Reportagem

Follow Reportagem
Share on
Copy link to clipboard

Confira aqui as análises, entrevistas e repercussões de notícias que você pode ouvir e baixar. As reportagens +RFI propõem a cobertura de eventos importantes no mundo inteiro feita pelos repórteres e correspondentes da Rádio França Internacional.

Rfi - RFI


    • Jun 27, 2025 LATEST EPISODE
    • weekdays NEW EPISODES
    • 7m AVG DURATION
    • 287 EPISODES


    More podcasts from Rfi - RFI

    Search for episodes from Reportagem with a specific topic:

    Latest episodes from Reportagem

    Encontro internacional em Lyon discute cinema feito por descendentes de japoneses no Brasil

    Play Episode Listen Later Jun 27, 2025 7:36


    Pesquisadores do Brasil, França, Estados Unidos e Japão se reuniram - presencialmente ou online - na Escola Normal Superior (ENS), em Lyon, no oeste da França, para discutir durante dois dias (24 e 25 de junho) as perspectivas históricas e estéticas do cinema realizado pela diáspora japonesa no Brasil. Patrícia Moribe, em Lyon As discussões sobre o cinema amarelo no Brasil foram permeadas por questões de preconceito, aculturamento, ancestralidade, pertencimento e construção de identidade. Presencialmente ou online, os participantes apresentaram aspectos históricos e discutiram a identidade nipo-brasileira forjada a partir de culturas e experiências geograficamente opostas. A chegada oficial do primeiro navio de imigrantes japoneses ao porto de Santos foi em 1908. A imigração nipônica foi fruto de um acordo entre os governos do Japão, que tinha em seu território uma crescente população carente, e do Brasil, que buscava alternativas de mão de obra barata após o fim da escravidão em 1888. Essa parte da história foi retratada pelo longa “Gaijin, Os Caminhos da Liberdade”, de Tizuka Yamazaki, prêmio da crítica internacional em Cannes, em 1980. A cineasta Olga Futemma, que coordenou a Cinemateca Brasileira por mais de 30 anos, também tratou dessa temática em seus curtas. O trabalho seminal das duas cineastas foi citado por vários participantes, principalmente na mesa dedicada às mulheres cineastas. Estima-se que dois milhões de japoneses e descendentes vivam no Brasil, representando a maior comunidade de chamados “nikkei” (japoneses) fora do Japão. Fenômeno dekassegui O encontro em Lyon discutiu também o retorno, a partir dos anos 1980, de parte dessa população ao Japão. Na época, o país atravessava um boom econômico e necessitava de mão de obra não qualificada. Uma das exigências do Japão era que o candidato a dekassegui tivesse antepassados japoneses. Esse fenômeno diminuiu nas últimas décadas, mas nunca foi interrompido. Hoje cerca de 200 mil brasileiros e descendentes vivem no Japão. Há imigrantes que ficam no Japão, que voltam para o Brasil, ou que fazem idas e voltas, como retrata o documentário “Bem-Vindos De Novo” (2021), de Marcos Yoshi, exibido no encontro em Lyon. "É um filme a respeito da história da minha família, do meu núcleo familiar, dos meus pais e das minhas irmãs. Meus pais decidiram ir para o Japão como dekasseguis em 1999. E por conta disso a família se separou. Os filhos ficaram no Brasil, meus pais foram para o Japão, a princípio para ficar 3 anos, e acabaram ficando uns 13 anos. E o filme é o retrato dessa experiência. Mas também é o momento em que meus pais voltam para o Brasil e a família se reencontra e a gente precisa lidar com os sentimentosos sentimentos e com as feridas que ficaram de certa forma abertas.” Alienação e solidão Marcos Yoshi, que também é pesquisador, apresentou em uma das mesas de discussão um outro lado da moeda do fenômeno dekassegui. Muitos brasileiros sofrem com a alienação e a solidão no Japão, acabando por desenvolver problemas psiquiátricos. Essa problemática é também tema do novo projeto de documentário de Yoshi, tendo a história de um tio paterno como fio condutor para falar dos dekassegui e as consequências desse retorno. Outro filme exibido no final do primeiro dia de discussões foi “Amarela”, de André Hayato Saito, selecionado pelo festival de Cannes de 2024. O curta trata da jovem Erika, fã de futebol, na época da final da Copa do Mundo de 1998, quando fica dividida entre o seu mundo carregado ainda de forte influência japonesa e a discriminação que sofre no dia a dia. O pesquisador Hugo Katsuo, da Universidade Federal Fluminense, destacou curtas realizados em Curitiba, dando uma outra perspectiva a uma produção geralmente centrada em São Paulo. O franco-japonês Tristan Chiffoleau, pesquisador no Japão, falou sobre o filme “Okinawa-Santos” (2020), que retrata um episódio pouco conhecido da expulsão de japoneses de Santos em 1943, sendo a maioria de origem okinawana, etnia marginalizada no Japão. Já Tomyo Costa Ito, da USP, falou sobre uma descoberta que realizou quando fazia parte do projeto Nitrato, da Cinemateca Brasileira, de arquivamento e preservação de filmes. “É um filme de 1950 em que os melhores nadadores da época, que eram japoneses, vieram para o Brasil e participaram de um tour visitando cidades por São Paulo com comunidades japonesas. O filme também traz esses elementos de uma certa propaganda do desenvolvimento do Estado. Na época, os governantes estavam preocupados em transmitir uma imagem de São Paulo como um o lugar de modernidade e de desenvolvimento dentro do Brasil”. Com estética dos cinejornais da época, o material está montado e narrado, mas, no entanto, não tem créditos, ou seja, ele é virtualmente anônimo. Para descobrir pistas, Ito foi atrás de fontes como jornais da época, mas relata que a pesquisa foi um grande desafio. O Brasil como utopia Alexandre Nakahara, da USP, em participação online, apresentou filmes japoneses que tratavam do Brasil como uma utopia, o sonho do Eldorado. Entre eles, “Viver no Medo” (1955), de Akira Kurosawa, sobre o dono de uma fábrica no Japão que, abalado pelo medo de um ataque nuclear, planeja se mudar com toda a família para a segurança de uma fazenda no Brasil. Os pesquisadores apresentaram também filmes que evocavam o Brasil dos dekasseguis ou o Japão dos imigrantes, realizados por japoneses, brasileiros e franceses. O colóquio do Japão ao Brasil e vice versa, perspectivas históricas e estéticas de um cinema de diáspora, foi organizado pelos doutorandos Romane Carrière, Emmanuel Dayre e Lucie Ryzdzek.

    Neguinho da Beija-Flor revela música e fala sobre planos de desfile de escolas de samba na Europa

    Play Episode Listen Later Jun 22, 2025 5:06


    Neguinho da Beija-Flor disse adeus este ano como intérprete de sambas-enredo na Marquês de Sapucaí, mas às vésperas de completar 76 anos, não fala em aposentadoria. Em entrevista exclusiva à Rádio França Internacional, Neguinho da Beija-Flor, que nasceu Luiz Antônio Feliciano Marcondes, falou de seu novo trabalho, o álbum Empretecendo, feito com Xande de Pilares, e de seu projetos de levar desfiles das escolas de samba para Portugal. Lizzie Nassar Valença, correspondente da RFI em Portugal Em um bate-papo, Neguinho da Beija-Flor, o eterno intérprete da Beija-Flor de Nilópolis, revelou novidades sobre sua vida pessoal e profissional. Agora morando entre Portugal e o Brasil, o cantor, que completou recentemente 50 anos de carreira, compartilhou sua música inédita, "por toda vida, Beija-Flor", além de falar sobre planos. Neguinho da Beija-Flor e seus planos de levar o samba para a Europa Com novo endereço, em Vila Nova de Gaia, na região do Porto, Neguinho compartilhou seus grandes planos para a música brasileira no continente europeu. “A minha pretensão é levar o desfile das escolas de samba para Portugal. É a mesma língua, temos uma conexão muito forte... Estamos falando nisso já para 2026”, afirmou o cantor. Essa ambição é mais do que um simples sonho, é um projeto que Neguinho já começa a desenhar. A ideia é criar uma grande celebração do samba em terras lusas, algo que pode se tornar um marco para a cultura brasileira no exterior. Entre o Brasil e Portugal: Uma nova fase na vida de Neguinho Apesar de estar se dividindo entre os dois países, Neguinho admite que ainda está em um processo de adaptação. “A minha esposa é neta de português e nós gostamos muito de lá. Mas é difícil, o umbigo está enterrado no Brasil. Quando você vai para lá, dá vontade de voltar, e quando está aqui, pensa que lá estava legal. Estamos ainda indecisos”, brinca o sambista, mostrando a dificuldade de se estabelecer em outro lugar, mesmo com a proximidade da cultura e a língua. Essa fase de transição também trouxe uma nova inspiração para o músico. A canção "Por toda vida, Beija-Flor", escrita em sua nova residência no Porto, é um reflexo desse momento de vida e celebra seus 50 anos de carreira. Em sua nova casa, rodeado por boas memórias e muitas reflexões, Neguinho compôs a canção, que traz um olhar íntimo sobre sua trajetória e sua conexão com o samba. A letra, que traduz o carinho por sua história, está repleta de sentimentos de renovação e reverência aos anos de dedicação ao samba. Memórias de uma vida dedicada à música A entrevista também foi um momento de relembrar o início de sua jornada musical, com imagens de sua juventude e primeiros passos no samba. “Eu venho de uma família de músicos. A música sempre esteve presente. Lembro que ganhei um prêmio de duas latas de goiabada por cantar em um parque de diversão, com apenas 9 anos”, compartilhou, com um sorriso nostálgico. Neguinho também falou sobre sua experiência nas Forças Armadas. “Eu servi na Aeronáutica entre 1967 e 1971, uma época sem celulares ou câmeras. A única pessoa que tem fotos dessa época é o meu amigo Barbosa, um irmão que sempre esteve ao meu lado. E todo dia 29 de junho, no meu aniversário, nos encontramos”, disse emocionado. Aposentadoria? Não Apesar de ter sido anunciado como aposentado, Neguinho desmentiu os boatos e explicou a situação: “Eu não fui feliz na forma como me expressei. O que eu queria dizer é que estou passando o microfone para a nova geração. 50 anos foi o suficiente. A avenida é um ciclo longo, mas poucos conseguem alcançar essa meta na mesma escola. Agora é hora de dar espaço aos novos talentos”, explicou. O cantor afirmou ainda que a Beija-Flor está promovendo um reality show para escolher o próximo cantor a seguir seus passos. "Não tem substituto para o Neguinho. A Beija-Flor vai escolher entre os cantores que já me acompanham na avenida, e está sendo muito difícil, porque todos são meus amigos", afirmou. O futuro: Turnê pela Europa e um projeto com Xande de Pilares Com sua mente voltada para novos horizontes, Neguinho também revelou que está em processo de gravação de um DVD ao lado de Xande de Pilares. O projeto Empretecendo reúne 22 faixas compostas por ele e com convidados especiais como Zeca Pagodinho, Ferrugem, Renato da Rocinha e Alcione. “O Xande me fez uma homenagem cantando todas as músicas que marcaram a minha carreira. Já está nas plataformas digitais, e agora vamos gravar o DVD na Cidade do Samba”, contou. Além disso, Neguinho confirmou que fará uma turnê pela Europa, com shows previstos para Portugal, França, Bélgica e Alemanha. “Vou começar por Portugal, mas a ideia é seguir por vários países. A música brasileira precisa chegar ao mundo e esse é o nosso objetivo”, disse, empolgado. Novos rumos e mais inspirações pela frente Em breve, Neguinho retorna à Europa para continuar seus projetos e, quem sabe, se inspirar em novas músicas e ideias. “Eu devo chegar no dia 20 de julho e ficar até 10 de setembro. Vamos rodar a Europa com esse projeto e ver o que mais vem por aí", concluiu. Com uma carreira sólida, Neguinho da Beija-Flor continua a fazer história e levar o samba para novos públicos, sempre com o espírito renovado e os olhos voltados para o futuro.

    Brasileiros em Israel relatam ‘medo' e ‘estado de choque' diante do conflito contra o Irã

    Play Episode Listen Later Jun 21, 2025 6:28


    Mais de uma semana após o início da ofensiva maciça lançada em 13 de junho pelo exército israelense contra o Irã, os moradores de Israel convivem com um novo cotidiano: sirenes diárias, ataques ao longo do dia e uma ameaça sem precedentes, mesmo para uma população "acostumada" a conflitos. Neste sábado (21), o governo de Israel afirmou ter conseguido retardar a capacidade de desenvolvimento de uma bomba atômica pelo Irã, após novos ataques aéreos a uma instalação nuclear em Isfahan, na região central do país. Em seguida, o Irã atingiu um prédio residencial no norte de Israel, sem registro de vítimas até o momento.  Henry Galsky, correspondente da RFI em Israel Se, durante os conflitos com o Hamas na Faixa de Gaza ou com o Hezbollah no Líbano, a vida no interior de Israel ainda mantinha uma aparência de relativa normalidade, a guerra contra o Irã mudou drasticamente esse cenário. Nos ataques contra Petach Tikva, na região central de Israel, um casal morreu dentro do abrigo protegido do apartamento. O Comando da Frente Interna — braço do Exército responsável por orientar a população civil —, reconheceu que, no caso de um ataque direto, mesmo os abrigos reforçados garantem proteção total. Apesar dos sistemas de defesa avançados, os mais de 500 mísseis balísticos disparados pelo Irã têm se mostrado desafiadores. Em apenas uma semana de conflito, ao menos 24 israelenses foram mortos em ataques da República Islâmica. Brasileiros em 'choque' em Israel A RFI conversou com brasileiros que vivem em Israel para entender como têm sido os últimos dias no meio de uma guerra inédita na região.  Sarah Salomão Neta, cozinheira e guia de turismo, mora sozinha em Bat Yam, cidade que faz parte da região metropolitana de Tel Aviv. A casa dela foi destruída por um míssil iraniano que atingiu o prédio em frente.  Ela estava no "miklat", o termo em hebraico para o abrigo coletivo, que fica na parte de baixo dos edifícios. Este tipo de abrigo é muito comum, em especial em prédios mais antigos construídos antes de 1993, quando uma lei aprovada pelo parlamento israelense determinou que todas as novas construções deveriam ter um quarto protegido no interior dos apartamentos.  "Para mim só a parte da frente do prédio tinha sido destruída. Depois subi no apartamento e tudo estava destruído. A porta de madeira estava caída no chão, a janela tinha caído na poltrona, no meu quarto todas as paredes caíram", conta Sarah, que está temporariamente hospedada em um hotel em Tel Aviv, assim como os demais moradores do prédio. "Eu estou em estado de choque. Não posso ouvir um barulho que meu coração vem na boca", diz a brasileira. Já Deborah Kopstein Schanz trabalha como cuidadora de crianças e mora em Ramat Gan, outra cidade atingida por um míssil iraniano. "Não estou saindo de casa para praticamente nada, compras eu peço para entregar. Tem sido muito difícil. Fico pensando nos meus pais que moram em Haifa, no meu irmão que mora em Zichron Yaakov (também no norte de Israel) com as crianças", indica ela. "Eu tenho que ir para o abrigo do prédio, mas que não tem uma porta de ferro. É só rezar, porque está se aproximando, [os mísseis] estão caindo muito perto de pessoas que a gente conhece", relata Deborah. Ao cair da noite, os israelenses se recolhem em suas casas, e as ruas das cidades ficam praticamente desertas. Tel Aviv, conhecida por sua vida vibrante e constante movimento, está excepcionalmente calma.Tel Aviv, conhecida pela agitação permanente, está excepcionalmente calma. Um bairro inteiro foi destruído por um míssil iraniano. A reportagem da RFI esteve no local e registrou a destruição de prédios residenciais, casas, mercados e hotéis. Todas as construções em um raio de 500 metros foram afetadas. Um comandante do exército que pediu para não ser identificado confirmou a potência do ataque: "Foi um milagre que ninguém tenha morrido por aqui".  Fábricas não conseguem proteger trabalhadores Nossa reportagem esteve presente em cinco locais atingidos na região norte e central de Israel: Tamra, uma cidade árabe-israelense onde quatro jovens de uma mesma família foram mortas, Rishon Letzion, Tel Aviv, Haifa e Ramat Gan.  Juliano Rosenberg é agrônomo e mora em Kiriat Ata, uma das cidades do entorno de Haifa. Ele trabalha em uma empresa que produz artefatos para a indústria bélica e percebeu uma redução dos trabalhadores ativos na fábrica. Juliano detalha que as ausências acontecem pelo fato de o abrigo protegido da fábrica não ser grande o bastante para proteger todos os funcionários em caso de ataques. "Estamos funcionando com um número reduzido de trabalhadores pelo tamanho do bunker, que não comporta todos os funcionários. Então, estamos trabalhando em rodízio", afirma Rosenberg. O Irã afirma que tem buscado atingir apenas alvos militares. Mas as evidências no terreno mostram outra realidade. Nos locais visitados foi possível verificar que apenas estruturas civis foram destruídas. O Irã atingiu uma refinaria de petróleo em Haifa; um alvo considerado estratégico, o Hospital Soroka, em Beersheva, além de prédios civis em Holon, Bat Yam, Petach Tikva e Bnei Brak. Foram registrados também ataques contra um alvo militar na região central de Israel (cuja localização precisa ainda não foi divulgada) e o Instituto de Ciências Weizman, em Rehovot, ao sul de Tel Aviv. O Instituto Weizman é dedicado basicamente a ciências, mas realiza parte de suas pesquisas em parceria com as forças militares de Israel nas áreas de energia, medicina e ciências da computação. A maioria dos danos causados pelo míssil iraniano destruiu laboratórios de pesquisa de tratamentos contra o câncer.  Leia tambémIrã pede fim de ataques israelenses antes de qualquer negociação diplomática Adaptação à nova rotina de guerra Ao conversar com brasileiros que vivem em Israel, fica evidente que, neste momento, a prioridade tem sido se adaptar à nova rotina imposta pela guerra. Até agora, são poucas as vozes críticas ao conflito, pois os esforços estão voltados para lidar com os desafios do dia a dia — como manter as crianças entretidas com as aulas presenciais suspensas, conciliar o trabalho remoto e garantir que os abrigos domésticos estejam sempre prontos para uso. A operadora de turismo Luana Amorim, moradora de Petach Tikva, relata as mudanças no cotidiano desde o início da guerra, há uma semana. "Viver em Israel nesses dias tem sido uma mistura de tensão constante, tentativas diárias de seguir em frente para não surtar dentro de casa. Tenho dois filhos, então foi preciso sair da rotina porque não tem nada funcionando. E com as crianças em casa, trabalhando de casa, está sendo bem difícil conciliar, além do medo. Essa é a primeira vez que, realmente, o medo está bem grande. As sirenes tocam a qualquer momento. Mas quando a gente recebe esses avisos, o coração dispara", conta. *matéria corrigida em 22/06/25 às 08h25 de Paris

    "Nego Fugido, Memórias Quilombolas": imersão na resistência afro-brasileira vista por Nicola Lo Calzo

    Play Episode Listen Later Jun 20, 2025 5:53


    A exposição "Nego Fugido, Memórias Quilombolas", do fotógrafo e pesquisador italiano Nicola Lo Calzo, oferece uma imersão na memória da resistência quilombola no Brasil, mais precisamente em Acupe, no Recôncavo Baiano. O projeto é apresentado no centro de arte Ygrec-ENSAP, em Aubervilliers, ao norte de Paris, até 12 de julho. A curadoria é da brasileira Ioana Mello. Patrícia Moribe, de Aubervilliers O convite para entrar nesse mundo misterioso vem já de fora, da rua, através das vitrines com trabalhos que fazem parte da exibição. No interior do espaço central, uma cortina transparente com imagens forma um simbólico círculo, uma roda.   "Nego Fugido" é uma prática performática e viva da comunidade quilombola de Acupe, na Bahia, Brasil. O ritual, mantido vivo desde o final do século XIX pela Associação Cultural Nego Fugido, encena a desumanização da escravidão e a violência escravagista, mas também a resistência a essa desumanização, representando a luta dos escravizados por sua abolição, independência e liberdade. “Mais do que uma mera encenação do passado, o Nego Fugido permite à comunidade lembrar o passado e inscrevê-lo nas lutas contemporâneas pelo acesso à terra e aos recursos naturais, como os do mangue e do mar, na Baía de Todos os Santos e arredores”, explica Nicola Lo Calzo. “Trata-se, portanto, de uma prática com uma importante dimensão política. A performance busca construir uma narrativa soberana e oferecer uma perspectiva alternativa sobre o passado colonial, ressoando ainda hoje.” Fuga e criação de espaços de liberdade Lo Calzo explica que a questão da memória da fuga e do marronagem (movimento de fuga e estabelecimento de comunidades independentes de escravizados, algo como “quilombolagem”, se a palavra existisse em português) o interpela profundamente, ressoando com sua própria experiência como minoria. Ele explora como essa experiência de fuga, que permite a criação de espaços de liberdade, pode se conectar com outras experiências de marginalidade e subalternidade. "O que me interessa nessas práticas é também sua capacidade de produzir espaços de criação e de liberdade e de autonomias que são antinormativas, que vão, diríamos, além das linhas normativas convencionais". Sua prática fotográfica é construída como uma "prática de relação", feita através de encontros e do estabelecimento de laços com as comunidades, permitindo-lhe acessar espaços considerados sagrados e viver o cotidiano, como a pesca de manguezal. O artista destaca a particularidade da memória defendida pela Associação Cultural Nego Fugido: a memória do "pequeno marronagem", ou a fuga cotidiana. Ele explica que, diferentemente da figura heroica e idealizada dos grandes quilombos e seus líderes, como Zumbi dos Palmares, o Nego Fugido narra "a memória da fuga cotidiana. É quando a gente foge duas horas da plantação para voltar depois, para ir ver o seu amor, por exemplo; é quando a gente foge da plantação um dia para ir ao mercado ou para ir pescar no mangue, e depois a gente volta". Essa abordagem revela a complexidade e a humanidade das pessoas escravizadas que encontravam espaços de liberdade dentro do próprio sistema de violência. Caçador de escravos e Exú Uma figura central e complexa na performance do Nego Fugido é a do "caçador de escravos". Lo Calzo explica que, na encenação, esse personagem, frequentemente negro, não é polarizado entre o bem e o mal. Ele afirma que a comunidade se reapropria "completamente dessa figura para fazer dela justamente uma figura que representa todas as ambiguidades da escravidão. Há o bem, há o mal, mas é uma figura complexa". O caçador de escravos, que inicia a performance caçando os escravizados, no final os ajuda a se libertarem e a prenderem o "Rei Pedro", reorganizando a ordem social. Por isso, o caçador de escravos é associado a Exu, o orixá dos paradoxos e mediador entre os vivos e os mortos, que tem o poder de subverter o status quo. Lo Calzo frisa: "ele [o caçador de escravos] é o mestre de toda a performance. É ao mesmo tempo uma figura de opressão, mas também uma figura de emancipação". A cor vermelha, com destaque na exposição, é um fio condutor que remete a essa figura e à prática do Nego Fugido. A comunidade usa o vermelho para pintar os lábios, simbolizando a violência e o sangue, mas também o poder de Exu. Essa escolha da cor está presente nas vitrines da exposição e nas prateleiras. Além do Nego Fugido, Lo Calzo menciona "Binidittu" (Benedito), que explora a figura de São Benedito, o Mouro. Nascido na Sicília como filho de escravizados, ele se tornou um símbolo de liberdade para os sicilianos e de resistência e emancipação para os escravizados na América Latina, incluindo o Brasil. São Benedito, que teve o processo de canonização mais longo da Igreja Católica por ser uma figura "ambígua" e de revolta, foi ressignificado pelas comunidades e sincretizado com cultos afro-brasileiros. Tanto Nego Fugido quanto Binidittu fazem parte do projeto "Kam", uma investigação iniciada em 2010 sobre as memórias contemporâneas das resistências à escravidão e ao marronagem, tema da tese de doutorado que Lo Calzo defendeu neste ano. Resistência e acessibilidade A curadora Ioana Mello enfatiza o fato de a exposição acontecer em um subúrbio carente de Paris. “As comunidades retratadas, como os quilombolas de Acupe, são muitas vezes completamente invisibilizadas e tornadas periféricas pelo olhar central. Estar em Aubervilliers permite uma conexão potente com essa invisibilidade e a força de suas histórias”, aponta. Mello também destaca o esforço para tornar a arte acessível ao público de Aubervilliers. "É um espaço que tem duas vitrines bem grandes e que foram bem pensadas para fazer parte da exposição. Não é apenas um detalhe da exposição, é a exposição também, porque a gente está num bairro onde as pessoas não têm acesso à arte, têm um certo medo desse cubo branco", explica. Para incentivar a interação, a prefeitura de Aubervilliers vai espalhar dez painéis fotográficos da exposição pela cidade. O conceito da "roda" (círculo) é fundamental na performance do Nego Fugido e foi incorporado ao design da exposição. Essa roda, que representa a forma como o Nego Fugido se manifesta no espaço público com a "caça" entre caçadores e escravizados ao redor dela, será replicada nas exibições programadas no Brasil. Após a temporada na França, a exposição seguirá para a Aliança Francesa de Brasília, no festival FotoRio e o Museu Afro-Brasileiro (MAFRO) em Salvador.

    Acervo da Biblioteca Nacional da França revela diversidade e memória da fotografia brasileira contemporânea

    Play Episode Listen Later Jun 16, 2025 6:53


    A Biblioteca Nacional da França (BNF) realizou nesta sexta-feira (13), como parte programação da temporada cultural cruzada do Brasil na França de 2025, um colóquio sobre a fotografia brasileira contemporânea. Com mais de 1.400 fotos, a BNF tem o maior arquivo público de trabalhos de fotógrafos brasileiros do mundo. “A ideia do colóquio é exatamente valorizar o patrimônio brasileiro que conservamos na Biblioteca Nacional da França”, disse à RFI Heloïse Conésa, chefe do serviço de fotografia do Departamento de Estampas e Fotografia da BNF. “É a ocasião de apresentar este olhar e discursos desses fotógrafos, que nós conservamos, e de mostrar ao público algumas impressões originais. Para nós é um prelúdio de outras operações de valorização que vamos realizar.” Heloïse Conésa explica que a coleção contava com cerca de 550 fotografias, até antes de 2015. Depois, com novas doações, e graças ao trabalho de mecenato de Denise Zanet, diretora do Initial Labo Métropole, uma plataforma criativa dedicada à fotografia, com a curadoria primeiramente de Ricardo Fernandez, e posteriormente de Marly Porto, desde 2023, o acervo da BNF foi completado com o trabalho de fotógrafos contemporâneos brasileiros. “Fazer brilhar o nosso trabalho em um lugar que é o berço da fotografia – vamos dizer assim –, é muito importante”, comentou Marly Porto, co-fundadora da Porto de Cultura e comissária adjunta do fundo fotográfico brasileiro contemporâneo da BNF. “Ter uma acolhida de uma instituição como a Biblioteca Nacional da França e sua representatividade na questão da memória, para os fotógrafos, é absolutamente importante”, diz. Quando assumiu a curadoria junto com Héloïse Conésa, Marly Porto diz que, após cobrir o que considerava como uma “lacuna na história” do acervo da BNF, buscando fotógrafos como Rogério Reis (Na Lona, 1986-2001, Surfistas de trem 1989) que “fazem parte da nossa história, mas não estavam presentes”, ela passou a pesquisar o trabalho de jovens fotógrafos. Acervo brasileiro O colóquio expôs as três linhas de aquisição prioritárias do fundo fotográfico brasileiro contemporâneo da BNF. A primeira mesa redonda, sobre o tema "Como fazer sociedade hoje no Brasil?", apresentou um olhar sobre as evoluções da sociedade brasileira e teve a participação dos fotógrafos Carolina Arantes, Andrea Eichenberger, Rogerio Reis e Roberta Sant'Anna. Da segunda, sobre patrimônio, memórias coloniais e representações de comunidades afro-descendentes e da Amazônia no Brasil contemporâneo, participaram os fotógrafos Fernando Banzi, Livia Melzi, Ana Mendes e Pablo Pinheiro. A terceira mesa, sobre mudanças climáticas e consciência ecológica no Brasil, contou com os fotógrafos Raphael Alves, Rodrigo Braga, José Diniz e Isis Medeiros. Todos os fotógrafos brasileiros presentes no evento têm seus trabalhos preservados na BNF. Entre eles, a gaúcha Roberta Sant'Anna, que apresentou Parque Aquático. Projeto fotográfico que expõe a classe média brasileira em lugares de lazer transformados em universos fantásticos. “O trabalho às vezes cria pernas próprias e vai para lugares que a gente nem poderia imaginar no momento que a gente estava fazendo as fotos”, diz Roberta. “Privilégio, prazer, honra: é muito legal estar aqui em uma instituição tão respeitada assim. E é o aspecto também da coleção ser algo permanente. Quando nós não estivermos mais aqui, a coleção vai permanecer representando o Brasil.” O aspecto de construção de memória é "crucial" para Carolina Arantes, cujo trabalho Tombamento faz parte do acervo. Principalmente porque os fotógrafos não contam com esta possibilidade no Brasil.  "Um espaço de acolhimento para os fotógrafos, para a história da fotografia brasileira, para a reunião de tantas visões, de tantas imagens: essa coleção é imprescindível para a gente ter essa segurança de que isso está guardado”, sublinha.  Construção da memória Para a fotógrafa mineira Isis Medeios, a questão toma ainda mais relevância. Seu projeto fotográfico, "15:30", documentou durante dez anos o desastre ambiental em Mariana. O número faz referência à hora do rompimento da barragem de rejeitos tóxicos da mineradora Samarco.  “Está sendo muito importante estar aqui e abrir esse espaço também de visibilidade. É importante para mim ter esse trabalho aqui dentro da BNF e mostrar essa história. Porque infelizmente nosso país não valoriza a nossa história e não valoriza a memória. Para mim é extremamente importante que a gente nunca esqueça essa tragédia, que a gente nunca esqueça o que aconteceu e que a gente possa ter políticas de mudança mesmo, de melhoria para a população e para os territórios", diz. Para o fotógrafo amazonense Raphael Alves, o importante é que o olhar dos brasileiros seja registrado no acervo da biblioteca. "Nossas histórias sempre foram contadas por outros. O próprio nome Amazonas veio de um ideal do colonizador", lembrou. "Eu creio que a Amazônia é sempre muito observada do ponto de vista de um satélite, como uma coisa grande, distante, mas lá tem as pessoas e é impossível manter a floresta em pé, as águas limpas, se a gente não olhar para aquelas pessoas que vivem lá", ressaltou. "Quando alguém de fora vai na nossa região e as pessoas falam, 'Ah, vocês têm que subverter, vocês têm que retomar as narrativas'. Eu falo, não, a gente só tem que reverter. As histórias são nossas", diz. Alves insiste na força colaborativa da fotografia: "Quando a gente está diante do cotidiano, do próximo, e quando a gente consegue colaborar, eu com eles, eles comigo", a foto "se potencializa e pode ser um instrumento de denúncia, de registo, mas principalmente de interpretação desse mundo que a gente vive."

    Último projeto de Niemeyer para Brasília pode sair do papel graças a parceria internacional

    Play Episode Listen Later Jun 13, 2025 6:12


    O último projeto elaborado pelo arquiteto Oscar Niemeyer para Brasília poderá finalmente sair do papel. Representantes da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal (Adasa) vieram a Paris em busca de parceiros para a construção do MINA, o Memorial Internacional da Água. Maria Paula Carvalho, da RFI em Paris   O projeto foi apresentado durante as comemorações dos 50 anos do Programa Hidrológico Intergovernamental da Unesco (IHP), que reúne, em Paris, até sexta-feira (13), representantes de 170 países. De acordo com Rogério Rosso, diretor da Adasa, uma parceria internacional poderá dar continuidade ao que foi planejado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, anos antes de sua morte. "O nosso saudoso e lendário Oscar Niemeyer fez muitas obras, não só em Brasília, mas também no Brasil, na Europa e no mundo. E uma delas é o Memorial Internacional da Água. Ele era tão visionário que tinha essa preocupação com a água", disse em entrevista à RFI. "O nosso planejamento é que esse projeto, o memorial internacional, seja de fato internacional. Então, a Unesco nos convidou para apresentá-lo a mais de 130 países", continua. "A ideia é ter um local físico onde possamos mostrar às nossas crianças do mundo inteiro, aos jovens, a nós mesmos e às futuras gerações a importância de cuidar bem da água, em todos os seus aspectos", completa. O novo memorial, a ser construído às margens do Lago Paranoá, em Brasília, fará parte da Rede Global de Museus da Água, uma iniciativa do Programa Hidrológico Intergovernamental (IHP) da Unesco. A RFI também conversou com Eriberto Eulisse, diretor dessa rede, que conta com 120 museus pelo mundo — incluindo museus de ciências, história e arqueologia — para construir uma nova cultura da água. "Não estamos muito acostumados a ver água mais no meio ambiente. A gente fala bastante sobre isso durante as crises emergenciais ligadas ao aquecimento global, mas precisamos aprender a manejar a água de outra maneira, para previnir catástrofes, desastres e isso só é possível através da educação. Os museus da água vão preparar as futuras gerações para um manejo sustentável e os museus são essenciais para esse propósito".   O MINA será não apenas um museu, mas também um centro de estudos em recursos hídricos, com um anfiteatro, e exibirá exposições internacionais de países que possuem tecnologia e são referência no tratamento de água e saneamento. Rogério Rosso fala sobre os custos do projeto: "Nós já temos um levantamento feito. É um projeto estimado entre 60 e 70 milhões de euros. Vários países já manifestaram interesse em atuar como parceiros. Quanto mais países entrarem, melhor", explica. "Eles podem participar por meio de doações governamentais de seus próprios países ou de empresas desses países que atuam no Brasil", acrescenta. "Temos legislações de incentivo a aportes culturais, como a Lei Rouanet, e também um fundo de endowment, que é uma nova legislação em tramitação no Brasil voltada para fundos de cultura. Então, o MINA já nasce muito moderno também nessa parte de estruturação financeira", avalia. Segundo o diretor da Agência Reguladora de Águas, a iniciativa — que aposta na parceria com países, institutos, universidades e organismos internacionais — surge em um momento crucial para o planeta.   "Todos nós sabemos que as mudanças climáticas são severas em todo o globo. E tudo isso tem a ver com o nosso manejo de várias coisas. E a água é um recurso natural. Ela não é infinita, ela é finita. E sendo finito, a gente precisa cuidar dela com muito carinho, com muito amor. E é impossível um país cuidar e outro não. Porque a água não sabe onde a fronteira".  A cooperação internacional poderá finalmente tirar da gaveta mais um monumento do arquiteto que assina o projeto de Brasília, um marco do urbanismo moderno e que garantiu a inscrição da capital federal na lista de bens do Patrimônio Mundial da Unesco, em 1987. A previsão é de que as obras durem pelo menos três anos. "A gente pretende, em três anos, ter praticamente 70%, porque vai ser uma construção em várias fases", explica Rosso. "Primeiro, aquela parte central do museu, depois o anfiteatro, depois o Centro de Altos Estudos de Recursos Hídricos e o prédio da Governança", cita. 33 milhões de brasileiros não têm água potável O MINA também proporcionará capacitação e formação em recursos hídricos, clima, engenharia ambiental, entre outros temas, no país que abriga 12% das reservas de água doce do planeta. Atualmente, no Brasil, 33 milhões de pessoas não têm acesso à água potável e aproximadamente 90 milhões não contam com saneamento adequado, segundo dados recentes do IBGE. "Foi um projeto contratado pela empresa de saneamento de Brasília, a Caesb, há mais de 20 anos, ainda na década de 1990. E Niemeyer colocou esse projeto como prioridade, tanto que, no seu livro Minha Arquitetura — onde reúne suas principais obras — ele cita o MINA e destaca a questão da água. Portanto, esse projeto já existe, feito pelas próprias mãos de Oscar Niemeyer, e é um dos poucos que ainda precisamos implantar em Brasília para concluir o que ele idealizou para a nova capital do Brasil, a linda Brasília", conclui.

    Startups brasileiras estão de olho em parcerias com a França no maior evento do setor da Europa

    Play Episode Listen Later Jun 12, 2025 7:40


    Startups brasileiras se uniram a grandes empresas e startups francesas e globais no maior evento de tecnologia da Europa. A 9ª edição do salão VivaTech, que começou nesta quarta-feira (11) em Paris, contou com a presença do presidente Emmanuel Macron, que reforçou sua estratégia para garantir a soberania da França em inteligência artificial. A Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) participa com quase 40 startups este ano, enquanto a Universidade de São Paulo (USP) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) apresentam projetos inovadores pela primeira vez no Parque de Exposições da Porte de Versalhes. Luiza Ramos, da RFI em Paris O presidente francês celebrou, no dia de abertura do evento, a parceria que chamou de “histórica” entre a multinacional americana Nvidia e a startup francesa Mistral para o lançamento de uma plataforma de nuvem soberana na Europa. A futura infraestrutura de IA, segundo o jornal Libération, prevista para 2026, será gerida na Europa, equipada com 18 mil superchips da Nvidia. Segundo o Financial Times, a empresa francesa agora busca levantar o interesse de investidores. De olho nas possibilidades e em parcerias para o desenvolvimento e crescimento de projetos, aproveitando a visibilidade do país na Temporada França-Brasil 2025, startups brasileiras chegam em peso com a maior delegação desde que o Brasil começou a ter representatividade na feira internacional. Nesta edição, o país tem um stand maior montado na área de inovações. E a Apex participa pela sétima vez da iniciativa.  “A média da participação era de seis a sete startups. Mas esse ano, nós quintuplicamos a nossa participação e estamos aqui com 38 startups. Nós temos uma delegação formada por 54% de empreendedoras mulheres, o que é bastante interessante”, conta Juliana Vasconcelos, especialista em negócios internacionais pela Apex Brasil. Pix: tecnologias brasileiras atraem interesse Juliana Vasconcelos revela ainda a diversidade de origens dos representantes na feira deste ano: “Temos três empresas oriundas da favela e oito empresas do norte e do nordeste. E, claro, todas com bastante inovação embutida”, enfatiza, “temos aqui empresas que representam o agro brasileiro, soluções de rastreabilidade para o agro, (...) são empresas que tem, em sua maioria, uma tração com as políticas hoje exigidas pela União Europeia e que podem ter complementaridade e ser parte da solução de uma série de questões para os países do bloco”, explica Juliana, fazendo referência às tratativas de acordos como UE-Mercosul, que exigem, por exemplo, rastreamento de origem bovina a ser exportado da América Latina para países europeus. Segundo ela, já no segundo dia do evento, nesta quinta-feira (12), as tecnologias bancárias brasileiras têm chamado a atenção. Principalmente de startups como Vurdere, Saygo e Capital Empreendedor, que destacam a tecnologia de pagamentos expressos.  “Eu acredito que as soluções de pagamentos em Pix tem sido bastante procuradas aqui como destaque brasileiro. Nós temos observado também uma busca muito grande por soluções de databases e inteligência artificial para a saúde e as soluções de agronegócios, com uma demanda muito grande por parte de empresas europeias”, detalha.  Mulheres abrindo caminhos na tecnologia E não é só isso, o Brasil também se destaca na área da educação ambiental, de olho no crescimento das preocupações com o meio ambiente. Como o aplicativo "BoRa" desenvolvido pela startup Fubá, fundada por quatro educadoras da área da biologia, que aponta para a abertura de caminhos para o empreendedorismo feminino na tecnologia. "Isso é muito legal por que mostra a mais mulheres que é um caminho possível", celebra a co-fundadora Flávia Torreão. A pesquisadora detalha que o aplicativo, que tem mapeamento em alguns locais turísticos brasileiros e inicia uma parceria com Portugal, mostra ao usuário curiosidades e formas de melhorar a relação com o meio ambiente associado ao turismo em áreas urbanas e já tem em seu cardápio locais do Rio de Janeiro e de Foz do Iguaçu. "A ideia é encontrar parcerias na prefeitura [de Paris] ou empresas locais que estejam interessadas. Se houver uma possibilidade de colaborarmos com alguma instituição na França, para desenvolver o aplicativo na França, seria uma oportunidade incrível. É o que estamos fazendo na VivaTech, buscando parcerias", explica Flávia. USP e Fapesp pela primeira vez na VivaTech O diretor científico do Centro de Pesquisa e Inovação em Gases de Efeito Estufa da USP, Julio Meneghini, falou à RFI sobre a importância do intercâmbio tecnológico na França. “Somente o nosso centro, o RCGI, Research Center for Green House Gases Innovation, trouxe para cá dez startups que estão trabalhando com diferentes áreas. A oportunidade de vir aqui na França e mostrar essa tecnologia para a França, que é um dos países que lidera a questão de inovação no mundo, em particular aquelas que nós temos trabalhado no RCGI, que é um dos maiores da Universidade de São Paulo, é muito importante, é uma oportunidade única”, diz Meneghini. O professor afirma que a iniciativa desta primeira colaboração da USP e da Fapesp na VivaTech foi uma iniciativa da reitoria da USP alavancada pelas parcerias dos governos brasileiro e francês deste ano, marcado pela imersão de eventos que unem os dois países.   No agronegócio, Julio Meneghini destaca startups de combustíveis verdes, uma delas usa a macaúba, um tipo de palmeira típica da América do Sul. “É uma tecnologia desenvolvida na Universidade de São Paulo, na escola de Agronomia, em Piracicaba, com a qual é possível utilizar a semente da macaúba para a produção de combustível sustentável de aviação. O que pode ter um impacto muito grande para se utilizar plantações de macaúba para o reflorestamento e, de uma forma sustentável, retirar a semente para a produção do combustível também sustentável da aviação”, sublinha.  O diretor evidenciou o interesse pelas tecnologias brasileiras já nos primeiros dias em Paris: “Tivemos uma grande procura de informações, inclusive fundos de investimento que vieram nos procurar para conhecer melhor as tecnologias e eventualmente fazer aporte de recursos. Toda startup precisa ultrapassar aquele chamado ‘Vale da Morte'”, explica. “É muito importante ter financiamento para você conseguir fazer com que o trabalho inicial que a startup começou passe de uma escala piloto para uma escala real e aumente a produção. Por exemplo, o caso do combustível sustentável para aviação ou a produção do metanol verde [tecnologia de outra startup brasileira também no VivaTech]. Então já tivemos no primeiro dia uma grande repercussão”, celebra Julio Meneghini.  O VivaTech acontece na Paris Expo da Porte de Versalhes e será aberto ao grande público apenas no sábado, 14 de junho de 2025, das 9h às 18h.

    Povos da Amazônia são tema de exposição fotográfica na Champs-Élysées, em Paris

    Play Episode Listen Later Jun 12, 2025 6:00


    Um designer francês e um fotógrafo brasileiro se uniram, em 2009, para um projeto focado na Amazônia brasileira. Como resultado, as fotos, que registram populações diversas dessa região, ganharam as páginas de um livro e agora, pela ocasião do Ano do Brasil na França, uma exposição na Avenida Champs-Élysées, uma das mais famosas do mundo. A exposição nasceu do encontro entre o francês Antoine Olivier e o brasileiro J.L. Bulcão. Juntos, eles fotografaram os seringueiros de Xapuri, os índios Sateré-Mawé, os catadores de açaí e os quebradores de coco babaçu, documentando como cada uma dessas populações, por meio de seus conhecimentos tradicionais e de suas lutas, representa uma forma de resistência ecológica. Eles mostram que a preservação do bioma está diretamente ligada à sobrevivência de seus povos.  "Esse projeto, inicialmente, foi parte de um concurso europeu para apoiar uma ONG e fazer um projeto de comunicação. Eu e o Bulcão nos juntamos para fazer um trabalho de fotografia para falar das pessoas que vivem e trabalham na floresta, e sobretudo que sustentam a floresta e a si mesmos. Ele foi feito em 2009 e o tempo de fotografia foi de dois meses. Depois teve toda a parte de preparação porque esse grande trabalho fotográfico foi transformado em um livro" contou Antoine Olivier. "A gente decidiu fotografar os povos da floresta, que era o nome dado pelo Chico Mendes (seringueiro e líder militante, morto em 1988) às pessoas que moram na Amazônia. Fizemos uma pesquisa grande e decidimos dar uma volta na região. Começamos no Acre, no seringal Cachoeira, terra do Chico Mendes, depois fomos para o Médio-Amazonas, na terra dos Sateré-Mawé, que são os índios que têm como símbolo maior o guaraná; de lá fomos a Belém, pegamos o barco e fomos até Abaetetuba, uma das cidades principais produtoras de açaí; e a quarta etapa foi com as quebradeiras de coco babaçu, que estão localizadas num território entre Tocantins, Pará e Maranhão. São pessoas que estão lá há muitos anos e lutam pelo direito à terra para voltar a poder catar esses babaçus nas propriedades que não são delas", explicou J.L. Bulcão, completando que todo o processo durou mais de um ano. "A pré-produção foi grande, o Antoine morava no Rio de Janeiro e eu aqui na França. Nos reunimos, programamos a viagem e contactamos as associações, porque cada tema destes tem uma associação que nos ajudou a entrar em contato. E foi a Autres Brésils que reagrupou essas quatro associações", explicou Bulcão.  Antoine Olivier contou ainda como foi o processo de escolha das fotos que compõem a exposição em Paris. "Só eu fiz 10 mil fotos e foi feito um trabalho gigantesco de edição para escolher as que achávamos mais importantes e mais representativas de cada assunto. São quatro temáticas e a gente escolheu o que as representava mais para o público em geral, para tentar trazer um pouco de cada elemento", disse.      Ano do Brasil na França A exposição foi inaugurada oficialmente no último dia 11 de junho e, além dos fotógrafos, contou com a presença de representantes da embaixada do Brasil, da prefeitura de Paris, da associação Autres Brésils, de patrocinadores e do curador Emilio Kalil, que também é o curador geral da temporada do Ano do Brasil na França.  "Quando vi o projeto, me encantei. É uma exposição pronta, que veio para Paris. Me pediram autorização para incluir na temporada e eu achei mais do que correto, porque ela representa um pouco das três vertentes da saison. Uma delas é o meio ambiente. Ali está claro que é um pouco dessa Amazônia que a gente quer proteger, que quer salvar", destacou ele, afirmando ainda que a sua grande preocupação para essa temporada é mostrar "um Brasil que os franceses normalmente não veem".  

    "Eu sou um sobrevivente da falta de água potável", diz jovem brasileiro em evento da Unesco em Paris

    Play Episode Listen Later Jun 11, 2025 10:32


    Apesar de sua importância para o planeta e paras as populações, a água é um recurso vital ameaçado pela poluição e pela falta de políticas de manejo. Ainda que a retirada de água doce tenha aumentado 14% nas últimas duas décadas, atualmente 2,2 bilhões de pessoas não têm acesso à água potável em todo o mundo. Os dados são destaque na comemoração de 50 anos do Programa Hidrológico Intergovernamental da UNESCO (IHP), que foi aberto nesta quarta-feira (11) e reúne em Paris, até a sexta-feira (13), representantes de 170 países.   Maria Paula Carvalho, da RFI em Paris O aquecimento global intensifica eventos extremos como secas e enchentes, interferindo na qualidade e disponibilidade desse recurso natural, destacou a secretária executiva da Comissão Econômica das Nações Unidas para a Europa (UNECE), Tatiana Molcean, na abertura da sessão.  E já que esse é um assunto que interfere no futuro das próximas gerações, a Unesco selecionou oito projetos para serem apresentados no 1º Diálogo da Juventude Pela Água. Entre os convidados, está um jovem brasileiro que sentiu na pele a dificuldade de quem não tem água limpa em casa. Erleyvaldo Bispo nasceu e cresceu no interior de Sergipe e é o fundador do Instituto Águas Resilientes, que ele veio apresentar na capital francesa. "Eu fui uma criança que tive contato com água contaminada, porque a gente pegava água no chafariz e não sabia se era uma água de qualidade, e eu brinquei no esgoto, literalmente", diz em entrevista à RFI. "Essa falta de educação é uma coisa que a gente nota. Hoje em dia, eu percebo que eu sou um sobrevivente e assim como vários outros jovens no Brasil que, infelizmente, vivem essa realidade. São todos sobreviventes, porque a gente sabe que a água contaminada pode matar, há doenças de veiculação hídrica", continua. "Então, no momento que eu chego aqui em Paris e participo desse evento, eu me sinto de fato como um sobrevivente", reitera.   Erley é um dos Jovens Embaixadores pelas Águas, programa que tem apoio do Fundo Socioambiental e que envolveu 60 jovens em todo o Brasil. "Nós temos alguns pilares de atuação. Um deles é desenvolver soluções tecnológicas para o acesso à água, pensando em comunidades que estão em situação de vulnerabilidade, como as do semiárido, as favelas e periferias, comunidades indígenas", afirma. "E temos outro projeto mais voltado à educação e também para treinar, mobilizar e engajar os jovens brasileiros", continua.  O jovem veio a Paris apresentar os resultados de suas ações, na expectativa de motivar outras pessoas. "Inspirar outros jovens para que eles façam ações locais, porque a gente sabe que o desafio é muito grande. Atualmente, no Brasil, 33 milhões de pessoas, aproximadamente, não têm acesso à água potável e aproximadamente 90 milhões não têm acesso a um saneamento adequado, segundo dados recentes do IBGE", pontua. "São dados muito alarmantes. Aproveitando que esse ano teremos a COP 30 em Belém, essa é uma forma de mobilizar esses jovens, a partir desse programa, para que a gente consiga avançar ainda mais, seja em soluções locais, seja a partir de influências em políticas públicas", completa.  Brasil tem água em abundância, mas precisa cuidar de seus recursos hídricos Dono da maior bacia hidrográfica do mundo, a bacia do Rio Amazonas, que se estende por vários países da América do Sul, o Brasil não está livre de se preocupar com a falta d'água. "A nossa maior bacia é a bacia Amazônica, que tem aproximadamente mais de 70% da água doce do Brasil, mas que nesses últimos anos vem passando por uma seca histórica", destaca o engenheiro florestal formado pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). "É importante pensar sobre as nossas águas. Nós temos um grande problema de fato de gestão, de não valorizar a água como ela deve ser valorizada", aponta.  Para o ativista, a população precisa entender a importância da água e saber que ela está ligada ao desenvolvimento da sociedade. "Se a gente fala sobre comunidades sem conflito, comunidades saudáveis, comunidades com habitação, com escolaridade, nós falamos em locais que tenham acesso à água de qualidade e a um saneamento adequado", pontua.  Ao longo das últimas décadas, o Brasil viveu um verdadeiro êxodo de áreas secas do Nordeste para as capitais do Sudeste. Porém, a migração climática continua sendo uma ameaça do futuro, ele explica. "Nesse último século, nós tivemos uma migração em massa de nordestinos fugindo da seca, que é o que chamamos de migração climática. Ou seja, muitas pessoas saíram do Nordeste e foram para grandes centros urbanos, como Rio de Janeiro e São Paulo para viver em áreas periféricas. Pensando em outros cenários, isso já vem acontecendo e preocupa porque vai trazer uma maior pressão para outras localidades que, na maioria das vezes, não estão adaptadas para receber essa quantidade de pessoas", continua. "E quando a gente fala sobre contexto de países, isso acaba tendo outro aspecto, porque envolve questões diplomáticas", analisa.   O Brasil segue um modelo de gestão de recursos hídricos copiado da França: a Lei 9.433, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. "É um mecanismo participativo que foi influenciado pela gestão de recursos hídricos aqui na França. Só que a gente percebe que é necessário um avanço nessa política, pois apesar de ela ter mais de 20 anos, não é tão conhecida pela sociedade e ainda se baseia em um debate muito técnico", lamenta. "É mais do que necessário a gente pensar como ampliar a discussão, incluir mais pessoas e, de fato, priorizar a agenda da água como ponto central para a tomada de decisões", conclui.  Especialistas presentes à conferência da Unesco em Paris lembram que mais do que uma fonte de disputa ou conflito, a água tem sido, historicamente, objeto de cooperação entre países. Um desafio que se torna cada vez mais atual.  

    Lenine & SpokFrevo Orquestra invadem a França ao som do ritmo pernambucano

    Play Episode Listen Later Jun 11, 2025 9:54


    Em mais uma ação pelo ano do Brasil na França, chegou a vez do frevo invadir Paris. O cantor e compositor Lenine desembarca por aqui para um show no Teatro Châtelet no dia 16 de junho, desta vez acompanhado pela SpokFrevo Orquestra. Mas antes de chegar à capital, eles tocam no festival Río Loco, em Toulouse, no dia 15 deste mês. Para as apresentações aqui na França, Lenine e a SpokFrevo Orquestra prometem uma experiência musical que representa a riqueza e a diversidade cultural do Brasil. Os espetáculos serão baseados na longa discografia do cantor pernambucano, ganhador de diversos prêmios, como o Grammy Latino, com arranjos sofisticados da big band, sob a regência do saxofonista e diretor musical maestro Spok. “São principalmente as canções de Lenine adaptadas para a nossa orquestra de frevo, com alguns arranjos adaptados ou feitos por mim, outros feitos por alguns amigos. E tem sido uma grande diversão, um grande encontro. É o sopro, a voz e o espírito de Pernambuco dentro desse espetáculo”, disse Spok. Lenine também se mostrou animado em repetir a parceria, que já aconteceu algumas vezes no Brasil, mas que se realiza pela primeira vez no exterior. “Vai ser muito especial porque SpokFrevo Orquestra é a garantia de uma música contemporânea brasileira, de uma exuberância, porque o frevo tem uma excelência. Para tocar frevo de rua, que é instrumental, tem de ser muito bom músico. Então, nesse encontro, que já tem dois anos que estamos fazendo juntos, aconteceram muitas coisas maravilhosas, e é sempre muito divertido e arrojado”, contou.   Ano do Brasil na França Lenine falou sobre sua relação com a França, sobre o que o público daqui pode esperar nos dois shows e as expectativas para essa temporada.   “Para mim tem um sabor ainda mais interessante porque 20 anos atrás, na sessão Brasil-França de 2005, eu também fui convidado pelo comitê francês para fazer um espetáculo com a Orquestra Île-de-France e 1300 jovens cantando. Então, eu desenvolvi uma relação com a França de profundidade, de intimidade, e poder voltar com essa formação linda da SpokFrevo Orquestra, tocando uma parte significativa do meu repertório, é de uma felicidade tremenda”, afirmou, destacando ainda a sua admiração pela cultura francesa. “Foi na França que aconteceram os grandes movimentos de uma música étnica, global. Uma das primeiras turnês que brasileiros fizeram - e isso foi Pixinguinha com o grupo dele - foi para a França. Então eu acredito que isso é uma aptidão do francês, de estar aberto à cultura do mundo e propagar essa cultura”, disse. O maestro Spok, da SpokFrevo Orquestra, completou: “Lenine tem várias composições, mas a França ainda não ouviu as músicas de Lenine dentro da força de uma orquestra de frevo, uma orquestra que surge nas ruas, com o espírito de um lugar aonde nasce essa manifestação, aonde nascem essas coisas que fazem a alma de Lenine e de nossa orquestra, essa junção. Alguns franceses já nos conhecem por já termos ido aí algumas vezes, mas essa união é uma novidade. Acho que a gente consegue carregar um pouco da alma do nosso povo e é um trabalho que é uma novidade para o público da França, independentemente de repertório”, afirmou. Projetos futuros Lenine falou sobre os próximos projetos em vista: “Agora em outubro, no segundo semestre, estou lançando um projeto novo, formação nova. Eu adoro tocar com diferentes palhetas sonoras, com diferentes formações. Então, o próximo projeto também vai ter essa diferença. Estou no processo de mixagem desse novo projeto”, contou. Spok também está lançando um novo trabalho em julho, solo, que terá, inclusive, a participação de Lenine e outros artistas como Zeca Baleiro e Chico César. Lenine & SpokFrevo Orquestra tocam no festival Río Loco, em Toulouse, no dia 15 de junho e em Paris, no teatro Châtelet, no dia 16 de junho.

    Brasil 'encantado' das cosmogonias indígenas ganha o mundo no Festival do Livro e do Filme de Saint-Malo

    Play Episode Listen Later Jun 11, 2025 9:21


    Devolver o espelhinho para o colonizador. Re-devorar o bispo Sardinha. Com tantas antropofagias possíveis e diversas, dois nomes de ponta da arte e da educação brasileiras seduziram as plateias francesas neste começo de junho na cidade de Saint-Malo, no noroeste francês. Nesta velha cidade de piratas, cujos marinheiros saqueavam navios em nome do rei francês, Graciela Guarani e Daniel Mundukuru mostraram não apenas suas obras, mas a dura realidade de suas próprias existências no Brasil. A cada vez que eles entravam em cena, as salas lotadas de franceses do Festival do Livro e do Filme da cidade de Saint-Malo, no norte da França, sucumbiam a uma espécie de encantamento. Traduzidos ao vivo, eles imprimiram no evento a possibilidade de outros mundos, mais diversos e questionadores. Daniel Mundukuru, referência brasileira e mundial da literatura indígena, com mais de 60 livros publicados no Brasil e no exterior. Doutor em Educação pela USP e dono de um pós-doutorado em Linguística, ele seduziu os franceses também pela franqueza.  Leia tambémJeferson Tenório transita entre diásporas negras e escrituras antirracistas no Festival do Livro de Saint-Malo "O mundo ocidental é um mundo muito quadrado e o mundo indígena é um mundo circular, é o mundo do coletivo. Isso sempre machuca muito os olhos das pessoas, né?", disse, provocando aplausos na abertura de sua participação na mesa "Um manguezal chamado Brasil" ("Une mangrove appelé Brésil", no original).  As críticas do escritor e professor são precisas. Perguntado se sua participação mudaria algo na percepção dos europeus, ele se mostrou pessimista. "Bon sauvage" "Eu acho que não. Na verdade, eu tenho a impressão que ainda existe um pouco a ideia de sermos uma cota necessária para esse tipo de evento, que hoje não pode prescindir da presença indígena, mas que, sobretudo, reforça ainda mais a presença do povo preto. E é justo, é certo, é óbvio, mas os povos indígenas, apesar de terem toda essa importância para a questão ambiental, eles continuam não sendo ouvidos", afirma Mundukuru. "Um evento como esse nosso aqui nesse lugar bonito, ele só, na verdade, revela que os povos indígenas continuam marginalizados e continuam sendo um pouco retratados como como... selvagens, bons salvages, le bon sauvage", ironiza. O colonizador contemporâneo é tão cruel quanto o histórico. Novas cosmogonias Ele confronta a sociedade de consumo criada pelo capitalismo ao modo de vida indígena. "Essa percepção de mundo, essa cosmogonia, que os indígenas têm junto com a sua epistemologia, com a sua educação, sua forma de educar e tudo mais, isso, ao invés de ser valorizado, é desprezado cada vez mais, porque justamente é um povo que não consome, é um povo que não está aí para consumir produtos que o capital produz", argumenta. "E isso vai gerando, obviamente, um desconforto no colonizador. E o colonizador contemporâneo é tão cruel quanto o histórico. E é claro que isso, esse desconforto, gera também uma perseguição constante ao modo indígena de ser." Leia tambémEscritores brasileiros resgatam ancestralidades e lutas em homenagem especial no Festival de Saint-Malo No entanto, Daniel Mundukuru não perde a esperança. "O Brasil é um povo novo, é um povo diferente, ele nasce da conjunção dessas várias culturas que o compõem. Se essas várias culturas conseguirem transformar essa diversidade toda numa pedagogia, no modo de olhar para o mundo a partir da história, da ancestralidade, o Brasil vai fazer aquilo que a natureza faz, que é andar um pouco para trás para impulsionar para frente, ou seja, olhar para o seu passado, olhar para a sua história, para a sua ancestralidade, e essa ancestralidade vai impulsionar o Brasil para a frente. Eu acredito nisso", diz. Uma cineasta Guarani Também destaque da delegação brasileira no festival Étonnants Voyageurs de Saint-Malo, a diretora e roteirista Graciela Guarani é descendente de uma das mais tradicionais e longevas tribos indígenas do país: os Guarani-Kaiowá. Ela, que dirige séries para canais como Globoplay e Netflix, trouxe ao evento o filme “Meu Sangue é Vermelho”, de 2019. O documentário acompanha o rapper Werá em uma trajetória musical e política que revela o genocídio indígena no Brasil. Graciela Guarani aproveitou para denunciar a chamada PL da Devastação, em trâmite no Congresso brasileiro. Ao fim dos debates e projeções, a reportagem da RFI presenciou que muitos franceses foram falar com a cineasta, visivelmente emocionados. Exotismo e extinção "Bom, acho que a minha participação aqui vem muito nesse sentido de descoberta — de entender como a gente vive no país, como a questão indígena é tratada hoje", diz Guarani. "E ela é tratada com descaso, com abandono. Acho que, lá fora, a imagem dos povos indígenas ainda carrega essa ideia de purismo, de exotismo. E, quando a gente sai do país e mostra a nossa realidade, os nossos conflitos, também mostramos a possibilidade de tensão — porque é isso que a gente vive hoje no Brasil: com vários projetos de lei sendo aprovados que ameaçam não só a nossa vida, mas a do planeta como um todo", denuncia. "Acredito que minha participação aqui se torna muito necessária e fundamental, para que o mundo veja como esse lugar chamado Brasil trata uma parte tão importante da população — justamente as pessoas que mais protegem a biodiversidade, não só do país, mas do mundo", aponta a cineasta. Leia também'A política das emoções é também uma política da memória': Djamila Ribeiro abre Festival do Livro de Saint-Malo Para Graciela Guarani, o festival abre portas para novas possibilidades. "A minha participação aqui vem muito nesse sentido: de possibilitar outras consciências, não apenas a forma ocidental de pensar. De ir além do olhar do colonizador — como, por exemplo, o desse país onde estamos — e valorizar também outras formas de pensamento, com respeito", argumenta a roteirista e diretora. "Tudo isso é possível por meio do que a gente faz, né? No meu caso, através do cinema que eu realizo. Então, acho que tem muito a ver com essa construção de universos possíveis, de outros pertencimentos", diz. Desafio Mas a participação neste tipo de evento não é exatamente simples para a diretora indígena. "Eu venho desse povo que é Guarani-Kaiowá, do Mato Grosso do Sul. Quando eu falo desse dito pioneirismo, não é muito com orgulho — é com peso também. Porque estou nesse lugar sozinha. Então, para mim, isso também carrega um desafio muito grande", afirma. "É desafiador permanecer nessa linha, que é muito tênue, como a gente estava conversando. Como sustentar esse nosso lugar, esse nosso jeito de viver, de pisar nessa terra como indígena?", questiona. "Ao mesmo tempo, é preciso dialogar com o outro, com essa sociedade ocidental, que também precisa aprender a respeitar e a valorizar o que a gente tem de memória, de cultura. Então, para mim, é um lugar desafiador", sublinha a diretora. Racismo e machismo "Essa condição de ser indígena, muitas vezes, vem carregada — para a sociedade que nos enxerga — de preconceito, de racismo. E é claro que esse racismo só se intensifica com o tempo. Aí entra a questão do meu gênero, porque também sou vista como mulher. E isso se soma ao machismo", diz Graciela Guarani. "Mas é importante dizer que, nas nossas culturas, esse princípio de classificação, de rotulagem, não existe da mesma forma. A gente não cultua essas formas de nomenclatura sobre quem somos ou de onde pertencemos. Nosso pertencimento vai além do que é definido pelo olhar ocidental — inclusive quando se trata da discussão sobre gênero", conclui a diretora. O Festival do Livro e do Filme de Saint-Malo homenageou escritores e artistas brasileiros em 2025. Em novembro, será a vez do Brasil receber uma delegação de artistas franceses, no contexto da temporada cruzada.

    'Fonsequismo' invade Roland-Garros: torcida do brasileiro João Fonseca marca torneio de tênis francês

    Play Episode Listen Later May 30, 2025 10:48


    Você já ouviu falar do "Fonsequismo"? Os lugares na quadra para ver João Fonseca jogar são disputadíssimos. O brasileiro é uma das estrelas mais brilhantes de Roland-Garros este ano. Número 65 do mundo, ele superou o francês Pierre-Hugues Herbert, 147 do ranking mundial, na quinta-feira (29), garantindo a classificação para a terceira fase de Roland-Garros. O jogo na tarde deste sábado (31) na quadra Simone Mathieu é contra o número 5 do mundo, o britânico Jack Draper, que eliminou uma lenda do tênis francês, Gael Monfils. Torcida, porém, não vai faltar ao carioca, como mostra a RFI nessa reportagem especial sobre a febre João Fonseca em Paris.  Maria Paula Carvalho, de Roland-GarrosA reportagem da RFI tem acompanhado as façanhas de João Fonseca no saibro francês ao lado de torcedores brasileiros. "A expectativa é a maior possível. Acho que o João é muito talentoso, tem tudo para ser o número 1 do mundo, é o sonho dele, né? ", acredita Cléber Aguiar, engenheiro que veio do Rio de Janeiro. Encontramos com ele novamente após a partida em que Fonseca eliminou o dono da casa por 3 a 0. "Claro que deu, só podia dar Brasil, o João joga muito," comemorou.   A confirmação dos resultados vai aumentando a expectativa em torno do jovem João Fonseca no Grand Slam francês. Essa atenção toda tem um nome: "Fonsequismo", explica Luis Felipe Oliveira, anestesista de Santa Catarina. "João Fonseca, nosso querido da torcida brasileira", confirma Éder Barbosa, professor de tênis e mais um dos fãs do tenista que a RFI encontrou em Roland-Garros."Ele é muito jovem, você vê que ele nem se cansou tanto, tem bastante automotivação, fala com ele mesmo, acho que ele vai dar muita alegria ainda para os brasileiros nesse Roland-Garros", acredita Taiane Ridão, bancária de Santa Catarina. As filas para ver o carioca jogar chamam atenção no complexo esportivo, localizado na zona oeste de Paris. "Nós estamos há duas horas e meia nessa fila, a organização bota o João para jogar numa quadra pequena", lamentava Gustavo Félix, médico de Niterói. O jeito, então, é chegar cedo. "A gente chegou 30 minutos antes para ver o João, porque é o sonho dos brasileiros. Estamos aqui só para isso", diz David Ludolf, influenciador do Rio de Janeiro.  Torcida de anônimos e de famosos. No meio da arquibancada, o ator e apresentador Rodrigo Hilbert também ficou impressionado. "Foi a minha primeira vez assistindo o João. Que menino incrível, como tem garra, como tem força, como tem concentração", avalia. "Mas o que me chamou atenção é que ele medita quando está sentado esperando voltar para o jogo", observou.   O lugar de Fonseca já é no coração dos brasileiros, diz Sérgio Freih, engenheiro. "Eu acho que ele tem talento, ele tem vontade, ele é um cara humilde e vai chegar lá com essa humildade", aposta. Nome que virou verboOs apelidos carinhosos se multiplicam. "A galera está toda 'Fonsequizada', eu já vou para o outro lado, eu criei um apelido: o 'Fonfon' , do meu coração", diz Raquel Pitta, torcedora de Belo Horizonte. "A gente vai levando essa torcida onde quer que ele esteja, a gente vai torcendo pelo Fonseca para que ele se saia bem", continua. "É muito impressionante a maturidade dele, já tão novo, como ele se relaciona bem com essa fama que ele alcançou em pouco tempo", destaca a torcedora. O desempenho e o carisma de João Fonseca faz dele uma estrela também nas redes sociais. O seu perfil no Instagram alcançou 1 milhão de seguidores, enquanto o do jogador francês Arthur Fils, por exemplo, não chega a 200 mil seguidores.  A RFI perguntou ao próprio João Fonseca sobre a fama repentina. "Quando eu cheguei ao Rio esse ano, só falavam desse 'Fosequismo'. 'Fonsequizado.' Hoje, uma menininha estava com uma camiseta 'Fonsequizada'. Eu achei demais", disse o atleta. "Eu acho que esse carinho com a torcida brasileira é muito legal. Eu tenho 18 anos, há três anos era eu pedindo autógrafo aos jogadores e hoje vejo criancinhas se inspirando em mim, dizendo que eu sou um ídolo. Volta e meia, recebo fotos de que sou tema de festa de aniversário, que legal!", acrescenta.  Interesse da imprensa internacional A fama de João Fonseca chegou antes dele a Roland-Garros e a imprensa internacional fala da "febre" João Fonseca. "Estamos muito interessados e mal podemos esperar para ver o que vai acontecer. É a primeira vez que o vemos de verdade. A sua performance contra Rublev na Austrália nos deu o alerta: atenção, talvez exista um super jogador, jovem, que chega", explica Arnaud Valadon, jornalista do canal francês RMC Sport. "Ele tem um jogo muito ofensivo, que agrada. Vimos o seu jogo na primeira rodada. Tinha uma fila enorme para poder entrar e até espectadores que estavam na quadra central, ao lado, olhavam da sacada o jogo do João Fonseca. Ele está realmente atiçando a nossa curiosidade", diz. Os franceses, como os brasileiros, são acostumados ao saibro. A terra batida, como se fala na França. Palco onde outro brasileiro fez história. "Eu tinha 10 anos quando Guga [Kuerten] jogou aqui e me fez sonhar diante da minha televisão", lembra Valadon. "Quando ele desenhava corações na quadra central, no saibro, e seria bom se tivesse de novo essa mesma história de amor, porque cada vez que Guga volta aqui, é muito aclamado. Ele marcou uma geração de apaixonados de tênis", afirma."Tinha o cabelo, o jeito que ele falava francês com um sotaque brasileiro que nós amamos. Talvez seria bom se o João falasse francês, algumas palavras, isso nós adoramos, isso nos seduziria ainda mais, mas, sobretudo, que ele ganhe, pois é isso que o coloca em evidência. Ele pode ser o novo queridinho, nós gostamos muito dos brasileiros na França", conclui.  Admiração dos colegasA RFI também perguntou a outros jogadores o que faz João Fonseca despontar. Bia Haddad, 23ª do mundo, diz que "o João é um menino muito bacana. Parece sempre muito educado, generoso e parece ter pessoas muito especiais em volta dele, tanto do time quanto da família". Segundo a tenista, "ele com certeza tem qualidades para brigar, para estar entre os melhores do mundo. Mas o caminho é longo, o caminho é duro, tem que ser um passinho de cada vez", aconselha a paulista."Na minha carreira, eu aprendi que o tênis é uma maratona, não é um tiro de 100 metros. E eu vou estar sempre na torcida por ele, com certeza, e desejo que ele conquiste tudo o que pode conquistar", disse. O jogador fascina até a própria família. "A gente coloca muita fé nele porque ele sempre surpreende a gente", diz a tia, Paula Fonseca. Alguns torcedores, no entanto, são mais cautelosos. "Eu acho que as pessoas têm que aguardar. Ele é uma celebridade, é um diferencial, mas a pressão negativa pode ser muito ruim, vamos aguardar", diz, com prudência, Ana Valéria Silva, servidora pública do Rio de Janeiro.  "Às vezes é exagerado. Comparam com o Guga, cada um é cada um. O Guga é tricampeão aqui e tem que respeitar a história dele", argumenta Márcio Ridão, professor de Santa Catarina. "O João vai fazer a história dele também, mas não precisamos de ídolos, a gente torce porque ele é um bom brasileiro, e é isso", resume.  Sonho realizadoPara João Fonseca, um dos grandes desafios é tentar ignorar as expectativas. E para isso, conta com uma equipe afinada. "É importante para mim agora, um garoto jovem e em evolução, estar entre pessoas boas que me ajudam a fortalecer e tem o mesmo objetivo que eu. E eles estarem me protegendo de expectativas, de pessoas falando muito, acho que isso é muito bom", afirma o tenista. "Quanto mais eu estiver focado no meu tênis, no que eu tenho que fazer e não estiver focado na mídia, nas comparações, acho que meu tênis vai melhorar e eu vou ter uma carreira mais bem sucedida", continua o jogador, que não gosta de comparações, mas diz que realiza um sonho.  "Sim com certeza é um sonho realizado estar na segunda rodada de Roland-Garros, jogar um torneio que os brasileiros veem em peso pela história do Guga e, obviamente, tenho um sonho maior de ganhar aqui", promete.  Exemplo se dá em quadra e fora dela, lembra o presidente da Confederação Brasileira de tênis (CBT), Alexandre Reis de Farias. "Eu acho que o João tem inspirado muitas pessoas, muitas pessoas começaram a jogar tênis depois do João. Eu acho que o tênis brasileiro cresce muito com isso", disse em entrevista à RFI. "Eu acho que o Brasil precisa de um ídolo e o João está se tornando esse ídolo que a gente almeja".  João Fonseca tem novo encontro marcado com a torcida neste sábado, em Paris. 

    Arte brasileira na Fundação de Paulo Coelho e Christina Oiticica na Suíça

    Play Episode Listen Later May 30, 2025 10:41


    Três artistas brasileiros se apresentam juntos numa mesma exposição em Genebra, na Suíça. A mostra “Dichotomie”, que reúne obras de Christina Oiticica, TxaTxu Pataxó e fotografias de Sergio Zalis, tratam da ancestralidade, da natureza e da conexão simbólica. A RFI entrevistou os três no novo espaço dedicado às artes da Fundação que leva o nome do escritor Paulo Coelho e da mulher dele, a artista plástica Christina Oiticica.  Valéria Maniero, correspondente da RFI em Genebra, na SuíçaChristina conta que o projeto está sendo feito há seis anos. Primeiro, ela pintou os quadros em Genebra, depois os enterrou na margem do rio Arve. Em seguida, enviou as telas para o artista Pataxó Txa Txu, de 26 anos, da Aldeia Porto do Boi, localizada no território Indígena de Aldeia Barra Velha, em Caraíva, sul da Bahia. Txa Txu desenvolve a arte do grafismo Pataxó e trabalhou em parceria com Christina. “Ele fez a interferência e enterrou na aldeia dele, embaixo de uma árvore muito poderosa, um pé de gameleira, que tem as raízes super profundas. Aí, ficou trabalhando lá”, explica a artista plástica, que é referência em LandArt e já enterrou obras em lugares como Japão, Índia, Brasil e Suíça. Raízes brasileiras na vida e nas telas  A RFI perguntou à artista plástica se essa mostra, que inaugura um novo espaço dedicado a exposições da Fundação Paulo Coelho e Christina Oiticica, tinha muito de Brasil. Ela também falou sobre as mensagens que as pinturas, grafismos e fotografias queriam passar. “Nós somos brasileiros. Moro aqui na Europa há uns 25 anos e esses trabalhos são as nossas raízes. As minhas raízes são brasileiras. São muito simbólicos esses desenhos tribais que os indígenas tatuam na pele quando têm ritual de matrimônio, de guerra, de batizado. E são trabalhos muito preciosos para mim. Quando eu mandei lá para o Sul da Bahia, para o Txa Txu, ele também sentiu uma coisa muito forte”, disse. Segundo ela, “Dichotomie” é um convite à contemplação de metades que não se opõem, mas que se completam em harmonia. “São partes que dialogam e se fundem para formar um todo vivo, pulsante e sagrado'.  Txa Txu: “uma honra mostrar a cultura indígena”A RFI também conversou com Txa Txu, que falou sobre a sua participação na mostra e o que representava para ele estar na Suíça, apresentando o seu trabalho.“É uma honra, não só para mim, mas para o meu povo, estar mostrando o grafismo do povo pataxó, que é uma cultura de muita resistência. Quando eu recebi as telas lá no meu território, foi um momento de nós estarmos em conexão com a mãe natureza, porque as telas ficaram enterradas no pé de uma árvore muito poderosa para o povo pataxó, uma árvore onde moram todos os espíritos da natureza, e principalmente os espíritos dos nossos velhos que já fizeram as suas partidas. Mas nós acreditamos que eles morreram em carne, mas o espírito está lá para proteger o nosso povo”, afirmou.Para o artista Pataxó, “é uma honra muito grande estar fazendo essa parceria com a Christina Oiticica, de estar mostrando a cultura do Brasil, que é a cultura indígena”. “Então, viva o povo pataxó e viva todos os povos indígenas do Brasil”, afirmou. Fotografias que mostram “um jeito diferente de ver a natureza”A exposição também conta com fotografias de Sérgio Zalis retratando a floresta, com imagens feitas em Haia, na Holanda, e no Jardim Botânico, no Rio de Janeiro. As imagens revelam a textura, a força e a complexidade da vegetação.À RFI, Sérgio, que trabalhou 40 anos em revistas no Brasil, explicou como foi o processo de criação desse projeto, o seu primeiro com a natureza. De acordo com ele, trata-se de um trabalho “profundo”, porque são 60 fotos juntas em cada uma “para mostrar uma profundeza que raramente o olho vê”. “Hoje em dia, com o excesso de imagens que a gente está tendo, ver esse tipo de imagem dá um descanso, uma calma muito grande. É um trabalho que é lento, que demora muito para fazer, porque são 60 fotos. Depois, elas têm que ser montadas para ter a qualidade que eu quero, porque se você vir as fotos, não têm nada fora de foco. São meio hiper realistas, até meio imersivas. Então, é um jeito diferente de ver a natureza”, disse. A exposição na Fundação Paulo Coelho e Christina Oiticica, em Genebra, com curadoria de Marcelo Mendonça, vai até o dia 31 de outubro. A entrada é gratuita.

    Filho de Sebastião Salgado, Rodrigo desafia os limites da deficiência em sua 1ª exposição na França

    Play Episode Listen Later May 26, 2025 9:35


    A exposição "Rodrigo, une vie d'artiste" será aberta ao público na terça-feira (27) com trabalhos de Rodrigo Salgado, 45, filho da curadora e designer Lélia Wanick Salgado e do premiado fotógrafo Sebastião Salgado, que faleceu em 23 de maio, às vésperas da abertura da mostra. O vernissage acabou se tornando uma homenagem ao fotógrafo no último sábado (24), já que Sebastião Salgado realizou a iluminação da mostra, sendo este um de seus últimos trabalhos em vida. Luiza Ramos, de Reims Uma seleção de 80 quadros e algumas esculturas ficará exposta no prédio da antiga igreja do Sagrado Coração de Reims, a cerca de uma hora de trem de Paris, até o dia 10 de setembro."Rodrigo, une vie d'artiste" é uma exposição que demonstra as fases da vida de Rodrigo Salgado, que nasceu com a síndrome de Down, e aos oito anos descobriu na arte um meio de se expressar.   Em entrevista um dia antes da morte de Sebastião Salgado, Lélia contou à RFI que Rodrigo, que mora na França desde seu nascimento, sempre foi incentivado pelo pai: "Ele prestava atenção às fotografias, a todas as exposições do Sebastião. Ele viajou para fazer reportagem com o Sebastião. Uma época ele fazia muita fotografia também".O talento de pessoas com deficiência Na mesma entrevista, Lélia Salgado descreveu o prazer em expor as obras do filho mais novo e falou da importância da inclusão de pessoas com deficiência no mundo das artes."Eu sou curadora e cenógrafa de exposições de fotografia, mas essa é completamente diferente. (...) Eu quis mostrar essa exposição, primeiro para trazer uma felicidade enorme para ele e também para mostrar que o mundo tem que olhar os excepcionais de outra maneira. É muito importante que todo o mundo veja que eles têm talento como qualquer outra pessoa. Basta a gente ajudar para que esse talento apareça. E é muito bonito", reforçou Lélia.Para a viúva de Salgado, a exposição mostra as fases da vida de Rodrigo de forma clara, com os contrastes e uso de muitas cores em alguns momentos mais alegres. E mais recentemente, nos últimos anos, quando Rodrigo passou a enfrentar um declínio cognitivo, afetando sua fala, e limitando sua mobilidade, a designer observou o uso de riscos mais secos e tons mais escuros, que depois foram voltando a ter cor e movimento. O que, segundo ela, significa a aceitação do filho por sua condição de motricidade reduzida nesta fase de sua vida.Trabalho eternizado em vitraisAlém das obras, os visitantes poderão observar 16 vitrais criados a partir dos desenhos de Rodrigo Salgado, e que permanecerão em definitivo no prédio da igreja do Sagrado Coração de Reims, hoje dessacralizada.O processo de criação dos vitrais, que durou um ano, foi realizado pelo atelier Simon-Marq de Reims, especializado em vitrais desde 1640, como detalhou a diretora Sarah Walbaum à RFI: "A transposição do trabalho de Rodrigo para vitrais foi bastante simples, pois ele já tem em sua obra as demarcações que permitem separar as peças de vidro. Então foi simplesmente uma questão de encontrar as boas cores de vidro. Nós usamos folhas de vidro artesanais que são todas diferentes umas das outras. Escolhemos as cores, cortamos peça a peça à mão e montamos com chumbo para fazer essas 16 janelas". Sarah Walbaum especificou ainda que o minucioso trabalho requereu o tratamento especial do chumbo, que foi posicionado camada a camada como se fosse uma malha, para conferir a rigidez ideal ao vitral. Em seguida, procedimentos e impermeabilização foram aplicados aos vitrais que, segundo a diretora, ficarão para sempre iluminando o antigo templo católico.O diretor do estúdio Sebastião Salgado em Paris, Fernando Eichenberg, contou este era um projeto antigo da família Salgado, já que os pais já vinham guardando os desenhos do filho mais novo e chegaram a mostrar para alguns amigos e galeristas, que ficaram encantados com a capacidade de criação de Rodrigo, e demonstravam desejo de adquirir obras do desenhista."O próprio artista Michel Granger [pintor francês], que acolheu Rodrigo no atelier dele, reconheceu todo o seu talento. E houve essa oportunidade de fazer esses vitrais nessa igreja dessacralizada, então veio a ideia de fazer uma exposição de todas as obras dele, mostrar junto com os vitrais (...) A vida dele é pintar, sempre foi. A ideia é mostrar os diferentes tipos de obras que ele fez ao longo da vida e são trabalhos impressionantes, são de artista mesmo", enfatizou.Em contato "com todo tipo de arte" Lélia Salgado explica que o filho sempre teve uma vida imersa em arte, o que o incentivou a criar. "Realmente é a vida do Rodrigo, a vida do nosso filho, esse filho que sempre foi tão alegre, tão satisfeito de pintar. Ele acorda 5h da manhã para pintar, ele é uma pessoa que é realmente um artista, ele só pensa nisso, ele come e vai pintar, levanta e vai pintar. É uma coisa maravilhosa", revela a mãe e curadora."Nossa vida sempre foi vida de arte. Eu sempre toquei piano, pintei. Sebastião é fotógrafo. O nosso filho mais velho [Juliano Salgado] é cineasta. Então o Rodrigo viveu numa casa que tem muita arte. Nossos amigos artistas sempre frequentaram muito a nossa casa. Em todas as grandes exposições o Rodrigo ia, eu levava. A gente sempre frequentou museu, exposições", disse Lélia, que também fundou com o falecido marido o Instituto Terra, dedicado à restauração florestal.A designer revelou ainda uma amizade inusitada da vida de artista de Rodrigo: "Sabe o Chico Buarque? É muito amigo dele. Chico ia jantar lá em casa, ele chegava antes da gente chegar do trabalho. Quantas vezes eu vi o Chico com o violão ensinando ao Rodrigo e cantando para o Rodrigo. Tão bonito. (...) As pessoas vão à nossa casa e ele recebe todo mundo com tanto prazer. Um verdadeiro artista. Por isso que a gente botou 'Rodrigo, une vie d'artiste', porque é exatamente uma vida de artista, a vida do Rodrigo", concluiu Lélia Wanick Salgado.

    País convidado de honra, Brasil teve participação recorde no Mercado do Filme de Cannes

    Play Episode Listen Later May 22, 2025 6:20


    O Marché du Film (Mercado do Filme) do Festival de Cannes, que este ano teve o Brasil como convidado de honra, terminou nessa quarta-feira (21). A participação brasileira no maior evento da indústria cinematográfica mundial foi recorde e positiva, segundo os organizadores. Mas a produtora e diretora-executiva da Ong Nicho 54, Fernanda Lombo, que não integrou a delegação oficial, criticou em Cannes a distribuição de verbas públicas para o setor.  A delegação oficial do Brasil no Marché du Film de Cannes, liderada pela ministra da Cultura Margareth Menezes, era composta por 65 profissionais. Mas segundo dados do Mercado do Filme, mais de 400 brasileiros se cadastraram este ano, ampliando a visibilidade do cinema nacional no evento e a possibilidade de acordos. Além de uma vasta programação de encontros, palestras e debates, o Brasil estava presente com os estandes do Cinema do Brasil (programa de promoção comercial do cinema brasileiro no mercado internacional), Spcine (Empresa de cinema e audiovisual da cidade de São Paulo) e RioFilme (da cidade do Rio de Janeiro). Cinema do Brasil participa do Mercado do Filme de Cannes há 18 anos. Para André Sturm, presidente da entidade, tudo estava reunido para que este ano tivesse uma participação excepcional. “Delegação recorde de produtores, filmes na seleção oficial, filme na competição pela Palma de Ouro, filmes em outras seleções, uma presença marcante. Nós tivemos um prêmio importante no Festival de Berlim, o Oscar de melhor filme Internacional pela primeira vez, e agora o Brasil o país [convidado] de honra [em Cannes], uma conexão astral muito positiva”, resume Sturm. Parceiras internacionaisA Spcine marca presença em Cannes há 4 anos com um estande e trouxe 10 empresas paulistanas nesta edição do Marché du Film. A participação foi superpositiva na opinião de Lyara Oliveira, presidente da Spcine, que anunciou duas novas importantes parcerias durante o evento. A primeira parceria é entre Spcine, RioFilme e Projeto Paradiso, com um importante fundo Internacional, o Hubert Bals, sediado em Amsterdã. Esse anúncio “repercutiu muito bem aqui, junto ao setor brasileiro, junto ao setor Internacional", indica Lyara Oliveira. "O Hubert Bals não é só um fundo que coloca recursos (em novas produções), mas é um fundo também que dá uma chancela para um projeto”, explica.O outro anúncio foi o lançamento de um edital inédito de coprodução internacional com África do Sul. Essa parceria “vai contemplar dois projetos brasileiros e dois 2 projetos da África do Sul que tenham conexões de coprodução entre os 2 países”, detalha a presidente da Spcine. Brasil como set de filmagens A RioFilme festeja que dois dos filmes selecionados este ano, o curta “Samba Infinito” na Semana da Crítica, e o documentário “Para Vigo Me Voy”, são produções cariocas. A agência e distribuidora de cinema do Rio de Janeiro trouxe para o Mercado cerca de 50 empresas que participaram de dezenas de reuniões.  “O primeiro objetivo é criar essas conexões qualificadas entre as empresas cariocas, realizadores cariocas e o mundo. Cannes é superimportante porque todo mundo está aqui. São mais de 15.000 pessoas de 140 países”, ressalta Leonardo Edde, presidente da RioFilme. Como também faz a Spcine, outro objetivo “é promover a cidade do Rio de Janeiro como destino cinematográfico, como destino para grandes eventos. Hoje, você consegue filmar praticamente em qualquer lugar da cidade, com total apoio da Film Commission, da prefeitura do Rio de Janeiro”, garante Leonardo Edde. Apoio para o desenvolvimento de projetos O Mercado do Filme é o espaço onde produtores e cineastas confirmados ou independentes, veteranos ou novatos, buscam parcerias, financiamentos e coproduções para seus projetos. O brasileiro Rodrigo Ribeyro foi um dos jovens selecionados para a Residência Artística do Festival de Cannes e apresentou durante o evento o projeto de seu primeiro longa-metragem, tentando captar recursos e “conseguir coproduções para tirar o projeto do papel”.  O jovem cineasta pôde, durante os primeiros dois meses da Residência Artistica, desenvolver sua ideia de filme. “Foi um período de muito foco, muito trabalho. Eu chego no festival já muito tranquilo, com a versão mais madura para o momento atual”. Ele espera poder começar a filmar seu primeiro longa, talvez, em 2027.  “É um filme que de alguma forma dialoga com os (meus) curtas-metragens que são praticamente todos filmados na Serra da Cantareira e sempre tratando dessa dinâmica conflituosa e complexa entre a vida urbana e a vida que seria rural, por assim dizer, adicionando camadas de um realismo fantástico que eu sempre quis trabalhar”, revela. Cinema fantástico O longa “Love Kills”, de Luiza Shelling Tubaldini, mostrou em Cannes o gênero fantástico no cinema brasileiro. O filme foi o único do Brasil a participar do Fantastic Pavillon/Blood Window, programa voltado aos gêneros de horror, suspense e fantasia da América Latina e Espanha, no Marché du Fim. Ambientado no centro de São Paulo, o filme sobre a história de amor de uma jovem vampira preta e um humano, está em fase de finalização e estreará em breve nas telas. “A gente teve uma recepção absolutamente maravilhosa e estar aqui junto ao mercado de Cannes foi também um grande prazer”, conta Luiza  Shelling Tubaldini. Críticas à distribuição de verbas do setor O Instituto Nicho 54, que marca presença em Cannes já há alguns anos, não integrou a delegação oficial do Brasil. A Ong foi convidada pelo Mercado do Filme e organizou o painel “As vozes da maioria no cinema, os 54% de negros do Brasil não podem esperar”.  Segundo Fernanda Lombo fundadora e diretora-executiva do Nicho, essa “foi uma experiência única e inédita, na verdade histórica, que uma organização preta trouxe para cá uma narrativa sobre a realidade do que nos acontece no Brasil e, a partir disso, atrair parceiros”. Ela enumera as várias “necessidades” para apoiar os profissionais pretos e aumentar a participação deles no setor. “Maior investimento na formação de empresários e de profissionais; maior participação no acesso de investimento à produção e à distribuição; internacionalização.” Fernanda Lombo critica a falta de transparência da atual distribuição de verbas públicas para o setor. De acordo com ela, os profissionais pretos estão sendo preteridos. “A gente está vivenciando um fenômeno de muito concentração de recursos, de uma desproporcionalidade em relação ao investimento, sobretudo público. Na medida em que a concentração de recursos vai para empresas hegemônicas, que a gente entende que são lideradas por profissionais brancos, não há um compromisso estabelecido pelo estado, pelo governo, para que essas empresas diversifiquem as suas contratações”, denuncia. A diversidade no setor cinematográfico atualmente é “um retrato de retrocesso que lembra muito uma realidade do Brasil de 10 anos atrás”, completa. O Mercado do Filme terminou, mas o Festival de Cannes continua até sábado, 24 de maio, com o anúncio dos vencedores desta 78ª edição. O Brasil está na disputa pela Palma de Ouro com “O Agente Secreto” de Kleber Mendonça Filho. 

    Arte e arquitetura do Brasil são tema de exposição na Maison de Le Corbusier em Paris

    Play Episode Listen Later May 19, 2025 7:41


    Uma exposição em Paris reúne obras de artistas brasileiros traçando um paralelo da arte nacional e da arquitetura modernista no Brasil com o arquiteto e urbanista franco-suíço Le Corbusier. A mostra "Aberto" está em sua quarta edição e acontece fora do país pela primeira vez, numa proposta cultural que integra as ações da Temporada França-Brasil 2025. "Aberto" 4 está em cartaz na Maison La Roche, no 16º arrondissement de Paris. Cerca de 35 obras estão expostas na casa de Le Corbusier, um prédio tombado como Patrimônio Mundial da Unesco, e que foi idealizada pelo próprio arquiteto.Filipe Assis, fundador do projeto, diz que teve a ideia de unir arte e arquitetura. “Escolhemos a casa do Le Corbusier, e esta não é qualquer casa, mas uma das mais importantes da produção dele como arquiteto. E por ele ter essa relação rica com o Brasil, contamos aqui um pouco da história da arquitetura brasileira, da relação que Corbusier teve com Lúcio Costa, com Oscar Niemeyer e a influência que ele teve posteriormente na arte brasileira”, contou, já adiantando que o plano é levar o projeto para outros países.“Geralmente a gente tem um núcleo em torno da figura do arquiteto que projetou a casa que estamos ocupando", explica Kiki Mazzucchelli, uma das curadoras da exposição. "Em cada uma das edições tivemos sessões um pouco mais biográficas, que contavam um pouco da história da casa e do arquiteto. E aqui não foi diferente”, detalhou.Arte e arquitetura integradasA curadora comentou que houve um trabalho minucioso para integrar a arte aos espaços existentes. “Quando fazemos a curadoria do 'Aberto', pensamos muito no espaço. Como usamos espaços inusitados, que não são feitos para serem expositivos, levamos muito em consideração a arquitetura. O que temos aqui nessa exposição da Maison La Roche é uma grande mistura. Então, na grande galeria do monsieur La Roche, que era um grande colecionador, e que tinha as próprias obras expostas nesse espaço, fizemos uma seleção de obras de artistas históricos, ligados ao concretismo e ao neoconcretismo. Mas a maioria das obras contemporâneas foi de obras comissionadas, ou seja, foram diálogos com cada artista que respondeu a algum aspecto da prática do Le Corbusier", conta. "Alguns optaram por dialogar com as cores que ele escolheu para essa casa, outros com o pensamento da arquitetura moderna que ele introduziu no Brasil. Enfim, são vários olhares distintos em relação a essa figura do Le Corbusier, menos como uma grande influência, mas mais com a criação de diálogos com essa obra vasta, que perpassa a arquitetura e a arte”, disse. Le Corbusier e o BrasilLauro Cavalcanti é pesquisador e especialista nas obras de Le Corbusier e de Lúcio Costa, tendo escrito três livros sobre as ligações do arquiteto francês com o Brasil. Ele, que também integra o grupo de curadores da mostra, conta que a relação de Le Corbusier com o país se deu ao longo de toda sua vida e que foi muito importante também para um outro grande nome da arquitetura brasileira.“Nos anos 20, Le Corbusier percorreu a América do Sul fazendo conferências, nessa ocasião fez um esboço de um plano de cidade para o Rio e se apaixonou. Sete anos depois, Lúcio Costa, a quem tinha sido encomendado o Ministério da Educação (atual Edifício Gustavo Capanema, no Rio de Janeiro), chamou Le Corbusier para ser consultor. E junto a uma equipe de jovens arquitetos brasileiros, eles fizeram esse prédio que entrou para a história da arquitetura mundial. E a solução final foi dada por Oscar Niemeyer.  Então, Le Corbusier deu ao Brasil muito, recebeu muito também, porque foi a oportunidade dele provar que não era só um teórico. Mas ainda nos deu Oscar Niemeyrer, porque ele se revelou em um trabalho com ele. Ninguém achava que Niemeyer fosse o gênio que foi”, contou.Do Paraná para a EuropaUm dos artistas a expor na "Aberto", Sidival Fila falou sobre a importância da experiência, a primeira vez em que participa de uma exposição coletiva com grandes artistas brasileiros. Ele, que trabalha com tecidos antigos, é de Arapongas, no Paraná, mas vive e atua em um convento de irmãos franciscanos em Roma, na Itália, há 20 anos.“Meu trabalho é criar essas formas internas construindo e reconstruindo a superfície e elaborando uma imagem, criando a tridimensionalidade, volume, luz, integração entre fios e fundo”, explicou ele, monstrando um quadro comporto por um tecido em seda, feito à mão, datando de meados de 1800, um material "raro e precioso", ressalta. A "Aberto 4", na Maison La Roche, fica em cartaz até o dia 8 de junho e os ingressos, que custam €10, podem ser adquiridos diretamente na entrada da instituição. 

    Produzidos por Karim Aïnouz, curtas mostram 'um outro Brasil' na Quinzena dos Realizadores de Cannes

    Play Episode Listen Later May 15, 2025 5:52


    A décima edição da Director's Factory (Fábrica de Diretores) da importante mostra paralela de Cannes, Quinzena de Realizadores, promove este ano jovens cineastas brasileiros. Batizado este ano de “Fábrica Ceará Brasil” o evento teve este ano um produtor de prestígio: o cineasta Karim Aïnouz.  Adriana Brandão, enviada especial da RFI a CannesApós dois anos seguidos em Cannes na competição oficial pela Palma de Ouro, (em 2023 com o "Jogo da Rainha", e em 2024 com "Motel Destino") Karim Aïnouz volta a participar do festival, mas desta vez como produtor. O cineasta brasileiro produziu os quatro curtas-metragens da Fábrica de Diretores da Quinzena dos Realizadores. Todos os filmes foram rodados em Fortaleza, cidade natal de Aïnouz. O cineasta negociava com a Quinzena dos Realizadores essa participação, que mostra outras narrativas cinematográficas brasileiras nas telas de Cannes há algum tempo. “Eu falei, deixa a gente mostrar para o mundo que tem outro Brasil, porque tradicionalmente, historicamente, é sempre muito do Rio e São Paulo”, lembra, ao lado dos jovens talentos que apoia. Ele ressalta a importância da visibilidade de um “outro Brasil” exatamente nesse ano em que o país é o convidado de honra do Mercado do Filme de Cannes. “É uma espécie de abre alas. (Uma) celebração de uma cinematografia periférica e invisível. O público que estava na sala descobriu personagens e histórias que são inéditas. Tem gente ali na tela que a gente não viu no cinema ainda. É uma espécie de reparação histórica”, diz. Apoiar novos talentosA Fábrica de Diretores da Quinzena dos Realizadores visa apoiar novos talentos. Os quatro curtas-metragens desta edição estrearam em Cannes na quarta-feira (14). Cada curta foi roteirizado e realizado por um diretor do nordeste ou norte do Brasil, em parceria com um jovem cineasta de um outro país. Os oito jovens que integram o programa este ano foram selecionados em setembro do ano passado e tiveram poucos meses de produção e filmagem. Todos vieram a Cannes para participar da estreia e também poder negociar financiamentos e coproduções para a realização de seus próximos filmes. “Ponto Cego”, foi codirigido pela cearense Luciana Vieira e pelo cubano Marcel Beltrán. O filme se passa no Porto de Fortaleza e conta a história da Marta, uma engenheira de sistemas que conserta câmeras de segurança do local.  “É o filme que fala sobre o silenciamento feminino, sobre a necessidade de interromper certos ciclos de violência e sobre como isso pode se dar dentro do ambiente de trabalho”, revela Luciana.Vitória coletivaEstar em Cannes "não é só uma vitória pessoal, mas uma vitória coletiva", disse a cearense. "Espero estar honrando nosso estado, nosso país. Estar aqui representando mulheres nordestinas, mulheres que também não ocupam esse espaço com tanta frequência. Podemos agora ser exemplos e espelhos para as novas gerações que vão vir aí também”, espera Luciana. “A Vaqueira, a Dançarina e o Porco”, foi escrito e dirigido pela alagoana Stella Carneiro, em parceria com português Ary Zara. O filme é um “faroeste translésbico” e uma história de vingança, com uma estética bem diferente. “A gente quis fazer um filme bem disruptivo, trazendo protagonismo para pessoas que normalmente não ocupam esse gênero de cinema tão tradicional”, conta Stella. Como Luciana, Stella ressalta a oportunidade de estar em Cannes como nordestina. “Como alagoana e como uma mulher que vem de origem negra, eu acho que é um espaço que a gente não estava acostumada a ocupar. Trazer isso refletido no cinema que a gente está fazendo era muito importante”, afirma. “A Fera do Mangue” é codirigido pela cearense Wara e pela israelense Sivan Noam. “A nossa história é sobre um mangue encantado, dominado por um feiticeiro que abusa das mulheres. Até o dia em que uma das vítimas decide libertar a fera que existe dentro dela e se vingar”, conta Wara. Para ela, "Cannes também representa uma abertura de portas que vai significar muito. Não só para a gente, mas também para as pessoas que futuramente vão vir para cá apresentar seus filmes, apresentar suas narrativas, independentemente de onde sejam: Nordeste, Norte, ou o restante do Brasil”.Violência de gênero e mulheres resistentes“Como Ler o Vento” é uma obra conjunta do amazonense Bernardo Ale Abinader e da francesa Sharon Hakim. E o único dos quatro curtas a não abordar a violência de gênero, mas que traz também como protagonistas mulheres.  “É um filme sobre 2 mulheres. Uma ensina conhecimentos ancestrais para a outra. É um filme sobre transmissão”, resume o diretor. "Essa participação no maior festival de cinema do mundo será transformadora. Essa experiência está sendo incrível e vai significar muito para minha carreira em termos de novas experiências que eu adquiri por conta do trabalho com a Sharon e com a equipe incrível. Também vai transformar minha carreira por conta de todas as pessoas que eu conheci, networking que fiz e, claro, poder apresentar o meu projeto de longa-metragem nesse festival", antecipa. A escolha dos temas foi feita separadamente por cada dupla e foi uma coincidência que cada três dos quatro curtas abordem a violência de gênero, “que reflete uma realidade do Nordeste e do mundo”, salienta Stella. “Sem planejamento, sem orientação, acabamos trazendo histórias sobre mulheres fortes, resistência e ancestralidade”, indica Bernardo Ale Abinader. Karim Aïnouz, que acompanhou todo o processo de produção e filmagens, diz, brincando, só sentir “que faltou um pouquinho de alegria”. O premiado diretor de “A Vida Invisível de Eurídice Gusmão” vai continuar apoiando, como produtor, jovens diretores para mostrar, a Cannes e ao mundo, outras histórias e caras do Brasil. 

    Teatro brasileiro é homenageado no Festival de Avignon, o maior evento de artes cênicas do mundo

    Play Episode Listen Later May 12, 2025 6:45


    A escolha do Brasil como país "convidado de honra" do Festival Off de Avignon em 2025 marca, segundo Harold David, copresidente da associação que promove a mostra paralela, neste que é o maior evento de artes cênicas do planeta, "o início de uma colaboração de longo prazo entre a França e o Brasil". Em entrevista à RFI, David destaca que essa escolha é mais do que simbólica: segundo ele, trata-se de um "ponto de partida estratégico" que ele espera "perdurar no futuro". Onze companhias brasileiras farão parte da mostra paralela que em 2025 completa 59 anos, neste que é o maior evento de artes cênicas do mundo.Alguns nomes e peças dessa programação brasileira foram anunciados em evento na embaixada brasileira de Paris, como os espetáculos Selvageria, de Felipe Hirsch, História do Olho, de Janaina Leite e o coletivo Núcleo do Olho, além de Azira'I, de Zahy Tentehar. Eles se incluem numa extensa programação de 1.724 peças na oferta teatral de 2025, com a presença de 1347 companhias de teatro, francesas e estrangeiras. A expectativa, segundo a previsão da organização, é de vender mais de 6 milhões de ingressos. "Desde o começo da nossa conversa com a Funarte, a ideia era que essa presença brasileira não fosse um evento isolado, mas sim a base de uma cooperação contínua", afirma. O objetivo, segundo David, é criar uma "dinâmica recorrente", com "companhias brasileiras vindo regularmente a Avignon, impulsionadas pelo sucesso da primeira participação e pelo interesse do público francês"."Espero que, nos próximos anos, tenhamos 10, 12 companhias brasileiras todos os anos, que essa presença se torne natural", projeta. Ele vê nessa continuidade uma oportunidade não apenas de exposição para os artistas brasileiros, mas também de intercâmbio, com agentes culturais brasileiros descobrindo grupos franceses e levando-os de volta ao Brasil.Do lado brasileiro, a Funarte se declarou ativamente engajada na 59ª edição do Festival Off de Avignon, em 2025, conforme detalhou o produtor e representante da instituição brasileira Oswaldo Carvalho, que atua como ponto focal entre a instituição e a AF&C, a associação francesa de artistas que promove o evento paralelo. Para além do eixo Rio-São Paulo"A Funarte está apoiando a ida de 10 jovens atores, produtores e realizadores de teatro que vão participar de uma imersão num programa voltado exatamente pra isso — com jovens do mundo todo. Então a Funarte está apoiando essa participação com passagens aéreas, recursos pra estadia, tudo isso durante o festival", diz."Além disso, a gente também está colaborando com a organização, com a produção do festival, pra construir uma programação paralela que represente o Brasil também. Um exemplo disso é o Le Son du Off, no Village du Off — um espaço que apresenta shows e atividades ao longo de toda a programação do festival, oferecendo ao público momentos de convivência, de celebração mesmo. Lá tem música, tem apresentações, e a Funarte está participando também dessa parte da programação", conta."A presidenta [da Funarte] Maria Marighella sempre traz essa ideia, que eu considero muito importante, da 'ofensiva sensível'. Nosso teatro é múltiplo, tem muitas diversidades — especialmente as regionais. E é muito bacana ver que estão vindo espetáculos de fora do eixo Rio-São Paulo, o que consideramos importante", afirma Carvalho.Internacionalização e resistência culturalA proposta se insere na estratégia mais ampla do festival de promover a internacionalização das artes. "Queremos não apenas aumentar e diversificar a presença internacional no Off, mas também permitir que as companhias francesas circulem mais, que se exportem melhor", explica Harold David.Segundo o diretor, esse movimento de abertura tem um peso ainda mais relevante no contexto atual. "Vivemos uma época em que as fronteiras se fecham, o protecionismo se impõe. Eu, pessoalmente, acredito que isso é um beco sem saída para a humanidade", afirma. Para ele, os artistas e suas obras são veículos essenciais para lembrar que "o outro não é uma ameaça, mas uma riqueza a ser partilhada".O ator e diretor brasileiro Antônio Interlandi, radicado na França há mais de 30 anos, é uma figura central na colaboração cultural que este ano leva companhias teatrais do estado de Goiás ao Festival de Avignon. Com uma longa história de participação no festival, Interlandi agora atua como elo entre o evento e a cultura brasileira, especialmente a goiana, de onde ele vem.De Goiás para o mundo"Esta será a segunda vez este ano que trabalho colaborando com a secretária de Cultura do estado de Goiás, que tem uma política de financiamento de projetos culturais muito interessante, especialmente através da Lei Aldir Blanc", conta."Este ano, eles lançaram um edital que está permitindo a três companhias de teatro virem do estado de Goiás para o Festival de Avignon. Tudo isso já estava em andamento quando o festival decidiu que o Brasil seria o convidado de honra. Eles querem trazer ainda dois espetáculos do Festival de Avignon para se apresentarem em Goiás, promovendo essa troca", aponta o ator e diretor, que se apresenta este ano no Off de Avignon com o espetáculo musical La roue de la vie."Além disso, o Harold David me pediu para acompanhar, por exemplo, na semana que vem, um jornalista de uma revista importante aqui na França chamada Télérama. Ele é jornalista de teatro que vai encontrar quase a totalidade dessas companhias brasileiras em São Paulo, Recife e Goiânia, para, em seguida, produzir um encarte especial na revista que será lançado na ocasião do Festival de Avignon", revela Interlandi.Descobertas além do BrasilApesar do destaque ao Brasil, o festival também abrirá espaço para outras culturas menos representadas na cena francesa. "Vamos apresentar artistas do Cazaquistão, do Uzbequistão… regiões que são ainda mais abstratas para o público francês do que o Brasil", aponta o copresidente da associação que promove a mostra paralela. A circulação das obras, segundo Harold David, "permite a circulação de ideias" e contribui, inclusive, para a defesa da democracia: "É conhecendo outras realidades que conseguimos imaginar futuros diferentes para o nosso próprio país".Apoio aos artistas estrangeirosPara facilitar essa participação internacional, o Festival Off implementou dois programas de apoio. O primeiro é o WAM – World Professional Performing Art Meetings, voltado para jovens em início de carreira. “Dez jovens profissionais brasileiros virão este ano graças a uma parceria com a Funarte. Nós cobrimos hospedagem, alimentação e programação cultural e pedagógica em Avignon. Os voos internacionais ficam por conta dos parceiros locais”, explica David.O segundo programa, inédito em 2025, é o Off Grants, que oferece bolsas de até 2.000 euros para ajudar nas despesas de deslocamento de companhias estrangeiras. “Sabemos que o custo da viagem é uma das maiores barreiras, especialmente para quem vem de outros continentes. Queremos aliviar essa carga”, afirma. As bolsas cobrem até 50% dos custos e devem beneficiar entre 10 e 15 projetos este ano. "É um projeto-piloto, mas esperamos ampliá-lo no futuro."Como participarO formulário de inscrição para os programas será enviado diretamente às companhias estrangeiras. “O site do festival traz informações gerais, mas o processo de candidatura se dá por meio de um formulário que enviamos hoje para os grupos internacionais”, esclarece o diretor.O Festival Off fica em cartaz de 5 a 26 de julho em Avignon, no sul da França. 

    Como Brasil, Guiana Francesa quer explorar petróleo na Amazônia

    Play Episode Listen Later May 12, 2025 7:32


    O movimento pela retomada da exploração petrolífera na costa da Guiana Francesa é liderado por políticos locais, como o deputado Jean-Victor Castor. No Brasil, a autorização para a exploração de petróleo na Foz do Amazonas ainda não saiu. Ibama continua avaliando os estudos de impacto ambiental na região apresentados pela Petrobras. Mas segundo o pesquisador Gustavo Moura, o Instituto de Geociências da Universidade Federal do Pará, os dados estão incompletos.  Como o Brasil, a Guiana Francesa quer explorar petróleo na Amazônia. Os políticos locais reivindicam a retomada de prospecção petrolífera ao largo da costa do território francês, vizinho do Amapá. A exploração foi suspensa em 2019 pela multinacional francesa Total após o fracasso de suas buscas. Desde então, entrou em vigor na França a Lei Hulot de proteção do meio ambiente que proíbe a extração de petróleo em todo o território nacional  Os defensores da retomada da exploração acreditam que há petróleo no local em abundância, como nos vizinhos Suriname, Guiana e na Foz do Amazonas no Brasil. Eles denunciam uma hipocrisia de Paris e pedem a revogação da Lei Hulot. A reportagem da RFI conversou em Caiena com o deputado Jean-Victor Castor, do grupo Esquerda Democrata e Republicana, representante da Guiana Francesa na Assembleia Nacional. “Temos que sair dessa hipocrisia. A Guiana Francesa tem muitos recursos, seja de mineração, petróleo ou gás. Eu Jean-Victor Castor, deputado pela Guiana Francesa, junto com o meu colega Davy Rimane e outros parlamentares de guianenses, somos a favor não que esse assunto seja de novo debatido, somos a favor da revogação da Lei Hulot”, defende.   Até agora, um único ministro, Manuel Valls da pasta dos Territórios Ultramarinos, se mostrou favorável a reabrir o debate sobre a retomada da exploração de petróleo na região.Recursos para desenvolver a Guiana FrancesaO deputado de esquerda lembra que mais 90% da Guiana Francesa é coberta pela Floresta Amazônica e que sua pegada de carbono é baixa, ao contrário da França. Os recursos do petróleo são necessários para desenvolvimento do território de 300 mil habitantes, 60% deles em situação de pobreza.  Segundo ele, “a Guiana Francesa contribui fortemente para a proteção do meio ambiente e para a redução das mudanças climáticas do planeta. Não podemos penalizar a Guiana Francesa a ponto de não serem asseguradas as necessidades mais básicas de acesso à água, acesso à eletricidade, educação”.    Ele acusa a França de manter o território em uma situação de subdesenvolvimento. “Há várias décadas, tudo o que foi planejado pelas autoridades públicas fracassou simplesmente porque a França não quer investir na Guiana Francesa”, afirma. E para garantir que os recursos do petróleo sejam efetivamente investidos na Guiana Francesa, Jean-Victor Castor, que é independentista e integrante do Movimento pela Descolonização e Emancipação Social, reivindica também mais autonomia para o território francês da América do Sul.  “A Guiana Francesa deve conquistar a plena soberania, mesmo que por etapas, com uma fase transitória. Mas o que é fundamental entender é que não podemos, por um lado, pedir para ter acesso aos nossos recursos, principalmente petróleo e gás, e não ter competência para poder decidir quem terá as autorizações de exploração”, demanda. Eles querem evitar sair de uma "situação colonial para uma situação neocolonial".Impacto ambiental Do outro lado da fronteira, no Brasil, a polêmica sobre a defesa do governo do presidente Lula de explorar petróleo na Foz do Amazonas continua. O Ibama avalia os estudos de impacto ambiental na região apresentados pela Petrobras. Mas segundo o pesquisador Gustavo Moura, o Instituto de Geociências da Universidade Federal do Pará e coordenador do projeto Maretórios Amazônicos, os dados estão incompletos.“São esses estudos de impacto ambiental que vão dizer como é que se deve agir, inclusive em caso de acidente. A gente encontrou diversos problemas, principalmente ligados à questão da área de influência, que tem sido delimitada no estudo, quanto também nos impactos que podem causar em povos e comunidades tradicionais na região, sobretudo as comunidades de pesca”.  Segundo o oceanógrafo, várias cidades que iriam receber resíduos ficaram de fora e o estudo estabeleceu áreas de pesca tradicional descontínuas. “Não existe território de pesca descontínuo porque eles não chegam de uma área à outra voando. Eles chegam navegando, e essas áreas, que são áreas de navegação, muitas vezes são parte do território de pesca também”, indica.  Consequentemente, fica difícil, em caso de derramamento, “dimensionar como isso vai afetar a cadeia produtiva, os produtos da sociobiodiversidade aqui na Amazônia”, completa, afirmando que “as consultas livres e prévias, informando as comunidades tradicionais” dos riscos e impactos não foram feitas. Gustavo Moura ressalta ainda que “o bloco fica muito próximo aos grandes sistemas recifais da Amazônia”. Por isso, ele “acha difícil que estudos consistentes mostrem que a exploração de petróleo nessa região não vá gerar um impacto inaceitável para a região”. Transição energética O discurso desenvolvimentista usado na Guiana Francesa também é usado no Brasil para justificar a exploração do petróleo na Amazônia. O governo brasileiro afirma que os recursos do setor são necessários para financiar a transição energética. Para ele, o Brasil envia um sinal negativo ao mundo, principalmente neste ano em que Belém recebe a COP 30. “Um sinal extremamente negativo. Todo mundo olha a região amazônica como um espelho do futuro da humanidade e, obviamente, a exploração de recursos fósseis não está dentro desse hall de coisas que a gente pensa enquanto alternativa de futuro. O que não nos responderam ainda é quanto de petróleo precisa ser vendido, a qual preço e durante quanto tempo para fazer o processo de transição energética?”, questiona O pesquisador considera que o Ibama está fazendo bem o papel dele. No entanto, Gustavo Moura está pessimista e estima que a autorização para a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, com impactos inaceitáveis para a região, vai acabar saindo. “Eu acho que eles têm uma pressão muito forte para liberar. Tendo a acreditar que vai ser liberado e da pior forma possível, sem resolver muitos desses problemas que eu coloquei anteriormente”, conclui.

    “Aumenta que é Rock'n'Roll” leva dois prêmios no Festival de Cinema Brasileiro de Paris

    Play Episode Listen Later May 7, 2025 8:36


    A sessão de encerramento do Festival de Cinema Brasileiro de Paris, na última terça-feira (6), foi marcada pela exibição de Homem com H, cinebiografia do cantor Ney Matogrosso, dirigida por Esmir Filho, e também pela entrega de três prêmios. Malu foi o filme escolhido pelos jurados do Prêmio Pass Culture, uma novidade do festival. A produtora do filme, Tatiana Leite, subiu ao palco do cinema L'Arlequin para receber a homenagem. Este foi o 15º prêmio recebido pelo longa-metragem dirigido por Pedro Leite, que retrata aspectos da vida de sua mãe, Malu Rocha, conhecida artista de teatro que vive um caos existencial.O longa narra momentos de afeto, mas também as dificuldades da relação de Malu, interpretada por Yara de Novaes, com sua mãe conservadora e sua filha.“Ganhar um prêmio em Paris é sempre muito importante, porque é a terra dos cinéfilos, é a terra do cinema independente. Acho que significa muito também receber de um júri jovem. Um filme brasileiro independente sobre um conflito geracional, de três mulheres que carregam seus traumas, perpassando um pouco a história política no Brasil, e tocar os jovens da periferia francesa, é muito emocionante”, diz Tatiana Leite, em referência também ao prêmio do Júri Jovem recebido no começo do ano no Festival Regards Satellites, nos arredores da capital francesa.Na sequência, os jovens estudantes da seção brasileira do Liceu Internacional do Leste Parisiense (LIEP) subiram ao palco para apresentar o resultado da votação dos três filmes selecionados para o público da escola de ensino médio."Aumenta que é Rock'n'Roll"Em terceiro lugar ficou Auto da Compadecida 2; em segundo, o documentário de Liliane Mutti, Salut, Mes AMI.E.S, sobre uma escola de ensino franco-brasileira em Niterói. O vencedor do festival foi o filme Aumenta que é Rock'n'Roll, dirigido por Tomás Portella, que conta a história de uma rádio decadente, a Fluminense FM, que se tornou icônica ao promover o rock nacional dos anos 1980.O mesmo filme também conquistou a categoria principal, o Prêmio do Público do Festival de Cinema Brasileiro de Paris, anunciado pela homenageada desta 27ª edição do evento, a atriz Dira Paes.“Levei um susto, porque é um filme da minha geração, sobre uma rádio que nasceu em Niterói em 1982, que lançou o rock brasileiro — da Blitz aos Titãs, passando pelo Cazuza. Um filme do Rio falar aos estudantes franceses e ao público francês é uma alegria. Ao mesmo tempo, o filme foi feito com muita sinceridade e retrata uma época cheia de esperança. O mundo está tão esquisito, que acho que a gente precisa reinventar a utopia e a esperança”, afirma Renata Almeida Magalhães, produtora do filme.Renata Magalhães, primeira mulher a assumir a presidência da Academia Brasileira de Cinema e Artes Visuais, diz esperar que os prêmios recebidos no festival abram portas para que o filme conquiste outros espaços de exibição na França. “Tomara que alguém se interesse pelo filme e que ele saia comercialmente aqui. A França é o lugar que ama o cinema múltiplo.”A edição 2025 do Festival de Cinema Brasileiro de Paris ofereceu, durante uma semana, uma mostra representativa da cinematografia brasileira, com a exibição de 31 filmes — entre obras de ficção e documentários — além de uma programação especial dedicada à Dira Paes, homenageada deste ano no evento.

    ‘Tinha uma COP no meio do caminho': pesquisadores já apontam impactos da COP 30 para Belém

    Play Episode Listen Later May 6, 2025 6:01


    A seis meses da Conferência do Clima de Belém, pesquisadores já pensam no impacto do megaevento para a capital do Pará, na Amazônia. Olga Lucia Castreghini de Freitas, coordenadora de um projeto de pesquisa sobre a COP 30, diz que a organização do evento tem pontos positivos e negativos. “O que a gente observa de mais problemático é a inexistência de formas de controle social e de participação”, afirma.  Belém recebe dezenas de obras para sediar a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas que complicam o dia a dia da cidade, mas prometem transformar a capital paraense. O projeto de pesquisa “COP 30 das oportunidades de transformações urbanas aos desafios para a participação e o controle social”, coordenado pela professora Olga Lucia Castreghini de Freitas, professora visitante do programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal do Pará (UFPA), visa fazer uma análise critica dos impactos do megaevento para Belém.  A expetativa era que por ser um encontro “não comercial”, que vai discutir a emergência climática e sediado na Amazônia, a organização seria “diferente e inovadora”.  Mas os preparativos da COP 30 repetem os erros do passado e frustram expectativas. Muitas obras, principalmente de saneamento, eram necessárias, estavam na gaveta há anos e só agora foram viabilizadas com os recursos disponibilizados, principalmente pelo BNDES e Itaipu Binacional, para a organização da COP.  “Belém é uma cidade que tem uma carência estrutural e histórica de obras, de saneamento, em especial. A COP tem potencializado o surgimento de investimentos e de recursos para uma série de obras de macrodrenagem, por exemplo. Isto é um ponto positivo”. A restauração de pontos turísticos de Belém, como o Mercado Ver-o-Peso, também é apontada como um ponto positivo da realização do evento pela professora Olga Castreghini de Freitas. Mas em nome da urgência para terminar tudo a tempo para a COP 30, que será realizada de 10 a 21 de novembro, as obras são feitas a toque de caixa e alguns processos desejáveis, como a transparência e a sustentabilidade, são atropelados.“O mais problemático, que a gente observa, é que as formas de controle social e de participação são inexistentes”, critica a geógrafa. Ela cita, por exemplo, as remoções para a realização de obras da COP. Remoções “Embora as áreas de remoção para as obras da COP sejam pontuais, nós não estamos falando de remoção em massa, elas impactam pessoas”, salienta. A reportagem da RFI foi até a obra do Parque Linear da Tamandaré, no bairro Cidade Velha. No local, onde há um canal e será construído um terminal hidroviário, espaço turístico e área de lazer, vários moradores já foram removidos e as casas destruídas. A RFI encontrou a moradora Oscarita. Ela estava “gostando” e achando o projeto “bonito”, até ser notificada para deixar a casa onde mora há décadas. “Eu perguntei: mas porque mexer com a minha casa se eu não moro na beira do canal? Ela me disse que vão fazer uma estação (de esgoto) aqui”, conta mostrando a casa de madeira branca e dois andares onde mora. “É uma casa simples, mas isso aqui para mim é um paraíso”, garante. Dona Oscarita diz que está “resistindo mentalmente” e que vai bater o pé, também por não concordar com o preço proposto, feito sem nenhuma avaliação ou vistoria da casa dela, informa. “Nem entraram na minha casa. O valor era R$ 80 mil, agora passou para R$ 96 mil. Esse valor eu não quero, porque esse valor aí não dá nem para comprar uma sepultura. Eu ainda não vou morrer!”, sentencia, rindo. Sustentabilidade Belém é uma cidade com alta informalidade na economia e um elemento simbólico importante envolvendo a organização é que muitos moradores veem o evento como uma oportunidade financeira para mudar suas vidas. O Jonathan Nunes, estudante de pós-graduação em Geoturismo da UFPA, acredita muitas pessoas “nem sabem o que é a COP e encaram o evento como uma festa” de oportunidades. Os preços exorbitantes cobrados por hospedagem em algumas plataformas seriam um bom indicador disso. Outra questão problemática é a realização de obras pouco sustentáveis. Duas grandes vias, a avenida Liberdade e a rua da Marinha estão sendo construídas ou ampliadas para solucionar problemas crônicos de mobilidade na região metropolitana, mas elas avançam sobre áreas verdes protegidas.  “São obras viárias baseadas no ideal do rodoviarismo, incrementando aquilo que a própria COP discute como potencializar das mudanças climáticas”, contextualiza Olga Castreghini de Freitas. A pesquisadora lembra ainda a polêmica, das “eco árvores”, que são estruturas artificiais criadas para fazer sombra.  “Isso é o tipo de coisa que, na minha opinião e na opinião do nosso grupo de pesquisa, conflitam com os próprios interesses e com a própria noção de sustentabilidade que está envolvida nos processos ligados à discussão da COP”, completa.Legado Para debater todas essas questões, o grupo de pesquisa e a UFPA organizaram, no final de abril, o seminário “Tinha uma COP no meio do caminho; nunca esqueceremos desse momento”, com a participação de pesquisadores e representantes da sociedade civil. A analogia com o poema do Carlos Drummond de Andrade “No Meio do Caminho”, foi feita por conta da “ideia de legado” que ele contém. “A ideia do ‘nunca nos esqueceremos é uma coisa que remete ao legado, uma fórmula discursiva muito recorrente, característica dos megaeventos. Em nome do legado, tudo se faz”, ressalta. No entanto, segundo Olga Castreghini, o legado não existe de forma “apriorística” e só em alguns anos será possível avaliar a permanência e pertinência das obras. "Por isso, a COP foi colocada no meio do nosso caminho, para o bem e para o mal. Eu acho que tem oportunidades e tem muitos desafios em relação a isso. Por isso que a gente fez essa reflexão sobre o meio do caminho", acrescenta.Apesar de tudo, e ao contrário do que defendeu Ailton Krenak em recente entrevista à RFI, professora Olga Lucia Castreghini de Freitas é favorável à realização da COP 30 em Belém. A maioria dos participantes da Conferência do Clima nunca esteve na Amazônia. Para a pesquisadora, “estar em Belém será uma oportunidade de entender o modo de vida das pessoas. Vai ser importante para tomar um choque de realidade do que é a Amazônia brasileira e não olhar só de fora, sem se envolver nesse bioma, que é fantástico”, resume.

    Cano usado por eurodeputado húngaro para fugir de orgia gay vira atração turística em Bruxelas

    Play Episode Listen Later May 5, 2025 6:29


    O local onde um eurodeputado tentou fugir de uma orgia gay em Bruxelas tornou-se um ponto turístico, ícone artístico e símbolo de protesto contra a repressão na Hungria. De Bruxelas, Artur CapuaniUm simples cano de esgoto em uma das esquinas da Rue des Pierres, no centro de Bruxelas, poderia passar despercebido como qualquer outro. Mas os adesivos, rabiscos e turistas que posam sorridentes para fotos ao seu redor revelam que ali se esconde uma história surpreendente. Esse simples encanamento tornou-se um símbolo da causa LGBTQIA+ e, de forma inesperada, um ponto de referência para visitantes da Hungria.“Sempre que meus amigos húngaros visitam Bruxelas, eles perguntam: ‘Onde fica o cano de esgoto?'”, conta o jornalista húngaro Roland Papp, correspondente do jornal Népszava (A Voz do Povo, em português) na capital belga. “Ele vai estar sempre coberto de adesivos, bilhetes e mensagens de húngaros.”A origem dessa curiosa devoção está ligada à figura de József Szájer, um dos fundadores do partido ultraconservador Fidesz e ex-eurodeputado aliado do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán. Szájer foi um dos principais articuladores das profundas reformas políticas realizadas na Hungria. Desde 2010, o governo nacionalista de Orbán tem ampliado seu controle sobre instituições, veículos de imprensa e restringido liberdades civis.Membro da União Europeia, a Hungria entrou em rota de colisão com a cúpula do bloco, que acusa o regime húngaro de violar os princípios democráticos e o Estado de Direito. A repressão ganhou novos contornos este ano com uma emenda constitucional que proíbe a realização da Parada do Orgulho LGBT em Budapeste, sob o argumento de "proteger as crianças".“A nova lei permite que as autoridades proíbam qualquer evento considerado contrário à chamada lei de proteção à criança”, explica Papp. “Este é o pretexto usado para tentar proibir a Parada de Budapeste — que ocorre há muitos anos.”A política conservadora de Orbán sofreu um forte revés em novembro de 2020, quando Szájer renunciou repentinamente a todos os seus cargos. Inicialmente, a motivação da renúncia foi ocultada sob o pretexto de “motivos familiares”, mas a verdade veio à tona poucos dias depois.O então eurodeputado foi flagrado tentando escapar de uma orgia gay, com pelo menos 25 pessoas, no centro de Bruxelas — em pleno lockdown da pandemia de Covid-19. Segundo noticiou a imprensa europeia, Szájer tentou fugir descendo por um cano de esgoto, do primeiro andar do prédio onde acontecia a festa, mas foi detido pela polícia na rua, carregando uma mochila com comprimidos de ecstasy.O episódio chocou a opinião pública húngara e europeia, revelando o contraste gritante entre a vida privada do político e as bandeiras anti-LGBT que defendia publicamente. Hoje, o cano de esgoto usado por Szájer tornou-se um inesperado ponto de resistência LGBTQIA+ e um lembrete irônico das contradições políticas da extrema direita europeia. Mais do que um escândalo pessoal, o episódio provocou um debate sobre hipocrisia institucional, repressão sexual e direitos civis.Cinco anos após o escândalo, József Szájer tenta se reerguer politicamente. Ele agora lidera um think tank ultraconservador na Hungria, ligado a Orbán. Enquanto isso, o país se prepara para uma das maiores mobilizações LGBTQIA+ de sua história: a próxima Parada do Orgulho em Budapeste, marcada para o dia 28 de junho, que promete ser a mais emblemática de 2025.Arte como respostaO caso de József Szájer inspirou o artista português Luís Lázaro Matos, que transformou o episódio no ponto de partida para uma obra crítica e simbólica, atualmente exposta no Museu de Arte Contemporânea de Gante, na Bélgica. No centro do mural, surge uma paisagem surrealista inspirada em Magritte, onde a bandeira da União Europeia aparece com suas estrelas substituídas por espermatozoides.“Esses espermas não estão à procura de um óvulo. Eles não representam reprodução no sentido heteronormativo”, explica o artista. “É uma imagem metafórica, quase fantasiosa, de uma União Europeia homossexual.” A composição inclui ainda cinco pinturas com figuras de ratazanas em posições ambíguas, suspensas em torno de canos de esgoto. A ideia surgiu enquanto o artista vivia em Paris, onde se deparava frequentemente com ratos nas margens do Sena.“Comecei a pensar neles como animais que vivem no submundo”, conta Matos. “É algo que dialoga com meu trabalho em geral, que muitas vezes usa animais como representação de características humanas.” Para o artista, no entanto, o projeto está longe de ser uma sátira ao político húngaro. “Não é uma crucificação do Szájer. Já houve muita gente que fez isso nos jornais e nas redes. É mais uma reflexão sobre a condição do homem gay no armário — que vive uma vida dupla, que politicamente defende uma coisa e, na vida privada, faz outra.”

    Festival de Cinema Brasileiro de Paris homenageia Dira Paes e lança documentário sobre Cazuza

    Play Episode Listen Later May 1, 2025 8:59


    Uma calorosa homenagem à atriz e diretora Dira Paes marcou a abertura do Festival de Cinema Brasileiro de Paris, na terça-feira (29). Além da exibição de filmes em competição, a 27ª edição do evento promoveu o lançamento mundial do documentário “Cazuza, Boas Novas”, sobre os últimos anos de vida do cantor e compositor. Na abertura do festival, a atriz paraense Dira Paes recebeu um prêmio pelo conjunto de sua carreira e pela contribuição ao cinema nacional. “De norte a sul do país, ela atravessa épocas, gêneros e lutas com uma presença luminosa”, diz a direção do festival, que programou cinco filmes emblemáticos de sua trajetória, entre eles “Anahy de las Missiones”, “Manas” e seu primeiro longa como diretora, “Pasárgada”. “Durante a homenagem fui relembrando a minha trajetória. E vi o quanto essa estrada é longa, 40 anos. Recebi essa homenagem num ano tão especial quanto o ano do Brasil na França e a COP 30 na minha cidade, Belém. Eu acho que foi uma confluência astral que me permitiu esse momento tão especial da minha vida, que eu vou me lembrar para sempre”, afirmou Dira Paes em entrevista à RFI.Na telona, “Vitória”, com Fernanda Montenegro no papel principal, foi o filme escolhido para a abertura do festival. Com a morte do diretor Breno Silveira no primeiro dia de filmagem, Andrucha Waddington assumiu o longa, baseado na história verídica de uma aposentada do Rio de Janeiro, Joana da Paz, que lutou e conseguiu denunciar a ação de traficantes de drogas e policiais corruptos que acabaram presos. O ator Alan Rocha, que vive um jornalista na trama, apresentou o filme, recebido com muito entusiasmo pela plateia que lotou o cinema L'Arlequin.“Esse filme presta muitas homenagens, à dona Joana, ao Breno e à nossa grande dama do cinema, a dona Fernanda (Montenegro). Estar aqui representando esse filme que traz essa grande artista brasileira, conhecida mundialmente, é muito importante e gratificante. Estou muito emocionado, muito feliz de estar aqui me assistindo mais uma vez nesse filme, mas num lugar diferente, como artista, em outro país”, disse o ator.Lançamento mundial de documentário sobre CazuzaImportante vitrine da cinematografia brasileira na França, o Festival de Cinema Brasileiro de Paris, fundado e dirigido por Katia Adler, oferece durante uma semana uma programação variada. Nesta edição, são oito filmes em competição, além de um panorama de obras de ficção e documentários que exploram a diversidade da produção, muitas delas exibidas com a presença de artistas e produtores que debatem com o público após as projeções.O documentário “Cazuza, Boas Novas”, que teve sua estreia mundial no festival, foi apresentado pelos produtores Guilherme Arruda, Roberto Moret e Malu Valois.O filme de Nilo Romero, que trabalhou com Cazuza, retraça com imagens de arquivo, fotos e vídeos, além de testemunhos de familiares e amigos próximos, os últimos dois anos de vida do cantor e compositor, que morreu de Aids em 1990.“Consideramos esse período o mais interessante da vida dele, porque quando ele recebe o diagnóstico da doença, ele muda um pouco a forma de enxergar a criação. Achamos que esse período da criação dele diz mais sobre o artista e a cultura brasileira. Além disso, o produtor musical (Nilo Romero) esteve muito próximo do Cazuza nesse período. Então foi unir o útil ao agradável. Achávamos que era um recorte histórico bem relevante”, destaca Moret. “Desde o início desse projeto, fizemos um pacto de reverenciar a memória do Cazuza”, acrescenta.Para Malu Valois, o filme tem também a vocação de mostrar Cazuza para diversas gerações. “O Cazuza tem uma coisa de poeta mesmo, ele escreveu coisas lindas que são atemporais. Todo mundo que escuta a obra do Cazuza é impactado, é sensibilizado, independentemente de ter convivido na mesma geração. Muita gente está conhecendo e vai conhecer o Cazuza através do nosso filme, e acho que vai ter um grande apaixonamento de novo do Brasil pelo Cazuza”, afirma, confiante, após avaliar a reação do público do festival parisiense.“O público reagiu super bem, rindo em momentos mais leves do filme. Isso é importante também, porque, apesar de ser um filme pesado, sobre uma pessoa que está adoecendo, tem também o Cazuza e essa sua leveza. Tínhamos um pouco de medo de o público não reconhecer esses momentos, de rir e interagir. Hoje foi uma amostra de que conseguimos isso, tem essa leveza apesar do tema pesado”, celebra Malu.A repercussão do público e da crítica no exterior é importante para preparar o lançamento do filme no Brasil, em julho, destaca o produtor Guilherme Arruda. “É muito difícil lançar documentário no Brasil. Estamos com uma expectativa boa de conseguir um bom número de salas no Brasil todo. Então festivais como este, e como o In-Edit, que vamos participar em breve, ajudam a ouvir a reação do público, das pessoas, da imprensa, para conseguir uma penetração em um número maior de salas quando ele for lançado. Por isso a estratégia de lançar primeiro aqui fora”, explica.Nesta edição, uma sessão do festival é dedicada a alunos do colégio e ensino médio de um estabelecimento bilíngue na região parisiense. O documentário “Salut, Mês Ami.e.s”, sobre o único colégio público franco-brasileiro da América Latina, em Niterói, foi escolhido para mostrar a ligação e os temas que unem os dois países.A diretora, Liliane Mutti, que já apresentou documentários sobre Miúcha e o produtor Robertinho Chaves no mesmo festival, apresenta seu trabalho, lançado em 2023, sobre a vivência do grupo de jovens do estabelecimento durante a pandemia.“Estudantes de várias regiões do Rio de Janeiro vão estudar nessa escola. O recorte foi o ano da pandemia, quando a escola reabre, mas eles voltam com máscaras no último ano da escola, após terem feito o penúltimo e antepenúltimo ano em casa. Então, eles se encontraram e se despediram. Foi o último ano deles juntos porque eles se questionam, depois da escola, o que fica? O filme traz essa provocação e, ao mesmo tempo, coloca em perspectiva o ensino público francês e o brasileiro”, diz.O Festival de Cinema Brasileiro de Paris, no cinema L'Arlequin, vai até terça-feira, 6 de maio.

    Exposição em Paris leva ao público releituras da iconografia de Debret sobre o Brasil pós-colonial

    Play Episode Listen Later May 1, 2025 9:17


    O projeto da exposição "Le Brésil illustré. L'héritage postcolonial de Jean-Baptiste Debret" (Brasil Ilustrado. O legado pós-colonial de Jean-Baptiste Debret, em tradução livre) surgiu de pesquisas que basearam o livro "Rever Debret", do curador suíço Jacques Leenhardt. A obra foi lançada pela Editora 34, em São Paulo, em 2023.  Luiza Ramos, da RFI em ParisA exibição reúne o trabalho de 15 artistas brasileiros e traz uma releitura das obras de Debret, na Maison de L'Amérique Latine, em Paris, até o dia 4 de outubro, no âmbito da temporada do Ano do Brasil na França 2025. Jacques Leenhardt, especialista da obra de Jean-Baptiste Debret (1768-1848) na França e no Brasil, conta que observou várias exposições entre os anos 2020 e 2022 – época de comemoração do Bicentenário da Independência do Brasil –, de artistas brasileiros respondendo e reinterpretando a iconografia de Debret.“Chamou a atenção porque de uma certa maneira constitui um movimento de relação com o passado brasileiro e com a história da dificuldade de construir a nação brasileira. Através das várias populações, várias culturas, das populações indígenas, afrodescendentes e europeias", explica o professor."Então me pareceu interessante, juntar tudo isso numa exposição para tomar consciência desse movimento e da necessidade de integração dessas culturas em um diálogo”, completa.O olhar europeu na formação da nação brasileira Muito conhecido pelos brasileiros pelas suas ilustrações da época, difundidas em livros escolares e até calendários e tapeçaria, presentes na exposição, Debret é pouco conhecido pelos franceses.O artista viveu no Brasil por mais de uma década, quando integrou a Missão Artística Francesa enviada ao Brasil no começo do século 19, para documentar a primeira corte europeia a reinar a partir dos trópicos.Jacques Leenhardt conta que a ideia central é trazer uma releitura da obra do pintor, desenhista e professor francês, e acrescenta que o trabalho dos artistas na exposição é um trabalho de “diálogo com uma iconografia que não vem da sua própria cultura, mas da cultura branca e europeia da época”.Para ele, a obra de Debret fornece ao mesmo tempo uma existência ao que não tinha imagem. “Falta imagem do escravo negro trabalhando e construindo o Brasil. E é isso que Debret faz. Ele dá realmente uma visibilidade a esse trabalho e para ele é fundamental para a criação da nação. A nação se faz através do trabalho", explica. "E quem trabalha no Brasil, e ele [Debret] escreve isso no seu livro 100 vezes: quem trabalha é o escravo. Para a nova geração de hoje é importante recuperar essa visão”, destaca o pesquisador.Ano do Brasil na FrançaA partir da ideia de contextualizar a obra de um pintor francês sobre o Brasil, o projeto de reunir as reinterpretações do Brasil através olhos de artistas brasileiros nasceu com mais força. A curadora brasileira Gabriela Longman reitera a ideia de Jacques Leenhardt no livro ‘Rever Debret', onde ele investiga a fundo o fenômeno da proliferação de obras citando Debret.Ela foi editora do livro, que ao ficar pronto, imediatamente instaurou nela a ideia de mostrar o mapeamento de Leenhardt em outro formato. “A gente começou a trabalhar muito lentamente em construir essa passagem de uma pesquisa livresca por uma pesquisa plástica e espacial. A gente descobriu que teria o ano do Brasil na França e o ano da França no Brasil e foi uma coincidência feliz”, disse Gabriela Longman.A jornalista e curadora brasileira acredita que a exposição tem objetivos diferentes na França e no Brasil, pelo fato de Debret ser pouco conhecido na França. “No Brasil é o contrário, Debret é ultraconhecido, a gente viu a vida inteira. Os brasileiros entendem melhor sobre o contexto ao qual a gente está se referindo. A coisa contemporânea e os problemas que isso coloca hoje ganham muita força, porque estão no nosso dia a dia”, completa. Redescobrimento do Brasil sem ódioO artista plástico Heberth Sobral, mineiro que vive no Rio de Janeiro, é um dos 15 participantes da 'Le Brésil illustré'. Ele veio a Paris para falar de seu trabalho, que utiliza miniaturas de bonecos Playmobil na releitura da obra de Debret, reforçando a figura da população negra escravizada. “Eu me peguei olhando para o passado, mas não olhando com raiva, e sim como um fato histórico que infelizmente aconteceu”, relata ele. Sobral destaca que a intenção de suas obras é criticar sem repassar o sentimento de ódio.“O passado eu não posso mudar, mas o presente e o futuro dependem de mim. Então eu faço [arte] de uma forma mais leve, eu passo uma mensagem que é crítica, mas com o cuidado de não repassar o ódio. Eu sempre falo que meus antepassados iam para o Brasil para serem escravizados e que a melhor formar de honrá-los é ver meu trabalho sendo bem remunerado e bem aceito. É um redescobrimento do Brasil e do próprio europeu”, conclui o artista.Livia Melzi, artista plástica e visual, foi a última convidada a integrar a exposição. Ela criou um vídeo-arte que dialoga com a temática da releitura de Debret, a partir da redescoberta do original do livro 'Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil' de Debret, na Biblioteca Nacional da França, onde ela teve acesso ao microfilme da reprodução do livro. “Eu tive pouquíssimo tempo para realizar essa obra, mas a parte bacana foi que eu tive essa distância. Eu tinha a imagem de todas as outras obras para poder construir a minha de forma complementar”, explica.Além de Livia e Hebertth, a exibição conta com os artistas Denilson Baniwa, Isabel Löfgren&Patricia Gouvêa, Anna Bella Geiger, Tiago Gualberto, Claudia Hersz, Jaime Lauriano, Valerio Ricci Montani, Eustáquio Neves, Dalton Paula, Tiago Sant'Ana e Gê Viana.‘Le Brésil illustré. L'héritage postcolonial de Jean-Baptiste Debret' fica em cartaz na Maison de L'Amérique Latine, em Paris, até o dia 4 de outubro, e tem entrada gratuita. A exposição deve ser transferida para São Paulo em novembro.  

    Trump 2, a 'revanche': especialistas analisam 'estratégia do caos' do presidente em 100 dias de governo

    Play Episode Listen Later Apr 30, 2025 8:16


    "Trump 2, a vingança final", poderia ser um título possível para um blockbuster de Hollywood retratando a escalada de tensões provocada por Donald Trump desde sua volta à Casa Branca, em 20 de janeiro. Mais agressivo e utilizando amplamente a "estratégia do caos" de seu ex-conselheiro Steve Banon - atirar forte e sem parar para não dar tempo de revide - o protagonista ainda encontra tempo para tentar atuar como mediador em conflitos, enquanto se diverte provocando mega potências comerciais. Fernando Bizarro, professor de Ciência Política na universidade Boston College, avalia que, com o início de um novo período na Casa Branca, Donald Trump parece ter retornado ao poder com a determinação de concretizar as mudanças que não foram  implementadas em seu mandato anterior."Foi um governo que, a partir da derrota de 2020, decidiu voltar ao poder para então efetuar todas aquelas mudanças que ele não tinha sido capaz de fazer no período anterior, custasse o que custasse", avalia Fernando Bizzarro. "Esses primeiros 100 dias foram provavelmente os mais ativos de uma presidência desde a de Franklin Roosevelt, eleito para implementar o New Deal, que completamente transformou a política norte-americana e o estado norte-americano", comenta.RevanchePara Fernando Bizzarro, uma característica proeminente do governo é seu caráter "muito revanchista" em todas as medidas. "O Trump é revanchista, ele está indo atrás de todo mundo que em algum momento lhe causou problema. Ele foi atrás dos advogados que foram contra ele nos casos judiciais, foi atrás dos procuradores, de todo mundo que em algum momento foi contra ele. Está indo para a revanche, mas isso são as revanches pessoais do presidente", detalha."Do ponto de vista da coalizão política, tem essa revanche com esse modelo de estado norte-americano construído durante o século 20. E essa vingança é então uma resposta dos grupos perdedores dos últimos 100 anos contra o modelo construído antes deles", contextualiza Bizzarro.O fim do soft power norte-americano?A avaliação de Lucas de Souza Martins, professor de História dos Estados Unidos na Temple University, na Filadélfia, vai na mesma direção. "Ao iniciar seu segundo mandato, Trump altera profundamente o que até então representava os Estados Unidos: um país com força econômica natural, mas também comprometido com o soft power, ou seja, com a projeção de sua influência por meio de projetos sociais, humanitários, investimentos em educação e fomento à pesquisa científica", pontua."O embate atual de Trump com as principais universidades norte-americanas, como as da Ivy League, e a reação de Harvard exemplificam isso. Tudo indica que a nova gestão de Donald Trump, muito mais do que conservadora, é 'revolucionária' no sentido de implementar uma agenda política alinhada diretamente com os interesses do atual chefe de Estado na Casa Branca", afirma.InflaçãoMartins lembra que, no cenário doméstico, algumas consequências já são sentidas. "O que se observa já de imediato é que o cidadão norte-americano, o norte-americano médio, já passa a enfrentar com ainda mais gravidade a questão da inflação, que é algo que historicamente ele jamais enfrentou como enfrenta neste momento, neste fim de gestão Biden e agora gestão Trump", explica."Outro ponto também que vai além da questão interna é também a força norte-americana no sentido das relações internacionais. Hoje, por exemplo, o cerceamento do comércio multilateral promovido pela nova gestão de Trump, faz com que outras potências possam se abrir e se articular internamente sem a participação dos norte-americanos", afirma.Corda para Trump "se enforcar"Fernando Bizzarro explica qual seria o papel da China no meio da tempestade Trump. "O governo chinês percebeu essa oportunidade criada por essa mudança drástica de política externa norte-americana como uma oportunidade para desmantelar de fato aquilo que os Estados Unidos tinham construído durante o século 20, que do ponto de vista da política internacional era um sistema de organizações internacionais e um sistema de alianças também centrado nos Estados Unidos", diz."Então eu não acho que eles vão tentar mediar [a situação], eles vão tentar, na verdade, empurrar o Trump para perseguir os seus piores instintos", situa o cientista."E, na medida em que ele tentar desmontar o sistema internacional que tem os Estados Unidos como eixo principal, isso vai ser vantajoso para a China também, porque então você vai passar a viver num mundo em que não se vive sob instituições dominadas pelos norte-americanos. Acho que a China vai tentar dar mais corda para ele se enforcar", destacou.Que oportunidades para o Brasil?Os pesquisadores acreditam que o Brasil pode cavar uma oportunidade no meio da crise. "Veja, para o Brasil, este é um momento de perigo, mas também de oportunidade. Por um lado, à medida que a economia norte-americana busca se desvincular da economia chinesa — algo que o governo Trump está tentando fazer, ao afastar a produção e a manufatura dos produtos consumidos nos Estados Unidos da dependência chinesa — há uma tendência de desconexão dos Estados Unidos em relação à economia globalizada. Em certa medida, isso pode ser favorável ao Brasil", diz Fernando Bizzarro."Há uma oportunidade econômica para o Brasil de forma geral. Além disso, essa mudança no cenário internacional, com o enfraquecimento das instituições da ordem liberal estabelecida após a Segunda Guerra Mundial — dominada pelos Estados Unidos — abre espaço para o desenho de uma nova arquitetura institucional. Isso está em sintonia com um desejo histórico da diplomacia brasileira, que sempre defendeu a reforma dessas instituições e a ampliação da ordem internacional, tornando-a menos centrada nos Estados Unidos e em seus aliados imediatos", acredita.Leia tambémDonald Trump enfraquece influência global dos Estados Unidos ao abandonar soft power"Por exemplo, o Conselho de Segurança da ONU, composto pelos vencedores da Segunda Guerra (Estados Unidos, China, Rússia, Reino Unido e França), sempre foi alvo de críticas do governo brasileiro, que buscava reformá-lo e democratizar sua composição", diz o professor. "Assim, em um mundo no qual os Estados Unidos deixem de ser a força unipolar e as estruturas internacionais criadas no pós-1945 sejam reformadas, o Brasil pode encontrar a oportunidade de conquistar alguns dos objetivos que persegue há décadas", analisa.Brasil na liderança ambiental"O Brasil surge como um país que tem a oportunidade, especialmente com a proximidade da COP, de se apresentar como o principal defensor das políticas ambientais no cenário internacional", diz Lucas de Souza Martins. "Isso ocorre num contexto em que os norte-americanos já não representam mais essa visão de mundo — eles deixaram de ser uma nação que exerce liderança na promoção e no financiamento de projetos globais nessa área", destaca."Diante disso, o Brasil tem a possibilidade de ocupar esse espaço e se tornar a principal voz em questões ambientais nos fóruns multilaterais", contextualiza.Danos internos permanentesNo entanto, ele alerta para danos permanentes nos Estados Unidos. "A paz discutida pelos Estados Unidos favorece apenas um lado da história", diz. "Isso compromete, portanto, a forma como se interpreta a liderança americana, especialmente quando pensamos em futuros governos que vão muito além de Donald Trump. Eventualmente, poderemos ter um presidente mais centrista ou mais progressista. A questão que fica é: até que ponto essas políticas, como o fechamento de agências federais tradicionais, poderão ser revertidas? E em quanto tempo isso acontecerá?", questiona Martins."A pergunta que surge a partir dos primeiros 100 dias do governo Donald Trump é: até que ponto ele causou danos à administração e à liderança norte-americana que serão permanentes e que irão além de seu governo?", conclui o professor da Temple University em entrevista à RFI.

    A cruz da primeira missa no Brasil faz périplo por diversas cidades e completa 525 anos

    Play Episode Listen Later Apr 25, 2025 6:32


    A relíquia, que saiu do Tesouro-Museu da Sé de Braga, em Portugal, passou por Lisboa, Fátima e Cascais antes de chegar ao Brasil. A cruz, de 40 centímetros, simboliza a chegada do cristianismo ao Brasil e representa a esperança, a fé e a união do povo brasileiro. Durante sua peregrinação, ela percorreu 13 municípios de diferentes estados, incluindo Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Distrito Federal, Pará e Bahia. Segundo o padre Omar Raposo, reitor do Santuário Arquidiocesano do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro (RJ), e guardião da cruz, ela tem uma missão muito especial. "Na sua terceira vinda ao Brasil, ela visita várias cidades, levando uma mensagem de esperança e renovação da fé, especialmente neste ano jubilar, o ano da esperança, determinado pelo Santo Padre."Ele destaca ainda que a presença da cruz reforça a importância do diálogo entre culturas e a valorização das tradições indígenas, com a participação de uma representante pataxó na equipe que conduziu a relíquia pelo país.A história da cruz remonta aos navegadores que acompanharam Pedro Álvares Cabral. Feita de ferro fundido em Portugal, ela é rústica, sem ornamentos, e acredita-se que tenha sido deixada no Brasil pela esquadra de Cabral, sendo posteriormente devolvida aos portugueses por nobres comerciantes. Apesar de não possuir um nome oficial, ela é considerada um símbolo de união e de encontro entre diferentes povos e culturas.Celebrando 525 anos de históriaA primeira missa em solo brasileiro aconteceu em 26 de abril de 1500, na praia da Coroa Vermelha, em Santa Cruz Cabrália, na Bahia. Celebrada pelo frei Henrique de Coimbra, poucos dias após o desembarque dos portugueses, ela marcou o início de uma história de encontros e intercâmbios culturais entre portugueses e povos indígenas.Os 525 anos dessa celebração serão lembrados com a presença da cruz nas cidades de Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália.Respeito e proteção às culturas indígenasA iniciativa de levar a cruz pelo Brasil também valoriza a cultura indígena, reforçando o compromisso da Igreja com o respeito às tradições e às comunidades originárias. Como destacou Padre Omar, "a cruz simboliza o encontro de culturas, de amor e de experiências, promovendo a paz e o diálogo entre os povos."Em meio aos desafios sociais, à violência e às cruzes do cotidiano, o religioso reforça: "Dias melhores virão. Devemos manter a cabeça erguida e acreditar na esperança, na fé e no amor ao próximo."A cruz da primeira missa no Brasil retorna a Braga, Portugal, neste domingo, 27 de abril.

    Encontro promovido em Paris debate justiça climática, tema central da COP30

    Play Episode Listen Later Apr 24, 2025 6:58


    A sete meses da próxima Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, a embaixada do Brasil em Paris e a Central Única das Favelas (Cufa) na França realizaram, na quarta-feira (23), a mesa redonda "A caminho da COP30: Justiça Climática e Mobilização por Belém". O encontro – parte da programação da Temporada França Brasil 2025 – propôs um debate sobre o impacto das mudanças climáticas para as populações desfavorecidas, fazendo a ponte entre os dois países. Colocar a favela e os territórios marginalizados no centro do debate sobre as mudanças climáticas: esse foi o objetivo do evento, que teve a participação de Karim Bouamrane, prefeito de Saint-Ouen, na periferia de Paris; Ricardo Neiva Tavares, embaixador do Brasil na França; e de representantes de organizações francesas e brasileiras. Assim como no Brasil, as populações periféricas da França também são as que mais sofrem com as mudanças climáticas. "Periferia é periferia em qualquer lugar, já dizia Mano Brown", lembra diretora da Cufa na França, Karina Tavares, referindo-se ao icônico rapper brasileiro. "A periferia está sempre longe do centro, mas sempre prestando serviço para o centro. Então o que a gente está trazendo aqui é essa conexão com a França por meio dessa metodologia que a gente criou para reduzir a desigualdade por meio da base da pirâmide, dando visibilidade para essa população", diz. A iniciativa de unir o Brasil e a França em prol da justiça climática é aplaudida pelo superintendente geral da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), Virgilio Viana, um dos convidados do encontro. "Esse debate afeta todas as sociedades de todos os países no mundo inteiro. Nós temos desigualdades em todos os países, infelizmente. Isso não ocorre apenas nos países em desenvolvimento e mais pobres. Na Europa há desigualdade também, que vem aumentando", aponta. Viana afirma que o debate sobre o tema tem duas dimensões: a ética e a econômica. "As pessoas mais afetadas são as que menos causaram problemas, pois gastaram menos combustíveis fósseis. E são as mais vulneráveis, porque suas contas bancárias são menores e moram em lugares mais atingidos por eventos climáticos extremos", descreve."Quanto custa e quem paga para tornar essas comunidades mais resilientes? Esse é outro debate. É preciso superar um histórico de exploração, de desigualdades e injustiças", reitera Virgilio Viana.O superintendente geral da FAS acredita que o Brasil vem ganhando protagonismo dentro deste debate. Ele destaca que o país "tem desenvolvido soluções para superar a pobreza, tanto por parte de políticas governamentais, quanto por parte de soluções apresentadas pela sociedade". Parceria entre pesquisadores brasileiros e franceses Na abertura do evento, a porta-voz da associação Ghett'up para a Justiça Climática, Rania Daki, apresentou o estudo "(In)jutice Climatique", realizado por duas pesquisadoras francesas, Sarah-Maria Hammou e Sophia Arouche. Durante dois anos e meio, elas fizeram entrevistas com uma centena de jovens em toda a França, oriundos de bairros populares, e com cerca de 30 especialistas e militantes de periferias francesas. O trabalho também incluiu uma pesquisa do instituto Ipsos sobre a exclusão de jovens periféricos na questão ecológica na França. "Compreendemos que essa situação foi exacerbada por causa das desigualdades sociais e raciais que existem. Então, o objetivo é encontrar soluções por meio de ecossistemas associativos sobre o clima e de representantes políticos para poder incluir esses jovens e criar políticas adaptadas", detalha Rania Daki.Uma das autoras do estudo, Sarah-Maria Hammou, explicou à RFI que o estudo contribuiu para a criação de parcerias. "O Brasil está muito avançado no que diz respeito ao que chamamos na França de 'pesquisa pirata', ou seja, estudos fora do âmbito universitário, respeitando todos os códigos acadêmicos. É por isso que nos aproximamos de pesquisadores brasileiros, para compartilhar as boas práticas e criar uma espécie de comunidade franco-brasileira para evoluirmos juntos", concluiu.

    Belezas e desafios do Pantanal são tema de exposição fotográfica em Lisboa

    Play Episode Listen Later Apr 21, 2025 5:56


    Premiados fotógrafos brasileiros levam a exposição "Água Pantanal Fogo" para Portugal, abordando a beleza e os desafios da maior planície inundável do mundo. Lizzie Nassar, correspondente da RFI em LisboaDois renomados fotógrafos brasileiros, Lalo de Almeida e Luciano Candisani, trouxeram para Lisboa a exposição "Água Pantanal Fogo", que fica em cartaz no Museu Nacional de História Natural e da Ciência até 6 de julho.A mostra apresenta uma crônica visual que revela tanto a exuberância da vida no Pantanal quanto os problemas causados pelos humanos no local, como a seca e os incêndios que devastaram a região nos últimos anos. No total, 80 imagens ilustram a relação delicada entre a fauna e a flora da maior planície inundável do planeta.Segundo Lalo de Almeida, as imagens não foram originalmente pensadas para uma mostra, mas sim para veículos jornalísticos, o que torna a exposição ainda mais especial. "Nunca imaginei que minhas fotos, feitas para serem publicadas, acabariam em um museu", comenta o fotógrafo.Luciano Candisani, que conhece o Pantanal desde a adolescência, destaca as mudanças que percebeu ao longo dos anos. "A água foi diminuindo, e isso fica evidente nas fotografias. A exposição trata da presença vital da água e da ausência dela, que leva à seca profunda e ao fogo", explica.A mostra também evidencia os paradoxos do Pantanal: sua beleza exuberante e a tragédia silenciosa que se desenrola no local. O curador da exposição, Elder Chiodetto, explica que a ideia surgiu ao perceber como as imagens de Luciano e Lalo se complementam, criando uma narrativa que mistura vida e morte, esperança e destruição. "As fotos mostram a pulsão de vida e a pulsão de morte do Pantanal", afirma.Dados científicos reforçam a gravidade da situação. O Pantanal está enfrentando o período mais seco das últimas quatro décadas. Pesquisadores explicam que, nos últimos cinco anos, foi como se o bioma tivesse passado um ano inteiro sem chuva, resultando em uma seca prolongada. O nível do rio Paraguai, que normalmente enche o Pantanal, tem se mantido abaixo do esperado, agravando a crise hídrica.Lalo de Almeida, que recentemente conquistou o segundo lugar em um prêmio internacional na categoria paisagem, reforça seu compromisso com a fotografia e a conscientização. "O Pantanal está se transformando, e acho que hoje é um dos biomas mais visíveis para as mudanças climáticas no Brasil", afirma.Mas Luciano Candisani deixa uma mensagem de esperança: "As imagens criam uma camada que revela tanto a beleza quanto a ameaça. As pessoas veem o ambiente subaquático e, logo depois, percebem que ele está ameaçado".A mostra "Água Pantanal Fogo" também é uma oportunidade única de refletir sobre a relação entre o homem e a natureza e sobre a urgência de proteger esse bioma tão vital para o planeta. Após Lisboa, a exposição seguirá para outras cidades, incluindo Berlim, Roma e Rio de Janeiro.

    Literatura brasileira marca presença na maior vitrine internacional do livro de Paris

    Play Episode Listen Later Apr 11, 2025 5:34


    O Festival do Livro de Paris está de volta ao icônico espaço parisiense do Grand Palais em 2025, com a presença de 450 editoras internacionais e cerca de 1.200 autores, consolidando-se como o grande encontro literário do ano na capital francesa até domingo (13). O Brasil marca presença no evento, a principal vitrine do setor na França, com diversos autores, lançamentos, artistas, tradutores e uma programação diversificada, apoiada pelo Ministério da Cultura e a Embaixada do Brasil em Paris. Destaque na temporada cruzada Brasil-França deste ano, a abertura do estande brasileiro nesta sexta-feira (11) contou com a presença do embaixador brasileiro em Paris, Ricardo Neiva Tavares, e do diretor para o Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas do Ministério da Cultura, Jéferson Assumção, entre artistas, tradutores e escritores. Em sua participação no Festival do Livro de Paris, Assumção abordou temas cruciais para o desenvolvimento do setor no país. Em entrevista à RFI, ele destacou a importância da Lei nº13.696, que institui a Política Nacional de Leitura e Escrita. Segundo o representante do Ministério da Cultura, o texto traz um elemento inovador ao enfatizar o desenvolvimento da escrita como porta de entrada para o universo da leitura e como forma de estimular o interesse pela literatura."A construção do novo Plano Nacional do Livro e Leitura, voltado para o período de 2025 a 2035, está em andamento e envolve uma articulação entre políticas de cultura, educação e outras áreas do governo, além da participação ativa da sociedade. Afinal, esse plano é também um pacto coletivo pela leitura, com o objetivo de ampliar o número de leitores no país e fortalecer a economia do livro de forma descentralizada", destacou. "Bibliodiversidade"Segundo ele, "o plano valoriza a bibliodiversidade, o desenvolvimento regional, o fortalecimento de bibliotecas, editoras e circuitos literários". "Essa ideia vai além da economia — porque se trata também de uma política de cidadania e de valorização simbólica, estética e criativa. A literatura, nesse contexto, ocupa um papel central, pois estabelece conexões com outras linguagens artísticas, como o cinema, o teatro, a música e as artes visuais", ressaltou Jéferson Assumção.Parceria com a França"A França sempre foi uma parceira importante do Brasil, e essa relação histórica facilita o diálogo sobre políticas de leitura", destaca Assumção. "Recentemente, estivemos no estande do Brasil conversando com representantes do sistema de bibliotecas públicas de Paris, buscando trocar experiências e aprender mutuamente. No Brasil, o fortalecimento das bibliotecas públicas é um grande desafio, tanto em termos quantitativos — com a necessidade de abrir e reabrir unidades — quanto qualitativos", diz.Clarice LispectorA atriz Maria Fernanda Cândido, uma das atrações do estande brasileiro durante o Festival do Livro de Paris de 2025, falou sobre sua participação no evento. "Eu vou ler três textos do livro A Felicidade Clandestina, de Clarice Lispector", esclareceu. "Especificamente, 'As Águas do Mundo', 'Uma História de Tanto Amor' e 'Felicidade Clandestina', que dá título ao livro", contou."Em 2024, fui convidada para transformar esse livro em um audiobook. Nós fizemos a gravação e, no início de 2025, ele foi lançado. Então, a partir de agora, tenho a honra de fazer parte da biblioteca de vozes aqui da França", comemorou a atriz brasileira.Ela também falou sobre as trocas literárias possíveis entre os dois países nesta temporada cruzada de 2025."Eu sempre percebi a França e o Brasil como culturas muito complementares. Acho que eles têm algo importante para a gente, que não temos, e nós temos algo muito importante para eles. Essa troca de olhares tem sido muito importante para ambos os países, e eu acho que esses centros de produção que a periferia acabou se tornando no Brasil são extremamente interessantes e têm muito a contribuir com a cultura e a literatura francesa", finalizou Maria Fernanda.Periferias como centros de produção"A França tem um forte interesse pelas bibliotecas, inclusive nas periferias, e discutimos como essas instituições podem se conectar com as especificidades culturais desses territórios. As periferias, cada vez mais, devem ser reconhecidas como centros de produção literária e cultural. Esse intercâmbio é fundamental para pensar políticas de leitura mais inclusivas e eficazes", conclui o representante do Ministério da Cultura do Brasil.O embaixador brasileiro em Paris, Ricardo Neiva Tavares, destacou a importância estratégica do evento para a promoção da literatura brasileira no exterior. Segundo ele, a presença do país no festival representa uma oportunidade valiosa de ampliar a divulgação de autores nacionais, tanto por meio de edições publicadas no Brasil quanto em território francês.Neiva ressaltou que a iniciativa integra uma programação mais ampla, "composta por cerca de 300 eventos culturais organizados ao longo do ano, visando intensificar os laços entre Brasil e França". “É um marco significativo nesse esforço contínuo de aproximação e de fortalecimento da cooperação entre os dois países”, afirmou.A periferia brasileira em ParisEm entrevista à RFI durante o Festival do Livro de Paris, Michele Teles, fundadora da editora BR Marginalia, apresentou sua iniciativa focada na literatura marginal e periférica afro-brasileira. A editora independente, que reside em Marselha, no sul da França, onde a editora nasceu, destacou o lançamento do primeiro livro da BR Marginalia: uma tradução de Wesley Barbosa, escritor periférico de São Paulo.“Nossa periferia, nossos quilombos e nossos povos indígenas têm muito a ensinar ao continente europeu”, afirmou Teles, destacando o valor cultural e a riqueza dos saberes produzidos fora dos grandes centros urbanos. A participação da editora no festival reforça o compromisso com uma literatura plural, diversa e conectada com as raízes do Brasil profundo, ainda segundo Nichelle Teles.Dramaturgia e literatura brasileiras em ParisPresente na abertura do festival em Paris, o ator e diretor de teatro Alan Castelo falou sobre sua participação no evento. "Os textos de teatro que apresentamos aqui na França não são apenas palavras no papel, mas obras que ganharam corpo e voz no Brasil, com temporadas e apresentações reais", explicou.A proposta, segundo ele, vai além de simplesmente mostrar os textos: também é uma oportunidade de compartilhar o histórico por trás de cada obra. "Apresentamos não só a dramaturgia, mas o contexto histórico em que ela foi criada e vivida, incluindo as montagens realizadas e os artistas envolvidos", completou.O Festival do Livro de Paris fica em cartaz no Grand Palais, na capital francesa, até o dia 13 de abril de 2025, como parte da programação cultural da temporada cruzada do Ano do Brasil na França.

    Livro faz resgate inédito de perfis e trajetórias de torturadores da ditadura militar do Brasil

    Play Episode Listen Later Apr 10, 2025 6:05


    As historiadoras Mariana Joffily, da Universidade de Santa Catarina, e Maud Chirio, da Université Gustave Eiffel, na França, fazem no livro "Torturadores" um mergulho sem precedentes para trazer à tona as identidades, trajetórias e motivações de uma das figuras mais invisibilizadas pela ditadura militar do Brasil (1964-1985). A pesquisa começou há 14 anos e, segundo as autoras, enfrentou momentos desafiadores — especialmente durante o governo Bolsonaro, quando o tema foi alvo de silenciamento. Lançado pela editora Alameda no Brasil, o livro se dedica a reconstituir, em suas 300 páginas, um dos personagens mais polêmicos do regime militar no Brasil: o torturador. A historiadora Mariana Joffily falou sobre a a dificuldade de "encarnar a mão de assassinos" e como essa encarnação foi possível através do livro."A ideia inicial, o título inicial do livro era justamente 'A repressão em carne e osso'. Então, tinha exatamente essa ideia de encarnar a repressão política e entendê-la do ponto de vista dos homens e de algumas mulheres que preencheram, digamos, essa mecânica da tortura e da repressão como um todo", afirma."A minha primeira surpresa foi perceber que, apesar das dificuldades e do difícil acesso às fontes, era possível escrever a biografia desses agentes", conta a historiadora francesa Maud Chirio. "A ideia inicial de que ninguém havia contado essas histórias parecia impossível. Afinal, eles haviam sido centrais no imaginário coletivo e na construção da democracia, mas haviam desaparecido dos livros de história, talvez por terem obtido anistia e terem tido apagados os rastros de suas ações", contextualiza."No entanto, surpreendentemente, seus nomes eram públicos e havia muitos dados sobre eles, tanto na imprensa quanto nos arquivos das Forças Armadas, especialmente do Exército", lembra Chirio. "Outra surpresa veio dos próprios documentos de arquivo, como as folhas de alterações — registros que contêm elogios formais dos comandantes a esses oficiais, descrevendo sua atuação e inserção no sistema. Esses documentos revelam como essas pessoas, mesmo envolvidas em crimes graves, eram valorizadas e integradas à estrutura militar", ressalta. "Heróis" da repressão"Uma das principais conclusões do nosso trabalho é que, embora agentes repressivos aleguem terem sido marginalizados após o período da ditadura, isso não corresponde à realidade. Durante a repressão política, eles foram tratados como heróis. Com a transição democrática, o Exército precisou negociar com os civis e silenciar essa aura heroica para facilitar o processo e evitar o desgaste de permanecer no poder", diz Mariana Joffily."No entanto, esses agentes continuaram protegidos e valorizados dentro da instituição, mantendo carreiras bem-sucedidas. A hipótese de que teriam sido transformados em bodes expiatórios foi descartada: eles seguiram sendo vistos internamente como combatentes de uma 'guerra real' — uma experiência rara na história do Exército brasileiro. Uma surpresa mais recente, durante o governo Bolsonaro, foi constatar que essa imagem heroica não havia se perdido", aponta a historiadora."A publicação dos nomes de torturadores representa um marco fundamental para compreendermos o papel do Estado brasileiro na estruturação do sistema repressivo. Ela nos permite analisar como o Estado atuou não apenas no recrutamento e formação dos agentes, mas também na premiação e legitimação de suas práticas", afirma Haroldo Ceravolo, da editora Alameda. "Mais do que ações individuais, trata-se de um projeto institucional que exige responsabilização. O trabalho de Maud Chirio e Mariana Joffily contribui de forma decisiva ao estabelecer a conexão entre os agentes da repressão e o Estado enquanto executor e legitimador da violência sistemática. Ao fazer isso, a pesquisa avança no entendimento do aparato repressivo e oferece fundamentos importantes para processos de responsabilização jurídica", diz."O livro rompe com a narrativa dos 'excessos' cometidos em porões isolados, ao demonstrar que a violação de direitos humanos foi uma prática sistematicamente organizada e operacionalizada por instituições oficiais do regime ditatorial", sublinha Ceravolo.Agentes de uma rede complexa"Embora fossem chamados de torturadores, é importante entender que eles fazem parte de uma rede maior envolvida na repressão política. Eles ocupam o centro desse sistema, mas é necessário considerar também as altas hierarquias e o funcionamento mais amplo do aparato repressivo", sublinha a autora. "Ao iniciar o trabalho, nos deparamos com dois extremos: de um lado, a visão abstrata de uma máquina de violência baseada em uma doutrina; de outro, a imagem de torturadores como homens sádicos com personalidades específicas", completa a também historiadora Maud Chirio."Faltava, entre esses polos, a compreensão de que esses agentes eram, como todos nós, seres sociais — com convicções, subjetividades e inserção em uma carreira guiada por reputação, recompensas simbólicas e senso de dever. Nosso objetivo no livro foi reconstruir essa complexidade, mostrando como esses indivíduos, apesar de sua individualidade, atuavam dentro de um sistema e de uma rede socioprofissional que possibilitou tamanha violência", ressalta Chirio. A identidade dos torturadoresJoffily conta que o primeiro trabalho foi identificar quem eram os agentes da repressão. "Antes mesmo da criação da Comissão Nacional da Verdade, começamos a investigar esses indivíduos, trabalhando em paralelo aos estudos da comissão. Encontramos listas de torturadores e repressores publicadas em um jornal alternativo, o que nos permitiu identificar nomes completos e traçar perfis — civis ou militares, e suas atuações. A partir disso, decidimos focar nos oficiais militares, pois percebemos que, embora fossem apenas parte do aparato repressivo, exerciam um papel central na repressão política", conta."Recorremos, então, a documentos burocráticos do Exército — como boletins reservados, folhas de alteração e almanaques — para reconstruir suas trajetórias e compreender tanto os aspectos ideológicos quanto institucionais que os inseriram nesse sistema repressivo", diz a pesquisadora."Em nosso trabalho, evitamos adotar uma abordagem 'psicologizante' para compreender o perfil dos agentes da repressão", ressalta Joffily. "Não acreditamos que suas ações possam ser explicadas apenas por traços individuais de personalidade. Optamos por uma perspectiva histórica e sociológica, que nos permitisse analisar como determinadas gerações de oficiais militares foram formadas dentro de um contexto específico: a Guerra Fria, marcada por confrontos ideológicos e pela valorização da segurança nacional", sublinha.Leia tambémPesquisadores discutem em Paris as heranças autoritárias da ditadura militar brasileira"Dentro desse cenário, identificamos diferentes tipos de atuação — desde perfis mais burocráticos, passando por agentes engajados em operações diretas de busca e apreensão, até analistas de informação com perfil mais estratégico. Ou seja, não se tratava de um tipo psicológico único, mas de uma multiplicidade de trajetórias", lembra."Um dos aspectos centrais que nossa pesquisa busca destacar não é a diferença de personalidades entre os agentes, mas sim as diferentes posições que ocupavam dentro do sistema repressivo. É muito distinto ser um soldado que participa de prisões e atos de violência apenas por alguns meses após o AI-5, e depois se desliga do sistema, em comparação com aqueles que, ainda no início da carreira, optaram por seguir o caminho da repressão de forma especializada. Estes últimos buscaram treinamentos, formações específicas e foram atraídos pelas recompensas simbólicas e materiais que essa trajetória oferecia", defende a historiadora."Naturalmente, há diversidade de perfis psicológicos mesmo entre esses grupos — tanto entre os que atuaram pontualmente quanto entre os que fizeram carreira nesse campo. No entanto, nosso foco não foi demonstrar como a personalidade molda o comportamento, mas sim como a inserção em uma estrutura institucional específica transforma esse comportamento. A centralidade da nossa análise está justamente na relação entre posição ocupada, trajetória institucional e prática repressiva, mais do que em traços individuais", destaca Maud Chirio.Torturador: "ser ou não ser, eis a questão"Em relação à consciência dos agentes sobre a prática da tortura, Chirio destaca ser "improvável que algum deles se autodefina como torturador ou utilize esse termo como elemento de valorização pessoal ou profissional. Ainda assim, é evidente que a tortura estava plenamente integrada à missão que acreditavam estar cumprindo: a luta contra o comunismo e a subversão", contextualiza."Tratava-se de um saber prático amplamente compartilhado e legitimado no contexto da Guerra Fria, utilizado por militares franceses na Argélia e na Indochina, por agentes britânicos em colônias, e por regimes autoritários em toda a América Latina. Nesse contexto, a tortura era vista como uma técnica necessária para desarticular redes clandestinas e obter informações cruciais de forma rápida", diz.Mariana Joffily ressalta a importância de notar "o uso sistemático de eufemismos" para descrever essas práticas. "Nenhum documento oficial fala abertamente em tortura. Em vez disso, utiliza-se uma linguagem técnica e militarizada: 'obter informações', 'neutralizar ameaças', 'coletar dados estratégicos'", explica. "Essa retórica desvia o foco da violência e dissocia a prática da carga moral negativa associada à palavra 'tortura'. Dentro dessa lógica, o ato de torturar é reconfigurado como parte de uma ação legítima em defesa de um suposto bem maior — a proteção da nação contra o 'inimigo interno'. Assim, mesmo sem o reconhecimento explícito da prática, ela é justificada, normalizada e, em muitos casos, naturalizada dentro do sistema repressivo", sublinha a historiadora brasileira.Contornar o "silêncio do Exército""Uma imagem que sintetiza bem nosso trabalho é a tentativa de contornar o silêncio do Exército", diz Maud Chirio. "Para isso, utilizamos duas fontes principais: de um lado, o trabalho de vítimas e familiares, que produziram listas com nomes de torturadores e repressores; de outro, os arquivos burocráticos produzidos pelo próprio Exército, voltados à progressão de carreira e à aposentadoria dos militares. O cruzamento dessas fontes nos permitiu superar a ausência — ou destruição deliberada — dos arquivos diretamente relacionados à repressão", revela.Leia tambémHistoriadora francesa lança livro sobre humor de protesto publicado durante ditadura no Brasil"Foi um trabalho minucioso, quase artesanal, em que selecionávamos um nome e íamos atrás de informações específicas, nome por nome. Reunimos dados sobre centenas de pessoas. A tarefa foi lenta e complexa, pois lidamos com documentos áridos, de difícil acesso e repletos de siglas e termos técnicos próprios da instituição. Ainda assim, conseguimos driblar o projeto institucional de apagamento, que visava impedir a escrita de uma história sobre esses agentes. E conseguimos", comemora Joffily.Sem confronto com os agentes da repressão"Diferentemente de outras pesquisas, nós não realizamos entrevistas diretas com os agentes da repressão", explica Mariana Joffily. "A Maud [Chirio, coautora], em seu doutorado, havia feito algumas entrevistas, mas no trabalho conjunto utilizamos principalmente depoimentos já existentes, especialmente os colhidos pela Comissão Nacional da Verdade, pelo CPDOC e pelo Ministério Público Federal", especifica. "Evitamos buscar novos depoimentos por diversos motivos. Em 2015, tentamos contato com alguns indivíduos, mas fomos majoritariamente ignoradas ou recebemos respostas em que eles afirmavam preferir o silêncio. O contexto político era adverso: vivíamos um momento de crise institucional, pós-Comissão da Verdade, em que acadêmicos e jornalistas passaram a ser identificados como 'inimigos', rotulados como comunistas e tratados com desconfiança. Muitos dos agentes se mostraram ainda mais refratários, sobretudo após o trabalho do Ministério Público", explica Maud Chirio.Contexto da pesquisa nos anos Bolsonaro"Com a eleição de Jair Bolsonaro, alguns desses indivíduos passaram a se posicionar como 'vencedores', o que poderia indicar uma possível abertura para o diálogo. No entanto, nesse momento, tanto eu quanto Mariana [Joffily, coautora] já éramos associadas a setores considerados opositores, o que tornou o acesso praticamente impossível", lembra a historiadora francesa."Assim, optamos por priorizar o estudo de fontes documentais — ricas, abundantes e ainda pouco exploradas —, incentivando colegas a fazer o mesmo. Entendemos que, além da dificuldade de acesso, muitos dos que prestaram depoimentos nas audiências da Comissão da Verdade negaram participação ou forneceram informações falsas. Nosso foco, portanto, recaiu sobre a documentação escrita, que ofereceu uma base mais sólida para reconstituir a história do Estado repressor durante a ditadura", diz. O livro "Torturadores" pode ser adquirido pelo site da editora Alameda, ou das livrarias brasileiras Martins Fontes e Travessa, entre outras, além de plataformas como a Amazon. Na Europa, o livro é distribuído pela Arnoia e encontrado no site imosver.com, entre outros. 

    Concerto revela melodias do repertório lírico brasileiro na cena da Ópera de Paris

    Play Episode Listen Later Apr 7, 2025 8:10


    A tradicional Ópera de Paris também entra em ritmo brasileiro neste ano em que se celebra o bicentenário das relações diplomáticas entre a França e o Brasil. A instituição programou vários concertos que integram a temporada cruzada entre os dois países. O primeiro recital, “Melodias Francesas e Brasileiras”, acontece nesta quarta-feira (9), trazendo pela primeira vez à cena da Ópera da Bastilha várias obras de compositores brasileiros. Os ingressos estão esgotados. O concerto “Melodias Francesas e Brasileiras” é uma iniciativa da Academia da Ópera de Paris, braço educativo da instituição de aperfeiçoamento de novas gerações de artistas líricos. A ideia de mostrar músicas do repertório brasileiro pouco tocadas na França, e do repertório francês no Brasil, foi da diretora da Academia, Myriam Mazouzi.Ele pensou em integrar a temporada cultural França-Brasil durante uma primeira viagem ao Brasil no ano passado. “A primeira ideia que tive foi um concerto colocando lado a lado melodias francesas de Poulenc, por exemplo, e melodias brasileiras para apresentar ao público francês e ao brasileiro as melodias de cada um de nossos países”, conta.Myriam Mazouzi reconhece que esse repertório brasileiro “não é uma música que conhecemos muito bem”. Foi necessário fazer uma pesquisa aprofundada para definir o programa do concerto, que conta com cerca de 20 músicas de compositores dos dois países.A França será representada por obras de Francis Poulenc, Erik Satie, Léo Delibes e Pauline Viardot. Do Brasil, serão interpretadas composições de Villa-Lobos, Carlos Gomes, Marlos Nobre, Alberto Nepomuceno, Jayme Ovalle, Hekel Tavares e Carlos Alberto Pinto Fonseca. Destes, o único que teve obras tocadas na Ópera da Bastilha foi Villa-Lobos, o compositor brasileiro mais conhecido na França.“Foi muito interessante ver (essa) riqueza da música brasileira”, avalia Mazouzi.Artistas-residentes brasileiros na Academia da Ópera de ParisPara fazer a escolha, o diretor artístico da Academia, Christian Schirm, contou com a ajuda de dois artistas brasileiros que passaram ou ainda estão se aperfeiçoando na instituição. O pianista e maestro carioca Ramon Theobald foi o primeiro brasileiro a integrar a Academia da Ópera de Paris, de 2021 a 2023. Ele estará no palco no dia 9 de abril e acredita que o repertório escolhido dá um panorama da produção brasileira.“Das melodias brasileiras escolhidas, muitas têm a ver com as nossas origens. Há melodias que falam de Yemanjá, de Xangô, há melodias do Villa-Lobos, que tem o estilo modinha, que é a música popular brasileira que começou com a influência portuguesa. É realmente uma foto geral do Brasil”, afirma Ramon.O baixo-barítono Luis Felipe Sousa, atualmente cantor-residente na Academia da Ópera de Paris, também ajudou a montar o programa e será um dos solistas do concerto “Melodias Francesas e Brasileiras”.Para ele, essa “é uma oportunidade muito especial de poder interpretar a música brasileira nos palcos estrangeiros, especialmente num palco tão importante quanto o da Ópera de Paris”. Luis Felipe ressalta que será "realmente muito emocionante" poder interpretar um repertório "que tem uma certa herança artística” e interpretar "canções que foram escritas por professores dos meus professores”.Além de Ramon Theobald e Luis Felipe, duas cantoras líricas brasileiras, Juliana Kreling e Lorena Pires, também estarão em cena. O concerto Melodias Francesas e Brasileiras contará ainda com a participação de todos os artistas residentes da instituição, que recebe anualmente 30 alunos de vários países do mundo.Primeira soprano brasileiraA soprano capixaba Lorena Pires, aliás, acaba de ser selecionada e será a terceira brasileira a integrar a Academia da Ópera de Paris a partir de setembro. Ramon Theobald lembra que a seleção é dificílima, mas garante que a rica experiência compensa.“Depois que a gente entra, a estrutura é incrível. A Ópera de Paris faz mais de 20 óperas por ano. Para assistir 20 óperas no Brasil, eu teria que ter vivido uns 3 ou 4 anos. Desde que estou aqui, já assisti produções, ensaios, de mais de 60 produções. É um ambiente riquíssimo. Todo o esforço para passar na audição valeu a pena”, relata o pianista que resolveu ficar na Europa. Ele mantém a conexão com a Academia e inicia uma carreira como maestro.A experiência desse aperfeiçoamento parisiense também é considerada fantástica pelo baixo-barítono Luis Felipe que, paralelamente às atividades da Academia, que produz em média um concerto por mês, tem a chance de participar de grandes produções da Ópera de Paris.“Isso não acontece com todos os cantores da Academia”, revela. O baixo-barítono brasileiro teve a oportunidade de cantar no início dessa temporada na ópera “Le Brigands”, de Offenbach, e atualmente está ensaiando “Il Trittico”, de Puccini, que estreia em 29 de abril. “Realmente é muito enriquecedor porque você canta em vários ambientes, com vários repertórios muito diferenciados”, resume.Olhar renovadoA vinda dos artistas-residentes brasileiros à Academia da Ópera, que recebem uma bolsa de estudo, é financiada com o apoio de um grupo de mecenas brasileiras, radicadas na França. E esses artistas trazem um olhar renovado à tradicional Ópera de Paris, diz Myriam Mazouzi.“O que está acontecendo hoje na Europa, na América do Norte, nos faz pensar nas nossas profissões, nossas missões, nossos desafios, nossas ambições, de forma diferente. A contribuição dos artistas brasileiros é trazer um olhar diferente sobre o que estamos vivenciando e sobre o nosso patrimônio. A música clássica, a Ópera de Paris, são instituições que datam de vários séculos atrás e, por isso, ter um olhar renovado, enriquecido, nos traz muito”, salienta a diretora e fundadora da Academia.“Eu diria que essa contribuição brasileira é justamente o que rompe com esse tradicionalismo. A gente traz a diferença, a gente traz a cor, a gente traz o axé. E a gente faz muito bem, jogar com a tradição de uma forma extremamente única, extremamente nossa”, completa Luis Felipe.Os ingressos para a apresentação de “Melodias Francesas e Brasileiras” no anfiteatro da Ópera Bastilha em 9 de abril já estão esgotados. Em setembro, o concerto será apresentado no Rio e em São Paulo. Os artistas-residentes da Academia também participam, em outubro, de três concertos no Teatro Muncipal do Rio, no Teatro Guaíra e no Municipal de São Paulo, em homenagem a Bizet.Ainda como parte da temporada cruzada França-Brasil, haverá em Paris, em julho, e, em São Paulo, em setembro, um concerto conjunto com músicos das orquestras de jovens ADO, da Academia da Ópera, e da paulista Guri. Nesse estreitamento de laços com o Brasil, a tradicional instituição francesa sonha em abrir uma filial da Escola de Dança da Ópera em Curitiba. As discussões começaram no ano passado.

    Léa Freire: compositora, flautista e arranjadora comemora 50 anos de carreira com show em Paris

    Play Episode Listen Later Apr 3, 2025 7:26


    Léa Freire - compositora, flautista, pianista, arranjadora e criadora do selo Maritaca - está comemorando 50 anos de carreira. Para homenagear a artista, um documentário sobre seu trabalho e uma apresentação de flauta e piano estão previstos nesta quinta-feira (3), em Paris. O evento faz parte da Temporada França Brasil 2025. Em “A Música Natureza de Léa Freire”, o diretor Lucas Weglinski desenha o percurso da artista, um talento burilado desde cedo, começando com aulas de piano erudito aos 7 anos. Aos 16, Léa Freire passou para o violão popular ao conhecer a escola CLAM (Centro Livre de Aprendizagem Musical), dirigida pelo Zimbo Trio, a quatro quadras de onde ela morava. Na sequência, ela adotou a flauta transversal como instrumento de predileção.Um encontro inusitado dentro de um Fusca selou a amizade de Léa Freire com Filó Machado, instrumentista, compositor, cantor e compositor. “A gente começou a tocar junto e ficava andando de flauta e violão pela madrugada em São Paulo. Imagina, hoje em dia nem pensar, né? E a gente tocava nas escadarias da [avenida] 9 de Julho, que hoje virou um banheiro público, na Praça Roosevelt”, conta Léa. “Tinha uns mendigos que ficavam dormindo ali de dia, de noite, quando a gente estava tocando. E tinha uns que gostavam, outros que mandavam a gente parar”, ri a artista. A dupla ensaiava na praça porque a quitinete de Filó era pequena demais. “Tinha que abrir a janela para trocar de camisa, de tão pequena”, conta.O mundo de Léa Freire naquela época, entre a rua Augusta e praça Rossevelt, era de bares de música ao vivo, toda noite, das 22h às 4h da manhã. Outro encontro chave foi com Alaíde Costa, que acolheu Léa em sua casa durante algum tempo, pois a família da flautista não aceitava esse estilo de vida. Com Alaíde e Filó, Léa tocou para crianças da Febem, um sistema carcerário para menores extinto em 2006. “As crianças ficavam abandonadas, sem pai nem mãe, e não podiam sair, ficando à mercê de todo tipo de abuso”, lembra.No começo dos anos 1980, Léa também foi beber na fonte americana, estudar na mítica escola Berklee, de Boston. Também foi ver os mestres ao vivo, como Wayne Shorter e McCoy Tyner, entre outros, nos bares de Nova York, ouvindo na plateia ou mesmo do lado de fora. Mas o rigor do inverno afugentou Léa, que fez a mochila e foi descendo pela América do Sul.MisoginiaTanto Léa quanto outras artistas entrevistadas no documentário de Weglinski falam sobre o machismo no mundo da música. Como era desbravar a selva de bares paulistanos durante a madrugada? “Meu apelido era sargento Freire, não à toa, sou imune a essas violências”, explica. "Não que não tenha sido vítima." Ela conta que sofreu todos os tipos de abusos misóginos, desde mãos apalpando suas pernas enquanto tocava até cantadas abusadas.Ela acha que hoje a situação está melhor para as mulheres, pois elas são mais numerosas no meio musical. “É uma profissão muito competitiva, então com mais mulheres, fica mais leve. Em São Paulo, tem até uma big band só de mulheres que se chama Jazzmin's e que é muito legal”, conta.Uma virada de chave aconteceu com um hiato na carreira durante 11 anos. Depois de ter o segundo filho, foi informada de que tinha direito a quatro meses de licença no bar onde trabalhava. “Fiquei dois. Voltei. Já estava despedida. Aí cansei." Léa resolveu estudar administração de empresas e virou diretora de uma grande empresa. Mas o estresse desse mundo acabou levando a artista a um burnout.Seguindo conselhos médicos de fazer o que lhe dava prazer, Léa voltou-se para o piano e à composição. E criou o selo Maritaca. "Tem cantor, tem estrangeiro, tem tudo. É uma avacalhação, mas tudo bem, desde que o foco seja a música instrumental”, explica.Léa tem vários projetos em curso, mas revela um desejo, “o de tocar em um puteiro”. Por quê? “Porque eu ia ficar só observando, tocando, ensaiando, ninguém prestando atenção, já pensou?”.DocumentárioEm "A Música Natureza de Léa Freire", lançado em 2022, Lucas Weglinski trabalha com imagens de arquivo da artista e depoimentos de colegas, como Filó Machado e Alaíde Costa. "Eu comecei a trabalhar com a Léa no primeiro disco de piano solo dela, chamado 'Cine Poesia'. E daí eu comecei a filmar as apresentações musicais dela e cenas do cotidiano", conta o diretor. "E isso começou a me dar uma vontade enorme de fazer um filme sobre ela, principalmente vendo ela fazendo um sucesso enorme na Europa, no Japão, nos Estados Unidos e tendo ainda que ser apresentada na própria cidade que a gente vive", explica Weglinski, que está acompanhando a artista em Paris. Em Paris, Léa Freire se apresenta no Théatre de la Concorde. Ela faz um pocket show tocando flauta, acompanhada pelo maestro e compositor Felipe Senna no piano. 

    Xenofobia aumenta em Portugal: casos visando brasileiros registraram alta de 20% em um ano

    Play Episode Listen Later Mar 24, 2025 15:40


    Nos últimos anos, Portugal se firmou como um destino popular para imigrantes, especialmente brasileiros em busca de melhores oportunidades. Entretanto, essa crescente comunidade enfrenta um aumento preocupante nos casos de xenofobia. Luciana Quaresma, correspondente da RFI em PortugalDe acordo com dados da Agência para a Migração e Asilo (AIMA) e da Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR), houve um aumento de 30% nas queixas de xenofobia entre 2022 e 2024. Em 2024, 150 dos casos registrados envolveram brasileiros, representando um aumento de 20% em relação ao ano anterior.Larissa Abreu, empresária de 38 anos e residente em Portugal desde 2018, notou essa mudança recente. "Nos últimos anos, realmente tem havido um aumento enorme de relatos de xenofobia contra brasileiros, tanto no dia a dia quanto nas redes sociais. Além de situações sutis de preconceito, sou constantemente atacada online por compartilhar minhas experiências."Para Larissa, as dificuldades não se limitam a insultos. “Quem me conhece sabe que eu adoro viver em Portugal, mas também não ignoro quando um serviço ou experiência poderia ter sido melhor. Quando expresso isso, sou alvo de ataques violentos, como ‘volte para sua terra' ou insultos extremamente agressivos como ‘sua favelada, sua macaca'! Isso mostra uma forte resistência em aceitar críticas vindas de brasileiros, mesmo quando são construtivas.”Larissa destaca que o preconceito está presente em vários aspectos da vida. “No ambiente profissional, essa mentalidade resulta numa desvalorização e na necessidade de provar constantemente nosso valor. E na vida pessoal, percebemos esse preconceito, especialmente na busca por moradia, onde muitas vezes os brasileiros enfrentam exigências desproporcionais.”A AIMA aponta que os brasileiros representam a maior comunidade de imigrantes em Portugal, com mais de 500.000 residentes. Este fluxo migratório reflete condições favoráveis, mas expõe desafios no combate à xenofobia.Desafios legais e a necessidade de denúnciaLarissa acredita que “existe uma discriminação estrutural contra brasileiros em Portugal, apesar da relação histórica e da língua em comum”. Ela optou por empreender devido à dificuldade de encontrar oportunidades justas no mercado de trabalho. “Precisamos sempre demonstrar um esforço extra para ser reconhecidos e respeitados”, ressalta.A falta de apoio é outra preocupação. “Como brasileira, muitas vezes me sinto acuada em denunciar. Deveria haver uma linha direta acessível para denúncias, prática e sem burocracia”, afirma a empresária. A insegurança e o medo de represálias dificultam ainda mais essa ação. “Existem discursos institucionais que falam sobre combate à xenofobia, mas muitos brasileiros não sabem como buscar apoio ou sentem que as denúncias não geram mudança.”Ataque a advogada brasileira gera debate sobre xenofobiaA advogada brasileira Anna Luiza Pereira, que vive em Portugal desde 2020, relata a dificuldade que enfrentou ao tentar registrar uma denúncia de xenofobia nas redes sociais. “O policial na delegacia me disse que ‘isso não daria em nada'. É muito difícil registrar crimes não visíveis, como agressões verbais. Aqui em Portugal, a legislação é um pouco mais fraca, o que torna o processo ainda mais complicado,” conta.O ataque contra a advogada ocorreu após a divulgação de uma entrevista no podcast “Papo com Fado”, que tem como objetivo compartilhar as histórias de imigrantes brasileiros que residem em Portugal. “Na nossa última gravação, entrevistamos Larissa Abreu, que falou sobre sua experiência de maternidade e comparou as maternidades privadas em Portugal com as do Brasil. Ao comentarmos sobre isso, fizemos um corte do episódio e publicamos no Instagram. A partir dessa postagem, uma senhora desconhecida, cujo perfil se identifica como Glória Pires, começou a tecer comentários depreciativos”, relata. A advogada conta que os ataques foram agressivos e racistas. “Ela fez comentários considerados extremamente ofensivos, como ‘vá pentear macacos' e ‘volte para a sua terra'. Disse também que ‘ninguém quer vocês aqui', acompanhada de uma série de posts que geraram uma discussão acalorada entre os usuários envolvidos na conversa”, detalha. Apesar da hostilidade, Anna também destaca que muitos portugueses se manifestaram em defesa dos brasileiros, expressando seu descontentamento com as atitudes xenofóbicas. “Foi uma situação muito complicada, pois fomos extremamente agredidos. Além disso, essa senhora já vinha fazendo comentários xenofóbicos em minhas publicações pessoais sobre imigração há mais de seis meses, evidenciando um padrão de comportamento problemático.”Esse incidente levanta questões sobre a crescente xenofobia em Portugal e o papel que as mídias sociais desempenham na disseminação de discursos de ódio, ao mesmo tempo que destaca a necessidade de um diálogo mais respeitável e inclusivo na sociedade.Como Denunciar?Anna oferece dicas para as vítimas de xenofobia. “Insista na denúncia. Leve o que puder como prova, como prints e gravações. Vá preparado para não deixar dúvida que você vai seguir em frente. Registre a ocorrência na polícia e também nas plataformas de redes sociais, que têm ferramentas para denunciar discursos de ódio.”Ela enfatiza a importância de recorrer à CICDR. “Pode-se fazer uma denúncia online ou por e-mail, que é uma alternativa mais tranquila.” A legislação portuguesa prevê punições para crimes de ódio e discriminação, mas muitos casos de xenofobia acabam sem consequências para os agressores. Mas, segundo Anna, as "denúncias precisam ser registradas".Ticiane Fidelis, carioca e residente em Portugal há seis anos, conta que teve um contrato de alugue negado simplesmente devido à sua nacionalidade. "O consultor imobiliário disse que o proprietário não alugava para brasileiros,” relata.Cada vez há mais casos de brasileiros em Portugal que compartilham vídeos na internet, com registros de ataques de xenofobia e racismo. No entanto, especialistas aconselham que a melhor abordagem é entregar esses materiais às autoridades competentes para a devida investigação e ação legal. Ticiane, que também fez denúncia na polícia, diz estes ataques são muito frequentes.“Acredito que, nas redes sociais, esse tipo de ataque ocorre principalmente porque muitas pessoas se sentem protegidas atrás de uma tela, achando que a internet é uma terra sem lei. Essa sensação de impunidade, sem dúvida, incentiva esse comportamento. No início, confesso que isso me afetou profundamente e despertou gatilhos, me fazendo questionar se realmente precisava passar por essa situação. Contudo, hoje me sinto muito mais forte e preparada para me defender contra esses ataques."Segundo a brasileira, a impunidade e o cenário político em Portugal têm sido favoráveis ao aumento da xenofobia. A utilização da retórica anti-imigração, que culpa imigrantes por problemas sociais ou econômicos, reforça estigmas negativos, incentivando atitudes xenofóbicas na sociedade.“Portugal está em um momento em que os imigrantes são usados como bodes expiatórios. O problema da habitação e da saúde é frequentemente atribuído aos imigrantes, sem qualquer embasamento,” critica Ticiane. Ela acredita que é fundamental denunciar, mesmo que não resulte em nada. “Quanto mais pessoas denunciarem, maior será a pressão para que as autoridades tomem medidas contra aqueles que praticam a xenofobia. Só assim podemos combater esse tipo de discriminação e exigir mudanças efetivas”.

    Brasil lidera debate na ONU sobre o combate ao ódio e à violência digital contra mulheres

    Play Episode Listen Later Mar 19, 2025 6:16


    O Brasil assumiu um papel de liderança na luta contra a misoginia on-line durante a 69ª sessão da Comissão sobre a Situação da Mulher (CSW), um dos principais fóruns da ONU sobre os direitos das mulheres. Luciana Rosa, correspondente da RFI em Nova York,Em um evento paralelo realizado nesta terça-feira (18) na sede das Nações Unidas, em Nova York, representantes do governo brasileiro, especialistas e ativistas destacaram os desafios para combater o ódio e a violência digital contra as mulheres e defenderam a responsabilização das plataformas digitais.O evento, intitulado “Misoginia on-line: os desafios para enfrentar o ódio e todas as formas de violência e discriminação contra as mulheres”, foi organizado pelo Ministério das Mulheres e posicionou o Brasil na vanguarda dessa discussão global.Autoridades brasileiras reforçaram a necessidade de regulamentação internacional para garantir a proteção das mulheres no ambiente digital, um dos maiores desafios atuais na luta pelos direitos das mulheres.Brasil na linha de frente da luta contra a violência digitalA secretária executiva do Ministério das Mulheres, Maria Helena Guarezi, destacou o empenho do Brasil em colocar a misoginia digital no centro da agenda internacional. Para ela, o primeiro passo no combate a essa violência é reconhecê-la e nomeá-la, algo que ainda falta em muitos debates.“O Brasil está avançado, primeira coisa bem importante sobre a violência de gênero nas redes sociais. Em todas as falas, a gente viu que isso é negado. O primeiro passo é reconhecer", afirmou Guarezi.Guarezi também falou sobre as pesquisas que estão sendo realizadas no Brasil para mensurar o impacto da violência digital e embasar políticas públicas mais eficazes. A secretária ressaltou a importância de coletar dados concretos para construir soluções e estratégias. “Nós no Brasil estamos fazendo pesquisa porque a gente não tem dados concretos para embasar ações eficazes, porque isso vai fundamentar o nosso processo de análise e o nosso processo de reflexão e proposição de ações", explicou.Responsabilização das plataformas digitaisA responsabilização das plataformas digitais foi um dos principais temas do evento. Renata Gil, conselheira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), detalhou as propostas que estão sendo discutidas no Brasil para responsabilizar legalmente as empresas de tecnologia em casos de discurso de ódio e ataques coordenados contra mulheres.“A responsabilidade das plataformas digitais no Brasil está sendo enfrentada a duras penas e a gente tem um recurso no Supremo Tribunal Federal, e o voto apresentado pelo ministro Dias Toffoli cria responsabilidade objetiva das plataformas. Este processo delineia de forma vanguardista o que é violência digital e o que é vulnerabilidade digital". diz Renata Gil.Renata também destacou a falta de uma regulação clara sobre o funcionamento das plataformas digitais, o que dificulta a responsabilização das empresas e deixa as vítimas desprotegidas diante de ataques organizados.A proposta brasileira de responsabilizar legalmente as plataformas foi bem recebida por outros países participantes da CSW. “O Brasil tem sido um dos principais articuladores na defesa dessa regulamentação. Esse é um passo necessário para que o ambiente digital se torne mais seguro para as mulheres”, completou Gil.Ataques digitais como ferramenta políticaMulheres em cargos de liderança são alvos frequentes de ataques on-line. Maria José (Mazé), líder da Marcha das Margaridas, ressaltou que a violência digital é uma ferramenta usada para afastar as mulheres da política e limitar sua influência nos espaços de poder."A violência digital é uma extensão das múltiplas violências que afetam as mulheres todos os dias. O compartilhamento de difamação e desinformação é um método para impedir a entrada e permanência das mulheres na política", afirmou Mazé.Mazé citou o caso de Manuela D'Ávila e de Dilma Rousseff, que foram alvo de campanhas de desinformação e ataques coordenados nas redes sociais. Dilma sofreu uma série de ataques misóginos durante seu segundo mandato, enquanto Manuela chegou a ser agredida fisicamente após ataques organizados em plataformas digitais.Brasil continua a pressionar por soluções globaisO Brasil reforçou sua posição como referência internacional no combate à violência digital de gênero ao propor, durante a CSW, uma estratégia para ampliar a proteção das mulheres no ambiente digital.Maria Helena Guarezi afirmou que o Brasil continuará a pressionar por avanços nessa agenda nos próximos encontros internacionais: “Da forma como há hoje, uma exacerbação de determinados extremismos na sociedade, talvez a gente tenha, sim, que voltar a dialogar, e inclusive sobre as ações de determinadas legislações que teremos que refletir. Podemos ter legislações mais incisivas, outras menos incisivas. A história e a execução dessas ações vão nos dizer se a gente avançou ou não para o fim dessa violência", concluiu.

    Diálogo com Krajcberg: plantas na Mata Atlântica viram pigmentos em obras expostas por brasileira em Paris

    Play Episode Listen Later Mar 18, 2025 5:45


    "Torna-te aquilo que és" é o título do trabalho da brasileira Daniela Busarello, convidada para integrar a mostra "O grito pelo planeta" ("Le cri pour la planète", no original em francês), uma homenagem ao escultor e fotógrafo polonês naturalizado brasileiro Frans Krajcberg (1921-2017), fervoroso defensor do meio ambiente. A artista recolheu amostras da Mata Atlântica e as reutilizou, através de um processo medieval de depuração, criando 170 pigmentos em óleo sobre gaze. Conhecida por um trabalho que usa frequentemente matérias-primas naturais para constituir suas obras, Daniella Busarello adotou o mesmo método para criar esse diálogo com as criações de Frans Krajcberg. "Ele colhia plantas, troncos, folhas, cascas, no mar, na praia. Recolhia o que encontrava. As plantas que eu colhi no meu caminho estavam ao lado da casa dos meus pais", compara. "É o lugar onde eu caminho hoje, onde eu caminhava na minha infância, ou seja, como o Krajcberg, [o que interessa] é o que está à mão. A natureza está ao nosso lado, ela não está lá longe, ela não é essa coisa intocável", argumenta a artista.Segundo ela, "Torna-te aquilo que és" não é uma pintura, e sim "uma entidade, que está viva. Essas plantas estão falando com a gente. E ela tem 1m40 por 2m80 de altura e está numa posição vertical, exposta em uma placa de vidro, é como se ela estivesse de pé", ressalta. "Ela não está pendurada, ela tem um corpo, mesmo que esse corpo seja invisível, que é esse vidro, e isso a torna um símbolo realmente de cura", diz. Técnica medieval"Eu escolhi essa pintura, que é mais do que uma simples obra de arte, porque ela envolve todo um processo de reflexão e também de manufatura, por assim dizer", explica a artista. "Eu coletei entre 50 e 60 plantas da floresta amazônica nas calçadas de Curitiba, cidade onde nasci, que tem cerca de 3 milhões de habitantes e, atualmente, conta com apenas 1% da Mata Atlântica original. Apesar disso, é considerada a cidade ecológica do Brasil. Isso já é, por si só, uma provocação, e tem tudo a ver com as provocações do Krajcberg", contextualiza Busarello."Eu também quero mostrar que a Mata Atlântica não é apenas aquela que está intacta e maravilhosa. Ela é a mata que está ao nosso lado todos os dias, até mesmo na nossa calçada. Por isso, escolhi essas plantas e fotografei cada uma delas — tanto a árvore ou arbusto quanto todo o processo de transformação. Transformar a planta em pó, em pigmento, é um processo medieval", lembra."A técnica que eu utilizo é a mesma dos antigos pintores, que faziam suas próprias tintas a partir dos pigmentos. Foi dessa forma que desenvolvi a minha pintura", conta. "Depois de transformar a planta, que é 90% composta por água, em pó, eu reidrato com os ingredientes necessários, misturo com cera de abelha e aplico. A gaze, embora pareça um material frágil, tem a função de um curativo. Ela é algo que envolve, é macia, delicada. Mas, ao mesmo tempo, carrega uma força por trás", destaca a pintora.Propriedades medicinaisEla detalhou a escolha das plantas catalogadas. "Cerca de 99% das plantas que colhi têm propriedades medicinais. Não foi de propósito, eu fui em cada uma querendo saber quem é que eu estava escolhendo, dissecando. Algumas têm toda uma ligação com o ciclo econômico do meu estado, o Paraná, como a erva-mate, que foi muito influente em tudo que aconteceu até hoje. Além do Pau-Brasil, que é uma espécie protegida e é o nosso nome também", diz a artista."Esta é a segunda vez que estou exibindo essa pintura aqui [na França]. A primeira vez foi em uma abadia, e também foi uma experiência maravilhosa, mas com um tipo de apresentação diferente. Acho isso interessante, porque na outra ocasião, eu apresentei todos os 170 pigmentos utilizados na obra, e a instalação em si era diferente. Já aqui, trouxe a pintura junto com os nomes das plantas, pois cada planta não representa apenas seu nome, mas também suas propriedades medicinais", sublinha.Mata AtlânticaEla explica a escolha da Mata Atlântica como base de pigmentos. "O mundo fala muito da Amazônia, mas quem não é brasileiro raramente menciona a Mata Atlântica. Sempre preciso explicar sobre ela. A razão é que, embora exista a mata propriamente dita, a maior parte da Mata Atlântica está em áreas urbanas", diz a artista."Acho que hoje restam menos de 20% dessa vegetação original, e, a cada vez que falo sobre isso, percebo que o número é ainda menor do que eu imaginava. É importante divulgar a existência dessa mata, para que as pessoas se conscientizem de que ela está presente em nosso cotidiano. E o que eu considero maravilhoso é justamente o fato de ser uma mata urbana. Isso nos chama a atenção para o fato de que é no nosso dia a dia que devemos prestar atenção à natureza que nos cerca", afirma.A primeira parte da exposição "O grito pelo planeta" fica em cartaz no Espaço Krajcberg, em Paris, até o dia 15 de maio de 2025. KrajcbergFrans Krajcberg (1921-2017) foi um artista plástico, escultor e fotógrafo de origem polonesa, naturalizado brasileiro. Sobrevivente da Segunda Guerra Mundial, ele se estabeleceu no Brasil na década de 1950 e se tornou um grande defensor do meio ambiente. Sua obra é profundamente marcada por seu engajamento ecológico e ele costumava utilizar materiais naturais, especialmente troncos de árvores carbonizados provenientes do desmatamento na Amazônia, para denunciar a destruição da natureza. Suas esculturas, muitas vezes imponentes e tortuosas, expressam uma revolta contra o desmatamento e os incêndios criminosos.Além do seu trabalho artístico, Krajcberg militou ativamente pela preservação da floresta amazônica, colaborando com movimentos ambientalistas. Ele viveu grande parte de sua vida em uma casa-ateliê no coração da floresta brasileira, em Nova Viçosa (Bahia). Sua arte, na interseção entre a land art e a arte engajada, permanece como um testemunho poderoso da luta pela proteção do meio ambiente.

    Centro Pompidou em Foz do Iguaçu "terá foco na América Latina", diz em Paris representante do governo paranaense

    Play Episode Listen Later Mar 12, 2025 6:19


    Uma comitiva técnica da Secretaria de Estado da Cultura do Paraná (SEEC) está em Paris até domingo (16) para tratar do projeto de construção do Museu Internacional de Arte de Foz do Iguaçu, em parceria com o Centre Pompidou. O projeto da primeira filial do tradicional centro cultural francês no continente americano terá um investimento previsto de R$ 200 milhões e a obra deve ficar totalmente pronta em 2027, de acordo com o Governo do Paraná. A RFI Brasil conversou com Luciana Casagrande Pereira, secretária estadual da Cultura paranaense para saber mais detalhes sobre a iniciativa.  Maria Paula Carvalho, da RFI em ParisA comitiva brasileira desembarcou na capital francesa na segunda-feira (10) para reuniões, workshops e visitas técnicas com equipes do Centre Pompidou para troca de experiências, planejamento e diretrizes de concepção do novo espaço dedicado à arte no oeste do Paraná. As negociações com a instituição francesa começaram em 2022. O museu brasileiro será um espaço pluridisciplinar, abrangendo artes visuais, cinema, música e dança, consolidando-se como um centro cultural dinâmico no país.  “Para a gente, é uma grande oportunidade. É uma visibilidade para os nossos artistas. É uma entrada no circuito internacional de arte e é importante para a população ter acesso a esse acervo importante que o Pompidou tem, mas sempre dialogando com o nosso território”, destaca Luciana Casagrande Pereira, secretária da Cultura do Paraná. “Não é um Pompidou que chega exatamente como o da França e se instala na nossa região. O projeto científico foi concebido entre a nossa equipe e a equipe do Pompidou, mas ele nasce do zero. Sobre as exposições, o que vai ser apresentado, ainda estamos iniciando essa construção”, explica. O projeto arquitetônico da primeira sucursal de um dos mais famosos espaços de arte moderna e contemporânea de Paris na América terá a assinatura do arquiteto paraguaio Solano Benítez. “Ele é um arquiteto internacional, que já ganhou o Leão de Ouro na Bienal de Arquitetura de Veneza e que conhece a nossa região”, diz Luciana Casagrande Pereira sobre a escolha do autor. “Ele respeita muito o território, entende a nossa cultura, como nos comportamos ali”, acrescenta. “Tenho certeza de que será um orgulho não só para nós paranaenses e brasileiros, mas para os países vizinhos também”, completa. A ideia é de que a natureza seja um elemento central no conceito arquitetônico do edifício, que ficará a cerca de 10 minutos de carro do Parque Nacional do Iguaçu, onde estão as famosas cataratas do Iguaçu. “Solano Benítez tem um estilo. Ele trabalha com o tijolo, que é um material milenar, que não tem nada de inovador, mas a técnica que ele usa é muito inovadora”, revela a secretária de Cultura. “Nós não vamos importar material de nenhum outro país. Nós vamos construir com a nossa matéria-prima, que é a terra”, comenta. A construção será feita em um terreno de 24 mil metros quadrados cedido pela CCR Aeroportos, empresa responsável pela administração do aeroporto de Foz do Iguaçu. “Eu não digo que é complexo, eu digo que é desafiador, é instigante”, afirma Luciana Casagrande Pereira. “Tem o projeto arquitetônico, mas você tem a preparação da cidade, da região, a sensibilização das pessoas, da comunidade, para receber. Tem a questão jurídica, financeira, tudo que um projeto deste tamanho envolve. Mas temos obtido muito sucesso em todos esses desafios e estamos muito animados”, acrescenta. “É um projeto grande, de 10.000 metros quadrados e nós estamos planejando as inaugurações em algumas fases. Pretendemos entregar o museu completo em 2027, mas em 2026 nós já teremos uma algumas partes abertas”, antecipa. A secretária de Cultura explica por que Foz do Iguaçu foi escolhida para abrigar a nova sede do Centre Pompidou. “Eu acho que há o interesse pela região de tríplice fronteira. Além disso, o Paraná passa por um momento de muita segurança jurídica”, continua. “Nós somos o primeiro estado em educação, o que é bem importante. É uma região muito fértil, onde nós estamos plantando este projeto. Então, acho que é uma somatória de valores”, conclui. O avanço na concretização do museu acontece em um ano chave para o Centre Pompidou de Paris, que fechou as portas, na segunda-feira à visitação nas salas de exposição permanentes para passar por uma grande reforma que deve durar cinco anos. Até setembro de 2025, o local abrigará ainda pequenas exposições temporárias, antes de interromper totalmente o seu funcionamento para a realização de um projeto colossal de restauração, cuja remoção do amianto será a parte mais demorada. A previsão é de reabertura em 2030. “Neste período de metamorfose do Pompidou estaremos ainda mais presentes no Brasil e no Paraná, será um momento crucial para todos nós, estamos muito felizes com este projeto”, afirma Laurent Le Bon, presidente do Centre Pompidou, citado pela equipe paranaense presente em Paris.  Uma comitiva do centro de artes francês, incluindo o presidente da instituição, esteve no Brasil em julho do ano passado para conhecer o espaço e definir detalhes do projeto de construção. Na ocasião, também foi feita a assinatura de parceria de colaboração técnica para a construção do museu no Paraná. Para Alice Chamblas, chefe de desenvolvimento internacional do Centre Pompidou, o Paraná tem uma paisagem cultural muito rica, especialmente na capital Curitiba. “Mas entendemos que é um desejo do Governo do Estado equilibrar essa paisagem, fortalecendo a cultura em outras regiões e o projeto do Museu Internacional de Arte de Foz do Iguaçu vem exatamente a esse encontro”, afirma a francesa, também citada pela equipe brasileira.    Carolina Loch, diretora de implantação do Museu Internacional de Arte de Foz do Iguaçu, explica que o acervo do museu estará muito conectado ao território onde o prédio será construído. Porém, os visitantes irão encontrar peças importantes da coleção francesa. “O museu terá um foco muito grande na América Latina, em especial nos países da tríplice fronteira, ao mesmo tempo em que teremos trabalhos que já são apresentados ao público na Europa, a partir da coleção do Pompidou, estabelecendo novas narrativas”, explica Loch.       A vinda da missão paranaense à Paris ocorre em um momento simbólico, já que 2025 marca o Ano do Brasil na França e o Ano da França no Brasil. “Eu acho que dá mais destaque. Ele não foi pensado para isso. Mas certamente é uma grande ação, tanto para o Brasil quanto para França”, afirma a secretária de Cultura do Paraná.  Sobre o Centre Pompidou Mais do que um museu de arte em Paris, o Centre Pompidou é um complexo cultural efervescente, que abriga biblioteca, ateliê de escultura, cinema, dança e um centro de estudos musicais e acústicos. O edifício, localizado no coração da cidade, chama a atenção pelos traços da construção, como a tubulação colorida, escadas rolantes visíveis e vidro e aço que cercam a estrutura, com vista para diversos cartões postais da capital francesa. O projeto imaginado pelos arquitetos Renzo Piano e Richard Rogers, a pedido do então presidente francês Georges Pompidou, destoa do resto da arquitetura em uma região conhecida por seus prédios que datam de outro século e chegou a ser chamado de “máquina horrível” durante a sua construção.   Inaugurado em 1977, o Beaubourg, como é carinhosamente conhecido, possui um rico acervo de arte moderna e contemporânea de cerca de 140 mil obras, de 1905 até à atualidade. Considerado um dos principais espaços de exposição de arte moderna e contemporânea do mundo, o Pompidou compete com o MoMA de Nova York para saber quem tem a maior coleção do planeta. O complexo cultural abriga peças de artistas como Pablo Picasso, Joan Miró, Salvador Dalí, Frida Kahlo e Francis Bacon.  Com o fechamento temporário, uma parte de sua impressionante coleção será exibida no Grand Palais, também em Paris, assim como nas filiais do Pompidou fora da capital francesa, como na cidade de Metz, no leste da França, ou no exterior, como em Málaga, na Espanha, em Xangai, na China e, em breve, em Bruxelas, na Bélgica. Outra parte das obras será exposta em um polo artístico previsto para ser inaugurado em 2026, em Massy, a 30 minutos ao sul de Paris.   

    Exposição de brasileira em Paris conecta mantos tupinambás, Museu Nacional e Maurício de Nassau

    Play Episode Listen Later Mar 10, 2025 6:12


    Após o sucesso de sua participação na edição de 2024 do Paris Photo, a artista brasileira Lívia Melzi realiza ‘Tabula Rasa', sua primeira exposição solo em galeria na capital francesa, de 8 de março a 19 de abril, na galeria Salon H, no 6° distrito da capital francesa. Luiza Ramos, da RFI Em uma mistura complexa de fotografia, tapeçaria, vídeo e esculturas, ela relaciona oito anos de pesquisa que envolvem o manto tupinambá, o Museu Nacional do Rio de Janeiro e o conde Maurício de Nassau, governador da colônia holandesa no nordeste brasileiro no século 17. A exposição traça “uma linha do tempo” desde o evento da volta do manto tupinambá para Brasil e desdobra outros dois capítulos principais: o Museu Nacional e a figura de Maurício de Nassau. “A coleção dos mantos na Europa foi assunto do meu primeiro grande trabalho”, conta Lívia. A outra parte é um projeto retomado mais recentemente pela artista que se interessa pela história dos três bustos idênticos de Maurício de Nassau. “A gente tem um de cobre no Recife, em praça pública. Tem outro num depósito do lado de Amsterdã, que foi uma estátua destituída do Museu Mauritshuis, que foi a casa dele e que fica em Haia. E um terceiro busto na Alemanha, no túmulo dele. Então, a partir de três imagens, eu fotografei esses três bustos e consegui adquirir o molde original de onde esses bustos foram feitos”, detalha.A exposição tem curadoria de Margaux Knight e a artista, que usa moldes de esculturas e materiais como vidro e gesso, apresenta também peças de estudo para mostrar os resultados de sua pesquisa plástica e teórica a partir da figura de Nassau.O manto tupinambá, depois de três séculos na Dinamarca, retornou ao Brasil, em julho de 2024, como uma doação do Museu Nacional dinamarquês ao Museu Nacional do Rio de Janeiro, que está se recompondo após o incêndio que destruiu seu acervo em 2018. Através da história, Lívia evidencia questões de conservação e desapropriação.Livia Melzi, que também iniciou sua carreira artística em 2018, aprofunda a relação do manto, originário dos povos indígenas, e Maurício de Nassau, responsável por levar os objetos para a Europa. “Maurício de Nassau está intimamente ligado com a coleção de mantos tupinambá, com o fato da coleção estar na Europa. Meu trabalho gira em torno da relação entre a Europa e o Brasil. Como a Europa construiu o Brasil através das imagens, mas não somente, e o papel do museu. Isso que me interessa”, revela Lívia. A artista visual pretende analisar com sua exposição na galeria Salon H como um museu, sendo uma instituição que nasceu na Europa, poderia guardar e definir o imaginário do povo brasileiro sobre si mesmo, mas também o “imaginário da Europa em relação ao Brasil”, explica. Artista natural de São Paulo, que mora em Paris há 12 anos, Livia traz questionamentos sobre como os fragmentos da história, restos queimados, fragmentos funerários, coleções fotográficas prestes a desaparecer, moldes de estátuas podem preencher o futuro Museu Nacional do Rio. No Museu brasileiro, Livia Melzi conta que trabalha em conjunto com a instituição para preservação demo acervo recuperado após o incêndio, através de arquivo fotográfico que, segundo ela, já contém mais de 200 imagens e que podem ser vistos em vídeo na galeria Salon H.A descolonização“A exposição mostra muito a minha relação com as instituições. Eu gosto muito de pensar em como conhecimento é construído e imposto, e o papel das instituições nisso. Como a gente no Brasil, quando pensa no Museu Nacional, herda tudo isso”, reflete a artista. Lívia acredita que atuar em suas pesquisas e registros é “ver a História se construindo na nossa frente”.“Hoje o Museu Nacional é a grande promessa de descolonização de um museu. Eu estou muito curiosa para continuar trabalhando com eles e para fotografar e documentar essa história se construindo, a volta do manto, nesse projeto sobre os mantos. Eu estou tendo a sorte de acompanhar com a fotografia”, diz.Para ela, a exposição mostra os elementos principais da sua pesquisa e carreira até hoje. “É legal ver a coerência e a conversa entre as coisas, porque tudo está ligado (...) Às vezes eu faço as coisas sem perceber, mas as histórias estão todas conectadas no final das contas, então achei muito justo colocar tudo numa sala só. Tudo no mesmo lugar a atravessar esses três capítulos completamente ligados”, conclui Livia Melzi. 

    Expo Favela cresce na França e 2⁠ª edição vai destacar bioeconomia, de olho no clima e na COP 30

    Play Episode Listen Later Mar 4, 2025 8:16


    Depois de uma primeira edição de sucesso ano passado, a Expo Favela Innovation repete a dose em 2025 em Paris com expectativas de maior visibilidade, mais patrocínios e apoiadores. Nesta terça-feira (4), o projeto foi lançado oficialmente pela Cufa France que anunciou o foco da segunda edição do evento na bioeconomia, de olho na agenda climática global e na COP 30, que acontecerá este ano em Belém. Além disso, o evento é parte das programações do ano cultural do Brasil na França.  Luiza Ramos, da RFIA feira Expo Favela Innovation, em sua segunda edição internacional agendada para os dias 4 e 5 de julho, dá mais um passo para se firmar na cena cultural parisiense. As palestras de lançamento nesta terça-feira (4) contaram com depoimentos de participantes da versão anterior. Para a diretora da Central Única das Favelas na França (Cufa France), Karina Tavares, o aumento da credibilidade da Expo Favela na Europa vem dos testemunhos dos empreendedores vencedores do ano passado que perceberam maior visibilidade, além de abertura de caminhos para eventos e até financiamentos para seus negócios. “E isso a gente constrói baseado no que foi criado no Brasil. Baseado nessa visão que teve o Celso Athayde (fundador da Cufa no Brasil), a Cufa e a Expo lá no Brasil, de começar a consolidar uma família de empreendedores que vêm das periferias da França. Para esse ano, então, a gente está mais forte, com três patrocinadores a mais e foco em bioeconomia, porque é ano de COP e a gente sabe que é prioridade para o Brasil e para o mundo”, considera Karina Tavares.  Segundo ela, nesta edição, a bioeconomia não se resumirá somente em gerenciar recursos econômicos respeitando os ecossistemas: “A gente vai falar de racismo climático e de justiça climática. A gente sabe que as pessoas que moram em territórios vulneráveis estão nas primeiras linhas de combate quando tem muito calor ou quando tem uma chuva. Os primeiros que sofrem vão ser mulheres no Brasil, são negros e pessoas que moram em favelas. A Cufa, nesse ponto, sempre foi visionária e a gente está então trazendo essa mentalidade, essa visão que é realmente uma metodologia. Esta é a primeira e única feira exportada na Europa do Brasil e ela vem da favela, então assim, é um golaço”, comemora a diretora em entrevista à RFI.  Valorização maior na FrançaO crescimento do Expo Favela também se dá pelo espaço disponibilizado para evento de 2025. Os expositores e artistas participantes terão uma área cinco vezes maior, no Teatro da Concórdia, na nobre zona dos Champs-Élysées. Algo celebrado pelo diretor artístico do Expo Favela Innovation, Daniel Nicolaevsky, por ser “uma estrutura da cidade de Paris”.“A gente está sendo mais valorizado, a gente está com muito mais espaço, porque o teatro é realmente muito grande, tem várias salas, tem uma sala de 600 lugares, tem uma sala de cinema, tem uma sala de stand up, tem um espaço exterior. Nós temos a mesma quantidade de empreendedores, mas nós vamos ter mais espaço. Nós vamos ter mais artistas também, estamos trabalhando com galerias de artes, com centro de arte, para pegar alguns artistas que estão sendo apresentados durante a temporada France-Brésil (ano do Brasil na França) para nós termos mais vozes. É um evento brasileiro que está ocupando um espaço público do lado da Avenida Champs Elysées, em Paris, então realmente a gente está subindo bastante de nível”, pontuou Daniel, que nasceu na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro. “Sendo eu um artista que nasceu numa favela no Brasil, escrever ‘favela' em frente a um teatro em Paris e fazer essa ocupação total já vai ser incrível”, antecipa Daniel Nicolaevsky.O diretor artístico também conta detalhes da produção 2025, que terá a moda como um dos ramos prioritários: “A gente tem esse projeto muito em parceria com Casa 93, que nasceu no Brasil pela Nadine Gonzalez. E nós vamos colocar em honra a moda e a indústria têxtil africana e brasileira, com essa ponte francesa no evento. Nós vamos colocar em honra a Amazônia também”, destaca o diretor. Ele acrescentou que peças poderão ser divulgadas a partir de maio.Leia tambémFloresta desmatada para abrir avenida: obras em Belém para a COP30 falham na sustentabilidadeQuestões sociais vistas de pertoNadine Gonzalez, diretora da Casa 93, em Saint-Denis, coletivo de formação em moda que nasceu de seu desejo que trazer a cultura brasileira para a periferia francesa depois de 12 anos morando no Rio de Janeiro, também falou sobre o projeto de criação de moda que será apresentado no Expo Favela por seus alunos, em criação conjunta com Daniel Nicolaesvsky e Rafaela Pinah, diretora de arte carioca. “Este ano é um pouco maior, porque é um projeto de nove meses, são mais ou 300 horas de sessões para criar essa coleção coletiva entre diferentes alunos da Casa93, que eles nem se conhecem todos, porque eles vêm de várias turmas diferentes, assim como os alunos do Brasil de várias turmas também. Essa vai ser uma coleção eco responsável, porque o foco é o upcycling”, diz ela, fazendo referência ao reaproveitamento de materiais e citou como exemplo o artesanato com latinhas de alumínio, muito comum nas periferias do Rio. Segundo ela, o primeiro passo vai ser apresentar em julho no Expo Favela, e em seguida o projeto completo será apresentado em novembro no Brasil, no Rio de Janeiro. Para o diretor artístico do Expo Favela Innovation, Daniel Nicolaesvsky, existe uma grande importância de situar as populações ribeirinhas nas produções deste ano.  “A gente está trazendo esse diálogo que os ribeirinhos e as casas de palafitas, que também são uma forma de favela e que precisam ter uma atenção muito delicada, porque a mudança climática transforma esses lugares num lugar de urgência. Então nós temos que olhar para esses lugares muito atentivamente e muito com muito cuidado”, alerta. 2025: ano cultural Brasil-FrançaA comissária Geral do Ano Cultural Brasil-França 2025, Anne Louyot, também esteve no lançamento da segunda edição da Expo Favela de Paris e confirmou à RFI que a Expo Favela Innovation de Paris é um dos projetos da programação do Ano cultural franco-brasileiro, que segundo ela, deve ser lançado ainda em abril para duas temporadas de quatro meses de cada lado do Atlântico, entre os meses de maio de dezembro de 2025.“Temos dois projetos no âmbito da temporada Brasil-França. Dois projetos cruzados; um projeto durante o momento brasileiro na França e um projeto durante o momento no Brasil, são um projeto no âmbito da moda, com a Cufa e a Casa 93, e o segundo projeto no âmbito da gastronomia na Expo Favela Minas, então em Belo Horizonte, com Cufa Minas. Vão ser convidados vários chefes franceses também das periferias”, disse Anne Louyot.“E vamos desenvolver vários projetos para preparar a COP 30, por exemplo. Vamos organizar em Belém, no final de agosto, na abertura da temporada francesa no Brasil, um grande fórum científico franco-brasileiro, com todos os centros de pesquisa franceses e brasileiros que trabalham a questão do meio ambiente, especialmente na Amazônia”, revelou a comissária.   As inscrições para selecionar 40 empreendedores de bairros populares franceses para participar da Expo Favela Innovation estão abertas até 10 de maio no site expofavela.fr  

    Embaixador, legionário e esportista brasileiros relatam 'exaustão' dos ucranianos após três anos de guerra

    Play Episode Listen Later Feb 23, 2025 11:52


    Passava de 5h da manhã em Kiev quando as tropas russas invadiram a Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022. Após três anos de guerra, completados nesta segunda-feira (24), a RFI entrevistou o embaixador do Brasil em Kiev, Rafael Vidal, sobre as perspectivas, ainda remotas, de um cessar-fogo com a Rússia. A reportagem também ouviu os relatos de um combatente que esteve no front em Kharkiv e de um esportista cansado dos ataques russos diários à capital ucraniana. Na última semana, os ucranianos ficaram estarrecidos com as declarações do presidente norte-americano, Donald Trump, que chamou Volodymyr Zelensky de "ditador" e acusou o presidente ucraniano de ter iniciado o conflito. Os ataques virulentos de Trump soaram para os europeus como uma "inversão de aliança estratégica" dos Estados Unidos com a Rússia de Vladimir Putin, em detrimento da segurança no continente europeu. O embaixador do Brasil em Kiev, Rafael Vidal, acompanha o dia a dia da guerra desde setembro do ano passado e apoia o processo de negociação iniciado entre Washington e Moscou. "A situação da Ucrânia é muito difícil, porque a guerra não se limita ao teatro de operações. Ela alcança zonas civis, cidades muito densamente povoadas", relata. O presidente Luiz Inácio da Silva também indicou esse apoio, desde que todas as partes sejam envolvidas nas negociações. O restabelecimento do diálogo de alto nível entre os Estados Unidos e a Rússia, com uma primeira reunião dos respectivos representantes das Relações Exteriores das duas potências em Riad, na semana passada, é considerado pela diplomacia brasileira como "um primeiro ensaio real para buscar uma solução diplomática a uma guerra que não interessa mais a nenhum dos dois países envolvidos nessa tragédia humanitária"."O momento, hoje, seria de cautela, de prudência e de apoio às negociações que começam a ser entabuladas com o patrocínio dos Estados Unidos. Eu acho que esse não é o momento de narrativas de lideranças europeias que questionam, desconfiam ou não estendem as mãos para esse processo negociador, que começa a ser entabulado", disse o embaixador brasileiro. O presidente francês, Emmanuel Macron, reúne-se com Donald Trump na segunda-feira (24) nos Estados Unidos. Macron afirmou que dirá a Trump que ele não pode ser "fraco" diante de Vladimir Putin. O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, também será recebido pelo republicano nesta semana. Brasileiro retorna do front na região de KharkivApós três anos de guerra, 85 brasileiros estão cadastrados como residentes no serviço consular da embaixada. Com frequência, outros passam pela Ucrânia em trânsito, por razões familiares, empresariais ou por trabalharem em agências das Nações Unidas. Porém, as autoridades consulares brasileiras não têm contato, só quando são solicitadas, pelos brasileiros que se alistaram como combatentes na Legião Estrangeira para defender o território ucraniano das tropas russas. No início de fevereiro, o legionário paranaense Rocha retornou de Kharkiv, cidade do leste da Ucrânia, antiga capital na era soviética, até 1934. Quase na fronteira da região russa de Bolgorod, Kharhiv era a segunda maior cidade ucraniana antes da guerra, mas foi esvaziada de seus habitantes, que fugiram do intenso cerco russo. Rocha passou três meses na linha de frente, junto com oito combatentes brasileiros, e contou à RFI que o avanço ucraniano para dentro do território russo, em Kursk, impactou sua missão."Nosso regimento era composto por três equipes: a nossa, uma de franceses e outra de colombianos. A rotação seria a seguinte: a equipe de franceses ia primeiro, a nossa em segundo e depois a dos colombianos. Porém, no dia 26 de dezembro ou 25 de dezembro, os franceses foram em 15 combatentes. Treze ficaram feridos e dois morreram", relata o brasileiro. "No meu ver, Kursk era causa perdida. Nós somos um batalhão de defesa da Ucrânia, não fomos para lá para invadir o território russo. Uma coisa é você defender uma cidade, limpar aquele território da cidade que foi invadido pela Rússia, outra coisa é você invadir uma soberania. Querendo ou não, você já está ultrapassando aquilo que você falou que fazia", disse Rocha.  Segundo o legionário, a Rússia trabalha numa forma de pinça, como durante a época soviética. "Eles pegam um território, fazem uma pinça pela esquerda e pela direita e fecham; quem está no meio, esquece, não consegue sair mais. Além de você estar invadindo o território russo, você estava indo para a morte", conta o ex-combatente. Ele observou uma grande evasão de ucranianos para a Polônia, Eslováquia e Hungria, fugindo da guerra, "por saberem que alguns batalhões são destinados à morte".Rocha diz que sempre quis participar de uma guerra: "Um pouco pela experiência, para entender como funciona toda a logística de combate". Ele afirma que em nenhuma parte da Ucrânia sofreu racismo por ser negro. "Eu vivi uma experiência única, por estar num ambiente de guerra e também por ter vivenciado as pessoas sendo muito gratas pela nossa presença."O ex-combatente brasileiro espera que a Ucrânia acabe logo com o conflito e retome seus territórios. Ao mesmo tempo, Rocha se mostra pessimista em relação às intenções de Moscou. "Pode dar um cessar-fogo aí de dois ou três anos, mas uma hora ou outra, a Rússia vai querer ir para frente de novo", prevê."Ninguém acredita em acordo de paz", diz brasileiro residente em KievO brasileiro Jonatan Santiago, conhecido como Moreno, jogava futsal no time ucraniano Skyup quando a Ucrânia foi invadida pela Rússia. Com o início do conflito, em fevereiro de 2022, ele foi obrigado a deixar o país, mas retornou em agosto de 2023. Há muitos anos radicado em países do leste da Europa, ele se instalou na Ucrânia em 2012.Moreno descreveu à RFI uma rotina de bombardeios insuportáveis na capital, mas que se normalizaram, para espanto do brasileiro. "Kiev, graças a Deus, é uma das cidades que tem um dos melhores sistemas de defesa em relação a drone, a mísseis e tudo mais, porque ataque praticamente é todo dia, praticamente todo dia. É assim, você acostuma na verdade, porque é sirene, sirene três a quatro vezes por dia. Toda noite praticamente tem ataque", relata. "Às vezes é engraçado porque tem um drone abatido na rua, um drone voando em cima, e as pessoas estão andando normal, caminhando na rua. Normalizou um negócio que não é normal", explica o ex-jogador de futsal. Atualmente, Moreno tem trabalhado com traduções e como empreendedor no ramo esportivo.Devido ao longo tempo em que reside em Kiev, o brasileiro tem muitos amigos na cidade e observa a desconfiança dos ucranianos em relação às negociações de paz. "Como eu falo o idioma, como eu converso, como eu leio também todas as notícias no Instagram e no Telegram, minha opinião – e não é uma opinião generalizada, mas é uma grande porcentagem –, ninguém aqui na Ucrânia acredita em acordo nenhum. Até porque eles, os russos, não dá para confiar", afirma.Moreno nota uma hostilidade crescente de parte da população contra o presidente Volodymyr Zelensky. "Talvez aconteça uma reviravolta, talvez dentro da própria Ucrânia para essa guerra acabar. Talvez alguma coisa pró-Rússia, porque eu acho muito difícil qualquer cenário que a Ucrânia ganhe a guerra ou ganhe territórios. É muito difícil. As próprias pessoas, o próprio ucraniano não vê isso como possibilidade", destaca. O brasileiro viveu seis anos na Rússia e tem uma filha que mora em Moscou. "Meus amigos aqui, por exemplo, que são patriotas, eles xingam a Rússia, eles xingam o Putin, mas, por outro lado, todos eles já queriam viver em paz. Chega um ponto que a pessoa só não quer mais guerra, só quer que acabe."Entre vítimas civis e militares, sem falar em desaparecidos, o balanço humano da guerra na Ucrânia continua difícil de ser estabelecido. Zelensky disse em meados de fevereiro que mais de 46 mil de seus soldados morreram em combate e outros 380 mil ficaram feridos. Fontes ocidentais relataram números superiores, que variam de 50 mil a 100 mil soldados ucranianos mortos no campo de batalha.A Rússia não comunicou suas perdas desde o segundo semestre de 2022, quando reconheceu menos de 6 mil soldados mortos. No final de 2024, o então secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd Austin, falou em 700 mil soldados russos mortos ou feridos. A esse balanço, deve-se somar os soldados norte-coreanos usados por Moscou como força de ataque à Ucrânia: entre 1.100 mortos, segundo Seul, e 3 mil, de acordo com Kiev.

    Séries brasileiras conquistam Berlinale com linguagens inovadoras e temas urgentes

    Play Episode Listen Later Feb 22, 2025 6:28


    Não foram apenas os curtas e longa-metragens brasileiros que brilharam nesta 75ª edição da Berlinale, na capital alemã, em 2025. Um outro mercado promissor, o das séries brasileiras, ganhou espaço e conquistou holofotes no Festival Internacional de Cinema de Berlim. Márcia Bechara, enviada especial da RFI a BerlimExemplo disso é a série De Menor, assinada pela diretora Caru Alves de Souza, veterana do festival berlinense que conquistou o prêmio do Júri Internacional com o longa Meu Nome é Bagdá, em 2020. De Menor, a série, convidada especial da seção Generation este ano, é uma espécie de spin off do primeiro filme homônimo da cineasta paulistana, que ganhou as telas brasileiras em 2013, e usa de uma linguagem não naturalista para criar um "olhar crítico" sobre a situação de adolescentes desassistidos e marginalizados no Brasil.  "A proposta da série não busca oferecer respostas definitivas para essa situação, pois, como cineastas, não temos todas as ferramentas necessárias para isso. Nosso objetivo é, na verdade, fazer um chamado ao espectador, incentivando-o a refletir sobre esse contexto", diz a diretora."Os episódios exibidos aqui na Berlinale incluem o primeiro, que aborda a história de um adolescente negro pego usando drogas e julgado como traficante, uma situação bastante comum no país. Já o terceiro episódio se passa inteiramente dentro de um programa de TV, quase como uma transposição da audiência para o formato sensacionalista, típico desses programas que já emitem um julgamento imediato", antecipa.Terror brasileiroJá a série de terror Reencarne, de Bruno Safadi, que fez sua estreia mundial no Festival Internacional de Cinema de Berlim, acompanha um ex-policial que é abordado por uma mulher que diz ser a reencarnação de seu falecido parceiro de trabalho, com um elenco que conta com o ator guineense Welket Bungué, além de Julia Dalavia, Taís Araujo, Enrique Diaz e a portuguesa Isabél Zuaa."Minha expectativa é apresentar uma série de terror que, embora tradicionalmente associada a narrativas norte-americanas, é uma produção brasileira. A trama se passa no interior de Goiás, uma região do Brasil que raramente é retratada nesse tipo de gênero. Trata-se de uma história que também foge dos clichês do imaginário das narrativas brasileiras. Com um elenco majoritariamente negro, acredito que Reencarne traz novas imagens do Brasil para o mundo", diz o diretor Bruno Safadi. Juan Jullian, um dos criadores de Reencarne, explica um pouco sobre o processo de criação da série. "Essa série foi aprovada em 2021, durante um pitch realizado pela TV Globo, que buscava histórias com protagonismo negro. Passamos um ano no processo de desenvolvimento e escrita, seguido de meses de filmagem, o que tornou essa jornada longa até chegarmos à Berlinale. Acredito que a série representa uma iniciativa legítima, sendo criada e escrita por autores negros e LGBTQIA+. É mais uma série de terror com protagonismo negro, o que é uma contribuição importante para o gênero", contextualizou.O diretor Bruno Safadi ressalta a importância da Berlinale como vitrine para as séries brasileiras. "A Berlinale é um dos três maiores festivais de cinema do mundo, com 75 anos de história. A trajetória do cinema passa por aqui, e as séries têm ganhado cada vez mais destaque, não só no cenário global, mas também nos festivais de cinema. Participar com uma série brasileira em um evento tão importante e tradicional como o Festival de Berlim é, sem dúvida, uma honra", afirmou em entrevista à RFI em Berlim, na sede do Berlinale Series Market.Veterano da Berlinale, onde já concorreu ao Urso de Ouro com o longa Joaquim, em 2017, e cujo filme O Homem das Multidões foi exibido na mostra Panorama, em 2013, o diretor pernambucano Marcelo Gomes assina agora sua primeira série, Máscaras de Oxigênio (não) Cairão Imediatamente, inspirado da história real de comissários de bordo que traziam remessas clandestinas do medicamento AZT para doentes de HIV na época em que a epidemia de Aids tomou conta do Brasil. "Quando a Morena Filmes me apresentou o projeto, fiquei muito emocionado, por diversas razões. Primeiramente, porque vivi os anos 1980 e 1990, ainda que fosse muito criança na época, e aqueles anos foram marcados por uma realidade terrível. O preconceito e a intolerância em relação às pessoas HIV positivas eram imensos. A série se constrói a partir dessa trama de intolerância brutal. Em um dos episódios, um dos personagens diz que a AIDS caiu como um "tailleur" na caretice, uma referência à forma como a sociedade lidava com a questão e também o descaso das autoridades públicas na época", lembra o diretor Marcelo Gomes."Essa história precisa ser contada aos jovens que não sabem nada sobre aquele momento da história. Precisamos aprender com os erros do passado. Mas também é importante que ela seja relembrada pelas pessoas que viveram aquela época, para que nunca se esqueçam do que aconteceu, especialmente em um momento como o que o mundo atravessa hoje, com novas ondas de intolerância", sublinha."Há três anos, o Brasil teve um governo que foi extremamente intolerante com a comunidade LGBTQIA+, o que torna essa narrativa ainda mais relevante. Fiquei muito emocionado ao recordar tantas pessoas que conheci e que, infelizmente, morreram devido ao preconceito", destaca."Era um momento extremamente difícil, pois não existia nenhum medicamento eficaz, com exceção do AZT, que só foi liberado nos Estados Unidos. As autoridades brasileiras demoraram cinco anos para aprovar o AZT. Durante esse período, o que aconteceu foi uma rede de solidariedade: comissários de bordo, que viajavam para os Estados Unidos toda semana, começaram a trazer o medicamento em quantidades cada vez maiores para ajudar as pessoas. Assim, formou-se uma verdadeira rede de apoio, um 'contrabando do bem', como costumamos dizer, para salvar vidas", detalha Marcelo Gomes sobre o enredo da série.A Berlinale fica em cartaz na capital alemã até o dia 23 de fevereiro. 

    Produção audiovisual de indígenas do Brasil é destaque em evento acadêmico na França

    Play Episode Listen Later Feb 14, 2025 7:42


    Um seminário internacional realizado nesta quinta-feira (13), na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS), na região parisiense, visa trazer debates artísticos, antropológicos e sociais a partir da produção audiovisual contemporânea dos povos indígenas na América Latina. Em paralelo, a associação Autres Brésils organiza a exibição especial Caméra-Flèche, no sábado (15), que irá apresentar quatro curtas inéditos do cinema indígena brasileiro, com a presença dos cineastas Olinda Yawar Tupinambá e Ziel Karapotó. Luiza Ramos, da RFIO seminário internacional “Motyrõ: artes indígenas e cinema na América Latina” contou com a apresentação de projetos de pesquisadores e professores da França e do Reino Unido sobre povos originários da Bolívia, México e Brasil, que abriram os debates sobre o tema nesta quinta-feira, antes da exibição dos filmes.Esse é o primeiro seminário sobre a produção audiovisual indígena que Christian Fischgold, pesquisador e professor na EHESS desde 2023, organiza em conjunto com Jamille Pinheiro Dias, da Universidade de Londres, e a professora Lúcia Sá, da Universidade de Manchester. “Para debater sobre esse tema temos a presença de dois cineastas e artistas indígenas brasileiros que são: a Olinda Tupinambá e o Ziel Karapotó. São dois artistas jovens que participaram da última Bienal de Veneza representando o pavilhão brasileiro, são dois artistas com uma obra que dialoga com diversas questões acerca do colonialismo, de novas linguagens, de questões de gênero, de corpo e então são artistas realmente muito interessantes para falar com a comunidade acadêmica nesse evento”, diz Christian Fischgold. Nova geração de artistas indígenas “em todos os lugares”Olinda Tupinambá, artista, cineasta e jornalista, que faz parte da Rede Katahirine, uma rede audiovisual dirigida por mulheres indígenas, foca seu trabalho em questões ambientais. Ela, que é originária do sul da Bahia, detalhou à RFI a importância da atual visibilidade da produção audiovisual dos povos originários brasileiros, principalmente para indígenas da região Nordeste, que muitas vezes são desvalorizados, segundo ela, por não serem parte do biotipo do indígena amazônico.“Nós, povos indígenas, vivemos por muitos anos sendo vistos com o que as outras pessoas falavam sobre nós. Então existia um certo romantismo, de alguma forma coisa mais caricaturesca do que as pessoas esperam do que é indígena. E eu acho que quando a gente entende a importância dessa ferramenta, que é o audiovisual, a gente usa ela para mostrar quem nós somos e essa diversidade. Ao mesmo tempo, dizer que nós estamos em todos os lugares”, destaca Olinda Tupinambá.Para a jornalista, no Brasil ainda “é difícil para as pessoas entenderem a complexidade do que são os povos indígenas. Então existia sempre um olhar que era um olhar do colonizador sobre a gente. Muitas vezes preconceituoso, de que só existe indígena, por exemplo, na Amazônia. O meu trabalho também vem para descontextualizar e falar: nós somos indígenas do Nordeste e a gente está nesse contexto”, aponta. Olinda vê no audiovisual indígena “uma ferramenta de denúncia”, que se iniciou com a luta pela terra e hoje tem como prioridade a questão ambiental.Olinda Tupinambá apresentará no evento de sábado seu filme 'Ibirapema', feito para uma exposição de arte da Pinacoteca de São Paulo. A obra conta a história de uma mulher indígena que vivia num tempo mítico e ao comer carne humana é transportada para a cidade de São Paulo e tem seus primeiros contatos com a arte ocidental. “Eu costumo dizer que foi um filme divisor de águas na minha carreira de artista porque, de fato, foi a primeira vez que eu começo a trabalhar com essa questão de pesquisa de arte”, conta a documentarista.  A sofisticação da arte indígena contemporâneaZiel Karapotó, que teve seu trabalho apresentado na última Bienal de Veneza em 2024, exibirá no sábado seu documentário ficcional ‘Paola', ao lado de sua colega Olinda Tupinambá e outros artistas indígenas convidados. Ele também contou à RFI sobre sua produção artística e suas influências. “Eu sou formado em artes visuais pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), mas eu tive a oportunidade de transitar e trabalhar com muitas linguagens. Porque hoje eu tenho consciência que eu já nasci imerso. A gente já nasce cantando, dançando ali [na aldeia], imerso sobre nossas relações culturais, e hoje, eu entendo isso como arte, uma arte potente, uma arte realmente forte”, descreve.Karapotó, que também é artista plástico e realiza performances, comentou ainda sobre as novas ferramentas de artes integradas à produção indígena contemporânea, sobretudo no cinema. Para ele, a arte indígena vai muito além do artesanato tradicional, e faz refletir sobre diversas temáticas sociopolíticas que dizem respeito às comunidades originárias brasileiras.  “A gente vem para romper esse lugar e esse entendimento do que é a arte indígena. A arte indígena é sempre colocada em um lugar muito rudimentar, no passado, do início da história da arte brasileira. E a minha geração vem mostrar que a arte indígena é orgânica, é sofisticada e é capaz de usar as novas linguagens e novos códigos a seu favor. Sempre mantendo códigos tradicionais, sua base tradicional e cultural”, sublinha o jovem artista.Intitulada 'Caméra-Flèche: Caminhos do cinema indígena no Brasil', a exibição de quatro curtas ocorre neste sábado, às 18h, no cinema L'Ecran de Saint Denis, que vende ingressos para a sessão que deve seguir com debates na presença dos diretores presentes.No programa: - Rami Rami Kirani - o poder transformador da ayahuasca nas mãos das mulheres Huni Kuin - Minha Câmera, Minha Flecha - a câmera como arma de luta e memória - Paola - uma jornada entre o documentário e a ficção no coração da amizade e das raízes Karapotó - Ibirapema - uma jornada poética entre a mitologia indígena e a modernidade urbana Christian Fischgold adiantou à RFI que um segundo seminário na temática das artes indígenas deve acontecer na EHESS ainda no primeiro semestre de 2025.

    "Malu", retrato de uma atriz brasileira insubmissa, libertária e iluminada estreia em festival na França

    Play Episode Listen Later Feb 8, 2025 6:05


    “Malu” é um pequeno grande filme. Pequeno mesmo, só o orçamento e o calendário apertado. Mas o primeiro longa de Pedro Freire, na verdade, é enorme, com atuações transbordantes, direção certeira e tudo mais de que precisa um grande filme. O filme fez sua estreia francesa nesta sexta-feira (7), no festival Regards Satellites que acontece em Saint Denis, na região parisiense. Patrícia Moribe, em ParisO filme conta os últimos anos da atriz Malu Rocha (1947-2013), mãe do cineasta, que fez carreira no teatro, trabalhando com nomes como Gianfrancesco Guarnieri, Plínio Marcos e Flávio Rangel. Ela estreou no palco em 1969, no Teatro Oficina, de José Celso Martinez Correa. Figurativamente, Malu Rocha nasceu e morreu no Oficina, pois seu velório também aconteceu no local icônico.“Foi um velório muito peculiar, com vinho, baseados de maconha”, relembra Freire. “Foi quase uma encenação, com o caixão dela no meio do palco com uma luz bem teatral e várias fotos da carreira dela espalhadas. A questão da maconha era importante para ela. Nem eu, nem minha irmã somos maconheiros, mas ela era muito maconheira. Então resolvemos no velório dela distribuir baseado para as pessoas. Foi uma festa muito bonita, muito pagã. E nesse velório eu pensei ‘cara, essa mulher precisa de um filme'. E aí passei alguns anos elaborando até conseguir escrever o roteiro.”“Malu” traz no elenco atrizes com trabalho sólido em teatro. Yara de Novaes, premiada atriz e diretora de teatro, com pouca passagem no audiovisual, faz o papel principal. Juliana Carneiro da Cunha, um dos grandes nomes do teatro francês (Théâtre du Soleil), faz a mãe, dona Lili.  E Carol Duarte, que despontou no filme “A Vida Invisível de Euridice Gusmao”, de Karim Ainouz, é a filha Joana – que é, na verdade, uma personagem que é uma fusão do próprio diretor e de sua irmã, a atriz e diretora Isadora Ferrite.Freire conta que optou por atrizes de teatro porque buscava profundidade psicológica, de profissionais acostumadas a ensaios. “Foram três semanas de ensaio e três semanas de filmagem”, explica.Luminosa"Minha personagem é uma mulher maravilhosa, uma atriz brasileira, sobretudo de teatro, que nasceu na década de 40 e viveu o auge da sua profissão durante a ditadura militar", conta Yara de Novaes. "Ela compreendeu que o palco poderia ser também um lugar de luta. O filme tem um recorte temporal, que é o momento em que a Malu já está um pouco decadente, social e fisicamente, com o início de uma doença neurodegenerativa. Há um embate geracional muito interessante e profundo no filme, dela com a filha e a mãe. Malu foi uma mulher libertária e contraditória, maravilhosa, luminosa, intensa, insubmissa."“Malu” é o primeiro longa de Pedro Freire, apesar da bagagem de muitos anos trabalhando no cinema brasileiro. Ele dirigiu oito curtas e trabalhou em 17 longas de outros diretores em funções diversas: assistente de direção, diretor de casting e preparador de elenco, além de escrever roteiros.Freire apresentou a ideia à produtora Tatiana Leite há quase oito anos, pouco antes do desmonte da cultura brasileira na era bolsonarista. “Durante alguns anos, a gente ficou no desenvolvimento do roteiro. Ele escrevendo e eu dando feedback”, conta Leite. “E não tinha nenhuma perspectiva de captação – alguns estados, durante o caos total, tinham mantido uns fundos regionais, mas na época, o Rio estava parado e foi muito duro. Assim, é muito difícil passar o pires no exterior quando você não tem nada nacional para dar uma credibilidade – sobretudo sendo um primeiro longa-metragem”.Pouco dinheiro, muita garraO projeto saiu do papel após ganhar um edital da Rio Filme. Na sequência, Tatiana Leite foi atrás de parceiros. Com capital mínimo, a equipe foi se formando e as atrizes, se juntando ao projeto. “Eu fiquei muito impressionada com a força da Yara, da Carol e da Juliana. E também tem cenas tipo monólogo da Juliana, que todo mundo ficou de cara, a equipe inteira parada, hipnotizada por essa mulher”, relata a produtora. A estreia foi no festival de Sundance, nos Estados Unidos, seguido de outros no mundo todo, com muitos prêmios e críticas positivas. A distribuição na França ainda está sendo negociada. A produtora conta, um pouco chateada, que alguns compradores alegam que o filme não apresenta os elementos típicos que esperam de um produto brasileiro: miséria, violência urbana, indígenas ou universo queer. “Acho idiossincrático porque, ao mesmo tempo, acho o filme muito brasileiro”, diz. “Malu” foi apresentado na França no festival Regards Satellites, em Saint Denis, região parisiense, com presença das atrizes Yara de Novaes, Juliana Carneiro da Cunha e Carol Duarte, além da produtora Tatiana Leite.

    Claim Reportagem

    In order to claim this podcast we'll send an email to with a verification link. Simply click the link and you will be able to edit tags, request a refresh, and other features to take control of your podcast page!

    Claim Cancel