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Reportagens sobre exposições, concertos e espetáculos na França. Destaque para os artistas brasileiros e suas criações apresentadas na Europa. Na literatura, lançamentos e as principais feiras de livros do mundo.

Rfi - Patricia Moribe


    • May 30, 2025 LATEST EPISODE
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    Centro Pompidou em Foz do Iguaçu terá projeto sustentável do paraguaio Solano Benítez

    Play Episode Listen Later May 30, 2025 10:14


    Depois de cinco anos de negociações e estudos, foi assinado em Paris um acordo entre o Centro Georges Pompidou e o governo estadual do Paraná para a construção em Foz do Iguaçu da primeira filial das Américas do museu de arte moderna e contemporânea da França. Patrícia Moribe, em ParisO responsável pelo projeto do Centro Pompidou Paraná é o arquiteto paraguaio Solano Benítez, Leão de Ouro da Bienal de Arquitetura de Veneza em 2016, entre outros prêmios. Benítez é conhecido pelo uso inovador de materiais simples em construções sustentáveis. O trabalho tem a colaboração do arquiteto brasileiro Angelo Bucci.Solano Benítez nasceu em 1963, em Assunção, Paraguai, e é cofundador do estúdio Gabinete de Arquitectura. Seu escritório se destaca em explorar possibilidades de materiais simples, como o tijolo cerâmico e valorizar a mão de obra local. Seu trabalho é também é marcado pelo comprometimento social, aliando soluções de baixo custo e alto impacto arquitetônico.Um dos eixos do projeto, explica Solano Benítez, foi o tema da aprendizagem. Ele se mostra bastante animado em usar a sua disciplina, o seu ofício, em prol de um museu. “Em tempos em que tudo muda tão rapidamente, é difícil imaginar como será o futuro”, disse à RFI. Ele acha fascinante a possibilidade de dispor as pessoas de um aprendizado que possam utilizar no futuro. “Temos que fazer com que o ensino esteja acima e que estimule a capacidade das pessoas”, acrescenta.“Fazer um museu como uma oportunidade única de instrução é também coletar experiências que já é nosso capital, como receitas para se enfrentar o futuro, como uma oportunidade para lembrarmos a nós mesmos que somos nós que temos de construir o novo tempo”, diz o arquiteto.Benítez destaca também que o museu vai oferecer uma nova relação com a natureza, uma vez que vai ser instalado no limite exato onde começa a reserva florestal do Parque Iguaçu. “O museu pretende fazer interconexões diferentes com a natureza, estabelecendo novas pautas e relações”, sem esquecer que ao lado há uma “gigantesca fábrica de arco-íris que são as Cataratas”.“Os últimos anos viram um desenvolvimento excepcional de materiais de última tecnologia, lâminas de titânio, um material muito sofisticado, gerando uma admiração diante do que é vinculado a um bom fazer”, relata Benítez."Tudo ao contrário"“O que pretendemos é desandar e fazer tudo o contrário. Que a condição do extraordinário permaneça, mas se conseguirmos transcender e fazer com que a tecnologia de um material tão simples na aparência seja causa de admiração das pessoas, com um relacionamento cuidadosamente construído, então acho que teríamos condições de oferecer um futuro melhor a todos”.Solano Benítez nasceu em 1963, em Assunção, e formou-se pela Faculdade de Arquitetura da Universidade Nacional de Assunção (FAUNA). Ele é cofundador do Gabinete de Arquitectura, que desde 1987 se destaca por explorar possibilidades construtivas de materiais simples, como o tijolo cerâmico e por favorizar a mão de obra local, com comprometimento social e sustentável.Com o Pompidou Paraná, Benítez passa a fazer parte de um grupo de renomados arquitetos internacionais que assinam os projetos do museu, começando pelo italiano Renzo Piano e o britânico Richard Rogers, autores do Centro Georges Pompidou, também conhecido como Beaubourg, construído no local do antigo mercado municipal de Paris. A estrutura de tubos coloridos no exterior causou polêmica no início, mas logo se formalizou como um cartão postal da capital.A filial de Metz, França, foi assinada pelo japonês Shigeru Ban, além de Jean de Gastines (França) e Philip Guruchdjian (Reino Unido). O de Málaga, na Espanha, teve como arquitetos responsáveis Javier Pérez de la Fuente e Juan Antonio Marín Malavé, que trabalharam com a intervenção artística de Daniel Buren (França), na fachada.O Centro Pompidou x West Bund Museum Project, em Xangai, na China, foi projetado pelo escritório David Chipperfield Architects. Além do Pompidou de Foz do Iguaçu, há um outro projeto em desenvolvimento, do de Seul, na Coreia do Sul. O Centro Pompidou Paraná tem previsão de ser inaugurado em 2027.

    Exposição no sudoeste da França propõe diálogo imaginário entre rios brasileiros e franceses

    Play Episode Listen Later May 29, 2025 8:33


    A exposição "Águas Subterrâneas: Narrativas de Confluências" está em cartaz no Fundo Regional de Arte Contemporânea (Frac) Poitou-Charentes, em Angoulême, no sudoeste da França. O evento é realizado em parceria com o Instituto Tomie Ohtake, de São Paulo, como parte da programação da Temporada França-Brasil 2025.  Daniella Franco, enviada especial da RFI a AngoulêmeA mostra coletiva exibe obras de 12 artistas franceses e brasileiros - entre instalações, vídeos, fotografias e ilustrações - com a proposta de um diálogo imaginário entre rios dos dois países e seus relatos culturais, históricos e ambientais. O objetivo é abordar a escassez de água potável, denunciando as histórias coloniais e extrativistas e refletindo sobre a busca de soluções. Uma das curadoras do evento, Ana Roman, superintendente artística do Instituto Tomie Ohtake, destaca uma questão em comum entre as duas instituições que organizam o evento: a relação com "os corpos d'água". "Tanto o Frac de Angoulême quanto o Instituto Tomie Ohtake têm territórios muito próximos a rios. Apesar de muito distantes, a gente começou a discutir e a pensar que a gente têm problemas e questões similares relacionadas à domesticação desses corpos, a não compreensão deles como seres vivos e a falta de direitos histórica", ressalta.Caatinga e Deserto de SonoraEntre os artistas que fazem parte da mostra estão Vitor Cesar e Enrico Rocha, do Ceará. A dupla apresenta na mostra um conjunto formado por uma instalação, uma ilustração e um vídeo - obra que nasceu de uma pesquisa sobre a caatinga.O trabalho evoca a escassez da água neste bioma próprio do nordeste brasileiro. "A gente sentiu a necessidade se aproximar mais da caatinga, começamos a fazer visitas, a promover encontros e inclusive a convidar aristas de outras regiões para nos ajudar a olhar para aquele lugar, entendendo e intuindo que ele poderia nos apresentar questões e nos fazer outras possibilidades de vida", explica Enrico. A reflexão sobre territórios, povos e os impactos das mudanças climáticas também é abordada por outra artista na exposição, a paraibana Rastros de Diógenes, que apresenta a obra "Zona de Imaginação Climática". Por meio de uma série de colagens fotográficas, ela mistura paisagens reais e personagens autobiográficas, que entrelaça em um diagrama distópico e futurista.Em entrevista à RFI, Rastros de Diógenes conta que o trabalho surgiu durante uma residência artística que realizou no deserto de Sonora, no México. "A partir daí surge um mapa de imaginação climática, pensando a partir de três figuras - a mensageira, a curandeira e a agricultora. É como se elas habitassem em um mundo pós-apocalíptico, na tentativa de reconstruir a Terra e dar continuidade à vida", diz. Crítica infraestruturalO artista e pesquisador Daniel de Paula contesta a visão otimista em torno da energia gerada pelas hidrelétricas no Brasil e levou para a mostra uma instalação que compara vídeos de propaganda governamental a imagens feitas por moradores nos entornos da usina de Belo Monte, no Pará. "Pensar a infraestrutura de uma maneira crítica é entender que existe uma relação entre o indivíduo, a instituição e a infraestrutura, e que não há uma neutralidade no nosso uso da energia elétrica", defende. Com sua obra, o artista espera incitar a conscientização do público sobre o que há por trás de gestos que passam despercebidos no cotidiano. "A partir do momento que a gente está conectando o nosso celular para carregar a bateria dele, ele está vinculado a algum contexto que gera essa energia", saliente. "E qual é esse contexto? É uma hidrelétrica? Como essa hidrelétrica foi parar lá? Houve pessoas e populações que foram expulsas, lugares que foram expropriados, flora e fauna extintas", observa. O Coletivo Coletores, formado por Flávio Camargo e Toni Baptiste, de São Paulo, também trabalha na perspectiva da crítica por meio de seus trabalhos. Eles exibem em Angoulême três peças que fazem parte da série "Anamnesis - Palafitas e Refluxos", pensando nas similaridades entre o rio Tietê e o rio Charente. Assim, a dupla propõe uma reflexão sobre a dualidade de fatos positivos e negativos sobre as histórias desses cursos d'água e suas memórias. "A gente pega emprestado esse conceito de anamnese da Medicina, que é basicamente um processo em que o médico faz algumas perguntas ao paciente para criar um diagnóstico sobre aquilo que ele está sentindo. Mas, no nosso trabalho, a gente faz essas perguntas para a cidade, e usamos a memória como ferramenta para captar essas histórias", diz Toni. Flávio destaca a imensa palafita construída especialmente para a exposição: uma forma de abordar a questão de "estruturas que nascem como moradias precárias para lidar com as mudanças climáticas", observa. Segundo ele, a instalação também incita a reflexão sobre questões econômicas e especulações imobiliárias, sobre as quais tanto o público francês quanto o brasileiro facilmente reconhecem. Exposição viaja para São PauloA exposição coletiva "Águas Subterrâneas: Narrativas de Confluências" fica em cartaz no Fundo Regional de Arte Contemporânea Poitou Charentes, em Angoulême até 28 de setembro. Depois, segue para São Paulo, onde será exibida no Instituto Tomie Ohtake, de 13 de novembro de 2025 até 1° de março de 2026.

    Bienal da Dança de Lyon traz oito espetáculos brasileiros em temporada cultural França-Brasil 2025

    Play Episode Listen Later May 23, 2025 5:33


    A 21ª Bienal da Dança de Lyon, que acontece de 6 a 28 de setembro, é um dos momentos mais marcantes do calendário cultural de 2025 na França, e continua por toda a região francesa de Auvergne-Rhône-Alpes (leste) até o dia 17 de outubro. Durante mais de um mês, a dança toma conta das ruas, palcos e espaços públicos de Lyon e arredores, com uma programação intensa, diversa e engajada. Este ano, a bienal criou um programa especial para homenagear o Brasil, convidado de honra: o Brasil agora! Com 40 espetáculos, sendo 24 estreias na França, esta edição da Bienal de Dança de Lyon se afirma como um lugar de experimentação e compromisso com o mundo contemporâneo. Grandes nomes da dança internacional se encontram com vozes emergentes da vanguarda, refletindo a pluralidade da criação coreográfica atual."Há um grande foco chamado Brasil Agora, com oito projetos de artistas brasileiros, realizados no âmbito da temporada cruzada Brasil-França. Essa é uma parte muito importante da nossa programação", explica o diretor do festival, o português Tiago Guedes. "Trata-se de uma espécie de atualização sobre o que é a dança e a coreografia brasileira hoje, com artistas de diversas trajetórias, espetáculos de diferentes formatos e representantes de várias gerações", sublinha."Por exemplo, temos o espetáculo de abertura com Lia Rodrigues [a nova criação, intitulada Borda], uma das grandes coreógrafas brasileiras. Mas também teremos artistas muito jovens, que estão começando agora e vão apresentar seus trabalhos", exemplifica o diretor.O evento acolhe oito espetáculos e performances de artistas brasileiros que vêm agitar a cena francesa da dança contemporânea em 2025, entre eles: Alejandro Ahmed, Clarice Lima, Davi Pontes, Wallace Ferreira, Diego Dantas, Lia Rodrigues, Luiz de Abreu, Calixto Neto, Original Bomber Crew e Volmir Cordeiro.AlteridadesAlejandro Ahmed, diretor e coreógrafo do grupo Cena 11, companhia de dança de Florianópolis, se apresenta pela primeira vez na Bienal de Lyon, com o trabalho "Eu não sou só eu em mim", que questiona o que poderia ser "a dança do Brasil, e no Brasil". "'Eu não sou eu em mim' é um trabalho que faz parte de um processo maior chamado 'Estado de Natureza'. Esse processo se articula a partir de uma pergunta: o que pode ser a dança no Brasil e do Brasil? Que dança seria essa?", explica o coreógrafo."O Cena 11 entende a dança como uma tecnologia de comportamento, e articula comportamento, matéria e linguagem para produzir uma modulação músculo-esquelética e emocional da gravidade. Ou seja, o peso é o nosso modo de articular pensamento, movimento e dramaturgia. Essa relação com o peso e com o corpo no espaço constitui um padrão de conexão entre diversas danças e técnicas — urbanas e locais — que o grupo Cena 11 articula nesse trabalho", desenvolve Ahmed."O trabalho é, portanto, uma pergunta sobre a alteridade: sobre o outro que nos habita, e que, de alguma forma, é sempre vital para compreendermos a nós mesmos", finaliza.Desfile de aberturaJá Diego Dantas, diretor artístico do Centro Coreográfico do Rio de Janeiro, mistura influências entre sua formação na dança clássica, no samba e em criações contemporâneas para engendrar o Défilé, o tradicional desfile de abertura da Bienal de Dança de Lyon, cujo tema em 2025 é a "reciclagem das danças". "Meu projeto se alinha à temática da Bienal, porque eu aproveito essa proposta para recuperar um repertório coreográfico ligado ao carnaval, que é um repertório exigente, que olha para as danças tradicionais, para os territórios do corpo, para o carnaval, para a cidade, e também para as danças negras e contemporâneas", contextualiza."É um diálogo entre o tradicional e o contemporâneo como prática de resistência e de ancestralidade em movimento — essa grande potência de comunicação com a comunidade que é o carnaval", resume. "A dança é sempre uma tecnologia muito importante de multiplicação. Então eu recupero coreografias que criei tanto para a Império da Tijuca quanto para outras escolas por onde passei, como a Unidos da Vila Kennedy e a própria Imperatriz Leopoldinense. Eu revisito esse repertório com base em uma música e em referências sonoras que o DJ Pedro Berto está desenvolvendo a partir das indicações que passei para ele, criando uma trilha sonora original — que está linda, por sinal", comemora Dantas."A ideia é levar tudo isso, essas referências ancestrais da cultura afro-brasileira, com movimentos que dialogam com as danças dos orixás, para fazer esse projeto lindo acontecer em Lyon. Queremos levar a força do Brasil e do carnaval da cidade do Rio de Janeiro para dentro desse desfile, sempre pensando nesses diálogos possíveis entre o tradicional e o contemporâneo — o que um pode oferecer ao outro", conclui o coreógrafo e bailarino carioca."Rua"O espetáculo "Rua", do premiado coreógrafo Volmir Cordeiro, baseado na França, "é uma peça que está o tempo todo suscetível a mudanças, porque é uma obra in situ, site-specific", explica o artista. "Ela tem uma escrita muito precisa, muito elaborada, muito definida — mas que se adapta a cada lugar por onde passa. Ela observa o que existe em cada espaço, lida e dança com a infraestrutura do local", diz.Apresentado pela primeira vez em 2015, o trabalho é uma espécie de camaleão que se adapta aos espaços por onde passa. "Por mais que mantenha uma forma rigorosa, a peça está sempre aberta à adaptação", afirma Cordeiro. "O que mais muda, acima de tudo, são os lugares pelos quais ela passa. E esses lugares fazem com que a peça se transforme: seja na maneira de se adaptar ao cimento, ao jardim, à ideia de uma avenida, de uma rua, de uma praça, de uma garagem ou de um estacionamento", diz."A forma como ela circula por esses espaços transforma também a maneira como ela se apresenta. Mas existe uma partitura muito precisa, baseada nos poemas de Bertolt Brecht e nos sons produzidos pelo [percussionista e músico Washington] Timbó. E é a partir disso que a dança vai surgindo", conta Cordeiro.Paisagem em movimentoA coreógrafa cearense Clarice Lima traz a Lyon Bosque, uma performance monumental. "É uma convocação artística à consciência ambiental. Através de práticas coletivas, engajamos participantes locais para virar a cidade de cabeça para baixo", diverte-se. "Não faço isso sozinha — estou junto com três parceiras incríveis: Aline Bonam, Nina Fadiga e Catarina Saraiva. Estamos muito animadas com essa participação", pontua a artista, que também participa pela primeira vez do evento no leste da França."Bosque é sempre um encontro com outras pessoas, com participantes locais, com gente que tem essa habilidade maluca de ficar de cabeça para baixo. Juntos, criamos uma paisagem em movimento dentro da cidade. E eu acho que vai ser muito bonito fazer esse bosque brotar em Lyon", diz Lima."O samba do crioulo doido""Essa peça foi criada em 2004 e recriada em 2020, e até hoje continua em turnê. Ela questiona, a partir do corpo negro — o do coreógrafo Luiz de Abreu — o olhar que a sociedade brasileira historicamente construiu sobre esse corpo", explica o também coreógrafo e bailarino brasileiro Calixto Neto."Apesar de ter sido concebida há mais de duas décadas, em 2020 ela ainda era extremamente atual, especialmente no contexto em que o país estava sob o governo Bolsonaro — um governo de caráter fascista. A obra segue ressoando com força e agora, em 2025, ela permanece relevante", contextualiza."Nosso passado colonial ainda nos assombra, e essa peça é incontornável para compreender as relações entre o corpo negro e a sociedade contemporânea", destaca Neto.A 21ª Bienal da Dança de Lyon acontece de 6 a 28 de setembro no leste da França.

    David Hockney expõe obras dos últimos 25 anos na Fundação Louis Vuitton, em Paris

    Play Episode Listen Later May 9, 2025 5:04


    Aos 87, David Hockney, um dos artistas britânicos mais influentes dos séculos 20 e 21, continua ativo como nunca. Prova disso é a exposição “David Hockney, 25”, em cartaz na Fundação Louis Vuitton, em Paris, dedicada à sua produção dos últimos 25 anos. Patrícia Moribe, em ParisPela primeira vez no imponente prédio projetado por Frank Gehry, um artista ainda vivo ganha as honras da casa. As filas de entrada são longas, mas uma vez dentro do museu, os visitantes se espalham pelas onze salas em três andares, sem a sensação de acotovelamento diante das obras.São mais de 400 trabalhos expostos, geralmente de grandes proporções, entre pinturas, desenhos, fotografias, colagens, projeções e a sua paixão dos últimos anos – as pinturas feitas no telefone celular e tablet.  “Não se trata de uma retrospectiva, embora apresentemos uma espécie de prelúdio com obras célebres, como a famosa pintura da piscina, A Bigger Splash” (1967), explica Magdalena Gemra, da equipe de curadoria da fundação, entrevistada por Muriel Maloouf, da RFI, referindo-se ao quadro da fase californiana de Hockney, com muita luminosidade e referências à água. Outra pérola dessa época, também na mostra, é “Retrato de um Artista”, de 1972, arrematado em leilão em 2018 por US$ 90 milhões, valor recorde na época para um quadro de um artista ainda em vida.Mas o foco da exposição em Paris, explica Gemra, foi especialmente para as obras dos últimos 25 anos, incluindo quatro anos passados na Normandia, isolado durante a Covid, quando Hockney mergulhou na paisagem local e nos retratos das pessoas próximas a ele.A exposição começa com um grande letreiro de neon na parede: Remember you cannot cancel spring (“Lembre-se de que não se pode cancelar a primavera”), uma frase que Hockney escreveu para um grupo de amigos durante a pandemia, em 2020. “É uma mensagem alegre e esperançosa que queremos transmitir com a exposição. Mesmo diante das tragédias que todos vivemos, a obra de David transmite uma alegria que permanece”, disse Magdalena Gemra.O irrequieto Hockney participou ativamente de todas as etapas da montagem da exposição, passando pelas cores das paredes, até o catálogo. A equipe da fundação o visitou várias vezes em seu ateliê em Londres e o artista veio a Paris três vezes, sempre acompanhado de familiares e amigos.Sempre rebeldeDavid Hockney nasceu em 9 de julho de 1937, em Bradford, Inglaterra. Estudou na Royal Academy of Arts e foi apontado como um dos pioneiros da arte pop na Grã-Bretanha. Mudou-se nos anos 1960 para Los Angeles, também com temporadas em Londres e Paris.Na virada do século, ele voltou seus olhos e paletas para a Yorkshire natal, retratando o que via e sentia com aquarelas e óleos.Hockney sempre explorou técnicas diferentes, das tintas, passando pela foto, até a imagem digital, na qual virou referência.Influência“Em 2010, eu vi na Fundação Pierre Bergé e Yves Saint Laurent, em Paris, seus primeiros desenhos feitos no iPhone e fiquei muito impressionado”, diz o artista visual Fernando Barata, radicado em Paris e que também trabalha com imagens digitais. “Enquanto muitos artistas pop usavam a tecnologia como comentário sobre a cultura de massa e reprodução, mecânica, Hockney a incorporou em seu processo criativo. Para ele, um iPad não é apenas uma referência cultural, mas um suporte legítimo, um novo meio expressivo que merece a mesma seriedade da pintura tradicional”, apontou o artista. “Foi uma verdadeira alavanca para meus primeiros trabalhos digitais em iPad. A difusão instantânea das obras digitais criou um novo paradigma que desafia o modelo tradicional de galerias, marchands e leilões. Essa democratização dos meios de distribuição transformou a relação entre artistas e público, permitindo conexões diretas sem os intermediários tradicionais de sistema artístico”, diz Fernando Barata.A exposição também traz as paisagens grandiosas da natureza americana e muitos retratos, principalmente de amigos e pessoas próximas, como o companheiro e braço-direito Jean-Pierre Gonçalves de Lima. O rebelde Hockney chegou a recusar uma condecoração e uma encomenda para pintar o retrato da rainha Elizabeth II.Na última sala, imersiva, suas criações para óperas passeiam pelas paredes. Os visitantes podem ficar onde quiserem, mas os locais mais disputados são as almofadas espalhadas pelo chão.Homossexual assumido e fumante inveterado, sempre com roupas coloridas e um sorriso no rosto, Hockney não para de se reinventar."David Hockney 25" fica em cartaz na Fundação Louis Vuitton, em Paris, até 31 de agosto de 2025. 

    Rodrigo Braga expõe em Paris trabalhos com simbologias da catástrofe ambiental

    Play Episode Listen Later Apr 25, 2025 5:07


    “Feu Noir – Fogo Negro” é a nova exposição do artista visual Rodrigo Braga em Paris. As obras mostram a relação tensa entre humanos, natureza e meio ambiente. Para ele, a natureza é um território poderoso, mas ferido, e por isso questiona o comportamento humano em relação a ela. A mostra fica em cartaz na galeria Salon H, em Paris, até 13 de julho de 2025. Patrícia Moribe, em ParisRodrigo Braga trabalha a natureza como tema não somente porque é um assunto em voga ou apenas pelo seu caráter urgente. Nascido em Manaus, ele é filho de biólogos ambientalistas e por isso fala com conhecimento de causa. “Desde a minha primeira exposição, em 1999, eu já trazia essa questão socioambiental, porque não é só sobre a natureza, mas é a nossa relação homem, natureza, nosso meio, é a nossa atuação no mundo enquanto ser”, explica. “É um tema que me é muito caro e que hoje está na moda, que precisa ser discutido com muita urgência e firmeza."A exposição “Fogo Preto” faz parte de uma série maior chamada “Ponto Zero”, que Braga começou em 2018 e segue até hoje. O conceito de "Ponto Zero" vem da física, referindo-se à falta de energia em um sistema ou matéria. Ou um ponto de inflexão, especificamente o colapso das cadeias biológicas causado por ações humanas nocivas. Braga usa esse termo metaforicamente para discutir um limite, a partir de elementos naturais como pedra, carvão, cal e fogo, todos com poder simbólico forte.Inspirado por KrajcbergBraga utiliza desenhos, pinturas sobre tecido, painéis e fotografias. Ele emprega materiais arcaicos como carvão vegetal e argila, além de crayon e pastel. O artista conta que a exposição marca uma volta ao desenho, linguagem que não usava há algum tempo, inspirado por imagens do artista polonês-brasileiro Franz Krajcberg.“A utilização das fotografias do Krajcberg para me inspirar a realização desses desenhos é para justamente fazer um link temporal sobre algo que ele registrava 40, 30 anos atrás, que continua acontecendo igualmente e na verdade acontecia muito antes. É uma questão secular no Brasil e é contemporânea também. Somos dois artistas de gerações diferentes trabalhando sobre esse tema de uma maneira muito clara. Isso é reforçar o tema."Fogo, ovos e olhosO fogo é um símbolo recorrente nas obras de Braga. Embora o fogo represente destruição, ele também é apresentado como um sinal de regeneração. Ele aparece como uma força ameaçadora, mas efêmera. Ovos e olhos são outros instrumentos simbólicos do artista, perpassando noções de observação, cautela e eclosão.Rodrigo Braga trabalha na cena artística há 25 anos. Depois de ter morado no Recife e no Rio de Janeiro, ele se mudou para a França há seis anos. A mudança foi estimulada após uma exposição no Palais de Tokyo, em Paris, em 2016. Seu trabalho faz parte de diversas coleções públicas e privadas, incluindo a Maison Européenne de la Photographie (MEP), em Paris, e os Museus de Arte Moderna de São Paulo e Rio de Janeiro.Hoje o artista está baseado em Paris, mas com circulando muito, principalmente entre a França e o Brasil. “Feu Noir – Fogo Preto” é a quadragésima exposição individual de Rodrigo Braga.

    Lucas Arruda expõe paisagens em diálogo com mestres do impressionismo no Museu d'Orsay, em Paris

    Play Episode Listen Later Apr 12, 2025 6:07


    Convidado para expor no templo dos impressionistas, o Museu d'Orsay, em Paris, o artista plástico Lucas Arruda concebeu “Que importa a paisagem” como parte da Temporada França-Brasil 2025. Em suas paisagens, ele fala através de luzes, pinceladas, gestos e memória. Patrícia Moribe, em Paris“Fiquei muito feliz pelo convite”, conta Lucas Arruda, o primeiro artista brasileiro contemporâneo a exibir no Orsay. “Acho que também tive uma certa ansiedade, um certo nervosismo, um certo medo de ter algum aspecto pretensioso em estar aqui. Mas aí, aos poucos, eu fui achando essas relações [entre os quadros] e percebendo que daria para construir algo que não confrontasse, mas que sim, respeitasse e continuasse.”A ideia de trabalhar com Lucas Arruda já estava em pauta há algum tempo, conta o co-curador Nicolas Gausserrand. "Quando estamos diante de uma tela de Lucas Arruda, temos a impressão de que ela nos é familiar, e é o poder da paisagem de nos dar a sensação de que já a vimos", observa."Seja na realidade ou na pintura, as pinturas de Lucas Arruda parecem se inserir perfeitamente nessa continuidade, que é importante no Museu d'Orsay, ao mesmo tempo, trazendo uma contribuição nova, que é o fato de que ele não pinta, ao contrário dos impressionistas, diante da cena que vê. Todas essas telas são imaginadas e são totalmente ideais de paisagens feitas em sua mente.”“Há algo bastante didático na progressão da exposição, falando primeiro sobre paisagens, em um encontro que não é conflituoso, mas organizado de maneira bastante elegante, tanto para as obras das coleções - Rousseau, Corot, Boudin, Pissarro – como para as obras de Lucas Arruda”, explica Gausserrand.“Há também um deslocamento bastante excepcional do Mar Tempestuoso, de Courbet, para a galeria impressionista. E a conversa acontece de maneira bastante fluida com a paisagem como tema”, acrescenta Gausserrand.“Que importa a paisagem”, frase tirada de um poema de Manuel Bandeira, trafega por três salas. A primeira, com vários expoentes do impressionismo; depois, uma ala só com as séries de Arruda, que funciona como uma quebra e a continuidade do diálogo.Há mais de 15 anos, Lucas Arruda vem trabalhando paisagens em quadros de pequeno formato, da série Deserto-Modelo. O formato reduzido parece concentrar e, ao mesmo tempo, aumentar essa realidade virtual. O visitante precisa auscultar traços e matizes, guiado pelas luzes e memórias de Arruda.Depois, na sala de Claude Monet, cinco versões da catedral de Rouen inspiraram Arruda a buscar cinco imagens de florestas.“Tentei achar cinco matas que tivessem luzes diferentes, construções diferentes. Então foi tudo um pouco pensado, com o entorno, com algumas limitações”, explica.Ele fala sobre a influência dos impressionistas, mas sua obra vai além, com imagens que remetem a outras gerações de artistas, como William Turner, Joseph Constable, Mark Rothko, ou ainda as fotografias de Hiroshi Sugimoto.O artista explica ainda a admiração pelo trabalho de Alfredo Volpi, um dos grandes nomes do modernismo brasileiro. “A luz que vem de trás da têmpera do Volpi tem essa transparência, essa pincelada aberta, que não fecha, que não sela. É uma pincelada que, ao mesmo tempo em que ela deposita, ela também abre luz de trás.”“Que importa a paisagem”, de Lucas Arruda, fica em exposição no Museu d'Orsay, em Paris, até 20 de julho de 2025.

    Jonathas de Andrade: voracidade que gera contradições inspira artista em exposição no sul da França

    Play Episode Listen Later Apr 1, 2025 6:16


    Como parte dos eventos da Temporada França Brasil 2025, o artista plástico Jonathas de Andrade, natural de Maceió e baseado em Recife, expõe oito obras na Comanderia de Peyrassol, vinhedo incrustrado na Provence, no sul da França. Inspirado pela obra de Clarice Lispector, a mostra foi batizada de "A arte de não ser voraz" e abre para o público nesta terça-feira (1°). Patrícia Moribe, enviada especial da RFI, à Comanderia de PeyrassolA Comanderia de Peyrassol foi fundada pela Ordem dos Templários no século 13 e hoje é um importante vinhedo e museu ao ar livre. Obras da espetacular coleção de Phillipe Astruy se espalham pela propriedade de 850 hectares, fincada na região da Provence, a cerca de 100 km de Marselha. O artista francês Daniel Buren, por exemplo, implantou uma coluna de flâmulas coloridas ao longo de vinhas. As obras se impõem, se integram ou se camuflam pelas edificações reformadas e vegetação. Um passeio pelo bosque ou pela galeria fechada revela trabalhos de Joana Vasconcelos, César, Arman, Tinguely, Niki de Saint Phalle, Antoni Tàpies, Robert Mapplethorpe, Pol Burty e muitos outros.Jonathas de Andrade foi convidado para conceber uma exposição com algumas de suas obras emblemáticas, além de criações especiais para a ocasião. O fio condutor vem de uma obra de Clarice Lispector, “A arte de não ser voraz”. O projeto faz parte da Temporada França Brasil 2025. “A voracidade não é só uma coisa concreta, que fala da fome, mas também uma voracidade que é um impulso humano que nos leva a tantas contradições, como civilização”, explica o artista. “A voracidade é a voracidade de possuir, de dominar, de usar a natureza e os meios da natureza como se não houvesse amanhã. E hoje a gente vive um pico dessas contradições, com consequências muito fortes para a gente. ”Além de dois vídeos – “O Peixe” e “A Língua” -, Jonathas de Andrade traz um grande mapa realizado em colaboração com mulheres kayapó da aldeia Tukano, registros de uma ocupação do Movimento Sem Terra, que questiona a problemática de grandes áreas improdutivas nas mãos de poucos.Trabalhando com vários suportes, o artista também apresenta “Maré”, uma tábua de mares invadindo as ruínas de um clube abandonado, explorando o confronto entre mar e arquitetura, e o fato de o local também ter sido propício para encontros clandestinos. A escultura vem no formato de uma enorme língua nadando em sangue, que fez parte do pavilhão brasileiro da Bienal de Veneza de 2022. “Foi um projeto que eu fiz com expressões populares relacionadas ao corpo e que, nessa exposição e nessa discussão de voracidade, é uma língua que não só é uma língua da comida, do devorar, mas é uma língua também de uma censura que às vezes é um fantasma que está à espreita”, explica.O vídeo “O Peixe” (2016) foi exibido na Bienal de São Paulo. Filmado em 16mm, o filme é uma alegoria para temas caros para o artista, como o homem e as tradições nordestinas, a relação com o meio ambiente, e o antagonismo e embate entre opulência e necessidade. Nele, pescadores abraçam o peixe recém-pescado, como um ato amoroso, tenso. “A câmera passeia pela cena, ela parece devorá-la também, e o pescador que abraça o peixe agonizando também é uma cena de devoração entre as espécies.O artista conta que o trabalho do etnógrafo francês Jean Rouch teve um forte impacto em sua obra. “Jean Rouch deixa o olhar da etnografia clássica, distante, científico, e passa a propor situações em que a câmera parece estar jogando junto e criando com os protagonistas dos filmes".Jonathas de Andrade aproveita a passagem pela França para uma pesquisa sobre Jean Rouch, para outro trabalho que vai expor em junho, no Jeu de Paume, em Tours, também no contexto da Temporada França Brasil 2025.“A arte de não ser voraz” fica em cartaz na Comanderia de Peyrassol, no sul da França, até 2 de novembro de 2025.

    Mulheres dominam entre concorrentes do Brasil na 37ª edição do festival Cinélatino, em Toulouse

    Play Episode Listen Later Mar 25, 2025 7:47


    Três cineastas mulheres, com histórias sobre mulheres. Na competição da 37ª edição do festival Cinélatino, em Toulouse, o Brasil tem representação 100% feminina. Daniella Franco, enviada especial da RFI a Toulouse"A Melhor Mãe do Mundo", de Ana Muylaert, concorre na categoria longa-metragem de ficção. O filme conta a saga de Maria da Graça, ou Gal, uma mãe de família que trabalha como catadora de materiais recicláveis em São Paulo. Vítima de violência doméstica, ela se vê obrigada a fugir de casa para proteger suas crianças, Rihanna e Benin.Gal é interpretada pela atriz carioca Shirley Cruz, que conversou com a RFI no Cinélatino sobre a construção da sua personagem. Segundo ela, para encarnar o papel, conviveu com catadoras de recicláveis e entrou em cena logo depois de dar à luz sua primeira bebê. Outra conexão com Gal foi ter sido vítima de uma tentativa de feminicídio, uma agressão da qual afirma ter se curado.“A Gal tem muito de mim: mulher, preta, mãe de menina. Eu falo que fiz a Gal com útero aberto. Isso fez uma grande diferença”, explica. “Além disso, eu acho que tenho muita força e quando você assiste a esse filme, a força da Gal salta aos olhos”, salienta.Shirley classifica o trabalho de Anna Muylaert, uma amiga de longa data, como “um cinema de fé”. “Ela de fato acredita que histórias mudam comportamentos, tocam pessoas. A partir daí, a gente tem esperanças de recuperar essa dignidade humana, mas emergencialmente, a vida da mulher”, reitera.“Nilo”: um parto de despedidaNa competição dos curtas-metragens, o documentario "Nilo", dirigido por Isadora Carneiro, também aborda a maternidade, mas sob um outro ângulo, o da morte gestacional. A produção mostra a historia verídica de Daniella Dantas e Flavio Donasci, mãe e pai do bebê Nilo, que morreu antes do parto.“A mensagem que eu queria passar com o filme era trazer à tona esse assunto que é muito tabu”, conta Daniella. “A gestação é vida, alegria, movimento de transformação, potência. Então, quando vai contra o que é natural, a gente não fala”, reitera a atriz.Além disso, Daniella aponta para a invisibilização do sofrimento das mães que enfrentam a morte gestacional. “Como o bebê está lá dentro, e às vezes a gente nem conta sobre a gravidez até chegar ao terceiro mês, é como se ele nunca tivesse existido. E aí as mulheres não têm nem o direito de viver o luto”, observa.Neste complexo exercício de organizar imagens e emoções extremamente íntimas, Isadora consegue mostrar com delicadeza a experiência de um casal no acolhimento de um filho tão esperado, mas de presença efêmera. Segundo a diretora, seu grande desafio foi “transformar a dor em poesia”.“Muitos elementos me ajudaram, como a natureza”, afirma referindo-se ao local da gravação, uma casa à beira de um rio em Visconde de Mauá (RJ). “E principalmente o papel da ‘Sous-titres', que é a personagem da palhaça encarnada pela Dani e que também viveu esse luto, como mostramos no filme”, observa. Afrofuturismo e etarismo em focoNa competição dos curtas-metragens, "Bela LX-404", de Luiza Botelho, aborda a objetificação dos corpos das mulheres e o etarismo por meio de uma trama afrofuturista bem-humorada. O filme se passa em um futuro distante, quando um aposentado compra por engano uma esposa-robô octogenária e tenta devolvê-la a todo custo por fantasiar com uma humanoide de aparência mais jovem.Luiza Botelho, conversou com a RFI em Toulouse sobre a mensagem que pretende transmitir com o filme. “É uma história divertida, mas que fala sobre etarismo e a desconexão humana, através da tecnologia. Tem uma mensagem muito profunda sobre o quanto estamos tornando as pessoas e as relações cada vez mais descartáveis”, explica.  O papel principal, da robô Bela LX-404, é interpretado pela atriz Léa Garcia, um dos maiores nomes da dramaturgia do Brasil, falecida em 2023. O curta foi o último trabalho dela, que não chegou a vê-lo finalizado. “Foi uma honra poder tê-la neste filme", conta Luiza, emocionada. "Ela interpreta uma personagem completamente diferente do que vinha fazendo ou do que se espera de uma senhora de 89 anos”, observa.“A Léa adorou usar decote e se reconectar com o lado sexy dela. No último dia de filmagem, em uma das últimas cenas que a gente estava fazendo, ela disse que eu teria que filmar tudo de novo porque estava tudo muito bom e ela não queria que acabasse”, relembra.Oportunidade e poderAlém dos três filmes brasileiros em competição, esta edição do Cinélatino ainda conta com duas outras produções brasileiras dirigidas por mulheres: “Manas”, de Marianna Brennand – um dos filmes de abertura do festival – que trata sobre a exploração sexual de meninas na ilha do Marajó, e a animação “Absorta”, de Luiza Pugliesi.Antes da projeção de seu longa em Toulouse, Marianna conversou com a RFI e saudou o protagonismo das brasileiras no evento. “Como mulheres, diretoras, cineastas, escritoras, atrizes, nós temos essa oportunidade e esse poder nas nossas mãos de nos posicionar e contar nossas histórias com o nosso olhar”, afirmou.  A 37ª edição do Cinélatino se encerra neste domingo (30), após a cerimônia de entrega dos prêmios, no sábado (29).

    Exposição na Filarmônica de Paris homenageia papel da música disco nas lutas sociais

    Play Episode Listen Later Mar 21, 2025 8:15


    A Filarmônica de Paris acolhe até 17 de agosto a exposição "Disco - I'm Coming Out", dedicada ao estilo musical nascido no início dos anos 1970 nos Estados Unidos. O evento destaca o papel da música disco nas lutas políticas e sociais, tornando-se uma forma de expressão das comunidades LGBTQIA+, afro-americana e mulheres.  Daniella Franco, da RFI em ParisA exposição traz quatro seções principais, que se concentram no surgimento da música disco, no contexto político e social da época, na popularização das discotecas e na expansão do estilo pelo mundo. Os espaços, decorados com muito brilho e neon, retratam a estética disco em diferentes fases e homenageam ícones como Diana Ross, Donna Summer, Chaka Khan, Gloria Gaynor, e também artistas franceses, como Cerrone e Sylvester. Em um imenso conjunto de arquivos exibidos na mostra, destacam-se vídeos e fotos, instrumentos musicais e materiais usados por DJs e gravadoras, figurinos imortalizados por cantoras e cantores, e obras de arte assinadas por artistas icônicos como Andy Warhol e Keith Haring. Durante todo o percurso, os visitantes são embalados por uma animada trilha sonora mixada pelo célebre produtor e DJ Dimitri from Paris.Um dos curadores da exposição, Jean-Yves Leloup, afirma que mais do que inspirar o espírito festivo nos visitantes, a mostra tem o objetivo de resgatar a história, abordando o fenômeno planetário da música disco. "O início dos anos 1970 é marcado por avanços sociais e políticos de algumas minorias, principalmente a LGBT, após o célebre movimento de Stonewall em 1969. Depois disso, há uma verdadeira liberação, com o recuo das perseguições policiais e administrativas que sofriam os espaços dedicados a essas minorias", diz.A partir dessas mudanças, nasce uma nova economia festiva e hedonista, impulsionada pela cultura LGBT, lembra. "A música disco vai rapidamente se tornar muito popular e cair no gosto do grande público, principalmente a partir de 1977, com o filme 'Embalos de sábado à noite', que vai tornar esse estilo musical em algo muito popular e para o grande público", lembra.As mulheres nas pistas de dançaCaindo no gosto do grande público, a música disco também vai se tornar um canal de expressão das mulhere, principalmente das afro-americanas que celebram a libertação do domínio masculino por meio de canções que se tornarão clássicos deste estilo musical. É o caso de "I will survive', de Gloria Gaynor, um hino feminista, que fala da superação de uma mulher após uma separação."Há muitas músicas que falam da sexualidade das mulheres, do direito ao prazer e ao orgasmo, e muitas canções fazem eco às lutas feministas da época e às lutas das mulheres negras por direitos civis", observa Leloup. O estilo musical também permite que a cultura afro-americana se popularize pelo mundo, um fenômeno que o jazz já havia iniciado e que o rap realiza até hoje. "Não costumamos associar a música disco à black music, mas ela está profundamente ligada ao soul, ao gospel e ao funk", destaca o curador da exposição. Uma mostra para todas as idadesO parisiense Hervé visitou a exposição com o companheiro Vincent. Para o casal, a mostra traz à tona lembranças de outros tempos. "É bem representativo desta época, os anos 1970, e nos faz pensar na nossa juventude, quando frequentávamos discotecas. A trilha sonora também é muito boa, dá vontade de dançar desde que a gente entra", diz.As gerações mais jovens também se divertem e aprendem com a exposição, acredita a jovem Emeline. "É interessante visualmente e também instrutivo. Aprendemos muitas coisas sobre os espaços da música disco, sobre as gerações com as quais não convivemos, mas que idealizamos", observa. "Há lindas decorações, com lindas músicas, que descobrimos ou redescobrimos, além de coisas do mundo atual que se inspira nessa geração", conclui.A exposição "Disco - I'm Coming Out" fica em cartaz até o dia 17 de agosto na Filarmônica de Paris. 

    Festival de cinema no norte da França homenageia o Brasil com extensa programação

    Play Episode Listen Later Mar 14, 2025 9:49


    A 22ª edição do festival de cinema Regards d'Ailleurs (Olhares de Fora) é realizada em Dreux, no norte da França, até o dia 2 de abril. Neste ano, o evento homenageia o Brasil, trazendo ao evento pesos-pesados entre seus convidados, como Walter Salles, Kleber Mendonça Filho, Eryk Rocha, Antonio e Camila Pitanga, Maria de Medeiros, entre outros. Daniella Franco, da RFINa agenda, uma extensa programação, com duração de quase um mês, com a exibição de clássicos do cinema brasileiro, como "Orfeu Negro", de Marcel Camus, e "Deus e o Diabo na Terra do Sol", de Glauber Rocha, grandes sucessos como "Cidade de Deus", de Fernando Meirelles e Kátia Lund, "Aquarius" e "Bacurau", de Kleber Mendonça Filho, "Madame Satã", de Karim Aïnouz, e o premiadíssimo "Ainda Estou Aqui", de Walter Salles. A nova geração do cinema brasileiro também está representada, como "Manas", de Mariana Brennand, "Senhoritas", de Mykaela Plotkin, “Estou me guardando para quando o carnaval chegar”, de Marcelo Gomes, entre tantos outros títulos.O festival ainda promove encontros com vários cineastas brasileiros, masterclasses de Walter Salles e Camila Pitanga, além de uma homenagem a Glauber Rocha, um cine-concerto e uma programação especial para o público infantil.A escolha do Brasil para ser o país tema do festival era algo previsto de longa data pelos organizadores, segundo o diretor do Regards d'Ailleurs, Thierry Méranger. "Faz muitos anos que eu sigo vários cineastas brasileiros e tinha muita vontade de homenagear esse belo território de cinema que é o Brasil. E, para ser sincero, eu não quis selecionar o Brasil para o festival durante o governo Bolsonaro. Então esperei, de uma maneira consciente, que o panorama político brasileiro se tornasse mais favorável", explica.A escolha foi acertada: Méranger afirma que o interesse pelo cinema e os diretores brasileiros em Dreux é grande. "Creio que nossos convidados brasileiros são acolhidos com muita curiosidade, no bom sentido do termo, porque o público do Regards d'Ailleurs é um público que tem vontade de aprender”, diz.“Por enquanto, o público tenta reconstituir esse magnífico quebra-cabeças de elementos que constituem a cultura brasileira. Os espectadores de Dreux estão se dando conta da incrível diversidade que abrange a expressão 'cinemas brasileiros'. Afinal, são os 'cinemas brasileiros' que estamos descobrindo", reitera Méranger."A Queda do Céu"Entre os convidados do festival está o cineasta brasiliense Eryk Rocha, que apresenta três de seus filmes no Regard D'Ailleurs. Entre eles está o premiado documentário "A Queda do Céu", obra que dirigiu junto com Gabriela Carneiro da Cunha, e que estreou em fevereiro no circuito comercial da França, com muitos elogios da crítica.Em entrevista à RFI, Rocha explica que no exterior, o público, ainda que alheio às questões e temáticas brasileiras, não tem dificuldades para assimilar essa poderosa obra. “Acho que ‘A Queda do Céu' é um filme que tem múltiplas dimensões e camadas. Cada espectador vai perceber seus pontos de riqueza: as dimensões políticas, histórica, estética, mística, filosófica. É um filme tanto quanto os Yanomamis quanto sobre nós”, avalia.Após estrear no Festival de Cinema de Cannes, no ano passado, “A Queda do Céu”, baseado no livro homônimo do líder Yanomami Davi Kopenawa, passou por mais de 20 países e 70 festivais, recebendo 15 prêmios internacionais. Segundo o cineasta, essa é uma prova de que “o filme chega no coração das pessoas”.“Em Dreux, por exemplo, o festival é frequentado pelos moradores da cidade, trabalhadores, funcionários, aposentados. Perceber como o filme chegou nas pessoas me emocionou muito”, conta. “As pessoas captaram o espírito do filme. Foi uma experiência muito forte. Raras vezes eu vivi em um festival um debate de mais de duas horas, o que é algo muito importante”, reitera.Visibilidade ao cinema brasileiroO crítico de cinema Diogo Serafim, brasileiro radicado na França, também participa do Regards d'Ailleurs como convidado. Em entrevista à RFI, ele comentou sobre a vitrine que festivais fora do país representam para o cinema brasileiro.“Acho que é sempre válido para o cinema brasileiro ter essa certa visibilidade, esse contato com o mundo exterior, principalmente em um contexto no qual a gente vive uma dinâmica de globalização no qual é muito difícil ter esse diálogo invertido”, diz.Serafim também destaca que o Regards D'Ailleurs se diferencia de outros na França por propor uma concepção menos formatada pela indústria e pela hegemonia europeia e norte-americana. “O que é legal desse festival é que nós temos a possibilidade de ter um recorte bem amplo de obras e ter essa oportunidade de dialogar em torno das obras”, afirma.Segundo ele, esse diálogo é benéfico tanto para o público quanto para a divulgação do cinema do Brasil fora do país. “É muito rico para a população local e francesa ter essa noção e esse recorte mais bruto da realidade do audiovisual brasileiro”, conclui.

    Retrospectiva na França celebra 40 anos de trabalho do fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado

    Play Episode Listen Later Mar 7, 2025 6:33


    "Antes eu acreditava em uma só espécie: a minha. Mas me decepcionei ao descobrir que somos atrozes, violentos, horríveis, que estamos nos destruindo e a nosso planeta. Descobri também que faço parte de um universo enorme de espécies, e que se a minha desaparecer, não há problema". A frase é do fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado, homenageado desde o dia 1° de março com uma grande retrospectiva com 166 de suas obras no centro cultural Les Franciscaines, em Deauville, na França.  "Descobri que sou parte de tudo isso", insistia Sebastião Salgado, 81 anos, na abertura da grande exposição Sebastião Salgado: Obras da Coleção da MEP, que homenageia não apenas suas séries icônicas de fotografias em preto e branco, mas também sua vida e seu olhar às vezes terno, às vezes dramático, e muitas vezes crítico sobre o mundo. O evento destaca um trabalho de mais de 40 anos percorrendo os quatro cantos do planeta, que resultou em trabalhos como "Exôdos" (1993-2000), sobre as grandes migrações humanas, "Gênesis" (2004-2011), sobre a natureza intocada do planeta, ou "A Mão do Homem" (1986-1992), sobre os trabalhadores, a precarização do trabalho artesanal e as grandes transformações do mundo industrial.A retrospectiva, que faz parte do calendário de comemorações oficiais do ano do Brasil na França, conta com a parceria da Maison Européenne de la Photographie (MEP), entidade que apoiou o fotógrafo brasileiro desde o início de sua carreira, quando trocou a formação de economista em Londres pelas lentes que imortalizariam grandes momentos da humanidade, dos animais e da natureza."Não sou um ser que domina o que está em volta, eu sou parte de tudo isso, dos minerais, dos vegetais", diz, Salgado, quando perguntado sobre o que aprendeu ao realizar a série "Gênesis", que ele afirma ter "reacendido sua esperança na vida e no planeta"."Todos os minerais têm uma inteligência inacreditável, assim como os vegetais. Uma vez fotografei uma árvore na Serra Nevada, nos Estados Unidos. Ela tinha sido parcialmente queimada, e cientistas que me acompanhavam me disseram que ela havia sido tocada pelo fogo de um determinado lado há mais de 1.500 anos. Incrível. Para ficar frente a um ser como esse é necessário muito respeito, e tempo para compreendê-lo, e para que ele possa compreender você também. Para que possamos fotografar a dignidade presente nesta árvore", argumentou um Sebastião Salgado emocionado, mas incansável durante a sequência de perguntas da imprensa internacional. "Não estou 100%"Integrante da Academia de Belas Artes da França desde 2017 e premiado pela Organização Mundial de Fotografia, em Londres, o fotógrafo surpreendeu o público presente no centro cultural Les Franciscaines, em Deauville, na região da Normandia, no norte da França, com um tom emocionado, pedindo "antes de tudo desculpas" e dizendo que não estava "100%". "Fui internado na semana passada num hospital em São Paulo para continuar um tratamento e volto na semana que vem para lá. É uma doença bem forte que eu adquiri há cerca de 15 anos trabalhando no projeto 'Gênesis', na Nova Guiné. Eu peguei malária e os médicos em Paris, no [tradicional hospital] Salpêtrière, me disseram que eu deveria descansar durante seis meses, porque a doença ataca o corpo inteiro, mas eu tive que desligar porque já estava no platô do Colorado", contou Salgado em francês, fazendo a audiência rir."Eu não pude interromper a excursão fotográfica, mas quando voltei a Paris, minha defesa imunológica despencou e eu desenvolvi uma infecção generalizada, tomando doses cavalares de antibiótico. Minha máquina de produzir glóbulos brancos e vermelhos se danificou para sempre. É uma espécie de câncer que adquiri, sou tratado por oncologistas", revelou. "Tomo medicamentos há 15 anos e isso ajuda um pouco, fiz toda a série na Amazônia assim, mas há duas semanas meu corpo começou a rejeitar o remédio e eu tive uma hemorragia no baço. Me desculpem, eu não estou nem com 50% da minha energia", disse Salgado, em meio a aplausos da plateia. O privilégio "enorme" de "estar vivo"Sebastião Salgado chegou a chorar ao lembrar de seus périplos pelo planeta, na abertura do evento, e ao celebrar colegas mortos durante sua trajetória. "O dia mais feliz da minha vida foi quando completei 80 anos... Simplesmente porque eu estava aqui. Eu não estava morto. Quantos amigos perdi, éramos todos amigos durante quatro anos em Goma [,na República Democrática do Congo], quatro fotógrafos foram assassinados, eu estava lá. Então para mim, estar vivo com 80 anos, é um privilégio enorme", confessou.Durante a coletiva, Salgado falou durante 25 minutos sobre suas experiências nos quatro cantos do globo. "Eu tive o privilégio de ir a esses lugares. Algumas vezes as pessoas me dizem que sou um artista, eu digo que não, que sou um fotógrafo. Porque vamos sozinhos a todas essas regiões do mundo, face a todos os problemas que vocês possam imaginar, todos os desafios, e temos dúvidas, questões éticas, de legitimidade, de segurança, e somos nós, fotógrafos, que devemos encontrar respostas para essas perguntas", testemunhou. O fotógrafo lembrou de quando perdeu parte da audição no Kuwait. "Foi quando houve a explosão em quase seiscentos poços de petróleo. Eu estava num barco, fotografando uma história para The New York Times. Eu me lembro que as tropas norte-americanas estavam lá, era a guerra contra Saddam Hussein. Foi um momento terrível e sublime da minha vida", destacou. "Terrível porque foi a maior poluição já vista, tinha dias que não víamos o sol. Era tão surpreendente, porque num determinado momento batia um vento, conseguíamos ver entre as nuvens e podíamos finalmente ver um raio de sol", contou. "Eram homens para mim heróicos aqueles que entravam no fogo do petróleo que tentavam tapar os poços. Havia um medo enorme de ser queimado vivo e o barulho que esses poços produziam era como trabalhar atrás da turbina de um avião", lembrou. "Quando fui embora do Kuwait, havia perdido mais da metade da minha audição", relatou Salgado.A "mão do homem" e as belezas intocadas do planetaA retrospectiva dos trabalhos em preto e branco do fotógrafo brasileiro na França resgata desde suas primeiras reportagens sobre os danos causados pela seca e pela fome na África (1984-1985), até seu trabalho sobre a condição dos trabalhadores imigrantes na Europa, passando na série "Outras Américas" (1977-1984), onde ele revisita a América Latina, com uma visão humanista e universal.Na sequência, a exposição mostra registros captados no final da década de 1980, quando Sebastião Salgado começa a trabalhar seus grandes murais fotográficos. "A Mão do Homem" (1986-1992) é uma homenagem ao trabalho manual e à condição humana. "Eu estudei geopolítica, antropologia, vi que nós estávamos chegando ao fim da primeira grande revolução industrial e que as máquinas inteligentes estavam substituindo o proletariado em toda linha de produção, que os robôs estavam substituindo o homem", declarou em entrevista à RFI em Deauville. "Eu resolvi fazer um retrato da classe trabalhadora antes que ela desaparecesse, e fiz. Minha formação [em economia com ênfase social] me permitiu ver o momento histórico que eu estava vivendo e fotografando", sublinhou."Mas eu pude ver que uma outra maior revolução estava acontecendo. Que o fato da gente estar terminando um tipo de indústria nessa parte sofisticada do planeta, não significava que ela estava acabando, mas se transferindo para a China, para o Brasil, a Indonésia, o México, esses grandes países em território e população. Trabalho barato, mão de obra barata", atestou Salgado.Com "Êxodos" (1993-2000), Salgado documenta os grandes movimentos populacionais ao redor do mundo, relacionados aos conflitos e à pobreza resultante das transformações econômicas que abalam a nossa época. "Eu fui atrás dessa reorganização da família humana que estava acontecendo no mundo. Durante seis anos eu fotografei o que se transformou no livro "Êxodos". "Então essa minha herança visual, histórica, essa minha formação que permitiu me situar. Não que eu seja um militante, não que eu quis fazer coisas diferentes dos outros, mas o que eu fiz, eu fiz com uma certa coerência política", definiu Salgado à RFI.Por fim, "Gênesis" (2004-2012), fruto de oito anos de expedições épicas pelos quatro cantos do globo, mostra a beleza de nosso planeta e permite descobrir paisagens, animais e seres humanos que até então haviam escapado à pressão do mundo contemporâneo. "Cerca de 47% do planeta Terra continua intacto", sublinhou o fotógrafo, feroz opositor ao acordo bilateral entre a União Europeia e o Mercosul. "A Europa quer nos vender produtos industrializados a baixo custo em troca de insumos agrícolas baratos, mas sabemos que as terras cultiváveis que restam no Brasil são indígenas, e deveriam ser preservadas", martelou.O inferno do genocídio em Ruanda"Foi a coisa mais dura que eu vivi na minha vida", disse Sebastião Salgado sobre o genocídio em Ruanda, entre abril e julho de 1994, quando aproximadamente quase 1 milhão de pessoas, a maioria da etnia tutsi, foram brutalmente assassinadas por extremistas hutus. "Não era fácil chegar num campo de refugiados e ver morrer por dia cerca de 20 mil pessoas, com um grande trator que escavava buracos enormes no chão para depositar os cadáveres. Era tão insuportável que cheguei a ficar doente", relatou.Consultado pelo médico indicado por Cartier-Bresson, amigo da família, Salgado conta que o especialista disse que seu corpo "estava perfeito" e que "ele estava morrendo em Ruanda". "Foi quando fomos como Lélia [Wanick Salgado, esposa e parceira do fotógrafo] e os meninos para Trancoso, na Bahia onde alugamos uma casa. Nesse momento, meus pais decidiram nos doar a fazenda onde nasci. Foi quando eu tomei a decisão de abandonar a fotografia. Eu tinha vergonha de ser fotógrafo, porque até então eu havia fotografado apenas uma espécie, a nossa. Então tomei a decisão com a Lélia de me tornar fazendeiro. Começamos a plantar, mas uma enorme chuva destruiu um morro que meu pai havia feito no terreno, matando um riacho onde eu nadava na infância. Lélia me disse então: 'vamos abandonar tudo, vamos pegar essa terra e replantar a floresta", lembra, rememorando as origens do Instituto Terra, que já restaurou cerca de 709 hectares de Mata Atlântica e plantou mais de 2,7 milhões de árvores nativas no Vale do Rio Doce, em Minas Gerais."Céus dramáticos de Minas Gerais""Se você colocar 300 fotógrafos em um evento, você vai ter 300 fotografias diferentes, porque você só fotografa com a sua herança, com tudo que está dentro de você. As minhas fotografias têm séries, céus dramáticos, carregados. Isso vem de onde eu nasci, vem da chegada da época de chuva naquelas montanhas de Minas Gerais que meu pai me levava para ver... no pico mais alto da nossa fazenda, pra se chegar àquelas nuvens incríveis, para ver o raio de sol passar através dessas nuvens, ver a chuva. Então aquelas imagens ficaram em mim", diz o fotógrafo."Memória da sociedade""Cada vez que você aperta no botãozinho da câmera e faz uma imagem, você faz um corte representativo do planeta naquele momento, e você só o faz naquele momento. Precisa ter a realidade em frente para essa imagem existir, para ela ser vista como fotografia, senão ela vai ser vista como um objeto criado como um artistismo, mas não como fotografia. Fotografia é a memória da sociedade" rebate o fotógrafo."Fotografia é a memória, e a memória tem que existir. E a memória só pode ser feita através da realidade. Uma ficção não pode criar memória, então eu acho que a fotografia jamais perderá sua função", insiste. "Eu não estou querendo tirar o lugar da inteligência artificial. Eu acho que ela vai fazer coisas fantásticas, talvez até melhor do que a gente. Com a nossa inteligência normal o que nós fizemos foi destruir o planeta, fizemos guerra, fizemos violência. Talvez uma inteligência artificial seja realmente inteligente para levar a gente em outra direção", diz."Eu não sou contra a inteligência artificial, mas fotografia mesmo, só é fotografia. Quando você pega a fotografia que você faz no telefone celular, isso não é fotografia. Isso é uma linguagem de comunicação por imagem, mas que não tem nada a ver com a memória", ressalta. "Eu acho que o inteligência artificial não vai mudar absolutamente nada na fotografia porque a inteligência artificial só pode criar a partir do que já existe. Pode imaginar, transformar, mas a fotografia é outra coisa", conclui Salgado.A retrospectiva Sebastião Salgado: Obras da Coleção da MEP fica em cartaz no centro cultural Les Franciscaines, em Deauville, até o dia 1° de junho de 2025.

    Berlinale traz caleidoscópio de subjetividades brasileiras em grande vitrine do cinema mundial

    Play Episode Listen Later Feb 21, 2025 6:23


    O cinema brasileiro mostrou a sua força nesta 75ª edição da Berlinale não apenas pela quantidade de obras apresentadas, tendo dobrado sua participação na programação oficial do festival alemão, mas pela qualidade de narrativas que compõem um verdadeiro panorama audiovisual de um Brasil diverso, inquieto e periférico, disposto a mostrar novas subjetividades para muito além dos clichês habituais. Márcia Bechara, enviada especial da RFI a BerlimExemplo disso é o longa Ato Noturno, um suspense erótico brasileiro exibido na mostra Panorama, que concorre ao Teddy Awards, a maior recompensa destinada ao cinema LGBTQIA+ nessa vitrine internacional, como conta Marcio Reolon, que assina o longa ao lado de Filipe Matzembacher."A nossa intenção com Ato Noturno foi, primeiramente, abordar a performance, que é algo muito significativo para nós. Tanto para mim quanto para o Filipe, nos encantava muito a ideia de dois personagens que, para alcançar o sucesso nas suas profissões — tanto na atuação quanto na política — precisam encenar vidas públicas específicas, que contrastam com as expectativas em relação às suas vidas privadas", contextualiza Reolon. "Esses personagens escondem uma determinada vida pessoal e, ao mesmo tempo, comunicam uma vida pública de ilusão, por assim dizer", contemporiza o cineasta."Olhar queer latino-brasileiro""Já era nosso interesse há algum tempo explorar o gênero de suspense, que é algo que gostamos bastante. No início desse processo, pensamos muito no filme como algo etéreo, quase no ar, mas, à medida que fomos desenvolvendo a ideia, o projeto foi tomando forma como um thriller erótico — um gênero que nos fascina e que foi extremamente popular nos anos 1980 e 1990. Claro que, agora, buscamos atualizar esse gênero para os dias de hoje, com um olhar queer latino-brasileiro, trazendo a nossa perspectiva para o contexto contemporâneo", enfatiza.Entrelaçamento entre o real e o imaginárioDa cena queer gaúcha para o melting pot do imaginário da Baixada Fluminense, com seus personagens e memórias, esse é o pano de fundo do filme Zizi, a Oração da Jaca Fabulosa, apresentado na seção Forum Expanded pelo diretor Felipe Bragança. "Como o título sugere, o filme é uma fabulação em torno das memórias de um quintal na Baixada Fluminense, mais especificamente em Queimados, onde passei parte da minha infância. Esse quintal acumula camadas de história e cultura soterradas, mas também é um espaço de culturas plantadas, misturadas com conflitos que, aos poucos, vão formando um mapa afetivo da minha família e, em certa medida, desse subúrbio do Rio de Janeiro", contextualiza o diretor, que esteve também em outras edições da Berlinale."A proposta do filme era construir uma representação desse quintal. Não apenas um espaço físico, mas também um lugar que existe concretamente, mas ainda mais forte na imaginação e na memória", diz Bragança.O filme se desenvolve nesse "entrelaçamento entre o real e o imaginário", onde o diretor mistura fotos e imagens de arquivo, além de vídeos gravados durante sua adolescência, "quando consegui minha primeira câmera de vídeo". "Registrei momentos como o Natal em família, o futebol na rua da frente, entre outras cenas do cotidiano que foram, de certa forma, encenadas, agora com a minha própria família", diz.Cartas do Absurdo: a voz indígena e a violência da colonizaçãoEm direção ao norte do país, mais especificamente na Amazônia, o filme Cartas do Absurdo, é inteiramente falado no idioma tupi, e se inspira em quatro cartas escritas no século XVII para refletir sobre a violência do processo colonial brasileiro e o genocídio indígena, como explica seu diretor, Gabraz Sanna: "Cartas do Absurdo é um filme que surgiu a partir de uma primeira imagem que eu capturei do Rio Amazonas, em Belém, em 2010. A partir dessa imagem, esperei mais de dez anos pelo filme que acompanha essas cenas, que podem ser vistas como o núcleo do projeto", explica."Cerca de um ano atrás, tive acesso a quatro cartas que foram recentemente descobertas. Essas cartas, escritas por indígenas no século XVII, falam diretamente sobre a violência e o processo de colonização do Brasil. Através delas, é possível perceber como esse processo, que começou no passado, ainda persiste, de uma maneira ou de outra, até os dias de hoje", contextualiza o diretor, destaque também na seção Forum Expanded da Berlinale."Embora o Brasil não seja mais uma colônia oficialmente, de várias formas ainda carregamos as marcas dessa colonização. Às vezes, é como se fôssemos uma colônia dos próprios donos do Brasil, para usar uma expressão provocativa", diz Gabraz."O filme, apesar de dialogar com documentos de três ou quatro séculos atrás — sendo que a primeira carta datada é de 1613 —, mantém uma atualidade impressionante. A reflexão que ele propõe sobre a história do Brasil revela um ponto de vista frequentemente invisibilizado ao longo do tempo, um ponto de vista indígena que conta uma parte da história que, por muito tempo, foi marginalizada", conclui o diretor mineiro, que hoje mora e produz no Rio de Janeiro.Mergulho do interior de São PauloEntre vários outros destaques dessa mosaico cinematográfico brasileiro presente na Berlinale em 2025, o curta Arame Farpado traz o espectador para dentro do interior paulista.  "O filme começa abordando o conflito entre a zona rural e o meio urbano, explorando como esses dois mundos, com suas realidades e valores distintos, se entrelaçam", detalha o diretor Gustavo Carvalho, estreante na Berlinale."O enredo gira em torno de personagens que seguem caminhos de vida diferentes, mas são forçados a se encontrar em uma mesma situação. A história foca em uma mulher religiosa que sofre um acidente e é atendida por um enfermeiro gay no hospital", detalha. "Esse encontro gera uma série de conflitos que refletem questões reais e complexas como um espelho do mundo contemporâneo. O filme busca representar essas realidades distintas, onde pessoas de vivências diferentes são colocadas na mesma situação e precisam aprender a lidar com as diferenças", defende Carvalho."Apesar de ser, em sua essência, um drama, há momentos de leveza e até de comédia, o que tem gerado boas reações do público, que riu bastante durante a exibição. Durante a sessão de perguntas e respostas [Q&A], as perguntas foram extremamente interessantes, algumas até surpreendentes, que eu mesmo não esperava", conta Carvalho.A Berlinale fica em cartaz até o dia 23 de fevereiro na capital alemã. 

    Berlinale é aberta em clima de “resistência” contra extremismos e com Brasil na disputa pelo Urso de Ouro

    Play Episode Listen Later Feb 14, 2025 5:29


    “Um ato de resistência contra todas as ideias perversas": o Festival Internacional de Cinema de Berlim, a Berlinale, abriu suas portas na quinta-feira (13), tendo como pano de fundo o aumento do extremismo de extrema direita na Europa e em todo o mundo, dez dias antes das eleições gerais alemãs. O cinema brasileiro dobra sua participação nesta 75ª edição da Berlinale, marcando presença em quase todas as seções do festival. O longa "Último Azul", de Gabriel Mascaro, disputa o Urso de Ouro. A diretora da Berlinale, Tricia Tuttle, deu o tom na coletiva de imprensa do júri na quinta-feira (13): “um festival como este é uma rejeição (...) de todas as ideias difundidas por muitos partidos de extrema direita”. A Berlinale é o primeiro grande evento da indústria cinematográfica internacional de 2025. “Estamos passando por uma crise particular nos Estados Unidos, mas também em todo o mundo”, disse o presidente do júri, o norte-americano Todd Haynes, diretor de ‘Dark Waters', ‘I'm not there' e ‘Carol', ao lado de Tricia Tuttle. Após a “preocupação e o espanto” causados pelas três primeiras semanas do governo Trump, “como vamos fazer para reunir as diferentes formas de resistência (...) ainda está sendo considerado”, disse ele.Na noite de abertura, o Urso de Ouro honorário foi concedido a Tilda Swinton, estrela do cinema de autor que trabalhou com nomes como Wes Anderson e Pedro Almodóvar, além de Brad Pitt, Tom Cruise e Keanu Reeves.Os membros do júri começarão a trabalhar nesta sexta-feira (14), com a exibição dos primeiros filmes que concorrem ao Urso de Ouro, entre eles o "Último Azul", dirigido por Gabriel Mascaro, único brasileiro na competição principal do festival alemão em 2025.Festa do cinema brasileiroDoze filmes brasileiros marcam presença na programação oficial desta edição da Berlinale, um marco da retomada do cinema nacional em vitrines e premiações de todo o planeta.Esta edição do festival abriu suas portas com a exibição do filme "The Light", dirigido por Tom Tykwer, mesmo diretor do já clássico “Corra, Lola, Corra”. A cerimônia de abertura aconteceu no Palacio da Berlinale, na Potsdamer Platz, no centro de Berlim.O festival alemão conta este ano com a presença de diversas personalidades do cinema, incluindo Timothée Chalamet e Robert Pattinson. Mas o cinema brasileiro também mostra sua força no festival alemão em 2025. Para Eduardo Valente, delegado da Berlinale para o Brasil, é uma demonstração da "saúde criativa" do audiovisual brasileiro, que esta presente em quase todas as categorias da Berlinale esse ano."Acho que a seleção brasileira desse ano é muito interessante, exatamente porque de uma forma de outra, ela atravessa transversalmente muitos formatos e tem perfis bem diferentes", diz. "Então, eu acho que, de uma maneira ou de outra, isso sinaliza uma maturidade, uma saúde criativa do cinema e do audiovisual brasileiro", sublinha Valente.O diretor e programador reflete sobre a diversidade da participação brasileira no festival. "Você vai desde a competição oficial, que, claro, é a principal janela do festival, mas você passa pela Fórum Expanded, contando também com a participação de filmes antigos no caso de Iracema, e filmes atuais, que são a maioria, curtas, longas, inclusive uma série dentro da mostra Generation, que é só tem três filmes na programação", destaca. Alguns diretores brasileiros já são velhos conhecidos do festival. "Existem diretores iniciantes na programação e muitos diretores já com relações com a Berlinale, uma coisa importante de se falar", considera. "A Caru [Alves de Souza] já esteve antes, a Rafaela Camelo também, a Anna Muylaert, o Gabriel Mascaro, em suma, muitos realizadores brasileiros estão voltando à Berlinale esse ano", diz. Para Eduardo Valente, a seleção é um sinal claro da amplitude e da continuidade do cinema brasileiro. "Essa presença abrangente é algo que poucos países conseguem dentro da seleção geral do festival, estando representados em praticamente todas as seções, com longas, curtas e séries. Além disso, há uma delegação considerável no Berlinale Talents, que é um programa importante para novos profissionais do cinema, e um projeto brasileiro selecionado para o Co-Production Market. Também se destacam três séries no Berlinale Series Market, uma iniciativa do mercado do festival que também possui um processo seletivo rigoroso", ressalta Valente.O Brasil também marcou presença no World Cinema Fund no final do ano passado e em praticamente todos os espaços da Berlinale existe alguma representação brasileira. "Voltamos a ter um número de participações similar ao que foi registrado entre 2017 e 2020, período em que até superamos essa quantidade", destaca.A Berlinale fica em cartaz até o dia 23 de fevereiro na capital alemã.

    Filmes brasileiros fazem sucesso em sessão especial do maior festival de curtas do mundo na França

    Play Episode Listen Later Feb 7, 2025 8:51


    Os vencedores do Festival Internacional do Curta-Metragem de Clermont-Ferrand serão conhecidos neste sábado (8). Nesta edição de 2025, os organizadores receberam cerca de 8 mil filmes de 51 países. Na sessão especial do Mercado do Filme dedicada à apresentação de cinco produções brasileiras, seguida de um debate com o público, o curta Quase Trap! arrancou risadas da plateia, Carlinha e André despertou questões sobre o HIV na terceira idade, enquanto o filme de ação 2 Brasis foi um sucesso. Três filmes brasileiros concorrem a prêmios na competição internacional de Clermont-Ferrand e outros cinco curtas, selecionados pelo festival Kinoforum e a Spcine, de São Paulo, foram exibidos a distribuidores e produtores em uma sessão especial na tarde de quinta-feira (6).Quase Trap!, filme de iniciação dirigido pelo paulistano Filipe Barbosa, e Anastácia, da mineira Lilih Curi, elaborado a partir de uma longa pesquisa da cineasta com mulheres que sofreram violência doméstica na Bahia, são produções da Rede Afirmativa, da Spcine. Já 2 Brasis, de Carol Aó e Helder Fruteira, ganhou destaque por ser um filme de ação sobre a distopia de um país dividido, com uma produção bem elaborada. Filipe Barbosa abraçou o cinema em 2018, primeiro fazendo formações em oficinas, como as organizadas pelo festival Kinoforum na comunidade de Paraisópolis, depois abrindo um cineclube com os amigos em Cidade Tiradentes, distrito da periferia de São Paulo. Seu curta narra a história de Tiunai, um jovem negro de 16 anos que mora na periferia e se vê pressionado a afirmar sua identidade masculina.O realizador disse à RFI que jamais imaginou estar no maior evento do mundo de curtas. "O Fabio Rodrigo, que é um roteirista, escreveu esse projeto. Ele a uma pessoa um pouco mais velha do que eu e vem da Vila Ede, na zona norte de São Paulo. Eu já sou de uma outra geração e também vivenciei isso. É uma pauta que muitas vezes não tem sido falada. Falar sobre a questão de virilidade, a questão da masculinidade, principalmente negra. A maioria dos debates sobre masculinidade não tem esse enfoque na periferia", destaca Barbosa.O próximo projeto do diretor paulistano é o curta de terror Passado Presente, filme que contará a história de um jovem que pega o tênis de outro jovem, já falecido, e isso irá desencadear uma série de acontecimentos sobrenaturais. Com essa trama, Barbosa quer trazer para discussão a questão do pertencimento dentro da periferia, num cenário "funk" de 2010. HIV chega à meia-idadeRicky Mastro, selecionado para participar pela primeira vez da sessão brasileira no Mercado do Filme, é uma das principais vozes do cinema queer no Brasil. Roteirista e diretor de dez curtas-metragens LGBTQIA+, atuante no circuito nacional e internacional de festivais, Ricky mostrou seu curta Carlinha e André, estrelado por Divina Núbia, André Guerreiro Lopes e Gregório Musatti. O filme retrata a história de amor de uma mulher transgênero na meia-idade que está esperando a volta do marido para casa, depois dele ter revelado a ela que estava com Aids.Mastro conta que a inspiração para essa história veio na esteira de um longo projeto que desenvolve sobre pessoas que vivem com HIV, chamado Os Invisíveis. "Com o Carlinha e André, é interessante porque muitas pessoas falam que eu quis falar sobre viver com o HIV, falar sobre um casal sorodiscordante, mas na verdade eu falo sobre se tornar mais velho, sobre os medos e preocupações [que aparecem] ao envelhecer". Muitos questionamentos de Carlinha refletem preocupações pessoais do cineasta como homem gay cis chegando perto dos 40 anos, e a relação próxima que ele tem com a mãe, que completará 75 anos neste ano. Roteirista e realizador engajado, Mastro passa a metade do ano em Toulouse, onde aperfeiçoou sua formação no cinema, e a outra metade em São Paulo. No Festival de Clermont, ele faz contatos com produtores e coprodutores internacionais para seu longa-metragem Tarzan. Nessa nova ficção, dois michês, o bailarino Tarzan e o traficante Gabo, aplicam golpes digitais para realizar o sonho de viver na Europa. Ele também procura coprodutores para a série Mundinho, que explora a juventude queer na vida noturna de São Paulo, produzida pela Manjericão Filmes.Violência doméstica   Em Anastácia, a mineira Lilih Curi leva às telas um drama de violência doméstica baseado em uma longa pesquisa feita com mulheres na Bahia.  "É um filme curto, de 15 minutos, com uma narrativa disruptiva, não linear, mas que resolve ao fim o drama dessa mulher, Anastácia, que sofre violência doméstica na relação abusiva e terrível com o marido. É um filme que trata transversalmente de feminicídio, de racismo, de agressões múltiplas que a mulher sofre. Anastácia, por conta do trauma, sofre de mutismo e ela busca uma maneira de ter saúde de novo e de voltar a viver de novo", descreve Lilih."Eu espero que várias mulheres e homens que assistam esse filme se sensibilizem e consigam diminuir o impacto das violências em suas próprias vidas", acrescenta a diretora mineira. Recém-finalizado, o curta de Lilih Curi deve estrear em breve no Brasil.O curta Migué, de Rodrigo Ribeyro, vencedor do prêmio Revelação no festival de curtas de São Paulo no ano anterior, completou a lista de produções apresentadas no Mercado do Filme, ao contar a história de uma garota paulistana trabalhadora que resolveu tirar um dia de folga. Animação brasileira concorre a prêmioEm sua estreia num curta de animação, o diretor niteroiense Angelo Defanti, conhecido por seus filmes de ficção e documentários, conta ter ficado "espantado" e "lisonjeado" de ter sua produção Eu Sou um Pastor Alemão selecionada na competição internacional de Clermont-Ferrand."Eu comecei a desenvolver um projeto de longa-metragem de animação, mas, para chegar no longa, também pensei que eu podia me exercitar num curta e descobrir um pouco mais desse universo da animação, que não é tão simples assim. Sempre gostei muito dos quadrinhos do Murilo Martins e decidi dar esse pontapé inicial na animação com dois quadrinhos dele: um chamado Eu Sou um Pastor Alemão e o outro, Eu Era um Pastor Alemão", explicou Defanti à RFI.O cineasta recorda que é 'dificílimo' ser selecionado na programação oficial do festival francês e revela estar impressionado com a atmosfera da mostra. "É realmente espantoso. A quantidade de filas, o tamanho das salas sempre cheias para ver curta-metragem. É uma cultura do curta-metragem já muito difundida, você vê que isso vem de muito tempo", diz Defanti com admiração e entusiasmo.  Os outros títulos que concorrem a prêmios em Clermont são Amarela, de André Hayato Saito, e Jacaré, de Victor Quintanilha.A seleção dos curtas trazidos à França foi definida por Anne Fryzsman, programadora internacional do Festival de Curtas de São Paulo – Kinoforum. Ao lado do coordenador Marcio Miranda Perez, Anne dá continuidade ao trabalho iniciado há décadas pela diretora da mostra paulistana, Zita Carvalhosa, que abriu as portas do mercado global de produtores e distribuidores aos cineastas brasileiros. O Brasil está representado no Mercado do Filme de Clermont-Ferrand desde 2011, em uma parceria que envolve, na edição de 2025, a equipe do Kinoforum, a Spcine, o Instituto Guimarães Rosa e a Embaixada do Brasil em Paris.

    Pintora francesa Suzanne Valadon revolucionou representação feminina, na vida e na arte

    Play Episode Listen Later Jan 31, 2025 6:41


    "Eu desenhei loucamente para que, quando não tivesse mais olhos, pudesse enxergar com as pontas dos dedos." A frase é de Suzanne Valadon, artista pioneira que desafiou convenções em sua vida e obra, e que agora ganha uma grande retrospectiva no Centro Pompidou de Paris. Anticonformista por natureza, Valadon demolia regras – inclusive ao pintar escandalosos nus masculinos, algo impensável para sua época.  Filha de pai desconhecido e criada no ambiente boêmio e popular de Montmartre do início do século 20, Suzanne Valadon começou trabalhando como modelo para grandes nomes da pintura da época, como Toulouse-Lautrec e Renoir. Mas ela não se contentou em ser apenas musa e conquistou seu espaço como artista reconhecida nesse meio eminentemente masculino. Valadon desafiou constantemente as normas sociais e artísticas de sua época. De origem modesta e filha de uma lavadeira, ela lutou para conquistar um lugar para si no mundo da arte, apesar dos preconceitos associados ao fato de ser mulher e às suas origens.Nathalie Ernoult, curadora da exposição no Centro Pompidou de Paris, fala sobre o começo de sua carreira em Montmartre. "Ao chegar em Paris, Suzanne Valadon trabalhou em diversos pequenos empregos para se sustentar e ajudar sua mãe, mas essas ocupações eram mal remuneradas. Foi então que lhe sugeriram se tornar modelo, uma atividade mais bem paga na época. Em Montmartre, onde existia um verdadeiro 'mercado de modelos', ela rapidamente chamou a atenção dos maiores artistas do século 19, como Puvis de Chavannes, Renoir e Toulouse-Lautrec. Para Suzanne, posar como modelo não representava apenas uma imersão no mundo da arte que marcaria profundamente seu destino, mas uma verdadeira oportunidade financeira. Ser modelo para ela significava ganhar mais dinheiro", precisa Ernoult.Autodidata e filha de uma lavadeiraEla se reinventou e forjou sua identidade mudando seu primeiro nome (de Marie-Clémentine para Suzanne). Desde muito jovem, não se conformou com as expectativas tradicionais das mulheres de sua época, como conta Flore Mongin, autora de uma biografia sobre a artista. "Marie-Clémentine Valadon, futura Suzanne Valadon, chegou a Paris aos 5 anos com sua mãe, em um ambiente popular marcado pela miséria. Criada sozinha pela mãe lavadeira, ela cresceu em Montmartre, um bairro vibrante de Paris, que foi um terreno fértil para o seu desenvolvimento. Desde a infância, demonstrou uma personalidade forte e um gosto acentuado pelo desenho, características que se tornariam centrais em sua trajetória artística. Montmartre, com sua efervescência cultural, foi o cenário de sua evolução, moldando a mulher e a artista que ela se tornaria, da infância à adolescência", afirma a escritora.Suas representações das mulheres romperam com os clichês da época, mostrando corpos naturais e não idealizados em poses cotidianas, como detalha a curadora da mostra, que fala sobre uma de suas obras mais transgressoras, a "Odalisca". Suzanne Valadon "revisita e transgride o modelo clássico da odalisca em uma de suas obras-primas. Diferentemente da odalisca tradicional, frequentemente retratada nua e em uma postura sensual, seu modelo aqui está vestido, usando um pijama descontraído, com calças listradas e uma regata", contextualiza."A mulher fuma um cigarro, com livros displicentemente colocados ao seu lado, e sua expressão é séria, distante de qualquer sugestão de sedução. Valadon apresenta aqui a imagem de uma mulher livre e moderna dos anos 20, rompendo completamente com o arquétipo das odaliscas idealizadas. Tendo sido ela mesma modelo e posado para nus reclinados, Valadon conhecia profundamente a forma como os pintores representavam e objetificavam o corpo feminino. Com essa pintura, ela oferece uma visão radicalmente diferente", sublinha a especialista do Pompidou."Você é uma de nós": o apoio de DegasMas é o impressionista Edgar Degas, o artista mais importante do grupo de Montmartre na época, quem vai desempenhar um papel-chave na vida de Suzanne Valadon, como relata a curadora da mostra, Nathalie Ernoult. "Com os recursos que tinha à disposição, Suzanne Valadon desenhava sem cessar, em qualquer lugar que pudesse. Enquanto posava como modelo, observava atentamente os artistas ao seu redor, analisando suas técnicas de pintura e esboço. Dotada de um grande senso de observação e de uma memória visual impressionante, ela aprendeu a desenhar quase instintivamente, de forma autodidata", lembra."Um dia, ela teve a coragem de mostrar seus desenhos a Bartholomé e Toulouse-Lautrec, que imediatamente reconheceram seu talento. Lautrec a incentivou fortemente a apresentar seu trabalho a Edgar Degas, encontro que marcaria uma virada decisiva em sua carreira artística. Degas, que era uma figura central da época, se tornaria mais tarde um de seus maiores apoiadores e mentores", destaca. Foi Edgar Degas quem reconheceu seu talento, comprou seus desenhos e disse: "Você é uma de nós."Entre os amores escandalosos que Suzanne nunca escondeu, figura uma relação relâmpago com Eric Satie, como conta a biógrafa da artista. "Sim, Montmartre era um lugar propício para os amores, e de fato Eric Satie ficou muito apaixonado. Ele foi um amor transitório de Suzanne Valadon e também um amante passageiro, já que a história deles não durou muito tempo. Eram duas personalidades muito fortes que não estavam necessariamente destinadas a se entender", conta Flore Mongin.Apesar do reconhecimento, Valadon enfrentou muitos desafios. Ela foi recusada por não ter um "mestre" reconhecido na Escola de Belas Artes de Paris. E mesmo quando começou a pintar, sua ousadia escandalizava – como no caso de "Adão e Eva", onde retratou seu jovem amante nu a seu lado.Com a exposição no Centro Pompidou de Paris, até o dia 26 de maio de 2025, e os novos livros dedicados a ela, Suzanne Valadon finalmente sai do esquecimento para ocupar o lugar que merece na história da arte.

    Artista brasileira expõe em Paris obras inspiradas no combate de Frans Krajcberg

    Play Episode Listen Later Jan 24, 2025 5:22


    Radicada na França desde 1986, a brasileira Janice Melhem Santos expõe “Hors-Sol”, uma meditação pictórica sobre a natureza, inspirada pelo espírito eco-militante de Frans Krajcberg. A exposição pode ser vista até 22 de fevereiro, em Paris. Patrícia Moribe, em ParisA exposição “Hors-Sol” acontece no espaço Frans Krajcberg (1921-2017), fincado em uma simpática vila arborizada, escondida do burburinho próximo da enorme estação de Montparnasse. Era nessa ruela que Krajcberg mantinha um estúdio em Paris. O espaço com o nome do artista foi inaugurado em 2004.A exposição permanente traz várias obras que o artista doou à prefeitura de Paris, acompanhando sua trajetória pelo mundo, começando pela fuga da perseguição aos judeus em sua Polônia natal, passando por Paris e finalmente se apaixonando pela natureza em perigo do Brasil.“Hors sol” quer dizer, ao pé da letra, fora do solo. “Tive a ideia de dar esse título à série e à exposição porque remetia a outras situações, como a minha própria situação de ser, de estar fora do meu país, e a situação do Krajcberg de ter saído também do país dele e ser uma pessoa fora do solo”, explica a artista.Janice lembra também que Krajcberg tinha uma casa nas arvores, em Nova Viçosa (BA). Ela faz um paralelo com uma casa em malha de metal, exposta em Paris, uma maquete em malha de metal, suspensa no ar e batizada de Héstia. “É a deusa do lar na mitologia grega. É uma casa, mas que não tem base. É a casa que você pode levar em qualquer lugar que você está, porque o seu lar é o que você carrega em você. Não é a casa que você mora, mas ela simboliza isso em uma dentro da outra e dentro da outra. Assim como nós sempre guardamos fases, e pedaços até formar o nosso lar interno”, relata.Ao longo dos anos, a artista cruzou o caminho de Krajcberg algumas vezes. Em 2010, ele visitou uma exposição de Melhem em Brasília. “Eu tenho a fotografia dele olhando para esse trabalho e eu sei que ele apreciou. Ele não era uma pessoa de fazer grandes elogios e tudo, mas quando ele apreciava, ele ficava. E essa presença dele para mim era importante”, explica.  “A obra do Krajcberg mostra essa destruição que está sendo feita, mas ele transforma em obra de arte as raízes que estavam sendo queimadas e tudo isso que a gente vê aqui, que é incrível. “De um lado temos aqui a obra de Krajcberg, do outro lado, uma exposição que cumpre o seu objetivo, o de trazer artistas que têm uma relação com o Krajcberg ou que trabalham diretamente ligados com o meio ambiente, a proteção da natureza, das minorias.”

    Arte pop e suas vertentes é tema de mostra na Fundação Louis Vuitton, em Paris

    Play Episode Listen Later Jan 17, 2025 5:16


    A Fundação Louis Vuitton, de Paris, apresenta a mostra “Pop Forever”. A exposição revisita a corrente artística que surgiu nos anos 1950, com raízes no dadaísmo, e destaca a obra do norte-americano Tom Wesselman. Patrícia Moribe, em ParisSem manifesto e sem fronteiras, o pop foi uma das correntes artísticas mais importantes do século 20 e sua influência continua forte nas artes plásticas e na música até hoje. As cores, o psicodelismo, o objeto cotidiano como fonte de inspiração, a sensualidade e o absurdo são elementos recorrentes.Quem pensa em pop, pensa em Andy Warhol. Ele era o rei em uma Nova York efervescente, onde tudo era possível. Em seu espaço antológico, The Factory, flanavam intelectuais, dramaturgos, drag queens, artistas sem-teto, celebridades de Hollywood e milionários. Ele teria cunhado a frase de que no futuro todos seriam famosos por 15 minutos – e depois cairiam no esquecimento. Um dos quadros mais famosos de Warhol, um silkscreen da série retratando Marilyn Monroe está na exposição.Mas o fio condutor da exposição é a obra de Tom Wesselman (1931-2004), que morreu em 2004 aos 73 anos.“É uma exposição dupla, pois é, ao mesmo tempo, uma retrospectiva dedicada a este artista, Tom Wesselmann, que é considerado um dos pais fundadores do movimento pop”, explica Oliver Michelon, um dos curadores. “Mas também é uma exposição dedicada à arte pop, já que é, no fim das contas, uma leitura do pop a partir da obra de Tom Wesselmann e uma interpretação um pouco mais ampla do pop, já que vamos abordar as origens do movimento, por volta de 1960, até os dias de hoje”, acrescenta.“Tom Wesselmann, junto com Roy Lichtenstein, Andy Warhol e James Rosenquist, é uma das primeiras grandes figuras do pop”, relata o curador. “Ou seja, ele aparece na cena artística de Nova York no começo dos anos 60 com obras que mostram objetos de consumo cotidiano, formas vibrantes, enfim, que fazem a arte passar para uma nova dimensão ao se apropriar da cultura popular. É uma espécie de detonador do pop. Desde o começo dos anos 1960 até o meio da década, e depois, obviamente, sua obra também evolui.”A mostra reúne 150 pinturas e trabalhos com técnicas mistas do artista. Há também 70 obras de outros nomes do pop, além de Andy Warhol, como os recordes de quadrinhos de Roy Lichtenstein, a releitura da bandeira norte-americana de Jasper Johns e as bolinhas de Yayoi Kusama.O projeto levou cerca de dois anos para ser concretizado e teve dois curadores convidados, Dieter Buchhart e Anna Karina Hofbauer. “Nunca é fácil conseguir os empréstimos, ainda mais de artistas excepcionais como é o caso”, diz Michelon. “Também pudemos contar com o apoio generoso da família Wesselman, que nos emprestou muitas peças.”O diálogo do pop acontece com artistas contemporâneos, como Jeff Koons e Ai Weiwei, além da nova geração representada por Derrick Adams, Tomokasu Matsuyama e Mickalene Thomas, que criaram peças especialmente para a exibição.“Pop Forever” fica em cartaz na Fundação Louis Vuitton até 24 de fevereiro de 2025.  

    Artista brasileiro Ernesto Neto redimensiona mito da serpente em instalações monumentais em Paris

    Play Episode Listen Later Jan 10, 2025 6:53


    Da encarnação do mal nas mitologias judaico-cristãs à ideia de sabedoria e regeneração presente nas cosmogonias mesoamericanas, hindus, africanas e nórdicas, passando por suas representações nas culturas aborígenes e asiáticas, o artista Ernesto Neto desconstrói e redimensiona o mito da serpente em instalações monumentais para a loja de departamentos Le Bon Marché. "Filho de Lygia Clark" e "neto de Brancusi", o brasileiro traz pimentas, perfumes e cantos de inspiração indígena para o coração de Paris. Em sua 10ª exposição, Le Bon Marché Rive Gauche, uma das mais tradicionais lojas de departamentos de Paris, homenageia o artista brasileiro Ernesto Neto, que criou instalações monumentais especialmente para a mostra Le La Serpent, ou O A Serpente. Conhecido internacionalmente por suas obras biomórficas, ele realiza uma digressão poética sobre um dos mitos fundadores da humanidade na cultura ocidental, enaltecendo o papel da Serpente, entrelaçada às figuras de Eva e Adão."Eu não vejo isso como uma história da Bíblia. Vejo como uma história do Ocidente", argumenta Ernesto Neto. "Esse mito original, o mito da Gênesis, que vem da Torá e que faz parte da Bíblia, tem uma leitura que me tocou muito. Foi há uns dez anos, quando eu tive uma revelação: se a serpente não tivesse falado com Eva, levando aquela conversa 'de mulher para mulher', oferecendo a ideia de Eva compartilhar a fruta divina com Adão, eles estariam até hoje no Paraíso", sublinha o artista brasileiro, que será um dos destaques do ano do Brasil na França, em 2025 ."Não seria lindo? Adãozinho e Evinha lá, curtindo a vida no Paraíso... E nós, onde estaríamos? Não estaríamos aqui. Não existiria eu, você, a Rádio France, Le Bon Marché, o Museu de Arte, a alegria, a tristeza, nem a guerra. Não haveria sofrimento, mas a vida é isso tudo", provoca Neto. O artista subverte a visão ocidental que lê a serpente como um elemento maléfico. "Eu não acredito na ideia de queda do Paraíso. Isso, para mim, é uma invenção, um equívoco. A única coisa realmente importante nesse mito, na minha visão, é que a serpente é a nossa mãe, o nosso pai. Assim como em várias histórias ancestrais ao redor do mundo", diz o artista, que encomendou uma pesquisa a seu amigo e antigo colaborador Pedro Luz sobre como o animal mítico é visto em diferentes culturas, como na Ásia, África, Oceania, Polinésia, América do Sul, Central e do Norte."Em todos esses lugares, a serpente é uma figura positiva, associada à criação, à vida. No catálogo da exposição, incluímos textos do Joseph Campbell, um dos maiores estudiosos das mitologias, que traz conexões entre essas culturas", aponta Neto. "Ele fala da ideia de que a vida é feita de vida, que tudo que comemos está vivo, criando um ciclo de retroalimentação. A morte é necessária e parte da vida", afirma.Muito além do bem e do malRealizadas nos ateliês do artista, as obras se distanciam da interpretação do pecado original, que considera o animal como diabólico. Le La Serpent é uma alegoria do vivo que não separa a natureza da cultura, ou o homem do animal. Ernesto Neto propõe uma imersão sensorial e multicultural, desafiando crenças e narrativas presentes em várias mitologias mundiais."Eu sempre tento trazer uma continuidade entre o nosso corpo e o corpo da Terra", diz o artista, cuja obra ecoa preocupações iminentes ligadas às mudanças climaticas e ao Meio Ambiente. "Quando vemos a Terra como paisagem, colocamos ela fora de nós. Nós nos tornamos observadores. A ciência faz isso. Mas, quando falamos que a Terra é o corpo, começamos a perceber que somos parte do corpo da Terra, assim como a Terra é parte de nós. Não estamos separados dela. Estamos todos conectados", insiste.Crochê, DNA e especiarias: o tempero brasileiro de Ernesto Neto"Trabalhamos com crochê, utilizando algodão como material base. A serpente, por exemplo, possui elementos simbólicos muito fortes. As cores da obra foram obtidas através de tingimentos naturais, como chá preto para o tom bege, e Jatobá e casca de cebola para o marrom", explica o artista. "Esses métodos nos conectam à energia da Terra, oferecendo uma experiência sensorial mais rica em comparação aos tingimentos sintéticos. A ideia foi também trazer à tona uma representação de Adão e Eva com tonalidades mais escuras, refletindo as origens africanas desses personagens", afirma Neto."Outros materiais, como tampinhas de refrigerantes, são inseridos como símbolos de transformação e renovação, muito presentes em culturas indígenas, como os Ashaninka [povo indígena da Amazônia peruana]. Além disso, elas fazem parte da proposta de integrar arte e sustentabilidade, trazendo à tona a ideia de que tudo pode ser reimaginado e reintegrado ao ciclo da natureza", detalha."A serpente é um símbolo poderoso que atravessa várias culturas, e estudei muito a fundo sua presença tanto no xamanismo quanto em mitologias ancestrais. Um antropólogo chamado Jeremy Narby, por exemplo, explorou a conexão entre as serpentes e o DNA, mostrando como elas representam a espiral da vida e a conexão entre o mundo superior e inferior", aponta Neto.Brasil "colônia""Eu venho de um país colonizado", diz. "O Brasil ainda carrega as marcas da colonização de forma muito sutil, mas presente. A estrutura econômica continua sendo voltada para a exportação de recursos naturais como petróleo, soja e minério, de maneira muito similar ao que acontecia com o açúcar, ouro e café no passado. Apesar de estarmos no século 21, seguimos com um modelo econômico que favorece a exploração em vez de investir em áreas como educação e cultura", contesta o artista. Perguntado sobre que obra traria para o Grand Palais, em Paris, para o ano do Brasil na França em 2025, o artista antecipa algumas pistas sobre o trabalho escolhido. "O Barco Tambor Terra é uma escultura que fizemos no ano passado, apresentada no Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia em Lisboa. A ideia é que o barco, simbolizando a jornada, navegue de volta para o Brasil, carregando a energia do tambor, que representa a força vital da Terra. Este projeto é uma celebração dos tambores de diversas partes do mundo — Ásia, África, Europa e América. Estamos trabalhando com muito carinho para que ele chegue aqui, apesar dos desafios de atravessar o mar", afirma Neto."A proposta é refletir sobre a conexão do ser humano com a Terra e uns com os outros. O tambor, uma mistura de tronco de árvore e pele de animal, simboliza a união entre o vegetal e o animal, e é uma maneira de nos sintonizarmos com a energia da Terra. A filosofia africana, que valoriza a união e a força coletiva, é uma inspiração importante aqui. A ideia não é simplesmente onde estamos indo, mas como estamos juntos nessa jornada, tocando o tambor e nos conectando", conclui o artista.A exposição Le La Serpent fica em cartaz no Le Bon Marché Rive Gauche de 11 de janeiro até 23 de fevereiro de 2025.

    Filme 'Ainda Estou Aqui' e mostra de Tarsila do Amaral são destaques culturais de 2024 na França

    Play Episode Listen Later Dec 27, 2024 8:20


    O filme “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles, é um dos grandes destaques de 2024. O longa passou pela França, primeiro no festival latino americano de Biarritz, e depois em pré-estreia em Paris. Nas artes plásticas, a retrospectiva dedicada a Tarsila do Amaral, no museu de Luxemburgo, em Paris, é um franco sucesso. O filme “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles Júnior, baseado no livro de Marcelo Rubens Paiva, está fazendo história. Sucesso de bilheteria no Brasil, o longa concorre ao Globo de Ouro nas categorias melhor filme em língua não inglesa e para melhor atriz – Fernanda Torres.A trama se concentra em Eunice Paiva, cujo marido, o deputado Rubens Paiva, é preso, torturado e assassinado pela ditadura. Sua vida de dona de casa com cinco filhos com um marido desaparecido toma outro rumo. Ela se forma em Direito aos 47 anos e passa a defender direitos humanos das vítimas da ditadura e seus familiares.Fernanda Torres vive Eunice Paiva em uma atuação de elogios unânimes. Fernanda Torres, sua mãe na vida real, é Eunice no final da vida, com Alzheimer. Há 25 anos, Montenegro concorria ao Oscar de melhor atriz por seu trabalho em Central do Brasil, do mesmo Walter Salles. Agora, a torcida é grande para que Torres também seja indicada. A Academia de Cinema anuncia os candidatos à estatueta em janeiro. Outra feliz coincidência é que Fernanda Torres estava no primeiro longa de Salles, “Terra Estrangeira”, de 1995. Ela, aliás, foi prêmio de melhor atriz em Cannes, por “Eu Sempre Vou te Amar”, de Arnaldo Jabor, em 1986."Eu tive a sorte de conhecer essa família quando eu tinha 13 anos", conta Walter Salles. "Eles tinham vindo de São Paulo e alugado uma casa no Rio. Eu voltava de cinco anos na França, onde tinha vivido de 1964 a 1969. Então, quando eu voltei para o Brasil, voltei para um país sob a ditadura militar, onde havia censura, um país onde eu me sentia bastante perdido. E, através de uma amiga, acabei conhecendo os cinco filhos da família Paiva"."Na casa deles, pulsava um outro país, que era quase o contracampo do país da ditadura e onde a discussão sobre política era livre e acalorada, onde tocava o tempo inteiro música brasileira", lembra o cineasta. "A gente tem que lembrar que Gilberto Gil e Caetano Veloso estavam exilados naquele momento. Então, poder ouvi-los já era algo bastante excepcional. Isso me abriu um mundo novo. Todas essas informações culturais foram se somando e eu fui formado, em grande parte, pelo cinema e, de alguma forma, pela convivência nessa casa."  Walter Salles foi entrevistado pela RFI em Biarritz.Retrospectiva de TarsilaNas artes plásticas, o destaque vai para “Tarsila do Amaral, Pintar o Brasil Moderno”, no museu do Luxemburgo, em Paris.Com 150 obras, a exposição vem preencher uma lacuna e resgatar a história de Tarsila do Amaral (nascida em 1886-1973) com a França. A pintora paulista morou na capital francesa no início dos anos 1920, ao lado do então marido Oswald de Andrade (1890-1954).A retrospectiva parisiense acontece quase cem anos após a primeira mostra individual que revelou Tarsila do Amaral em Paris, em 1926. “O motivo dessa exposição é justamente valorizar essa artista que foi muito parisiense naquela época e foi esquecida”, disse a curadora da mostra, Cecília Braschi, em entrevista a Adriana Brandão, em Paris. A pintora chegou a fazer uma segunda exposição parisiense em 1928, sempre com muito sucesso, e vendeu seu primeiro quadro para um museu, a tela “A Cuca” que pertence ao fundo francês de artes plásticas.Em Paris, Oswald lançou o Manifesto Pau Brasil em 1925, que precedeu o famoso Manifesto Antropofágico de 1928. Os dois manifestos foram ilustrados por Tarsila do Amaral. Cecília Branski ressalta que a participação da pintora foi muito além e que ela ajudou a criar movimento.“Eles são totalmente complementares na pintura e literatura. Mas dá para ver, simplesmente pelas datas das obras, que Oswald se inspirou nas obras da Tarsila. O movimento antropofágico também nasceu inspirado na obra mais conhecida dela, o Abaporu”, lembra. O quadro que pertence ao Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires não integra essa retrospectiva parisiense. A curadora tentou negociar, mas não conseguiu o empréstimo.A RFI entrevistou em 2024 muitos artistas e intelectuais brasileiros como a escritora e jornalista Eliane Brum, o ator Antonio Pitanga, os músicos Armandinho Macêdo e Jards Macalé, além do cineasta Karim Ainouz e a diretora de teatro Cristiane Jatahy, entre outros.

    Única bailarina brasileira na Ópera de Paris fará seus primeiros solos no clássico ‘Paquita'

    Play Episode Listen Later Dec 20, 2024 7:36


    Luciana Sagioro, de 18 anos, a primeira bailarina de nacionalidade brasileira a integrar o balé da Ópera de Paris, terá seus primeiros solos no espetáculo 'Paquita', em cartaz na Ópera Bastilha até o dia 4 de janeiro de 2025. Natural de Juiz de Fora, ela entrou para o corpo de baile - com contrato profissional vitalício até sua aposentadoria - no cargo de base Quadrille. Mas em menos de um ano, Luciana foi promovida à Coryphées, se destacando mais uma vez. Luiza Ramos, de ParisA primeira e, até hoje, única brasileira a ingressar na equipe de dançarinos na história do balé da Ópera de Paris foi recentemente promovida e fará seus primeiros solos no clássico 'Paquita', em cartaz na Ópera Bastilha. O espetáculo, criado na própria Ópera de Paris em 1846, faz sucesso devido as suas danças alegres e por ser um balé em que os dançarinos se manifestam por gestos e mímicas.Foi dançando um trecho de 'Paquita' que Luciana Sagioro venceu o concurso Prix de Lausanne, em 2022, aos 16 anos, quando conquistou uma vaga na prestigiada Escola de balé parisiense. Em 2024, ela foi contratada para o corpo de baile no cargo chamado Quadrille. Em menos de um ano, Luciana já foi promovida à Coryphée, se destacando mais uma vez.  Como Coryphée, Luciana terá mais destaques no corpo de baile, e por isso, alcançou a possibilidade de realizar alguns solos em 'Paquita' - nos dias 23 e 30 de dezembro e no dia 3 de janeiro.“A Ópera de Paris são 154 bailarinos. Somos muitos e todos muito bons, todos com uma grande excelência. Eu sempre soube que eu tinha minhas qualidades e que eu queria muito ser promovida de ano em ano, de temporada em temporada, para continuar a minha progressão. Mas eu sabia que seria muito difícil com a qualidade de todas as bailarinas do corpo de baile”, reconhece a jovem.“Eu precisei realmente trabalhar muito para isso. Não é muito comum, no primeiro ano de trabalho, já conseguir ser promovida. Então realmente eu sou muito grata por isso. Mas tudo foi pago com muito trabalho, então eu sei que eu fiz muito para chegar lá”, acredita a dançarina.A carreira de bailarinaNa progressão profissional na Ópera de Paris após o Coryphée vêm os Sujets, que são os solistas fixos. Depois, o profissional da dança pode ser promovido a Primeiro Bailarino ou Primeira Bailarina, que fazem os papéis principais dos espetáculos. Por último, o mais alto cargo da companhia, conhecido como Étoile - a Estrela -, ao contrário dos outros cargos, não passa por concurso, e sim por nomeação da diretoria da instituição. Luciana, que estuda balé desde os 3 anos de idade, convenceu seus pais a se mudar para o Rio de Janeiro aos 10 anos com a babá para se profissionalizar em dança. A jovem mora há três anos na capital francesa, enquanto seus pais e suas duas irmãs gêmeas mais novas continuam em Juiz de Fora. Ela, que afirma ter “um orgulho enorme de ser brasileira”, desde criança abdicou do convívio com a família pelo sonho da profissão de bailarina, que lamenta não poder ser vivido no seu país.“Infelizmente, hoje, como bailarina, se você escolhe essa profissão e quer realmente se dedicar a 100% e ser valorizado pela profissão que escolheu, você não consegue ser bem pago no Brasil. Desde pequena eu soube, eu pesquisei que para ser bailarina profissional você vai ter que sair do seu país”, diz Luciana Sagioro. Inclusão de talentos na Ópera de ParisA Ópera de Paris vem, há alguns anos, tentado ser mais inclusiva. Em 2021, a direção tomou a decisão inédita de revisar seus critérios de recrutamento para encorajar a entrada de artistas que não sejam brancos e contratou um "fiscal da diversidade", a exemplo do Metropolitan Opera de Nova York. Em 2023, a tradicional instituição francesa nomeou pela primeira vez em três séculos de existência um bailarino negro como Étoile, Guillaume Diop, um dos raros dançarinos negros ou mestiços da instituição.Como a primeira bailarina brasileira a ingressar na aclamada Ópera de Paris, Luciana afirma que o Brasil é rico em potencial para a dança. “Somos um país de muitos talentos”, confirma ela ao apontar nomes que se destacam no mundo das artes, dança e esportes na cena internacional. Luciana cita dançarinas em quem se espelha:“Eu tenho uma grande inspiração na minha antiga mestre, a Patrícia Salgado, que foi minha mestre de balé, foi uma grande bailarina solista no balé de Stuttgard na Alemanha. Ela me inspirou muito pela forma que aprendeu tudo como bailarina, mas pela forma que ela transmite hoje como professora. A bailarina Mayara Magri, Étoile do Royal Ballet em Londres, brasileira também. E a Dorothée Gilbert, Étoile aqui da Ópera de Paris, é uma grande inspiração e hoje divido o palco com ela. Isso é demais! Marianela Nuñez também, outra grande Étoile do Royal Ballet em Londres. A lista é enorme, mas essas são algumas”, brinca. Sonhar e realizar é possívelA mineira admira muitos artistas, mas também quer inspirar outros jovens brasileiros. Ela planeja em um dia poder ajudar outros bailarinos a alcançarem seus objetivos. “Hoje, com meu papel, sendo bailarina da Ópera de Paris, eu crio a esperança nas pessoas de que elas são capazes de realizar os sonhos delas. E o meu maior sonho como bailarina brasileira, vendo a situação do meu país, que infelizmente é um país que é pobre, não tem muitos recursos, como aqui na França, é criar uma associação que possa ajudar bailarinos que tenham os mesmos sonhos que um dia eu tive, mas não tenham a mesma facilidade, os mesmos recursos que eu tive, graças a minha família”, agradece Luciana.“Eu abdiquei realmente de muitas coisas. Nada disso foi fácil, foi muito trabalho, muita dedicação, muito esforço. É isso que eu quero inspirar nas pessoas. Muitas pessoas desistem porque o caminho é muito difícil e poucas pessoas falam do quão difícil é. A gente fala do glamour que chegar até lá. A gente fala que é muito gratificante, mas a gente esquece que a trajetória, os caminhos, foram difíceis”, pondera. Para Luciana, a força do sonho fala mais alto. “Muitas coisas vão tentar impedir que você alcance seus sonhos. Mas se você não for mais forte que tudo isso, ninguém vai ser por você. Sempre falo [que] tudo é possível, basta só você acreditar”, declara. A temporada de 'Paquita', que começou no início de dezembro e termina em 4 de janeiro de 2025, ainda tem ingressos disponíveis no site oficial da Ópera de Paris. Mas quem não conseguir ver a mineira Luciana Sagioro nesta temporada no clássico palco francês, terá ainda muitas oportunidades em espetáculos futuros. Afinal, a carreira da jovem cheia de brilho nos olhos pela dança está apenas começando. 

    Teatro: peça celebra em Paris memórias de domésticas exploradas por diplomatas brasileiros na França

    Play Episode Listen Later Dec 6, 2024 6:24


    Até o começo dos anos 2000, os diplomatas brasileiros alocados em Paris dispunham de um privilégio, abolido durante o primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva: trazer consigo para a capital francesa duas empregadas do Brasil. Sem falar francês, isoladas pela distância e sem redes sociais, muitas delas viveram em regimes comparáveis à semi-escravidão. A peça "Ressonâncias: Revoltas Silenciosas", do ator e músico Yure Romão, busca dar visibilidade a essas protagonistas invisibilizadas pelo silêncio. "O projeto começou em 2022, durante um café na casa de uma amiga, a primeira pessoa que conheci aqui em Paris. Por questões de anonimato, já que os diplomatas com quem algumas dessas mulheres trabalharam ainda estão em atividade, vou chamá-la de Maria", conta o diretor do espetáculo, o ator, músico e encenador Yure Romão."Naquele dia, estávamos conversando sobre política. Era o dia da eleição presidencial na França, e a extrema direita estava ganhando força. Eu estava muito contrariado, sem entender como brasileiros vivendo aqui podiam votar na extrema direita no Brasil, ou como franceses optavam por isso", contextualiza. "Maria começou a compartilhar experiências pessoais e de amigas próximas", relembra Romão. "Ela contou que conhecia muitas famílias brasileiras, especialmente de diplomatas, que nos anos 2000 tinham o direito de trazer duas empregadas domésticas ao país onde estavam alocadas", detalha."Eu não sabia disso. Maria explicou que, até 2003, isso era um privilégio concedido, mas que foi cortado no governo Lula, junto com outros benefícios, como auxílio-moradia. Segundo a análise dela, isso gerou um sentimento anti-Lula entre muitos diplomatas", avalia o diretor.Algumas recebiam salários bem inferiores ou nada, e muitas viviam isoladas, longe das famílias, num contexto análogo à escravidão."Essas empregadas domésticas vinham com a promessa de receber um salário de US$ 800 e moradia digna. No entanto, ao chegarem aqui, a realidade era outra", conta."Algumas recebiam salários bem inferiores ou nada, e muitas viviam isoladas, longe das famílias, num contexto análogo à escravidão. Nos anos 2000, a comunicação era difícil — sem celulares ou WhatsApp, elas ficavam ainda mais isoladas", destaca o artista brasileiro, que desenvolve diversas residências com artistas em ex-colônias francesas, como Guadalupe e Martinica."Naquela tarde, Maria me apresentou duas amigas que passaram por essas situações. Elas expressaram o desejo de que suas experiências fossem conhecidas, não só como registro histórico, mas para que filhos, netos e outras gerações soubessem o que viveram", relata Romão.Histórias reaisNo cruzamento da narrativa e da pesquisa documental, com dramaturgia fortemente marcada pela presença da música popular, do Brasil às ex-colônias francesas, o espetáculo resgata histórias reais de empregadas domésticas brasileiras na França, como conta Yure Romão."Decidi então transformar essas histórias em um espetáculo, pois sou diretor e músico, e meu trabalho é centrado no teatro e na música. Paralelamente, começamos a trabalhar em um livro, baseado nas transcrições das entrevistas. Tanto o espetáculo quanto o livro respeitam o anonimato, com cada mulher escolhendo um pseudônimo para garantir segurança e evitar retaliações", conta o diretor.Uma das mulheres contou que dormia na lavanderia, embaixo de uma tábua de passar roupa."As histórias que elas contam revelam realidades dolorosas. Muitas vieram seduzidas pela ideia de ganhar US$ 800 — uma quantia impressionante comparada ao salário mínimo da época no Brasil. Algumas eram trabalhadoras domésticas; outras, como enfermeiras e administradoras, que aceitaram a proposta por parecer mais vantajosa. Mas ao chegarem aqui, enfrentaram promessas não cumpridas: salários retidos, condições precárias de moradia e isolamento", relata o diretor, em entrevista à RFI.Os abusos aconteciam de formas variadas, como relata o diretor do espetáculo. "Uma das mulheres contou que dormia na lavanderia, embaixo de uma tábua de passar roupa. Outras relataram violências físicas e psicológicas, agravadas pela distância da família e pela dificuldade de pedir ajuda. O diretor conta ainda que "essas situações ocorriam dentro de um quadro legal, já que havia contratos, mas que na prática eram desrespeitados".Entrelaçamento de dramaturgiasYure Romão detalha o entrelaçamento de dramaturgias que ele teceu, num diálogo com a autora antilhana Françoise Ega, através de seu livro “Cartas a uma negra”, onde ela endereça cartas à escritora brasileira Carolina Maria de Jesus."Ao longo do processo, percebi semelhanças com outras migrações institucionais, como as descritas pela escritora martinicana Françoise Ega, em seu livro Cartas a uma negra. Nele, ela relata a experiência de mulheres das Antilhas Francesas, nos anos 1960, que também vieram para a França com promessas de melhores condições, mas encontraram exploração. A conexão entre essas histórias, separadas por décadas e continentes, revela padrões profundos de desigualdade e abuso", analisa Yure Romão.Visibilidade"O espetáculo busca dar visibilidade a essas mulheres e suas histórias, enquanto o livro serve como registro memorial. Algumas delas decidiram que suas famílias descobrirão o que viveram apenas ao assistir à peça ou ler o livro. Elas desejam que suas histórias não se percam e que sirvam como alerta para que outras mulheres não enfrentem as mesmas dificuldades", ressalta Romão."Não sinto medo de expor essas questões, embora elas revelem um lado sombrio da diplomacia brasileira", diz o diretor. "Estamos protegidos pelo anonimato e pela importância do trabalho. Essas histórias fazem parte da história do Brasil e da diplomacia, e acredito que merecem ser contadas", insiste."Estamos planejando levar o espetáculo ao Brasil em 2025, durante o Ano do Brasil na França. Será uma versão em português, e algumas das mulheres que entrevistei poderão assisti-lo. Espero que o impacto seja tão transformador lá quanto tem sido aqui", afirma Romão."Muitas vezes, quando falamos do projeto, deixamos claro que não se trata de 'dar voz' a essas mulheres. Elas já têm muita voz e falam muito. E isso é maravilhoso. Acho que o nosso papel é mais sobre escutar essas vozes, amplificá-las e fazê-las ressoar", diz a atriz, marionetista e contadora de histórias Ana Laura Nascimento."Enquanto mulher, filha e neta, essa questão me atravessa profundamente. Minha avó foi empregada doméstica, e minha madrinha ainda é, vivendo no interior de Pernambuco", afirma. "Mesmo com a PEC das Domésticas, muita coisa não mudou, especialmente nos interiores. Muitas empregadas domésticas ainda não têm seus direitos reconhecidos. É algo muito próximo para mim, porque tenho pessoas da família que enfrentam essas condições", sintetiza a artista brasileira, que desenvolveu seus estudos e boa parte de sua prática teatral na França."Quando falo, crio ou produzo peças sobre temas difíceis como esse, o que mais me motiva é explorar como essas pessoas conseguiram resistir e continuar. Quero falar sobre o que foi necessário para elas seguirem em frente, mesmo diante de tantas adversidades", destaca Nascimento."Tecnologias de sobrevivência""Vivemos em um país que enfrentou 400 anos de escravidão. Se estamos aqui hoje, é porque criamos tecnologias de sobrevivência, maneiras de seguir vivendo", avalia Nascimento. "Não foi só pela luta, mas também pela celebração, pela criação de subjetividades e de espaços onde antes não havia nada. Foi essa capacidade de criação que nos manteve vivos", aponta."Além disso, ontem, no início do ensaio, falamos sobre como essas histórias nos atravessam e nos emocionam profundamente. Elas nos deixam frágeis, mas também nos impulsionam", sublinha Nascimento. "Trabalhamos com artistas incríveis, com muita técnica, e isso nos permite transformar essa emoção em algo produtivo. Essa emoção se torna adubo, alimentando a nossa técnica e o nosso trabalho", conclui a atriz.Depois da temporada francesa, a peça "Ressonâncias, revoltas silenciosas" deve desembarcar em 2025 no Brasil, dentro do calendário que comemora os 200 anos de relações diplomáticas entre os dois países.

    Universidade na França dedica jornada para discutir desafios da língua portuguesa no cenário global

    Play Episode Listen Later Nov 22, 2024 6:59


    Como promover e proteger a língua portuguesa e as culturas dos nove países que têm o idioma como oficial em um mundo cada vez mais dominado pelo inglês? Esse foi o tema central da 4ª Jornada da Lusofonia, evento internacional organizado pela Universidade Clermont Auvergne, em Clermont-Ferrand, região central da França. Realizado nesta quinta-feira (21), o encontro reuniu acadêmicos, diplomatas e especialistas para discutir o papel da língua portuguesa em um cenário global marcado pela predominância de idiomas hegemônicos, como o inglês, especialmente em áreas como ciência, tecnologia e entretenimento.A língua portuguesa, com mais de 260 milhões de falantes nativos, é uma das mais faladas no mundo. Mas, como outros idiomas, tem perdido relevância internacional diante da crescente predominância do inglês amplamente utilizado em áreas como tecnologia, ciência, diplomacia e entretenimento em todo o mundo. Para que o português mantenha sua relevância internacional, é necessário expandir seu alcance e atrair interesse de falantes não nativos."No último recenseamento, que foi feito pelo instituto Camões, o português é colocado com uma quarta língua mais falada por pessoas nativas do mundo. Então, nós precisamos trabalhar justamente para que essa língua não seja somente uma língua utilizada como ferramenta para nativos, mas atrair também pessoas que não necessariamente têm nacionalidades de países lusófonos que possam aprender e se interessar por esse idioma”, destaca Ailton Sobrinho, professor do Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros da Universidade Clermont Auvergne (UCA).Universidades francesas e o ensino do portuguêsMuitas universidades francesas têm departamentos de língua portuguesa, indicando o interesse pelo idioma na França. Somente na Universidade de Clermont Auvergne são mais 200 alunos, de graduação e pós-graduação. Comércio internacional, turismo e tradução são as principais áreas de atuação visadas. A Inteligência Artificial (IA) representa um grande desafio, principalmente para os tradutores, segundo Ailton Sobrinho.“Acredito que nós não vamos conseguir substituir o homem por uma máquina, porque ela nunca terá essa sensibilidade de compreender os contextos, de compreender as especificidades de uma língua. Então eu prefiro acreditar que a profissão do tradutor, a figura humana, ela será sempre essencial nesse trabalho, nessa profissão”, afirma.A UNESCO e o papel do Brasil na promoção do portuguêsA embaixadora do Brasil na Unesco, Paula Alves de Souza, foi uma das participantes da Jornada da Lusofonia. Ela lembrou que o papel da Unesco, formada por 194 países, é justamente a promoção e a defensa da diversidade cultural e linguística. Foi a Unesco que declarou o dia 5 de maio Dia Mundial da Língua Portuguesa. Paula Alves de Sousa ressalta, no entanto, a importância do governo brasileiro ter uma política nacional de proteção de sua língua e cultura."O papel do governo é investir em uma produção cultural de língua portuguesa. Por exemplo, investir recursos na produção audiovisual, no cinema brasileiro e justamente investir em salas de cinema e na reserva de mercado para que as pessoas possam assistir a filmes brasileiros”, exemplifica.Outro campo de exploração, segundo a embaixadora, é na área das ciências e da educação. “É tentar fazer que a língua portuguesa seja a língua da ciência, e que a gente possa escrever e produzir em língua portuguesa e assim ganhar cada vez mais força e espaço no meio científico”, defende. Paula Alves de Sousa acrescentou que, em um mundo cada vez mais globalizado, a preservação do idioma tem que ser um esforço contínuo. "É uma batalha difícil, talvez quase perdida, mas precisamos insistir. O mundo está se tornando cada vez mais anglófono e particularmente norte-americano. E com isso, nós teremos uma única cultura mundial e cada vez menos diversidade cultural. Isso sem dúvida alguma, é um empobrecimento para todos nós”, alerta.Mesmo diante de cortes orçamentários, a embaixadora acredita que é possível direcionar recursos de forma eficiente para a promoção da cultura brasileira. "Hoje é impossível você pensar em cultura se você realmente está tentando ainda alimentar ou dar vacina para as pessoas. Na realidade é pouco dinheiro para muita coisa, para muitos objetivos. Mas é pensar criativamente, para poder ter investimento na cultura", diz Paula, citando o Fundo Setorial do Audiovisual como um exemplo do uso de recursos com criatividade e boa gestão.

    Obra múltipla de Fernando Pessoa inspira nova peça do diretor americano Bob Wilson

    Play Episode Listen Later Nov 8, 2024 6:31


    “Pessoa, since I've been me” (“Pessoa, desde que eu sou eu”, em tradução livre) é a última peça de Robert Wilson. No espetáculo, o renomado diretor de teatro americano faz uma leitura pessoal da vida e obra de um dos maiores escritores portugueses de todos os tempos. Depois da estreia mundial em Florença, no primeiro semestre, a peça entrou em cartaz na terça-feira (5) no Théâtre de la Ville, em Paris. Uma escolha de fragmentos de textos de Pessoa retraça a vida do poeta do nascimento a morte. A peça começa e termina com a frase "I know not what tomorrow will bing" (Não sei o que o amanhã trará"), escrita em inglês antes da morte do poeta em 1935.Bob Wilson conhecia pouco a obra de Fernando Pessoa e mergulhou no universo do poeta português no processo de criação, conta a brasileira Janaina Suaudeau, uma das atrizes do espetáculo. "Ele (Bob Wilson) mesmo diz que aos poucos, justamente fazendo trabalho de dramaturgia com Darryl (Pinckney), com o Charles Chemin, foi se encantando cada vez mais com esse personagem. Não tem como não se encantar com o Pessoa, não é?”, aponta.  A atriz franco-brasileira diz que nessa homenagem ao poeta português o diretor americano “brincou muito com a multiplicidade do Pessoa em todas as esferas. No imagético, ele passa de um universo para o outro muito rápido. Passa do 'Fausto', por exemplo, que é uma coisa tão profunda, mais sombria, e logo depois vem uma música no final". Espetáculo caleidoscópioEm cena, sete atores e atrizes de várias nacionalidades: italianos, franceses, portugueses e brasileiros.“Pessoa” é um espetáculo caleidoscópio, que revela com a encenação límpida, os gestos geométricos e lentos que caracterizam a obra de Bob Wilson, mas também muitos elementos burlescos, as várias vidas do escritor português, simbolizadas por seus diversos heterônimos.Cada ator ou atriz se identifica com um dos heterônimos, principalmente os mais conhecidos: Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Alberto Caeiro, Bernardo Soares. Já a atriz portuguesa Maria de Medeiros vive em cena o próprio Fernando Pessoa.“O que eu achei muito interessante na proposta do Bob foi abordar o Pessoa pela infância, pelo lado lúdico. E esse ‘Pessoinha' com o seu bigode, andrógino porque é interpretado por uma mulher, de alguma forma vai organizar no sistema pessoano aquilo que ri das coisas mais dramáticas, das dificuldades de ser, das angústias pessoanas”, detalha.A atriz e cineasta, que brinca que a obra do poeta português é para ela uma “espécie de líquido amniótico”, concorda com a leitura que Bob Wilson faz de Pessoa. “Isso está certo porque o Pessoa também tem um lado extremamente irônico e autoirônico”, afirma Maria de Medeiros, que interpreta a obra do escritor português desde os 19 anos.Pessoa universal"Pessoa, since I've been me" convida o público para uma viagem visual e sonora, e em várias línguas europeias: inglês, português, francês e italiano. Com a presença de atores e atrizes brasileiros e portugueses em cena, Maria de Medeiros ressalta a importância de se ouvir na peça os sotaques do português do Brasil e de Portugal.“Os brasileiros sempre foram e são grandes intérpretes do Pessoa. Por isso, me parece muito certo que dois brasileiros estejam no espetáculo e que se ouça o português de Portugal e o português do Brasil também. Ao atravessar todas essas línguas com a perspectiva particular do Bob, que é um americano, de alguma forma é o afirmar da universalidade do poeta Pessoa”, salienta a atriz portuguesa.A peça de Bob Wilson é uma produção do Teatro della Pergola, de Florença, e do Théâtre de la Ville, de Paris, coproduzido por vários outros teatros europeus.  Depois de Paris, a peça irá estrear no São Luiz Teatro Municipal de Lisboa, em março de 2025. O contratenor brasileiro Rodrigo Ferreira, escolhido entre os mais de mil e setecentos candidatos para atuar na produção, torce para o espetáculo ir também para o Brasil.“Nós queremos ir ao Brasil. Teatros brasileiros, levem o espetáculo! O Pessoa merece. A língua portuguesa está sendo honrada. É bom ter um espetáculo onde se fala português e outras línguas latinas: italiano, francês. Isso é bastante Fernando Pessoa e isso é o que eu mais gosto no espetáculo, esse fato que a gente passa de uma língua a outra, ao mesmo tempo e que é bastante fluido”, elogia. A peça "Pessoa, since I've been me" fica em cartaz no Théatre de la Ville de Paris até 16 de novembro de 2024.

    Loucura da Idade Medieval ao Renascimento é tema de nova exposição no Louvre

    Play Episode Listen Later Nov 1, 2024 7:01


    “Figuras do Louco, da Idade Média aos Românticos” é uma nova exposição do Museu do Louvre, em Paris, a respeito desse personagem que povoa o imaginário visual do século 13 ao século 16. O louco é uma figura que invade literalmente todo espaço artístico e se impõe como personagem fascinante, perturbada e subversiva, em uma época de grandes rupturas. “Esta exposição nasceu de uma interrogação. Por que houve uma tal proliferação de loucos nos tempos góticos e na Renascença? Qual o significado dessa figura às vezes sorridente, ou dançante, às vezes os dois ao mesmo tempo?”, questiona Elisabeth Antoine-König, co-curadora da exposição.“Os loucos são representados nos objetos mais variados, desde os mais modestos aos mais preciosos. Como nosso ponto de partida foram as representações, o nosso objetivo não foi escrever a história da loucura na era pré-clássica. Isso os historiadores já fizeram”, explica a conservadora geral do departamento de objetos de arte do Louvre.“Além disso, os homens da Idade Média não estavam abordando a loucura sob o aspecto patológico ou médico. Ao tratar a figura multiforme do louco, o objetivo desta exposição foi também revelar uma Idade Média inesperada, ou melhor, mal conhecida, uma Idade Média que faz rir, refletir sobre nós mesmos e sobre nossas relações com outros”, diz Antoine-König, no vídeo de apresentação da mostra.A exposição traz cerca de 350 obras emprestadas por instituições da França, Europa e Estados Unidos, com peças raras e excepcionais. Entre as preciosidades expostas, está a “Nau dos Loucos”, do holandês Jerônimo Bosch, conhecido por pinturas que misturam fantasia e grotesco.O ser louco, endemoniado, meio homem, meio bicho, começa a aparecer nas bordas de livros sagrados, ricamente copiados e ilustrados à mão na Idade Média. Dali passa a figurar em livros impressos, gravuras, tapeçarias, pinturas, esculturas, objetos preciosos ou do cotidiano. Ele ganha outras vidas e formas com o passar do tempo, geralmente calcadas no grotesco e no ridículo.A mostra aborda também a loucura do amor dos romances de cavalaria, com personagens célebres como Lancelote, um dos cavaleiros da Távola Redonda, e Tristão – de Isolda."Vim pelo tema. Acho interessante, pois é um tema que nunca foi tratado e, além disso, a loucura é algo muito relativo. A exposição mostra muito bem a loucura, o amor louco, a loucura religiosa. Ela mostra também o bobo da corte, que com suas loucuras vai salientar a sabedoria do rei. São oposições muito interessantes”, diz François, um visitante.“E há também os códigos de cores, como os bobos da corte se vestiam com cores vibrantes, com guizos. A exposição cita Michel Pastoureau, que é um especialista das cores e que tratou do assunto de maneira excepcional. Depois, na última parte, temos o Dr. Philippe Pinel, que foi o primeiro a abordar a doença psiquiátrica de maneira inovadora, com a ideia de que muitos considerados loucos não precisavam ser internados, mas apenas ter uma adaptação ou viver um ambiente favorável”, acrescenta.Já Catherine, visitante assídua do Louvre, aponta para a obra que mais a impressionou, a penúltima do extenso percurso: “Stanczyk durante um baile após a queda de Smolensk”, de Jan Matejko, 1862.“É um bobo da corte polonês do século 16, que agoniza sobre o futuro de seu país enquanto os líderes fazem a festa nos fundos. Acho que é simbólico, pois ao longo da exposição a gente se questiona as razões e motivações e se este personagem não seria o fio condutor de todos os outros que estão à margem. São tantas fases e etapas diferentes – e talvez o resumo seja essa última figura”, conclui.

    Mostra em Paris celebra centenário do Surrealismo com 'labirinto' monumental de 500 obras

    Play Episode Listen Later Oct 11, 2024 6:39


    Abrangendo mais de 40 anos de excepcional efervescência criativa, entre 1924 e 1969, a exposição “Surrealismo” no Centro Pompidou de Paris comemora o centenário do movimento que começou com a publicação do Manifesto Surrealista de André Breton. Cerca de 500 pinturas, esculturas, desenhos, textos, filmes e documentos de artistas como Salvador Dali, Miró, René Magritte, Max Ernst e Dora Maar, incluindo muitos empréstimos excepcionais, estão expostos em uma área de 2.200 m². As obras revelam até que ponto esse movimento artístico, que nasceu em 1924 em torno de poetas como André Breton e se espalhou pelo mundo, foi visionário e permanece contemporâneo em seu desejo de não apenas transformar a relação entre os seres humanos e a natureza, mas lançando um olhar crítico e político sobre seu próprio tempo.Reproduzindo a forma de um labirinto, formato de predileção e projeção dos surrealistas, a mostra gira em torno de uma cena central na qual é apresentado o manuscrito original do "Manifesto Surrealista", documento valioso emprestado excepcionalmente para o ocasião da Biblioteca Nacional da França.Cronológico e temático, o percurso segue figuras literárias que inspiraram diretamente o Movimento Surrealista, como Lautréamont, Lewis Carroll e o Marquês de Sade, e também mitologias e temas que alimentaram o movimento, como a pedra filosofal, a floresta, a noite, o erotismo, o inconsciente. A cenografia brinca com a ilusão de ótica, tão cara aos surrealistas.O desafio surrealista a um modelo de civilização baseado apenas na racionalidade técnica e o interesse do movimento por culturas que conseguiram preservar o princípio de um mundo unificado (a cultura dos índios Turahumara, descoberta por Antonin Artaud, e a dos Hopis, estudada por André Breton) atestam sua modernidade.  Segundo Marie Sarré, co-curadora com Didier Ottinger, vice-diretor do Museu Nacional de Arte Moderna da França, “mais do que um dogma estético ou um formalismo, o surrealismo é uma filosofia que, por mais de 40 anos, reuniu homens e mulheres que acreditavam em uma relação diferente com o mundo”. O pôster da exposição apresenta uma criatura estranha, um monstro antropomórfico, com roupas largas e coloridas, faixas de tecido torcidas em todas as direções, terminando em mãos que lembram as garras de uma ave de rapina. No centro, na altura do busto, um abismo de sombras se abre. Logo acima, uma cabeça assustadora com uma mandíbula longa e desdentada. E um título que soa como uma ironia, “O Anjo do Lar”, uma obra de Max Ernst, pintada no auge da Guerra Civil Espanhola em 1937, ano em que Guernica foi bombardeada. Ela também é conhecida como “O triunfo do surrealismo” e é um lembrete de que o surrealismo sempre triunfa.Marie Serré dá mais detalhes sobre a exposição: "É essencial lembrar da preferência dos surrealistas pelas artes populares. Muito cedo eles questionaram completamente essa hierarquia entre as Belas Artes e as artes chamadas populares. Seu modelo não são as exposições de museu, são as festas regionais, o trem fantasma, o parque de diversões. Era necessário sublinhar isso fazendo os visitantes da mostra no Centro Pompidou adentrarem o espaço da exposição através desta enorme boca que reproduz o Cabaré do Inferno, que ficava na Praça Clichy, em Paris, logo atrás do ateliê de André Breton, que os surrealistas tinham o hábito de frequentar", explica.A exposição não escapa, no entanto, ao olho crítico dos franceses, como ressalta Françoise, uma aposentada que veio direito de Grenoble (leste) para ver a mostra no Pompidou. "A exposição foi feita de maneira muito interessante, por temas, mas ela é muito grande. Fica difícil apreciar tudo, ela acaba saturando o olhar da gente em um determinado momento". Ela manda um recado para os visitantes que ainda não conferiram a exposição em Paris."É melhor escolher um horário com menos gente, porque é realmente difícil ter acesso às obras", avisa.Já o brasileiro Bruno Damasco gostou da experiência. "Passamos por essa exposição com artistas mais das décadas de 1930, 40 e 50, como Salvador Dali, Miró, trabalhos fortes e que são boas referências, tanto de artistas famosos como de alguns que eu não conhecia, da Alemanha e da Suécia, bem bonito, gostei. Não conhecia ainda esse espaço, tinha visitado apenas os museus mais clássicos de Paris", contou.A mostra valoriza as muitas mulheres que participaram do Movimento Surrealista, com obras de Leonora Carrington, Remedios Varo, Ithell Colquhoun, Dora Maar, Dorothea Tanning e outras, e reflete ao mesmo tempo a expansão mundial do Surrealismo, apresentando artistas internacionais como Tatsuo Ikeda (Japão), Helen Lundeberg (Estados Unidos), Wilhelm Freddie (Dinamarca) e Rufino Tamayo (México), entre outros.A exposição "Surrealimo" fica em cartaz do Centro Pompidou de Paris até o dia 13 de janeiro de 2025.

    Cinema negro brasileiro é um dos destaques do festival francês de documentários Brésil en Mouvements

    Play Episode Listen Later Oct 4, 2024 11:50


    Até domingo (6), o Brasil é destaque nas telas do cinema em Paris e arredores. O festival Brésil en Mouvements (Brasil em Movimentos), um dos mais importantes de documentários sobre o país na Europa, ocupa duas salas de projeção, com muitas temáticas diferentes. A RFI conversou com participantes sobre o cinema negro e indígena, mas as produções abordam, também, a violência policial, o desmatamento da Amazônia, a luta pela terra, 60 anos da ditadura, direito ao aborto, entre outros assuntos.  Maria Paula Carvalho, da RFI em Paris O evento que começou no sábado (28) apresenta curtas, longas-metragens e debates sobre as questões sociais, políticas, culturais e as lutas da sociedade brasileira contemporânea. Muitos deles são inéditos, dirigidos por cineastas renomados ou novos talentos, como Davidson Candanda, de “Crônicas de uma jovem família preta” (2023).O filme mostra o cotidiano de Hellena, uma dançarina, Lucas, um barman, e o filho deles, Dom. Mesmo com poucos recursos, os pais decidem organizar uma festa de aniversário para o menino.  “Para uma família simples como a deles, que está começando uma vida juntos, existe um custo para se fazer esta festa. E por mais simples que seja, pode não ser acessível a todos e isso, de alguma forma, joga luz e a gente pode fazer uma reflexão a partir disso da imensa desigualdade presente na sociedade brasileira”, explica. O documentário é o quarto filme do cineasta carioca, que veio a Paris com apoio do Ministério da Cultura (MinC), através de um intercâmbio para a circulação e participação audiovisual no exterior. “Eu sou um cineasta do cinema negro brasileiro. O cinema negro brasileiro é uma cinematografia composta por filmes de cineastas pretos e protagonizado por pessoas pretas”, define. “É um tipo de cinema que tem um compromisso com o antirracismo por meio da produção de histórias que fogem dos estereótipos”, continua. “O filme é um documentário, eu classifico como um documentário, mas em muitas cenas, a família está reencenando eventos que aconteceram”, diz.  Premiado no Festival Visões Periféricas 2024, ocorrido em março, no Rio de Janeiro, “Crônicas de uma jovem família preta” foi exibido na França, juntamente com outros títulos, na mostra Vozes do Cinema Afro-brasileiro. A sessão foi apresentada pela diretora e pesquisadora Leila Xavier.Em entrevista à RFI, ela explica a importância dessa temática. “Historicamente, esse segmento sempre foi mostrado no cinema de forma bastante pejorativa, onde os negros desempenhavam papéis subalternos, ou caricatos, ou como bandidos, ladrões. Então, o filme do Davidson mostra o cotidiano de uma família como qualquer família pobre, mas sem este estereótipo. Mostra uma família que sonha, que corre atrás para ganhar a vida, mas que se ama, uma vida normal”, diz. “Mas também tem um trabalho muito grande que esses dois jovens tiveram com o filho no sentido de elevar a autoestima falando para o menino que ele é bonito”, conta. “Porque normalmente na nossa realidade, as crianças já começam a ser bombardeadas desde a escola. E de alguns anos para cá, felizmente, em função da força do movimento negro brasileiro, essa realidade tem mudado”.  Leila destaca a boa recepção do filme na França. Para ela, a questão do racismo é comum a muitos países. “A gente vê que essa questão do racismo ainda é muito latente em diversas partes do mundo. Então, por isso eu acho que essas duas realidades conversam muito, da França contemporânea com a do Brasil, em que o racismo sempre existiu. O Brasil já nasce com essa questão”, completa.  As sessões do Festival Brésil en Mouvements acontecem no cinema L'Écran, de Saint-Denis, na periferia norte da capital francesa e no cinema Les 7 Parnassiens, no bairro de Montparnasse, em Paris, onde foi realizada a cerimônia de abertura, na noite desta quinta-feira (3). A sessão de abertura teve o longa-metragem “A Transformação de Canuto”, uma cooperação entre os cineastas Ariel Kuaray Ortega e Ernesto de Carvalho, que veio a Paris para um debate, na ocasião, em parceria com o Museu dos Povos Indígenas do Brasil.    O longa conta a história de um homem com uma doença espiritual conhecida para os Mbyá-Guarani, a da transformação em onça, uma condição perigosa que pode acometer algumas pessoas. Rodado na fronteira entre a Argentina e o Rio Grande do Sul, o filme acompanha Ariel na encenação da metamorfose de Canuto em onça, com participação da comunidade indígena Mbyá-Guarani. Em entrevista à RFI, Ernesto de Carvalho falou sobre a recepção internacional do filme. "Considerando a circulação internacional do filme neste primeiro ano, a gente tem encontrado uma resposta muito positiva na França, com espaços muto ricos de debate e de muito acolhimento para o filme", diz. "Estar no Brasil em Movimentos é uma culminância, um momento de aprofundamento e de celebração do fato do que significa a gente fazer um filme brasileiro que tem circulado bem na França", comemora.  Outro destaque da programação é a sessão especial do longa-metragem “Viajo porque preciso, volto porque te amo” (2009), do cineasta pernambucano Marcelo Gomes. Ele também está em Paris para a exibição do filme, em que divide a direção com Karim Aïnouz. O longa-metragem conta a missão do geólogo José Renato no sertão brasileiro e o encontro com seus habitantes. Ao longo da viagem de um mês, as aventuras se misturam com lembranças de um grande amor.  Marcelo Gomes já assinou longas de sucesso de crítica e de público como: “Cinema, Aspirinas e Urubus”, de 2005; “O Homem das multidões”, de 2013; ou “Joaquim”, de 2017. O diretor já esteve em Paris, onde apresentou uma masterclass na Universidade Sorbonne sobre sua carreira e obra. A programação completa você encontra no site do Festival Brésil en Mouvements.  

    Mostra indígena que representou Brasil em Veneza chega a Paris para 'dialogar com olhar colonizador'

    Play Episode Listen Later Sep 20, 2024 5:05


    Em 2024, o público da prestigiosa Bienal de Artes de Veneza se deparou pela primeira vez em sua fachada principal com obras representativas de diversas etnias indígenas brasileiras. O feito é obra da força de um dos coletivos mais expressivos da arte indígena brasileira, o Mahku, sigla que resume o Movimento Artístico Huni Kuin. A exposição "Encontro de Almas" desembarca agora no Espaço Frans Karjcberg, em Paris.  O coletivo Mahku de artistas indígenas da etnia Huni Kuin "começou como uma pesquisa de seu fundador, o Ibã [Salles Huni Kuin], com os mais velhos [da tribo], com os cantos sagrados da ayahuasca", conta a artista, pesquisadora e curadora indígena Kassia Borges Mytara."Ele fez uma pesquisa, um livro, mas ficou pensando como as pessoas não indígenas e os indígenas iriam entender o que era dito. E ele resolve isso chamando seu filho e solicitando que ele pintasse o que estivesse sendo dito ou cantado... Assim surgiu o Mahku [Movimento Artístico Huni Kuin]. São artistas da etnia que são aldeados, ou seja, moram no alto Rio Jordão, no Acre", localiza Mytara."A partir dos pontos dessa pesquisa que o Ibã fez, a gente traduz um som para imagem, e assim surgiram as pinturas do Mahku", contextualiza.Curadora da exposição cujas obras e artistas ilustraram a fachada principal da Bienal de Veneza em 2024, Kássia Borges Mytara também faz parte do coletivo, que traz instalações, pinturas, cerâmicas e cantos a Paris.Representando as etnias do Brasil"A minha cerâmica é uma mistura de várias etnias, mas principalmente da karajás, que é a que eu faço parte junto com o Huni Kuin. Eu trago essa junção entre as etnias e é por isso que [a mostra] se chama "Encontro de Almas", diz."Estamos representando as etnias do Brasil. Somos 300 etnias e 300 línguas indígenas. Então eu acho que esse encontro quer falar sobre a união faz a força" sublinha a artista e pesquisadora.Estar na Bienal de Veneza é poder estar junto com quem nos colonizou, sem deixar de sermos quem somosNatural de Goiânia, Mytara levou "para dentro da universidade o olhar indígena" ainda na década de 1980, um olhar que "não existia antes. "Minha dissertação de mestrado se chamava 'Origem: um princípio a fundar'. Encontrei no [filósofo alemão] Walter Benjamin essa questão da origem como um turbilhão, uma mistura. Eu acho que trago para a cultura indígena esse olhar da academia, mas levo também o olhar indígena para dentro dessa mesma academia", aponta. Mytara contou como foi participar da Bienal de Veneza pela primeira vez: "posso dizer que foi o topo de um desejo. Acho que estar na Bienal de Veneza é poder conversar... Eu acho que a gente está conversando com o público, num lugar em que fomos negados por muitos anos. E aí quando a gente aparece na frente da bienal, no prédio da bienal, no prédio central, estamos nos apresentando, falando sobre isso, e dizendo 'bom dia, seja bem-vindo a esse mundo'. Estar na bienal é poder estar junto com quem nos colonizou, sem deixar de sermos quem somos", sublinha."Então essa bienal é muito importante para a arte indígena, para os brasileiros. Foi um ganho e foi, a meu ver, uma coragem muito forte, muito grande do Adriano Pedrosa, que foi o curador dessa bienal", considera a artista. "Foi um gesto de coragem de trazer para o mundo quem somos. Não só a gente, mas todos que estamos representando, todo esse universo", diz Kássia Borges Mytara."Ampliar o universo"A artista e curadora explica como essa abordagem veio mudar o panorama da arte contemporãnea nos quatro cantos do planeta. "Eu acho que a arte indígena vem para ampliar o universo, porque não existe somente um ponto de vista. Não existe uma só verdade. Existem várias verdades e a gente precisava mostrar isso para esse universo que é bem europeu", defende."E [era importante] mostrar uma outra estética, no sentido mais literal da palavra estética, que vem da estesia de sentir, de não ficar adormecido. Na verdade, a palavra estética, é sobre isso. É não deixar adormecer os sentidos, despertar os sentidos", indica."A arte indígena contemporânea vem para preencher esses outros vazios, que às vezes nem sabem que são vazios. Ela vem mostrar outras possibilidades, outra estética que não é só essa que (a gente) está acostumado, porque é muito fácil você sempre ver as coisas sempre iguais. Aí quando você vê algo diferente, isso te toca. A estética é isso, e aí você percebe que existe outras possibilidades no mundo, outras possibilidades de ver o mundo, outras possibilidades de luta, né? Porque sim, é uma luta", sublinha Mytara.E as temáticas que permeiam a exposição "Encontro de Almas" não poderiam ser mais atuais, como conta a curadora da mostra. "Estamos falando sobre o antirracismo, de todas essas coisas que estavam meio adormecidas, o feminicídio. A gente toca nisso. A arte indígena toca nisso. A arte indígena toca no sentido de mostrar para o mundo que existem outras possibilidades, outras estéticas, outras maneiras de ver e de sentir o mundo", acredita. Mytara ressalta os desafios ambientais que sublinham a necessidade de cura presente nas obras do coletivo indígena. "A cura para nós é muito importante, porque estamos num momento de muita necessidade disso para o mundo, para o meio ambiente. Aqui no Brasil a gente está sentindo uma massa de fumaça já tem um mês, que não dá para respirar direito, e isso tem a ver com o agrobusiness, com o agronegócio", avalia."Eu acho que quando a gente traz esses cantos de cura é como se a gente tivesse falando que temos que fazer alguma coisa, nem que seja gritar por essa cura. Porque quando você olha uma pintura do Mahku ou uma cerâmica, você vai ver esse grito de socorro. Mas ao mesmo tempo a gente tem uma esperança, porque [as obras] são cheias de luz. A hora que você vê as pinturas, você percebe a luz. É muita luz que a gente traz, é o que a gente está precisando mesmo", afirma.O "susto" do colonizadorKássia Borges Mytara fala sobre a reação do público europeu aos trabalhos em múltiplos suportes do coletivo Mahku. "Às vezes eu percebo que há um susto, eu percebo esse susto e percebo algo assim: 'poxa, o que eu pensava que era arte, não é'. Existe essa ampliação [do olhar estrangeiro]. Eu percebo isso", comenta a artista."Bom, eu acho que eles tentam fazer esses questionamentos lá dentro. Eu vi muita gente que gostou demais e ficou feliz de ver o painel [na fachada] da Bienal de Veneza, mas outros já se assustaram e quiseram rotular a arte indígena como primitiva, naïf. Essas pessoas olham o painel com olho de colonizador. Ele se assusta, mas existe a possibilidade também de chegar lá 'nu' e começar a pensar de outro jeito", pondera Mytara.A exposição "Encontro de Almas" fica em cartaz no Espaço Frans Krajcberg, em Paris, até o dia 20 de dezembro.

    Pintura: Gonçalo Ivo revisita inventário de cosmogonias e 'haikais' policrômicos em Paris

    Play Episode Listen Later Sep 13, 2024 7:41


    Descobrir o signo e a sombra por trás da cor, do traço, reencontrar o tempo em todas as suas equações imponderáveis, dialogar com uma obra abstrata que, como disse Nélida Piñon, “lida com o firmamento e as trevas”. Esse é o desafio da exposição que mistura trabalhos de duas séries distintas do prolífico artista brasileiro Gonçalo Ivo, radicado na capital francesa há 25 anos: as “Cosmogonias” e o “Inventário das Pedras Solitárias”, na galeria Ricardo Fernandes, em Paris, até 4 de novembro. Exímio colorista, Gonçalo reinventa espaços polissêmicos e traz densidade às suas cosmovisões, revelando crateras e porosidades, cheias de melancolia, mas que iluminam, em contraponto sinestésico, uma esperança insuspeitada.Ricardo Fernandes, o galerista que representa o artista em Paris, contextualiza sua obra. "O Gonçalo é um artista nascido em 1958, mas com uma influência muito forte das variantes históricas e artísticas do Brasil, entre elas o modernismo, a questão de ter passado também pela ditadura militar, e todas essas contemplações da arte paralela à vida política e à vida social do país e que fazem com que o trabalho dele seja realmente marcante, histórico", disse Fernandes."É um trabalho que ultrapassa as obras, que ultrapassa a força da abstração, nos fazendo perceber os signos que estão por trás de cada forma, de cada cor, em todas as composições do artista. Suas obras nos fazem navegar de forma bem orgânica através das tonalidades que penetram diferentes suportes. São obras que eu considero históricas, em uma exposição individual que foi trabalhada durante dois anos para estar na galeria", afirmou. O Paul Klee tem uma frase linda, que é uma frase do diário dele: 'a cor me domina, sou pintor'Dono de uma policromia sofisticada, espalhada em superfícies, suportes e texturas variadas ao longo de suas mais de quatro décadas de carreira, Gonçalo Ivo fala sobre sua relação com a cor, uma de suas marcas registradas. "A questão da cor, para mim, veio com com idade... A cor para o pintor é como um vocabulário para o poeta, né? Como o abecedário para o poeta...", argumenta Ivo. "O Paul Klee tem uma frase linda, que é uma frase do diário dele: 'a cor me domina, sou pintor'", relembra o artista.O pintor conta que começou a imaginar a continuação da série "Cosmogonias", cujos primórdios remontam aos anos 1980, num quarto de hotel em Nova York, em 2017, pouco antes da pandemia, segundo ele um prenúncio, uma intuição de algo que seria dramático para a humanidade. "Mas eu também acho que [essa série] antecipa uma coisa de beleza, de beleza de céu de começo do mundo, ela tem essa coisa. E, na verdade, as pinturas têm muito a ver com as iluminuras e mandalas tântricas. Tem essa estrutura que é uma estrutura da própria iluminura tântrica de algo no centro. Uma moldura, uma coisa que se refere ao que está dentro, a partir do que está fora... Eu acho que são pinturas de culto mesmo", avalia.O inventário das pedras solitáriasO artista, filho do poeta, tradutor e colecionador Lêdo Ivo, foi aluno de nomes como Iberê Camargo e frequentava artistas como Lygia Clark e Nelson Rodrigues. Antes mesmo de se formar arquiteto pela Universidade Federal Fluminense (UFF), foi nesse ambiente pródigo em inspirações que ele deu asas a seu universo criativo. "Com relação à questão de signos ou símbolos, eu acho que o meu trabalho é muito carregado de poesia mesmo. E de uma poesia que se materializa em cor, forma e conteúdo. Eu sempre tive um mundo assim, muito de fantasia, de alegoria, nunca fui muito racional. Eu acho que, um pouco como todo mundo, o mundo prático nunca me interessou", afirma. Gonçalo Ivo relata como nasceu o projeto das “pedras solitárias”, que traz também uma inspiração dos haikais do poeta medieval japonês Matsu Bashô. "Em Nova York realmente eu comecei a estruturar as pedras como se elas fossem uma escrita, vários pequenos seichos, um ao lado do outro. Quando eu fui convidado pela fundação Joseph & Anni Albers em Betanny, Connecticut, aí sim, fui para uma zona rural dos Estados Unidos, sem ninguém, durante a pandemia, e aí as pedras afloraram quase que como personagens", conta. "E eu as colecionava, colocava em frente ao pátio da minha casa, na floresta, e eu as pintava, as reproduzia, dentro do meu estúdio,  do meu atelier". "Eu gosto muito de um romance do Harry Bradbrury, que é um escritor norte-americano já falecido, que se chama 'O homem ilustrado'; é a história de um homem todo tatuado e cada noite uma tatuagem se revela e vira realidade. Então as pedras têm essa capacidade de mimesis, e, ao mesmo tempo, de continuar sendo o que são", diz. A exposição “Inventário das Pedras Solitárias”, com as obras de Gonçalo Ivo, fica em cartaz na galeria Ricardo Fernandes, em Paris, até o dia 4 de novembro.

    Ecoarte de Frans Krajcberg inspira mostra de artistas e designers brasileiros em Paris

    Play Episode Listen Later Sep 6, 2024 6:37


    Acontece neste momento a Paris Design Week, evento que desde 2011 reúne na capital francesa arquitetos, designers e artistas do mundo inteiro. Entre as cerca de 450 exposições previstas até o próximo 14 de setembro, está The Collector's House, em cartaz Espaço Frans Krajcberg em Montparnasse, histórico bairro de artistas de Paris. A mostra, que tem o formato “da casa de um colecionador” apresenta trabalhos de 25 brasileiros e três franceses. Todas as peças foram realizadas especialmente para a exposição e dialogam com a obra de Frans Krajcberg (1921-2017). O artista de origem polonesa, naturalizado brasileiro, foi pioneiro ao denunciar com sua arte a destruição da natureza. A ideia da curadora Patricia Monteiro Leclercq era, nesta segunda edição do The Collector's House, unir design, arte contemporânea e sustentabilidade.“O convite para os designers e para os artistas foi justamente de criar algo em relação ao pensamento ecológico, à ecoarte do Krajcberg, que foi o pioneiro. Todos estavam muito motivados. A gente tem resultados incríveis numa bela homenagem ao Krajcberg”, conta Patricia.  Essa homenagem ao artista é uma excelente ilustração do projeto “Bref” que a curadora desenvolve. "O projeto se chama Bref por ele ser breve e nômade, mas ao mesmo tempo tem o Br de Brasil e F de França”, explica.Mestres do design brasileiroMóveis do mestre da madeira José Zanine Caldas (1919-2001) foram os primeiros escolhidos para integrar a exposição. Zanine criou a casa na árvore para o amigo Krajcberg, simbolizando a “relação harmoniosa” do artista com a natureza, acredita a curadora.Outra peça de destaque é uma versão contemporânea da icônica poltrona “Esfera” de Ricardo Fasanello (1930-1993). As criações do último dos mestres modernistas brasileiros continuam sendo produzidas com novos materiais pela família dele. “Esfera” foi a segunda a poltrona desenhada por Ricardo Fasanello, em 1969, e a versão exposta em Paris foi feita por um neto, com algumas modificações em relação à original.  “Nós introduzimos a areia na resina e fibra de vidro para dar cor da parte da ‘coquille' e o couro é um couro de pirarucu, que é um peixe brasileiro que estava em extinção e que hoje está sendo protegido. Esse curtume Cairú, no estado do Rio de Janeiro, tem uma parceria com os índios locais para fazer o manuseio sustentável”, relata Andrea Fasanello, filha do designer.“É uma versão vintage-contemporânea” que terá uma “edição realmente muito limitada, no máximo 3 ou 4 peças, para comemorar os 30 anos da morte do papai”,Diálogo com KrajcbergA arte ecológica de Frans Krajcberg inspirou a ceramista carioca Denise Stewart, que expõe em Paris um conjunto de vasos. “Pensei numa coisa que pudesse transformar em uma peça decorativa, que lembrasse um pouco as ‘Palmeiras' que ele produzia, aquelas ‘Palmeiras' com listras”, revela Denise Stewart.  A ceramista expõe seu trabalho em Paris pela segunda vez e acha muito “bacana essa coisa dos brasileiros estarem aqui, de como o Brasil está andando com essa coisa do design também. Eu acho que tem tudo a ver Brasil e França”.Mobiliário, objetos decorativos, mas também obras de arte fazem parte da seleção, como “Beyond the Forest” (Além da Floresta), de Fernanda Froes, que denuncia a quase extinção do Pau Brasil, árvore que deu nome ao país.A artista redescobriu e utiliza “receitas” de tintas de tecido do século 16 extraídas do Pau Brasil para reproduzir uma “floresta utópica, uma floresta que quase não existe mais, porque é uma planta quase extinta, uma planta em perigo”, denuncia.Fernanda tinge pequenos pedaços “de algodão orgânico e (faz) uma obra como um conjunto de fragmentos do Pau Brasil, reconstruindo o Pau Brasil”.O resultado é bem colorido, como a copa das árvores de uma floresta. Cada fragmento de tecido traz uma cor diferente porque “dependendo da alcalinidade, a tinta fica mais amarela se for mais ácida, mais roxa se for mais alcalina....”, detalha Fernanda Froes, ressaltando que nenhuma árvore foi derrubada para esse trabalho. Ela só utiliza a tinta extraída da poda do Pau Brasil. Ainda entre as obras em destaque também estão o quadro "À Table" , da artista brasileira Lavinia Góes, radicada em Paris, e a instalação "Colmeia", da ceramista Sandra Arruda, que alerta para o risco de desaparecimento das abelhas.LeliãoAs obras que compõem a exposição The Collector's House também podem ser adquiridas e no sábado (7) haverá um leilão. A curadora Patricia Monteiro Leclercq diz que parte do benefício será doado para o espaço Frans Krajcberg, criado para administrar as obras legadas pelo artista à prefeitura de Paris em 2002. Ela explica que é importante “doar para uma associação que desenvolve um trabalho incrível com poucos recursos e, principalmente, porque a gente quer muito expandir a obra do Krajcberg, do conhecimento, desse pensamento, na França”O design brasileiro, que começou a ter destaque internacional com os modernistas, ganha cada vez mais espaço. O público poderá ver a criatividade dos designers contemporâneos brasileiros até o próximo domingo, no espaço Krajcberg que fica no 14° distrito de Paris.

    Panteão de Paris recebe exposição sobre história das Paralimpíadas

    Play Episode Listen Later Aug 30, 2024 5:26


    “Histórias Paralímpicas – da integração esportiva à inclusão social”, em cartaz no Panteão de Paris, traz um panorama do fenômeno esportivo paralímpico, desde o seu início até os dias de hoje. A exposição acontece paralelamente aos Jogos Paralímpicos de Paris 2024. Patrícia Moribe, em ParisAtravés de cartazes de época, fotografias de momentos históricos e sequências de filmes, o visitante acompanha o desenvolvimento da prática esportiva para deficientes, desde as primeiras competições, chamadas “hospitalares”, realizadas no hospital de Stoke Mandeville, no Reino Unido, sob supervisão do dr. Ludwig Guttmann, em 1948, passando por Roma, quando acontecem os primeiros Jogos Paralímpicos, em 1960, na ocasião só para cadeirantes, até que progressivamente englobassem todas as pessoas com deficiência, como é o caso hoje.“É uma exposição que segue um eixo histórico e que busca mostrar a evolução histórica desse movimento esportivo, que nasceu no final da Segunda Guerra Mundial e teve um grande desenvolvimento durante a segunda metade do século 20. E, desde, digamos, os anos 2000, está se tornando cada vez mais mediático, o que não era o caso antes”, explica Anne Marcellini, especialista em sociologia do esporte da Universidade de Lausanne, na Suíça e comissária da exposição, junto com Sylvain Ferez. “No início, essa prática esportiva foi imaginada por médicos para ajudar na reabilitação física dos jovens feridos de guerra. Mas, rapidamente, também se consolidou a ideia de que essa reabilitação deveria ajudar esses jovens a retornarem à vida social e profissional”, acrescenta.“Os impactos dessa evolução se refletem também no nível social, com uma mudança na maneira como o mundo vê a deficiência. Antes dos Jogos Paralímpicos, as pessoas com deficiência viviam mais isoladas, de forma menos visível”, explica Barbara Wollfer, administradora do Panteão. “Essa questão da visibilidade é muito importante. Os Jogos Paralímpicos colocam o corpo em evidência, e essa visibilidade muda a maneira como as pessoas enxergam aqueles em situação de deficiência. Então, uma dimensão muito importante dessa exposição é mostrar isso e ir além da questão puramente esportiva”, acrescenta.O percurso da exposição foi pensado também para o púbico com deficiência. Além do material visual, há audiodescrições, textos, documentos em Braille e explicações em língua de sinais francesa e internacional. Há próteses e cadeiras de rodas antigas, e suas versões mais modernas. A mostra conta ainda com mascotes dos Jogos e versões de bonecas, como a Barbie, com deficiências.O imponente edifício Panteão de Paris, no alto do monte Santa Genoveva, no 5° distrito de Paris, foi construído entre 1759 e 1790, a pedido do rei Luís 15. O prédio abriga os restos mortais de grandes figuras da história francesa, como os filósofos Voltaire e Rousseau, o escritor Victor Hugo, a cientista Marie Curie, a artista nascida nos Estados Unidos Josephine Baker, e Simone Veil, sobrevivente do Holocausto e política que defendeu o projeto de lei pelo aborto, em 1974.“O Panteão é o lugar de reconhecimento dos grandes homens e mulheres da nação. Essas figuras se destacaram especialmente por suas lutas pela emancipação e igualdade”, explica Barbara Wollfer. “Entre esses grandes homens está Louis Braille, o inventor da escrita tátil, que descansa no Panteão desde 1952. Portanto, foi bastante natural organizar essa exposição aqui, pois é também a história de uma luta pela igualdade.“Histórias Paralímpicas – da integração esportiva à inclusão social”, fica em cartaz no Panteão de Paris até 29 de setembro de 2024.

    Com Lana Del Rey e revezamento da tocha, festival Rock en Seine, em Paris, entra na "maturidade"

    Play Episode Listen Later Aug 21, 2024 10:12


    Paris se transforma na capital da música a partir desta quarta-feira (21) e é palco até domingo (25) do Rock en Seine, o maior festival da capital francesa e um dos principais da Europa. O evento, que ocorre desde 2003 no Parque de Saint Cloud, no sudoeste de Paris, é um dos poucos a ser realizado no período da Olimpíada e Paralimpíada, mas também entra no clima dos jogos e acolhe até uma das etapas do revezamento da tocha.   Daniella Franco, da RFI Para essa 21a edição, o Rock en Seine aposta grande novamente, mantendo o formato de cinco dias de festival, com cinco palcos e cerca de 90 artistas e bandas. No line-up, Lana del Rey - que entra em cena nesta noite - Massive Attack, PJ Harvey, Pixies, Offspring, The Kills, entre tantos outros grandes nomes. "Acho que atingimos a nossa maturidade. Tivemos um belo início de vida, despreocupado, com muita vontade. Depois o festival conheceu períodos mais complicados, que podemos considerar como um período adolescente, com tumultos e mudanças que são difíceis de serem aceitas", diz o diretor do Rock en Seine, Matthieu Ducos, em entrevista à RFI. "Mas depois da época da Covid, conseguimos reencontrar um festival com muita força nas propostas artísticas e na coerência delas, chegando à idade adulta, com o encontro também de uma confiança em si mesmo", reitera.A cada edição, o Rock en Seine se renova, expande a oferta musical e investe também em outros eventos culturais, como exposições, debates, além de projetos voltados para o meio ambiente, inclusão e diversidade. O show do trio americano Gossip, nesta quinta-feira (22) será completamente traduzido em libras e contará com a participação de dois corais inclusivos da grande região parisiense. Essa, aliás, é uma das tantas iniciativas do Rock en Seine neste ano em conexão com a Paralimpíada, com uma programação especial para celebrar os laços e valores comuns entre a música e o esporte. "Os Jogos Paralímpicos começam um pouco depois do Rock en Seine e queríamos abraçá-los através de artistas com deficiência que vamos acolher no festival, com demonstrações de esportes paralímpicos que estamos propondo, também por meio de uma grande obra de arte, o streetartist The Blind - que aborda a deficiência visual - além de debates, que realizamos todos os anos e que neste ano vão tratar dos laços entre música e esporte", destaca Ducos.A tocha paralímpica passará pelo Parque de Saint-Cloud no domingo, entre os shows de PJ Harvey e LCD Soundsystem. Um paratleta e um artista escolhido pelo festival, cujo nome ainda não foi relevado, serão as grandes estrelas de um momento evocado com muita emoção pelo diretor do festival. "Quisemos ter um papel direto nesse espírito olímpico que atravessa o verão na França e, quando nos ofereceram a possibilidade de acolher a tocha, ficamos muito entusiasmados com a ideia de participar de uma etapa do revezamento", celebra Ducos.Imprevistos e futuro do rockO Rock en Seine também teve de enfrentar um grande imprevisto: o cancelamento do show do grupo britânico The Smile, que integrava o line-up deste ano do festival e era uma das bandas mais aguardadas. A organização do evento anunciou em 12 de julho que a banda teve de adiar sua turnê europeia por conta de problemas de saúde do guitarrista Jonny Greenwood. Por outro lado, o festival conseguiu rapidamente convocar o icônico quarteto americano Pixies, que sobe no palco principal do Rock en Seine neste domingo. Mas apesar de o evento propor neste ano pesos-pesados do rock, Matthieu Ducos destaca jovens artistas que estão revolucionando a cena musical. "Acho que há uma verdadeira renovação com novos grupos de rock. Há seis, sete anos, o rock estava em baixa, mas atualmente há uma nova geração liderada por artistas muito talentosos", observa.O diretor do Rock en Seine cita The Last Dinner Party, banda formada por cinco garotas britânicas que sobem no palco do Rock en Seine nesta quinta-feira. "Elas são um exemplo excelente de um novo grupo de rock, com uma proposta musical rica, nova e intensa, e com uma performance grandiosa", elogia.Para Ducos, esse movimento de renovação musical suscita o interesse de jovens pelo rock e mostra um novo universo "com atitude e energia que pode complementar outros estilos". "É isso também que defendemos no Rock en Seine", conclui. 

    Olhar de fotógrafas japonesas é destaque no festival Encontros de Arles, no sul da França

    Play Episode Listen Later Jul 8, 2024 5:53


    Os Encontros de Arles, que acontecem no sul da França, voltam a reunir o mundo profissional e amador da fotografia do mundo todo. A programação é eclética e extensa, com uma forte presença feminina, principalmente de japonesas. O Brasil também compareceu em várias vertentes do evento durante a semana profissional, de 1 a 7 de julho. As exposições em Arles podem ser vistas até 29 de setembro. Patrícia Moribe, enviada especial a ArlesCristina de Middel, diretora da mítica agência Magnum, ocupa a Igreja dos Irmãos Pregadores com “Viagem ao Centro”, uma espetacular – em vários sentidos – releitura do complexo movimento migratório saindo do México em direção aos Estados Unidos.Inspirado inicialmente na “Viagem ao Centro da Terra”, de Júlio Verne, a artista mistura ficção, encontros com personagens extraordinários e homenagens visuais a artistas como a fotógrafa mexicana Gabriela Iturbide, permeado de experiências trágicas de vítimas anônimas ou não.O Japão também é presença marcante, a começar pelo prêmio Woman in Motion, que neste ano homenageia a veterana Ishiuchi Miyako. Através de imagens quase etéreas, fantasmagóricas e poéticas de objetos pessoas, um apanhado de sua obra traz uma imersão na intimidade de pessoas como a própria mãe, Frida Kahlo, e de vítimas da tragédia de Hiroshima. Outra mostra que destaca o olhar de fotógrafas japonesas é “Que alegria de vê-las de novo”, com mais de vinte artistas de várias gerações. Em outra exposição, “Réplicas”, fotógrafas e fotógrafos japoneses revisitam a catástrofe de Fukushima, em 2011. Um relato visual emocionante é o de Mayumi Suzuki, que perdeu os pais no desastre. Ela encontrou objetos nos destroços, como a câmera do pai, que também era fotógrafo.  Arles também revisita a obra seminal e humanista da americana Mary Ellen Keller. Já a francesa Sophie Calle usa uma cripta do centro histórico para expor obras condenadas, ou seja, imagens expostas recentemente no museu Picasso em Paris, mas que foram atingidas no depósito da instituição pelas águas de violentas tempestades. Condenadas à destruição por estarem contaminadas por fungos, a cripta serve como último receptáculo dos trabalhos de Calle. Conexão BrasilO Brasil compareceu em várias seções da semana profissional dos Encontros de Arles. A fotografia brasileira contemporânea na França é cada vez mais presente, principalmente devido à atuação da associação Iandé, fundada por Glaucia Nogueira e Isabelle Brosolette Branco.A Iandé, que em tupi-guarani quer dizer nós, pronome pessoal inclusive, surgiu como plataforma para dar visibilidade à fotografia brasileira na França. Em 2024, a Iandé fez parte do circuito OFF de Arles, com um espaço próprio, um local de exposição de livros brasileiros e de intercâmbio.O leque de atuação da Iandé também vem se expandindo. “Agora queremos fazer a ponte entre os profissionais franceses e brasileiros, dos dois lados”, explica Glaucia Nogueira. Foi o que se viu na sexta-feira (5), durante um café da manhã promovido pela associação, reunindo representantes de festivais brasileiros, de instituições francesas e artistas dos dois países, para um contato informal de trocas de muitas ideias. “Eu gosto muito dessa ideia de que a França não está restrita apenas à metrópole, mas é capaz de se abrir para territórios ultramarinos, com um forte vínculo com o Brasil”, explicou Erika Negrel, diretora do Réseau Diagonal (Rede Diagonal), que reúne 30 centros fotográficos em toda a França. “Em nossa rede, temos também uma instituição implantada na Guiana Francesa, chamado La Tête dans les images (Cabeça nas Imagens), lembrando que a fronteira mais longa e extensa que compartilhamos com um país, é com o Brasil. São 700 quilômetros de fronteira que nos separam do Brasil”, diz a responsável francesa. “Como rede, temos o desejo de sermos abertos, de nos enriquecermos também com experiências, projetos e de compartilhar ideias com colegas, especialmente no Brasil.”Livros e encontrosNa feira de livros dos Encontros, Rafael Roncato apresentou “Tropical Trauma Misery Tour”, vencedor em 2023 do Dummy Award, um concurso internacional de projetos de livros de fotografia, antes conhecido como Kassel Dummy Award e que atualmente é outorgado pelo PhotoBookMuseum, de Colônia (Alemanha) e MAS Matbaa, de Istambul (Turquia). O livro de Roncato, uma revisão do fenômeno Bolsonaro, foi sua defesa na tese de mestrado da Academia Real de Haia, na Holanda, onde ele hoje é professor de fotografia.A primeira semana do festival de Arles também traz uma maratona de encontros reunindo especialistas e fotógrafos do mundo todo para encontros de 20 minutos cronometrados para intercâmbio de ideias. Entre os especialistas, estava João Kulcsár, diretor dos festivais de São Paulo e de Paranapiacaba (SP). Na seção OFF de Arles, muitas leituras de portfólio são organizadas pelas estruturas participantes, entre galerias e revistas.Ainda no circuito OFF, o fotógrafo Ricardo Tokugawa foi finalista do prêmio revelação Saif x La Kabine, com a série "Travessia".Em outro evento paralelo, o artista Shinji Nagabe, baseado em Madri, participou da mostra "Embajada", com peças da série Dioramas. 

    Festival de Avignon destaca teatro de resistência e lança evento contra extrema direita na França

    Play Episode Listen Later Jul 5, 2024 5:48


    Cerca de 1.700 espetáculos. Um total de 25 mil apresentações, em 150 teatros e espaços cênicos. 1320 companhias de teatro, sendo cerca de 160 delas estrangeiras e cerca de 115 mil espectadores na mostra oficial, e mais de 2 milhões de ingressos vendidos no OFF. O Festival de Avignon, dirigido pelo português Tiago Rodrigues, abriu as portas no último dia 29 de junho, mantendo o foco no engajamento político com uma incrível pluralidade de vozes teatrais, no maior evento de artes cênicas do mundo. Marcia Bechara, enviada especial da RFI a AvignonQuem abriu o baile em 2024 na prestigiosa Cour d'Honneur do Palacio do Papas, vitrine principal do Festival de Avignon, foi a encenadora espanhola Angélica Liddell, com Dämon, peça que homenageia Ingmar Bergman, trazendo toda a fúria do verbo da espanhola, um verdadeiro convite à rebelião. "Descobri Bergman ainda muito jovem na televisão pública espanhola, numa época em que esse tipo de mídia pública ainda era interessante na Espanha, eu devo meu imaginário e minha educação estética a ele e a outros cineastas, e desde pequena percebi que Bergman tinha conseguido colocar palavras para nomear meus sentimentos, e isso me nutriu espiritualmente e esteticamente", contou a performer espanhola, uma veterana do festival."Para mim, este testamento de Bergman sobre como deveria ser seu funeral é seu último grande ato estético. Toda rebelião passa pela estética, e não pela mensagem. Efetivamente, essa descrição de Bergman de seu funeral é sua última grande obra, uma escolha estética formidável, e que nos coloca em contato com o grande demônio da vaidade", detalha a diretora, uma provocadora por excelência."Arte é coisa de artistas"Um dos alvos de Angélica Liddell na peça é, assim como Ingmar Bergman, os críticos. "Compartilho com ele esse ódio aos críticos. Minha obra é uma bofetada, que não posso dar fisicamente porque me denunciariam. Mas eu gostaria de confrontar toda essa gente que me insultou banal e impunemente, cara a cara, e dar-lhes uma bofetada. A arte é coisa de artistas, os críticos são arcaicos e chegam a ser, em determinado momento, uma coisa daninha para a arte", disparou Lidell.O coreógrafo francês Boris Charmatz, hoje à frente da companhia de Pina Bausch, na Alemanha, falou sua participação como artista-cúmplice da edição 2024 do Festival de Avignon. "Essa cumplicidade está ligada a esta direção do festival de Tiago Rodrigues e sua equipe, e nasceu no momento em que Tiago se mudava para Avignon, enquanto cidadão português, convidado a assumir um posto importante na França, e eu chegava a Wuppertal, na Alemanha", declarou."Não se trata de um exílio, mas de se juntar a instituições muito vivas, mas, ao mesmo tempo, cheias de histórias, lendas e mitos. Essa cumplicidade nasceu então desse entrelaçamento entre passado, presente e futuro, uma vez que estamos aqui para inventar, improvisar e talvez desenhar caminhos de esperança nestas narrativas de fim do mundo que nos angustiam a todos", disse Charmatz, que apresentou Cercles, com foco no "círculo", um formato cênico que sempre assombrou a memória da dança, seja ela tradicional ou moderna, clássica ou contemporânea. Já o diretor do festival, Tiago Rodrigues, explicou a escolha de revisitar uma tragédia de Eurípides em Hécuba, não Hécuba, espetáculo que estreou no Festival de Avignon 2024. "Eurípides é o trágico mais progressista, aquele que coloca em questão o divino, transforma o divino em simbólico e responsabiliza os humanos por suas escolhas", diz o diretor."Ele introduz hesitação e uma quase psicologia nos diálogos, e sobretudo continua uma linhagem de Ésquilo e de Sófocles de olhar para o 'outro', seja o estrangeiro, seja a mulher – porque em Atenas, há 2.500 anos, a mulher era o 'outro', e não tinha acesso à tragédia, seja no palco, seja na plateia", sublinhou."O que ele nos propõe é algo fundamental hoje, falando de lei, falando de justiça, de vingança. Hécuba, rainha de Troia, agora transformada em escrava, uma mulher estrangeira, uma troiana, que perdeu a guerra contra os gregos, uma escrava, mais velha, e zangada, quer justiça para seu filho, morto sob a proteção de um suposto aliado", destacou Rodrigues. "Ela é madura, não é aquela heroína trágica jovem como Ifigênia ou Antígona, idealizada", aponta o diretor."Uma mulher ferida que exige justiça, Hécuba também é um símbolo político. Essa dimensão sempre me fascinou e atinge seu clímax em uma peça sobre a aceitação da vulnerabilidade pela sociedade", diz o diretor, na apresentação da peça. "Quando um artista diz Shakespeare ou Molière, ele está reescrevendo ou traduzindo Shakespeare, ou Molière. É um exercício de imaginação. A vida dos artistas de teatro é repleta de experiências. Há uma porosidade entre atores e atrizes, suas vidas e suas interpretações das palavras que interpretam", acredita Rodrigues.Contra a extrema direitaInspirado também por esse pacto euripidiano, o diretor Tiago Rodrigues irrompeu a cena da Carrière de Boulbon, nos arredores de Avignon, depois da estreia de Hécube, pas Hécube, no dia 30 de junho, após ser confirmada a vitória da coligação comandada por Marine Le Pen e Jodan Bardella nas eleições legislativas antecipadas da França, para convocar a coletividade presente a participar do evento La nuit d'Avignon (A noite de Avignon), uma iniciativa cidadã do festival para lutar contra "a ameaça da extrema direita" no país."Fiel a seus valores fundadores, e convencido que outro projeto de sociedade progressista, popular, democrática, republicana, feminista, ecologista e antirracista é desejável, o Festival de Avignon, convocando o público a se unir à Noite de Avignon, deseja encarnar o lugar vital do debate social e político”, diz o texto do evento, que acontecerá a portas abertas e gratuitamente nos dias 4 e 5 de julho no Palácio dos Papas, vitrine principal do festival, com a presença de vários artistas convidados.O Festival de Avignon 2024 fica em cartaz no sul da França até o dia 21 de julho.

    'Desfile Solidário' de estilista brasileira em Paris mostra criações com meias recicladas

    Play Episode Listen Later Jun 28, 2024 6:50


    A estilista franco-brasileira Márcia de Carvalho apresentou sua mais nova coleção no "Desfile Solidário “Baguette magique” (Varinha de Condão, em português), na sub-prefeitura do 18° distrito de Paris. Suas criações têm origem no trabalho desenvolvido com sua associação, que alia moda, inserção social e desenvolvimento sustentável.  O salão principal e as escadarias do imponente edifício do século 19, situado ao norte da capital francesa, foram o cenário para apresentar o novo trabalho da estilista nascida em São Paulo e que fez carreira na França. “A ‘varinha de condão' é um objeto que lembra nossa infância, a possibilidade de transformar qualquer coisa em outra coisa que a gente sonha", destaca a estilista ao falar do tema escolhido para o desfile. "“Essa é alma das nossas ações. No plano do meio ambiente, transformar o inútil, dar uma segunda vida. Mas também transformar o que é menos belo em extraordinário. E dar a mão para as pessoas que estão precisando passar para outra etapa da vida”, acrescenta.Márcia de Carvalho é fundadora da Associação Meias Órfãs, que associa moda e economia circular, social e solidária. A ONG, criada em 2008, transforma meias usadas em fios e tecidos que mobilizam uma cadeia de produção envolvendo uma população de baixa renda.“A primeira etapa é sempre a coleta de meias, que a gente faz com empresas parceiras e também com várias instituições. Depois vem toda a parte de transformação dessas meias em fio. E uma vez que temos um fio que é a base do têxtil, transformamos em tecido, em malha, e depois em roupas e acessórios”, explica.  Tricotado, tecido, nós de macramé ou bordados fazem parte das diversas criações das peças e acessórios. O 'Desfile Solidário' foi concebido em várias temáticas, que buscaram valorizar o trabalho de criação e também mostrar a evolução técnica dos últimos 15 anos da transformação das meias.“Tem uma parte que chamo de upcycling que é o uso da matéria-prima reciclada, mas sem  uma transformação industrial. Depois tem a produção mais industrializada, que é a transformação em fibra e depois em tecido. E também tem impressões e estampas feitas feita a partir de pedacinhos de meias”, explica a estilista.Em ano de Jogos Olímpicos e Paralímpicos, o evento esportivo inspirou a estilista, que procurou mostrar na coleção um pouco da evolução da moda esportiva e também do trabalho envolvendo crianças e adolescentes do bairro da Goutte D'Or, onde fica seu ateliê na capital francesa. “Eles escolheram seus esportes preferidos, como basquete, tênis, natação, e trabalharam na criação de pequenos quadros e estampas para camisetas”, conta.Na passarela montada para exibir suas criações, desfilaram modelos não profissionais, manequins com deficiências, diferentes gerações, religiões e classes sociais. Essa diversidade reivindicada pela estilista. “Eu convido pessoas para desfilarem que sejam de todos os horizontes, idades, formas físicas. Enfim, a diversidade que existe na sociedade. É todo mundo junto para mostrar que esse conjunto de 'diferentes' faz uma coisa muito harmoniosa”.Com o apoio de algumas empresas privadas e públicas e associações caritativas, o desfile anual da estilista é a ocasião para dar visibilidade não apenas às suas criações, mas ao trabalho da Associação Meias Órfãs e seus projetos de formação profissional e inserção social em um contexto de produção e consumo sustentáveis.“O desfile é realmente para mim um sonho, porque eu posso colocar em ação tudo que eu gosto em termos de criação de arte, música, pintura e o desenho. E para mim o que também é muito incrível é a relação com as pessoas. Nesse momento, o ateliê está cheio. Nós somos uns 15 trabalhando juntos. O trabalho pode ser  difícil, mas pode ser também um prazer tão grande e te deixar feliz da vida. Eu faria isso todo dia”, conclui. 

    Contra nazistas e desafiando estereótipos de gênero: mostra em Paris celebra mulheres da Resistência

    Play Episode Listen Later Jun 21, 2024 5:57


    O termo "Resistência", na França, determina especificamente as ações clandestinas e libertárias de uma parcela da população civil, que decidiu se organizar contra os nazistas durante a Ocupação, período em que o país foi invadido e controlado pelos alemães durante a Segunda Guerra Mundial, entre 1940 e 1944. Para marcar o 80º aniversário do direito de voto das francesas em 2024, o Museu da Ordem da Libertação realiza a exposição "Resistentes", celebrando a participação feminina nesse combate. Elas eram francesas, mas também estrangeiras, e a maioria pagou um preço alto por seu comprometimento na luta contra a Ocupação nazista na França, mas também contra os colaboracionistas do regime de Vichy. Doutora em história e especialista em mulheres da Resistência francesa, Catherine Lacour-Astol é curadora da exposição "Resistentes" e sublinha a extrema diversidade que existia nesse grupo de mulheres que fizeram história e marcaram sua época."Trata-se de um grupo extremamente diversificado, o que contradiz o clichê da combatente da Resistência que é necessariamente uma jovem recém-saída da escola. A diversidade de idades é surpreendente, como mostra claramente a galeria de portraits", diz Lacour-Astol."Há mulheres que se juntam à resistência com mais de 60 anos. E elas desempenham um papel absolutamente essencial. No geral, temos mulheres de 15 a 70 anos, mas com uma média de idade bastante alta, e mulheres de estados civis muito diferentes. Da mesma forma, costuma-se pensar que o fato de ser casada era um impedimento para o compromisso das mulheres com a resistência. Esse não é o caso. Temos muitas mulheres casadas com filhos, mas também temos muitas solteiras, viúvas ou divorciadas, enfim, uma variedade realmente grande de estados civis", lembra a especialista."Da mesma forma, temos uma extrema diversidade de status profissional, pois obviamente temos mulheres que são donas de casa, mas também temos muitas estudantes e uma presença forte de profissões como professoras e outras que exigem um alto nível de diploma, com bibliotecárias, como Yvonne Odon, ou etnólogas como Germaine Tillion, que são exemplos bastante conhecidos", sublinha a historiadora francesa.Mais de 150 objetos presentes na mostra, como documentos, papéis falsos, cartas, roupas, armas, objetos pessoais, dispositivos clandestinos, bem como memórias de deportação e testemunhos em vídeo ilustram o compromisso de mais de 50 mulheres com a Resistência francesa."O trabalho da [historiadora francesa, especializada em História das Mulheres] Michelle Perrot foi uma inspiração perfeita para o trabalho que foi feito aqui, mostrando precisamente que as mulheres movem as fronteiras entre o espaço privado e o público, e uma das coisas que essa exposição pretende mostrar é justamente que o lar, que é o espaço privado por excelência, quando é afetado pela guerra, torna-se uma questão política e um ponto de partida para a ação de resistência das mulheres. Foi do lar também que as mulheres saíram para a arena pública para se manifestar. Há um tipo de porosidade que ocorre entre o espaço público e o espaço privado, que não fica, de forma alguma, restrito à experiência da Resistência", lembra Catherine Lacour-Astol.A exposição lembra que, sob a Ocupação, o lar se tornou um refúgio, mas também um ponto de encontro, um esconderijo e até mesmo um centro logístico para iniciar uma luta da qual as mulheres participaram desde o início, mesmo que apenas abrindo as portas de suas casas."O que temos aqui é uma ação transgressora que desestabiliza a ordem de gênero sempre que as mulheres se envolvem, porque logicamente elas não deveriam intervir em praça pública. O preço que elas pagam por isso é realmente muito alto. Isso é exatamente o que André Malraux quis dizer quando falou da Resistência como ‘voluntárias de uma agonia atroz'", diz Na França, há 80 anos, as mulheres se tornaram cidadãs em pé de igualdade com os homens. O direito de voto para todos consagrou um compromisso da Resistência das mulheres que, assim como o dos homens, foi obra de uma pequena minoria. "Elas não foram executadas em território nacional. Essa é uma diferença enorme em relação aos homens. Porque as execuções por fuzil são emblemáticas do sangue derramado pelos homens, mas as mulheres foram internadas ou deportadas. Mais de oito mil mulheres francesas foram deportadas para o maior campo de concentração da Alemanha, um campo para mulheres, Ravensbrück, perto de Berlim", relembra a historiadora francesa.Os Francs-tireurs et partisans - main-d'œuvre immigrée (FTP-MOI) eram um subgrupo da organização Francs-tireurs et partisans (FTP), um componente importante da Resistência Francesa. Uma ala composta principalmente por estrangeiros, o MOI manteve uma força armada para se opor à ocupação alemã da França durante a Segunda Guerra Mundial. O Main-d'œuvre immigrée era o "Movimento de Imigrantes" da FTP. O último membro sobrevivente do Grupo Manouchian da FTP-MOI, o combatente da resistência Arsène Tchakarian, morreu em agosto de 2018."Havia mulheres de origem estrangeira que obtiveram a nacionalidade francesa. E há muitos estrangeiros que não obtiveram a nacionalidade ou que não a solicitaram e que estão muito presentes entre os combatentes livres e, em particular, nas fronteiras partidárias, trabalho imigrante, FTP-MOI. Muitas mulheres polonesas, russas, romenas, e uma presença muito grande de resistentes espanholas, especialmente no Maciço Central", conclui Catherine Lacour-Astol.

    Iconografia e história de orixás do panteão afrobrasileiro ganham mostra e ciclo de debates em Paris

    Play Episode Listen Later Jun 14, 2024 5:11


    Omolu, Xangô, Nanã, Oxum, Iemanjá, Oxóssi, Exu, Iansã: o panteão do sincretismo afrobrasileiro está presente na Galeria 59, no prestigioso endereço da rua de Rivoli, no primeiro distrito da capital francesa, até o dia 24 de junho durante a exposição "Ecos dos Orixás: conectando mundos por meio da arte e do diálogo". Mitos e lendas desse imaginário são convocados por diferentes artistas, além de uma série de especialistas que traçam um painel da representatividade desse universo. A exposição reúne pinturas de Ed Ribeiro, fotografias de Stéphane Munnier, uma instalação do arquiteto e cenógrafo Humberto Macêdo e composições musicais de Altay Veloso. Voltado para adultos e crianças, o programa também inclui duas palestras, de Valeria Sardenberg Mafra e Julio Cesar Cesano Peña, além de uma sessão de contação de histórias apresentada por Samile Possidonio. Cada palestra abordará um tema específico relacionado ao tema geral da exposição. Já o diálogo entre as artes visuais e acústicas visa explorar com mais profundidade os vínculos entre arte e mitologia.O criador de "Eco dos Orixás", o curador Paulo Sérgio Rufino Henrique conta a inspiração para o evento. "Idealizar o 'Eco dos Orixás' veio num momento importante da gente poder refletir nesse momento atual do mundo as questões de intolerância, principalmente as questões de intolerância religiosa, o racismo religioso que tem sido visto principalmente no Brasil, contra todos aqueles que professam as religiões de matrizes africanas. Tivemos aí vários casos recentes de assassinatos de líderes religiosos de religiões de matriz africanas devido a esse racismo religioso e dessa ignorância sobre o direito do outro de professar a religião que deseja", pontua. Rufino celebra a pertinência da mostra e sua relação com Paris. "O 'Eco dos Orixás' acontece aqui no centro de Paris, na cidade-luz, neste momento tão importante que a França vive, neste momento pré-olímpico. Trazemos grandes artistas e entre eles o Ed Ribeiro, que é o pintor dos orixás, que traz aí dentro da sua visão e a sua técnica inovativa", afirma Paulo Sérgio Rufino Henrique, idealizador do projeto."Pintei quase um ano com pincéis de espátula e outros instrumentos, e com mais ou menos uns 6 meses essa mesma força, essa mesma energia que me escolheu para pintar, me deu uma técnica que é única no mundo. Eu sou o único que derrama tinta para criar formas e movimentos sem usar nenhum instrumento", conta Ed Ribeiro."A cultura permite essa influência espiritual que representa a herança africana no Brasil, que é tão responsável pela formação e a criação do povo brasileiro, assim como também a dos povos originários. Porque quando a gente fala de religiões e matrizes africanas, devemos lembrar não só o candomblé, como a umbanda, o vodu, entre outras. Mas todas elas trazem uma visão positiva e também ecológica da preservação do ecossistema", sublinha Rufino."E através disso, nesse momento humano tão importante, que vemos também catástrofes ecológicas, que chegamos ao entendimento da ancestralidade africana, através da reverência aos orixás, que nos faz lembrarmos da preservação do nosso planeta, da nossa morada e da nossa casa", diz o artista. "Uma vez Carlinhos Bown me disse que as forças procuram quem tenha a ligação com elas", lembra Ribeiro. “O eco, ele vem no vento, mas ele segue e ele leva essa energia normalmente para as pessoas que estão precisando dela, entendeu? Que têm essa conexão com ela. Então essa é a finalidade dessa exposição, trazer a energia dos orixás para as pessoas que precisam dela, que estão precisando dela”, conclui o artista.A exposição ficará em cartaz por duas semanas até 24 de junho e contará com uma série de palestras e sessões de contação de histórias destinadas a enriquecer a experiência dos visitantes:

    Corpo em mutação é tema de mostra em Paris que reúne artistas da França e América Latina

    Play Episode Listen Later Jun 7, 2024 4:31


    “La chair du tourbillon”, que pode ser traduzido como “o âmago do turbilhão” ou “o olho do furacão”, é uma exposição de fotografia coletiva que acontece em Paris, reunindo artistas francesas e da América Latina, sendo seis do Brasil. Descolonização do corpo, ecofeminismo e combate ao etarismo estão entre as propostas apresentadas por onze fotógrafes. Patrícia Moribe, em Paris“La Ima é um programa de mentoria baseado em Paris. A ideia é acompanhar fotógrafes, mulheres a princípio, mas também da comunidade LGBTQIA+. E isso nos permite nos conectar com pessoas de todas as origens e também de todas as idades”, explica Oleñka Carrasco, à frente da estrutura La Ima, em Paris. "O objetivo é acompanhar esse grupo de artistas, para colocar no mercado de arte trabalhos que tenham relação com o gênero ou com o corpo, entendendo o corpo como uma coisa muito ampla”, acrescenta.A curadora Ioana de Mello conta que uma primeira fase foi realizada só com artistas da América Latina. “E aí a gente descobriu que, na verdade, os diálogos ultrapassam fronteiras e são incrivelmente próximos. O que mulheres francesas e latino-americanas estão passando é muito próximo, então o diálogo se forma muito facilmente. Foi bonito ver isso.”Uma das participantes é a fotografa brasileira Daniela Balestrin, que expõe “Thereza”, todo em técnica de cianotipia. “Thereza é o nome de minha bisavó paterna. Que durante décadas foi apenas referida como a mãe morta do meu avô. Seu nome foi silenciado. Eu desconhecia qualquer coisa a respeito dela que não fosse o fato de ter sido mãe e de ter morrido. Também desconheço qualquer imagem sua. E esse trabalho desenvolvi nessa busca, então, por essa minha ancestral”, conta a artista.Já Simone Marinho trabalhou sobre os ciclos femininos. "O trabalho que eu apresento em Paris é sobre as experiências dos meus ciclos como mulher, tanto da minha relação com a menstruação, como com as gestações que eu tive, com a experiência do parto, do puerpério", explica Simone Marinho. "Também a experiência do aborto espontâneo que eu sofri e agora do climatério, fase que antecede a menopausa, marcando o fim dos ciclos menstruais. Então, quando eu me dei conta de que um ano depois do meu último ciclo esses ciclos não se repetiriam mais, eu resolvi registrar, por meio da fotografia, o meu próprio corpo", acrescenta.  O local de exposição é privilegiado, uma vitrine de esquina, com a prefeitura de Paris de um lado e o rio Sena do outro. “A gente brinca muito com o espaço, com a questão de ter essa vitrine, essas janelas enormes que dão para a rua e para uma rua super movimentada. Então tem os olhares de dentro para fora, de fora para dentro, os olhares para os olhares, para as mulheres”, explica a curadora Ioana Mello. “Desde o início do programa, que começou em 2022, vemos que há uma busca por uma investigação real sobre as noções que estão relacionadas ao corpo e ao gênero. Também com o feminismo, com o ecofeminismo, com a descolonização do corpo. E quando falamos de transição, falamos de transição de gênero, mas também de transição etária, porque é muito importante ver que em La Ima tocamos num ponto que não se vê muito no mercado de arte, que é a questão do preconceito de idade, o etarismo”, explica Oleñka Carrasco.“Abordamos a questão de ciclos, trabalhos que têm a ver com a menopausa, com a menstruação, com a maternidade. Isso diz respeito à metade da população mundial. São problemas que enfrentamos nos nossos próprios corpos, que é preciso poder disponibilizá-los para que o público possa ver esses modelos de representação”, acrescenta Carrasco.Participam da exposição: Stéphanie Kowalski, Laurence Lebon, Simone Marinho, Marilene Ribeiro, Daniela Balestrin, Jennifer Cabral, Alessandra França, Franklin Garcia, Flavia Raddavero, Mezli Veja Osorno e Bella Tozini.A exposição acontece nos Arches Citoyennes, em Paris. 

    Brasil busca em Cannes ampliar coproduções e internacionalização do cinema brasileiro

    Play Episode Listen Later May 24, 2024 5:54


    A participação brasileira no 77° Festival de Cannes confirma a boa recuperação da produção cinematográfica nacional. Os seis filmes selecionados em várias mostras, mais um projeto em desenvolvimento, são apenas a ponta do iceberg dessa fase chamada de ressurgimento. Em Cannes, produtoras tentam ampliar coproduções e a internacionalização do cinema brasileiro.  Dezenas de produtores, distribuidores e cineastas participaram do Mercado do Filme, que acontece ao mesmo tempo que o Festival de Cannes, (e é tão importante quanto as mostras competitivas). Durante duas semanas, eles se encontraram com profissionais do mundo inteiro para fechar negócios e parcerias. A participação brasileira nessa edição 2024 começou com uma fala da secretária do Audiovisual do Ministério da Cultura, Joelma Gonzaga, sobre “a política do governo para o setor, as perspectivas e o cenário do Brasil para a internacionalização”.  Ela também falou sobre os preparativos para a temporada cultural cruzada entre o Brasil e a França em 2025, um evento muito importante para o setor cinematográfico. Segundo Joelma, a “França é um dos principais parceiros de coprodução cinematográfica do Brasil. Então, celebrar essa temporada cruzada é mais um motivo de potencializar essa relação”, indicou. A secretária do Audiovisual ressaltou que essa forte presença de filmes brasileiros em Cannes este ano é reflexo dos R$ 2 bilhões investidos pelo governo no último ano. “Todos esses projetos, todas essas obras (selecionadas), contaram com financiamento público no Brasil, em âmbito federal e estadual”, informa. Coproduções com a África e projetos com a Ásia A SPcine marcou presença no Mercado do Filme de Cannes pelo terceiro ano consecutivo. A empresa de cinema e audiovisual de São Paulo cofinanciou dois dos longas selecionados este ano: “Motel Destino”, de Karim Aïnouz, e “Baby”, de Marcelo Caetano.  No evento, a presidente da SPcine, Lyara Oliveira, participou de dois eventos importantes para a internacionalização da produção e atração de filmagens para São Paulo; o Spotlight Asia e o AfroCannes. Para Lyara Oliveira, reforçar as parcerias com a África é um dos eixos prioritários da empresa. “Nós entendemos os profissionais negros do audiovisual brasileiro como profissionais da diáspora africana. Para a gente é extremamente interessante e muito pertinente, promover essa articulação, promover essa aproximação”, declarou à RFI. Nesse sentido, a SPcine assinou, em Cannes, com a África do Sul, um edital de desenvolvimento de projetos “para que essa articulação entre os dois países, essa coprodução seja fomentada. É um primeiro passo”, acredita. Globo Filmes comemora 25 anos Outra produtora de destaque que marca presença em Cannes e participou do “ressurgimento” do cinema nacional é a Globo Filmes. A empresa, uma das maiores do Brasil, completa 25 anos.  Em Cannes, a produtora, dirigida por Simone Oliveira, comemorou o aniversário com a seleção de “Motel Destino”, de Karim Ainoüz, na disputa pela Palma de Ouro e coproduzido por ela. O longa de Aïnouz foi apenas um dos filmes produzidos pela Globo Filmes selecionado em grandes festivais este ano. Simone Oliveira indica que esse ressurgimento da produção nacional teve ainda um outro lado positivo. “A gente teve a volta do público para assistir filmes brasileiros no cinema, que até então estava mais difícil. Esse ano a gente teve três grandes sucessos comerciais nos cinemas brasileiros. Então, esse alívio de começo de ano foi duplo”, festeja, lembrando o contexto de concorrência com as plataformas de streaming. Com campanhas que têm o apoio de outras empresas da Globo, ela garante que “a gente consegue dar uma visibilidade muito grande para o filme no Brasil”. “A Menina e o Pote"A cineasta pernambucana Valentina Homem pôde vir a Cannes graças ao financiamento público e apoio do Itamaraty. Ela foi selecionada para a mostra paralela Semana da Crítica com o curta de animação “A Menina e o Pote”, uma história distópica inspirada na mitologia indígena.  A cineasta afirma que é  “uma resiliente” porque fez o curta e um longa, que também está lançando agora no Brasil, "num contexto de muita dificuldade, de muita oposição”. Por isso, fez questão de ressaltar em seu discurso antes da exibição do filme a importância da atual política do governo brasileiro para o setor. “Historicamente, esse é um governo (do PT) que fomenta, que tem uma preocupação com a cultura. Isso tem um significado político muito importante. A gente não podia deixar de mencionar isso”, justifica. Outra característica marcante dessa recuperação do cinema brasileiro é a diversidade. Os filmes selecionados em Cannes são uma prova disso. Eles mostram na tela temáticas queer, indígena, de discriminação racial, violência e erotismo. Sem falar na forte presença de mulheres, como as entrevistadas para esta matéria. 

    Exposição em Paris retrata 130 anos de história dos Jogos Olímpicos em paralelo à evolução do mundo

    Play Episode Listen Later May 14, 2024 6:08


    A pouco mais de dois meses do início dos Jogos Olímpicos Paris 2024, o Palais de la Porte Dorée, no 12° distrito da capital francesa, inaugurou a exposição "Olimpismo, uma história do mundo". A mostra inédita reconstitui os últimos 130 anos a partir da primeira Olimpíada, em 1896, em Atenas, até os dias de hoje. Daniella Franco, da RFIAtravés de uma viagem cronológica, os 33 Jogos Olímpicos já realizados são retratados paralelamente a fatos políticos que marcaram a evolução da sociedade. Ganham destaque na mostra a admissão de atletas mulheres a partir de 1900, as edições canceladas devido às grandes guerras, o uso dos Jogos na propaganda política de regimes ditatoriais, e a luta de esportistas contra o racismo, discriminações e desigualdades. A exposição também exibe objetos históricos - como as primeiras medalhas e os primeiros uniformes olímpicos - e até antigos instrumentos esportivos. Tudo isso acompanhado de centenas de arquivos, documentos, filmes e fotografias de grandes momentos olímpicos."Essa é uma forma de conhecermos a história dos Jogos Olímpicos e de compreender o que vai acontecer em Paris em 2024. Aqui podemos ver toda a evolução dos Jogos Olímpicos, e como, em vários momentos ao longo da História, esses espaços de visibilidade ecoaram de forma política e social. A exposição também nos permite mergulhar na trajetória de algumas grandes campeãs e campeões", afirma uma das curadoras da exposição, Elisabeth Jolys-Shimells.Segundo ela, a exposição também propõe uma reflexão sobre o futuro dos Jogos, um exercício que considera fundamental para continuar a inscrevê-los na História. "Será que seguiremos realizando megaeventos concentrados em uma só cidade? Será que as questões ambientais e sociais serão mais levadas em consideração? E, finalmente, qual governança será necessária para organizar esses eventos?", questiona.No clima dos Jogos OlímpicosA exposição não tem um público-alvo específico. Entre os visitantes de "Olimpismo, uma história do mundo", há pessoas de todas as idades: fãs de esportes, de História, ou simplesmente interessados em entrar no clima dos Jogos Olímpicos.“Eu não costumo assistir às Olimpíadas. Mas a maneira como elas são apresentadas aqui, ano por ano, com o espectro geopolítico, é superinteressante. Então talvez eu até assista aos Jogos neste ano, sobretudo porque eles ocorrem na França", diz a francesa Astrid Garnier.Outro visitante, Dominique Dounont, viajou da Bretanha, no noroeste da França, à capital francesa especialmente para conferir a mostra no Palais de la Porte Dorée. "O que é muito interessante é que, efetivamente, a exposição nos fala de esportes, mas também da história, desde 1896, ano dos primeiros Jogos Olímpicos, em Atenas. Nessa ordem cronológica perfeitamente realizada, aprendemos muita coisa. Eu já conheço bastante, mas aprendi ainda mais."Florent Le Demazel foi atraído pelo retrato das evoluções geopolíticas exibido na exposição. Um dos enfoques que mais o agradou foi a evolução da participação das mulheres nos Jogos. "A cada edição dos Jogos, de quatro em quatro anos, percebemos que a diferença entre a presença dos homens e das mulheres se reduz, e que, felizmente, há cada vez mais mulheres que participam dos JO. A gente sabe que isso não aconteceu por conta própria, que combates foram realizados e podemos ver essa marca de uma edição a outra”, salienta.A exposição "Olimpismo, uma história do mundo", fica em cartaz no Palais de la Porte Dorée, no 12° distrito de Paris, até 8 de setembro. 

    'Diabolus in Musica': Filarmônica de Paris mergulha no imaginário estridente dos metaleiros

    Play Episode Listen Later May 3, 2024 5:42


    Contracultura, provocação, protesto, inspirações satanistas, imagens mórbidas... O que o universo, a música e o imaginário do metal têm a dizer ao mundo contemporâneo? Recuperar essa história - e essa historiografia - foi o desafio assumido por uma das maiores instituições dedicadas à música na capital francesa: a Filarmônica de Paris com a exposição Metal, diabolus in musica, em cartaz até o dia 29 de setembro de 2024. Não deixa de ser irônico imaginar um dos templos da música erudita e palco na França de nomes como Caetano Veloso e Gilberto Gil dedicar um gigantesco galpão para celebrar, com mais de 400 obras, entre "relíquias", instrumentos, imagens, objetos, discos, e cenografias icônicas, alguns dos maiores nomes mundiais do metal. Black Sabbath, AC/DC, Metallica, Sepultura, Megadeth, Iron Maiden ou Led Zeppelin, entre muitos outros. Eles estão todos lá, e muito mais do que um gênero musical, são bandas que instauram uma cosmogonia própria, como conta um dos curadores da exposição, Milan Garcin. "O desafio para nós era contar a história de uma música e de uma cultura. E, para isso, reunir imagens, arquivos e instrumentos lendários. Penso especialmente na guitarra de Tony Iommi, o guitarrista do Black Sabbath, que é literalmente a guitarra com a qual ele inventou o metal", conta Garcin."Trouxemos essa guitarra, que tem um significado especial, principalmente com o uso do triton, esse intervalo que era chamado de diabolus na música medieval, um tipo de intervalo dissonante que os músicos de metal aproveitaram. Um mundo imaginário transmitido por iconografias muito específicas e, obviamente, imagens fotográficas também. Contado a partir das grandes cenas ao redor do mundo e das pequenas cenas locais nas quais as bandas iniciaram suas carreiras", diz o especialista."Trouxemos para a Filarmônica uma cena underground, que não havia muitos meios no início e, obviamente, para dialogar com uma música que, reconhecidamente, do ponto de vista externo, é para o público em geral uma música brutal, de difícil acesso", acredita o pesquisador e programador francês.Milan Garcin fala sobre o nascimento do gênero musical. "É verdade que o metal nasceu em uma cultura em que a religião era onipresente na Inglaterra, no final dos anos 60, e, pouco tempo depois, nos Estados Unidos, lugares onde o Cristianismo teve um forte impacto sobre os costumes e a moral. Era verdadeiramente uma placa de chumbo social. Em primeiro lugar o hard rock, depois o metal, no início dos anos 80, funcionaram como uma espécie de reação à religião no nascimento deste gênero musical, o que explica em parte esse apetite pela iconografia diabólica", diz."Mas, simultaneamente, é bom saber que o nascimento da pintura clássica, inspirada da religião, também traz arquétipos de representação de momentos metafísicos como a morte, e o metal vai explorar esses questionamentos através de sua música, que, como princípio, tinha como objetivo ser uma música que assusta. A questão do diabo, numa sociedade muito religiosa, era, evidentemente, um artifício de questionamento para provocar medo nas pessoas", sublinha.O curador destaca a vocação política do metal. "Acho que o metal também tem a virtude política de colocar um certo número de culturas específicas no mapa mundial. Na Mongólia, por exemplo, há um grupo chamado The Hu, que incorpora o campo diatônico em sua música metal, usando instrumentos tradicionais. E aí está esse gênero musical, construindo todo um mundo imaginário que, obviamente, tem uma vocação estética muito importante, mas também uma vocação política para defender uma cultura e existir no mundo da música popular que é referência mundial", afirma Garcin.Sepultura e a cena metal no Brasil"O Sepultura é um excelente exemplo. Além disso, Max Cavalera teve a extrema gentileza de nos emprestar uma guitarra para a exposição. E ele teve também essa intuição de se adaptar a diferentes subgêneros da música metal ao longo do tempo; ele começou no trash metal com o Sepultura, mas também fez bastante New Metal, esse novo subgênero que surgiu no final dos anos 80, início dos anos 90, com sua segunda banda, Soul Fly", sublinha Garcin."Ele teve essa intuição de fazer durar essa música brasileira, mas ao mesmo tempo, integrando-a com um certo número de códigos... Sabemos, por exemplo, de seu amor pela seleção brasileira de futebol. Portanto, há toda essa cultura de música de estádio que interage com o futebol, o que obviamente é muito simbólico para o Brasil, pelo menos em uma escala internacional", reconhece."O Sepultura teve a incrível intuição de colaborar com os povos indígenas no Brasil. Pediram a eles que colaborassem no disco musicalmente, em várias faixas. O título que é obviamente baseado nesse momento é Root Bloody Roots. Então, claro, a questão das raízes do grupo é muito importante", lembra."E também foi um desafio para eles, eu acho, conseguir identificá-las, essas raízes, no contexto de uma música popular que é capaz de falar com todos no planeta. Essa foi uma aposta incrível. E aqui temos essa capacidade de espalhar essa música tradicional brasileira pelo mundo, como a Bossa Nova fez, e como outras formas de música mais tradicionais fizeram", diz o curador. 

    Museu do Louvre abre temporada cultural de Paris 2024 com grande exposição sobre origem da Olimpíada

    Play Episode Listen Later Apr 26, 2024 5:32


    O Louvre, o maior museu do mundo, entrou oficialmente na programação de Paris 2024 com a mostra "Olimpismo", que ilustra como os inventores dos jogos modernos no final do século 19, liderados por Pierre de Coubertin, se inspiraram nas imagens da Antiguidade para identificar suas fontes iconográficas, entender o contexto político e compreender como seus organizadores procuraram reinventar as competições da Grécia antiga, mesmo que às vezes as distorcendo ou instrumentalizando. "É uma exposição altamente original que mostra como a invenção dos jogos modernos no final do século 19 ocorreu no círculo em torno de Pierre de Coubertin, porque ele não estava sozinho. É isso que descobrimos na mostra Olimpismo, como esse círculo de pessoas se inspirou nas coleções de antiguidades gregas do Louvre. Assim, podemos compreender esse elo de inspiração que nos liga de um século para o outro, entre o Louvre e o que chamamos de Olimpismo", diz Laurence de Cars, a primeira mulher a dirigir o Museu do Louvre.Presidente de Paris 2024, Tony Estanguet elogiou a exposição e a olimpíada cultural, projeto que reúne os cinco maiores museus de Paris, respectivamente o Louvre, Museu D'Orsay, Quai Branly, Centre Pompidou e Museu de l'Orangerie."Esse desejo de combinar esporte e cultura existe desde os tempos antigos e foi revivido por Pierre de Coubertin, que também queria incluir eventos artísticos durante os Jogos. E hoje, com essa exposição e esse projeto olímpico cultural, com esses cinco grandes museus em jogo, é exatamente esse estado de espírito que queríamos mostrar durante Paris 2024", elogiou. Violaine Jeammet, conservadora-geral do departamento de antiguidades gregas do Louvre, e uma das curadoras, conta mais sobre o contexto da exposição. "Essa exposição não se trata tanto de competições antigas, mas sim da criação do Olimpismo moderno, com essa iconografia antiga, que foi muito bem utilizada pelo designer Émile Gilliéron para criar uma comunicação extremamente moderna e contundente, usando os meios mais eficazes da época, ou seja, pôsteres, cartões postais e, acima de tudo, selos. Esse foi o início do nascimento da filatelia olímpica. Mas também mostramos a galvanoplastia (processo de recobrimento metálico de objetos), para os troféus dos atletas modernos. As obras do Louvre, recentemente exumadas do solo grego, foram usadas em um contexto histórico, político e artístico no qual a arqueologia, então em plena expansão, e a Grécia desempenharam um papel importante para compor esta exposição", explica.  Olhar críticoMas nem só de exaltação de um ideal atlético e espiritual olímpico é feita a exposição Olimpismo, em cartaz no Louvre. Um de seus curadores, Alexandre Farnoux, professor de arqueologia e de arte grega na Sorbonne, deixa clara a visão crítica do museu sobre a mostra."Ao pegar realidades antigas e transformá-las para adaptá-las às necessidades do olimpismo moderno, queremos dar ao público desta mostra os meios para entender como os estereótipos que hoje alimentam o olimpismo contemporâneo foram criados em um certo imaginário, e como esses estereótipos são divertidos de desenhar ao comparar as imagens produzidas com as origens que as inspiraram", diz Farnoux."E como, às vezes, eles também são distorções da realidade antiga, e essas distorções não são nada divertidas, porque manifestam modos de exclusão, especialmente sobre a participação feminina nos jogos, ou sobre modos de exploração de uma imagem do corpo masculino branco e saudável, como foi explorado, por exemplo, pelos nazistas nas Olimpíadas de Berlim", relembra.A exposição Olimpismo fica em cartaz no Museu do Louvre até o dia 16 de setembro.

    Ex-Salão do Livro, Festival do Livro de Paris é maior vitrine para autores estrangeiros na França

    Play Episode Listen Later Apr 12, 2024 8:39


    Com a expectativa de receber mais de 100 mil visitantes em três dias, o Festival do Livro de Paris é uma verdadeira maratona para autores, leitores e editoras de todo o mundo. "Todos os anos, os autores estrangeiros têm um lugar de destaque, juntamente com o país convidado. Este ano, será o Québec. Portanto, é a literatura francófona canadense que estará no centro das atenções, e queremos ouvir as muitas e variadas vozes dos escritores quebequenses", comenta a curadora para a seção de Poesia e Ficção do Festival de Livro de Paris, Adélaïde Fabre.O Festival do Livro de Paris é o maior festival do livro realizado na França todos os anos. "É também um festival que, além do país convidado, nos permite receber escritores da Europa, do Brasil e de outros lugares. Nosso objetivo sempre é fazer com que eles troquem ideias e discutam com autores de outro idioma, outra cultura, porque gostamos do que nos interessa. O que importa é a diversidade de vozes e a garantia de que diferentes culturas se encontrem e troquem ideias", diz.São mais de 300 autores, cerca de 330 escritores, em um cruzamento entre literatura, humanidades, histórias em quadrinhos e literatura para a juventude. "Isso nos permite traçar um panorama bastante amplo da criação literária dentro do panorama da literatura francesa e francófona hoje", avalia Fabre. Poesia e ficçãoOs eventos de poesia serão realizados simultaneamente nos seis palcos do evento. Atiq Rahimi, Arthur Teboul e vários outros estarão presentes, além da realização de uma homenagem a Christian Bobin. Por fim, acontecerá a gravação de um programa chamado "C'est la base", criado pela rede France TV, que permite que rappers e slammers, como a jovem Amalia, apresentem textos poéticos clássicos em forma de slam."Achei que era importante fazer com que as vozes das pessoas fossem ouvidas, uma poesia de ontem e de hoje, ao mesmo tempo", conta a programadora.A escritora, jornalista, influenciadora e palestrante brasileira Izabella Camargo participa pela primeira vez do Festival do Livro de Paris, com seu livro best-seller no Brasil, "Dá um tempo". "Meu livro foi lançado em 2020, mas ele está mais em alta do que nunca, porque eu falo sobre as percepções do tempo. O meu livro é para quem quer fazer as pazes com o tempo", conta a autora."É um marco na minha vida, porque quando eu fui pesquisar os assuntos do livro, eu encontrei muitos pensadores franceses. Encontrei muitos manifestos franceses reclamando que o tempo estava passando muito rápido e no fundo, com o tempo da natureza, não há nada errado. Além de ter entrevistado vários físicos e astrônomos do Brasil, eu fui até o MIT [Massachusetts Institute of Technology, nos Estados Unidos] para confirmar mesmo se a Terra não está girando mais rápido em torno do próprio eixo, e não está", sublinha Camargo.A autora salienta a obra não é sobre o burnout, mas sim para quem quer fazer as pazes com o tempo. "Eu comecei a escrevê-lo em 2017, quando eu ainda trabalhava na TV Globo. Durante a pesquisa do livro, eu tive um burnout. E assim como a depressão é o excesso de passado, a ansiedade é o excesso de futuro, o burnout é o excesso de presente, ou seja, quando eu quero fazer muitas coisas ao mesmo tempo", explica Camargo, que encabeça vários eventos paralelos além de sua participação no evento literário, como no Museu do Louvre e na Biblioteca François Mitterrand, na capital francesa.O Festival do Livro de Paris se encerra no dia 14 de abril.

    Paris: Artista brasileira transfigura olhar pós-colonial sobre corpos dissidentes com violência do metal

    Play Episode Listen Later Mar 29, 2024 6:37


    Aos 30 anos recém completos, a artista brasileira Lyz Parayzo instalou sua Tempête Magique (Tempestade Mágica) sob os gigantescos arcos de metal do Grande Pavilhão de La Villette, em Paris, logo na abertura da 100% L'Expo, uma iniciativa do Ministério da Cultura da França que visa dar vitrine a jovens artistas saídos de grandes escolas de arte. Mulher transexual, racializada e nascida em Campo Grande, na periferia do Rio, a brasileira instalou em Paris seus móbiles de aço e violência. "Na verdade, eu comecei a fazer ações estéticas e políticas, intervenções não oficiais no Rio de Janeiro e em São Paulo. É justamente porque eu sempre desejei redistribuir as violências que eu sofria, seja como transexual na cidade, seja como artista periférica, racializada, e como mulher transexual no mundo das artes", conta Lyz Parayzo, que recebeu a RFI no parque de La Villette, no leste de Paris."Eu comecei com o corpo porque a minha formação era mais performática, no Parque Lage, [escola de arte] no Rio de Janeiro. A nossa finalização plástica era o corpo, era a ação. Então eu estava sempre em diálogo com os lugares que eu transitava", sinaliza Parayzo."Então, mesmo se no Parque Lage eu sofria diversas violências, por ser um lugar classista, racista ou etc, eu fazia intervenções de arte, por exemplo. Então sempre foi um mecanismo de receber as violências a partir do meu trabalho de arte", conta. "Depois, aqui na França [na prestigiosa escola de Beaux-Arts, em Paris], quando eu fiz o mestrado sobre [a artista plástica brasileira] Lygia Clark, que eu comecei a pensar que isso na verdade foi um processo de terapia, de cura para mim mesma", estima a artista."Assim começa o lugar da violência no lugar de reconfiguração, de retribuição. É para criar também, não um ataque direto, mas um debate público. Esse trabalho tem unidades de violência. Então é muito mais sobre os outros do que sobre mim mesma", analisa.  Neta de ourives: esculturas como projeções do corpoLyz conta que "para chegar nesse trabalho, foram anos de pesquisa". "Eu comecei a fazer esculturas em 2017; meu avô era ourives, então eu cresci vendo meu avô fazendo joias no último quartinho da casa onde a gente morava. Então eu comecei minhas primeiras esculturas em metal, que foram uma transição da performance para um objeto - as joias de prata, que eram joias bélicas para autodefesa, porque eu estava meu trabalho de performance era um lugar de crítica institucional", sublinha a artista."O meu corpo é um signo com muitos códigos, que catalisa várias violências por seus recortes. Ser uma pessoa racializada ser uma mulher trans, ser um de um lugar periférico, então como fazer um objeto que desse conta da ausência do meu corpo nos espaços tradicionais de arte?", questiona."Então tinham que ser jóias esses objetos, que eram extensões do corpo. Meu trabalho sempre teve relação com o corpo, eu fazia essas jóias de autodefesa. Depois fiz uma série chamada Bichinhas com alumínio [referência à série Bichos, de Lygia Clark], que era ressignificar essa história da arte branca, cisgênera", diz. "Como uma pessoa que nasceu em 1994 vai rever uma produção da década de 1960?", provoca a brasileira."Tempestade Mágica""Sobre a Tempête Magique, coincidentemente foi muito curioso esse nome porque eu comecei a estudar a história das bruxas, uma perseguição misógina dos séculos 14 e 15. E quando eu comecei a ler os livros eu me dei conta que, nossa, ser uma trans em 2024 é como ser uma bruxa no século 14", compara."Porque as trans não colonizaram nenhum país, não fizeram nenhum genocídio internacional, mas somos perseguidas justamente pela questão de nosso gênero não ser tão normativo. E aí eu comecei a pensar também nesses objetos [as esculturas] não mais só lugar muito explícito da transidentidade, mas também com um lugar mágico", elocubra."A obra se chama tempestades, porque são 10 obras suspensas, todas a 3m e 50 do chão, por questões de segurança, e são espirais que têm formas bélicas, formas cortantes... E também uma forma sedutora, né, porque uma espiral também seduz, elas também giram com com vento. E, além disso, todas as esculturas são acompanhadas por canhões de luz rosa que fazem refletir as formas no teto e fazem uma sombra com desenho das espirais planificadas no chão: é um trabalho óptico e cinético", explica a artista, que já conta com convites para trabalhos em diversos outros centros europeus.

    Brasil plural é destaque em festival de cinema de Toulouse, no sudoeste da França

    Play Episode Listen Later Mar 22, 2024 5:10


    Vários Brasis estão presentes no festival Cinélatino, em Toulouse, no sudoeste da França. São curtas e longas, em cores ou preto e branco, ficções e documentários, atestando a boa forma do cinema brasileiro. Patricia Moribe, enviada especial a ToulouseEm sua primeira incursão pelo cinema, o rapper Manu Cappu, da periferia de Curitiba, já está concorrendo ao prêmio de melhor curta no festival Cinélatino, em Toulouse. O filme “Bença” fala sobre o universo carcerário, baseado na própria experiência pessoal do artista.  “O filme nasceu a partir do encontro que eu tive com meu pai no cárcere. O meu pai era réu, confesso. Eu estava preso inocentemente. E o Bença surgiu nesse lugar de potência para unir a nossa família. O cárcere é visto como lugar de muita violência. Mas é em meio a esse caos, que a gente conseguiu fazer uma história de amor e perdão”, explica. “Fui gerando, criando e me reconectando com o meu pai assim.”, conta Mano.Escrever cada linha do roteiro, refletir cada momento, pensar a imagem, a palavra, todo o processo foi uma catarse para o novo cineasta. “Os filmes brasileiros sobre o cárcere geralmente são feitos por pessoas que nunca ficaram presas. Comecei com o rap e o rap no Brasil é muito forte, fala muito sobre a desigualdade social brasileira”.Mano Cappu ouviu o primeiro rap aos 11 anos, o “Diário de um Detento”, dos Racionais MC's, sobre a violência no Carandiru, em São Paulo. “E 15 anos depois fui encarcerado injustamente e fui entender a prisão. E aí a música veio com esse lugar de potência”.O homem que vira onçaBuscando inspiração em outra vertente, em muitos anos de colaboração com o projeto Vídeo nas Aldeias, Ernesto de Carvalho se juntou a Ariel Kuaray para bolar a quatro mãos “A transformação de Canuto”, em competição para documentário de longa-metragem.“É um filme de fronteira entre o documentário e a ficção. Ele conta a história de um homem guarani que, na fronteira do Brasil com a Argentina, passou pelo processo de transformação em onça, transformação em jaguaretê, que é, na verdade, uma doença espiritual no mundo guarani”, explica o cineasta e antropólogo Ernesto de Carvalho.“O longa é uma exploração dessa história que brinca com o cinema, com a necessidade do vínculo. É também resultado de mais de dez anos de produção de filmes de colaboração entre o Ariel e eu e, principalmente dentro do projeto Vídeo nas Aldeias onde a gente tem, enfim, feito cinema e feito filmes e oficinas desde 2007. E este é nosso primeiro jogo dentro do universo da ficção, apesar de também ser um documentário. ”Brasil-JamaicaMarcelo Botta é diretor de “Betânia”, longa em competição, que teve estreia na Panorama, de Berlim. Depois de um documentário sobre os Lençóis Maranhenses em 2018, Botta voltou para a região três anos depois com a ideia de fazer uma ficção, com personagens locais e música, muita música.Além de concorrer com “Betânia”, Botta trouxe um outro projeto na manga, “Bramaica”, para discutir na plataforma de desenvolvimento do cinema. “Um filme que fala sobre a relação de amor entre o Maranhão e a Jamaica, o reggae, o Maranhão conhecido como a Jamaica brasileira e eu, assim como o Maranhão, sou um apaixonado também pela música jamaicana e pelo Maranhão.”Amazônia em preto e brancoO cineasta pernambucano Marcelo Gomes adaptou o romance “Relato de um Certo Oriente”, de Milton Hatoum, sobre a chegada de um irmão e uma irmã que deixam um Líbano à beira da guerra civil nos anos 1950 para se instalar na Amazônia. Com fotografia exuberante, em preto e branco, e atores libaneses nos papéis principais, o título do filme virou “Retrato de um Certo Oriente”.O ator libanês Charbel Kamel viveu Omar, um vendedor ambulante que traz mercadorias do Líbano para revender na Amazônia. Kamel conta que o personagem mudou no meio das filmagens, deixou a arrogância por um homem mais sensível. "Gostei da transformação, no cinema árabe faltam homens doces, discretos, que não sejam machistas", disse à RFI.O Festival Cinélatino de Toulouse acontece até 24 de março. 

    Unesco exibe em Paris mostra com imersão nas famílias linguísticas dos povos originários do Brasil

    Play Episode Listen Later Mar 15, 2024 5:42


    Concebida pelo Museu da Língua Portuguesa, de São Paulo, “Nhe'ẽ Porã: Memória e Transformação” chega agora em forma itinerante à sede da Unesco, em Paris. A mostra propõe uma imersão na floresta de famílias linguísticas às quais pertencem as línguas faladas hoje pelos povos indígenas no Brasil. Patrícia Moribe, em ParisO título da exposição, explica o site do Museu da Língua Portuguesa, vem da língua Guarani Mbya: "nhe'ẽ" significa espírito, sopro, vida, palavra, fala; e "porã" quer dizer belo, bom. Juntos, os dois vocábulos significam “belas palavras”, “boas palavras” – ou seja, palavras sagradas que dão vida à experiência humana na terra.     “Nós estamos trazendo uma pequena amostra dessa primeira exposição do Museu da Língua Portuguesa sobre Línguas Indígenas, que faz parte da Década Internacional das Línguas Indígenas, lançada pela Unesco”, explica a curadora e artista Daiara Tukano.Cerca de 50 profissionais indígenas participam do projeto. “É uma exposição que mostra a diversidade das línguas indígenas do Brasil, mas também a resistência de nossos povos, de nossas culturas”, acrescenta a ativista.As obras ocupam o saguão principal da Unesco e trazem uma instalação de pássaros e seus cantos, misturados às silhuetas das florestas – que representam as famílias linguísticas.“Quando eu era criança, ouvia falar dos troncos linguísticos e para mim, tronco era uma árvore. Então a gente desenhou cada família linguística na silhueta de árvores. E no meio dessas árvores estão pássaros importantes para muitos de nossos povos, que são pássaros sagrados e que são os pássaros que nos ensinam a falar e a cantar", conta Daiara. "Nosso conhecimento, nossa linguagem, vem da própria natureza. E dessa floresta nasce um rio, que vai atravessando toda a exposição, trazendo uma linha do tempo e das histórias de contato e resistência e construção das mensagens dos povos indígenas para a conquista de nossos direitos constitucionais, a luta do reconhecimento dos nossos territórios até a contemporaneidade.”“Não somos lenda”“Hoje nós temos 275 línguas vivas faladas no Brasil, de vários troncos linguísticos, como tronco Jê, o macro Jê, o tupi, tupi guarani, entre outros”, explica Thaline Karajá, que se apresentou na abertura da exposição na Unesco.“É de extrema importância que haja espaço para cantores e artistas indígenas estarem mostrando um pouco da sua arte, da sua ancestralidade, da sua língua, da sua cultura”, acrescenta. “Fora do Brasil, esse reconhecimento também é de extrema importância para que todos saibam que nós, povos indígenas, estamos resistindo e ainda existimos. Não somos lendas”, enfatiza a artista.“É fundamental nós termos nossos espaços de representabilidade”, disse Daiara Tukano a respeito do Ministério dos Povos Indígenas, da ministra Sonia Guajajara, que esteve na Unesco para prestigiar o evento. “Não podemos aceitar nada mais dito sobre nós sem nós. Então, é importante sempre trazer à frente o protagonismo das pessoas indígenas para poder explicar melhor sobre nossas realidades. E a gente precisa desconstruir muito das narrativas que foram feitas sobre nós, as narrativas da colonização, aqueles que entendem que não houve um descobrimento, que houve, na verdade, uma invasã”, alerta Tukano.”Essa invasão continua existindo. Ainda hoje nós temos muitos povos que lutam pelo reconhecimento do seu território, que enfrentam graves violências. E isso não é uma coisa que ficou no passado. Reafirmar o contexto da nossa realidade também é reafirmar a nossa luta e o mundo no qual nós acreditamos”, insiste a ativista.A mostra “Nhe'ẽ Porã: Memória e Transformação” fica em exposição em Paris até 26 de março.“Nhe'ẽ Porã: Memória e Transformação” também pode ser visitada de maneira interativa.

    Teatro: Christiane Jatahy revisita fantasmagorias de 'Hamlet' em Paris com seu maquinário de revolução e desejo

    Play Episode Listen Later Mar 5, 2024 5:36


    Ser ou não ser, eis a questão. A frase antológica de Shakespeare dita por Hamlet, triste príncipe dinamarquês assombrado por espectros do passado, ganha novas e surpreendentes cores na versão que a diretora brasileira Christiane Jatahy, premiada com o Leão de Ouro da Mostra de Veneza, estreia nesta terça-feira (5) deste texto clássico no teatro Odéon, em Paris, instituição da qual ela é artista associada, além do Centquatre, também na capital francesa, e do Schauspielhaus de Zurique, na Suíça. Encarnada pela atriz francesa Clotilde Hesme, nome recorrente nos palcos e telas francesas, Hamlet é agora uma mulher, capaz de olhar para as violências do passado e para sua propria violência, operando mudanças e revoluções, num dispositivo que se revela como assinatura no teatro de Christiane Jatahy. Mais do que ser ou não ser, como ser, porque ser e quando sê-lo, para quem ser, e como modificar e transcender as limitações de suas própria identidade e densidade para desarmar maquinários de reprodução da violência são questões-chave em vários trabalhos da diretora brasileira.Uma frase que eu acho que a gente repete muitas vezes na peça, seja como pergunta ou como afirmação é: 'Eu preciso ser cruel para ser justa?', porque, no fim das contas, também é esse o impulso que o/a Hamlet tem que  responder...O Hamlet que Jatahy estreia em Paris mira nas revoluções e transformações possíveis de cada um de nós, enquanto indivíduos, ou coletivamente. "Essa peça fala de transformações muito importantes. E a personagem da Ofélia é uma protagonista dessas mudanças, assim como Hamlet, que se confronta com sua questão do 'ser' e que passa também a reproduzir (ou não) uma determinada violência, porque o espetáculo também é sobre isso", conta Christiane Jatahy. "Uma frase que eu acho que a gente repete muitas vezes na peça, seja como pergunta ou como afirmação é: 'Eu preciso ser cruel para ser justa?', porque, no fim das contas, também é esse o impulso que o/a Hamlet tem que responder", diz a diretora.Jatahy conta que a escolha de trazer Hamlet para um corpo feminino, "cis ou trans", ultrapassa a questão de gênero. "É como se essa mulher estivesse sempre ali, entendeu? É sempre muito delicado, porque envolve também várias camadas. Às vezes eu faço alguma referência ao Orlando [texto clássico de Virginia Woolf], porque só mesmo a sensibilidade da mulher consegue olhar para essa história, reviver essa história, porque ao reviver essa história, como em muitas das minhas peças, trata-se de uma tentativa de não reproduzi-las", resume a diretora."A missão que o Hamlet recebe é de violência, né? Essa luta interna... E a cada vez se repete a história caindo nessa violência, verificando quais são os conflitos que isso coloca e o que isso opera na transformação do personagem. Isso é super importante, além da figura da Ofélia, que não é aquela figura da mulher do femicídio, da mulher suicida, da mulher objeto de desejo, a ninfa morta tão reproduzida em tantas pinturas do imaginário misógino", pondera a artista.Fantasmagorias"Tem muita fantasmagoria nessa peça, e, inclusive, esses personagens que estão lá de alguma maneira são fantasmas da sua própria história", diz Jatahy sobre os espectros que rondam seus personagens, na adaptação que ela assina do texto clássico do bardo inglês. "As fantasmagorias são muito importantes nessa versão. A ideia de que o passado se cruza com o presente, também num lugar de fantasma. E numa relação com o infinito, o oito do infinito, em que as coisas vão se tocando", diz a encenadora brasileira.Patriarcado, herança hamletiana e universalQuestões atuais, introjetadas dentro de cada um de nós, como as violências do patriarcado, também são revisitadas pela diretora brasileira e sua Hamlet, incorporada por Clotilde Hesme. O patriarcado assim vem com muitas camadas, e muitas camadas que são profundamente introjetadas em nós mesmos, inclusive nós mulheres", pontua Jatahy. "E existe, claro, toda uma discussão de como a gente muda isso socialmente, porque tem que ser mudado, isso é mais um fracasso violento", diz. "Revolução, nem sempre quer dizer alguma coisa necessariamente violenta, né? Quer dizer, a revolução tem violências, mas não é sobre a violência. A revolução no sentido de transformação, essa é a questão que a gente está tocando, tratando, se perguntando na peça, como isso está dentro do próprio personagem do Hamlet? E como está também em todas as figuras, principalmente femininas, da peça?", questiona a encenadora brasileira, que já passou por incursões e adaptações prévias de Shakespeare em sua trajetória, especificamente com "A Floresta que Anda", em 2016, fechando a trilogia iniciada com Strindberg ("Júlia", baseada em "Senhorita Júlia") e Tchecov ("E se elas fossem para Moscou?", a partir de "Três irmãs"), uma performance livremente inspirada de "Macbeth", assim como "Before the Sky falls" ("Avant que le ciel tombe"), segundo volume da Trilogia dos Horrores, encenado na Suíça em 2021.Festa, lugar onde caem as máscaras"Tenho algumas coisas retomadas em vários de meus trabalhos, a água é um elemento que está sempre presente de muitas formas e, novamente agora, com a personagem de Ofélia. E a festa, que tem uma ideia da gira, né? E a gira é o movimento, sim. Ela, a festa é a festa, ela traz a possibilidade da queda das máscaras e das mudanças de estado, é o lugar dos debordamentos", diz Jatahy. "O que transborda das festas é a dança, a música, é toda essa coisa que sai um pouco do racional e nos atravessa em outros lugares", diz. "Eu particularmente adoro festas, eu acho que são as festas dos amigos, as festas de celebração. Mas também tem as festas de família, né? Em que muitas verdades vêm à tona. Então, esse lugar de uma comunidade que se encontra para celebrar, para chorar suas dores, para também se reencontrar no lugar do amor assim, porque chorar as dores às vezes te possibilita um reencontro com o amor", acredita."Hamlet", de Christiane Jatahy, fica em cartaz até o dia 14 de abril no Teatro Odéon, em Paris, e deve se apresentar no Brasil em 2025. 

    Diretores brasileiros na Berlinale apontam para retomada de cinema nacional após desmonte da cultura

    Play Episode Listen Later Feb 23, 2024 9:32


    Quatro filmes e duas co-produções representam o Brasil na 74ª edição do Festival Internacional de Cinema de Berlim, que acontece até domingo (25) na capital alemã. A presença de cineastas brasileiros e brasileiras neste prestigiado evento baixou desde 2020, quando o Brasil levou 19 produções à Berlinale, um recorde para o país.   Daniella Franco, enviada especial da RFI a BerlimPara profissionais presentes no festival neste ano, não há dúvidas: o desmonte do setor cultural durante os governos de Michel Temer e de Jair Bolsonaro é responsável pela queda da representação brasileira em eventos de cinema pelo mundo. O cineasta paulista Marcelo Botta, que compete com o longa "Betânia", na mostra Panorama da Berlinale, explicou o fenômeno à RFI.  "Os filmes têm um ciclo de vida longo. Quando um roteiro nasce, até ele ir para a tela, demora quatro, seis, sete, às vezes até dez anos. Em 2020, apesar de já ser governo Bolsonaro, a gente teve 19 filmes aqui porque era reflexo da política do governo Dilma. E agora, apesar de estarmos no governo Lula, estamos vivendo os reflexos do governo Bolsonaro", avalia.  No entanto, para o diretor, a presença neste que um dos maiores festivais de cinema do mundo é uma prova da força do cinema brasileiro. "Esses poucos filmes que estão aqui agora representam essa resistência do cinema brasileiro que, mesmo nos momentos mais difíceis, não deixou de existir. Estamos aqui firmes e fortes. São poucos, porém filmes muito potentes que eu acredito que vão fazer a diferença aqui na Berlinale", ressalta. A Cinemascópio Produções, do diretor pernambucano Kleber Mendonça Filho e da produtora francesa Emilie Lesclaux, coproduziu o longa "Dormir de Olhos Abertos", da alemã Nele Wohlatz, que concorre na mostra Encounters da Berlinale. Kleber acredita que, depois desses anos de desligamento da cultura no Brasil, a situação está melhorando. "Eu acho que aos poucos a máquina de apoio à cultura está sendo religada, porque ela foi sabotada nos anos Temer e Bolsonaro, e isso teve um impacto muito negativo na nossa produção", diz. "Nesse filme que estamos apresentando em Berlim, uma coprodução com Taiwan, Argentina e Alemanha, tivemos dificuldades de acessar os fundos porque a máquina estava entravada. Finalmente com a volta de um governo democrático, a máquina volta a funcionar", observa. A cineasta paulista Juliana Rojas concorre com o longa "Cidade Campo" na mostra Encounters do festival de Berlim. Ela falou à RFI sobre sua esperança de uma melhora do setor após o restabelecimento do Ministério da Cultura no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. "Espero também que haja uma preocupação com diversidade, tanto de região, para que esses recursos não fiquem somente em São Paulo ou no Rio de Janeiro, mas que se expanda para vários Estados, e também como uma diversidade de olhares, de ter realizadores de diferentes raças e gêneros, além de produtoras de vários tamanhos", afirma. Segundo ela, é apenas com "o aumento de incentivos que o Brasil terá uma produção maior de cinema e aí com certeza vai ter uma presença maior nos festivais".Promoção e valorização da diversidadeO instituto Nicho 54 é uma organização sem fins lucrativos, criado em 2019 e liderado por profissionais negros e negras pela promoção e valorização da comunidade preta na indústria audiovisual. A fundadora e diretora executiva da organização, Fernanda Lomba, participa do European Film Market (EFM), pelo quinto ano consecutivo. O evento promovido pela Berlinale incentiva encontros entre cineastas e profissionais da indústria do cinema para o financiamento e a coprodução de novos projetos.Em entrevista à RFI, ela ressaltou as consequências do desmonte da cultura no Brasil também à formação de profissionais da produção cinematográfica, "sobretudo para que tenham a capacidade de atrair negócios para a nossa coprodução". "Para estar presente no mercado de produção internacional do calibre de Berlim, só um filme brasileiro sem uma trajetória planejada de atração internacional não é suficiente. Então, a gente precisa qualificar as nossas produções e qualificar a coprodução que a gente consegue atrair para ter competitividade nesses festivais internacionais", salienta. Participe do canal WhatsApp da RFI BrasilFernanda classifica o mercado do cinema brasileiro atual como "uma colcha de retalhos", devido ao impacto dos governos Temer e Bolsonaro, mas devido a outros fatores, como a chegada dos streamings no Brasil, "num cenário sem regulação que afetou a lógica e a ordem da produção nacional". Outra característica, segundo ela, é a força da diversidade e como ela impacta a cadeia produtiva. "A minha avaliação é de que nós estamos passando por uma grande revolução", diz. No entanto, a diretora executiva da Nicho 54 refuta o termo "retomada" para falar sobre essa fase de recuperação do cinema brasileiro. "Eu acho que a gente coloca luz ou retira luz de alguns fenômenos que acontecem. E nesse momento eu gostaria de colocar luz no fenômeno da diversidade, especificamente liderada por profissionais da própria diversidade", reitera. Segundo ela, as diferentes comunidades minoritárias dão outras perspectivas à produção de conteúdo cinematográfico. "Nós estamos passando por uma nova cara de Brasil, muito mais diversa. Isso tem afetado toda a cadeia. E estamos nos adaptando neste momento para recuperar ou mesmo de criar uma capacidade de maior fôlego para atrair negociações e lançar novos talentos", conclui Fernanda Lomba. 

    Curtas brasileiros em competição em festival francês exploram legados da violência colonial

    Play Episode Listen Later Feb 9, 2024 8:22


    Dois filmes brasileiros concorrem a prêmios neste sábado (10) no encerramento da 46ª edição do Festival de Curta-Metragem de Clermont-Ferrand, na França, maior evento do gênero do mundo. Produções de 83 países estão em cartaz nas diversas mostras do festival de Clermont-Ferrand, que este ano contou com 363 filmes exibidos ao público.O título “Pássaro Memória”, sexto curta-metragem do carioca Leonardo Martinelli, disputa a Competição Internacional da mostra francesa com outros 65 filmes de 52 países. Na trama, um pássaro chamado Memória esquece como voltar para casa. Lua, uma mulher trans negra, tenta encontrá-lo nas ruas do Rio de Janeiro, mas a cidade se revela um lugar hostil.“'Pássaro Memória' é um filme que busca refletir como alguns espaços refletem uma certa violência simbólica na cidade do Rio de Janeiro, seja por uma herança colonial que ainda é representada de forma arquitetônica ou por questões de quanto aquele espaço sofre de repressão social”, disse à RFI o roteirista, produtor e diretor carioca.“A gente tenta utilizar a cidade como esse lugar que reflete essas violências. E utilizar no filme o gênero musical, que é uma forma de cinema que me atrai muito, como uma plataforma para trazer imagens um pouco diferentes do que seriam esses espaços da cidade. Isso não significa, claro, tirar a carga histórica que há neles, mas tentar trazer uma outra imagem para esse espaço e um corpo ocupando esse espaço, através de uma representação artística da dança, da música e do cinema, como uma forma de buscar, talvez, uma catarse”, explica Martinelli.A protagonista Lua sofre por não ter acesso a tantos espaços da cidade quanto outras pessoas menos marginalizadas.Aos 25 anos e sete de cinema, Martinelli tem suas produções reconhecidas e premiadas pelo público e pela crítica em diferentes festivais pelo mundo. Seu filme “Fantasma Neon” foi exibido na Competição Lab de Clermont-Ferrand em 2022, mas ele não estava presente. Desta vez, o diretor veio à França para conhecer o renomado festival internacional."Eu sou muito apaixonado pelo formato do curta-metragem, porque eu acredito que ele é uma janela própria, assim como são o documentário, a animação, a ficção", disse. Para Martinelli, o curta-metragem pode trazer outras tensões e possibilidades dentro da linguagem do audiovisual que só poderiam ser manifestadas numa duração breve.O brasileiro lamenta que o formato ainda sofra algum grau de marginalização dentro da indústria audiovisual, por não ser tão rentável. Nesse contexto, espaços como os festivais são necessários para acolher o curta como uma proposta cultural artística plena, alega.Colonização holandesaO passado colonialista e seus efeitos deletérios que até hoje marcam a sociedade brasileira também estão no centro do documentário "Até onde o mundo alcança", primeiro curta do artista visual carioca Daniel Frota de Abreu, de 35 anos. O título, selecionado entre 24 filmes na Competição Lab, faz uma condenação contundente do período da colonização holandesa no Brasil no século 17."Esse trabalho vem de alguns outros trabalhos que lidavam com história da ciência. O que me interessou nesse contexto específico do Brasil holandês foi a cultura material produzida durante esse período, (...) especialmente o primeiro catálogo da natureza brasileira", disse o diretor, que morou na Holanda e teve acesso a algumas coleções que inspiraram o roteiro do documentário.O filme denuncia a violência que marcou a passagem de Maurício de Nassau pelo Nordeste, enviado para administrar Pernambuco durante o período que os holandeses dominaram a região. Nassau, de origem germânica, patrocinou expedições de cientistas que extraíram amostras da fauna e da flora brasileiras, em um ambiente marcado pela violência, utilizadas depois para se autopromover em seu retorno à Europa."Na verdade, eram expedições de caça a escravizados", diz o diretor. "O apelido dele [Mauricio de Nassau] era 'O brasileiro'. Você vê que a função dessas coleções, não só de arte com as pinturas, mas de história natural, vira uma espécie de moeda de troca. E é assim que essas coisas também vão se dispersando na Europa. Ele começa a dar presentes. É essa espécie de diplomacia mediada por uma violência simbólica", destaca Frota de Abreu, num contexto de escravidão e muito sangue derramado nas plantações de cana-de-açúcar do Nordeste.O festival francês termina neste sábado com a entrega dos prêmios.

    Paris realiza 'Olimpíada cultural' com programação artística durante os JO 2024

    Play Episode Listen Later Feb 2, 2024 6:04


    Desde a Grécia Antiga, cultura e esporte convivem enquanto parâmetros de civilização, mas a ideia de combinar atletas e artistas remonta à criação dos Jogos Olímpicos modernos: em 1912, a escultura, a arquitetura, a literatura, a música e a pintura tornaram-se modalidades olímpicas. Embora as artes não sejam mais consideradas olímpicas desde 1949, cada edição dos Jogos inclui uma Olimpíada Cultural, evento paralelo que está incluído na Carta Olímpica, documento que enquadra a competição. Em Paris 2024, não será diferente, segundo a secretária de Cultura da capital francesa, Carine Rolland. "A Olimpíada Cultural é uma obrigação imposta à cidade-sede dos Jogos como parte do relacionamento entre a cidade-sede e o Comitê Olímpico Internacional. Ela remonta aos Jogos Olímpicos de Barcelona em 1992 e, desde então, sempre que sediamos um desses eventos olímpicos e paraolímpicos, somos obrigados a participar. Nos eventos olímpicos e paraolímpicos, as atividades culturais devem ser planejadas para acompanhar a chegada do evento. "Assim que os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Tóquio terminaram, entramos na Olimpíada Cultural de Paris 2024, que deve organizar o evento cultural além do evento esportivo. E, dentro dessa obrigação, para a prefeita de Paris, e para mim ao lado dela, essa foi uma oportunidade maravilhosa de dar vida aos Jogos por meio da cultura em uma cidade que está muito empenhada em fazer da cultura um meio de construir a sociedade", diz Rolland."Portanto, não se trata apenas de entretenimento, de dizer que durante os Jogos Olímpicos é bom ter outras atividades, além dos eventos esportivos. É uma maneira de dizer que os Jogos Olímpicos e Paralímpicos são um momento extremamente importante para Paris. Estamos fazendo tudo o que podemos para que tudo dê certo, e a cultura é parte integrante disso, e vamos fazer desta uma Olimpíada cultural a mais unificadora possível", completa a secretária de Cultura de Paris.Com Paris 2024, a cidade deseja aproveitar esses eventos culturais para "promover os vínculos entre arte e esporte, incentivar o diálogo entre territórios, ocupar o espaço público e, de forma mais ampla, reunir as culturas do mundo num mesmo evento olímpico"."Isso já está acontecendo desde o outono de 2021. Temos um grande evento artístico chamado Nuit Blanche. No outono de 2021, ela já tinha sido inteiramente dedicada à Olimpíada Cultural. Foi uma harmonia de eventos durante a noite em Paris e nos arredores, reunindo arte e esporte. Foi o primeiro grande evento a sair do papel. Desde então, muitas coisas estão acontecendo", afirma Rolland."Em outras palavras, a longo prazo, houve residências de artistas em ambientes esportivos. Isso pode ter existido no passado, mas não foi pensado de forma tão abrangente, de forma tão forte. Agora, os artistas estão se instalando em instalações esportivas e clubes esportivos. E isso dá origem a criações cruzadas que serão apresentadas na época dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos, um pouco antes, na primavera", sublinha.Desde o lançamento da Olimpíada Cultural de Paris, em outubro de 2021, a cultura foi introduzida em novos ambientes e espaços públicos, e o esporte serviu de inspiração para novas formas de expressão artística. "O mesmo vale para os jovens. Os jovens parisienses há muito tempo têm acesso a cursos de esportes durante as férias. Desde o início da Olimpíada Cultural, propusemos que um certo número desses cursos incluísse atividades esportivas e artísticas de meio período. É o chamado Paris sport, vacances et culture. E todo verão, há eventos artísticos no espaço público que combinam arte e esporte", relembra."No final das contas, o que quero dizer é que estamos realmente inventando coisas novas. Pode ser que haja um show ou outro. Veremos no próximo verão. Você já sabe o que será feito nas ruas ou praças de Paris. Estou pensando em uma grande criação do [diretor de teatro e dramaturgo] Mohamed El Khatib chamada Stadium, que está diretamente relacionada ao esporte. Então Mohamed El Khatib vai fazer o Stadium XXL, porque tudo é maior durante os JO de Paris 2024", afirma.Outros destaques da Olimpíada CulturalJean-Max Colard, curador de um dos maiores centros de arte contemporânea da capital francesa, o Centro Pompidou, contou à RFI que eventos estão planejados com a etiqueta "Olimpíada Cultural". "É claro que acho muito importante que uma instituição como o Centro Pompidou participe dos Jogos Olímpicos. É importante que as instituições culturais não estejam ausentes desse evento nacional e internacional e que não estejam simplesmente voltadas para suas próprias agendas ou seus próprios problemas, mas que também estejam abertas às grandes questões e aos grandes momentos que atravessam nossas sociedades", afirma."Implementamos um programa que já começou, pois criamos uma espécie de visita guiada às coleções uma vez por mês sobre o tema. E isso continua, agora que estamos entrando no ano de 2024. Na primavera, teremos algo extraordinário com o selo da Olimpíada Cultural, uma caça ao tesouro que estamos organizando ao mesmo tempo e em total colaboração com os cinco principais museus nacionais de Paris - o Louvre, a Orangerie, o Museu d'Orsay e o Centro Pompidou – que estão unindo forças para oferecer ao público uma “caça ao tesouro”. É uma maneira bastante interessante de trazer pessoas que se interessam por esporte. É uma forma de levar as pessoas aos museus, de fazê-las ver o local de uma maneira diferente. Também instalaremos na piazza do Centro Pompidou, uma incrível obra de arte, uma escultura do artista Raphaël Zarka. É uma escultura sobre a qual você vai poder andar de skate. Ela se chama Cycloïde Piazza e será incrível para amadores e profissionais desse esporte. E será realmente uma obra de arte no espaço público durante a Olimpíada, na praça pública do Centro Pompidou”, afirma Colard."Ainda é cedo. A realidade é que sabemos que [o programador e organizador] Thomas Joly está preparando grandes surpresas, isso é certo. Às vezes, as surpresas foram um pouco divulgadas, foram divulgadas quando não iam acontecer. Portanto, sabemos que alguns artistas foram previstos e que isso aconteceria, mas no final não será o caso das cerimônias", diz a secretária de Cultura de Paris."Quanto ao resto, nós realmente queremos uma Olimpíada cultural que esteja viva, que esteja em toda a cidade, que possa ser compartilhada. Haverá grandes destaques no palco e em outros lugares, como as cerimônias de abertura e encerramento, que serão assistidas pelo mundo inteiro. Como sabemos, haverá um público incrível para o resto. É uma experiência da cidade que estamos oferecendo naquele momento. Tem que ser algo que possa ser compartilhado por aqueles que estarão lá. Essa é a nossa prioridade", diz Rolland sobre os eventos com o selo da Olimpíada Cultural de Paris 2024.

    Festival de cinema francês online oferece dez longas e 16 curtas para internautas do mundo todo

    Play Episode Listen Later Jan 26, 2024 5:45


    Até o dia 19 de fevereiro, internautas do mundo todo terão acesso ao MyFrenchFilmFestival, que propõe, em sua 14ª edição, dez longas e 16 curtas em língua francesa. Os filmes terão legendas em 11 línguas, incluindo o português. Com parceria da RFI, a iniciativa é da Unifrance, organismo encarregado da promoção e exportação do cinema francês no mundo.  Patrícia Moribe, em Paris“O Myfrenchfilmfestival existe há quatorze anos, é um festival onde a Unifrance apresenta filmes em língua francesa em mais de 80 plataformas ao redor do mundo”, diz Daniela Elstner, diretora-geral da Unifrance.“São longas e curtas-metragens”, continua. “Quanto à seleção, mostramos caras novas do cinema francês, primeiros filmes, segundos filmes, filmes que já são um pouco reconhecidos, filmes que tiveram carreira em festivais, mas não muito expostos. Filmes que já foram lançados em outros lugares não nos interessa muito. E temos cada vez mais filmes que querem fazer parte do nosso festival, então isso significa que está funcionando”.Em muitos países, como de língua espanhola da América Latina, Oriente Médio, Rússia, Sudeste Asiático, Ucrânia e outros, o acesso é gratuito. Em outras localidades, inclusive o Brasil, cada longa custa €1,99 (R$10) ou €7,99 (R$40) pelo pacote.“Temos vários “businness models”, como se diz”, segundo Elstner. “Então temos países onde é totalmente gratuito. Mas quando dizemos gratuito, é preciso lembrar que pagamos sempre uma parte de direitos autorais. Garantimos que a criação seja paga porque senão, se não pagarmos, não há mais cultura. Então no Brasil, temos cada vez mais parceiros de plataformas, com assinantes. E como resultado, os nossos filmes são colocados em regime pago, pois já existe uma assinatura. É uma troca”, explica a diretora da Unifrance.Tributo a BirkinO cartaz deste ano faz uma homenagem a Jane Birkin (Londres, 1946 - Paris, 2023), que trabalhou como modelo e virou ícone do cinema francês e da música. Durante dez anos ela foi parceira do compositor, cantor e ator francês Serge Gainsbourg e juntos tiveram a filha Charlotte, atriz. Em “Jane B. por Agnès V.”, de 1988, Agnès Varda, nascida em 1928 na Bélgica, e falecida em 2019, em Paris, faz um retrato criativo e pessoal de Birkin.Agnès Varda foi um nome importante da nouvelle vague francesa e no ano passado foi tema de exposições nos Encontros de Arles, no Sul da França, e na Cinemateca Francesa, em Paris, que também exibiu uma retrospectiva da cineasta.O MyFrenchFilmFestival distribui várias distinções, inclusive prêmio do júri para longa-metragem, da imprensa e do público. Há duas presenças brasileiras nas premiações. A cineasta Lillah Halla é parte do júri para o melhor longa-metragem. Ela dirigiu “Levante”, premiado pela Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema) do ano passado. Já Leticia Silva Queiroz (CinePOP.com.br) faz parte do júri da imprensa internacional.

    Releitura de “As Meninas”, de Velázquez, chega à Venezuela com mensagem de união e superação

    Play Episode Listen Later Jan 19, 2024 5:21


    Da famosa tela pintada em 1656 por Diego Velázquez às ruas de Caracas. Essa tem sido a trajetória de “As Meninas”, do célebre pintor espanhol. Desta vez elas ganharam nova roupagem, em forma de escultura, através 19 releituras com motivos típicos da Venezuela natal do artista plástico Antonio Azzato. Por Eliana de Aragão JorgeAs silhuetas coloridas espalhadas pelo município de Chacao, na Grande Caracas, vêm arrebatando sorrisos em uma cidade ainda carente de cultura. É tanto o sucesso da exposição, inaugurada há poucos dias, que diariamente os venezuelanos fazem fila, mas desta vez é para ver e fotografar "As Meninas".O artista plástico Antonio Azzato mora há anos em Madri. Foi lá, durante uma visita ao Museu do Prado, ao ver um homem chorando copiosamente frente ao quadro de Velázquez, que o artista percebeu que "As Meninas" deveriam ganhar outros espaços. “Quando decidi reinterpretar 'As Meninas' o fiz porque estou convencido que [Diego] Velázquez precisava continuar transmitindo uma mensagem através de sua obra. Ele deixou no ar uma incógnita, por assim dizer, o que pintava por trás da tela? Por isso eu projeto uma Menina por meio de uma escultura em branco para que me ajude a transmitir uma mensagem através de sua silhueta”, diz.A exposição "As Meninas", através das esculturas de Antonio Azzato, começou na capital espanhola e já passou por seis edições, todas aclamadas pelo público. Desta vez o artista mergulhou fundo em suas memórias para trazer aos conterrâneos 19 versões de "As Meninas", todas inspiradas em temas de seu país natal. “Quando comecei a trabalhar na exibição, desde maio do ano passado, fiz uma lista de todos os ícones mais importantes para mim durante minha infância e me inspirei neles para criar. Por exemplo, o Ávila é a montanha onde eu ia cada manhã fazer esportes e é o pulmão vegetal da nossa cidade. O tucano que é um pássaro com umas características específicas e cores vibrantes que sempre me chamaram atenção desde crianças. Ou as araras que se transformaram em referência devido aos voos que fazem todos os dias pela capital venezuelana. Ou o Salto Angel (a maior queda d´água do mundo), lugar onde noivei. O ouro negro que é o petróleo que é a base de todas as riquezas venezuelanas”, relata.Azzato exala felicidade ao ver o resultado em solo pátrio da exposição que o consagrou no exterior. “Esta é a primeira vez com uma exposição urbana no meu país. São seis as exposições que fiz nas ruas de Madrid. Este ano estou organizando a sétima. Esta é primeira vez aqui na Venezuela e estou muito alegre, emocionado, comovido. A primeira escultura, que foi a do (cantor) Óscar de León, posicionada na Praça França, quando passei de carro por aí, as lágrimas rolaram e comecei a chorar como uma criança. A emoção é impressionante!”, diz.Uma surpresa!Não apenas o autor da obra se emociona. A venezuelana Joan Romero também aplaude a exposição. “Não (esperava). Foi uma surpresa muito bonita” Além disso dá esperança, nos anima e para que as pessoas que não conhecem que se interessem mais sobre o significado de As Meninas. Sobretudo porque temos muita conexão com a Europa, neste caso com a Espanha. Há muitas pessoas que viajam para conhecê-las e desta vez elas vieram para cá. Esta foi uma excelente iniciativa!”, pontua.As esculturas estão espalhadas pelo município Chacao, um dos mais seguros da Grande Caracas, o que sugere ao visitante caminhar pela região, uma forma de conhecer as obras e a cidade. O trabalho do artista também tem a implícita função de reconectar os venezuelanos após anos de rusgas e divisões políticas. Azzato explica esse efeito causado pelas Meninas nas ruas caraquenhas:“Venezuela vive um momento no qual as pessoas carecem de iniciativas como essas. As pessoas precisam de alegria, precisam percorrer as ruas, precisam de arte. O que mais me impactou foi ver pessoas de todo tipo de classe social aproximar-se das Meninas, conviver, ter união. União através da arte. É o que digo: a arte tem a mesma capacidade do esporte de unir as pessoas. Quando a Vinotinto (seleção venezuelana de futebol) joga se dissipam as divergências. Da mesma forma que As Meninas quando foram às ruas”, diz.Talento venezuelanoMais que adornar parte da cidade, "As Meninas" parecem sugerir aos venezuelanos que apesar da frágil situação econômica e social do país, é preciso reconhece e celebrar o talento nacional. É o que explica Richard, um jovem que grava vídeos enquanto vai conhecendo cada uma das esculturas. “Ter uma exposição que representa o trabalho de um venezuelano para nós é inspirador. Reflete muito a cultura e o talento venezuelano”, alega à reportagem da RFI.Mas Azzato não pintou sozinho todas "As Meninas" expostas na Venezuela. Ele contou com a criatividade de celebridades venezuelanas, entre elas estão jogadores de beisebol, o esporte nacional; um cantor de salsa, uma atleta e um estilista:  “As Meninas das celebridades que me acompanham que são (os jogadores de beisebol) Ronald Acuña e Gleyber Torres, (o cantor) Óscar de León, (a jogadora de futebol) Deyna Castellanos e (o estilista) Ángel Sánchez têm todas elas a mensagem implícita de que os sonhos se realizam e que há muitos venezuelanos lutando e trabalhando duro dentro e fora do país. Esse é um exemplo de que quando se quer as coisas, é possível consegui-las”.Arte, apesar da críticaPelas redes sociais surgiram críticas ao valor investido em cada uma das esculturas frente a outras necessidades do país. Mairi, uma das visitantes da exposição, destaca seu ponto de vista: “Há necessidade nos hospitais, há um gasto. Mas uma coisa não tem a ver com a outra! É verdade que há necessidade nos hospitais, mas também precisamos de cultura. Precisamos! Me parece genial! Eu adoro (essa exposição)!”, diz.A exposição que vem colorindo parte de Caracas também tem outra função além de colocar arte na vida dos transeuntes. Grande parte das esculturas serão leiloadas. A verba será destinada a instituições de apoio social. Antonio quer repetir em seu país natal a beneficência promovida onde mora. “Mais de 300 Meninas já foram para as ruas. Milhares de euros já foram arrecadados com fins beneficentes por meio de leilões dessas Meninas”, conta.A exposição "As Meninas" chega ao fim no próximo 19 de fevereiro, pelo menos no município Chacao. Mas Azzato quer levá-la a outros lugares das Venezuela e, quiçá, do mundo. “Eu quero que isso continue se replicando não só em Caracas, mas em outras cidades da América Latina. Já existem projetos e isso é o que quero: que As Meninas tenham um percurso, transmitam mensagens e que sobretudo incentivem os mais jovens para atraí-los à arte e à cultura”, conclui o artista.

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