Confira aqui as análises, entrevistas e repercussões de notícias que você pode ouvir e baixar. As reportagens +RFI propõem a cobertura de eventos importantes no mundo inteiro feita pelos repórteres e correspondentes da Rádio França Internacional.

O Brasil é o país homenageado no 30° Salon du Chocolat de Paris, a principal feira do setor no mundo, que começou nesta quarta-feira (29) na capital francesa. O cacau e o chocolate brasileiros terão um lugar de destaque, com o maior estande em 15 anos de participação no evento. Fabricantes querem aproveitar a ocasião para se posicionar no competitivo mercado europeu. O Salon du Chocolat reúne cada ano, em Paris, chocolate makers, chefs de cozinha, produtores de cacau e marcas internacionais. O evento também atrai mais de 100 mil visitantes e cerca de 200 expositores de 50 países. O objetivo dos expositores brasileiros é consolidar o Brasil como um país com qualidade e sustentabilidade na produção do cacau e de chocolates, como explica Marco Lessa, criador no Brasil do Chocolat Festival e principal promotor do produto brasileiro no Salon du Chocolat de Paris. “O Salon é importante porque você reúne aqui atores do mundo inteiro: o Japão, os Estados Unidos, a Europa”, diz, lembrando que o continente europeu produz e consome 50% do chocolate do mundo e, por sequência, o cacau também. A feira representa uma vitrine para os produtos brasileiros. “Ela dita tendências. Aqui a gente lê as tendências, mas muito mais. Traz o Brasil para protagonismo, traz o cacau brasileiro, o chocolate brasileiro, estimula as pessoas que já produzem cacau e chocolate lá”, diz. “O chocolate sempre foi considerado um produto europeu, belga, suíço, francês, e a gente aprendeu, melhorou e hoje o chocolate brasileiro ganhou uma reputação.” Com um mercado europeu cada vez mais sensibilizado sobre os impactos ambientais da agricultura e às vésperas da COP30, realizada em Belém, os produtores paraenses querem mostrar “a sustentabilidade do cacau”, diz Maria Goreti Gomes, presidente da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva do Cacau do Estado do Pará, grupo que reúne instituições públicas das esferas estadual e federal, além da iniciativa privada, cooperativas e produtores. O Estado é o maior produtor de cacau do Brasil atualmente. “Nós temos muitos cases de sucesso fantásticos com essa cultura para apresentar para o mundo”, diz. “Toda a cultura do cacau é movida pela sustentabilidade e pela questão ambiental. Na realidade, no Brasil como um todo, o cacau se sustenta pela venda das suas amêndoas, pela qualidade delas, pela sua sustentabilidade. Nós vamos apresentar para o mundo o que o cacau representa na cultura da Amazônia, na cultura do Brasil e na cultura do mundo”. A expositora e produtora de cacau Márcia Nóbrega, da Lábios de Mel Chocolates do Pará, explica que sua produção é inteiramente baseada no modelo da agrofloresta. “A minha fazenda, de 45 anos, era uma fazenda de gado e piscicultura. Nós fizemos um reflorestamento. Nós resolvemos, de 15 anos para cá, reflorestar com SAFs (Sistemas agroflorestais) de banana, cacau e açaí”, explica. “Nós colhemos toda a nossa matéria-prima da nossa própria propriedade, onde nós fazemos desde do plantio da semente até o produto que a gente apresenta aqui para vender. É uma produção, uma plantação sustentável. A gente preserva a sustentabilidade e a floresta em pé”, diz. Chocolate brasileiro abre caminho no exterior O cacau do Brasil já é conhecido e vendido mundialmente. Mas o chocolate brasileiro tem mais dificuldade de abrir espaço no concorrido mercado internacional, dominado pelos europeus. Há alguns anos, os fabricantes nacionais investem em produtos finos, de origem comprovada, “tree to bar” (da árvore para a barra) e “beans to bar” (da castanha para a barra), em que a cadeia de produção é conhecida. Alguns destes chocolates finos conseguiram abrir espaço no exterior. A marca Martinus, da Bahia, obteve a medalha de prata no Chocolate Awards, nos Estados Unidos, pelo chocolate 56% ao leite, e o bronze da Academy of Chocolate em Londres, na Inglaterra, por um chocolate ao leite de cabra. “A expectativa nossa é mostrar que o sul da Bahia, além de origem de cacau, hoje em dia também é a origem de chocolate de qualidade”, disse o dono da Martinus, Rodrigo Moraes Souza. Outra preocupação dos fabricantes de chocolate é conhecer as características do mercado europeu e tentar vencer as barreiras para se posicionar. “É difícil entrar no mercado”, diz Ariana Ribeiro, da C'Alma Chocolates de Goiânia, que participa pela primeira vez da feira. “É uma experiência para entender mercado, para entender o nosso posicionamento em mercados diferentes. Então a gente veio mais para entender. Para vender também, claro, porque não é barato estar aqui, mas para entender mercado, ver como que a gente se posiciona no mercado europeu, para tentar expandir mesmo”, diz. A expectativa de Marco Lessa é que muitas vendas e negócios sejam fechados na feira, tanto para os produtores de cacau quanto para fabricantes de chocolate. “O interesse de chocolateiros da Europa e de outras partes do mundo pelo cacau brasileiro é muito maior. Mas a gente já tem também muitos interessados em importar o chocolate brasileiro”, afirma. “Mal abriu o Salon, já houve reuniões com o Japão, com a própria Europa, querendo comprar o chocolate brasileiro”, disse. “O mundo já deseja um chocolate que preserva o meio ambiente, chocolate puro, mais verdadeiro, por razões de princípio de preservação, de saúde. Então as pessoas vão muito atrás disso”, diz.

O tema da Declaração de Saída Definitiva voltou a preocupar brasileiros no exterior após a Receita Federal anunciar o uso de inteligência artificial para ampliar a fiscalização a partir de janeiro de 2026. A medida envolve cruzamento de dados bancários, fiscais e migratórios com apoio de acordos internacionais. Advogados tributaristas recomendam a regularização e alertam para boatos que podem gerar pânico entre contribuintes. Maria Paula Carvalho, da RFI em Paris A medida visa reforçar a fiscalização sobre cidadãos que, mesmo residindo fora, continuam sendo considerados contribuintes no Brasil por não formalizarem a mudança de residência fiscal, explica Arnaud Colson, do escritório de advocacia Nivaul Costa e Colson, que tem muitos clientes entre a França e o Brasil, que fazem parte de um acordo (CRS - Common Reporting Standard) criado em 2014 pela Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE), do qual participam atualmente 120 países. “O que mudou é mais a disposição do governo brasileiro de incentivar os brasileiros a declarar sua saída fiscal", diz. "Hoje em dia, um cidadão brasileiro que mora na França e que continua com uma conta bancária de residente no Brasil, com seu endereço brasileiro, o banco brasileiro nunca vai dar os dados dessa conta para a Receita Federal", continua. "E a Receita Federal também não vai enviar os dados da conta para o fisco francês. Então, o cruzamento de dados não funciona atualmente porque a pessoa se declara como residente em ambos os países, França e Brasil", acrescenta. "Então, o governo quer incentivar os brasileiros a regularizar a saída fiscal para justamente regularizar a situação das contas correntes”, completa. A Declaração de Saída Definitiva do País (DSDP) é um documento oficial que informa à Receita que o contribuinte deixou de morar no Brasil e, portanto, não deve mais ser tributado sobre rendimentos mundiais. Nesse caso, apenas rendimentos de fontes brasileiras continuam sujeitos à tributação no país. Ela é obrigatória para quem passou 12 meses consecutivos fora do Brasil, sem retorno permanente. O prazo é até fevereiro do ano seguinte à mudança de país. Antes, é preciso fazer a Comunicação de Saída Definitiva (CSDP), disponível de forma gratuita no site da Receita. No entanto, o governo estima que muitos brasileiros, residentes principalmente nos Estados Unidos e no Japão, não tenham formalizado a sua saída definitiva. Consequências para quem cair na malha fina Sem esse procedimento, a Receita poderá cobrar impostos sobre rendimentos obtidos no exterior, resultando em bitributação, ou seja, pagamento de impostos no Brasil e no país de residência, alerta o advogado. “No direito, esse comportamento de não declarar sua saída fiscal não é um crime", diz Arnaud Colson. "Agora, pode acontecer uma situação de bitributação. Por exemplo: se uma pessoa tiver investimentos no Brasil, a tributação da renda desses investimentos pode ser isenta se ele for não residente. Mas se ele for residente, ele tem que pagar uma alíquota de 15%. Bom, se ele continua como residente, ele vai pagar 15% no Brasil e 30% na França. Além disso, a França poderia considerar que se você paga 15% no Brasil e não deveria pagar, isso não é meu problema, porque normalmente você não pode ter dupla residência”, conclui. Além disso, a omissão da saída fiscal pode gerar cobranças retroativas, restrições bancárias ou até problemas com documentos ou heranças. Pela lei, quem não fizer a Declaração de Saída Definitiva continua sendo considerado residente fiscal no Brasil, tendo de prestar contas anualmente no Imposto de Renda. Porém, mesmo para quem já mora fora há anos, é possível fazer a regularização de forma retroativa, explica a advogada internacional Kelli Menin. "Quanto tempo que ela precisa fazer retroativo? A Receita Federal pode fazer a cobrança dos últimos cinco anos. Então, no limite de cinco anos, você pode fazer uma declaração retroativa", orienta. "Você vai precisar de um comprovante da data da saída, qualquer coisa que comprove, como, por exemplo, o passaporte carimbado, o visto, a passagem, a residência fiscal, o contrato de trabalho no exterior, a declaração de imposto no exterior. Tudo isso comprova que você não está mais no Brasil, que você tem um vínculo fiscal em outro país", observa. Se o contribuinte tem dúvida se deve ou não fazer a saída fiscal, a recomendação é buscar orientação de um profissional especializado para evitar complicações legais. Os problemas podem acontecer também no país de residência, como por exemplo aqui na França. “O governo da França pode cobrar três anos de multas, juros de quem não fez uma declaração, de quem tem uma irregularidade", diz Kelli Menin. "Porém, na lei fiscal da França, tem uma previsão sobre os estrangeiros. E essa previsão diz que todo estrangeiro que não declarar a sua renda, a sua conta bancária no exterior, ele é já de pronto considerado como de má-fé. E ele pode ser multado em até dez anos”, afirma. Com o endurecimento da fiscalização e o compartilhamento de dados entre países, a formalização da saída fiscal passa a ser essencial para evitar problemas financeiros e legais no futuro. “Perder um CPF? Não. Agora, a Receita Federal Brasileira pode sim vir a bloquear temporariamente o documento de uma maneira para obrigar o contribuinte a regularizar a situação junto à Receita", alerta. Outras dificuldades enfrentadas por quem cair na malha fina podem incluir restrição no uso de contas bancárias, recebimento de aluguéis, venda de bens no Brasil ou mesmo para emitir um novo passaporte brasileiro.

Em mais um dia de compromissos em Paris, a primeira-dama Janja Lula da Silva participou, nesta terça-feira (21), do seminário Diálogos Transatlânticos, realizado pela associação Autres Brésils na Universidade Sorbonne. O evento teve como objetivo promover o debate sobre estratégias de transformação ecológica, abordando temas como transição energética, educação ambiental e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), elaborados pela ONU. Tatiana Ávila, da RFI em Paris Em seu discurso de abertura, a primeira-dama, que é embaixadora dos ODS no Brasil e enviada especial para Mulheres na COP30, admitiu estar nervosa com a proximidade do evento, que começa no próximo dia 10 de novembro, em Belém, no Pará. Ela falou à RFI sobre suas expectativas: “Estou nervosa porque é um evento muito importante não só para o Brasil, mas para a humanidade. É o momento em que a gente precisa virar a chave, para realmente buscar soluções para as mudanças climáticas e para que o impacto seja efetivamente reduzido. Para que a gente possa ter uma redução da temperatura do planeta de forma mais consistente, o que ainda não conseguimos. E é o Brasil que está recebendo, então, como todo evento, a gente tem momentos de ansiedade. Mas, como diz o meu marido, vai dar tudo certo e vai ser a melhor COP que já aconteceu”, disse. Janja também comentou a recente liberação para pesquisas de exploração de petróleo em alto-mar na região amazônica, decisão amplamente criticada por especialistas, principalmente às vésperas da conferência sobre mudanças climáticas. Para ela, é preciso confiar no trabalho que vem sendo realizado pelos ministérios envolvidos: “Acho que há um trabalho muito grande do Ministério do Meio Ambiente e do de Minas e Energia para que se tenha segurança nessa pesquisa. Ainda não é exploração, são pesquisas que vão ser feitas. Não podemos negar a importância que os combustíveis fósseis têm para o desenvolvimento do país. Mas, em paralelo a isso, o governo tem trabalhado fortemente numa transição energética justa. Temos caminhado e temos propostas importantes conduzidas pelo ministro Haddad e pela ministra Marina Silva na questão da transição energética”, opinou. Enviada especial para Mulheres Durante o seminário, ao comentar as ações que vem realizando como enviada especial para Mulheres na COP30, a primeira-dama falou sobre o contato que tem tido com comunidades periféricas e ribeirinhas, e sobre a conscientização desses grupos quanto à proteção do meio ambiente. Ela afirmou, inclusive, ter convidado a primeira-dama francesa, Brigitte Macron, para participar do evento e realizar, com ela, uma visita a essas comunidades no Pará. Por ora, Janja ainda aguarda a confirmação da esposa de Emmanuel Macron. Deputada reprova governo francês Além de abrir o encontro, Janja participou também de um dos painéis, que discutiu a agenda mundial e a mobilização popular diante da crise ambiental. Integraram o debate a deputada francesa Aurélie Trouvé, do partido A França Insubmissa (esquerda radical), a doutoranda indígena Rossandra Cabreira e o secretário-executivo da Presidência da República, Lavito Bacarissa. A deputada francesa criticou o posicionamento do governo do país no tratamento das questões climáticas. Segundo ela, o presidente Emmanuel Macron está cada vez mais próximo da extrema direita, grupo político que, de acordo com ela, tem dois inimigos: “os estrangeiros e o meio ambiente”. “Hoje, a França já não é capaz de reduzir suas emissões de gases de efeito estufa. Em 2025, há uma estagnação dessas emissões, quando, na verdade, seria necessário reduzi-las drasticamente”, declarou. Críticas ao governo Bolsonaro e solidariedade ao povo palestino Ao longo do painel, Janja também criticou as ações de “retrocesso do governo passado”. Segundo ela, “se não fosse a sociedade civil e a academia, teríamos tido retrocessos significativos. Tivemos retrocessos, mas a sociedade civil conseguiu ‘segurar a onda'”, afirmou. A primeira-dama ainda falou sobre o uso da fome como arma de guerra e prestou solidariedade ao povo palestino: “Que esse acordo de paz realmente aconteça para que a gente não testemunhe mais os horrores da fome e de crianças assassinadas”, disse. Após o encontro na Sorbonne, Janja seguiu para a Indonésia, onde se encontra com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em visita de Estado pela Ásia. Participaram ainda do evento o embaixador do Brasil na França, Ricardo Neiva Tavares, o comissário da Temporada Brasil-França, Emílio Kalil, o diretor-geral brasileiro da Itaipu Binacional, Enio Verri, além de especialistas, pesquisadores, representantes da sociedade civil, jornalistas e estudantes universitários do Brasil e da França.

A força da liderança feminina na Amazônia e a urgência de ações imediatas para salvar a floresta ganham projeção global com YANUNI. O documentário mostra a luta diária de Juma Xipaia, cacica da aldeia Kaarimã, que está na linha de frente do movimento indígena. Produzido por ela em parceria com Leonardo DiCaprio e dirigido pelo austríaco Richard Ladkani ('Perseguição em Alto Mar', 'O Extermínio do Marfim'), o longa revela a resistência de uma mulher que enfrenta ameaças constantes enquanto luta pela preservação de seu território e pela proteção ambiental. O filme tem percorrido importantes festivais internacionais, incluindo o de Tribeca, em Nova York, onde fez sua estreia mundial, e o de Jackson Wild Media Awards, onde ganhou o grande prêmio, considerado o ‘Oscar do cinema de natureza'. O longa está na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e foi a produção que abriu, nesta semana, o Los Angeles Brazilian Film Festival (LABRFF). Juma, seu marido, Hugo Loss (agente do Ibama), e o diretor do documentário vieram para o Labrff e conversaram com a RFI. “YANUNI traz uma narrativa do nosso movimento indígena, da nossa luta, resistência pela demarcação dos nossos territórios e esse enfrentamento diário que a gente faz, esse processo de resistência que não é fácil, sobretudo para nós mulheres indígenas, lideranças. Mas também ele é um chamado para a ação", diz Juma. "Não somente de resistência, mas de esperança, inovação e muita inspiração." A cacica acredita no poder de mobilização da obra – que ao assistir ao filme, o público "se levante e venha para a ação conosco, povos indígenas”. Em 2016, aos 24 anos, Juma se tornou a primeira mulher a assumir o cargo de cacique do povo Xipaya, na região do Médio Xingu. Ela sobreviveu a seis tentativas de assassinato por enfrentar garimpeiros, grileiros e corporações multinacionais que ameaçam suas terras ancestrais. Atualmente, é cacica da aldeia Kaarimã, no município de Altamira, no Pará, além de ser uma das secretárias do Ministério dos Povos Indígenas. “Eu não posso esquecer do lema do governo passado, que era de ocupar para não entregar. Era terra sem homem para homem sem terra, sendo que lá nós já existíamos. Havia vários povos habitando, existindo e defendendo essa floresta com as nossas próprias vidas. A gente já faz isso há muitos séculos", argumenta. Juma observa que o colapso climático colocou a Amazônia em evidência, mas, para muitos, a floresta ainda é vista como um produto a ser explorado. "Não somente a Amazônia, mas os nossos corpos, as nossas culturas e os nossos territórios. E eu acredito que não basta falar somente na proteção da Amazônia. É preciso agir, é preciso proteger quem protege", salienta a cacica. O parceiro de Juma, Hugo, é servidor do Ibama há mais de uma década. Em 2020, chegou a ser exonerado pelo governo de Jair Bolsonaro, por ter participado de operações de repressão a crimes ambientais e garimpo ilegal em terras indígenas. “Muito se fala sobre o desmatamento, as questões climáticas e tudo, mas esse filme teve a capacidade de mostrar como é o dia a dia de quem está lá, no coração da Amazônia, fazendo o combate à mineração ilegal e ao desmatamento e mostrando todas as dificuldades que se enfrenta ao fazer isso”, conta Loss. Na direção O cineasta Richard Ladkani, conhecido por se dedicar a filmes que abordam temas ambientais, de justiça social e proteção de espécies ameaçadas, lembra o momento em que viu na TV a Amazônia queimando – a sua inspiração para o documentário. “Eu pensei que precisávamos de uma nova história, um novo filme, para contar uma nova história também. Eu estava procurando uma pessoa que pudesse nos dar esperança, uma liderança forte, e eu gostaria de amplificar essa voz. Encontrei essa voz em Juma, uma liderança incrível, e ela me deu a oportunidade de estar com ela, de contar a história dela", relata. "Estou muito feliz porque não foi fácil essa parte de conseguir a confiança. Durante muitos anos, filmei eles em situações muito íntimas também, muito perigosas às vezes, mas foi importante amplificar essa voz para que todo o mundo possa ver essa história incrível”, diz o diretor. Ladkani também está terminando um outro filme sobre a amiga pessoal, cientista e ativista global Jane Goodall, que morreu no início de outubro. Durante as filmagens de YANUNI na Amazônia, Jane foi à floresta, um sonho antigo, e conheceu Juma Xipaia e também a sua bebê, que dá nome ao documentário brasileiro. Durante a estreia em Los Angeles, Yanuni, agora com dois anos, também brilhou no tapete vermelho. O filme entrará em breve em cartaz nos Estados Unidos, para se qualificar e ser inscrito para concorrer ao Oscar de 2026.

O manto sagrado contemporâneo dos Tupinambá chega pela primeira vez a uma galeria de arte, na França. A exposição, com obras de Glicéria Tupinambá, artista, ativista dos direitos indígenas e doutoranda em antropologia, acontece na Galeria Ricardo Fernandes, em Saint-Ouen, ao norte de Paris. Patrícia Moribe, da RFI em Paris Reconhecida como uma das figuras mais importantes da arte contemporânea indígena no Brasil, Glicéria une arte, espiritualidade e ativismo cultural, com foco na preservação da memória de seu povo. A inspiração para o projeto Céu Tupinambá surgiu de uma experiência pessoal da artista durante um período de detenção, em 2010, quando lutava pela demarcação de seu território. Ao observar uma criança dançar para o céu, Glicéria passou a buscar o conhecimento ancestral que foi apagado. Ela explica que o projeto visa resgatar saberes silenciados pela colonização. "Os Tupinambás sabiam nomear todas as constelações, como as Três Marias, o Caminho da Anta, essenciais para a navegação e as caminhadas. Eu pesquisei para mostrar que o nosso céu também foi colonizado e catequizado", afirma. A instalação gira em torno da visão tupinambá do céu e da terra, com o manto tupinambá como seu ponto central. Glicéria realiza uma extensa pesquisa sobre as capas cerimoniais sagradas de seu povo e, em 2024, representou oficialmente o Brasil na Bienal de Veneza. Agora, pela primeira vez, um de seus mantos contemporâneos—resultado de um trabalho coletivo envolvendo mulheres, crianças e anciãos—é exibido em uma galeria de arte. "Essas trocas são muito importantes dentro desses espaços, porque há uma peça que pode falar, mas há também quem não sabe ouvir", diz a artista. Cosmovisão tupinambá O curador Ricardo Fernandes explica que a exposição permite aos visitantes compreender a cosmovisão tupinambá. "Eles poderão apreciar o manto sagrado pela primeira vez em uma galeria de arte e entender a interpretação do povo Tupinambá sobre o espelhamento do céu e da terra, onde a terra é representada no céu", afirma. Fernandes destaca o ineditismo de apresentar um manto criado pelas mulheres da comunidade, dado o contexto patriarcal da estrutura social tupinambá. "É a primeira vez que mostramos o manto feito por mulheres da comunidade. É uma experiência muito forte, pois falamos de uma comunidade patriarcal", salienta. Ao assumir a liderança como pajé (xamã), Glicéria redireciona as hierarquias tribais, já que o manto tradicionalmente era feito para o pajé, uma figura masculina, complementa Fernandes. Além do manto central, a exposição também exibe as "mantas", que representam a pré-organização ou preparação do manto sagrado. A mostra “Céu Tupinambá”, de Glicéria Tupinambá, está aberta ao público até 10 de novembro, na Galeria Ricardo Fernandes, no Marché Dauphine em Saint-Ouen, integrando a programação do Ano do Brasil na França 2025.

O livro Brésil 1500-1549: Les premières cartes récits & témoignages (Brasil 1500-1549: primeiros mapas, relatos e testemunhos) é uma coletânea de 12 textos primordiais, ilustrados com imagens de época, que abordam a chegada dos europeus e os primeiros contatos com os povos originários. A publicação propõe uma releitura crítica desses relatos e imagens, aprofundando o olhar para revelar estratégias de sobrevivência dos indígenas. Segundo a carta de Pero Vaz de Caminha, os portugueses chegaram ao Brasil em 22 de abril de 1500. Esse texto inaugural do "achamento" da nova terra pela armada de Pedro Álvares Cabral acaba de ser republicado na França pela editora Chandeigne & Lima. A carta, endereçada ao rei Dom Manuel I de Portugal, abre a coletânea. Brasil 1500-1549 é uma reedição ampliada e ilustrada do livro A Descoberta do Brasil, publicado em 2000 também pela Chandeigne & Lima. A nova edição conta com um prefácio inédito de Ilda Mendes dos Santos, professora da Universidade Sorbonne Nouvelle – Paris 3. As ciências sociais e históricas evoluíram nos últimos 25 anos, e a mudança do título se mostrou necessária. A leitura contemporânea identifica, nessas narrativas, estratégias de sobrevivência dos povos indígenas. “Falar em descoberta, ou mesmo usar a palavra encontro, suscita dissonâncias e polêmicas, pois desde 2000 houve um intenso trabalho nas ciências sociais e históricas para restituir o lugar daqueles que foram colonizados e escravizados. Por isso, pensamos a complexidade em construção, para recuperar também parte da ação, da reação e da ponderação dos povos contactados, que os textos também revelam”, explica a organizadora Ilda Mendes dos Santos. A coletânea traz a tradução para o francês de 12 relatos, cartas e ilustrações. Os documentos expressam, além das imagens de uma terra paradisíaca e de indígenas dóceis, ambivalências, perplexidades, fascínio, medo, violência e ironias sobre as primeiras décadas da presença portuguesa e o contato fatal, mas irreversível, com os povos originários. Tudo é filtrado pelo olhar europeu. As ilustrações, gravuras de época e mapas, de impressionante precisão, dialogam com os textos. As imagens trazem clichês e fabulações, mas também indícios dos saberes indígenas. “Há uma escola brasileira de cartografia que está revisitando o que esses mapas dizem. Não devemos ver essas imagens apenas como ilustrações ou fabulações ocidentais. É preciso analisar os corpos, as tatuagens, os gestos. Ver também a complexidade da nomeação dos indígenas, que podem estar representados por artefatos ou pinturas corporais. Essas representações dizem algo que foi observado, e é importante lembrar que nossos saberes estão sempre em construção e devem ser constantemente confrontados”, salienta. O primeiro francês a desembarcar no Brasil Entre os 12 textos, está o relato da viagem do francês Gonneville a Santa Catarina, em 1503, que teria sido o primeiro francês a desembarcar no Brasil. Como outras nações, a França contestou a divisão do mundo entre portugueses e espanhóis estabelecida pelo Tratado de Tordesilhas e enviou, desde os primeiros anos do século XVI, expedições à costa brasileira. No entanto, a historiografia atual questiona a veracidade da viagem de Gonneville. O texto pode ter sido uma ficção criada no século XVII, mas Ilda Mendes dos Santos optou por mantê-lo na coletânea por ter alimentado o imaginário histórico e cultural da relação França-Brasil. O relato da viagem de Paulmier de Gonneville, que teria trazido para a França o primeiro indígena brasileiro, virou livro de sucesso, inspirou filmes, como o curta Uns e Outros, de Tunico Amâncio, e é celebrado em Santa Catarina. “Os registros cartográficos e os testemunhos dos primeiros contatos franceses com o Brasil datam apenas de 1520, e não de 1505, como dizia Gonneville. Apesar disso, o que o relato diz sobre esses primeiros contatos é plausível. E mais: esse texto abriu um imaginário, uma história em Santa Catarina. Não é apenas uma filiação folclórica. Temos comemorações desde o século XIX, mas sobretudo nos últimos 21 anos. Isso também precisa ser levado em conta”, defende. Nomes múltiplos Novo Mundo, Ilha de Vera Cruz, Terra de Santa Cruz, Terra dos Papagaios, Canibais, Terra do Brasil. No início, o território recebeu muitos nomes. A impressão e circulação desses primeiros relatos e ilustrações desde o século XVI foram fundamentais para consolidar o nome “Brasil”, oriundo da principal riqueza local, e para construir um imaginário coletivo sobre a terra conquistada pelos portugueses. A coletânea termina com a carta do primeiro governador-geral do Brasil, Tomé de Sousa, ao rei Dom João III, que marca o início de uma verdadeira política de colonização. E hoje? Citando o filósofo e ambientalista indígena Ailton Krenak, Ilda Mendes dos Santos desenvolve a tese do "eterno retorno do encontro". “Quando Ailton Krenak fala do ‘eterno retorno do encontro', ele aponta que o texto de Caminha, o texto de Vespúcio, revelam essa ambivalência do contato, que pode ser mortal, mas que também continua até os dias de hoje. O Brasil é muita terra (...) ainda muito injustiçada, muito desigual, muito violenta, e é o que dizem esses processos descontínuos”, conclui Ilda Mendes dos Santos. Brasil 1500-1549 foi publicado em francês pela editora Chandeigne & Lima, em formato de livro de bolso, com o objetivo de facilitar a circulação dos textos essenciais sobre o início do contato entre europeus e povos originários.

Serão mais ou menos 3.500 quilômetros pedalados, do Rio de Janeiro até Belém, entre biomas e intempéries, com paradas no caminho para explicar a crianças e adolescentes o que é a mudança do clima, como ela afeta o dia a dia das comunidades e por que a COP30, em novembro, é importante. A ideia da expedição do geógrafo carioca Leandro Costa surgiu durante a pandemia, quando ouviu falar pela primeira vez de ciclistas ativistas mundo afora, que pedalavam em torno das várias edições da Convenção do Clima. Vivian Oswald, correspondente da RFI no Rio de Janeiro Para Leandro Costa, o trajeto era evidente: saía do berço da Eco-92, que assistiu quando era adolescente, primeira de todas as COPs, até a sua versão amazônica. Da estrada, ele conversou com a RFI quando estava em Paraopeba, em Minas Gerais, já entrando no Cerrado. "Eu vi que a bicicleta era um grande fomentador de boas histórias. Porque onde você para com a bicicleta, em qualquer classe econômica ou faixa etária, perguntam de onde você está vindo, para onde você está indo. Ela abre portas no sentido de não ter barreiras. Ela destrói todas as barreiras", diz. Com muita disposição, um punhado de bananas, bananadas, paçocas e muita água, Leandro tem percorrido uma média de 80 quilômetros por dia, o que, a depender das condições do trajeto, dá algo em torno de quatro a seis horas de pedal. Já pegou temporais, testemunhou queimadas e pedalou sob o sol escaldante, trocou pneu e câmaras de ar. Ele sai cedo, por volta de 6 horas para poder chegar nas localidades perto da hora do almoço. Os encontros acontecem de várias formas. Leandro bate na porta das escolas ou, agora que começa a ser conhecido, é convidado por prefeituras e professores. Ele procura se alimentar bem e foca no descanso. O maior desafio é a cabeça. "Você fica às vezes quatro, seis, oito horas pedalando sozinho, com sol, com chuva – já peguei muita chuva até o momento. Tem horas que você para e pensa: por que estou fazendo isso. Quando você acorda cedo 4h30, 5h, para sair com o sol nascendo, pensa: por que fui inventar de fazer isso?", confidencia. Em pouco tempo, vem a resposta. "Depois que você está sentado na bicicleta, vendo esse interior do Brasil maravilhoso, com as paisagens maravilhosas, as pessoas que há nesse interior do Brasil, você vê que tudo vale à pena", garante. Retorno à faculdade A aventura começou bem antes da largada, em 2017, quando o então analista de sistemas passou a achar monótono o ambiente de trabalho e resolveu mudar de vida. Aos 42 anos, se encontrou na universidade para cursar Geografia. Essa expedição, aos 50, é a prova de que buscava algo novo. Essa viagem representa, de acordo com o carioca, um divisor de águas em sua vida. "Eu já venho num processo de transição de carreira, de analista de sistemas para educador ambiental e climático, e queria fazer um coisa que impactasse positivamente a vida das pessoas por onde eu passasse", afirma. Nesse contexto, falar que está saindo o Rio de Janeiro para chegar a Belém do Pará de bicicleta, algo muitas vezes inimaginável para as pessoas, é um sonho realizado, que "pode gerar um sonho para elas também', destaca. Pode parecer complicado, mas o que Leandro quer é simples. "Que as pessoas possam ter um pouco de entendimento sobre a sustentabilidade, os objetivos de desenvolvimento sustentável – os ODSs de que a gente tanto fala", diz. Ele leva seu conhecimento para territórios remotos, para ajudar os moradores a entender a necessidade de adotar práticas sustentáveis. "As pessoas não têm um mínimo entendimento para saber que um alagamento na rua delas, por causa de um evento climático extremo, está sendo negociado na COP”, afirma. O objetivo da expedição é estimular uma análise crítica e promover mudanças de comportamento e estilo de vida em populações que podem aprender a reduzir os impactos ambientais. Leandro levou um ano e meio para conseguir os patrocínios que o levarão ao centro das discussões climáticas em novembro. Ele contou com o aceno imediato do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Piabanha em Petrópolis, cidade onde foi criado, e, depois de centenas de contatos, das Embaixadas da Bélgica e da Holanda. O ativista ainda foi aceito pelo movimento COP30 Bike and Ride, dos ciclistas que saíram do Azerbaijão, onde aconteceu a COP anterior, e vão fazendo trechos de 100 quilômetros até chegar a Belém.

A fotografia brasileira é um dos principais destaques da 22ª edição do festival de fotografia Photaumnales, que reúne mais de 50 exposições em Beauvais e na região de Hauts-de-France, ao norte de Paris. O tema “Habitar” convida à reflexão sobre a complexidade da moradia, transcendendo o simples ato de residir para abordar questões como sentido, memória e vínculo com um lugar. Patrícia Moribe, enviada especial ao festival Photaumnales Em plena temporada França-Brasil 2025, o diálogo com o Brasil é privilegiado no festival Photaumnales, com várias exposições de artistas brasileiros — ou franceses, como o renomado Lucien Clergue, que documentou a nova capital Brasília no início da década de 1960. As imagens do nascimento da capital dividem espaço no Parc du Châtellier, em Clermont-de-l'Oise, com as fachadas coloridas de casas térreas registradas por Anna Mariani (1935–2022), que construiu um rico acervo de arquitetura popular de todo o Brasil, reunido na série “Pinturas e Platibandas”. O trabalho de Mariani ganhou projeção internacional após ser exposto na Bienal de São Paulo de 1987. Sua filha, Daniela Moreau, veio apresentar a obra da mãe ao público francês. “Acho importante essa redescoberta. É um trabalho muito relevante, que tem mais de 40 anos”, explica. Ainda no mesmo espaço verde, Mateus Gomes expõe “Escombros”, que aborda os impactos da exploração de minério de ferro e petróleo em Campos dos Goytacazes, no norte do Rio de Janeiro. “É um trabalho em que retorno com esses agricultores e seus familiares aos lugares onde moravam e de onde foram desapropriados por meio de uma lei válida, mas aplicada de forma equivocada.” Para o artista, era importante dar visibilidade ao descaso do poder público. “Na época, Sérgio Cabral, então governador do estado do Rio de Janeiro, e Eike Batista, dono do porto, chegaram a ser presos e admitiram que houve corrupção.” Mateus Gomes usou as fotografias como apoio ao seu trabalho de conclusão de curso em Direito. “Existe uma interdisciplinaridade entre a fotografia e várias áreas do conhecimento, como psicologia, sociologia, geografia e direito”, explica, enfatizando a “importância da pesquisa nas ciências sociais para desenvolver um trabalho artístico relevante”. Japão, Brasil, Bolívia, França Com uma abordagem distinta, Tatewaki Nio apresenta seu projeto “Neo-Andina” em Beauvais, focalizando a arquitetura de El Alto, na Bolívia, especialmente os edifícios conhecidos como "cholets". Nio explicou que sua intenção, ao documentar essas casas de eventos, majoritariamente construídas pelos Aimaras, é ir além da estética. “Meu interesse não é focar apenas no exotismo, mas trazer o aspecto econômico, fotografar as casas decoradas no meio dessas construções de tijolos vermelhos ao redor.” Nio nasceu no Japão, mas se considera um “fotógrafo brasileiro”, pois foi no Brasil — onde vive há quase 27 anos — que passou a exercer a fotografia de forma profissional. Seu projeto “Neo-Andina” recebeu o conceituado prêmio de fotografia do Museu do Quai Branly, em Paris, em 2016. Uma imagem da série foi escolhida para ilustrar a edição deste ano do Photaumnales, em cartazes e panfletos. A fotógrafa catarinense Andrea Eichenberger também participa das Photaumnales com duas exposições: “Translitorânea”, em Erquery, e “Pequena Enciclopédia Sociopolítica Ilustrada do Brasil Contemporâneo”, em Noyon. O festival tem direção artística de Fred Boucher, curadoria associada de Emmanuelle Halkin e colaboração da associação Iandé, dedicada ao apoio à fotografia brasileira na Europa.

"Você sabe o que faz os produtos de luxo franceses serem admirados e reconhecidos no mundo inteiro?" Em parte, é porque essa indústria se apoia na originalidade e em um forte trabalho artesanal. Essa fonte inesgotável de criatividade e expertise tornou-se um símbolo de sofisticação e elegância atemporal. Porém, há uma escassez de mão de obra no setor, e as empresas tentam atrair novos interessados. Um evento que vai até domingo (5), no Grand Palais, em Paris, permite ao público conhecer essa verdadeira arte, transmitida de geração em geração. Maria Paula Carvalho, da RFI em Paris. Em um mundo globalizado, onde a produção em massa ganha cada vez mais espaço, o artesanato continua sendo um pilar essencial da indústria do luxo na França. Aqui, os artesãos que dominam técnicas tradicionais são os guardiões de uma herança em que cada gesto é executado com paixão, em busca da perfeição. É o que explica Fabien Lauch, que trocou o antigo emprego em comunicação para esculpir cristais: "É preciso ser delicado, minucioso, paciente, mas o resultado final é magnífico. E cada vez que vemos o resultado, nós dizemos: é realmente uma profissão bonita." Ele utiliza uma lixa especial para fazer os diferentes motivos que decoram os copos da marca St-Louis, que tem 430 anos de história. Fabien conheceu a profissão por intermédio de um amigo e decidiu seguir a carreira: "Desde pequeno eu sou bastante manual. Então, eu fiz uma reconversão. Antes eu era agente de comunicação e quis fazer alguma coisa com as minhas mãos." Magalie Yin ensina os pontos de costura usados na marca de sapatos J.M. Weston, fundada em 1891. Para confeccionar um modelo da marca, são necessárias 180 etapas. "Eu adoro trabalhar com as mãos, tocar a textura do couro, fabricar coisas", ela diz em entrevista à RFI. "O que me deixa orgulhosa é ver o resultado final do trabalho." A famosa porcelana de Limoges toma forma nos moldes manuseados por Antoine Bouby, artesão da empresa Bernardaud, fundada em 1863. "E agora nós tiramos do molde e aí está. Temos uma flor, você pode ver que o gesso absorveu toda a água da porcelana, o que faz com que possamos manipulá-la", mostra à reportagem. "Nos trabalhos manuais como este, é preciso ter paixão. É algo que só se faz com o coração." Depois, a peça vai ao forno e é pintada. "Isso que estamos mostrando é uma ínfima ideia de tudo o que podemos fazer com porcelana", diz ele, que não sente que está trabalhando, mas sim desfrutando do que faz. "Quando trabalhamos um longo tempo num projeto — dois meses, seis meses, até um ano ou dois — e vemos a peça sair do forno, é uma sensação incrível." Antoine conta que o trabalho de artesão chegou a ser "denegrido" há 20 ou 30 anos, como algo destinado a quem não tinha formação acadêmica. Hoje, a situação é outra: "No fim do dia, nós fizemos alguma coisa, é concreto", ele diz. "Há gente que fez grandes estudos e agora retorna aos ateliês." Um mercado que precisa recrutar Seja na criação de louças, roupas ou acessórios, o trabalho manual está presente em tudo. No mercado do luxo, os profissionais usam as mãos para criar peças únicas e sob medida. Bordadeiras, chapeleiras... todos trazem um toque de elegância artesanal a cada criação. Essas tradições são cuidadosamente preservadas para garantir a qualidade excepcional dos produtos acabados. Ao todo, 32 empresas exibem seus ateliês no Grand Palais, em Paris, assim como 18 escolas de excelência da França nas áreas de Moda, Artesanato e Design. Sob a cúpula de vidro deste monumento do fim do século XIX, centenas de artesãos demonstram sua destreza diante dos olhos atentos do público. "O evento Les Deux Mains du Luxe é destinado a provocar a vocação nos jovens e adultos em reconversão, porque faltam 20 mil artesãos na França para os próximos cinco anos", explica Bénédicte Epinay, diretora do Comitê Colbert. "É importante dizer que estas profissões não são exercidas por falta de opção, mas por escolha", completa a executiva do grupo que reúne 98 marcas de luxo e organiza o evento. "O artesanato de arte é a coluna vertebral da indústria do luxo que o mundo inteiro deseja." Bénédicte Epinay explica que a média de idade dos artesãos atualmente é de 55 anos. Mas ela alerta: para assumir um posto numa empresa de luxo, são necessários de cinco a dez anos de formação. "O artesanato de arte é a coluna vertebral da indústria do luxo que o mundo inteiro quer. Sem o artesanato, não há indústria do luxo. Então é preciso preservar essas profissões." "A maioria das Maisons do Comitê Colbert nasceu no começo do século XIX. Já passaram por crises econômicas, guerras e novas invenções. É nossa responsabilidade hoje transmitir novamente essas técnicas aos jovens que chegam ao mercado de trabalho." A RFI conversou com Lou Stepnewisky, estudante, sobre o interesse dos jovens nesse tipo de profissão. "Infelizmente, eu não acho que o artesanato interesse muito aos jovens hoje em dia", diz. "É muito legal ver eventos como este, em que podemos ver como eles trabalham e visitar tantos ateliês." Patrimônio francês Apurar uma fragrância ou fazer um simples laço no frasco de um perfume clássico exige técnica, como explica Didy Duchesme, artesã da perfumaria Guerlain. Ela mostra os detalhes da embalagem do centenário Shalimar: "Queremos mostrar aos jovens que estes trabalhos existem, que podemos lhes transmitir e tentamos passar o gosto e o interesse de exercer essas profissões que fazem parte do patrimônio francês." Antes, ela trabalhava na hotelaria, mas também decidiu fazer uma reconversão profissional e, oito anos depois, não se arrepende: "Eu aprendi um bom trabalho que me dá muito prazer e eu tento ser fiel aos meus clientes." As casas de luxo estão divididas em sete áreas temáticas: Louças, Couro, Decoração, Gastronomia e Hospitalidade, Joias e Relógios, Moda, Perfumes e Cosméticos. "Na Hermès, a maior parte das técnicas é feita à mão", explica Alice, que trabalhava com couro para confeccionar bolsas famosas diante dos olhos curiosos do público. "Não é difícil, nós temos as boas ferramentas e a formação completa, mas tem que amar esse trabalho com couro." Em parceria com o jornal Le Monde, o evento também oferece uma série de conferências que enriquecem a experiência da visitação com depoimentos, master classes e debates sobre design, o futuro das profissões de luxo, formação e trajetórias de carreira. Ao preservar essa herança artesanal, a moda francesa continua a inspirar e surpreender o mundo.

A primeira edição da Feira Internacional de Arte Urbana e Contemporânea Spera é realizada no espaço Beffroi de Montrouge, ao sul de Paris, até este domingo (5). Dentro da Temporada França-Brasil 2025, a cena artística brasileira é homenageada no evento, que acolhe célebres galerias e representantes do street art nacional. Daniella Franco, da RFI em Paris No total, 40 galerias e mais de 100 artistas vindos do mundo inteiro se encontram neste espaço de mais 1.000 m2 de exposição, entre eles as galerias Alma de Rua e A7MA, além de nomes como Tinho, Enivo, Andre Mogle, Rafael Sliks, Fefe Talavera, célebres representantes da arte urbana nacional. A ideia de criar o evento nasceu há cerca de três anos, quando um dos idealizadores da Spera, Gary Laporte, fundador da agência Naga Creativo, pensou em uma feira que fosse além do objetivo da aquisição de obras. "Eu tinha esta sensação de ser um objeto numa caixa. Então, eu queria criar algo novo, que quebrasse o código das feiras tradicionais, onde os participantes não estão lá só para vender mas também para viver uma experiência coletiva", diz. Uma das galerias representantes do Brasil na Spera é a Alma da Rua, do curador e colecionador Tito Bertolucci, que trouxe obras de sete artistas brasileiros. Para ele, este tipo de evento ajuda a internacionalizar a arte urbana do país. "Há uma expectativa muito grande de podermos nos comparar com grandes artistas da street art já renomados. A gente quer se igualar a eles e chegar nesse topo internacional", afirma. Entre os brasileiros representados pela galeria Alma de Rua na Spera está o grafiteiro paulistano Pardal é um dos artistas representados pela galeria Alma de Rua, que não esconde seu entusiasmo com a participação no evento. "O sentimento é de muita gratidão. É a primeira vez que eu venho para cá e eu sinto essa importância da amizade entre o Brasil e a França através da arte", destaca. "Cada vez mais a gente tem que se unir, abrir oportunidade para outros artistas, expandir esses conhecimentos e espalhar o amor, que é o mais importante", reitera. Conexão entre a França e o Brasil Vários artistas brasileiros escolheram trazer para a Spera obras que abordem aspectos da cultura nacional mas que possam se conectar com o público francês. É o caso de Enivo, cofundador da galeria A7MA, que comercializa na feira peças que façam uma ponte entre São Paulo e Paris. "Eu trouxe minha produção atual, que é uma produção mais lúdica, ligada à cidade, ao afrofuturismo, à cultura periférica, a visões de futuras civilizações, que é algo que surgiu na pandemia. Apresento aqui algumas obras que têm cenas de São Paulo, como a praça Roosevelt e a praça da República, e que lembram também um pouco do cenário parisiense", diz. Fefe Talavera, outra representante do Brasil no evento, diz acreditar que, apesar das diferenças entre a arte de rua do Brasil e da França, o público francês absorve facilmente as obras dos artistas nacionais. "Acho que toda a arte vai se conectar, independentemente de ser de lá ou daqui", avalia. "Eu gosto que as pessoas aqui não veem apenas o lado exótico do Brasil, mas elas gostam de entender sobre o que trata o nosso trabalho, de conhecer a história por trás dele, e eu acho isso muito interessante", comemora. Colaboração celebra amizade Para celebrar os laços Brasil-França a primeira edição da Spera também apresenta uma mostra realizada em colaboração entre dois famosos artistas: o francês Seth e Tinho, pioneiro do grafite brasileiro. As obras que compõem a exposição foram criadas especialmente para o evento e celebram também a amizade deste dois gigantes da arte urbana. "Eu conheci o Seth no Brasil, há um bom tempo atrás. Desde lá a gente já começou a se conectar. A gente pintou muito junto lá. Depois que ele voltou para a França, a gente ainda se encontrou em vários outros projetos na China, na Tunísia, em outros lugares", conta. "Sempre foi uma alegria encontrar com ele, a gente sempre teve uma boa amizade. Acho que essa conexão de tanto tempo, de tanta amizade, facilitou bastante para a gente conseguir fazer um trabalho em colaboração", diz.

A busca por serviços de saúde mental e apoio psicossocial tem crescido de forma significativa, nos últimos anos, entre brasileiros migrantes no exterior e refugiados que vivem no Brasil. O aumento reflete os múltiplos fatores de vulnerabilidade que afetam essas populações — desde os traumas e pressões anteriores à migração até os desafios enfrentados após o deslocamento. Luiza Ramos, da RFI, em Paris Somente no Instagram, tags como #terapiaonline e #terapiaonlineinternacional acumulam juntas quase 6 milhões de menções. Perfis de profissionais brasileiros de saúde mental nas redes sociais com atendimento voltado especificamente para pessoas migrantes e terapia intercultural também são encontrados com cada vez mais frequência, demonstrando uma demanda real crescente. O grupo de apoio emocional HarmoniosaMente nasceu em 2023, sem o foco em migrantes. No entanto, a produtora cultural carioca Kenya Maeda, idealizadora do grupo, notou que cerca de 70% a 80% das pessoas interessadas no apoio eram de brasileiros no exterior e explica sua percepção sobre este fluxo e as dificuldades enfrentadas por aqueles que decidem mudar de país. “Eu acho que a grande questão da imigração são todos os fatores de pressão que você adiciona sobre a jornada. Primeiro, você tem que se desligar da família e da sua rede de apoio, dos seus amigos, que são às vezes amigos de infância, mesmo que seja o seu maior desejo morar no exterior ou viver uma experiência nova”, enumera. Ela aponta ainda os fatores práticos: “há todas as questões legais da imigração, os custos e decisões grandes como se você vende ou não o patrimônio que você tem no seu país de origem. Nem sempre você consegue recomeçar na sua área de trabalho. Muitas vezes você começa numa área completamente diferente, geralmente uma área inferior”. Kenya lembra ainda pontos como adaptação à nova cultura, novas pessoas e às vezes uma língua diferente. Para ela, há uma pressão muito grande sobre o imigrante, “sem falar nas questões muitas vezes de racismo, de isolamento social, que essa pessoa pode sentir eu chegar em um novo país”. Leia tambémPortugal: nova unidade policial gera tensão entre imigrantes e preocupação na comunidade brasileira Grupos de apoio surgem como uma resposta à demanda crescente Kenya Maeda, que atua ao lado da psicóloga Jaqueline Costa e da médica Anna Paloma Ribeiro, defende a criação de grupos de apoio com base em sua vivência pessoal como imigrante no Japão e, atualmente, em Portugal. Ela acredita que partilhar experiências migratórias em um ambiente de pessoas que vivem situações parecidas é mais adequado do que se abrir com um profissional que às vezes não tem as mesmas percepções. “Eu tive uma percepção clara de que, mesmo conversando com profissionais da área da saúde, muitas vezes o profissional te trata apenas como um número ou como um diagnóstico. Não te acolhe, não te ajuda a se situar. Um grupo de apoio funciona de forma diferente de uma terapia em grupo. Nós levamos um tema — uma dor que seja comum à maioria das pessoas do grupo — e cada um faz sua partilha, fala das suas questões, das suas dificuldades ou dos seus acertos”, explica Kenya Maeda. Rima Awada Zahra, psicóloga especialista em migração do Conselho Federal de Psicologia, aprova a criação de grupos de apoio emocional nesse campo, desde que haja a mediação de pelo menos um profissional de saúde mental. Especialização para psicólogos Rima também é membro do Psimigra, coletivo com cerca de 300 profissionais, criado em 2019 para atender à alta procura por atendimento psicológico por brasileiros emigrantes — o que desencadeou na abertura da primeira especialização na área há três anos, evidenciando uma necessidade atual de letramento dos profissionais. “A partir do Psimigra nasce a primeira especialização em psicologia e migração do Brasil. A gente percebia esse vácuo, essa lacuna de formação para os nossos profissionais da psicologia”, afirma Rima Awada Zahra, que é coordenadora do curso online pela PUC Minas. O Psimigra é um núcleo de psicólogos que trabalham com brasileiros no exterior que possuem uma demanda intercultural. Mas não só isso, segundo a psicóloga também há psicólogos que trabalham diretamente na linha de frente com refugiados, em situações mais críticas, inclusive genocídio. “Temos os profissionais que já atendem, estudantes, profissionais que fazem parte do Médicos Sem Fronteiras, Cruz Vermelha, profissionais que estão dentro e fora do Brasil, mas que falam o português”, diz. Estrangeiros no Brasil também buscam apoio Além disso, Rima Awada, que nasceu no Líbano, também contou à RFI sobre uma demanda inversa: o aumento de imigrantes árabes no Brasil devido aos requerimentos de asilo decorrentes dos conflitos no Oriente Médio. Ela conta que esse fluxo fez surgir outro núcleo a partir do Psimigra, o Sout Vozes em Movimento, para atender refugiados no Brasil. “A gente está reunindo psicólogos e psiquiatras voluntários que consigam falar ou árabe, ou inglês. Esse grupo surgiu e em menos de dois meses pipocou de gente. A gente está em um país, com uma grande comunidade libanesa, árabe. A gente foi 'caçando' essas pessoas e nasceu esse coletivo lindo”, destaca. Segundo os especialistas, migrantes e refugiados enfrentam taxas mais elevadas de transtornos mentais, como depressão, ansiedade e estresse pós-traumático, em comparação com a população geral. As demandas cada vez mais altas, que vêm levando a criação de grupos, núcleos profissionais e especialização, demonstram que o cuidado com a saúde mental é essencial para garantir a dignidade, a inclusão e o bem-estar também dos migrantes.

Durante dois dias, especialistas brasileiros e franceses se reúnem no Fórum do Amanhã Paris 2025, aberto nesta segunda-feira (29), no Hôtel de l'Industrie, no centro da capital francesa. O evento discute temas como biodiversidade, mudanças climáticas, saúde, povos indígenas e movimentos sociais. A troca de experiências visa ampliar a cooperação entre os dois países, por meio de conferências, apresentações de pesquisas, livros, exposições, filmes e shows. Maria Paula Carvalho, da RFI em Paris Os convidados são profissionais que celebram a relação de mais de duzentos anos entre o Brasil e a França, como explica Sophie Tzitzichvili, fundadora da Associação "Os Aprendizes da Esperança" e diretora artística do Fórum do Amanhã Paris. "Nós somos estrangeiros, e o estrangeiro vai ser sempre visto como um colonizador. Não há a menor dúvida. Porém, é uma questão de consciência, de respeito e de postura: de se colocar à disposição das populações, e não o contrário." O impacto social de empresas francesas no Brasil e a cooperação bilateral em ensino superior estiveram entre os temas de destaque. Uma das mesas-redondas tratou da formação de jovens pesquisadores. Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Everton Viera Barbosa é pesquisador na Universidade Sorbonne Paris-Nord. "Eu vim falar sobre um projeto do qual faço parte, chamado 'Arquétipo Transatlântico', submetido no ano passado por uma equipe brasileira e francesa de pesquisadores e historiadores de diversas universidades, no quadro de um projeto do CAPES-COFECUB", explica em entrevista à RFI. "É um projeto que começou este ano e que trata das relações entre intelectuais brasileiros e franceses em relação à História, dentro da Escola dos Annales e de Frankfurt. Então, há uma relação entre França, Brasil e Alemanha, no período que vai de 1945, após a Segunda Guerra Mundial, até 1968, quando ocorreram as manifestações estudantis de maio na França e, no Brasil, o AI-5, durante a Ditadura Militar", diz. Estatisticamente, há mais estudantes brasileiros em universidades francesas do que o contrário. No período 2023-2024, eram 5.527 brasileiros no ensino superior na França, contra 238 franceses em instituições de educação brasileiras. Em 2020, a França foi o sétimo país mais procurado por estudantes brasileiros. No topo da lista estão Argentina, Portugal e Estados Unidos. Entre as dificuldades para o intercâmbio acadêmico estão o financiamento, os custos de logística e mobilidade, os vistos e as diferenças linguísticas. Os temas mais abordados por pesquisadores brasileiros na França são biodiversidade, mudanças climáticas, gestão de recursos naturais, agricultura e saúde. Serge Borg, ex-adido de cooperação linguística e educativa da Francofonia no Brasil e professor da Universidade Marie e Louis Pasteur, de Besançon, destaca que França e Brasil têm uma parceria sólida e duradoura. "É uma cooperação ampla, rica, sustentada pelas Secretarias de Educação de cada estado. Temos vários programas de promoção, bolsas acadêmicas e, por enquanto, a francofonia no Brasil está em ótima posição, apesar da concorrência com o espanhol e o inglês", diz. "Não podemos esquecer que o país com o qual a França tem a maior fronteira é o Brasil, com a Amazônia. Então, há problemáticas conjuntas dos dois lados da fronteira, e esta é uma parceria durável", acrescenta Serge Borg. .Outro painel foi dedicado às parcerias em inovação tecnológica e fitoterapia. O encontro explorou o potencial da medicina brasileira, nascida do encontro entre povos indígenas, europeus e africanos, integrando plantas medicinais, rituais e experiência cotidiana. Entre as empresas participantes está o laboratório francês Apis Flora, que produz própolis em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, desde 2017, tornando-se o principal produtor desse produto originário de abelhas no Brasil. O grupo que atua em quase 40 países, tem um faturamento anual de R$ 120 milhões no Brasil, onde a empresa cresceu 160% nos últimos três anos. "O Brasil, hoje em dia, é uma filial e um país muito importante, que nos permite ter um abastecimento de matéria-prima e plantas que são especialidades do grupo", disse Stéphane Lehning, presidente do laboratório Apis Flora, em entrevista à RFI. A empresa Meu Amour Brasil produz peças com uso do Capim Dourado, que nasce no Jalapão. "É um artesanato que preserva a natureza e que é um tesouro do Brasil, que tem que ser conhecido pelo mundo", diz a fundadora da empresa, Isabela Cardoso. As discussões ao longo desses dois dias resultarão em um documento destacando os principais temas e desafios para o futuro, que poderá ser compartilhado com órgãos públicos e privados. O encontro ganha mais relevância às vésperas da COP 30 no Brasil. Um desfile de moda e um concerto de choro encerram a programação do Fórum do Amanhã Paris 2025.

Mais de um ano depois das enchentes históricas que assolaram o Rio Grande do Sul, algumas marcas e traumas da catástrofe continuam presentes. Para refletir e preservar a memória deste triste episódio, os artistas e pesquisadores gaúchos Marta Haas e Pedro Isaias Lucas iniciaram um trabalho conjunto de registros das consequências e das marcas deixadas pelas inundações, que aconteceram em maio de 2024. Renan Tolentino, da RFI, em Paris Os dois pesquisadores brasileiros vieram a Paris para mostrar o resultado de meses de pesquisa. A apresentação em solo francês faz parte da programação cultural do Ano do Brasil na França, que visa fortalecer os laços diplomáticos entre os dois países. No trabalho, Marta e Pedro abordam a temática da memória nas artes cênicas e no audiovisual. “A ideia da pesquisa surgiu a partir de uma conversa com a nossa orientadora acadêmica, professora Graça dos Santos. A partir daí, a gente resolveu trabalhar com as nossas impressões e vivências da enchente, levantar dados, buscar testemunhos e marcas na cidade (Porto Alegre). O objetivo era fazer uma coleta de informações e de imagens para formar um corpo de testemunho para as pessoas que não viveram essa catástrofe climática”, explica Pedro. Formados também em artes cênicas, eles aliaram os registros audiovisuais a uma palestra-performance intitulada "Anotações sobre uma enchente e suas marcas", para apresentar a pesquisa ao público de uma forma mais sensível e reflexiva. “A gente já tinha trabalhado com esse formato da palestra-performance antes, quando a gente esteve aqui em Paris apresentando outro trabalho, que fazia um paralelo sobre as ditaduras brasileira e portuguesa. Então, a gente pensou que este mesmo formato, no qual a gente traz esses dados da pesquisa, aliado a esse momento mais performático, no qual a gente traz a presença, traz o corpo e a encenação. Isso potencializa o impacto no público, como o público percebe as informações que a gente está apresentando”, complementa Marta. Leia tambémCientistas relacionam mudanças climáticas a quase 18 mil mortes durante verão de 2025 na Europa Na terça-feira (16), os dois estiveram na Universidade Paris Nanterre e, nesta quarta (17), apresentaram a palestra-performance na Casa Portugal, na Cidade Universitária, sob os olhares atentos dos alunos do Colégio Montaigne. “Foi marcante e impressionante, para mim, ouvir sobre essas inundações através do trabalho deles. Também foi interessante ouvir o relato dos moradores contando sobre como fizeram para sobreviver”, reflete a estudante franco-brasileira Madeleine Machado, que vive em Paris com a família. Uma terceira apresentação ocorrerá nesta quinta-feira (18), às 19h, na Casa Brasil, que também fica na Cidade Universitária. Cidade marcada pela inundação Imagens coletadas por Marta e Pedro em fachadas de imóveis mostram as marcas deixadas pela água, meses depois da tragédia. Pedro conta que foram feitas quase uma centena de imagens em diversos locais de Porto Alegre, onde a pesquisa se concentrou. A performance tem diferentes camadas, com elementos informativos e lúdicos, incluindo uma representação do cavalo ilhado em Canoas, que se tornou um dos símbolos da catástrofe, lembrando o drama vivido também pelos animais. Ao longo da apresentação, os dois se vestem com trajes de limpeza em referência aos trabalhos pós-inundações – etapa igualmente difícil de enfrentar, segundo eles. Uma boa parte do tempo é dedicada ao relato pré-gravado de moradores que vivenciaram as inundações e tiveram suas vidas afundadas na lama, com danos materiais e emocionais. Vivendo drama na pele As enchentes de maio de 2024 foram as piores já registradas no Rio Grande do Sul, atingindo 450 cidades ao longo de duas semanas, deixando mais de 180 mortes e 200 mil desabrigados. Naturais de Porto Alegre, Marta Haas e Pedro Isaias sentiram na pele o drama da catástrofe. A sede do grupo teatral “Oi Nóis Aqui Traveiz”, do qual os dois fazem parte, foi invadida pela água, causando grande prejuízo material. “O teatro onde a gente trabalha também foi alagado. Permaneceu alagado durante quase um mês. A água chegou a 1,70m de atura. Também registramos a situação quando a gente pôde reabrir. É um momento bem impactante quando a gente reabre um espaço que ficou tanto tempo debaixo d'água, ao mesmo tempo que foi um ato coletivo a reabertura do teatro, porque tinha dezenas de pessoas dispostas a ajudar a limpar. Passamos muitos dias fazendo a limpeza”, recorda Marta. Também presente para acompanhar a performance, a professora Graça dos Santos, orientadora dos brasileiros e coordenadora do Departamento de Estudos Lusófonos da Universidade Paris Nanterre, estava no Brasil quando as enchentes começaram. Ela relatou sua incredulidade diante da quantidade de chuva que caiu no estado e ressalta a importância do trabalho dos pesquisadores brasileiros para gerar uma reflexão sobre o ocorrido. “Não parou de chover o tempo todo em que estive lá (10 dias) e a água começou a subir muito. Mas também pude constatar a solidariedade das pessoas, que se dispuseram rapidamente para ajudar o próximo (...) O trabalho que a Marta e o Pedro fazem é muito importante do ponto de vista científico e artístico, pois também são artistas, o que dá uma repercussão e força ao trabalho de investigação deles”, opina Graça dos Santos. Percepção atual Passados quase 18 meses da catástrofe, Marta e Pedro relatam o temor de que algo semelhante venha a acontecer novamente e lamentam que a sensação atual é de que não houve avanço no que diz respeito à prevenção. “A percepção que a gente tem é que ainda estão tentando consertar o sistema antienchente, a população quer isso, porém temos gestores públicos que negam o aquecimento global, acreditam que o que aconteceu foi um caso atípico, que a natureza foi a responsável”, lamenta Pedro. Os dois pesquisadores trabalham para preservar a memória das terríveis consequências das enchentes de 2024 no estado. A sociedade gaúcha, por sua vez, espera que as autoridades se mobilizem para que este episódio fique só na lembrança e não volte a se repetir.

Os versos “Pode crê! Mas só pra te lembrar: Periferia é periferia em qualquer lugar”, da música Periferia Brasília, do rapper GOG, abrem a exposição Les Lucioles (“Os vaga-lumes”, em português): arte, cultura e esperança nas periferias urbanas do Rio de Janeiro e de Paris. A mostra, resultado de uma pesquisa acadêmica conjunta entre França e Brasil, está em cartaz na Maison de Sciences de l'Homme, em Saint-Denis, na periferia norte de Paris. A exposição revela a prática e a produção de coletivos culturais das periferias do norte e oeste do Rio de Janeiro e de Paris, especialmente de Saint-Denis e Stains. Ela é fruto de uma pesquisa codirigida pelas professoras Silvia Capanema, da Universidade Sorbonne Paris Nord, e Adriana Facina, do Museu Nacional da UFRJ. Durante mais de dois anos, os pesquisadores observaram as formas de criação e resistência de 30 coletivos periféricos cariocas e parisienses. Com fotos, textos e vídeos acessíveis por QR Codes, a exposição destaca a produção de 14 desses grupos — metade brasileiros, metade franceses — evidenciando o caráter comparativo e dialógico da pesquisa. “Uma teoria pensada no Brasil pode ajudar a refletir sobre as periferias francesas hoje (e vice-versa). Então, mostramos essa transferência de experiências práticas e de formas de pensar as periferias”, explica Silvia Capanema. O estudo revelou uma dinâmica intensa e uma diversidade cultural “impressionante” nas periferias, que vai muito além do hip hop. “Quando se pensa em periferia, muitas vezes se associa apenas ao movimento hip hop. Mas há muito mais: samba, coletivos de artistas, música clássica, teatro, choro... A cultura popular é muito rica”, afirma a professora da Sorbonne Paris Nord. Outro ponto relevante observado foi a presença do “Sul global no Norte global”, especialmente na Europa. “Vimos isso na França, nas periferias, com forte presença de imigrantes e do Caribe francês. O Carnaval chega à França por meio do Caribe francês e das periferias”, destaca Silvia Capanema. Carnaval como metáfora O Carnaval, representado na exposição por três coletivos — os brasileiros Loucura Suburbana e Barracão da Mangueira, e o francês Action Créole — aparece como uma metáfora poderosa dessa dinâmica. A antropóloga Patricia Birman, da UERJ, participou da jornada de estudos que inaugurou a exposição em 12 de setembro, falando sobre o Carnaval no Brasil e na França. Segundo ela, “o que une é a festa. Qualquer festa pode ter um sentido carnavalesco. E a música — a potência da música nos grupos é essencial”. Adriana Facina, que estuda há anos o coletivo Loucura Suburbana, destaca que os coletivos não fazem apenas cultura: “Para eles, cultura é trabalho”. Um bom exemplo é o Carnaval carioca. Sthefanye Paz, que defendeu uma tese de doutorado sobre a Mangueira, lembra que a importância do Carnaval para a comunidade vai muito além dos quatro dias de festa. “O Carnaval funciona com uma base de trabalho de cerca de dez meses por ano, não é só aquela única semana. São muitas pessoas envolvidas, correndo atrás dos seus sonhos para que o Carnaval aconteça nas ruas. Minha pesquisa faz essa relação entre a festa e o trabalho das pessoas que a constroem”, relata a pesquisadora, que também participa da cadeia produtiva da escola de samba desenvolvendo enredos. Formas contemporâneas de movimentos sociais A precariedade de sobrevivência e a luta por reconhecimento e estabilidade são semelhanças estruturais entre as periferias dos dois países. Os coletivos culturais têm papel central na vida das comunidades e atuam como formas contemporâneas de movimentos sociais. Adriana Facina explica que o nome da exposição se inspira no conceito de “vaga-lumes” do filósofo francês Georges Didi-Huberman, que reflete sobre o papel dessas “luzes frágeis e intermitentes, que apontam caminhos alternativos em períodos muito sombrios”, como o fascismo. “Para nós, hoje, os movimentos culturais das periferias urbanas — especialmente em Paris e no Rio de Janeiro — são esses vaga-lumes. Eles enfrentam o racismo, a xenofobia, a extrema direita e o capitalismo em sua fase mais selvagem, marcada pela precarização e pela perda de direitos”, detalha a pesquisadora do Museu Nacional. “O que esses coletivos propõem em seus territórios aponta caminhos para transformar o mundo em outra direção”, completa. Orgulho suburbano A cultura periférica vem ganhando espaço e se tornando o centro da inovação cultural. Sandra Sá Carneiro, da UERJ, que estuda o coletivo 100% Suburbano, destaca a valorização atual da cultura suburbana. “Esses coletivos atuam justamente valorizando essa identidade e a cultura suburbana. Há várias manifestações culturais. O grupo que estudo trabalha com o choro, como forma de resgatar a identidade e a sociabilidade carioca. Outros coletivos atuam com cinema, teatro, Carnaval, samba... É uma grande aposta em repensar essas regiões, marcadas por forte territorialização e desigualdade social”, afirma Sandra Sá Carneiro. Lição brasileira de democracia A exposição Les Lucioles foi inaugurada no dia seguinte à condenação do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro pela trama golpista. A coincidência foi considerada simbólica pelas codiretoras da pesquisa. Segundo Silvia Capanema, que além de professora é deputada regional de Saint-Denis, “a França está interessada em entender que lição de democracia o Brasil está dando. Esses coletivos culturais também são frutos de processos democráticos. Sem democracia, não há cultura, não há diversidade. Eles também defendem a democracia, pois são fortemente contrários ao fascismo”. Adriana Facina retoma uma ideia do filósofo Paulo Arantes e fala da “brasilianização” do mundo, como a ampliação da precarização do trabalho. “Mas também há uma ‘brasilianização' positiva, que é a potência das periferias.” Para ela, com a condenação de Bolsonaro, surge uma terceira comparação: “Hoje, podemos falar de uma ‘brasilianização' do mundo no sentido de uma defesa radical da democracia. O Brasil está dando uma lição ao mundo. Espero que isso inspire outras democracias, às vezes consideradas mais fortes que a nossa”, diz. Democratização da ciência Em vez de encerrar a pesquisa com os tradicionais artigos e livros acadêmicos, as organizadoras optaram por uma exposição para ampliar o alcance e democratizar a ciência. “Sabemos que livros e artigos são muito importantes, mas não atingem um público amplo, especialmente o não especializado. Nossa ideia foi fazer da exposição um resultado acessível da pesquisa, voltado ao maior número de pessoas possível — sobretudo aos próprios participantes da pesquisa: os coletivos culturais que abriram suas portas, responderam às nossas perguntas e atuaram como cocuradores, enviando fotos e participando ativamente do processo”, compartilha Adriana Facina. A exposição Les Lucioles: arte, cultura e esperança nas periferias urbanas do Rio e de Paris fica em cartaz na Maison de Sciences de l'Homme, em Saint-Denis, periferia norte de Paris, até 30 de janeiro de 2026.

As ruas de Paris ganharam um colorido baiano neste domingo (14) com a Lavagem da Igreja da Madeleine, que acontece anualmente desde 2002 na capital francesa e já faz parte do calendário oficial da prefeitura parisiense. O evento tem raízes na tradicional lavagem das escadarias da Igreja do Senhor do Bonfim, em Salvador. Renan Tolentino, da RFI, em Paris Esta 24ª edição também faz parte da programação do Ano do Brasil na França, que tem o objetivo de fortalecer os laços históricos e culturais entre os dois países, em comemoração aos 200 anos de suas relações diplomáticas. “Para mim, é uma alegria passar a mensagem dessa história da Lavagem para a França e para o mundo afora (...) Essa edição é especial por conta do Ano do Brasil na França. Isso fortalece a difusão, também temos mais apoio. A Lavagem também faz parte do patrimônio cultural imaterial da França, isso é bom para proteger e perenizar o evento, que vai ficar no calendário. Essa relação França-Brasil vai continuar por uma longa data”, diz Robertinho Chaves, idealizador da Lavagem da Madeleine. “Quando começamos lá atrás, há mais de 20 anos, não imaginava que seria tão apoteótico do jeito que é hoje. Fico feliz que tenha dado certo”, comemora Robertinho. A modelo e apresentadora carioca Cristina Córdula, personalidade conhecida do público francês e que vive em Paris, é madrinha do evento e também celebra esse reconhecimento. “Sou madrinha do evento há muitos anos. Para mim é uma honra. É um movimento muito bonito, na paz, sem briga, todo mundo junto para dançar e passar um momento legal, com essa bênção final na igreja. E este ano, a Lavagem da Madeleine tem muita força por ser o Ano do Brasil na França”, pontua Cristina. Olodum aquece o público debaixo de chuva Entre diversas atrações, a programação deste ano trouxe, pela primeira vez, o grupo baiano de percussão Olodum, que animou o público ao lado de Armandinho em cima do tradicional trio-elétrico. “Primeira vez que o Olodum vem, sempre tive esse sonho de trazê-los e agora foi realizado. Por ser um grupo tão grande, também fortalece a divulgação e o interesse das pessoas no evento”, destaca o organizador Robertinho. “É muito bom trazer a cultura da Bahia e de Salvador para Paris, com muita energia, muita elegância, com esse samba-reggae, que é uma música do mundo. Impressionante o número de pessoas que estão aqui. É muito gratificante para nós do Olodum viver essa atmosfera brasileira em Paris”, conta Thiago Silva, percussionista do grupo. Leia tambémJau celebra retorno a Paris na Lavagem da Madeleine ao lado do Olodum Nem a chuva foi capaz de esfriar a disposição das milhares de pessoas nas ruas, entre brasileiros e franceses. Para a baiana Carla Rodrigues, acompanhar a apresentação do Olodum em Paris fez reviver memórias afetivas. “Estou muito feliz que o Olodum está aqui hoje. Me toca muito, porque a última vez que estive no show deles foi em Salvador, junto com a minha avó, que Deus a tenha. Foi um momento muito importante para mim que não vou esquecer nunca. É uma forma também de estar perto do Brasil. Acredito que todo mundo aqui hoje está com a mesma sensação, de estar em casa, de acolhimento”, conta Carla. Já a pernambucana Deusamir, que vive em Paris há 17 anos, viveu uma experiência inédita, tanto na apresentação do grupo quanto na Lavagem da Madeleine. “É a primeira vez que venho ao evento e é a primeira vez que vou ao show do Olodum. No Brasil nunca tive oportunidade. Que maravilha, estou muito contente. A gente está aqui para dançar, sorrir e mostrar para esse povo que o Brasil está na moda”, celebrou. Entre o público presente, cada participante vivencia de uma forma particular este evento multicultural. Cátia, por exemplo, aproveitou para comemorar seu aniversário. “Estou fazendo 50 anos hoje e vim festejar aqui, com o Olodum, na Lavagem da Madeleine”, contou a brasileira Cátia. Aos 74 anos, Nilza dos Santos conta que acompanha a Lavagem da Madeleine há quase 17. Quase todos os anos ela viaja de Salvador para Paris para participar do cortejo, junto com a filha, Viviane, que mora na Holanda. “Minha filha mora aqui na Europa há 30 anos e foi ela quem me falou desse evento. Como eu faço parte de outros movimentos culturais em Salvador, achei interessante. Aí, me encantei pela Lavagem da Madeleine. Acompanho já há 17 anos e quase todos os anos estou aqui. A integração e o encontro de pessoas é sempre bom. Isso faz bem tanto para Paris, como para Salvador e a Bahia”, diz dona Nilza. “Me senti como se eu estivesse participando de um evento na Bahia, de onde eu venho. É uma coisa muito impressionante fechar as ruas de Paris para que o cortejo brasileiro possa passar”, conta Viviane dos Santos. Manifestações políticas Além de festejar muito, parte do público aproveitou o evento também para se manifestar politicamente. Ao longo do cortejo, um grupo apartidário ostentava cartazes com a frase "Sem Anistia", em referência ao julgamento dos suspeitos de envolvimento na tentativa de golpe de Estado no Brasil, no ex-presidente Jair Bolsonaro foi condenado a 27 anos de prisão. “Somos um grupo apartidário, onde todos são bem-vindos, basta ser antifascista. Temos que entender que tudo é político, então, devemos aproveitar todos os espaços para nos manifestar. E a Lavagem tem uma visibilidade muito grande, até internacional”, explica Marcia Camargos, coordenadora do grupo Sem Anistia. “Neste momento, temos que unir todas as forças, as forças progressistas, de esquerda em defesa do Estado Democrático de Direito”, opina. Após duas horas de cortejo e muita música, a euforia dá lugar à reflexão e ao sincretismo religioso com o início da lavagem das escadarias da Madeleine, comandada pelo babalorixá Pai Pote ao lado do pároco da igreja, o monsenhor Patrick Chauvet. “Estamos aqui representando o povo negro, brasileiro, celebrando nossa resistência, nossa negritude, mas também estamos celebrando a paz, o amor e a alegria no mundo. Muito axé para todos”, disse Pai Pote. No Ano do Brasil na França, a Lavagem da Madeleine mostra que a diplomacia e a boa relação entre dois países se constrói também nas ruas, através de uma rica mistura cultural.

Lisboa será, entre os dias 11 e 14 de setembro, palco do Brasil Origem Week, evento internacional que celebra a diversidade cultural, gastronômica e empresarial do Brasil. A programação acontece no Pátio da Galé, na Praça do Comércio, e reúne chefs renomados, empresários, autoridades e especialistas. O evento inclui workshops, fóruns, apresentações culturais e experiências gastronômicas. Luciana Quaresma, correspondente da RFI em Lisboa A gastronomia brasileira é um dos grandes destaques do evento. Entre os chefs convidados estão Márcio Ricci, que apresentará o tradicional arroz Maria Isabel; Cidália França, com receitas à base de tapioca e Natacha Fink, com seu prato inovador de camarão Uareni. Carol Brito conduzirá o showcooking “O Pequeno Notável da Cozinha Baiana: Acarajé”, trazendo ao público os sabores típicos da Bahia de forma criativa e contemporânea. Carolina Sales, conhecida por seus doces sofisticados, compartilhará a receita do “Brigadeiro de laranja: a bossa doce do Rio”. A chef carioca defende que a cozinha brasileira tem papel essencial na valorização da biodiversidade e da identidade cultural. Segundo ela, é importante revelar novas facetas da culinária nacional além do churrasco e da feijoada, apostando em propostas autorais e contemporâneas que serão apresentadas no evento. “Quero revelar uma faceta mais autoral e contemporânea da cozinha brasileira. O brigadeiro, por exemplo, pode ser reinventado com chocolate amargo e laranja, trazendo sofisticação, frescor e equilíbrio à doçura, mostrando que nossa confeitaria dialoga com a alta gastronomia”, explica Sales. Além da gastronomia, Raquel Lopes, da Casa Cachaça, conduzirá experiências sensoriais com a tradicional bebida brasileira, apresentando sua história e os processos de produção. Para a especialista e curadora, o maior desafio ainda é o desconhecimento do público em relação à bebida símbolo do Brasil. “Nossa equipe tem exatamente esse objetivo: desenvolver um trabalho pedagógico com consumidores e bartenders, mostrando a diversidade das madeiras, as possibilidades de criação de drinques e, claro, o prazer de apreciá-la pura”, explica. Segundo ela, a participação no Brasil Origem Week reforça esse movimento de valorização. "Já é a terceira ou quarta vez que participo, e é maravilhoso, porque o público tem contato direto com a gente. Podemos contar a história da cachaça, orientar nas degustações e até ajudar na escolha de uma garrafa para levar para casa ou oferecer de presente. Essa conexão é muito importante para o futuro da cachaça”, afirma. Impacto e objetivos Para Marco Lessa, idealizador do Brasil Origem Week, o evento vai muito além de uma feira cultural ou da promoção de produtos brasileiros. Segundo ele, trata-se de uma celebração do Brasil. O evento, diz, reúne diferentes setores ligados ao país, desde produtores com potencial de exportação até agentes de turismo, passando por cultura, arte e ciência. “Ele reúne vários ativos do Brasil, tanto do ponto de vista de quem mora no exterior quanto de quem produz e sabe que tem potencial para exportar, além de quem tem capacidade de receber o visitante estrangeiro e promover o turismo”, explica. Além de negócios e investimentos, o Brasil Origem Week promove o encontro de brasileiros residentes fora do país com visitantes internacionais. “Todo mundo se reúne para viver um pouco do Brasil”, completa. A estratégia do evento, segundo o organizador, é mostrar que cada aspecto da cultura e dos produtos brasileiros contribui para a reputação global do país. “Um produto brasileiro, uma característica do Brasil, um aspecto cultural transfere reputação para outro ativo e faz com que a gente tenha ganho de qualidade. Dessa forma, o Brasil pode mostrar toda a sua riqueza por meio das diversas atividades durante o evento.” Segundo Lessa, a promoção de destinos e produtos brasileiros não está apenas associada ao turismo. “Trata-se de construir narrativas consistentes que unem identidade, cultura, sustentabilidade e inovação. Lisboa é um ponto estratégico para apresentar o Brasil à Europa e fortalecer conexões duradouras”, afirma. O evento também contará com um espaço dedicado à música e aos sabores do Brasil, com apresentações ao vivo, incluindo Theodoro Nagô interpretando clássicos de Jorge Aragão, proporcionando aos visitantes uma verdadeira imersão na cultura musical brasileira. Fóruns e workshops temáticos O Brasil Origem Week vai oferecer uma série de fóruns e workshops especializados. Entre eles, está o workshop de internacionalização, voltado para estratégias que permitam a empresas brasileiras expandirem suas operações para Portugal e outros países da Europa. O Fórum Mulher abordará a atuação feminina nos negócios e na cultura, enquanto o Fórum Brasil-Portugal discutirá oportunidades de cooperação internacional, intercâmbio e fortalecimento das relações comerciais entre os dois países. Larissa Abreu, uma das palestrantes do evento, destacou como sua identidade luso-brasileira molda a forma de comunicar no ambiente digital e levará o tema ao público presente. “No Brasil, temos intensidade, calor humano. Em Portugal, encontramos profundidade e tradição. No digital, a mágica acontece quando conseguimos juntar as duas coisas”, afirmou. Segundo ela, sua palestra será um convite para repensar a maneira de vender serviços. “Quero mostrar como gerar desejo pelo seu serviço sem cair no óbvio, sem ser chato. Porque vender não é insistir. É despertar curiosidade e criar conexão.” Larissa reforça que suas estratégias se adaptam tanto ao público português quanto ao brasileiro, sempre com autenticidade. “No fim, comunicar é sobre encantar, não apenas convencer. É isso que eu levo comigo: um pedacinho do Brasil, um pedacinho de Portugal e a certeza de que, quando contamos nossa história de verdade, as pessoas não só escutam, elas desejam fazer parte.” A abertura oficial do evento contará com o workshop internacional de turismo, com a presença de representantes do Governo da Bahia, do turismo de Ilhéus e de Maricá, além de especialistas em estratégias de promoção internacional de destinos. O painel terá como tema “Brasil: Um País, Tantos Destinos – Diversidade, Sustentabilidade e Estratégias para a Promoção Internacional”. Cultura e experiências imersivas O Brasil Origem Week também busca impulsionar oportunidades de negócios e intercâmbio, destacando o Brasil como um país plural e inovador, capaz de gerar experiências culturais, gastronômicas e comerciais de relevância internacional. A curadoria do evento, segundo Frederico Pimentel, um dos organizadores, foi pensada para refletir a riqueza e a pluralidade da gastronomia brasileira, unindo ingredientes, histórias e territórios de diferentes biomas. Ele destaca que a seleção de chefs e produtores priorizou autenticidade, tradição e inovação, trazendo tanto os clássicos da cozinha nacional em sua forma original quanto releituras criativas. “Nosso objetivo é projetar o Brasil como um país de criatividade, diversidade e excelência gastronômica, fortalecendo a imagem do país junto ao público europeu”, afirma. Para ele, a gastronomia é uma forma de arte e comunicação cultural, capaz de transmitir identidade e contemporaneidade, criando pontes entre cultura, turismo e negócios. Nesse sentido, o Brasil Origem Week se consolida como uma plataforma de encontros, onde produtores apresentam produtos de origem com valor agregado, chefs reinterpretam tradições e o público vive experiências sensoriais únicas. “A tradição aparece nos pratos e nas histórias, enquanto a inovação surge nas técnicas e conexões criadas, projetando um Brasil contemporâneo e autêntico”, completa.

Paris se transformou em um terreno de debate e conscientização ambiental no Dia Internacional da Amazônia, celebrado nesta sexta-feira, 5 de setembro. Para marcar a data, o Greenpeace França realizou em frente à prefeitura da capital um evento de mobilização em defesa da maior floresta tropical do mundo, com a participação de representantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Renan Tolentino, da RFI, em Paris Para Luana Kaingang, que integra a Apib, esta é uma oportunidade de levar à comunidade internacional as reivindicações dos povos originários, que têm uma relação de subsistência com a Amazônia. “A gente vem construindo esse espaço há muitos anos. A gente costuma dizer que é uma luta para poder fazer a preservação dos biomas brasileiros e poder também garantir o futuro dos nossos filhos”, reflete Luana Kaingang. O objetivo principal do evento é alertar governantes e a população em geral sobre a urgência de agir para evitar a destruição do ecossistema da Floresta Amazônica, que atualmente tem mais 17% de território degradado, segundo dados do Greenpeace e de outros órgãos que fazem esse monitoramento. Efeitos do acordo entre Mercosul e UE Entre as principais pautas está o acordo de livre comércio entre os países sul-americanos do Mercosul e a União Europeia (UE). Os representantes da Apib se posicionam contra o tratado por temerem que ele contribua para o aumento da degradação florestal. Por isso, pedem também que a Regulamentação da União Europeia sobre Desmatamento (EUDR, na sigla em inglês) se estenda ao Brasil. Essa lei visa impedir a entrada em países da UE de produtos que contribuem para a degradação ambiental em sua produção. “Aqui em Paris, a gente vem para afirmar que somos contra o acordo entre a União Europeia e o Mercosul e também exigir que a EUDR seja assinada. "A proteção dos nossos territórios depende do acordo não ocorrer e essa regulamentação também ser aprovada”, explica Luana. Também representante dos povos indígenas no evento em Paris, Otacir Pereira, da etnia Terena, avalia que o acordo entre os dois blocos pode enfraquecer a proteção sobre áreas demarcadas para atender ao aumento da demanda de mercado. “O acordo entre o Mercosul e a União Europeia traz um fortalecimento do aumento da produção. Para aumentar a produção precisa aumentar sua área de capacidade de produção de milho, de gado, de carne bovina, de soja, entre outros. E isso está ligado diretamente às áreas indígenas”, argumenta. “Os problemas de exploração ambiental dentro dos territórios indígenas são generalizados para todo o Brasil. Todas as áreas indígenas estão sujeitas a serem exploradas pela legislação de hoje”, critica Otacir. Cenário preocupante A Floresta Amazônica se estende por oito países, mais a Guiana Francesa, com uma área de quase 7 milhões de quilômetros quadrados. A maior parte deste território, 60%, está no Brasil. Mas a preocupação é global, já que a floresta é importante para a estabilidade climática do planeta. No entanto, essa função é profundamente prejudicada pelo desmatamento, que libera uma grande quantidade de gás carbônico na atmosfera, contribuindo para o aumento do efeito estufa. Leia tambémIncêndios na Amazônia comprometem qualidade do ar em outros países, aponta relatório Questões que poderão ser debatidas na próxima COP30, que será realizada em Belém, no Brasil, em novembro. “Esperamos que a COP30 não seja apenas um palanque de publicidade do clima. Esperamos resultados de fato, que os países façam valer o papel do Acordo de Paris — assinado em 2015 para combater as mudanças climáticas”, projeta Otacir. Apesar da falta perspectiva, os representantes dos povos indígenas e ativistas esperam que o Dia da Amazônia não seja só mais uma data no calendário, mas que, através de ações e debates, contribua para uma virada de chave no combate ao desmatamento florestal.

A guerra entre Israel e Hamas na Faixa de Gaza já matou mais de 200 jornalistas desde que começou, há cerca de dois anos. Motivadas por esse dado alarmante, as ONGs Repórteres Sem Fronteiras (RSF) e Avaaz, que dá voz a ações da sociedade civil na internet, lançaram neste mês de setembro uma campanha de apoio aos jornalistas palestinos no território, com a participação de mais de 150 veículos de comunicação de todo o mundo. As organizações pedem proteção para os profissionais e o acesso da imprensa internacional ao enclave. Correspondente da RFI em Gaza, Rami El Meghari, elogia a iniciativa e alerta para o risco de vida que os profissionais de imprensa encaram neste momento naquela região para levar informações ao mundo sobre o dia a dia do conflito. “A meu ver, a campanha da Repórteres Sem Fronteiras é muito importante. Para mim, El Meghari, jornalista de longa data da Rádio França Internacional, é realmente muito importante. Especialmente neste momento crucial em que profissionais de imprensa estão sendo alvos, de uma forma ou de outra, por ações militares israelenses. Então, agradeço de verdade por essa iniciativa”, comenta o correspondente. Leia tambémGaza: ONGs lançam campanha em solidariedade a jornalistas palestinos e pretendem criar redação flutuante Em meio à guerra entre Israel e Hamas, a Faixa de Gaza vive sob um quase blackout midiático. Os jornalistas palestinos são alvos de ataques e os estrangeiros não são autorizados a entrar. El Meghari, que trabalha há 14 anos para a RFI, é um dos que resistem. Neste cenário catastrófico, seu dia a dia se resume a duas palavras: sobreviver e trabalhar. “Um dia típico para jornalistas em Gaza começa com a busca por necessidades básicas como a água. Você precisa garantir que haja água disponível o tempo todo, onde quer que esteja. Precisa garantir que sua família tenha o suficiente para comer, no café da manhã, no almoço. Você precisa garantir energia elétrica para carregar seu telefone, para recarregar suas luzes de LED. O dia de um jornalista [em Gaza] é, portanto, bastante intenso. Você se divide entre suas responsabilidades profissionais e suas responsabilidades como chefe de família”, explica. Apesar dos riscos, o correspondente continua trabalhando e indo ao campo de refugiados de Meghazi, no centro de Gaza, movido pelo sentimento de obrigações com sua família e com a sociedade. “Para mim, como repórter há 25 anos, sempre me pareceu um dever fazer todo o possível para contar essa história ao mundo. Principalmente porque, hoje, não há jornalistas estrangeiros em Gaza. Então, é minha responsabilidade fazer o meu trabalho”, diz El Meghari. “Outro motivo, é a obrigação comigo mesmo e com a minha família. Porque essa é a própria natureza do meu trabalho como jornalista independente. Se eu não trabalhasse, isso significaria que eu morreria de fome, não teria o que comer e não conseguiria alimentar minha família. Se eu trabalho, eu posso sobreviver. Sem isso, minha família e eu não conseguiríamos aguentar”, pondera. “Sonho deixar esta parte do mundo” Para El Meghari, a Faixa de Gaza é o lugar mais “mortal do mundo”. Sentimento reforçado pelos números do conflito. Desde o início da guerra, mais de 63 mil pessoas foram mortas no território palestino, a maioria civis, segundo o Ministério da Saúde controlado pelo governo do Hamas. Por conta disso, além de trabalhar diariamente, neste momento o repórter também luta para ser removido do território palestino junto com sua família. Um sonho, em suas palavras, que ele tenta realizar há mais de um ano: “Em fevereiro de 2024 foi minha primeira tentativa de sair. Porque sempre senti que a situação estava se tornando cada vez mais perigosa. Não é mais um lugar habitável. Não apenas para mim como jornalista, mas também como pai, cuidando dos filhos, que precisam de um presente e de um futuro melhor. Mas tanto o presente quanto o futuro estão faltando em Gaza no momento. Não é mais seguro, não é mais habitável. Sonho em deixar esta parte do mundo”, conta. O correspondente conclui fazendo um apelo para que o governo francês retome a evacuação de jornalistas em Gaza. “Assim, eu e outros poderemos deixar Gaza muito em breve”, diz esperançoso. Também por isso é atual e necessária a campanha lançada pela RSF em solidariedade aos jornalistas palestinos em Gaza. Para preservar a vida daqueles que, assim como Meghari, arriscam sua própria segurança para levar ao mundo todos os fatos do conflito.

Em Portugal, a criação da Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras (Unef), subordinada à Polícia de Segurança Pública (PSP), tem causado apreensão entre imigrantes que vivem no país e despertado alerta entre representantes da comunidade brasileira. Lizzie Nassar, correspondente da RFI em Lisboa A Unef foi anunciada pelo governo português em setembro de 2024 e entrou em funcionamento no dia 21 de agosto. A nova força herdou cerca de 100 mil processos pendentes de afastamento de imigrantes em situação irregular, alguns estavam parados há 50 anos. Somente em Lisboa, estima-se que existam 20 mil processos ativos. Até outubro de 2023, o extinto Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) era responsável tanto pelo controle de fronteiras nos aeroportos como pela gestão de processos de residência e expulsão. Após a extinção do órgão, parte das competências passou para a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (Aima). Com a criação da Unef, a PSP deixa de atuar apenas na execução das ordens de expulsão e passa a assumir todo o processo burocrático de retorno de estrangeiros. A mudança é significativa e, para organizações da sociedade civil, representa um passo em direção à “securitização” da imigração. “Criminalização da imigração” Para Ana Paula Costa, presidente da Casa do Brasil em Lisboa, a criação da Unef reforça uma lógica de criminalização dos imigrantes. “A questão principal que está por trás é a lógica de securitização da imigração, de criminalização da imigração, que é uma lógica terrível. Considerar a imigração como um problema, ver as pessoas imigrantes como um risco, constantemente sob escrutínio. Essa narrativa de ameaça e criminalização é o problema principal”, afirma. Ana Paula lembra à RFI também episódios de violência envolvendo agentes da PSP: “Existe um histórico de violência policial dentro da PSP. Muito recentemente, um imigrante foi supostamente assassinado no Algarve, pelas mãos da polícia. Em 2020, outro imigrante, o ucraniano Igor Homeniuk, foi assassinado no aeroporto de Lisboa. Há também um histórico de racismo dentro da PSP, com casos simbólicos que já aconteceram em Portugal”. Leia tambémCom aumento dos crimes de ódio em Portugal as "pessoas sentem que o seu modo de vida está em perigo" A dirigente ressalta ainda que muitas pessoas não estão propriamente em situação irregular, mas sim à espera de autorizações de residência que demoram meses — até anos — a serem emitidas. “As pessoas não estão irregulares. Elas estão à espera de uma autorização de residência, de um processo administrativo que é moroso e desorganizado. Esse clima de medo, com a criação de uma unidade policial, reforça a sensação de que podem ser expulsas ou tratadas indignamente”, explica. Consulado do Brasil emite recomendações Diante da entrada em funcionamento da Unef, o Consulado-Geral do Brasil em Lisboa divulgou recomendações à comunidade brasileira. O órgão orienta que os cidadãos portem sempre documentos de identificação válidos, como passaporte, título de residência ou comprovativos de contribuições à Segurança Social. O cônsul-geral Alessandro Candeas explica que o objetivo do aviso é orientar os brasileiros sobre como agir em caso de abordagem. “É uma informação direta, objetiva, sem juízo de valor. Apenas comunicar a comunidade brasileira sobre como se portar se for abordada por agentes dessa polícia. O mais importante: portar sempre um documento de identificação válido”, enfatiza. O diplomata sublinha que o Brasil acompanha de perto o processo e espera que as mudanças respeitem os compromissos internacionais. “As alterações são o resultado da soberania de Portugal, mas devem ser feitas em respeito aos direitos humanos, ao direito dos imigrantes e aos tratados bilaterais que o Brasil tem com Portugal. Estamos bem informados e conscientes de todo o processo”, esclarece. Candeas reforça que todos os cidadãos brasileiros têm direito ao apoio do consulado: “Não importa o status migratório. Seja irregular, em trânsito, residente ou binacional, todo brasileiro tem o dever de ser bem atendido e bem recebido pelo consulado”. Governo defende eficiência, imigrantes temem exclusão A Unef começou com 1.200 agentes, mas o contingente deverá chegar a 2 mil nos próximos anos, incluindo técnicos especializados, prestadores de serviço e representantes de organizações não-governamentais. O governo português argumenta que a nova unidade vai aumentar a eficiência do sistema migratório. Já para associações de imigrantes, a aposta numa estrutura policial em vez de resolver os atrasos nos processos de residência pode acabar apenas por ampliar o medo e a insegurança entre estrangeiros que vivem no país.

No Brooklyn, em Nova York, e também em Nova Jersey, consumidores e comerciantes começam a sentir no bolso os efeitos da alta de preços provocada pela política comercial do presidente Donald Trump. Luciana Rosa, correspondente da RFI em Nova York As novas tarifas sobre produtos importados já impactam itens básicos e, em alguns casos, os clientes precisam mudar os hábitos para continuar consumindo. No bairro do Brooklyn, encontramos a família Puma. Jeannette, nascida nos Estados Unidos, e sua mãe, Angelina, que veio de Porto Rico, dizem que a alta é generalizada. "Tudo aumentou. Tudo está mais caro. A carne, sobretudo, subiu muito de preço", diz Jeannette Puma. A mãe de Jeannette, Angelina, conta que o café é um dos produtos que mais pesa no orçamento. "O café subiu muito. Eu adoro coar meu café e ele está caríssimo. Então, o que eu faço é reduzir para uma ou duas xícaras por dia." Carnes e enlatados A alta atinge também alimentos enlatados, como o atum. Angelina lembra que antes pagava três latas por US$ 5 e agora encontra cada uma por quase US$ 6. Boa parte do atum em lata consumido nos Estados Unidos vêm de países como a Tailândia e Indonésia, países atingidos pelas tarifas em 36% e 19% respectivamente. O equatoriano Juan Llambo confirma que a mudança já afeta o cardápio. "Já não consumimos muita carne, porque está muito cara. Compramos mais frutas no lugar da carne. Arroz, muito pouco, porque também está bem mais caro. Café também. Isso afeta a gente como trabalhador, porque já não dá para tudo." O casal Michelle e Joel Garcia confirma que percebeu que produtos importados ficaram mais caros. "Muita coisa importada aumentou de preço. A gente vinha aqui ver esses produtos japoneses, por exemplo, e os preços estão definitivamente mais altos." Eles, porém, não atribuem o aumento diretamente às tarifas, mas à pandemia. "Se você parar para pensar, desde a pandemia tudo disparou, do leite a outros produtos básicos." Preocupação por parte dos distribuidores Para quem importa e distribui produtos, o impacto já está no horizonte. Em uma torrefadora de café no Brooklyn, o sócio Howard Chang explica que a incerteza causada pelas tarifas encarece a compra dos grãos e dificulta fechar contratos. "As tarifas deixaram o café cru mais caro. A falta de certeza tornou mais difícil buscar fornecedores e planejar contratos. Os custos aumentaram em todos os segmentos", diz o empresário. Segundo ele, a estratégia tem sido diversificar fornecedores e buscar alternativas para manter a qualidade. "Isso nos forçou a ser mais criativos e diversificar os critérios de compra para criar novas relações com produtores." Chang diz que ainda é cedo para medir o impacto exato sobre o café do Brasil, já que os estoques atuais não foram afetados. Mas, se a tarifa de 50% for aplicada, já há planos para importar mais de outros países e reduzir o impacto. No setor de bebidas, o brasileiro Leonardo de Oliveira, gerente de uma distribuidora em Nova Jersey, afirma que ainda não houve aumento expressivo para cervejas mexicanas, mas alguns vinhos portugueses já ficaram mais caros. "As empresas ainda têm estoque comprado antes das tarifas. A expectativa é que os preços subam quando esse estoque acabar", explica. Para se antecipar, ele decidiu comprar em grandes quantidades: "Aumentei minhas compras de cerca de 200 para 720 caixas de (cerveja) Coronita, o que me permitiu manter a margem de lucro sem repassar os custos para o cliente". Enquanto consumidores reduzem porções ou trocam produtos, distribuidores e comerciantes se reinventam para segurar os preços. Mas a sensação geral é de incerteza: até onde esses aumentos vão chegar e por quanto tempo vão durar? Essa resposta, por enquanto, ainda não tem previsão.

A cidade de Briançon, no coração dos Alpes franceses, se prepara para acolher a 20ª edição do Festival Violoncelles en Folie, que será realizada de 9 a 16 de agosto de 2025. Criado pelo violoncelista brasileiro Fernando Lima, o evento nasceu do desejo de oferecer um espaço dedicado ao encontro e à criação em torno do instrumento. Vinte anos depois, o evento tornou-se uma referência, reunindo artistas consagrados, jovens talentos e um público fiel que compartilha a paixão pelo violoncelo. “Esse ano o Violoncelles en Folie completa 20 anos. Ele nasceu nos Alpes, em torno de Briançon, como um pequeno encontro de violoncelistas”, recorda Fernando Lima. “Hoje, reúne cerca de 130 músicos e atrai mais de 4.000 espectadores. Tornou-se uma referência para o violoncelo na Europa”, completa. Segundo o idealizador, desde o início o objetivo foi cultivar a excelência artística em um ambiente de liberdade criativa e alegria. “Queríamos um espaço de expressão, onde a busca pela qualidade fosse acompanhada de leveza, de prazer em fazer música.” O Brasil ocupa um papel de destaque nessa trajetória. “Sempre teve um lugar especial no festival, porque tem um lugar especial para mim”, afirma Lima. “Ao longo desses 20 anos, cerca de 40 jovens músicos brasileiros passaram por residências em Briançon. Alguns ficaram e hoje são professores e artistas do festival.” Entre os nomes que construíram essa ponte cultural entre Brasil e França, estão o clarinetista Alison Pereira, os violoncelistas Diego Coutinho e Diego Cardoso, e o compositor Kali Akel, presidente no festival desde 2018. “Ele contribui de forma importante para enriquecer o repertório contemporâneo do violoncelo”, destaca. Para marcar a data, a programação de 2025 aposta em encontros musicais inspiradores. Ao lado de artistas franceses de prestígio — como o violoncelista Victor Julien-Laferrière e a violinista Manon Galy, vencedores do prêmio Victoires de la Musique — o festival receberá o virtuoso cavaquinista brasileiro Matheus Donato, em uma celebração da diversidade estética que marca o espírito do evento. “São concertos variados, com música clássica, jazz, música brasileira e sons do mundo inteiro. É um festival de encontros — e de muito amor pela música”, resume Lima. Entre os destaques da programação estão o Trio Zeliha, o duo formado por Julien-Laferrière e Théo Fouchenneret, o Tansman Cello Quartet, além de apresentações coletivas com artistas residentes que interpretarão repertórios que transitam de Schubert a Piazzolla, de Brahms ao tango contemporâneo. Uma experiência musical nas alturas Durante o dia, a Académie Violoncelles en Folie transforma Briançon e seus arredores em um laboratório vivo de formação musical. Crianças, jovens e adultos de diferentes níveis participam de aulas individuais, oficinas criativas, ensaios coletivos e projetos de música de câmara. No final da semana, os alunos dividem o palco com artistas consagrados. A experiência se desdobra entre 1.500 e 1.800 metros de altitude, integrando música, natureza e patrimônio arquitetônico local. O clarinetista Alison Pereira, um dos músicos brasileiros que passaram pela residência do festival e hoje atua como professor convidado, será protagonista de dois momentos especiais. Na programação oficial, participa de um trio ao lado do violoncelista Diego Coutinho e do acordeonista Jérémy Vannereau, com repertório que une Piazzolla, Chico Buarque e composições autorais de Vannereau. “Será um belo concerto, misturando estilos e timbres, do canto à música instrumental”, adianta. Pereira também assina o concerto de encerramento, no dia 16 de agosto, à frente de um grupo festivo criado especialmente para a ocasião. “É com muita felicidade que vejo chegar esse aniversário de 20 anos. O festival sempre contou com artistas brasileiros de renome e encanta o público com esse universo sonoro que traz à região. Agora é a nossa vez de contribuir com uma gota de alegria nesse grande vaso musical. Vamos fechar com festa: músicas dos anos 1980, Gilberto Gil e companhia, para todo mundo dançar”, celebra. O violoncelo e a voz humana O violoncelista Diego Cardoso participa das comemorações pelos 20 anos do festival, evento que acompanha sua trajetória artística desde 2007. Ao longo desses anos, Cardoso passou de aluno a professor, artista residente e convidado, consolidando uma relação duradoura com o festival. “Comecei como aluno e, com o tempo, retornei como professor, violoncelista em residência e artista convidado”, relata o músico. Entre os momentos marcantes de sua participação, destaca colaborações com o grupo Ansombro Nemesis, a equipe do Tempo de Brasil e o pianista César Birchner, além de outras experiências musicais e humanas que considera inesquecíveis. Cardoso também reflete sobre a natureza expressiva do violoncelo, instrumento que, segundo ele, se destaca por sua proximidade com a voz humana, tanto em tessitura quanto em timbre. “Quando a gente toca, ele vibra com o nosso corpo, e essa vibração cria uma conexão muito forte, como se os dois corpos, o do músico e o do instrumento, virassem um só”, explica. Para o músico, essa característica torna o violoncelo especialmente capaz de "transmitir emoções de forma direta e sensível ao público". Além de sua expressividade, o violoncelo é, segundo Cardoso, um instrumento versátil: “Pode cantar, acompanhar, fazer acordes, ser rítmico, até percussivo. É possível explorar muitos estilos e sons com ele”. Ainda assim, ele ressalta que a verdadeira magia do instrumento está na sua capacidade de "ressonar com quem toca e com quem escuta". Neste ano, sua participação no festival ganha um significado especial. Como artista residente, Cardoso está envolvido em diversas frentes: ensaios, aulas, concertos e interações com alunos e público. Um dos destaques será a estreia mundial de uma obra inédita do compositor Kali Akel, escrita especialmente para ele e para o festival. A peça, para violoncelo solista e orquestra de violoncelos, será apresentada pela primeira vez durante o evento. Acessibilidade e espírito comunitário Com ingressos a preços acessíveis — 20 €, com descontos para jovens e estudantes — o festival reafirma seu compromisso com a democratização do acesso à música de qualidade. Crianças de até 12 anos têm entrada gratuita, e há também a opção de passes semanais com tarifas sociais. A 20ª edição do Festival Violoncelles en Folie segue até 16 de agosto, em Briançon.

No dia em que o mundo recorda os 80 anos da bomba atômica lançada pelos Estados Unidos em Hiroshima, no Japão, em 6 de agosto de 1945, durante a Segunda Guerra Mundial, tensões crescentes entre potências nucleares reacendem o temor de que um ataque como esse volte a acontecer. Em entrevista à RFI, especialistas analisam o ritmo acelerado de uma nova corrida armamentista nuclear. O mês de julho de 2025 começou com o presidente americano Donald Trump ordenando o reposicionamento de dois submarinos nucleares, após declarações do vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia, Dmitry Medvedev, sugerindo a possibilidade de guerra. O pesquisador Gabriel Merino, chefe do Departamento de Estudos de Eurásia na Universidade de La Plata, em Buenos Aires, lembra que desde a saída dos EUA do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário, em 2019, o mundo vive uma nova corrida armamentista. Ele destaca que Washington planeja posicionar mísseis intermediários na Alemanha, enquanto a Rússia investe na produção em massa dos hipersônicos Loretchnik, que podem transportar ogivas nucleares e são quase impossíveis de ser interceptados pelos sistemas de defesa ocidentais. O especialista avalia que o uso de armas nucleares estratégicas continua improvável por causa da dissuasão mútua, mas alerta para a possibilidade de armas táticas – de menor poder destrutivo –, o que mantém elevada a tensão global. Proliferação de ogivas nucleares Em 6 e 9 de agosto de 1945, os Estados Unidos lançaram bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki, respectivamente, matando entre 129 mil e 246 mil pessoas. Foi a única vez na história em que armas nucleares foram usadas em combate, encerrando a Segunda Guerra Mundial e inaugurando a era nuclear. Para Merino, esse aniversário deve servir de alerta: “Com as capacidades nucleares de hoje, um conflito teria consequências devastadoras para a humanidade. É essencial que a dissuasão prevaleça para que a história de 1945 jamais se repita.” Em 1945, os EUA eram a única potência nuclear no mundo, lembra o historiador Matthew Pauly, da Universidade Estadual de Michigan. "O presidente Harry Truman justificou os ataques como forma de evitar uma invasão terrestre do Japão, que poderia causar ainda mais baixas entre soldados americanos e aliados", lembra o professor, ressaltando que o contexto atual mudou. Atualmente, há um equilíbrio maior de forças com a Rússia, a China e outras nações ampliando seus arsenais, segundo Pauly. Rússia e Estados Unidos respondem atualmente por cerca de 90% das 12 mil ogivas nucleares do mundo, segundo o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri), que alertou, em junho, para uma nova "corrida armamentista nuclear". Na segunda-feira (4), a Rússia anunciou que pode voltar a instalar mísseis de curto e médio alcance, acusando os Estados Unidos de posicionarem armas semelhantes na Europa e na região da Ásia-Pacífico. Moscou declarou que está abandonando a moratória que mantinha por conta própria, alegando que "deixaram de existir as condições" para manter o compromisso. Entretanto, o que está em jogo, atualmente, são os custos elevados de uma guerra tradicional, afirma Gabriel Merino. "Os custos incluem o risco de desaparecimento da humanidade como um todo", conclui. A esperança dos estudiosos do assunto é que Hiroshima ainda sirva de alerta e que a dissuasão nuclear continue prevalecendo, para que a história de 1945 jamais se repita.

Em mais uma das ações da Temporada Cultural do Brasil na França, três exposições fotográficas ilustram a Paris Plages, as chamadas praias de Paris. Com imagens de povos indígenas, amazônicos e de biomas naturais do país, as mostras abordam questões humanas e a preservação ambiental. Três fotógrafos foram escolhidos para trazer um pouco mais do Brasil para Paris. Um deles é o paulista João Farkas, que tem trabalhos expostos em grandes coleções no Rio de Janeiro, em São Paulo e espalhadas pelo mundo. Ele contou como foi feita a escolha das obras que ilustram a sua mostra na Paris Plages. "Houve um convite por parte do curador, Emílio Kalil, que já conhecia vários aspectos da minha obra. Ele me pediu uma sugestão de quais imagens a gente selecionaria para essa oportunidade. Então nós pensamos juntos que precisavam ser imagens com certo impacto visual, uma vez que vão estar expostas fora de uma galeria, fora de um museu, para um público geral e ao ar livre. Ou seja, as imagens têm que ter uma certa força", explica o fotógrafo. "Normalmente os meus trabalhos são sobre alguma região ou sobre alguma manifestação cultural brasileira, mas dessa vez nós resolvemos selecionar 16 imagens muito fortes visualmente, que têm uma característica comum que é uma aproximação diferente sobre a paisagem. São imagens mais gráficas, com mais saturação de cor e mais grafismos, então fizemos uma seleção baseada nesse critério", contou. Além de homenagear os povos amazônicos, as exposições têm o objetivo de alertar para a importância da preservação dos biomas. Direto de Belém, no Pará, o fotógrafo Luiz Braga falou sobre a emoção de ver as cores e contornos da floresta ilustrando as paisagens de Paris e também sobre a urgência de se tratar dos temas ambientais. "A importância de ter essas imagens tão típicas da minha terra em Paris é revelar e mostrar a Amazônia tão desconhecida para o público francês. Braga esteve em Paris para a abertura da mostra e gostou do contraste criado entre as suas imagens, compostas por casas, rios e igarapés, e a paisagem "monocromática" de Paris. "Para mim foi muito emocionante ver as cores da minha terra espalhadas na borda do Sena, e ajudando na compreensão da Amazônia, porque eu acho que é isso que é importante para a preservação do planeta: o conhecimento. O conhecimento está acima de tudo", destacou o fotógrafo. Além de João Farkas e Luiz Braga, a fotógrafa inglesa que vive no Brasil desde os anos 50, Maureen Bisilliat, também compõe o time de expositores. Suas obras estão disponíveis no décimo distrito de Paris, no Canal Saint Martin e apresentam as cores e a beleza dos povos indígenas registrados no Parque do Xingu. As paisagens e referências culturais têm encantado o público. O casal franco-australiano Françoise e Alan se surpreendeu com a beleza das imagens. Perguntados se estavam acompanhando a Temporada Cultural do Brasil na França, eles responderam que sabiam existir algo relativo ao país, mas que não conheciam as exposições. "Quando vi as fotos, imediatamente imaginei que havia algo de diferente e é magnífico", disse ela. Passeando pelas margens do Sena, próximo à prefeitura de Paris, o francês Benoit, que morou no Brasil quando criança, sentiu certa nostalgia ao encontrar as fotos de Luiz Braga. "É muito bonito. Traz de volta algumas lembranças, porque eu morei no Brasil quando era bem pequeno, entre 1 e 5 anos. Mas tenho fotos, lembranças... Meus pais voltam ao Brasil agora que estão aposentados, eles compartilham as fotos e é um pouco do que vejo aqui. Dá vontade de voltar", disse. As imagens ficam disponíveis até o dia 31 de agosto e podem ser vistas no Canal Saint Martin e em dois pontos nas margens do Sena, um próximo à prefeitura de Paris e outro no Quai de Célestins.

O cinema brasileiro é celebrado em uma exibição de seis filmes ao ar livre em Paris, como parte da programação da Temporada Cultural do Brasil na França. A mostra começou na noite de quinta-feira (31), diante de um telão montado às margens do rio Sena, e segue até sábado (2), com curadoria da Associação Jangada, a convite da Prefeitura de Paris e do comissariado brasileiro. Todos os filmes são transmitidos com áudio original em português e legendas em francês. Luiza Ramos, de Paris Na estreia, os presentes assistiram a duas obras do diretor Jorge Furtado: o consagrado curta "Ilha das Flores", de 1989, que figura na lista dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos, e o longa "Saneamento Básico", de 2007. A comédia com crítica social conta com um grande elenco, incluindo Camila Pitanga, Bruno Garcia, Lázaro Ramos, Tonico Pereira, Paulo José e a dupla Fernanda Torres e Wagner Moura, sinônimo de sucesso no cinema nacional, atraindo um público de brasileiros e também franceses. As cerca de 250 cadeiras dispostas pela Prefeitura de Paris lotaram tão rápido que a plateia passou a sentar no chão da calçada do rio, e alguns se arriscaram a assistir da altura da mureta à esquerda do telão para não perder o filme. Jean-Rémy Ricordel, francês da região da Bretanha, chegou cedo para garantir seu lugar na primeira fileira e apresentar aos amigos franceses um pouco da cultura brasileira que ele tanto aprecia, incentivado pela noiva, natural da Bahia: “O Wagner Moura eu conheço, vi alguns filmes com ele como 'Tropa de Elite', que eu adorei, e minha noiva é baiana, então ela sempre me falou muito dele. Eu acho legal ver esse filme agora que ele recebeu um prêmio no Festival de Cannes e acho legal poder conhecer um pouco mais da filmografia dele”, conta. A projeção dos filmes acontece ao lado de uma zona de mergulho no Sena, em uma área do evento de verão Paris Plages, que este ano homenageia o Brasil. No local, há DJs tocando música brasileira e barracas de venda de comidas típicas, criando o ambiente perfeito para uma experiência tropical. “Este ano é um ano especial porque tem uma grande parceria cultural entre a França e o Brasil, e muitos eventos estão acontecendo em Paris perto do rio Sena. Então é muito legal porque eu posso compartilhar a cultura brasileira com meus amigos franceses e mostrar muitas coisas para eles, como as comidas, as bebidas e até mesmo o cinema. É um grande prazer apresentar a cultura brasileira para eles. Tenho um amigo aqui que nunca provou uma coxinha ou um guaraná, então foi um momento especial”, descreveu Jean-Rémy. Filmes selecionados para uma viagem no cinema nacional A curadoria dos filmes foi feita pela diretora da Associação Jangada, Katia Adler, que organiza festivais de cinema em Paris e na Europa há 27 anos. Para Katia, a escolha dos seis filmes – três longas e três curtas exibidos em três dias – visa representar momentos diferentes do cinema nacional: “O ‘Central do Brasil' é um filme de emoção, o ‘Saneamento Básico' é uma comédia e o 'Aumenta que é Rock and Roll' é uma comédia, mas com música, muita música brasileira. São três momentos do cinema brasileiro. Eu acho que é muito significativo a gente mostrar o nosso cinema no rio Sena e os curtas também”, diz Katia Adler. Quando a produtora cultural recebeu o convite para selecionar os filmes, ela não teve dúvidas: “Eu pensei imediatamente em ‘Central do Brasil' porque ninguém de 20 e poucos anos viu o filme no telão. É um filme que recebeu muitos prêmios e é do Walter Salles. Então, eu achei que era interessante colocar. Depois eu selecionei 'Saneamento Básico' por causa da Fernanda Torres. E o Wagner Moura que ganhou prêmio de melhor ator este ano no Festival de Cannes”, explica. “O terceiro filme é ‘Aumenta que é Rock and Roll' que recebeu dois prêmios na 27ª edição do Festival Jangada deste ano”, enumera. A estudante de Brasília Ana Luiza Flores, de 24 anos, vive há um ano em Paris e aprova a iniciativa da exibição de filmes a céu aberto. A jovem, entusiasta da sétima arte, contou ter prestigiado o Festival Jangada este ano e convidou amigos para o evento na beira do Sena. “Eu acompanho bastante. Este é o meu segundo festival de cinema em Paris, e os filmes brasileiros estão sensacionais. Gosto muito deste, especificamente, porque ele é ao ar livre – dá para sentir o clima da cidade no verão – e também por conta da qualidade dos filmes que foram selecionados. Eu vim neste festival por conta do filme ‘Saneamento Básico', que é bem renomado e foi uma descoberta que fiz recentemente do cinema brasileiro após os atores que estão nele ganharem prêmios”, aponta Ana, enumerando Fernanda Torres e Wagner Moura. Leia tambémJornal francês Libération publica perfil de Wagner Moura: "o ator mais legal do mundo" A programação de cinema ao ar livre no evento Paris Plages pode ser encontrada no site da Prefeitura de Paris.

Vários programas de Observação da Terra da Agência Espacial Europeia (ESA), que celebra 50 anos em 2025, contam com a colaboração de instituições brasileiras e a missão europeia Biomass, lançada no final de abril, é emblemática dessa parceira histórica entre a Europa e o Brasil no setor espacial. Adriana Brandão, enviada especial da RFI a Kourou e a Belém* O inovador satélite Biomass de monitoramento de florestas tropicais foi colocado em órbita no dia 29 de abril, a bordo de um foguete europeu Vega C, lançado da Centro Espacial de Kourou, na Guiana Francesa. Seu objetivo é entender o ciclo do carbono, estocado ou emitido, assim como “as contribuições das florestas tropicais para as mudanças climáticas e as suas vulnerabilidades em relação a essas mudanças”, salienta o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e coordenador do programa de Mudanças Climáticas FAPESP, Luis Aragão. Essa missão cientifica europeia começou a ser imaginada há anos, lembrou a pesquisadora Selma Cherchali do Centro Nacional de Estudos Espaciais (CNES), que é a agência espacial francesa, durante o lançamento do Biomass. Segundo ela, havia muitos dados de campo sobre as florestas, mas coletados isoladamente, com metodologias variadas. ”Questionamos como poderíamos comparar os dados espaciais do satélite com dados de campo que não fossem adquiridos da mesma forma em todo o planeta. Em 2010, organizamos um encontro internacional na França para discutir esse assunto. Foi o início do programa Geo-Trees. Todo esse trabalho foi realizado graças à preparação da missão de Biomass”, recorda Selma Cherchali. O Geo-Trees é uma rede mundial de inventário de florestas que “coleta dados de campo de maneira duradoura” sobre a identificação de todas as espécies vegetais, o crescimento das árvores e a evolução do bioma, etc... Na Guiana Francesa, o sítio Paracou, a 50 quilômetros do Centro Espacial de Kourou, é esse laboratório tropical europeu. Satélite Biomass O Brasil, que possui a maior parte da Floresta Amazônica, integra a Geo-Trees. A participação do INPE na validação de dados foi fundamental para a preparação da missão cientifica Biomass do programa de Observação da Terra da Agência Espacial Europeia. O satélite inovador é equipado com uma antena sincronizada na Banda-P, que é uma frequência de ondas longas, capaz de penetrar as copas das árvores e estudar a composição das florestas até o solo. “O satélite foi realmente concebido para conseguir detectar essas variações (na biomassa) em áreas com florestas muito densas que ocorrem na região tropical”, detalha Luis Aragão, que integra o conselho científico do Geo-Trees . Para ele, a missão Biomass é simbólica dessa parceria entre o Brasil e a Agência Espacial Europeia. “É uma missão e uma parceria simbólica pelo fato de nós estarmos envolvidos desde o começo. Espero que essa parceria gere muito avanço no conhecimento científico que nós temos aqui no Brasil”, diz. A criação, junto com os parceiros europeus, de cursos de formação e capacitação de novos cientistas nessa área é outra expectativa do pesquisador brasileiro. “Uma possibilidade para que a gente tenha uma força de trabalho no futuro capaz de de analisar esses dados de alta complexidade, visando que, não só o Brasil, mas a Europa, e o resto do mundo, encontrem soluções para a mitigação e a adaptação às mudanças climáticas”, espera. Agregando dados Os dados inéditos enviados pelo satélite Biomass sobre a saúde e a evolução das florestas tropicais e o ciclo do carbono serão colocados à disposição de todo o mundo, gratuitamente; a partir do segundo semestre de 2025. Eles vão se somar aos dados já recebidos de outros satélites de observação da Terra que ajudam o INPE a monitorar a Floresta Amazônica. Alessandra Rodrigues Gomes é diretora da Coordenação Espacial da Amazônia (COEAM) do INPE, localizada em Belém, no Pará. No local, os computadores das equipes do COEAM recebem e analisam as imagens enviadas por satélites para medir e mapear o desmatamento das florestas tropicais. “A gente costuma dizer que o INPE é um fazedor de dados, um fazedor de mapas. Nós geramos informação. Quanto mais informação você tem, mais fácil se torna tentar evitar com que esse desmatamento se consolide”, salienta a coordenadora. Uma vez constatada alguma alteração no bioma, o dado gerado é enviado para os setores responsáveis pela fiscalização. “No caso do Brasil, o Ibama faz fiscalização, além de outros órgãos estaduais e municipais. Para o INPE, cabe gerar mais informação. Para as outras instituições, cabe evitar o desmatamento. É um trabalho em conjunto. Mas se não há na ponta a fiscalização, o monitoramento vai continuar existindo”, ressalta Alessandra Gomes. Cooperação histórica A cooperação do Brasil com a ESA começou em 1977, apenas dois anos depois da criação da agência europeia. No início, o acordo, assinado com a Agência Espacial Brasileira (AEB), abrangia apenas a utilização do Centro de Lançamento de Natal para o monitoramento de foguetes europeus lançados da Guiana Francesa. Mas a partir dos anos 1990 e o aprofundamento dos estudos sobre as mudanças climáticas, foi estendido para vários programas de Observação da Terra. “Fizemos muitas campanhas de validação de dados sobre a cobertura florestal tropical, por exemplo, com o Brasil. Uma colaboração muito estreita com o INPE. Essa colaboração foi desenvolvida ao longo de 30, 40 anos, nas áreas de capacitação. Fizemos cursos de treinamento conjuntos sobre radar. Também recebemos na Agência Espacial Europeia profissionais brasileiros para estágios de especialização. E recentemente, temos colaborações mais focadas na calibração e validação de dados para lançamentos de novas missões”, elenca Simonetta Cheli, diretora do departamento de Observação da Terra da ESA. Em 2002, um acordo de cooperação foi assinado entre a ESA e o Brasil com validade até 2025, mas um adendo acaba de pedir a sua extensão por mais 10 anos. Parceria estratégica Nesse momento de tensões geopolíticas internacionais, a parceria com a Europa no setor espacial é considerada estratégica por Luis Aragão. “A Europa tem se destacado atualmente como um grande parceiro na área espacial, não só com o lançamento do Biomass, mas também com a sua constelação de satélites Sentinel, que já vem gerando dados de altíssima qualidade e onde o INPE também é um parceiro”, informa. O Brasil é o “hub de informações do Sentinel” e o INPE tem uma estrutura que distribui os dados dos satélites europeus não para o Brasil, como também para toda a América do Sul. De acordo com Luis Aragão, “esses dados têm sido usados nas nossas pesquisas e nossos programas operacionais de monitoramento do desmatamento e degradação florestal. O Biomass irá agregar informação a todo esse arcabouço operacional sobre os impactos desses eventos nos ecossistemas naturais brasileiros e globais também”, Dando visibilidade a essa parceria, a Agência Espacial Europeia deve participar junto com o INPE e a Agência Espacial Brasil de atividades na COP 30 do Clima que acontece em novembro, em Belém. *A viagem foi realizada a convite da Agência Espacial Europeia

O Centro Espacial da Guiana Francesa (CSG) é a principal porta de acesso da Europa ao Espaço. Mas sozinha a base de lançamento de Kourou não pode garantir a segurança dos voos e precisa de estações de monitoramento de foguetes espaciais espalhadas pelos quatro campos do mundo, como o Centro de Lançamento da Barreira do Inferno, em Natal. O Brasil é um dos parceiros históricos da Agência Espacial Europeia, que está completando 50 anos. Adriana Brandão, enviada especial da RFI a Kourou* De Kourou são lançados os foguetes europeus Ariane 6 e Vega C utilizados para colocar satélites em órbita ou para missões interplanetárias. Os lançamentos são preparados minunciosamente durante meses e até anos antes da data prevista. A segurança dos voos é de responsabilidade do CNES, a agência espacial francesa, proprietária do Centro Espacial da Guiana, que opera em parceria com a empresa Arianespace e a Agência Espacial Europeia (ESA). Jean-Frédéric Alasa, diretor de Operações do CNES, diz que essa é uma cooperação complementar e estreita que começa muito antes de um lançamento. "O diretor de Operações e o responsável de Missão da Arianespace são um binômio. A Arianespace gere o foguete e o diretor de operações a parte relacionada à base de lançamento e à segurança do voo", informa. Ele detalha que a proteção de bens e pessoas e do meio ambiente é uma das missões soberanas do CNES. "Isso significa que quando o foguete decolar, se ele não estiver na trajetória correta, atuaremos, mas nas condições climáticas ideais para evitar que, em caso de queda, os destroços não caiam em áreas habitadas, por exemplo", explica. Monitoramento do voo No último dia 29 de maio, a RFI pôde acompanhar o lançamento de um foguete Vega C, que colocou com sucesso em órbita o satélite Biomass da Agência Espacial Europeia. Assim que o foguete deixa a base de lançamento, ele é monitorado durante toda a sua trajetória. Os satélites podem ser colocados em órbita polar, ou geoestacionária, na linha do Equador. Nos primeiros minutos do voo, o rastreio é feito pelas poderosas antenas parabólicas da estação de Galliot, na Guiana Francesa, que fica a poucos quilômetros da base de lançamento de Kourou. Localizada em uma montanha, o local é protegido, cercado de arame farpado e com entrada restrita para evitar qualquer falha ou vazamento no esquema de segurança dos voos. O brasileiro Cleberson Miranda trabalha na estação há mais de 20 anos. Ele nasceu na Guiana Francesa, mas é filho de brasileiros, e sonhava em integrar a equipe do Centro Espacial de Kourou desde criança. "Nosso trabalho tem que ir até o fim da missão, quer dizer, ou o foguete vai ser desaorbitado ou ele vai ser passivado para ficar em órbita, mas sem perigo", indica o responsável pelo Sistema de Telemetria do CNES. Base da Barreira do Inferno de Natal Em 10 minutos, os foguetes saem dos radares da estação de Galiot, que passa a contar com a ajuda de outras estações terrestres para monitorar os voos que duram em média duas horas. "Quando o voo é para o norte, a gente tem uma estação nas ilhas Bermudas, e quando é para o leste, a próxima estação é a de Natal. A gente tem um acordo com a Agência Espacial Brasileira, a AEB, e com o CLBI, que é o Centro de lançamento da Barreira do inferno". As bases de monitoramento terrestres espalhadas pelos quatro cantos do mundo, como a de Natal, passam a ser o “olho” do Centro Espacial da Guiana, que continua sendo o responsável pela segurança do voo. As antenas dessas bases recuperam a telemetria emitida pelo foguete e enviam para Kourou, que faz o tratamento dos dados. Essas parcerias são indispensáveis. "É essencial. Não podemos lançar sem essas colaborações aí pelo mundo. Depois que o foguete é lançado, temos de monitorá-lo até ele não ser mais um perigo. A autorização de voo só é dada se tiver os meios de monitorar isso durante todo esse tempo", salienta o brasileiro. Além de Natal, o centro espacial da Guiana conta, por exemplo, com a colaboração das bases de Malindi, no Quênia, que pertence à Agência Espacial Italiana, de Gatineau, da Agência Especial do Canadá, ou a New Norcia, localizada na Austrália e que pertence à Agência Espacial Europeia. Parceria histórica Mas a parceira com o Centro de Lançamento da Barreira do Inferno é a mais antiga. O Brasil participa do monitoramento dos foguetes lançados de Kourou desde o início e foi o segundo país a assinar um acordo com a Agência Espacial Europeia em 1977, depois da Índia. A cooperação para a instalação na base brasileira de uma estação de telemetria para o rastreio dos foguetes europeus foi assinada somente dois anos depois da criação da ESA, em 1975. A Barreira do Inferno é o primeiro centro de lançamento de foguetes da América do Sul. Localizada no município de Parnamirim, a cerca de 12 km de Natal, a base da Força Aérea Brasileira foi fundada em 1965, com o objetivo de contribuir para o avanço de tecnologias espaciais brasileiras. O coronel aviador Christiano Haag, diretor do CLBI, ressalta que essa parceria com a ESA também é "muito importante" para o Brasil. "A Agência Espacial Europeia é responsável pela instalação e manutenção dos equipamentos e, mais importante, pela atualização da nossa estação. É ainda disponibilizado um treinamento para os recursos humanos e existe um pagamento financeiro que entra com os cofres públicos", informa o coronel. Fabrizio Fabiani, diretor do programa Vega na Arianespace, lembra que a base de Natal é usada quase sempre nas "missões geoestacionárias" e que essa "parceria histórica com o Brasil é muito importante e robusta". Uma parceria de "sucesso e estratégica" para o desenvolvimento do programa espacial das duas agências, ressalta o coronel Christiano Haag, garantindo que "até hoje nós tivemos 100% de sucesso no rastreio dos foguetes lançados a partir de Kourou". Cleberson Miranda recorda que "a parceria com Natal existe desde o primeiro lançamento de Kourou" e espera que ela "ainda vá continuar um bom tempo". *A viagem foi realizada a convite da Agência Espacial Europeia

O Centro Espacial da Guiana (CSG) é considerado estratégico para a Agência Espacial Europeia (ESA), que está completando 50 anos em 2025. A RFI visitou no final de maio a base de lançamento de foguetes instalada na cidade de Kourou, entre a floresta Amazônica e o oceano Atlântico, e pôde assistir ao lançamento do foguete Vega C. Adriana Brandão, enviada especial da RFI a Kourou* A base de Kourou é a principal porta de acesso da Europa ao espaço. Ela foi construída nos anos 1960 pela França em seu território na América do Sul, vizinho do estado brasileiro do Amapá. Desde meados dos anos 1970, com a criação da Agência Espacial Europeia (ESA), a base é operada conjuntamente pelos europeus, pela CNES, que é a agência espacial francesa, e pela empresa Arianespace. De Kourou são lançados atualmente os foguetes europeus Ariane e Vega utilizados para colocar satélites em órbita ou para missões interplanetárias. A base é fundamental para a autonomia e a soberania do programa espacial europeu. A franco-brasileira Renata Bragança é guia turística no Centro Espacial da Guiana, também chamado de Porto Espacial da Europa, há oito anos. Segundo ela, o CSG é muito mais importante para a Europa do que para o território francês. O centro "permite que a Europa seja independente na indústria espacial. Sabendo que tem mais ou menos 15 bases no mundo todo, o importante mesmo é ter esse acesso independente ao espaço para a França e para a Europa. Aqui, ela [a base] só representa 12% do Produto Interno Bruto da Guiana", informa. Cada novo lançamento reforça autonomia espacial europeia Em 2025, já foram feitos com sucesso três lançamentos do Centro Espacial da Guiana. Mais cinco estão previstos até o final do ano, reforçando a independência da Europa de infraestruturas e políticas dos Estados Unidos, da Rússia ou da China. No final de maio, durante o lançamento do foguete Vega C, que colocou em órbita o inovador satélite europeu Biomass para monitorar florestas tropicais, a RFI conversou com o presidente-executivo da Arianespace, David Cavaillolès. Ele salientou que a empresa Arianespace defende há décadas a autonomia espacial europeia. "Cada lançamento bem-sucedido reforça a autonomia de acesso da Europa ao espaço", enfatiza. Ao comentar as tensões geopolíticas atuais e a nova política espacial americana, por exemplo, David Cavaillolès disse que esse contexto reafirma a posição europeia. "A evolução geopolítica atual confirma nossa posição e mostra que precisamos, em nível europeu, ter uma resposta forte, porque é realmente no nível dos continentes que essas questões estão em jogo. Penso que, com Ariane e Vega, damos essa resposta", acredita. Satélites comerciais, governamentais e científicos Os foguetes lançados da base de Kourou colocam em órbita satélites de comunicação, de observação da Terra, meteorológicos e de navegação para clientes comerciais, como Amazon, governos e instituições científicas. Além dos satélites, Ariane também é capaz de realizar missões científicas interplanetárias, como o telescópio James Webb, lançado em 2021. A grande maioria dos satélites e missões da Agência Espacial Europeia é lançada da base guianense. Nesses 50 anos, a ESA desenvolveu programas como o Galileo, que é o GPS europeu, ou o Copernicus – um sistema de observação da terra para apoiar estudos ambientais e climáticos. "Nossos programas podem melhorar as estatísticas agrícolas, a compreensão e os riscos de catástrofes, o fluxo de migrantes e muitas outras aplicações ligadas à utilização do espacial", aponta Simonetta Cheli, diretora dos Programas de Observação da Terra da ESA. O setor espacial está entre os dez considerados estratégicos para a Europa, segundo o relatório de competitividade elaborado pelo ex-primeiro-ministro italiano Mario Draghi. Nesse contexto, a agência espacial europeia desempenha um papel fundamental. “O trabalho realizado é uma grande conquista para todos – cientistas, instituições, indústrias – mas especialmente para os países membros da ESA, que este ano comemora seus 50 anos”, avalia Simonetta Cheli. Localização privilegiada De acordo com a diretora do Departamento de Observação da Terra, “todos os 23 países europeus que compõem a agência contribuem, neste momento, para esse acesso estratégico ao espaço, que deve ser preservado no futuro para garantir uma verdadeira autonomia da Europa nesses setores”. A localização do CSG, próxima ao Equador, é privilegiada, pois permite a redução de custos e maior eficiência nos lançamentos. Quanto mais próximo do Equador, menor o consumo de combustível necessário para colocar satélites em órbita. “É importante usarmos o mínimo possível de combustível, especialmente agora que buscamos levar combustível a bordo de missões futuras para tentar aumentar a vida útil dos satélites e evitar sobrecarregar as órbitas”, ressalta a diretora da ESA. Isso permitiria reduzir o lixo espacial, que atualmente é um dos grandes desafios do setor. Estar em território francês também é uma vantagem “em termos de segurança”, aponta Simonetta Cheli. Kourou também está localizada em uma região livre de terremotos e furacões. Atração turística Além de representar uma porta de acesso da Europa ao espaço, o Centro Espacial da Guiana é uma atração turística popular. A base recebe cerca de 20 mil turistas por ano. As instalações de alta tecnologia, com suas bases de lançamento, centro de controle, locais para a montagem de foguetes e preparação de satélites, são o "segundo local mais visitado da Guiana Francesa, depois das ilhas que receberam presidiários entre os anos 1880 até 1950", informa a guia Renata Bragança. A base recebe tanto turistas locais, franceses e estrangeiros, quanto clientes interessados em contratar o serviço europeu para o envio de satélites. A maioria dos visitantes não consegue assistir a um lançamento, que ocorre poucas vezes por ano. "Eles ficam só um pouco tristes por não poderem ver um verdadeiro foguete, só um modelo que não é lançado. Mas ficam muito felizes em poder ver como se prepara um lançamento", relata Renata. *Viagem realizada a convite da Agência Espacial Europeia

A cantora e compositora brasileira Bia Ferreira segue em turnê de verão pela Europa, levando ao público uma arte que ultrapassa o entretenimento. Com passagens por mais de 16 países entre 2023 e 2024, a artista mineira é presença marcante nos principais festivais internacionais, como o Festival de Músicas do Mundo, realizado na cidade alentejana de Sines, em Portugal, onde conversou com a RFI. Lizzie Nassar, correspondente da RFI em Lisboa Conhecida por um repertório autoral que aborda racismo, feminismo negro, desigualdade, xenofobia e direitos humanos, Bia acredita no poder da arte para provocar reflexão e transformação. “Existem assuntos sérios que, se eu falasse diretamente, poderiam soar agressivos. Mas quando eu canto, eles chegam ao coração das pessoas. É minha forma de comunicação”, afirma a cantora. Entre aeroportos e palcos, Bia tem vivido uma rotina intensa de apresentações internacionais. “Faço um tipo de arte que não é bem recebida em todos os lugares, justamente porque faz as pessoas pensarem”, diz. Apesar dos temas densos que permeiam seu trabalho, Bia salienta que "o sofrimento não a define". "O racismo, a xenofobia que eu enfrento, não são o que me moldam. O que me define é a alegria de viver, é pagar as contas da minha família com música, é estar perto dos meus.” Três discos a caminho: acústico, rap e reggae Mesmo em meio à turnê, a artista prepara três novos álbuns com propostas e sonoridades distintas: um trabalho acústico, apenas voz e violão, em formato intimista; um disco de rap que narra suas experiências de estrada e reflexões sobre qualidade de vida; e um projeto de reggae. “Estou decidindo a ordem de lançamento ainda. Cada disco tem sua história e um público com o qual quero me conectar”, conta. EUA na rota, com receios e resistência Após apresentações em países como Bélgica, França e Portugal, Bia seguirá para os Estados Unidos. Um dos compromissos mais simbólicos será no The Kennedy Center, em Washington, onde fará um show ao lado da Casa Branca. Apesar da honra, a artista revela preocupação diante do cenário político norte-americano. “O Trump demitiu os democratas e colocou só republicanos lá. Tenho medo de cantar as coisas que canto nesse contexto, por conta da política de imigração e do cancelamento de vistos”, desabafa. Sem residência fixa no Brasil ou no exterior, Bia se define como uma “nômade cultural”. Para ela, essa condição revela muito sobre como os países enxergam o imigrante. “Se um brasileiro vem para a Europa, ele é imigrante. Mas quando um europeu vai para outro país, esse título não se aplica da mesma forma. Há uma diferença clara na forma como as leis de imigração são aplicadas, e isso precisa ser discutido”, aponta. Durante a carreira artística, Bia aprendeu três idiomas: francês, inglês e espanhol. “A arte me deu asas. Me permitiu ser uma poliglota da cultura e me orgulhar de levar a bandeira do Brasil para onde eu for.” Homenagem a Preta Gil No Festival de Músicas do Mundo de Sines, Bia prestou uma homenagem emocionante à cantora Preta Gil, que considera uma inspiração. “Depois dela, muitas mulheres se empoderaram para ser quem são. Nós, mulheres, somos a maior parte da população mundial", enfatizou, no palco. "É inaceitável que as políticas públicas não sejam feitas pensando em nós”, declarou diante da plateia, arrancando aplausos do público ao entoar versos como “eu sou preta, essa é minha preta, me deram um palco e eu vou cantar”. Preta Gil faleceu no domingo passado (20), aos 50 anos, em Nova York, após dois anos de luta contra um câncer no intestino.

Alugar uma casa em Portugal tem se tornado uma verdadeira batalha – especialmente para imigrantes. A crise habitacional no país não só elevou os preços dos imóveis, como também impôs condições cada vez mais precárias para quem busca um lar digno. Essa dura realidade inspirou o cineasta brasileiro Danilo Godoy a transformar sua própria experiência em arte: nasceu o curta-metragem “Procuro T”, exibido recentemente na Cinemateca de Lisboa. Lizzie Nassar, correspondente da RFI em Lisboa Em Portugal, a designação dos imóveis segue uma classificação que utiliza a letra “T”, seguida de um número (por exemplo, T0, T1, T2), indicando o número de quartos existentes. Um T0 corresponde a um espaço sem divisão de quarto – como um estúdio – enquanto um T1 tem um quarto, um T2 tem dois, e assim por diante. O filme é difícil de rotular. Mistura cenas reais com atuação, levantando uma questão provocadora: onde termina a realidade e começa a ficção? “Eu gravei em manifestações, em apartamentos nas mesmas condições que vivenciei. Os atores têm histórias muito semelhantes às do roteiro. É tudo misturado”, explica Danilo. Segundo ele, a proposta do filme vai além de denunciar. Trata-se de um grito coletivo pela mudança. “Quando a realidade é dura demais, não basta só mostrar. É preciso transformar. Essa é a minha forma de lutar”, diz. A crise habitacional em números O cenário não é alentador. De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), um em cada quatro inquilinos portugueses gasta pelo menos 40% do seu salário com despesas de habitação, incluindo aluguel, água, luz e gás. Nos últimos anos, os preços dos imóveis aumentaram 106%, enquanto os salários subiram apenas 35%. O valor médio dos aluguéis subiu 7% (2024), o maior aumento dos últimos 30 anos, com destaque para Lisboa e o Norte. Vida real: casas pequenas, contratos precários e pagamentos em dinheiro Patrícia Breternitz Pereira e o marido, imigrantes brasileiros, estão no terceiro endereço em quatro anos. O atual é um T0 minúsculo, compartilhado com outras casas no mesmo prédio, com energia elétrica instável, um contrato irregular e localizado a 30 quilômetros do centro de Lisboa. “Pagamos € 700 por mês, mas consta nas Finanças (órgão responsável pelo registro de contratos e cobrança de impostos) apenas € 600, o equivalente a R$ 3.900. O dono quer o restante em dinheiro. Para entrar no imóvel, tivemos que pagar € 2.100 (R$ 13.650), entre caução e seguro”, relata Patrícia. Ela ainda conta que seu nome não foi incluído no contrato, dificultando sua regularização no país. Em Portugal, é comum encontrar proprietários que não registram contratos nas Finanças ou o fazem com valores inferiores ao realmente cobrado, para driblar o pagamento de impostos. Outra imigrante, a psicóloga Fernanda, vive há três anos em Portugal e já passou por sete moradias diferentes. Atualmente paga € 500 (cerca de R$ 2.550), por um quarto, que divide com mais três pessoas. “Já morei numa cozinha. Era desconfortável, sem sala, e com muito barulho. Nunca tive contrato de aluguel formal. Sempre situações temporárias, improvisadas”, relata. A habitação é hoje um dos principais componentes da inflação em Portugal. O reajuste dos aluguéis representa quase três vezes o aumento geral dos preços no país. Danilo levou seu curta para o Short Film Corner do Festival de Cannes, ainda em versão não finalizada. A recepção foi positiva e, agora, ele quer que a obra ganhe o mundo. “Quero que esse filme chegue ao Brasil, à Argentina, a toda a América Latina. Mas, acima de tudo, quero que os imigrantes aqui na Europa se unam. Temos histórias parecidas. Precisamos nos ouvir e agir. O cinema é a nossa arma”, justifica.

Diante da escalada de tensão na relação institucional entre Brasil e Estados Unidos, analistas e setores exportadores não apostam em um entendimento rápido acerca das novas tarifas sobre os produtos brasileiros, mesmo com prejuízo certo para os dois lados. Com a atuação do clã Bolsonaro para desestabilizar o processo penal contra o ex-presidente a partir da pressão americana, Alexandre de Moraes impõe medidas restritivas a Jair Bolsonaro. E Donald Trump reagiu no mesmo dia. Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília. A semana terminou com Jair Bolsonaro de tornozeleira eletrônica, recolhido em casa, enquanto o governo Donald Trump proibiu a entrada nos Estados Unidos de Alexandre de Moraes e de outros ministros da Suprema Corte brasileira. E a fúria trumpista, após o périplo de Eduardo Bolsonaro nas terras estadunidenses para livrar o pai da cadeia, gera expectativa de um novo pacote anti-Brasil. Porém, a análise política é de que as medidas restritivas a Bolsonaro mostram que a investida da família tem sido um tiro pé do ex-presidente. “Houve a percepção generalizada que o país inteiro está sendo prejudicado por conta da família Bolsonaro", diz o analista político Diogo Cunha, da Universidade Federal de Pernambuco. "Eles deram de bandeja para o PT e para o Lula a bandeira do patriotismo, do nacionalismo, da soberania. E as instituições também reagiram. Então, sem dúvida, isso piorou significativamente a situação do ex-presidente”, acrescenta. “A atuação de Eduardo Bolsonaro é mais um passo no processo de politização e de pressão que eles querem fazer sobre o Judiciário, tentando mostrar força, inclusive com ajuda do presidente da maior potência do mundo, que pode realmente prejudicar o Brasil. Agora, evidentemente, isso não funcionou, pelo contrário”, conclui Cunha. Perdas de U$ 1 bilhão A atual crise tem reflexos gigantes na economia. Dados da AEB, a Associação de Comércio Exterior do Brasil, mostram que já houve recuo de exportações na ordem de U$ 1 bilhão desde que a tarifa de 50% sobre tudo o que o Brasil vende para os Estados Unidos foi anunciada. “Nós começamos a ver nas estatísticas, agora no mês de julho, que está havendo uma queda nas exportações brasileiras em torno de U$ 100 milhões por dia. Isso significa, até aqui, uma queda de pelo menos U$ 1 bilhão. Basicamente, todos aqueles setores que têm acordos de longo prazo vão ser afetados porque há uma mudança brusca. Setores como calçados, carne bovina, aviões”, explica José Augusto de Castro, presidente-executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). “A expectativa era de que essa tarifa de 50% fosse revertida no curto prazo, mas agora o ambiente está mais carregado, com declarações tanto do lado americano quanto do brasileiro. A questão política está pesando mais do que a técnica. Então, essa taxa deve perdurar por mais algum tempo. Pode ser duas ou três semanas. Também pode mudar de uma hora para outra, mas o cenário político aponta que não será no curto prazo”, afirma Castro. Para reduzir prejuízos aos empresários brasileiros, o dirigente da associação defende a negociação e não a reciprocidade. E diz que substituir mercados, no cenário atual, não é tão fácil como muitos pregam. “Todo mundo está buscando mercados alternativos, o Brasil, os Estados Unidos, a China, a Europa. Todos os países. Então é muito difícil, é uma concorrência muito grande. E buscar mercados alternativos pode demandar tempo. Dependendo do produto, pode demorar três meses, seis meses, um ano, e às vezes não vai ter resultado”, ressaltou. Negociações conjuntas e não bilaterais Ao assumir abertamente que o lema do clã bolsonarista hoje é "nossa família acima de tudo", Eduardo Bolsonaro tem gerado muito debate nas redes sociais com suas declarações. Ele chegou a dizer, em entrevista à CNN, que “Trump não vai recuar diante de Alexandre de Moraes. E se houver um cenário de terra arrasada, ao menos terei me vingado desses ditadores de toga”. Para evitar a terra arrasada, o analista internacional Alexandre Ueara, da ESPM, diz que o caminho é a negociação, porém não essa que os Estados Unidos têm forçado boa parte do mundo a fazer. “Negociar bilateralmente é fazer o jogo de acordo com as regras de Donald Trump. Sempre vai ter uma vantagem para os Estados Unidos nessas negociações bilaterais porque eles são a maior potência mundial, apesar da economia chinesa. Então, focar na negociação bilateral com Trump seria o pior dos mundos”, analisa. Como ainda faltam mais de três anos para terminar o mandato do presidente americano, o especialista sugere a convergência de interesses dos demais países para fazer frente à instabilidade comercial gerada por tantos tarifaços. “Se os Estados representam 26 % da economia mundial, podemos olhar pela perspectiva de que os demais países representam cerca de 74 % do PIB mundial. Os Estados Unidos estão ameaçando o Japão, China, Brasil, Europa, entre outros. E esses países juntos têm muito mais força na negociação. Uma atuação coletiva pode ter mais resultado nessa taxa de reciprocidade”, frisou Ueara. Política comercial discriminatória O uso das tarifas comerciais como arma política para defender aliados e empresas americanas, como as Big Techs, alcançou uma escalada que tem gerado críticas mundo afora. “De forma alguma a política externa que vem sendo implementada pelo governo Trump tem convergência com as regras internacionais de comércio. E esse segundo mandato Trump passou a implementar uma política externa absolutamente discriminatória, um descumprimento sério dos Estados Unidos perante o princípio mais importante da Organização Mundial do Comércio (OMC), que é o princípio da não discriminação”, afirmou a advogada Roberta Portella, mestre em Direito Internacional do Comércio e professora da FGV. Portella destaca, no entanto, que essa guinada americana não é de agora. “A primeira administração de Donald Trump já sinalizava essa postura que questiona o multilateralismo. Mas nós juristas e pesquisadores tínhamos a esperança de que numa mudança de governo esse tema seria acomodado. E não foi. O governo Joe Biden não assumiu uma nova postura perante a OMC. Isso trouxe um novo sinal de que, na verdade, é uma política de Estado e não de governo. E o assunto se intensificou agora, ganhou toda essa luz no segundo mandato de Trump.”

O Brasil foi o grande homenageado da tradicional queima de fogos da Torre Eiffel, espetáculo que marca o encerramento das comemorações do 14 de Julho, a festa nacional francesa. O verde e o azul tomaram conta dos céus de Paris e drones reproduziram imagens representando o samba e a Amazônia. Como acontece todos os anos, o encerramento da festa nacional aconteceu na Torre Eiffel. Diversos artistas se apresentaram em um concerto gratuito, em um palco montado no Campo de Marte. No programa, música clássica, ópera e samba. A música “Saudade fez um samba”, de João Gilberto, foi apresentada pela violoncelista brasileira Dom La Nena, junto à Orquestra Nacional da França. Já o sopranista Bruno de Sá interpretou a obra Bachianas Brasileiras nº 5, de Heitor Villa-Lobos. As referências ao Brasil continuaram ao longo de todo o show e no fim os artistas brasileiros se juntaram aos demais para cantar o Hino Nacional francês, a Marselhesa. Leia tambémSopranista brasileiro vai cantar em concerto do 14 de julho, um dos mais importantes da França Animais e sambistas Mas o ponto alto da noite foi, sem dúvida, a queima de fogos de artifício. Celebrando a amizade entre França e Brasil, o espetáculo, que durou 25 minutos, começou com a torre iluminada de verde e azul. Mais de mil drones foram responsáveis por formar frases e imagens, como figuras dançando samba, animais, corações e símbolos da França, incluindo a frase Liberté, Égalité, Fraternité (Liberdade, Igualdade e Fraternidade), além de uma homenagem aos dez anos da assinatura do Acordo de Paris, sempre acompanhados por música. Drones impactam o público O público compareceu em peso para prestigiar o espetáculo. Com algumas estações de metrô fechadas por questões de segurança nas imediações do Campo de Marte e do Trocadéro, uma multidão se aglomerou nos acessos mais próximos. Acompanhado da namorada, o francês Justin elogiou: “A encenação com os drones foi muito legal, com muita originalidade. E os fogos estavam lindos.” Já Solène, que é da Bretanha, falou sobre o encanto de ver o show de fogos ao vivo. “Foi a primeira vez que vi o espetáculo aqui em Paris e eu gostei muito! Já tinha visto pela TV, mas é verdade que, pessoalmente, é muito melhor.” Essa também foi a primeira vez que o francês Paul assistiu aos fogos ao vivo. “Foi excepcional! Acredito que seja o primeiro ano com os drones, e o espetáculo foi realmente fantástico”, disse. Festa nacional Mais cedo, também como parte da programação do 14 de Julho, foi realizado um desfile militar na Avenida Champs-Élysées, com a presença do presidente Emmanuel Macron.

O Brasil é o grande destaque dos Encontros de Arles, reunião obrigatória de profissionais e amantes da fotografia, que acontece no sul da França. O curador Thyago Nogueira apresenta duas mostras de porte: “Novos Ancestrais” e “No Lugar do Outro”. Patrícia Moribe, enviada especial da RFI a Arles “'Futuros Ancestrais' é uma exposição coletiva que apresenta uma geração nova e empoderado na arte brasileira, produzindo imagens a partir de múltiplas tecnologias - fotografia, vídeo, inteligência artificial, colagem”, explica Thyago Nogueira, editor da revista Zum e coordenador-chefe de arte contemporânea do Instituto Moreira Salles. “O objetivo é reinterpretar e narrar a história do Brasil e mostrar o Brasil contemporâneo. É uma exposição que mostra artistas que desafiam a maneira como a história do país foi narrada. Eles usam partes desses arquivos para tentar contar uma outra história do Brasil, para tentar completar lacunas, para enfrentar apagamentos e violências que esses arquivos produziram. Mas também usam a imagem para construir novas formas de comunhão e de solidariedade e para pensar a integração entre diferentes tradições e ancestralidades”, acrescenta Nogueira. Representatividade A mostra denuncia a violência histórica contra comunidades afro-brasileiras, indígenas e LGBTQIA+, questionando estereótipos e a história oficial. Artistas como Denilson Baniwa, Ventura Profana, Gê Viana, Mayara Ferrão, Yhuri Cruz e Igi Lọlá Ayedun usam colagem e IA para recompor arquivos visuais e criar novas representações de beleza, afeto e espiritualidade. O coletivo Lakapoy e Lincoln Péricles abordam os relatos oficiais através de arquivos fotográficos de suas próprias comunidades, enquanto Glicéria Tupinambá destaca a expropriação colonial e a restituição de objetos sagrados. A exposição também explora o corpo como arquivo e ferramenta de denúncia contra preconceitos, com obras de Rafa Bqueer, Castiel Vitorino Brasileiro, Melissa Oliveira e Paulo Nazareth. “É uma exposição de artistas que olham para o passado não como um lugar nostálgico ou congelado, mas como um lugar que precisa ser reativado e rediscutido para poder esclarecer o nosso presente e também para poder imaginar um futuro diferente do futuro que está previsto para eles”, explica Thyago Nogueira. Cláudia Andujar Paralelamente, Nogueira apresenta “Cláudia Andujar – À la place des autres (No lugar do outro)”, focada na primeira parte da carreira da fotógrafa Cláudia Andujar, antes de seu engajamento com o povo Yanomami. A exposição é o resultado de dois anos de pesquisa nos arquivos da artista. Cláudia Andujar, sobrevivente do Holocausto que chegou ao Brasil em 1955, começou a fotografar o país e a desenvolver seu olhar e sua forma de pensar a contribuição da fotografia para uma sociedade mais justa. A exposição apresenta suas primeiras séries, incluindo “Famílias brasileiras” (1962-1964), seu trabalho editorial para a revista Realidade (1966-1971), reflexões sobre a feminilidade em “A Sônia” (1971), fotografia de rua em “Rua Direita” (cerca de 1970), e suas primeiras incursões na Amazônia (1970-1972). As mostras nos Encontros de Arles acontecem no contexto da Temporada França-Brasil 2025. * Correção – ao contrário da informação anterior, das duas exposições curadas por Thyago Nogueira, apenas “Cláudia Andujar, No Lugar do Outro”, foi produzida pelo Instituto Moreira Sales.

Em audiência no tribunal de Chamberry, na região da Alta Sabóia, nos Alpes franceses, em 3 de julho, a Justiça rejeitou o pedido de liberdade condicional apresentado por Edi Maikel dos Santos Silva, estendendo a sua prisão por mais seis meses. Na prática, conforme demanda do Ministério Público francês, o ex-pastor brasileiro, acusado de seis crimes sexuais contra menores de idade na França, ficará preso até o julgamento, marcado para novembro deste ano. Maria Paula Carvalho, de Paris Natural de Belém do Pará, Edi Maikel dos Santos Silva, de 37 anos, está preso preventivamente por decisão do Tribunal de Annecy, no sudeste do país, desde maio de 2022. Sua detenção foi prorrogada quatro vezes, enquanto responde por três estupros e três agressões sexuais contra menores. Em três desses casos, o acusado tinha autoridade sobre a vítima, o que pode acentuar a pena, em caso de condenação. A RFI acompanha o processo em que pelo menos oito vítimas prestaram queixa à Justiça e relataram ter sido agredidas por Edi Maikel ao longo dos últimos 20 anos. Fabrício Cordeiro Brasil foi quem denunciou o ex-cunhado, após descobrir que duas de suas filhas haviam sido molestadas pelo ex-pastor. "Eu sinceramente estou um pouco aliviado, porque já há uma data fixada para o julgamento. Porém, sinto também uma pequena apreensão, porque não se sabe o que os juízes decidirão", disse em entrevista à RFI. "O ideal seria que ele pegasse cadeia mesmo. Pena máxima para ele pagar por tudo o que cometeu no território francês, tanto na Guiana [Francesa] quanto aqui na França", desabafou Cordeiro ao ser questionado sobre sua expectativa para o julgamento. "Mas também iremos insistir para que ele seja julgado no Brasil, porque lá ele também deixou vítimas. Espero que Justiça seja feita e que seja bem pesada para ele", completa. Um trauma para as vítimas Duas sobrinhas e a enteada de Edi Maikel estão entre as vítimas e todas eram menores de 15 anos no momento dos fatos. De acordo com os depoimentos à Justiça, aos quais a RFI teve acesso, o ex-pastor é acusado de tocar partes íntimas das meninas, de ter esfregado o pênis contra as nádegas e a vagina delas, acariciado o ânus e, em certos, casos, com penetração. Camilla Araújo de Souza é sobrinha de Edi Maikel, o que não impediu os abusos. Hoje, aos 28 anos, ela lembra das primeiras agressões. "Minha mãe surpreendeu a gente, ele tentando esfregar o pênis dele no meu bumbum", disse à reportagem da RFI. "As penetrações do pênis dentro da vagina começaram quando eu tinha 12 ou 13 anos. E sempre que não tinha alguém por perto, ele tentava algo. Me chantageava (dizendo) que ia se matar se eu não fizesse tal coisa", acrescenta. A RFI também ouviu as irmãs Kissia e Victoria Cordeiro, filhas do denunciante Fabrício Cordeiro, e citadas no processo. "Eu era pequena, tinha cinco ou seis anos, morava na Guiana Francesa", contou Kissia. "Nessa época, o meu tio Edi Maikel morou com a gente em um estúdio e ele dormia na mesma cama que eu. Todas as noites, eu me acordava com a mão dele na minha calcinha", revela. A irmã Victoria Cordeiro também diz ter sido abusada pelo tio. Foi em 2009, quando a família passava uma temporada no Brasil. Na época, a menina tinha quatro anos. Mas somente aos 17, a jovem tomou coragem para falar sobre o assunto. "Enquanto os outros dormiam, eu fui ao banheiro e Edi Maikel me seguiu. Eu pedi a ele para me ajudar, ele pediu que eu me virasse de costas e começou a me tocar de forma estranha nas partes íntimas. Foi desagradável, mas aos 4 anos, eu não sabia o que acontecia. Ele não parou, fazia coisas atrás de mim, apesar de eu chorar. Quando ele terminou, mandou eu me calar e me deu um pirulito para eu me conter", diz. O brasileiro, que chegou a atuar como pastor na França, pode pegar até 20 anos de prisão, já que a legislação do país prevê penas mais duras quando há agressão de membros da própria família. Elas eram crianças na época dos fatos e seus depoimentos serão fundamentais para uma possível condenação, segundo a advogada das vítimas. A RFI também entrevistou uma testemunha do caso, que prefere manter o anonimato. Ela era amiga da família e conta que também foi agredida por Edi Maikel. "Ele foi violento, me empurrou na parede e foi me agarrando, passando a mão em mim, nos meus seios e querendo me beijar", relata. "A prima dele que estava em casa ouviu a porrada na parede. Ela veio e começou a pedir para ele me largar. Foi quando ele meteu a mão na minha boca para eu não gritar e dizia que não ia me largar", conta. Hoje com 32 anos e mãe de um casal de filhos, ela espera que ele responda por seus atos. "Ele deve pagar porque deixou sequelas na vida das meninas e não só delas, pois cheguei a me sentir culpada", lembra. "É muito doloroso viver com isso. Eu fico me perguntando como as meninas viveram sem poder falar sobre isso durante todos esses anos, porque ele mexeu no psicológico delas", continua. "Ele é um monstro. Porque conhecendo a palavra de Deus, ele aproveitou disso para se aproveitar de cada uma das meninas e dos meninos, porque não foi só com meninas que ele fez isso", diz, ainda que todas as partes ouvidas no processo sejam hoje jovens mulheres. "Ele não tinha o direito de tirar a inocência de cada uma dessas crianças, desses jovens. Ele não tinha o direito de fazer isso", conclui. Réu diz ser inocente Ouvido pelo Justiça, Edi Maikel dos Santos Silva afirma ser vítima de um complô. Ele rejeitou todas as acusações, argumentando que se baseavam no contexto de um divórcio conflituosa de sua ex-esposa e na intervenção dela para colocar as sobrinhas contra ele. Ao ser interrogado pelo juíz, ele negou ter tido relações sexuais com as vítimas. O acusado passou por exames psicológicos. No laudo, ao qual a RFI teve acesso, ele revela ter sofrido agressões sexuais na adolescência. A RFI fez contato diversas vezes com o advogado do réu, sem obter resposta até a publicação desta reportagem. Pai de duas das vítimas, Fabrício Cordeiro Brasil diz, que apesar da proximidade do julgamento, o trauma permanece. "Infelizmente, sempre vai ficar, porque eram crianças. Nós, os pais, confiamos nele a ponto de deixar os nossos filhos, já que ele era tio. Além disso, ele era pastor. Nós confiávamos muito nele. Então, deixa um trauma sim. Esse trauma sempre vai ficar, infelizmente. A única solução é não pensar mais. Deixa essa ferida fechar, cicatrizar", conclui. O ex-pastor Edi Maikel dos Santos Silva continuará em prisão provisória até o julgamento, marcado para acontecer de 3 a 7 de novembro, na Corte Criminal de Annecy. Para a Justiça francesa, essa é a única forma de evitar que ele possa pressionar as vítimas, prejudicar a investigação ou mesmo fugir para o Brasil.

Há mais de duas décadas colorindo as ruas da capital francesa, o Carnaval Tropical de Paris voltou a encantar o público neste domingo (6), com um desfile vibrante na icônica Avenida Champs-Élysées. O tema deste ano foi Amazônias, trazendo ao público presente a diversidade cultural que engloba a floresta e a urgência das questões ambientais, em plena temporada de verão europeu. Luiza Ramos, de Paris Cerca de 20 grupos participaram do tradicional concurso carnavalesco, inspirado nos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro e São Paulo. Comunidades das Antilhas, Guiana Francesa, América Latina e Caribe se uniram para celebrar a mistura de culturas e reafirmar a importância da preservação ambiental. A escolha do tema também destaca o papel da Guiana Francesa, território ultramarino francês que compartilha com o Brasil uma vasta área de floresta amazônica. Segundo Joby Garnier, diretor do Carnaval Tropical, a proposta é unir festa e consciência: “Há 25 anos começamos esse carnaval em Paris com o apoio da prefeita e de muitos amigos. Hoje, celebramos o Ano do Brasil na França diante do Grand Palais e do Petit Palais. A Amazônia é a Guiana, é o Brasil, é tudo isso. Queremos que todas as diásporas participem. Chamamos de carnaval tropical porque é de todos os trópicos — e os parisienses também devem fazer parte disso”, disse Leia tambémGrand Palais de Paris anuncia programação brasileira inédita na temporada de 2025 após reformas Além da celebração, Garnier reforça o papel educativo do evento: “Vivemos em um mundo que precisa falar de ecologia. Não podemos oferecer nada sem conscientizar sobre o planeta. Já desperdiçamos tudo o que podíamos e agora precisamos consertar. Esse planeta nos pertence. São pequenos gestos coletivos como a escolha dos figurinos e a abordagem do aquecimento global que fazem a diferença. Fazer carnaval não significa ignorar os problemas. É um problema de todos nós”, afirma o diretor. Nesse contexto, os grupos carnavalescos optaram por materiais sintéticos e reutilizáveis na confecção das fantasias, como explicou o carnavalesco Marcelo Oliveira, da escola de carnaval G.R.E.S Azulinha, a segunda a desfilar na avenida. "Eu venho do Rio de Janeiro todos os anos desde 2022 para trazer nossa cultura nesta grande avenida Champs-Élysées, na cidade de Paris. A gente está usando muitas penas artificiais, para proteção dos animais, o que a gente chama de penas fakes", destacou o artista. Apesar da chuva fina e dos 18 °C, centenas de espectadores de todas as idades e origens compareceram para prestigiar o espetáculo. Ao longo de três quilômetros e quase cinco horas de desfile, a Champs-Élysées se transformou em um palco tropical, com dançarinos caribenhos, passistas brasileiras e muita música. Entre os presentes, a marfinense Beatrice Ceri, moradora de Paris há mais de 30 anos, compartilhou seu entusiasmo: “É meu quarto ano acompanhando o desfile. A atmosfera é sempre maravilhosa. A cada edição, há algo novo para descobrir. Eu adoro conhecer novas culturas — e, claro, gostaria muito de conhecer mais da cultura brasileira!”.

No último sábado (5), o Brasil foi tema de um grande baile em um dos lugares mais famosos de Paris. O samba, a capoeira e outros elementos da cultura brasileira tomaram conta do Grand Palais em mais uma ação do ano do Brasil na França. Sucesso desde que foi anunciado há algumas semanas, com ingressos gratuitos esgotados em poucos minutos após serem disponibilizados, o Grande Baile do Grand Palais não decepcionou os brasileiros que moram em Paris e muito menos os franceses e estrangeiros, que acompanharam fascinados as músicas, as danças e as fantasias que desfilaram sob a cúpula de vidro desse icônico monumento francês. “Está incrível esse carnaval no Grand Palais! O lugar é lindo, eu nunca tinha vindo e está todo mundo muito animado”, comentou a brasileira Aline Portugal. Já a pesquisadora russa Gulnara Zakharova contou que foi ao evento convidada por uma amiga brasileira e que se surpreendeu com a diversidade, bem como com os significados dos símbolos e fantasias da cultura das diversas regiões do Brasil. Ela elogiou ainda a beleza e a riqueza dos figurinos. “Eu adorei! Foi uma colega que me fez descobrir esse evento e eu realmente adorei o ambiente, a diversão total. Eu fiz uma maquiagem e eu adorei as músicas, as danças e as fantasias. É incrível! Paris é realmente um lugar que reúne todas as culturas e é muito bom poder participar de eventos como esse. Além disso, como russa, há muitas coisas em comum entre os dois países, até mesmo na música, no estilo, na maneira de festejar. Aqui eu me sinto em casa”, contou ela. Axé, frevo, samba e voguing Com apresentações de música e dança, com axé, frevo, samba, capoeira e até mesmo o voguing, o evento entregou uma grande mistura das representações culturais do país. A cantora Carla Visi, que levou ao Grand Palais os sucessos da banda baiana Cheiro de Amor e participou pela primeira vez da temporada do Brasil na França, falou sobre a oportunidade de trazer o axé para a capital francesa. “É uma felicidade imensa. A gente que trabalha cantando e levando a cultura de nosso país e principalmente da Bahia pelo mundo, quando a gente tem a oportunidade de celebrar essa cultura com tantos artistas, com performances maravilhosas e num espaço como esse, é muito emocionante”, disse. O grande baile do Grand Palais teve ainda shows de artistas como Puma Camillê, Karla Silva e Jorge Aragão, que se apresentaram para um público de cerca de duas mil pessoas. Trazendo uma mistura da capoeira de roda com a cultura do ballroom, Puma Camillê apresentou ancestralidade e voguing, numa performance ao som do berimbau que encantou e surpreendeu a plateia. “É muito importante que nossos corpos, pretos, trans, façam esse caminho para representar o Brasil com essa dimensão e essa grandeza, falando de ancestralidade, falando de tradição, de cultura negra e originária, na França, junto com o carnaval. E hoje, pela primeira vez na história, foram transportadas mais de 160 peças do carnaval do Brasil para cá para serem usadas (por membros) do Capoeira para Todes (projeto que reúne pessoas LGBTQIAP+ em um movimento de cultura popular e de resistência) representando o Brasil. Estamos muito honrados e muito felizes”, contou. Puma Camillê falou ainda sobre o fato de revolucionar as culturas ao unir dois movimentos bastante tradicionalistas e diferenciados, que são a roda de capoeira e a dança voguing. Perguntada se sofreu preconceito por misturar essas comunidades, ela disse que ainda sofre. “Eu não vou dizer que esse movimento quebra muros, mas ele cria pontes que conectam o tradicional da capoeira, desde os capoeiristas indígenas, pretos a pajés, Griots e Ialorixás a pessoas LGBT para além da dança. As figuras que normalmente são mandadas para fora de casa por essas com as quais estamos juntando (na capoeira)”, destacou. Confira mais algumas imagens do Grande Baile Brasileiro do Grand Palais.

Começou nesta sexta-feira (4) em Paris, a Expo Favela Innovation 2025. Mais do que uma feira de negócios, o encontro organizado pela Cufa, a Central Única das Favelas, visa promover a igualdade através do poder criativo encontrado em bairros populares, reunindo empreendedores, investidores, artistas e instituições. Maria Paula Carvalho, de Paris Durante dois dias, o Teatro de la Concorde, no coração da capital francesa, é o ponto de encontro para novos empreendedores e investidores que buscam bons projetos para apoiar, numa troca entre representantes do mundo empresarial, da sociedade civil e do poder público para debates as boas ideias nascidas em espaços de desvantagem social e econômica. Localizado na parte baixa da famosa avenida do Champs-Élysées, a escolha do teatro foi simbólica, explica Karina Tavares, a organizadora. "No Brasil, a Expo Favela acontece sempre no centro, porque sabemos que as periferias são territórios de serviços e o pessoal do centro não vai para a periferia. Portanto, quisermos valorizar e colocar holofote nessas pessoas, nas criações, nos milagres periféricos, a gente tem de fazer isso no centro", diz. A programação é formada por mesas-redondas, workshops, concertos, encontros literários e sessões de cinema. No jardim e no hall do teatro, os empreendedores ocupam estandes onde mostram suas inovações nas áreas de tecnologia, arte, gastronomia e bioeconomia. Tatiane Moraes vive na favela da Tinga, na periferia de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Ela trouxe à França, país conhecido pela perfumaria, o seu o projeto de fabricação de sabão artesanal. "Junto com o sabão, vem toda a questão de educação ambiental, pois um litro de óleo descartado de forma incorreta contamina 20 mil litros de água, pois o óleo impede a absorção da água no solo", explica. "Nós estamos passando por um momento difícil no Rio Grande do Sul referente às mudanças do clima, então, trouxemos essa pauta tão importante", destaca. Iniciativa carioca Nascida no Rio de Janeiro, a Central Única das Favelas está presente em 68 países, dando visibilidade e conectando comunidades, promovendo soluções e transformações sociais em escala global, há mais de 25 anos. Uma história de sucesso, replicada pela segunda vez em Paris. "A nossa ideia não é comemorar a existência de favelas, mas que a gente possa comemorar o fato de que, apesar das dificuldades, essas pessoas têm sido bastante resilientes e têm se desenvolvido", observa Celso Athayde, o fundador da Cufa. "A sociedade, de um modo geral, se encontra. Os ricos se encontram no Fórum Econômico mundial, os cientistas se encontram, os médicos se encontram e é importante que as favelas se encontrem, nas mais diversas atividades, inclusive no empreendedorismo", afirma. "Então, criar uma feira como essa no Brasil e depois levar essa feira para todo o mundo e começar pela França tem um papel muito importante, porque mostra que se os problemas são globais, as soluções também podem ser", analisa. Negócios da periferia Favela é potência, como atesta o grande número de pequenos empreendedores e presentes em Paris, como a Casa do Axé, da Paraíba. "Eu estou na Expo Favela representando o meu negócio, que é a Casa do Axé, que faz uma moda com influência afro para pessoas de terreiro e para além do terreiro", diz Erika Santos. Para ela, se apresentar no país da moda, ao lado de expositores internacionais, é uma grande conquista. "É um marco na minha história, poder ultrapassar fronteiras do meu país para apresentar o meu trabalho", diz. Maria das Neves, da cidade do Conde, também na Paraíba, veio contar a sua história de superação. "Eu vim de um assentamento, onde iniciei uma história com apenas R$ 50 emprestados e com dois tipos de doces, feitos por duas mulheres pretas, analfabetas", diz. "Hoje, tenho o primeiro shopping rural do mundo. E para mim é um prazer estar aqui em Paris, participando da Expo Favela, pois é uma oportunidade única nas nossas vidas. Quando a gente passa a criar a nossa história, a sonhar e ser determinada, a gente tem certeza que vai muito longe", comemora. Kalyne Lima, presidente da Cufa no Brasil, fala sobre a importância de reunir empreendedores e possíveis financiadores desses projetos."Para os empreendedores, vir a Paris é um objetivo alcançado, muitas vezes inimaginável para eles", afirma. "Sair do Brasil, fazer uma viagem internacional, poder encontrar outros empreendedores de países dos quais eles desconhecem a realidade e a cultura, e compreender que há muitas coisas em comum, é um crescimento, um aprendizado e uma autoafirmação", aponta. 8% dos brasileiros vivem em favelas Convidado do evento, o ex-ministro de Relações Exteriores do Brasil, Aloysio Nunes, lembra que 16 milhões de brasileiros vivem atualmente em 12 mil favelas, o que representa 8% da população brasileira. "As favelas são um sinal da desigualdade enorme que existe no Brasil e que vem sendo atenuada, ao longo dos anos pela luta política, por governos locais e nacionais, mas que ainda persiste infelizmente", observa. "As favelas são objeto de preconceito, consideradas como locais de criminalidade. Existe criminalidade e violência, como existe em algumas grandes cidades do mundo, mas há, sobretudo, resistência, vontade de mudar e de transformar", aponta. A Expo Favela Innovation faz parte da temporada cultural França-Brasil, citada na sessão de abertura pelo ministro francês da Francofonia e das Parcerias Internacionais, Thani Mohamed Soilihi. "França e Brasil têm uma relação formidável, com trocas políticas e interculturais de excelência", disse ele sobre a relação entre os dois países. "Somos Estados vizinhos, já que a Guiana Francesa tem a maior fronteira internacional com o Brasil", destacou, antes de citar nomes de cantores brasileiros que se consagraram no exterior e agradecer aos jogadores brasileiros que tantas alegrias deram ao time de futebol do Paris Saint-Germain. "Temos imenso prazer de celebrar novamente esse ano uma temporada cruzada entre o Brasil e a França, após as edições de 2005 e 2009", lembrou. "Temos visões comuns sobre como vencer os grandes desafios globais e aqui podemos reafirmar que, através do diálogo e da colaboração, podemos construir respostas atuais e duradouras aos problemas", finalizou. Apoiada pelo Ministério da Cultura do Brasil, a Expo Favela continua neste sábado (5), com entrada franca. Esta noite, Amaro Freitas trio se apresenta no teatro da Place de la Concorde, local do evento, no número 1, Avenida Gabriel, no centro de Paris.

O teatro do Châtelet em Paris acolhe sábado (5) e domingo (6) o fim de semana temático Ancien Brésil – Brésil Nouveau (Antigo Brasil-Brasil Novo), com dois concertos que misturam vozes e músicas antigas e contemporâneas de compositores brasileiros, dentro da temporada França-Brasil 2025. A proposta é fazer o público viajar entre memória e modernidade. A iniciativa é liderada pela orquestra Americantiga, sob a direção musical do maestro curitibano radicado em Portugal, Ricardo Bernardes. No sábado, no concerto Alma Brasileira, a pianista Cristina Ortiz dialoga com Mozart e compositores do Brasil do século 20 como Harry Crowl, João Guilherme Ripper, Camargo Guarnieri e Fructuoso Vianna. No domingo, é a vez dos cantores Bruno de Sá e Luanda Siqueira prestarem homenagem a duas grandes figuras líricas afro-brasileiras no espetáculo Marias do Brasil, que mescla ópera, canção e narrativa visual, com direção de Ligiana Costa. Dois programas muito diferentes entre si, como explicou à RFI Ricardo Bernardes, mas ambos com o objetivo de mostrar a música brasileira na França. Em Alma Brasileira, Cristina Ortiz interpreta Mozart, sua especialidade, e depois compositores contemporâneos brasileiros não muito conhecidos na França. “Um programa mais tradicional, mas muito original ao mesmo tempo”, revela Bernardes. O segundo programa, “mais desafiador”, mistura música clássica com popular. “A gente tem desde modinhas do século 18 a árias de ópera, a tango brasileiro, a maxixe”, explica o maestro. Misturando composições de Chiquinha Gonzaga e Villa Lobos, entre outros, Marias do Brasil é uma homenagem à Maria Joaquina Lapinha e à Maria d'Apparecida. Esta última morou a maior parte de sua vida em Paris e foi a primeira afro-brasileira e interpretar Carmen, do compositor francês Georges Bizet. “O desafio era criar uma dramaturgia que fizesse um cruzamento entre a vida dessas duas mulheres e que respeitasse, de alguma forma, um pouco o repertório que elas cantaram”, explica a diretora artística Ligiana Costa. “A gente tem um espectro de repertório brasileiro muito amplo, desde a música do século 18, modinhas, áreas de padre José Maurício, música erudita, até Villa Lobos, Waldemar Henrique, Francisco Mignone, chegando até Baden Powell”, explica. “Então, eu e a Sophia Boito, que trabalhou comigo, fomos criando uma espécie de dramaturgia de cruzamento entre essas duas mulheres que têm muito em comum, apesar de tantos séculos que as separam”, conta Ligiana Costa sobre as duas cantoras que fizeram carreira na Europa e foram esquecidas pela história. Ela define o espetáculo como “concerto, poético, documental”. “Porque ele tem forma de um documentário, de certa forma, que apresenta essas duas mulheres, mas de uma forma muito poética e livre também”. O roteiro do espetáculo se baseou no trabalho da jornalista e escritora Mazé Torquato Chotil sobre Maria d'Apparecida e da pesquisadora e especialista em história da música, Rosana Orsini Brescia, sobre Maria Joaquina Lapinha. A partir dos documentos sobre as duas cantoras, a diretora artística criou textos, narrados pela atriz Camila Pitanga, que fazem parte do espetáculo em forma de peças sonoras. Repertório brasileiro O sopranista (homem que canta com voz de soprano) Bruno de Sá e a soprano Luanda Siqueira dão voz às duas Marias. “Já tive o prazer de fazer desde Mozart, Bellini, até Wagner e outros compositores contemporâneos. Então essa outra possibilidade que se abre dentro do repertório colonial, para mim é um grande desafio”, conta Bruno de Sá, que atualmente vive na Europa e já se apresentou em diversos palcos do continente. Dono de uma voz excepcional, o sopranista diz que pode “contar nos dedos de uma mão” às vezes que teve a “oportunidade de cantar repertório brasileiro de verdade”. “Porque morando aqui na Europa, (a gente) se concentra mais no repertório italiano e séculos XVII, XVIII e XIX. Então cantar algo em português é sempre um desafio porque minha língua estava acostumada e treinada a cantar em outro idioma. Mas, ao mesmo tempo, voltar para as origens, especialmente neste ano, voltar ao repertório português, repertório brasileiro, tem sido muito significativo”, explica, se referindo aos diversos eventos comemorativos da Temporada do Brasil na França. Em 14 de julho, festa nacional da França, ele vai cantar as Bachianas Brasileiras de Villa Lobos no concerto de Paris. O evento de música clássica, reúne a Orquestra Nacional da França, o coro da Rádio França e solistas internacionais e acontece aos pés da Torre Eiffel, antes da tradicional queima de fogos. Luanda Siqueira concorda que o ano “está sendo maravilhoso”. “Eu participo de vários projetos em torno da música, do repertório brasileiro e também projeto em torno da música em língua portuguesa. Então, eu adoro, não só pelo fato de cantar na minha língua, mas também por abordar toda esse ritmo que a tão característico da nossa música”, conta. A soprano diz que conheceu Maria Lapinha através de Ricardo Bernardes. “Quando você vê as partituras da Lapinha são obras muito virtuosas. É uma partitura mais escrita, virtuosa, porque ela tem uma coisa muito lírica, muito específica que é uma voz lírica. É um trabalho, que você vê na partitura dela, que devia ser uma excelente cantora, uma excelente musicista, com bastante maestria”, diz. “Eu conheci recentemente a Maria d'Aparecida. E eu fiquei tão triste de saber que tinha uma cantora maravilhosa brasileira aqui que eu não conheci, porque ela faleceu em 2017. Eu só fiquei sabendo da existência dela em 2023”, afirma a soprano que vive na França há 25 anos. Após ver imagens de arquivo de Maria d'Apparecida, Luanda Siqueira diz que ficou “impressionada também de ver a força dessa mulher, no olhar dela, na maneira de falar”. Uma força que a cantora transmite no concerto em homenagem às Marias do Brasil.

Anunciado após uma reunião do Conselho de Ministros de Portugal na última segunda-feira (23), um projeto de lei prevê mudanças significativas no processo de obtenção da nacionalidade portuguesa e no reagrupamento familiar — medidas vistas como um retrocesso por organizações da sociedade civil e especialistas. A proposta de reforma traz preocupação às comunidades imigrantes, como a brasileira. Lizzie Nassar, correspondente da RFI Brasil em Lisboa Entre os pontos mais controversos está o aumento do tempo mínimo de residência legal para imigrantes que desejam solicitar a nacionalidade. O prazo passaria de cinco para sete anos no caso de cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), incluindo os brasileiros, e para dez anos no caso de estrangeiros de outros países. Além disso, o governo propôs restringir a concessão de vistos de trabalho apenas a profissionais qualificados e incluir a possibilidade de retirada da nacionalidade portuguesa em casos de crimes graves com sentença judicial. A proposta também altera as regras de reagrupamento familiar, exigindo agora que o pedido seja feito ainda no país de origem e apenas após dois anos de residência legal em Portugal por parte do solicitante. Esclarecimento e corrida pela nacionalidade Após dias de incerteza, o governo português esclareceu ao jornal O Público Brasil, na tarde desta sexta-feira (27), que imigrantes que já tiverem completado cinco anos de residência legal até o dia 18 de junho de 2025 poderão ainda solicitar a nacionalidade com base nas regras atuais. A advogada Marcelle Chimer, que atua com imigração em Lisboa, confirma o aumento repentino na busca por informações e pedidos de naturalização. “Está acontecendo uma verdadeira corrida”, explica. “Estamos aconselhando quem já completou os cinco anos a dar entrada o quanto antes. Apesar do anúncio, a proposta ainda precisa passar pelo Parlamento. Certamente haverá alterações no debate parlamentar, especialmente sobre a retroatividade", adverte. Até o momento, o Parlamento português ainda não definiu uma data para a votação do projeto. O Conselho Nacional para as Migrações e Asilo enviou uma nota à imprensa criticando a ausência de diálogo e pedindo maior participação das comunidades afetadas nas discussões legislativas. Reagrupamento familiar: um obstáculo adicional A nova proposta dificulta consideravelmente o reagrupamento familiar. Atualmente, muitos imigrantes conseguem trazer seus cônjuges ou filhos diretamente após receberem autorização de residência. Com as mudanças, será necessário esperar dois anos e solicitar o visto ainda no país de origem. Francisco Paulo, um trabalhador brasileiro do Ceará, compartilha sua experiência frustrante com o sistema atual. Ele chegou a Portugal há 10 meses com contrato de trabalho e visto legal, mas enfrentou obstáculos inesperados ao tentar trazer a esposa. “Tive que entrar com processo judicial e gastar 800 euros para acelerar o reagrupamento. Ninguém me informou que eu poderia fazer isso ainda no Brasil. Foi uma surpresa amarga”, contou. Representantes da comunidade imigrante e organizações de apoio também criticaram duramente as propostas. Para Cyntia de Paula, vice-presidente da Casa do Brasil de Lisboa e conselheira no Conselho Nacional para as Migrações, as medidas representam um retrocesso sem precedentes. "Essas mudanças ferem inclusive princípios constitucionais portugueses. Impedir o reagrupamento familiar é um ataque ao direito básico de viver em família. Portugal sempre foi referência em políticas migratórias inclusivas, e agora vemos uma proposta que pode gerar mais desigualdade, mais exploração", afirma. Ela aponta que as novas regras podem afetar negativamente o próprio mercado de trabalho português. “Grande parte da força de trabalho nos setores essenciais vem de imigrantes. Dificultar a permanência e o reagrupamento pode prejudicar as empresas, que já enfrentam escassez de mão de obra.” Clima de incerteza Enquanto o Parlamento não define o futuro da proposta, a comunidade imigrante vive entre a ansiedade e o medo. Organizações como a Casa do Brasil têm recebido um volume crescente de pedidos de informação, e muitos imigrantes temem ter que deixar o país ou viver em situação irregular. A advogada Marcelle Chimer recomenda cautela. “É hora de esperar e acompanhar o processo legislativo. Ainda há muito a ser debatido. A versão final da lei pode ser bastante diferente do que foi inicialmente anunciado.” Francisco e sua esposa já cogitam deixar o país, caso o reagrupamento não seja possível. “Não quero viver ilegalmente. Se o processo não avançar, vamos considerar voltar ao Brasil ou tentar outro país europeu.” Leia tambémRemessas de dinheiro enviadas ao Brasil por imigrantes em Portugal batem recorde em 2024

Imaginar o futuro e vê-lo desenhado à sua frente, literalmente. Essa é a proposta da experiência imersiva The Lumisphere, que promete ressignificar a maneira como nos conectamos com o futuro do planeta. O convite é para que o público use o poder da imaginação coletiva e aproveite a tecnologia que existe hoje para criar o mundo que desejamos. Cleide Klock, em Sacramento (Califórnia) para a RFI A instalação estará na praça do Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, a partir de 1º de outubro, onde ficará até dezembro, coincidindo com a realização da COP30, a Conferência da ONU sobre a Mudança Climática, sediada este ano em Belém. Antes de embarcar para o Brasil, a RFI visitou a obra com exclusividade em Sacramento, capital da Califórnia, onde foi construída. A instalação, composta por três domos e com cerca de 750m2, foi criada em uma parceria da plataforma interdisciplinar Visions2030 com o estúdio de design Minds Over Matter. Mais do que arte ou tecnologia, a experiência é um ritual coletivo de imaginação: um lembrete de que a criatividade não é luxo, mas necessidade — e que cada pessoa, ao visualizar o futuro que deseja, pode começar a construí-lo. “Queremos democratizar o acesso a conversas sobre o futuro. Acreditamos no superpoder da imaginação humana", explicou a diretora-executiva da Visions2030, Elizabeth Thompson. "Este projeto foi criado para alcançar milhões de pessoas e ajudá-las a liberar sua imaginação, sonhar com o futuro que desejam e, então, conectar-se a recursos, outras pessoas, organizações e projetos onde possam começar a ativar suas ideias para o futuro, se envolver e mudar o nosso mundo". Uma jornada em três atos No Domo 1, os visitantes se reúnem ao redor de uma “fogueira digital”. É o espaço de conexão e acolhimento para entender o presente: uma introdução sensorial à ideia de que, embora o planeta esteja em risco, a humanidade também é capaz de feitos extraordinários. O Domo 2 oferece uma experiência audiovisual imersiva, que “expande a consciência” e estimula a imaginação. A proposta é criar um momento de pausa e contemplação, onde cada pessoa fica deitada em uma cadeira confortável assistindo a projeções coloridas no teto. A partir daí, a proposta entra em um estado de "sonho guiado", usando tecnologia imersiva para cada um descobrir sua própria utopia. No Domo 3, com a ajuda de uma plataforma personalizada de inteligência artificial, os visitantes descrevem suas visões e sonhos de futuro. Em segundos, recebem uma imagem em um telão gerada a partir de suas palavras. Essa imagem é enviada por e-mail, servindo como símbolo pessoal do futuro sonhado. Travis Threlkel, CEO da empresa Minds Over Matter, explica que até a estreia no Rio, novas atualizações serão feitas na parte de tecnologia, já que a cada dia as ferramentas de inteligência artificial se aprimoram. “Temos o que há de mais moderno em projeção a laser em nossas cúpulas para proporcionar ao público uma imersão ambiental de 360º. Ao final da imersão, nossa experiência interativa é impulsionada por análises e gráficos baseados no que há de mais novo em IA. Ela ajuda a gerar a visão de futuro que nossos visitantes estão arquitetando". Brasil: ponto de partida e inspiração A escolha do Brasil como primeira parada da turnê global da Lumisphere não foi casual, conta Carey Lovelace, fundadora da Visions2030. “O Museu do Amanhã compartilha valores fundamentais conosco: imaginação, futuro, sustentabilidade. Desde o primeiro momento, sentimos que essa parceria era natural. O prédio, projetado por Santiago Calatrava, é quase uma escultura do amanhã”, diz Lovelace. A instalação será um dos destaques da programação de uma série de eventos que visa preparar e engajar o público brasileiro para os debates que acontecerão em Belém durante a COP 30 (30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas), de 10 a 21 de novembro. “Estamos muito animados em fazer a instalação junto com a COP 30, que pode ser a COP mais importante de todas, considerando tudo o que está acontecendo agora, e também estamos a apenas cinco anos do prazo do plano global de sustentabilidade da ONU (a Agenda 2030) Parece que este é o momento perfeito para estarmos lá e ajudar as pessoas a sonhar, a trazer o sonho para a equação da discussão climática, porque muitas vezes a questão é o medo, uma espécie de raiva, mas precisamos sonhar juntos de verdade", completa Carey. Um convite para sonhar — e agir A proposta da Lumisphere não é apenas simbólica. Ao final da temporada brasileira, espera-se que mais de 100 mil pessoas tenham passado pelos domos e criado suas visões de futuro. Todos os dados, de forma anônima, serão analisados para identificar padrões de esperança, desejo e transformação. Em uma parceria entre a Unesco e o Institute for de Future, de Palo Alto, na Califórnia, será gerado um censo sobre o futuro, mapeando mudanças e oferecendo insights sobre o pensamento do público nas questões de sustentabilidade e futuro do planeta. O resultado será compartilhado com a comunidade e com tomadores de decisão envolvidos nas negociações climáticas. A instalação The Lumisphere estará aberta ao público gratuitamente no Museu do Amanhã, de 1º de outubro a 19 de dezembro. Cada jornada individual dura cerca de 30 minutos. Após a passagem pelo Brasil, a experiência continuará uma turnê mundial de cinco anos.

Pesquisadores do Brasil, França, Estados Unidos e Japão se reuniram - presencialmente ou online - na Escola Normal Superior (ENS), em Lyon, no oeste da França, para discutir durante dois dias (24 e 25 de junho) as perspectivas históricas e estéticas do cinema realizado pela diáspora japonesa no Brasil. Patrícia Moribe, em Lyon As discussões sobre o cinema amarelo no Brasil foram permeadas por questões de preconceito, aculturamento, ancestralidade, pertencimento e construção de identidade. Presencialmente ou online, os participantes apresentaram aspectos históricos e discutiram a identidade nipo-brasileira forjada a partir de culturas e experiências geograficamente opostas. A chegada oficial do primeiro navio de imigrantes japoneses ao porto de Santos foi em 1908. A imigração nipônica foi fruto de um acordo entre os governos do Japão, que tinha em seu território uma crescente população carente, e do Brasil, que buscava alternativas de mão de obra barata após o fim da escravidão em 1888. Essa parte da história foi retratada pelo longa “Gaijin, Os Caminhos da Liberdade”, de Tizuka Yamazaki, prêmio da crítica internacional em Cannes, em 1980. A cineasta Olga Futemma, que coordenou a Cinemateca Brasileira por mais de 30 anos, também tratou dessa temática em seus curtas. O trabalho seminal das duas cineastas foi citado por vários participantes, principalmente na mesa dedicada às mulheres cineastas. Estima-se que dois milhões de japoneses e descendentes vivam no Brasil, representando a maior comunidade de chamados “nikkei” (japoneses) fora do Japão. Fenômeno dekassegui O encontro em Lyon discutiu também o retorno, a partir dos anos 1980, de parte dessa população ao Japão. Na época, o país atravessava um boom econômico e necessitava de mão de obra não qualificada. Uma das exigências do Japão era que o candidato a dekassegui tivesse antepassados japoneses. Esse fenômeno diminuiu nas últimas décadas, mas nunca foi interrompido. Hoje cerca de 200 mil brasileiros e descendentes vivem no Japão. Há imigrantes que ficam no Japão, que voltam para o Brasil, ou que fazem idas e voltas, como retrata o documentário “Bem-Vindos De Novo” (2021), de Marcos Yoshi, exibido no encontro em Lyon. "É um filme a respeito da história da minha família, do meu núcleo familiar, dos meus pais e das minhas irmãs. Meus pais decidiram ir para o Japão como dekasseguis em 1999. E por conta disso a família se separou. Os filhos ficaram no Brasil, meus pais foram para o Japão, a princípio para ficar 3 anos, e acabaram ficando uns 13 anos. E o filme é o retrato dessa experiência. Mas também é o momento em que meus pais voltam para o Brasil e a família se reencontra e a gente precisa lidar com os sentimentosos sentimentos e com as feridas que ficaram de certa forma abertas.” Alienação e solidão Marcos Yoshi, que também é pesquisador, apresentou em uma das mesas de discussão um outro lado da moeda do fenômeno dekassegui. Muitos brasileiros sofrem com a alienação e a solidão no Japão, acabando por desenvolver problemas psiquiátricos. Essa problemática é também tema do novo projeto de documentário de Yoshi, tendo a história de um tio paterno como fio condutor para falar dos dekassegui e as consequências desse retorno. Outro filme exibido no final do primeiro dia de discussões foi “Amarela”, de André Hayato Saito, selecionado pelo festival de Cannes de 2024. O curta trata da jovem Erika, fã de futebol, na época da final da Copa do Mundo de 1998, quando fica dividida entre o seu mundo carregado ainda de forte influência japonesa e a discriminação que sofre no dia a dia. O pesquisador Hugo Katsuo, da Universidade Federal Fluminense, destacou curtas realizados em Curitiba, dando uma outra perspectiva a uma produção geralmente centrada em São Paulo. O franco-japonês Tristan Chiffoleau, pesquisador no Japão, falou sobre o filme “Okinawa-Santos” (2020), que retrata um episódio pouco conhecido da expulsão de japoneses de Santos em 1943, sendo a maioria de origem okinawana, etnia marginalizada no Japão. Já Tomyo Costa Ito, da USP, falou sobre uma descoberta que realizou quando fazia parte do projeto Nitrato, da Cinemateca Brasileira, de arquivamento e preservação de filmes. “É um filme de 1950 em que os melhores nadadores da época, que eram japoneses, vieram para o Brasil e participaram de um tour visitando cidades por São Paulo com comunidades japonesas. O filme também traz esses elementos de uma certa propaganda do desenvolvimento do Estado. Na época, os governantes estavam preocupados em transmitir uma imagem de São Paulo como um o lugar de modernidade e de desenvolvimento dentro do Brasil”. Com estética dos cinejornais da época, o material está montado e narrado, mas, no entanto, não tem créditos, ou seja, ele é virtualmente anônimo. Para descobrir pistas, Ito foi atrás de fontes como jornais da época, mas relata que a pesquisa foi um grande desafio. O Brasil como utopia Alexandre Nakahara, da USP, em participação online, apresentou filmes japoneses que tratavam do Brasil como uma utopia, o sonho do Eldorado. Entre eles, “Viver no Medo” (1955), de Akira Kurosawa, sobre o dono de uma fábrica no Japão que, abalado pelo medo de um ataque nuclear, planeja se mudar com toda a família para a segurança de uma fazenda no Brasil. Os pesquisadores apresentaram também filmes que evocavam o Brasil dos dekasseguis ou o Japão dos imigrantes, realizados por japoneses, brasileiros e franceses. O colóquio do Japão ao Brasil e vice versa, perspectivas históricas e estéticas de um cinema de diáspora, foi organizado pelos doutorandos Romane Carrière, Emmanuel Dayre e Lucie Ryzdzek.

Neguinho da Beija-Flor disse adeus este ano como intérprete de sambas-enredo na Marquês de Sapucaí, mas às vésperas de completar 76 anos, não fala em aposentadoria. Em entrevista exclusiva à Rádio França Internacional, Neguinho da Beija-Flor, que nasceu Luiz Antônio Feliciano Marcondes, falou de seu novo trabalho, o álbum Empretecendo, feito com Xande de Pilares, e de seu projetos de levar desfiles das escolas de samba para Portugal. Lizzie Nassar Valença, correspondente da RFI em Portugal Em um bate-papo, Neguinho da Beija-Flor, o eterno intérprete da Beija-Flor de Nilópolis, revelou novidades sobre sua vida pessoal e profissional. Agora morando entre Portugal e o Brasil, o cantor, que completou recentemente 50 anos de carreira, compartilhou sua música inédita, "por toda vida, Beija-Flor", além de falar sobre planos. Neguinho da Beija-Flor e seus planos de levar o samba para a Europa Com novo endereço, em Vila Nova de Gaia, na região do Porto, Neguinho compartilhou seus grandes planos para a música brasileira no continente europeu. “A minha pretensão é levar o desfile das escolas de samba para Portugal. É a mesma língua, temos uma conexão muito forte... Estamos falando nisso já para 2026”, afirmou o cantor. Essa ambição é mais do que um simples sonho, é um projeto que Neguinho já começa a desenhar. A ideia é criar uma grande celebração do samba em terras lusas, algo que pode se tornar um marco para a cultura brasileira no exterior. Entre o Brasil e Portugal: Uma nova fase na vida de Neguinho Apesar de estar se dividindo entre os dois países, Neguinho admite que ainda está em um processo de adaptação. “A minha esposa é neta de português e nós gostamos muito de lá. Mas é difícil, o umbigo está enterrado no Brasil. Quando você vai para lá, dá vontade de voltar, e quando está aqui, pensa que lá estava legal. Estamos ainda indecisos”, brinca o sambista, mostrando a dificuldade de se estabelecer em outro lugar, mesmo com a proximidade da cultura e a língua. Essa fase de transição também trouxe uma nova inspiração para o músico. A canção "Por toda vida, Beija-Flor", escrita em sua nova residência no Porto, é um reflexo desse momento de vida e celebra seus 50 anos de carreira. Em sua nova casa, rodeado por boas memórias e muitas reflexões, Neguinho compôs a canção, que traz um olhar íntimo sobre sua trajetória e sua conexão com o samba. A letra, que traduz o carinho por sua história, está repleta de sentimentos de renovação e reverência aos anos de dedicação ao samba. Memórias de uma vida dedicada à música A entrevista também foi um momento de relembrar o início de sua jornada musical, com imagens de sua juventude e primeiros passos no samba. “Eu venho de uma família de músicos. A música sempre esteve presente. Lembro que ganhei um prêmio de duas latas de goiabada por cantar em um parque de diversão, com apenas 9 anos”, compartilhou, com um sorriso nostálgico. Neguinho também falou sobre sua experiência nas Forças Armadas. “Eu servi na Aeronáutica entre 1967 e 1971, uma época sem celulares ou câmeras. A única pessoa que tem fotos dessa época é o meu amigo Barbosa, um irmão que sempre esteve ao meu lado. E todo dia 29 de junho, no meu aniversário, nos encontramos”, disse emocionado. Aposentadoria? Não Apesar de ter sido anunciado como aposentado, Neguinho desmentiu os boatos e explicou a situação: “Eu não fui feliz na forma como me expressei. O que eu queria dizer é que estou passando o microfone para a nova geração. 50 anos foi o suficiente. A avenida é um ciclo longo, mas poucos conseguem alcançar essa meta na mesma escola. Agora é hora de dar espaço aos novos talentos”, explicou. O cantor afirmou ainda que a Beija-Flor está promovendo um reality show para escolher o próximo cantor a seguir seus passos. "Não tem substituto para o Neguinho. A Beija-Flor vai escolher entre os cantores que já me acompanham na avenida, e está sendo muito difícil, porque todos são meus amigos", afirmou. O futuro: Turnê pela Europa e um projeto com Xande de Pilares Com sua mente voltada para novos horizontes, Neguinho também revelou que está em processo de gravação de um DVD ao lado de Xande de Pilares. O projeto Empretecendo reúne 22 faixas compostas por ele e com convidados especiais como Zeca Pagodinho, Ferrugem, Renato da Rocinha e Alcione. “O Xande me fez uma homenagem cantando todas as músicas que marcaram a minha carreira. Já está nas plataformas digitais, e agora vamos gravar o DVD na Cidade do Samba”, contou. Além disso, Neguinho confirmou que fará uma turnê pela Europa, com shows previstos para Portugal, França, Bélgica e Alemanha. “Vou começar por Portugal, mas a ideia é seguir por vários países. A música brasileira precisa chegar ao mundo e esse é o nosso objetivo”, disse, empolgado. Novos rumos e mais inspirações pela frente Em breve, Neguinho retorna à Europa para continuar seus projetos e, quem sabe, se inspirar em novas músicas e ideias. “Eu devo chegar no dia 20 de julho e ficar até 10 de setembro. Vamos rodar a Europa com esse projeto e ver o que mais vem por aí", concluiu. Com uma carreira sólida, Neguinho da Beija-Flor continua a fazer história e levar o samba para novos públicos, sempre com o espírito renovado e os olhos voltados para o futuro.

Mais de uma semana após o início da ofensiva maciça lançada em 13 de junho pelo exército israelense contra o Irã, os moradores de Israel convivem com um novo cotidiano: sirenes diárias, ataques ao longo do dia e uma ameaça sem precedentes, mesmo para uma população "acostumada" a conflitos. Neste sábado (21), o governo de Israel afirmou ter conseguido retardar a capacidade de desenvolvimento de uma bomba atômica pelo Irã, após novos ataques aéreos a uma instalação nuclear em Isfahan, na região central do país. Em seguida, o Irã atingiu um prédio residencial no norte de Israel, sem registro de vítimas até o momento. Henry Galsky, correspondente da RFI em Israel Se, durante os conflitos com o Hamas na Faixa de Gaza ou com o Hezbollah no Líbano, a vida no interior de Israel ainda mantinha uma aparência de relativa normalidade, a guerra contra o Irã mudou drasticamente esse cenário. Nos ataques contra Petach Tikva, na região central de Israel, um casal morreu dentro do abrigo protegido do apartamento. O Comando da Frente Interna — braço do Exército responsável por orientar a população civil —, reconheceu que, no caso de um ataque direto, mesmo os abrigos reforçados garantem proteção total. Apesar dos sistemas de defesa avançados, os mais de 500 mísseis balísticos disparados pelo Irã têm se mostrado desafiadores. Em apenas uma semana de conflito, ao menos 24 israelenses foram mortos em ataques da República Islâmica. Brasileiros em 'choque' em Israel A RFI conversou com brasileiros que vivem em Israel para entender como têm sido os últimos dias no meio de uma guerra inédita na região. Sarah Salomão Neta, cozinheira e guia de turismo, mora sozinha em Bat Yam, cidade que faz parte da região metropolitana de Tel Aviv. A casa dela foi destruída por um míssil iraniano que atingiu o prédio em frente. Ela estava no "miklat", o termo em hebraico para o abrigo coletivo, que fica na parte de baixo dos edifícios. Este tipo de abrigo é muito comum, em especial em prédios mais antigos construídos antes de 1993, quando uma lei aprovada pelo parlamento israelense determinou que todas as novas construções deveriam ter um quarto protegido no interior dos apartamentos. "Para mim só a parte da frente do prédio tinha sido destruída. Depois subi no apartamento e tudo estava destruído. A porta de madeira estava caída no chão, a janela tinha caído na poltrona, no meu quarto todas as paredes caíram", conta Sarah, que está temporariamente hospedada em um hotel em Tel Aviv, assim como os demais moradores do prédio. "Eu estou em estado de choque. Não posso ouvir um barulho que meu coração vem na boca", diz a brasileira. Já Deborah Kopstein Schanz trabalha como cuidadora de crianças e mora em Ramat Gan, outra cidade atingida por um míssil iraniano. "Não estou saindo de casa para praticamente nada, compras eu peço para entregar. Tem sido muito difícil. Fico pensando nos meus pais que moram em Haifa, no meu irmão que mora em Zichron Yaakov (também no norte de Israel) com as crianças", indica ela. "Eu tenho que ir para o abrigo do prédio, mas que não tem uma porta de ferro. É só rezar, porque está se aproximando, [os mísseis] estão caindo muito perto de pessoas que a gente conhece", relata Deborah. Ao cair da noite, os israelenses se recolhem em suas casas, e as ruas das cidades ficam praticamente desertas. Tel Aviv, conhecida por sua vida vibrante e constante movimento, está excepcionalmente calma.Tel Aviv, conhecida pela agitação permanente, está excepcionalmente calma. Um bairro inteiro foi destruído por um míssil iraniano. A reportagem da RFI esteve no local e registrou a destruição de prédios residenciais, casas, mercados e hotéis. Todas as construções em um raio de 500 metros foram afetadas. Um comandante do exército que pediu para não ser identificado confirmou a potência do ataque: "Foi um milagre que ninguém tenha morrido por aqui". Fábricas não conseguem proteger trabalhadores Nossa reportagem esteve presente em cinco locais atingidos na região norte e central de Israel: Tamra, uma cidade árabe-israelense onde quatro jovens de uma mesma família foram mortas, Rishon Letzion, Tel Aviv, Haifa e Ramat Gan. Juliano Rosenberg é agrônomo e mora em Kiriat Ata, uma das cidades do entorno de Haifa. Ele trabalha em uma empresa que produz artefatos para a indústria bélica e percebeu uma redução dos trabalhadores ativos na fábrica. Juliano detalha que as ausências acontecem pelo fato de o abrigo protegido da fábrica não ser grande o bastante para proteger todos os funcionários em caso de ataques. "Estamos funcionando com um número reduzido de trabalhadores pelo tamanho do bunker, que não comporta todos os funcionários. Então, estamos trabalhando em rodízio", afirma Rosenberg. O Irã afirma que tem buscado atingir apenas alvos militares. Mas as evidências no terreno mostram outra realidade. Nos locais visitados foi possível verificar que apenas estruturas civis foram destruídas. O Irã atingiu uma refinaria de petróleo em Haifa; um alvo considerado estratégico, o Hospital Soroka, em Beersheva, além de prédios civis em Holon, Bat Yam, Petach Tikva e Bnei Brak. Foram registrados também ataques contra um alvo militar na região central de Israel (cuja localização precisa ainda não foi divulgada) e o Instituto de Ciências Weizman, em Rehovot, ao sul de Tel Aviv. O Instituto Weizman é dedicado basicamente a ciências, mas realiza parte de suas pesquisas em parceria com as forças militares de Israel nas áreas de energia, medicina e ciências da computação. A maioria dos danos causados pelo míssil iraniano destruiu laboratórios de pesquisa de tratamentos contra o câncer. Leia tambémIrã pede fim de ataques israelenses antes de qualquer negociação diplomática Adaptação à nova rotina de guerra Ao conversar com brasileiros que vivem em Israel, fica evidente que, neste momento, a prioridade tem sido se adaptar à nova rotina imposta pela guerra. Até agora, são poucas as vozes críticas ao conflito, pois os esforços estão voltados para lidar com os desafios do dia a dia — como manter as crianças entretidas com as aulas presenciais suspensas, conciliar o trabalho remoto e garantir que os abrigos domésticos estejam sempre prontos para uso. A operadora de turismo Luana Amorim, moradora de Petach Tikva, relata as mudanças no cotidiano desde o início da guerra, há uma semana. "Viver em Israel nesses dias tem sido uma mistura de tensão constante, tentativas diárias de seguir em frente para não surtar dentro de casa. Tenho dois filhos, então foi preciso sair da rotina porque não tem nada funcionando. E com as crianças em casa, trabalhando de casa, está sendo bem difícil conciliar, além do medo. Essa é a primeira vez que, realmente, o medo está bem grande. As sirenes tocam a qualquer momento. Mas quando a gente recebe esses avisos, o coração dispara", conta. *matéria corrigida em 22/06/25 às 08h25 de Paris