiras despesas na França. O sucesso foi tão grande que depois de 6 dias ele conseguiu atingir a meta de 20 mil doadores. 

    Brasil-América Latina - Insegurança, penúria, inflação galopante: brasileira relata o cotidiano em um bairro popular de Caracas

    Play Episode Listen Later Jun 2, 2019 3:56


    A manauara Mafiza Dantas chegou na Venezuela em 1982, quando o país era “maravilhoso”. Ela veio trazida pelo pai, também brasileiro, que já morava em Caracas. Durante a adaptação à nova cultura, ela conheceu o marido, um português originário da Ilha da Madeira. Os três filhos do casal cresceram quando a economia ainda era forte e a situação política mais estável que a de agora. Mas o cenário mudou. “Até pouco tempo atrás, aqui tinha de tudo. Até que começou a crise”, relembra, referindo-se ao turbulento período iniciado em 2014 e que, desde então, só aprofundou as dificuldades econômicas, políticas e sociais por que passa a Venezuela.  Em janeiro deste ano, no dia em que o opositor Juan Guaidó se autoproclamou presidente interino, o açougue do marido de Mafiza foi invadido. Ele já havia vivido situação parecida em fevereiro de 1989, durante o levante popular conhecido como Caracaço. “No dia 23, saquearam o comércio dele. Quebraram tudo”, conta ela.    Dolarização dificulta recuperação Para restaurar o açougue, localizado em um bairro popular da capital venezuelana, o marido faz manobras no orçamento. Desde o plano de reajuste econômico, aplicado pelo governo do presidente Nicolás Maduro em agosto passado, a moeda venezuelana perdeu ainda mais valor, o que deu início a uma aceleração da dolarização da economia local. A situação vem retardando a recuperação do estabelecimento, de onde a família tira grande parte do sustento. “É tudo em dólar, até para colocar os vidros novos. Levaram serra, moenda... Levaram muitas coisas”, lamenta. Comparando a Venezuela de 1982 com a atual, tudo é diferente: da oferta de alimentos e produtos à insegurança nas ruas, passando pelos recentes apagões. No entanto, a família não tem planos de deixar o país. “Para sair daqui, comprar casa e abrir um negócio, tem que ter muito dinheiro. E o dinheiro venezuelano (o bolívar) não tem mais valor”, indica a brasileira. Falta de gasolina – apesar de ser um dos líderes do petróleo mundial Mafiza conta que, em 2018, ao voltar de carro de Manaus a Caracas, quase ficaram no meio da estrada. “Nós pensamos que encontraríamos um posto de gasolina no caminho, mas não havia. A gente encontrava pessoas vendendo gasolina em garrafas de todos os tamanhos. A gente comprava e colocava”, relata. A situação é quase irônica para um país que é um dos maiores produtores de petróleo do mundo, sócio da Organização de Países Produtores de Petróleo (OPEP). Mas, nos últimos dias, um problema já conhecido pelos que moram ou transitam pelo interior venezuelano chegou à capital Caracas: a falta de gasolina. Das cinco principais refinarias do país, apenas uma funciona, e de forma precária. A Refinaria de Amuay (localizada no noroeste venezuelano) trabalha com apenas 10% de sua capacidade. A Venezuela, que já chegou a produzir quase um milhão de barris de gasolina por dia, agora produz cerca de cem mil. Uma garrafinha de água é infinitamente mais cara que encher um tanque de combustível.   Aperto ainda maior aconteceu em 2016, quando a caçula Alesandra precisou de tratamento contra um linfoma. Os remédios começavam a faltar e o tratamento era caríssimo. Mafiza e a família buscaram alternativas até mesmo no exterior, sobretudo no Brasil. A dona de casa chegou a ir a Manaus tentar conseguir os medicamentos. Mas Alesandra teve sorte e conseguiu fazer os procedimentos médicos em Caracas. Alesandra solicitou recentemente nacionalidade portuguesa. Caso já a tivesse, na época do tratamento, teria recebido os benefícios médicos facilitados pelo governo de Portugal aos lusitanos que moram na Venezuela. "Brasil deveria ajudar os brasileiros" Embora o Brasil tenha incentivado a entrada da ajuda humanitária na Venezuela, até o momento Brasília não concede apoio médico aos brasileiros que residem no país. “Eu acho que o Brasil deveria ajudar mais os brasileiros que estão aqui. Há uma crise humanitária, faltam medicamentos. Se o Brasil reconhece que aqui há uma crise humanitária, deveria dar ajuda os brasileiros.”      Em fevereiro, a fronteira entre Brasil e Venezuela foi palco de confrontos quando a oposição tentou entrar com o carregamento da ajuda humanitária. Semanas depois, o carregamento contendo alimentos, remédios e material médico entrou no país graças à Cruz Vermelha Internacional. Os venezuelanos que buscam melhores condições de vida no território brasileiro, sobretudo no estado de Roraima, recebem apoio do governo do Brasil. No plano político interno, embora integrantes do governo e da oposição recentemente tenham participado de negociações na Noruega, o panorama da Venezuela ainda é incerto.

    Brasil-América Latina - Mendoza, capital do vinho argentino, vive 'boom' de turistas brasileiros

    Play Episode Listen Later Mar 9, 2019 4:03


    Até o próximo dia 11, a capital argentina do vinho está em plena Festa Nacional da Vindima, a temporada de colheita da uva. E a cada ano, o que mais surpreende não é o volume nem a qualidade da colheita, mas a quantidade de brasileiros que viajam para uma experiência enogastronômica. Márcio Resende, de Mendoza A educadora paulista Elizane Mecena (47) tem a felicidade estampada no rosto. Vai finalmente desvendar a história por trás de cada Malbec argentino que regularmente desfruta em São Paulo. Elizane fez o caminho contrário de cada garrafa exportada ao Brasil. A cada ano, mais e mais brasileiros aprimoram o seu conhecimento sobre vinho. À medida que se aprofundam nesse gosto, partem para esse novo mundo, literalmente. Na capital argentina do vinho, o crescimento de turistas brasileiros chegou a 75% nos últimos dois anos. É o lugar onde o turismo brasileiro mais cresceu na Argentina. Enquanto o turismo de brasileiros aumentou, em média, 15% em todo o país entre 2016 e 2017, em Mendoza, esse crescimento mais do que duplicou essa média, chegando a 34,3%. Os números de 2018 ainda não foram divulgados, mas a estimativa é de que o ano tenha fechado entre 92 mil turistas brasileiros (novo aumento de 25%) e 100 mil (aumento de 34%).  Ao lado de Elizane, o seu noivo, o também educador paulista Flávio Carli (47), vê no vinho argentino um motivo mais sedutor para a viagem em plena Festa Nacional da Vindima. Esse clima de romantismo em torno de uma taça de vinho no seu local de origem ficou ainda mais possível a partir da forte desvalorização do peso argentino no último ano e a partir da conectividade aérea que se multiplicou desde 2015. As rotas diretas ligam São Paulo com Mendoza e até Florianópolis com Mendoza. Durante o inverno, o Rio de Janeiro também terá voos diretos. Também aumentou a quantidade de conexões em Buenos Aires. Cultura de viver a vida O governador de Mendoza, Alfredo Cornejo, explicou à RFI que o brasileiro procura a região sempre pelo vinho e, no inverno, também pela neve. Os números do EMETUR, o órgão de Turismo de Mendoza, confirmam que os brasileiros estão descobrindo Mendoza e que vêm para relaxar com o turismo enogastronômico: 93% dos turistas brasileiros chegam a Mendoza pela primeira vez e 91% vem por prazer. Ao pé da Cordilheira dos Andes, Mendoza produz 70% dos vinhos argentinos e 90% dos espumantes. Das 930 vinícolas argentinas, 865 estão em Mendoza. Os carros-chefe do país são o Malbec, em uva tinta, e o Torrontés, em uva branca. Ambas as uvas, de origem francesa e espanhola, respectivamente, encontraram no solo mendocino o seu melhor terroir no mundo.

    Brasil-América Latina - Brasileiros ajudam a resgatar a tradição do Carnaval na Argentina

    Play Episode Listen Later Mar 2, 2019 5:06


    A Argentina recuperou o feriado de Carnaval há apenas oito anos e vive um processo de construção de expressões artísticas sob influência direta de brasileiros e de ritmos do Brasil. Em nenhuma outra época do ano, Buenos Aires é tão brasileira. Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos AiresAté oito anos atrás, praticamente não existia Carnaval em Buenos Aires. A data nem mesmo era feriado nacional. Tudo começou a mudar 2011, quando a Argentina recuperou o feriado que tinha deixado de existir em 1976.De lá pra cá, a Argentina vem reconstruindo o seu Carnaval. E os brasileiros têm sido atuantes nesse processo de ocupação do espaço público e de projeção de expressões artísticas a partir de ritmos do Brasil. São bailes de Carnaval, blocos de rua e até escola de samba. Já dá para pular Carnaval em Buenos Aires sem sentir tanta saudade do Brasil.O bloco Cordão de Prata, por exemplo, nasceu há três anos, organizado pelo Centro de Estudos da Música Brasileira (Cembra). No primeiro ano, convocou 100 pessoas. No ano passado, já foram 300. E neste ano, mais de mil. Tiago Melo de Souza é cenógrafo e um dos produtores artísticos do bloco. Tiago contou à RFI como o Cordão, ao longo de 1,5 km de trajeto pelo bairro portenho de Almagro, desperta o interesse dos moradores."Algo que a gente foi sentindo ao longo desses três anos é a recepção das pessoas do bairro. Durante a caminhada do bloco, num sábado à tarde, elas saem nas suas varandas, principalmente os mais idosos, mesmo de pijama. E você vê nos olhos que elas estão vivendo uma nostalgia", descreve Tiago, quem também organiza, neste domingo de Carnaval, o alternativo baile "Let's Have Bizarre" que já tem lista de espera. Microcosmo brasileiroA foliã Gisele Teixeira vê como o carnaval brasileiro tem ganho o espaço público da cidade. "Acompanho desde a primeira edição do Cordão de Prata. Vejo que, a cada ano, tem mais gente entendendo o carnaval brasileiro. A Argentina ainda tem um Carnaval muito espectador. Não é um Carnaval de expressão popular. Mas eu acredito que isso venha com o tempo", prevê.Para Gisele, já se pode dizer que, na Argentina, existe um circuito fielmente brasileiro de Carnaval. "Eu me sinto muito feliz de ter essa pitada de Carnaval aqui nos anos que eu não posso viajar ao Brasil. É como se fosse um mini cosmos do Carnaval brasileiro: exatamente o que acontece lá, mas numa versão menor", compara. Samba tradiçãoO Cordão de Prata não se prende a um único ritmo. Vai da marchinha ao maracatu; do xote ao funk. Todas as regiões brasileiras representadas.Já a escola de samba Estação Primeira de Lanús faz do samba-enredo carioca o seu estandarte. Canta em português, compõe em português, mas é feita por argentinos.A Escola nasceu há 10 anos com apenas 5 integrantes na bateria. Cinco anos depois, já eram 50. Hoje, são 130 componentes. O público quintuplicou: passou de 200, há cinco anos, para mais de mil em cada apresentação em vários municípios da grande Buenos Aires.Nicolás Doallo, um dos fundadores da escola, explicou à RFI essa influência do samba no Carnaval argentino. "O trabalho da Estação Primeira é difundir e manter na Argentina a tradição das escolas de samba do Rio de Janeiro. Mas, nesse processo, percebemos que também precisamos construir a nossa própria identidade. Agora estamos nesse novo processo de entender e de representar a voz do nosso povo, da nossa comunidade", indica Nicolás."É como trazer o samba para a Argentina e, por outro lado, através do samba, expressar a cultura argentina também", conclui como uma receita de integração. A história da Escola de Lanús se confunde com o crescimento do próprio Carnaval em Buenos Aires, avalia Nicolás. "Em paralelo à recuperação dos feriados de Carnaval no país, nós estávamos nesse desafio de fazer uma escola de samba. Foi uma coincidência, mas que potencializou porque o feriado permite que agrupações e instituições ganhem projeção artística. Ter recuperado o Carnaval foi uma vitória do povo, algo que nunca se devia ter perdido."Saudades do Brasil e dos antigos carnavaisE, claro, não podiam faltar os bailes. A casa de show Notorius, onde a música brasileira encontra o seu templo em Buenos Aires, realiza o segundo baile de Carnaval conduzido pela cantora pernambucana Josi Dias.Para Josi, esse é um baile para matar saudade do Brasil e para exportar o que o brasileiro sabe fazer de melhor. "A contribuição do Carnaval brasileiro para o Carnaval argentino é realmente poder mostrar como a gente se entrega de corpo e alma à alegria. Acho que isso é fundamental para que o argentino possa adotar essa forma linda de comemorar o Carnaval", acredita."A nossa proposta é recriar os bailes de carnaval de antigamente, compondo esse ambiente familiar, de encontro com os amigos. A confraternização a partir da alegria de viver", resume Josi.E a própria Prefeitura de Buenos Aires organiza desfiles do bloco "Me leva que Vou" em três bairros da cidade, inclusive na emblemática Avenida de Maio. "Quem sabe no futuro não tenhamos brasileiros que venham do Brasil para curtir o Carnaval na Argentina, para curtir o nosso bloco?", sonha Tiago, do Cordão de Prata.Sonhar não custa nada, ou melhor, fantasiar.

    Brasil-América Latina - Empresária brasileira vê o Caribe como porta de entrada para mercado europeu

    Play Episode Listen Later Jan 20, 2019 3:58


    Após morar por 16 anos na Venezuela, onde investia no segmento de vinhos, a empresária Waleska Schumaker decidiu buscar novos horizontes, fugindo da crise no país socialista. A brasileira não precisou ir muito longe e se instalou em Curaçao, a ilha do Caribe a apenas 64 km de distância da costa venezuelana. Waleska teve a chance de ampliar sua carteira de produtos e, em meados do ano passado, começou a expandir seus negócios. Elianah Jorge, correspondente da RFI em Caracas Para começar a desbravar este cenário paradisíaco que é referência no turismo internacional, Waleska, gaúcha de Bento Gonçalves, abriu uma importadora e distribuidora de bebidas. Ela explica que seu principal artigo continua sendo o vinho argentino, mas viu a necessidade de trabalhar com mais vigor bebidas brasileiras. Segundo a empresária, “o Brasil tem produtos fantásticos para ser serem explorados na região do Caribe”. “A gente também está importando para Curaçao a cerveja artesanal brasileira, e estamos apresentando ao mercado local o suco de uva, que é outro grande produto que o Brasil tem e que poderia ser de Denominação de Origem Controlada”. A gaúcha garante que o suco de uva consumido pelo brasileiro “é único e não é comum encontrá-lo em outros países”. Escala em Curaçao e rumo à Europa Começar por Curaçao foi estratégico após um estudo determinar que, além de ser um mercado promissor, a ilha é uma porta de entrada para a Europa. Por ser um território ultramarino holandês, “Curaçao tem uma conexão com a Holanda bastante importante e isso significa um passo de abertura para fortalecer a presença do Brasil em mercados como o daquele país”, explica. A forma de consumo em Curaçao também é propícia aos planos de médio prazo desta desbravadora brasileira em terras caribenhas. “O turista que vem para cá é diferente daquele que viaja para Aruba. Ele se hospeda pelo sistema Airbnb, que facilita o aluguel de casas e apartamentos, ou fica em resorts. Eles compram nos supermercados, fazendo com que a economia (de Curaçao) seja um pouco mais sólida e diversificada, se comparada com a do turismo de Aruba, que é mais de hotéis”, conta Waleska. Além de mirar no mercado holandês, Waleska quer levar, ainda este ano, os produtos brasileiros para as ilhas que compõem o chamado ABC do Caribe – Aruba, Bonaire e Curacao. A meta da empresária é buscar parceiros e dar continuidade à expansão nas ilhas que sejam das Antilhas Holandesas, pela relação com Curaçao, e depois conquistar outros mercados. De acordo com Waleska, em Curaçao estão presentes outras mercadorias brasileiras, como, por exemplo, sapatos e produtos de limpeza, além daquelas com as quais ela trabalha. “Este é um bom sinal porque mostra que aqui há aceitação do que é feito no Brasil”, explica. Outro fator propício ao investimento é a retomada das exportações brasileiras, sinaliza a empresária. "Esperamos que a moeda continue favorável para exportar", porque se a moeda não acompanha, isso também é um problema para o Brasil. De acordo com dados do governo de Curaçao, cerca de 111 brasileiros moram nesta ilha de apenas 444 quilômetros quadrados. Mas este número pode chegar a 200, segundo Waleska, “porque alguns brasileiros têm dupla nacionalidade e ao chegar apresentam apenas o outro passaporte”. Curaçao abre suas portas ao Brasil A brasileira afirma que os moradores de Curaçao são bastante receptivos a tudo o que se refere ao Brasil, tanto em produtos como no setor de turismo. Segundo estimativas, este ano cerca de 25 mil turistas brasileiros devem visitar a ilha, um aumento significativo sobretudo após a abertura, em dezembro passado, de um voo que sai do Aeroporto de Guarulhos (SP) direto para ‎Willemstad, a capital deste pedacinho da fria Holanda no caloroso Caribe. Outros 75 mil brasileiros visitam a ilha durante os cruzeiros, conta a gaúcha. Representação diplomática O trabalho de Waleska, iniciado por ela na Venezuela e agora desenvolvido na ilha, ganhou o reconhecimento do Itamaraty. Por não ser um país independente, não há embaixada ou Consulado Geral do Brasil em Curaçao. A única representação diplomática do Brasil na ilha é feita agora por Waleska através do cargo, “não remunerado”, explica ela, de cônsul honorária.

    Brasil-América Latina - Brasil pega onda no surfe para conquistar público jovem da América do Sul

    Play Episode Listen Later Jan 19, 2019 3:02


    Entre os cinco principais mercados de turistas para o Brasil, quatro são sul-americanos: Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai. Para atrair o público jovem, a aposta é no surfe, esporte no qual o Brasil é bicampeão mundial e que reúne aquilo que o país mais projeta ao mundo: sol e praia. Correspondente da RFI em Buenos Aires O surfe nunca projetou tanto o Brasil internacionalmente como agora. Das últimas cinco edições da Liga Mundial do Surf (WSL), o Brasil foi campeão três vezes. Duas com Gabriel Medida; uma com Adriano de Souza. Pela primeira vez na história, o Brasil desponta onde antes reinavam apenas os surfistas do Havaí e da Austrália. Com 8 mil km de costa, a cara do Brasil é o cenário do surfe: praia, sol, natureza e confraternização. Cerca de 72% dos turistas estrangeiros que visitam o Brasil escolhem o país pelo segmento "sol e praia", segundo a Embratur. E quando se trata do principal turista estrangeiro, o argentino, esse número sobe a 86%. O argentino é mesmo fascinado pelas praias brasileiras, mas dos 2,622 milhões que escolheram o Brasil em 2017, apenas 8,3% eram jovens da faixa etária de 18 a 24 anos, e somente 17,2% tinham entre 25 e 31 anos. Isso significa que o Brasil precisa atrair mais o público jovem em mercados prioritários para o país, como a Argentina, em particular, e como o sul-americano, em geral. A presidente da Embratur, Teté Bezerra, explica à RFI como é essa nova política que aposta no surfe. "Essa política também é estendida aos demais países da América do Sul e da América Latina. Tem algumas coisas importantes que estão acontecendo em nível mundial: o surfe vai entrar pela primeira vez, agora em 2020, como esporte olímpico. E está diretamente ligado à juventude, ao modo de vida desse segmento, ao contato direto com a natureza", conta Teté Bezerra. Altas ondas Na crista dessa onda, em setembro passado, a Embratur criou um site (http://surf.visitbrasil.com/) com as 30 melhores praias para surfar no Brasil. Assim como é habitual entre os esquiadores quando escolhem as suas pistas entre centros de esqui, o surfista pode descobrir qual é a melhor praia brasileira de acordo com a sua habilidade, com o nível de dificuldade das ondas e até com o tipo de fundo do mar. Para Teté Bezerra, a estratégia é diversificar. "A criação do site Surfe Brasil é para atrair os mais de 25% de turistas argentinos que têm entre 18 e 31 anos. São jovens que procuram destinos e propostas novas. Com certeza, vão encontrar praias novas, diferentes daquelas tradicionalmente vendidas", garante. Entre as 30 praias estão preciosidades, locais repletos de curiosidades e de atividades que podem ser combinados com o turismo. Aparece a praia de Itaúna, em Saquarema (RJ), uma das etapas do circuito mundial de surfe e, durante décadas, um segredo dos surfistas cariocas. Quem quiser conhecer onde Gabriel Medina praticava antes de tornar-se mundialmente conhecido pode ir à praia de Maresias, em São Sebastião (SP). Os argentinos ganham um incentivo para continuarem a adotar Santa Catarina com a praia do Rosa. O turista que quiser ter a experiência única de surfar numa pororoca na Amazônia pode conhecer São Domingos do Capim (PA). A praia de Carnaubinha (CE), também conhecida como Havaizinho, pode lembrar o North Shore da Ilha de Oah'u (Hawaii), com as suas formações rochosas. É uma das poucas praias brasileiras com fundo de pedra.Quem quiser combinar um grande destino turístico como o Rio de Janeiro com a cultura de surfe dos jovens cariocas pode conhecer a praia da Macumba, localizada em uma área de praias da cidade quase desconhecida pelos turistas. E, claro, Fernando de Noronha com a Cacimba do Padre não podia faltar num roteiro completo. Jovens sul-americanos Ao deslizar por esse tubo, o Brasil seduz desde cedo aquele turista jovem que pode ser fiel ao longo da vida, ainda mais se for de algum país próximo, como a Argentina. Cerca de 40% de todos os turistas estrangeiros que vão ao Brasil são argentinos. Enquanto a Embratur promove os destinos de surfe, o Ministério do Turismo avalia contratar o bicampeão mundial Gabriel Medina como garoto propaganda. "Se há dois campeões mundiais brasileiros, os futuros turistas devem pensar 'Opa! As praias lá devem ser boas para a prática do surfe'. Acreditamos ser extremamente bacana e importante para o Brasil captar esse turista", confia Teté Bezerra. Depois dos argentinos, líderes disparados no ranking de turistas estrangeiros no Brasil, aparecem os norte-americanos (475 mil), os chilenos (342 mil), os paraguaios (336 mil) e os uruguaios (328 mil). Enquanto 86,6% dos argentinos viajam ao Brasil com interesse no segmento "sol e praia", 67,6% dos chilenos, 76,6% dos paraguaios e 77,7% dos uruguaios têm o mesmo objetivo à beira-mar.   

    Brasil-América Latina - Policiais argentinos voltam às praias de Santa Catarina para atender turistas

    Play Episode Listen Later Dec 29, 2018 3:26


    Quatro policiais argentinos e um bombeiro salva-vidas vão ajudar a atender os seus compatriotas que sofrerem alguma emergência em Santa Catarina, estado que recebe quase a metade dos turistas argentinos que viajam ao Brasil. Policias catarinenses também ganham formação na Argentina. O argentino é, de longe, o principal turista estrangeiro no Brasil. Correspondente da RFI em Buenos Aires   Começa a temporada de férias na Argentina e férias, para maior parte dos argentinos, significa praia. E praia é sinônimo de Brasil. Ao longo de 2017, 2,622 milhões de argentinos viajaram ao Brasil e quase metade, 1,200 milhão, optou por Santa Catarina. Por isso, pelo segundo ano consecutivo, policiais argentinos e, desta vez também um bombeiro para resgates, estarão no litoral catarinense. Eles vão auxiliar nas ocorrências que envolverem turistas argentinos e também no trabalho de inteligência sobre eventuais argentinos foragidos ou considerados perigosos. Serão quatro policiais distribuídos por Florianópolis, Itapema e Balneário Camboriú, as três localidades onde os turistas argentinos se concentram. Farão parte da chamada Operação Veraneio de prevenção e de segurança que vai até dia 11 de março. Orientação sem armas Os policiais argentinos, que chegaram na quinta-feira (27), estarão uniformizados, exatamente como no seu país, mas não vão portar armas nem vão poder intervir diretamente. Em entrevista com a RFI, o governador de Santa Catarina, Eduardo Pinho Moreira, explica os limites da atuação argentina no estado. "O policial argentino vai ajudar o catarinense no atendimento. Eles (os argentinos) não fazem patrulhamento. Isso quem faz somos nós, catarinenses. Eles trabalham na orientação e no receptivo. Vão à delegacia para fazer o acompanhamento de boletins porque, sem entender o idioma num momento de tensão, você acaba provocando mais desentendimento", diz o governador. Os policiais argentinos vão atuar na condição de elementos de ligação entre as Polícias Civil e Militar para uma melhor interação em casos de emergência e para agilizar documentos entre a Polícia e o Consulado argentino. Para o governador Pinho Moreira, ganham os argentinos com um tratamento diferenciado e ganham os catarinenses em preservar esse turista. "O benefício é coletivo. Por um lado, os argentinos sabem que, em Santa Catarina, eles são bem-vindos e que terão um 'plus' no sentido da qualificação da sua presença e do seu atendimento. Por outro, são milhares de dezenas de empregos gerados pela presença dos argentinos. Nós temos que estimular que eles aumentem a vinda. Para isso, a segurança é fundamental", indica. Comunicação facilitada A barreira da língua, o desconhecimento de leis e questões culturais também geram atritos entre catarinenses e argentinos. A presença policial argentina facilita a comunicação. "Houve, uns anos atrás, dificuldades quando eles (argentinos) chegavam num grande número. Isso modifica a situação local. Tivemos problemas. Tivemos confrontos entre argentinos e brasileiros. Havia a dificuldade, às vezes, de relacionamento ou de entendimento. Antigamente, o confronto acontecia porque não havia diálogo. Agora, com o diálogo como prioridade, pouquíssimos eventos de conflito entre catarinenses e argentinos", compara o governador Pinho Moreira. " Tendo policiais argentinos durante a alta temporada em Santa Catarina, mostramos que temos a intenção de aproximar cada vez mais", aponta, lembrando que também foram preparadas cartilhas com informações em espanhol. Para agilizar a passagem de fronteira para quem viaja de carro, o estado acaba de inaugurar uma segunda alfândega de turismo. A presença de policiais argentinos em Santa Catarina, assim como a formação de policiais catarinenses na Argentina, são consequência do acordo de cooperação assinado entre Santa Catarina e a província argentina fronteiriça de Misiones, assinado em dezembro de 2017, mas posto em prática ao longo deste ano. Pelo acordo, policiais argentinos terão aulas de português enquanto os brasileiros, de espanhol. O foco está na região de fronteira e nas áreas com maior presença de turistas. Três turmas com 30 policiais militares catarinenses cada terão formação na província de Misiones. A primeira turma concluiu o curso no começo de novembro, depois de 34 dias na Argentina. Por outro lado, integrantes do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) da PM de Santa Catarina ministraram um curso para força policiais argentinas na província de Córdoba. Segundo a Embratur, os argentinos representam 40% de todos os turistas estrangeiros que vão ao Brasil. Enquanto argentinos foram 2,622 milhões em 2017, os norte-americanos foram 475 mil. No ranking, aparecem os chilenos (342 mil), os paraguaios (336 mil), os uruguaios (328 mil), os franceses (254 mil) e os alemães (203 mil). Viajam para Santa Catarina 39,8% de todos os turistas argentinos. Duas localidades catarinenses aparecem entre os cinco principais destinos dos argentinos no Brasil: Florianópolis (24,9%) e Bombinhas (9,4%). Rio de Janeiro (15,1%), Armação de Búzios (8,6%) e Foz do Iguaçu (7,1%) completam a lista.

    Brasil-América Latina - Nipo-brasileiros falam da herança cultural japonesa na Bolívia

    Play Episode Listen Later Nov 10, 2018 4:04


    Japoneses chegaram ao país em 1896 e depois da Primeira e Segunda Guerra, quando governo cedeu terras para os imigrantes Elianah Jorge, correspondente da RFI em Santa Cruz de la Sierra Lucas Tamashiro é um reconhecido “influencer” na Bolívia. Ele e seu primo, Giovani Brasil, são dois dos poucos brasileiros da comunidade nipo-boliviana. Os avós japoneses chegaram há 64 anos na Bolívia, buscando melhores oportunidades depois da Segunda Guerra Mundial. O pai de Lucas e a mãe de Giovani foram fazer faculdade no Brasil e voltaram casados do país. Para Lucas, sua herança cultural é única. “Não conheço outros nipo-brasileiros aqui”, diz. Lucas nasceu em Viçosa, Minas Gerais, e ainda bebê veio para Santa Cruz de la Sierra com a mãe brasileira e o pai nipo-boliviano. Já Giovani Brasil tem a nacionalidade brasileira por parte de pai e a japonesa por parte da mãe, além de ser boliviano de nascimento. “Sou mais boliviano-japonês. Minha mãe, que é japonesa, me ensina sobre a pontualidade, o planejamento. Estou acostumado com isso”, conta Giovani que morou por dois anos no Japão com o pai brasileiro. O início da imigração japonesa na Bolívia A chegada massiva de japoneses na Bolívia aconteceu a partir de 1896, na Era Meiji, quando os japoneses foram autorizados a deixar o país natal e depois da Primeira e Segunda Guerra Mundial. Os avós de Lucas e de Giovani vieram no terceiro grupo. Com o Japão devastado no pós-guerra e a Bolívia distribuindo terras, muitos japoneses decidiram tentar uma nova vida do outro lado do mundo, na América do Sul. A história do surgimento dos nipo-bolivianos levou o médico Mario Gabriel Hollweg, nascido na Bolívia e formado no Brasil, a escrever o livro “Japoneses pioneiros no oriente boliviano”, onde ele relata a trajetória dos imigrantes. “A terra onde se estabeleceram os primeiros colonos japoneses era uma terra habitada pelos indígenas. Chegar lá não foi fácil. A primeira colônia se chamava Uruma. Havia muita expectativa, principalmente depois da Segunda Guerra Mundial”, declara. Com ajuda financeira do Japão, foram criadas no departamento de Santa Cruz, que faz fronteira com o Brasil, as colônias Okinawa 1, 2 e 3 e a de San Juan de Yapacaní, onde os costumes japoneses até hoje são preservados. Parte da família de Lucas e de Gabriel mora na Okinawa boliviana. Lucas se refere ao local como uma “roça”. Segundo ele, é como se estivessem visitando Okinawa, no Japão. “Tem campeonato de sumô, o festival do arroz. Os japoneses que moram aqui na cidade são diferentes dos que moram na roça, que só conversam em japonês”. De acordo com Hollweg, os Estados Unidos são o país com maior número de imigrantes japoneses, seguido pelo Brasil e pelo Peru. Alguns do grupo peruano decidiram vir para a Bolívia. “Alguns foram para a Amazônia boliviana e um grupo grande ficou em La Paz. Muitos se tornaram comerciantes, outros ficaram trabalhando nas vias férreas, fazendo suas vidas”, diz. De volta para o Japão O agricultor japonês Kunio Miyagi, chegou à Bolívia quando tinha apenas dois anos. “Meu pai conta que o governo ofereceu 50 hectares de terra. Era uma oferta muito atraente”, diz. O terreno que os pais de Kunio ganharam ao chegar na colônia em Santa Cruz até hoje é o ganha-pão da família Miyagi. Ele e outros nipo-bolivianos são responsáveis por boa parte da produção de leguminosas e de ovos nacional. Já adulto, Kunio voltou a morar no Japão, mas não se adaptou aos costumes da terra natal e preferiu voltar à Bolívia. “Um boliviano vive o dia a dia. Já os japoneses considero como pessoas mais disciplinadas. Em relação aos brasileiros, somos alegres, descontraídos. Juntar tudo isso é complicado”.  

    Brasil-América Latina - Brasil quer tirar do Caribe os turistas argentinos que viajarem no verão

    Play Episode Listen Later Oct 14, 2018 4:38


    A estratégia brasileira visa compensar a queda no número de turistas argentinos depois da brutal desvalorização do peso. Os argentinos representam 40% de todo o turismo estrangeiro no Brasil. Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires A economia argentina é a mais castigada entre os países emergentes. A moeda argentina vale agora metade do que valia em janeiro. No ano, em relação ao dólar, acumula uma desvalorização de 102%. Comparativamente, a desvalorização do real chega a 16%. Ficou muito caro para os argentinos viajarem ao exterior. E isso acendeu um preocupante sinal de alerta para o mercado brasileiro de turismo. É que os argentinos são os nossos principais clientes. Representam 40% de todos os estrangeiros que chegam ao Brasil. Gastaram US$ 1, 610 bilhão em 2017. No ano passado, foram 2,622 milhões de turistas argentinos, 14,4% a mais do que em 2016. Metade visita o Brasil no verão, preferindo o segmento Sol e Praia. Mas como a desvalorização do peso argentino vai afetar o Brasil na próxima temporada? Em entrevista à RFI, o ministro brasileiro do Turismo, Vinícius Lummertz, explica que o impacto ainda não pode ser medido, mas aposta que o Brasil vai captar aquele turista argentino que iria ao Caribe, mas que agora, para gastar menos, vai viajar para mais perto, para o Brasil. "Penso que haverá estabilidade. Acho que não há razão para se preocupar. Pelo contrário, não ficaria surpreso se, no volume, nós tivermos crescimento porque o que encareceu foi o dólar, não o real", prevê Lummertz, que, no entanto, admite que possa haver uma queda na quantidade de dias de permanência e no gasto. Em média, cada turista argentino fica 11 dias no Brasil e gasta, em média, US$ 620. "É possível que a permanência caia um pouco. Talvez também o gasto unitário, mas eu não acredito que o volume de turistas caia", conclui. O ministro acredita no conceito de "elasticidade da demanda": as pessoas podem diminuir o consumo, mas não deixam de consumir. "Férias está ficando cada vez mais inelástico. As pessoas estão preferindo deixar de trocar o carro, mas não ficam sem viajar. A psicologia mudou", garante. "Então, os argentinos podem deixar de viajar para mais longe, como o Caribe, mas não vão mudar de hábito", analisa. Embratur monitora o impacto A desvalorização da moeda argentina também terá consequências na inflação prevista em 42% até o final do ano. Com isso, os preços internos argentinos também vão subir nos próximos meses, descontando parte da vantagem gerada pela desvalorização. Pelo menos é o que pensa a presidente da Embratur, Teté Bezerra. Ela acredita que, até o começo do verão, o Brasil será competitivo para os argentinos. "A desvalorização cambial aconteceu no Brasil também, mas aqui na Argentina tem o agravante da inflação. Por outro lado, o Caribe, um concorrente muito forte do Brasil, está com os preços muito mais elevados do que o Brasil. Há inclusive, no Brasil, preços mais baratos do que foram oferecidos no verão passado", compara. "Tem-se especulado que o argentino vai preferir fazer o turismo interno a viajar ao Brasil, mas se o argentino comparar, vai ver que isso não compensa", aposta. Teté Bezerra conta que a Embratur tem avaliado o impacto da desvalorização e traçado estratégias. "O mercado brasileiro não está passivamente aguardando o que vai acontecer. Está se moldando a essa situação econômica argentina. De que maneira? Com ofertas, descontos, pagamento parcelado. Acho que, se todos esses instrumentos funcionarem, não teremos um impacto significativo", confia. Em agosto, a emissão de turistas argentinos ao exterior caiu 11,9%. Foi o terceiro mês de queda consecutiva (junho -2,9%; julho, -4,6%). O consumo argentino no exterior através de cartões de crédito caiu 28,5%. Além da desvalorização, a recessão econômica faz estragos no bolso do turista argentino. O país deve encolher 2,5% neste ano. Atraente para os brasileiros Do outro lado da moeda, a desvalorização do peso torna a Argentina mais barata. O número de turistas estrangeiros tem aumentado desde julho (+6,9% em julho; +7,4% em agosto). E os brasileiros são maioria entre os turistas estrangeiros. Nos aeroportos de Buenos Aires, o aumento de brasileiros foi de 33,7% em agosto, o dobro da quantidade de europeus (17,2%). O número de voos diretos do Brasil a Bariloche aumentou 246%. "E vai aumentar muito. Durante o período em que houver esse desequilíbrio cambial, vai haver um aumento muito importante. Haverá um grande crescimento de fluxo de brasileiros para cá", prevê o ministro brasileiro do Turismo, Vinícius Lummertz. A Argentina tem aberto o mercado de turismo de forma veloz: cinco novas empresas domésticas low cost, política de preços desregulados nas companhias aéreas e devolução de 21% do imposto do valor acrescido sobre as diárias dos hoteis.  

    Brasil-América Latina - Brasileiros revigoram a noite da boliviana Santa Cruz de la Sierra

    Play Episode Listen Later Oct 13, 2018 3:52


    Poderia ser em qualquer lugar do Brasil, mas estamos em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia. A cidade atrai todos os anos centenas de brasileiros que vêm estudar Medicina, Odontologia e outras carreiras de nível superior. Elianah Jorge, correspondente da RFI na Bolívia A presença dos brasileiros alterou o cotidiano da cidade, que se tornou atraente pelo relativo baixo custo de vida e pela localização perto da fronteira com o Brasil. Estes fatores fizeram com que as universidades locais e a cidade fossem tomadas pelos “brazucas”.Nas ruas é comum ouvir pessoas falando português e nas festas e rádios, muita música brasileira.A fama de festeiro do brasileiro se juntou com a do boliviano e esse traço cultural comum vem abrindo os olhos de muitos empreendedores, sobretudo os da área de entretenimento. É o caso de Oseias Franco Pietro Ferreira. Paulistano de Bauru, ele chegou há cinco anos em Santa Cruz para estudar Medicina. Mas decidiu apostar em um negócio promissor e há dois anos abriu o “Buteco”, que se tornou um dos bares mais concorridos da cidade.“As pessoas dizem que, por parecer o Brasil, o “Buteco” tem um encanto. O pessoal chega aqui e não quer ir embora. Muitas vezes eu tenho que fechar e o pessoal fica gritando”, explica o empresário. Pietro conta que foi ousado e rompeu com a praxe dos bares de Santa Cruz ao implementar um estilo, até então, desconhecido por aqui. “No Brasil 90% dos barzinhos são abertos. As pessoas diziam que eu era louco de fazer um negócio aberto, porque em Santa Cruz todos os bares são fechados”. Casa cheiaEm dia de casa cheia, o empreendimento de Pietro recebe cerca de 900 pessoas. Mas na época da Copa do Mundo, por volta de 1.400 pessoas foram ao bar curtir os jogos da seleção verde e amarela. Com uma programação 100% brasileira, o som ao vivo fica a cargo de estudantes oriundos do Brasil que, nas horas vagas, fazem “bico” como músicos em Santa Cruz.Entre os 45 funcionários do “Buteco” estão brasileiros e bolivianos. Mas a feijoada, servida aos domingos, é feita por uma boliviana que aprendeu os segredos deste que é um dos principais pratos da nossa culinária. Mas nem tudo são flores para apostar no setor de entretenimento na Bolívia. Pietro conta que a carga tributária para as bebidas alcoólicas no país é bastante alta, podendo chegar a 40%, dependendo do produto. Akram Salleh, outro brasileiro que há sete anos investe no ramo de exportação de bebidas do Brasil para a Bolívia, concorda. De acordo com ele, “existe uma política do governo para inibir o consumo de bebidas alcoólicas no contexto geral e, por este motivo, a tributação, não vou nem dizer, é fortíssima”. Economia dá sinais de desaceleraçãoEmbora o Fundo Monetário Internacional (FMI) afirme que a Bolívia é uma das economias mais dinâmicas do continente, com um crescimento previsto para este ano de 4,3%, na prática os empresários têm outra perspectiva. "Até 2015, 2016, o consumo era maior e a gente vê que nesses dois últimos anos houve retração, então eu acredito que exista uma crise por mais que ela não seja divulgada", diz Salleh. Mas essa ameaça não chega a abalar, por exemplo, as metas da Casa Di Conti, empresa do ramo de bebidas. É o que conta o também brasileiro Carlos Eduardo Rodrigues, gerente de exportação desta marca produtora de cervejas, refrigerantes e bebidas destiladas, originária da cidade de Cândido Mota, no interior de São Paulo. “Nossa ideia é focar num produto específico para o mercado boliviano para tentar nos aproximar da cultura boliviana”, explica Rodrigues. Brasileiros ajudam a criar mercadoPara introduzir novos produtos na Bolívia, como as cervejas e outras bebidas consumidas no Brasil, a comunidade brasileira por aqui tem, mesmo sem saber, uma importante missão. “Muitas vezes esses jovens universitários brasileiros são formadores de opinião. São aqueles que criam uma moda dentro da cidade de Santa Cruz e os jovens bolivianos se espelham neles”.Dados não oficiais apontam que pelo menos cinco mil brasileiros vivem em Santa Cruz de la Sierra, número suficiente para incentivar até mesmo os empresários bolivianos a investir no entretenimento para brasileiros. É o caso de Alberto Gil, o dono do Chopão, uma casa de shows que recebe até 500 pessoas por noite e tem planos de expansão. Ele explicou por que prefere apostar no público brasileiro. “O público boliviano é nômade. Por exemplo, abre um local, fica por três meses e daqui a pouco já abre outro local e eles vão para outro lugar. Ao contrário, o público brasileiro, se gostar de um lugar, vem sempre ao mesmo lugar”.  Nos últimos anos, por causa da alta do dólar no Brasil, o número de brasileiros em Santa Cruz de la Sierra diminuiu, mas não o suficiente para minguar a animada e intensa noite “cruceña”, que começa na quarta-feira e vai até domingo pela manhã.

    Brasil-América Latina - Brasil faz primeira ação coordenada de turismo LGBT no mercado internacional

    Play Episode Listen Later Aug 25, 2018 4:17


    Pela primeira vez na história, o Brasil se promoveu no exterior a partir de uma união de esforços entre o Ministério do Turismo, a Embratur e a Câmara LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros), um atraente e crescente mercado turístico que também ajuda a romper o preconceito. O pontapé desse enfoque internacional começou pela Argentina, referência na região, durante o GNETWORK 360, o maior evento LGBT da América Latina. Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires Para o turismo brasileiro, esta foi uma semana histórica: o país lançou-se para o mundo como destino "LGBT friendly". O ponto de inflexão aconteceu em Buenos Aires, durante o GNETWORK, o maior evento de marketing e turismo LGBT da América Latina que, ao longo desta semana, reuniu 1.400 participante de 18 países. A divulgação de um país que se prepara para receber o segmento que mais viaja, que mais consome e que mais cresce foi o ponta pé internacional de uma parceria celebrada, em maio, entre o Ministério do Turismo, a Embratur e a Câmara de Comércio e Turismo LGBT do Brasil. O acordo prevê a união de esforços para promover destinos nacionais enquanto se sensibiliza operadores de serviços turísticos. O desafio passa por uma mudança cultural. "Nosso principal desafio neste projeto é chegar a todas as instâncias e confins de um país de dimensões continentais, levando informação e conhecimento, além da importância que o turismo LGBT pode trazer economicamente para uma região", indicou à RFI o presidente da Câmara LGBT do Brasil, Ricardo Gomes. O potencial desse segmento é grande, mas ainda falta tato e conhecimento para o setor turístico lidar com esse público. "Nós precisamos levar capacitações e precisamos, para sensibilizar as pessoas, tirar delas aquilo que elas já tiveram em casa na infância com a sua família: o respeito pelo outro acima de tudo", explica. À prova de presidentes "LGTBfóbicos" A partir de agora, a promoção internacional do turismo LGBT no Brasil passa a ser uma política de Estado que atravessará o próximo governo seja quem for eleito. O acordo tem cinco anos de duração até 2023. É como um seguro contra uma eventual ameaça de um presidente eleito que proclame o preconceito.  "Se tivermos no Brasil alguém que vença as eleições, seja alguém da extrema-direita ou do extremismo evangélico, que queira, por exemplo, romper com esse acordo, estaremos atentos para dar publicidade a esse engavetamento ou a esse cancelamento. Esse presidente e a sua equipe terão de responder publicamente por que não seguem o que diz a Constituição: que todos são iguais perante a lei", avisa Ricardo Gomes. Segundo a Organização Mundial do Turismo, entre 8,5% e 10% de todos os turistas no mundo são do segmento LGBT, um mercado que cresce duas vezes mais rápido do que o convencional. Esse público gasta até 50% a mais do que o turista tradicional. Também viaja entre três e cinco vezes a mais. Assim, o bolso pode ser um eficaz acelerador para uma visão mais ampla. "Se tiver que começar pelo bolso, pela economia ou pelo incremento do seu faturamento, que comece. Pelos efeitos práticos da experiência que temos com associados e parceiros, sabemos que as empresas começam a olhar para a população LGBT pelo dinheiro, mas depois seguem com o seus compromissos sociais", aposta o presidente da Câmara LGBT. "Que a mudança cultural comece pelo bolso, mas que termine por ser de verdade", defende. Destinos LGBT brasileiros  A Câmara LGBT brasileira apresentou alguns destinos brasileiros que já têm relevância mundial: Fernando de Noronha, o Parque Estadual do Jalapão (TO), Trancoso (BA) e Bonito (MS). Destaque para o "Gay Surf" em Praia do Rosa (SC), experiência única de surfe LGBT na América do Sul, e para a Parada Gay de São Paulo que, com três milhões de pessoas na recente edição 2018, é considerada a maior do mundo. No que resta do ano, será realizada uma pesquisa no Brasil para traçar um diagnóstico do segmento LGBT. O perfil desse turista e os seus hábitos serão fundamentais para preparar o país para o turismo receptivo. "O mercado brasileiro tem tanto potencial que vamos divulgar uma newsletter específica sobre o Brasil para mais de 80 países", antecipa à RFI Clovis Casemiro coordenador da poderosa IGLTA (International Gay & Lesbian Travel Association), uma organização internacional dedicada ao turismo LGBT. "Temos parada gay em Parintins, em plena Floresta Amazônica, e até na Rocinha, a maior favela do país", destaca Casemiro. Brasil e Argentina, destinos "casados" Na região, a Argentina é o país mais avançado na captação do turista LGBT. Esse processo argentino começou em 2002 e foi reforçado por políticas públicas que, ao longo dos anos, incluíram a aprovação do casamento igualitário e da lei de identidade de gênero. Longe da concorrência, Brasil e Argentina planejam fazer ações conjuntas em feiras internacionais como destinos vinculados. "Poderemos fazer ações integradas. Os ministros do Turismo de ambos os países têm esse desejo de trabalharmos conjuntamente, promovendo o Mercosul", prevê Ricardo Gomes. Segundo a Câmara de Comércio Gay Lésbica Argentina, 470 mil turistas estrangeiros desse segmento visitaram o país no ano passado. O número 4,5% maior do que o ano anterior representa 7,6% do total de turistas estrangeiros no país em 2017. "Os nossos cálculos indicam que esse segmento reserva 10% do que ganha só para gastar em viagens. De cada dez turistas estrangeiros na Argentina, quatro são brasileiros. O turista brasileiro é muito importante para nós", destaca à RFI o presidente da Câmara argentina, Pablo De Luca. "Além da luta de ativistas, o turismo LGBT na Argentina ajudou a romper o preconceito ao dar visibilidade a um mercado que se tornou uma peça importante no processo de uma mudança cultural", conclui De Luca.

    Brasil-América Latina - Cruzamento de dados da Lava Jato e da Cadernos da Corrupção pode revelar novos crimes

    Play Episode Listen Later Aug 18, 2018 3:05


    As delações da Odebrecht na operação Lava Jato estão a ponto de chegar à Argentina para alimentar a investigação dos chamados Cadernos da Corrupção, envolvendo políticos argentinos. Existem atores em comum nos dois inquéritos sobre pagamento de propinas milionárias a políticos e desvio de dinheiro dos contribuintes nos contratos de obras públicas. Do correspondente em Buenos Aires O escândalo Cadernos da Corrupção é a maior investigação envolvendo subornos na história argentina. Uma trama sistêmica que, só em obras públicas, pode ter desviado US$ 36 bilhões. É a versão argentina da Lava Jato. Coincidentemente, o escândalo argentino veio à tona em sintonia com o acordo de cooperação judiciária fechado entre as Procuradorias-gerais de Brasil e Argentina. Pelo acerto, os dois países vão trocar informações. O Brasil vai enviar as delações premiadas em que executivos de empreiteiras brasileiras revelam como, quanto, onde e a quem pagaram subornos na Argentina. Além disso, os juízes argentinos vão poder interrogar os empresários no Brasil. A Justiça brasileira também vai receber os componentes da investigação argentina que envolverem o Brasil. Há uma semana, a Procuradoria-geral brasileira revelou que as informações e as provas que constam nas delações da Odebrecht já estão à disposição das autoridades argentinas. Quando os elementos forem cotejados, novas revelações podem surgir dos dois lados da fronteira. Investigações cruzadas Brasil-Argentina O procurador da República e coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, explicou à RFI que as investigações na Argentina podem depois nutrir o processo no Brasil. "Certamente, as diversas investigações realizadas sobre fatos semelhantes ou fatos que se inter-relacionam cooperam mutuamente. São investigações que se cruzam", aponta Dallagnol. "Eu poderia comparar com exemplo do que aconteceu entre Brasil e Suíça. O Brasil começou uma investigação sobre a Lava Jato enquanto a Suíça também começou uma investigação sobre as transações financeiras feitas para pagar propinas referentes a contratos com a Petrobras. As nossas investigações no Brasil alimentam as investigações suíças. E as investigações suíças alimentam as investigações brasileiras com informação sobre quem pagou propina para quem, usando empresas sediadas em paraísos fiscais, dentro do paraíso financeiro que é a Suíça", citou. A Justiça brasileira exige imunidade aos delatores da Odebrecht para não serem acusados na Argentina em relação aos crimes pelos quais já estão condenados no Brasil. Para cumprir com essa exigência, imprevista pela legislação argentina, foi necessário um ano de negociações entre as Procuradorias. A saída criativa foi incorporar tratados internacionais, assinados pela Argentina, que têm caráter soberano sobre as leis locais, de acordo com a Constituição argentina de 1994. Enquanto isso, a Polícia Federal brasileira teria ensinado à Polícia Federal argentina a sua experiência em operações. Por uma questão de sigilo nas investigações, o diretor-geral da Polícia Federal brasileira, Rogério Galloro, prefere não mencionar a Argentina especificamente, mas revela à RFI que o interesse em replicar a experiência brasileira é generalizado entre os países da região. "A Lava Jato tem despertado um interesse muito grande porque muitas empresas investigadas têm negócios nas Américas. Há um interesse generalizado. A Polícia Federal foi procurada por várias forças policiais para conhecer exatamente como foi o fluxo da nossa investigação. Nós já estamos conversando com as nossas contrapartes, as polícias na região, para lhes explicar como se deu esse processo e para oferecer a nossa experiência, caso eles tenham interesse", afirma Galloro. Convergência entre Lava Jato e Cadernos da Corrupção Os “diários da corrupção” e a Lava Jato se convergem a partir de atores em comum e de uma matriz semelhante de corrupção sistemática. Na Argentina, a Odebrecht integrou consórcios com construtoras locais cujos donos, nos últimos dias, confessaram ter pago propinas. A construtora argentina IECSA, então pertencente ao primo do presidente Mauricio Macri, Ángelo Calcaterra, aparece tanto nos Cadernos da Corrupção quanto nas delações da Odebrecht no Brasil. Odebrecht e IECSA eram sócias numa das maiores obras públicas do país. Calcaterra confessou ter pago propinas, mas alegou que eram para o financiamento ilegal de campanha, um delito com penas menores. Sobre a relação com a Odebrecht, negou ter pago qualquer suborno. A defesa poderia ser desmentida pelas delações da Odebrecht, onde o número 2 de Calcaterra, Javier Sánchez Caballero, aparece como enlace entre o consórcio e o governo Kirchner. A Odebrecht também formou um consórcio com a Esuco, firma do ex-presidente da Câmara Argentina da Construção, Carlos Wagner. Na operação "Cadernos", Wagner confessou o esquema que ajudou a montar a pedido do ex-presidente Néstor Kirchner (2003-2007) e que Cristina Kirchner (2007-2015) manteve. As licitações de todas as obras públicas eram decididas pelos empresários que deviam devolver aos Kirchner entre 10% e 20% do custo. O esquema era pactado com o então ministro do Planejamento, Julio de Vido, com o conhecimento de Cristina Kirchner. Outro delator premiado na "Cadernos" é Jorge Neira da Electroingeniería, empresa aliada dos Kirchner. A Odebrecht também teve uma obra com a Electroingeniería. A Odebrecht confessou ter pago US$ 35 milhões em subornos na Argentina, entre 2007 e 2014, durante o governo de Cristina Kirchner. O montante real, no entanto, poderia ser entre três e cinco vezes maior. Além de envolver diretamente o governo anterior, as delações podem revelar que a empreiteira brasileira financiou, ilegalmente, as campanhas políticas de outros candidatos, inclusive a vitoriosa do atual presidente Mauricio Macri. "As delações do Brasil têm um valor de prova mais rigoroso porque já há condenados. Têm um grau de certeza muito maior do que as delações argentinas que estão ainda numa fase inicial", compara Federico Delgado, promotor de um dos processos que envolvem a Odebrecht. "Parece-me que estamos diante de um processo no qual vão aparecer muitas coisas que suspeitamos", confia.

    Claim Brasil- América Latina

    In order to claim this podcast we'll send an email to with a verification link. Simply click the link and you will be able to edit tags, request a refresh, and other features to take control of your podcast page!

    Claim Cancel