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Confira aqui as análises, entrevistas e repercussões de notícias que você pode ouvir e baixar. As reportagens +RFI propõem a cobertura de eventos importantes no mundo inteiro feita pelos repórteres e correspondentes da Rádio França Internacional.

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    'Fonsequismo' invade Roland-Garros: torcida do brasileiro João Fonseca marca torneio de tênis francês

    Play Episode Listen Later May 30, 2025 10:48


    Você já ouviu falar do "Fonsequismo"? Os lugares na quadra para ver João Fonseca jogar são disputadíssimos. O brasileiro é uma das estrelas mais brilhantes de Roland-Garros este ano. Número 65 do mundo, ele superou o francês Pierre-Hugues Herbert, 147 do ranking mundial, na quinta-feira (29), garantindo a classificação para a terceira fase de Roland-Garros. O jogo na tarde deste sábado (31) na quadra Simone Mathieu é contra o número 5 do mundo, o britânico Jack Draper, que eliminou uma lenda do tênis francês, Gael Monfils. Torcida, porém, não vai faltar ao carioca, como mostra a RFI nessa reportagem especial sobre a febre João Fonseca em Paris.  Maria Paula Carvalho, de Roland-GarrosA reportagem da RFI tem acompanhado as façanhas de João Fonseca no saibro francês ao lado de torcedores brasileiros. "A expectativa é a maior possível. Acho que o João é muito talentoso, tem tudo para ser o número 1 do mundo, é o sonho dele, né? ", acredita Cléber Aguiar, engenheiro que veio do Rio de Janeiro. Encontramos com ele novamente após a partida em que Fonseca eliminou o dono da casa por 3 a 0. "Claro que deu, só podia dar Brasil, o João joga muito," comemorou.   A confirmação dos resultados vai aumentando a expectativa em torno do jovem João Fonseca no Grand Slam francês. Essa atenção toda tem um nome: "Fonsequismo", explica Luis Felipe Oliveira, anestesista de Santa Catarina. "João Fonseca, nosso querido da torcida brasileira", confirma Éder Barbosa, professor de tênis e mais um dos fãs do tenista que a RFI encontrou em Roland-Garros."Ele é muito jovem, você vê que ele nem se cansou tanto, tem bastante automotivação, fala com ele mesmo, acho que ele vai dar muita alegria ainda para os brasileiros nesse Roland-Garros", acredita Taiane Ridão, bancária de Santa Catarina. As filas para ver o carioca jogar chamam atenção no complexo esportivo, localizado na zona oeste de Paris. "Nós estamos há duas horas e meia nessa fila, a organização bota o João para jogar numa quadra pequena", lamentava Gustavo Félix, médico de Niterói. O jeito, então, é chegar cedo. "A gente chegou 30 minutos antes para ver o João, porque é o sonho dos brasileiros. Estamos aqui só para isso", diz David Ludolf, influenciador do Rio de Janeiro.  Torcida de anônimos e de famosos. No meio da arquibancada, o ator e apresentador Rodrigo Hilbert também ficou impressionado. "Foi a minha primeira vez assistindo o João. Que menino incrível, como tem garra, como tem força, como tem concentração", avalia. "Mas o que me chamou atenção é que ele medita quando está sentado esperando voltar para o jogo", observou.   O lugar de Fonseca já é no coração dos brasileiros, diz Sérgio Freih, engenheiro. "Eu acho que ele tem talento, ele tem vontade, ele é um cara humilde e vai chegar lá com essa humildade", aposta. Nome que virou verboOs apelidos carinhosos se multiplicam. "A galera está toda 'Fonsequizada', eu já vou para o outro lado, eu criei um apelido: o 'Fonfon' , do meu coração", diz Raquel Pitta, torcedora de Belo Horizonte. "A gente vai levando essa torcida onde quer que ele esteja, a gente vai torcendo pelo Fonseca para que ele se saia bem", continua. "É muito impressionante a maturidade dele, já tão novo, como ele se relaciona bem com essa fama que ele alcançou em pouco tempo", destaca a torcedora. O desempenho e o carisma de João Fonseca faz dele uma estrela também nas redes sociais. O seu perfil no Instagram alcançou 1 milhão de seguidores, enquanto o do jogador francês Arthur Fils, por exemplo, não chega a 200 mil seguidores.  A RFI perguntou ao próprio João Fonseca sobre a fama repentina. "Quando eu cheguei ao Rio esse ano, só falavam desse 'Fosequismo'. 'Fonsequizado.' Hoje, uma menininha estava com uma camiseta 'Fonsequizada'. Eu achei demais", disse o atleta. "Eu acho que esse carinho com a torcida brasileira é muito legal. Eu tenho 18 anos, há três anos era eu pedindo autógrafo aos jogadores e hoje vejo criancinhas se inspirando em mim, dizendo que eu sou um ídolo. Volta e meia, recebo fotos de que sou tema de festa de aniversário, que legal!", acrescenta.  Interesse da imprensa internacional A fama de João Fonseca chegou antes dele a Roland-Garros e a imprensa internacional fala da "febre" João Fonseca. "Estamos muito interessados e mal podemos esperar para ver o que vai acontecer. É a primeira vez que o vemos de verdade. A sua performance contra Rublev na Austrália nos deu o alerta: atenção, talvez exista um super jogador, jovem, que chega", explica Arnaud Valadon, jornalista do canal francês RMC Sport. "Ele tem um jogo muito ofensivo, que agrada. Vimos o seu jogo na primeira rodada. Tinha uma fila enorme para poder entrar e até espectadores que estavam na quadra central, ao lado, olhavam da sacada o jogo do João Fonseca. Ele está realmente atiçando a nossa curiosidade", diz. Os franceses, como os brasileiros, são acostumados ao saibro. A terra batida, como se fala na França. Palco onde outro brasileiro fez história. "Eu tinha 10 anos quando Guga [Kuerten] jogou aqui e me fez sonhar diante da minha televisão", lembra Valadon. "Quando ele desenhava corações na quadra central, no saibro, e seria bom se tivesse de novo essa mesma história de amor, porque cada vez que Guga volta aqui, é muito aclamado. Ele marcou uma geração de apaixonados de tênis", afirma."Tinha o cabelo, o jeito que ele falava francês com um sotaque brasileiro que nós amamos. Talvez seria bom se o João falasse francês, algumas palavras, isso nós adoramos, isso nos seduziria ainda mais, mas, sobretudo, que ele ganhe, pois é isso que o coloca em evidência. Ele pode ser o novo queridinho, nós gostamos muito dos brasileiros na França", conclui.  Admiração dos colegasA RFI também perguntou a outros jogadores o que faz João Fonseca despontar. Bia Haddad, 23ª do mundo, diz que "o João é um menino muito bacana. Parece sempre muito educado, generoso e parece ter pessoas muito especiais em volta dele, tanto do time quanto da família". Segundo a tenista, "ele com certeza tem qualidades para brigar, para estar entre os melhores do mundo. Mas o caminho é longo, o caminho é duro, tem que ser um passinho de cada vez", aconselha a paulista."Na minha carreira, eu aprendi que o tênis é uma maratona, não é um tiro de 100 metros. E eu vou estar sempre na torcida por ele, com certeza, e desejo que ele conquiste tudo o que pode conquistar", disse. O jogador fascina até a própria família. "A gente coloca muita fé nele porque ele sempre surpreende a gente", diz a tia, Paula Fonseca. Alguns torcedores, no entanto, são mais cautelosos. "Eu acho que as pessoas têm que aguardar. Ele é uma celebridade, é um diferencial, mas a pressão negativa pode ser muito ruim, vamos aguardar", diz, com prudência, Ana Valéria Silva, servidora pública do Rio de Janeiro.  "Às vezes é exagerado. Comparam com o Guga, cada um é cada um. O Guga é tricampeão aqui e tem que respeitar a história dele", argumenta Márcio Ridão, professor de Santa Catarina. "O João vai fazer a história dele também, mas não precisamos de ídolos, a gente torce porque ele é um bom brasileiro, e é isso", resume.  Sonho realizadoPara João Fonseca, um dos grandes desafios é tentar ignorar as expectativas. E para isso, conta com uma equipe afinada. "É importante para mim agora, um garoto jovem e em evolução, estar entre pessoas boas que me ajudam a fortalecer e tem o mesmo objetivo que eu. E eles estarem me protegendo de expectativas, de pessoas falando muito, acho que isso é muito bom", afirma o tenista. "Quanto mais eu estiver focado no meu tênis, no que eu tenho que fazer e não estiver focado na mídia, nas comparações, acho que meu tênis vai melhorar e eu vou ter uma carreira mais bem sucedida", continua o jogador, que não gosta de comparações, mas diz que realiza um sonho.  "Sim com certeza é um sonho realizado estar na segunda rodada de Roland-Garros, jogar um torneio que os brasileiros veem em peso pela história do Guga e, obviamente, tenho um sonho maior de ganhar aqui", promete.  Exemplo se dá em quadra e fora dela, lembra o presidente da Confederação Brasileira de tênis (CBT), Alexandre Reis de Farias. "Eu acho que o João tem inspirado muitas pessoas, muitas pessoas começaram a jogar tênis depois do João. Eu acho que o tênis brasileiro cresce muito com isso", disse em entrevista à RFI. "Eu acho que o Brasil precisa de um ídolo e o João está se tornando esse ídolo que a gente almeja".  João Fonseca tem novo encontro marcado com a torcida neste sábado, em Paris. 

    Arte brasileira na Fundação de Paulo Coelho e Christina Oiticica na Suíça

    Play Episode Listen Later May 30, 2025 10:41


    Três artistas brasileiros se apresentam juntos numa mesma exposição em Genebra, na Suíça. A mostra “Dichotomie”, que reúne obras de Christina Oiticica, TxaTxu Pataxó e fotografias de Sergio Zalis, tratam da ancestralidade, da natureza e da conexão simbólica. A RFI entrevistou os três no novo espaço dedicado às artes da Fundação que leva o nome do escritor Paulo Coelho e da mulher dele, a artista plástica Christina Oiticica.  Valéria Maniero, correspondente da RFI em Genebra, na SuíçaChristina conta que o projeto está sendo feito há seis anos. Primeiro, ela pintou os quadros em Genebra, depois os enterrou na margem do rio Arve. Em seguida, enviou as telas para o artista Pataxó Txa Txu, de 26 anos, da Aldeia Porto do Boi, localizada no território Indígena de Aldeia Barra Velha, em Caraíva, sul da Bahia. Txa Txu desenvolve a arte do grafismo Pataxó e trabalhou em parceria com Christina. “Ele fez a interferência e enterrou na aldeia dele, embaixo de uma árvore muito poderosa, um pé de gameleira, que tem as raízes super profundas. Aí, ficou trabalhando lá”, explica a artista plástica, que é referência em LandArt e já enterrou obras em lugares como Japão, Índia, Brasil e Suíça. Raízes brasileiras na vida e nas telas  A RFI perguntou à artista plástica se essa mostra, que inaugura um novo espaço dedicado a exposições da Fundação Paulo Coelho e Christina Oiticica, tinha muito de Brasil. Ela também falou sobre as mensagens que as pinturas, grafismos e fotografias queriam passar. “Nós somos brasileiros. Moro aqui na Europa há uns 25 anos e esses trabalhos são as nossas raízes. As minhas raízes são brasileiras. São muito simbólicos esses desenhos tribais que os indígenas tatuam na pele quando têm ritual de matrimônio, de guerra, de batizado. E são trabalhos muito preciosos para mim. Quando eu mandei lá para o Sul da Bahia, para o Txa Txu, ele também sentiu uma coisa muito forte”, disse. Segundo ela, “Dichotomie” é um convite à contemplação de metades que não se opõem, mas que se completam em harmonia. “São partes que dialogam e se fundem para formar um todo vivo, pulsante e sagrado'.  Txa Txu: “uma honra mostrar a cultura indígena”A RFI também conversou com Txa Txu, que falou sobre a sua participação na mostra e o que representava para ele estar na Suíça, apresentando o seu trabalho.“É uma honra, não só para mim, mas para o meu povo, estar mostrando o grafismo do povo pataxó, que é uma cultura de muita resistência. Quando eu recebi as telas lá no meu território, foi um momento de nós estarmos em conexão com a mãe natureza, porque as telas ficaram enterradas no pé de uma árvore muito poderosa para o povo pataxó, uma árvore onde moram todos os espíritos da natureza, e principalmente os espíritos dos nossos velhos que já fizeram as suas partidas. Mas nós acreditamos que eles morreram em carne, mas o espírito está lá para proteger o nosso povo”, afirmou.Para o artista Pataxó, “é uma honra muito grande estar fazendo essa parceria com a Christina Oiticica, de estar mostrando a cultura do Brasil, que é a cultura indígena”. “Então, viva o povo pataxó e viva todos os povos indígenas do Brasil”, afirmou. Fotografias que mostram “um jeito diferente de ver a natureza”A exposição também conta com fotografias de Sérgio Zalis retratando a floresta, com imagens feitas em Haia, na Holanda, e no Jardim Botânico, no Rio de Janeiro. As imagens revelam a textura, a força e a complexidade da vegetação.À RFI, Sérgio, que trabalhou 40 anos em revistas no Brasil, explicou como foi o processo de criação desse projeto, o seu primeiro com a natureza. De acordo com ele, trata-se de um trabalho “profundo”, porque são 60 fotos juntas em cada uma “para mostrar uma profundeza que raramente o olho vê”. “Hoje em dia, com o excesso de imagens que a gente está tendo, ver esse tipo de imagem dá um descanso, uma calma muito grande. É um trabalho que é lento, que demora muito para fazer, porque são 60 fotos. Depois, elas têm que ser montadas para ter a qualidade que eu quero, porque se você vir as fotos, não têm nada fora de foco. São meio hiper realistas, até meio imersivas. Então, é um jeito diferente de ver a natureza”, disse. A exposição na Fundação Paulo Coelho e Christina Oiticica, em Genebra, com curadoria de Marcelo Mendonça, vai até o dia 31 de outubro. A entrada é gratuita.

    Filho de Sebastião Salgado, Rodrigo desafia os limites da deficiência em sua 1ª exposição na França

    Play Episode Listen Later May 26, 2025 9:35


    A exposição "Rodrigo, une vie d'artiste" será aberta ao público na terça-feira (27) com trabalhos de Rodrigo Salgado, 45, filho da curadora e designer Lélia Wanick Salgado e do premiado fotógrafo Sebastião Salgado, que faleceu em 23 de maio, às vésperas da abertura da mostra. O vernissage acabou se tornando uma homenagem ao fotógrafo no último sábado (24), já que Sebastião Salgado realizou a iluminação da mostra, sendo este um de seus últimos trabalhos em vida. Luiza Ramos, de Reims Uma seleção de 80 quadros e algumas esculturas ficará exposta no prédio da antiga igreja do Sagrado Coração de Reims, a cerca de uma hora de trem de Paris, até o dia 10 de setembro."Rodrigo, une vie d'artiste" é uma exposição que demonstra as fases da vida de Rodrigo Salgado, que nasceu com a síndrome de Down, e aos oito anos descobriu na arte um meio de se expressar.   Em entrevista um dia antes da morte de Sebastião Salgado, Lélia contou à RFI que Rodrigo, que mora na França desde seu nascimento, sempre foi incentivado pelo pai: "Ele prestava atenção às fotografias, a todas as exposições do Sebastião. Ele viajou para fazer reportagem com o Sebastião. Uma época ele fazia muita fotografia também".O talento de pessoas com deficiência Na mesma entrevista, Lélia Salgado descreveu o prazer em expor as obras do filho mais novo e falou da importância da inclusão de pessoas com deficiência no mundo das artes."Eu sou curadora e cenógrafa de exposições de fotografia, mas essa é completamente diferente. (...) Eu quis mostrar essa exposição, primeiro para trazer uma felicidade enorme para ele e também para mostrar que o mundo tem que olhar os excepcionais de outra maneira. É muito importante que todo o mundo veja que eles têm talento como qualquer outra pessoa. Basta a gente ajudar para que esse talento apareça. E é muito bonito", reforçou Lélia.Para a viúva de Salgado, a exposição mostra as fases da vida de Rodrigo de forma clara, com os contrastes e uso de muitas cores em alguns momentos mais alegres. E mais recentemente, nos últimos anos, quando Rodrigo passou a enfrentar um declínio cognitivo, afetando sua fala, e limitando sua mobilidade, a designer observou o uso de riscos mais secos e tons mais escuros, que depois foram voltando a ter cor e movimento. O que, segundo ela, significa a aceitação do filho por sua condição de motricidade reduzida nesta fase de sua vida.Trabalho eternizado em vitraisAlém das obras, os visitantes poderão observar 16 vitrais criados a partir dos desenhos de Rodrigo Salgado, e que permanecerão em definitivo no prédio da igreja do Sagrado Coração de Reims, hoje dessacralizada.O processo de criação dos vitrais, que durou um ano, foi realizado pelo atelier Simon-Marq de Reims, especializado em vitrais desde 1640, como detalhou a diretora Sarah Walbaum à RFI: "A transposição do trabalho de Rodrigo para vitrais foi bastante simples, pois ele já tem em sua obra as demarcações que permitem separar as peças de vidro. Então foi simplesmente uma questão de encontrar as boas cores de vidro. Nós usamos folhas de vidro artesanais que são todas diferentes umas das outras. Escolhemos as cores, cortamos peça a peça à mão e montamos com chumbo para fazer essas 16 janelas". Sarah Walbaum especificou ainda que o minucioso trabalho requereu o tratamento especial do chumbo, que foi posicionado camada a camada como se fosse uma malha, para conferir a rigidez ideal ao vitral. Em seguida, procedimentos e impermeabilização foram aplicados aos vitrais que, segundo a diretora, ficarão para sempre iluminando o antigo templo católico.O diretor do estúdio Sebastião Salgado em Paris, Fernando Eichenberg, contou este era um projeto antigo da família Salgado, já que os pais já vinham guardando os desenhos do filho mais novo e chegaram a mostrar para alguns amigos e galeristas, que ficaram encantados com a capacidade de criação de Rodrigo, e demonstravam desejo de adquirir obras do desenhista."O próprio artista Michel Granger [pintor francês], que acolheu Rodrigo no atelier dele, reconheceu todo o seu talento. E houve essa oportunidade de fazer esses vitrais nessa igreja dessacralizada, então veio a ideia de fazer uma exposição de todas as obras dele, mostrar junto com os vitrais (...) A vida dele é pintar, sempre foi. A ideia é mostrar os diferentes tipos de obras que ele fez ao longo da vida e são trabalhos impressionantes, são de artista mesmo", enfatizou.Em contato "com todo tipo de arte" Lélia Salgado explica que o filho sempre teve uma vida imersa em arte, o que o incentivou a criar. "Realmente é a vida do Rodrigo, a vida do nosso filho, esse filho que sempre foi tão alegre, tão satisfeito de pintar. Ele acorda 5h da manhã para pintar, ele é uma pessoa que é realmente um artista, ele só pensa nisso, ele come e vai pintar, levanta e vai pintar. É uma coisa maravilhosa", revela a mãe e curadora."Nossa vida sempre foi vida de arte. Eu sempre toquei piano, pintei. Sebastião é fotógrafo. O nosso filho mais velho [Juliano Salgado] é cineasta. Então o Rodrigo viveu numa casa que tem muita arte. Nossos amigos artistas sempre frequentaram muito a nossa casa. Em todas as grandes exposições o Rodrigo ia, eu levava. A gente sempre frequentou museu, exposições", disse Lélia, que também fundou com o falecido marido o Instituto Terra, dedicado à restauração florestal.A designer revelou ainda uma amizade inusitada da vida de artista de Rodrigo: "Sabe o Chico Buarque? É muito amigo dele. Chico ia jantar lá em casa, ele chegava antes da gente chegar do trabalho. Quantas vezes eu vi o Chico com o violão ensinando ao Rodrigo e cantando para o Rodrigo. Tão bonito. (...) As pessoas vão à nossa casa e ele recebe todo mundo com tanto prazer. Um verdadeiro artista. Por isso que a gente botou 'Rodrigo, une vie d'artiste', porque é exatamente uma vida de artista, a vida do Rodrigo", concluiu Lélia Wanick Salgado.

    País convidado de honra, Brasil teve participação recorde no Mercado do Filme de Cannes

    Play Episode Listen Later May 22, 2025 6:20


    O Marché du Film (Mercado do Filme) do Festival de Cannes, que este ano teve o Brasil como convidado de honra, terminou nessa quarta-feira (21). A participação brasileira no maior evento da indústria cinematográfica mundial foi recorde e positiva, segundo os organizadores. Mas a produtora e diretora-executiva da Ong Nicho 54, Fernanda Lombo, que não integrou a delegação oficial, criticou em Cannes a distribuição de verbas públicas para o setor.  A delegação oficial do Brasil no Marché du Film de Cannes, liderada pela ministra da Cultura Margareth Menezes, era composta por 65 profissionais. Mas segundo dados do Mercado do Filme, mais de 400 brasileiros se cadastraram este ano, ampliando a visibilidade do cinema nacional no evento e a possibilidade de acordos. Além de uma vasta programação de encontros, palestras e debates, o Brasil estava presente com os estandes do Cinema do Brasil (programa de promoção comercial do cinema brasileiro no mercado internacional), Spcine (Empresa de cinema e audiovisual da cidade de São Paulo) e RioFilme (da cidade do Rio de Janeiro). Cinema do Brasil participa do Mercado do Filme de Cannes há 18 anos. Para André Sturm, presidente da entidade, tudo estava reunido para que este ano tivesse uma participação excepcional. “Delegação recorde de produtores, filmes na seleção oficial, filme na competição pela Palma de Ouro, filmes em outras seleções, uma presença marcante. Nós tivemos um prêmio importante no Festival de Berlim, o Oscar de melhor filme Internacional pela primeira vez, e agora o Brasil o país [convidado] de honra [em Cannes], uma conexão astral muito positiva”, resume Sturm. Parceiras internacionaisA Spcine marca presença em Cannes há 4 anos com um estande e trouxe 10 empresas paulistanas nesta edição do Marché du Film. A participação foi superpositiva na opinião de Lyara Oliveira, presidente da Spcine, que anunciou duas novas importantes parcerias durante o evento. A primeira parceria é entre Spcine, RioFilme e Projeto Paradiso, com um importante fundo Internacional, o Hubert Bals, sediado em Amsterdã. Esse anúncio “repercutiu muito bem aqui, junto ao setor brasileiro, junto ao setor Internacional", indica Lyara Oliveira. "O Hubert Bals não é só um fundo que coloca recursos (em novas produções), mas é um fundo também que dá uma chancela para um projeto”, explica.O outro anúncio foi o lançamento de um edital inédito de coprodução internacional com África do Sul. Essa parceria “vai contemplar dois projetos brasileiros e dois 2 projetos da África do Sul que tenham conexões de coprodução entre os 2 países”, detalha a presidente da Spcine. Brasil como set de filmagens A RioFilme festeja que dois dos filmes selecionados este ano, o curta “Samba Infinito” na Semana da Crítica, e o documentário “Para Vigo Me Voy”, são produções cariocas. A agência e distribuidora de cinema do Rio de Janeiro trouxe para o Mercado cerca de 50 empresas que participaram de dezenas de reuniões.  “O primeiro objetivo é criar essas conexões qualificadas entre as empresas cariocas, realizadores cariocas e o mundo. Cannes é superimportante porque todo mundo está aqui. São mais de 15.000 pessoas de 140 países”, ressalta Leonardo Edde, presidente da RioFilme. Como também faz a Spcine, outro objetivo “é promover a cidade do Rio de Janeiro como destino cinematográfico, como destino para grandes eventos. Hoje, você consegue filmar praticamente em qualquer lugar da cidade, com total apoio da Film Commission, da prefeitura do Rio de Janeiro”, garante Leonardo Edde. Apoio para o desenvolvimento de projetos O Mercado do Filme é o espaço onde produtores e cineastas confirmados ou independentes, veteranos ou novatos, buscam parcerias, financiamentos e coproduções para seus projetos. O brasileiro Rodrigo Ribeyro foi um dos jovens selecionados para a Residência Artística do Festival de Cannes e apresentou durante o evento o projeto de seu primeiro longa-metragem, tentando captar recursos e “conseguir coproduções para tirar o projeto do papel”.  O jovem cineasta pôde, durante os primeiros dois meses da Residência Artistica, desenvolver sua ideia de filme. “Foi um período de muito foco, muito trabalho. Eu chego no festival já muito tranquilo, com a versão mais madura para o momento atual”. Ele espera poder começar a filmar seu primeiro longa, talvez, em 2027.  “É um filme que de alguma forma dialoga com os (meus) curtas-metragens que são praticamente todos filmados na Serra da Cantareira e sempre tratando dessa dinâmica conflituosa e complexa entre a vida urbana e a vida que seria rural, por assim dizer, adicionando camadas de um realismo fantástico que eu sempre quis trabalhar”, revela. Cinema fantástico O longa “Love Kills”, de Luiza Shelling Tubaldini, mostrou em Cannes o gênero fantástico no cinema brasileiro. O filme foi o único do Brasil a participar do Fantastic Pavillon/Blood Window, programa voltado aos gêneros de horror, suspense e fantasia da América Latina e Espanha, no Marché du Fim. Ambientado no centro de São Paulo, o filme sobre a história de amor de uma jovem vampira preta e um humano, está em fase de finalização e estreará em breve nas telas. “A gente teve uma recepção absolutamente maravilhosa e estar aqui junto ao mercado de Cannes foi também um grande prazer”, conta Luiza  Shelling Tubaldini. Críticas à distribuição de verbas do setor O Instituto Nicho 54, que marca presença em Cannes já há alguns anos, não integrou a delegação oficial do Brasil. A Ong foi convidada pelo Mercado do Filme e organizou o painel “As vozes da maioria no cinema, os 54% de negros do Brasil não podem esperar”.  Segundo Fernanda Lombo fundadora e diretora-executiva do Nicho, essa “foi uma experiência única e inédita, na verdade histórica, que uma organização preta trouxe para cá uma narrativa sobre a realidade do que nos acontece no Brasil e, a partir disso, atrair parceiros”. Ela enumera as várias “necessidades” para apoiar os profissionais pretos e aumentar a participação deles no setor. “Maior investimento na formação de empresários e de profissionais; maior participação no acesso de investimento à produção e à distribuição; internacionalização.” Fernanda Lombo critica a falta de transparência da atual distribuição de verbas públicas para o setor. De acordo com ela, os profissionais pretos estão sendo preteridos. “A gente está vivenciando um fenômeno de muito concentração de recursos, de uma desproporcionalidade em relação ao investimento, sobretudo público. Na medida em que a concentração de recursos vai para empresas hegemônicas, que a gente entende que são lideradas por profissionais brancos, não há um compromisso estabelecido pelo estado, pelo governo, para que essas empresas diversifiquem as suas contratações”, denuncia. A diversidade no setor cinematográfico atualmente é “um retrato de retrocesso que lembra muito uma realidade do Brasil de 10 anos atrás”, completa. O Mercado do Filme terminou, mas o Festival de Cannes continua até sábado, 24 de maio, com o anúncio dos vencedores desta 78ª edição. O Brasil está na disputa pela Palma de Ouro com “O Agente Secreto” de Kleber Mendonça Filho. 

    Arte e arquitetura do Brasil são tema de exposição na Maison de Le Corbusier em Paris

    Play Episode Listen Later May 19, 2025 7:41


    Uma exposição em Paris reúne obras de artistas brasileiros traçando um paralelo da arte nacional e da arquitetura modernista no Brasil com o arquiteto e urbanista franco-suíço Le Corbusier. A mostra "Aberto" está em sua quarta edição e acontece fora do país pela primeira vez, numa proposta cultural que integra as ações da Temporada França-Brasil 2025. "Aberto" 4 está em cartaz na Maison La Roche, no 16º arrondissement de Paris. Cerca de 35 obras estão expostas na casa de Le Corbusier, um prédio tombado como Patrimônio Mundial da Unesco, e que foi idealizada pelo próprio arquiteto.Filipe Assis, fundador do projeto, diz que teve a ideia de unir arte e arquitetura. “Escolhemos a casa do Le Corbusier, e esta não é qualquer casa, mas uma das mais importantes da produção dele como arquiteto. E por ele ter essa relação rica com o Brasil, contamos aqui um pouco da história da arquitetura brasileira, da relação que Corbusier teve com Lúcio Costa, com Oscar Niemeyer e a influência que ele teve posteriormente na arte brasileira”, contou, já adiantando que o plano é levar o projeto para outros países.“Geralmente a gente tem um núcleo em torno da figura do arquiteto que projetou a casa que estamos ocupando", explica Kiki Mazzucchelli, uma das curadoras da exposição. "Em cada uma das edições tivemos sessões um pouco mais biográficas, que contavam um pouco da história da casa e do arquiteto. E aqui não foi diferente”, detalhou.Arte e arquitetura integradasA curadora comentou que houve um trabalho minucioso para integrar a arte aos espaços existentes. “Quando fazemos a curadoria do 'Aberto', pensamos muito no espaço. Como usamos espaços inusitados, que não são feitos para serem expositivos, levamos muito em consideração a arquitetura. O que temos aqui nessa exposição da Maison La Roche é uma grande mistura. Então, na grande galeria do monsieur La Roche, que era um grande colecionador, e que tinha as próprias obras expostas nesse espaço, fizemos uma seleção de obras de artistas históricos, ligados ao concretismo e ao neoconcretismo. Mas a maioria das obras contemporâneas foi de obras comissionadas, ou seja, foram diálogos com cada artista que respondeu a algum aspecto da prática do Le Corbusier", conta. "Alguns optaram por dialogar com as cores que ele escolheu para essa casa, outros com o pensamento da arquitetura moderna que ele introduziu no Brasil. Enfim, são vários olhares distintos em relação a essa figura do Le Corbusier, menos como uma grande influência, mas mais com a criação de diálogos com essa obra vasta, que perpassa a arquitetura e a arte”, disse. Le Corbusier e o BrasilLauro Cavalcanti é pesquisador e especialista nas obras de Le Corbusier e de Lúcio Costa, tendo escrito três livros sobre as ligações do arquiteto francês com o Brasil. Ele, que também integra o grupo de curadores da mostra, conta que a relação de Le Corbusier com o país se deu ao longo de toda sua vida e que foi muito importante também para um outro grande nome da arquitetura brasileira.“Nos anos 20, Le Corbusier percorreu a América do Sul fazendo conferências, nessa ocasião fez um esboço de um plano de cidade para o Rio e se apaixonou. Sete anos depois, Lúcio Costa, a quem tinha sido encomendado o Ministério da Educação (atual Edifício Gustavo Capanema, no Rio de Janeiro), chamou Le Corbusier para ser consultor. E junto a uma equipe de jovens arquitetos brasileiros, eles fizeram esse prédio que entrou para a história da arquitetura mundial. E a solução final foi dada por Oscar Niemeyer.  Então, Le Corbusier deu ao Brasil muito, recebeu muito também, porque foi a oportunidade dele provar que não era só um teórico. Mas ainda nos deu Oscar Niemeyrer, porque ele se revelou em um trabalho com ele. Ninguém achava que Niemeyer fosse o gênio que foi”, contou.Do Paraná para a EuropaUm dos artistas a expor na "Aberto", Sidival Fila falou sobre a importância da experiência, a primeira vez em que participa de uma exposição coletiva com grandes artistas brasileiros. Ele, que trabalha com tecidos antigos, é de Arapongas, no Paraná, mas vive e atua em um convento de irmãos franciscanos em Roma, na Itália, há 20 anos.“Meu trabalho é criar essas formas internas construindo e reconstruindo a superfície e elaborando uma imagem, criando a tridimensionalidade, volume, luz, integração entre fios e fundo”, explicou ele, monstrando um quadro comporto por um tecido em seda, feito à mão, datando de meados de 1800, um material "raro e precioso", ressalta. A "Aberto 4", na Maison La Roche, fica em cartaz até o dia 8 de junho e os ingressos, que custam €10, podem ser adquiridos diretamente na entrada da instituição. 

    Produzidos por Karim Aïnouz, curtas mostram 'um outro Brasil' na Quinzena dos Realizadores de Cannes

    Play Episode Listen Later May 15, 2025 5:52


    A décima edição da Director's Factory (Fábrica de Diretores) da importante mostra paralela de Cannes, Quinzena de Realizadores, promove este ano jovens cineastas brasileiros. Batizado este ano de “Fábrica Ceará Brasil” o evento teve este ano um produtor de prestígio: o cineasta Karim Aïnouz.  Adriana Brandão, enviada especial da RFI a CannesApós dois anos seguidos em Cannes na competição oficial pela Palma de Ouro, (em 2023 com o "Jogo da Rainha", e em 2024 com "Motel Destino") Karim Aïnouz volta a participar do festival, mas desta vez como produtor. O cineasta brasileiro produziu os quatro curtas-metragens da Fábrica de Diretores da Quinzena dos Realizadores. Todos os filmes foram rodados em Fortaleza, cidade natal de Aïnouz. O cineasta negociava com a Quinzena dos Realizadores essa participação, que mostra outras narrativas cinematográficas brasileiras nas telas de Cannes há algum tempo. “Eu falei, deixa a gente mostrar para o mundo que tem outro Brasil, porque tradicionalmente, historicamente, é sempre muito do Rio e São Paulo”, lembra, ao lado dos jovens talentos que apoia. Ele ressalta a importância da visibilidade de um “outro Brasil” exatamente nesse ano em que o país é o convidado de honra do Mercado do Filme de Cannes. “É uma espécie de abre alas. (Uma) celebração de uma cinematografia periférica e invisível. O público que estava na sala descobriu personagens e histórias que são inéditas. Tem gente ali na tela que a gente não viu no cinema ainda. É uma espécie de reparação histórica”, diz. Apoiar novos talentosA Fábrica de Diretores da Quinzena dos Realizadores visa apoiar novos talentos. Os quatro curtas-metragens desta edição estrearam em Cannes na quarta-feira (14). Cada curta foi roteirizado e realizado por um diretor do nordeste ou norte do Brasil, em parceria com um jovem cineasta de um outro país. Os oito jovens que integram o programa este ano foram selecionados em setembro do ano passado e tiveram poucos meses de produção e filmagem. Todos vieram a Cannes para participar da estreia e também poder negociar financiamentos e coproduções para a realização de seus próximos filmes. “Ponto Cego”, foi codirigido pela cearense Luciana Vieira e pelo cubano Marcel Beltrán. O filme se passa no Porto de Fortaleza e conta a história da Marta, uma engenheira de sistemas que conserta câmeras de segurança do local.  “É o filme que fala sobre o silenciamento feminino, sobre a necessidade de interromper certos ciclos de violência e sobre como isso pode se dar dentro do ambiente de trabalho”, revela Luciana.Vitória coletivaEstar em Cannes "não é só uma vitória pessoal, mas uma vitória coletiva", disse a cearense. "Espero estar honrando nosso estado, nosso país. Estar aqui representando mulheres nordestinas, mulheres que também não ocupam esse espaço com tanta frequência. Podemos agora ser exemplos e espelhos para as novas gerações que vão vir aí também”, espera Luciana. “A Vaqueira, a Dançarina e o Porco”, foi escrito e dirigido pela alagoana Stella Carneiro, em parceria com português Ary Zara. O filme é um “faroeste translésbico” e uma história de vingança, com uma estética bem diferente. “A gente quis fazer um filme bem disruptivo, trazendo protagonismo para pessoas que normalmente não ocupam esse gênero de cinema tão tradicional”, conta Stella. Como Luciana, Stella ressalta a oportunidade de estar em Cannes como nordestina. “Como alagoana e como uma mulher que vem de origem negra, eu acho que é um espaço que a gente não estava acostumada a ocupar. Trazer isso refletido no cinema que a gente está fazendo era muito importante”, afirma. “A Fera do Mangue” é codirigido pela cearense Wara e pela israelense Sivan Noam. “A nossa história é sobre um mangue encantado, dominado por um feiticeiro que abusa das mulheres. Até o dia em que uma das vítimas decide libertar a fera que existe dentro dela e se vingar”, conta Wara. Para ela, "Cannes também representa uma abertura de portas que vai significar muito. Não só para a gente, mas também para as pessoas que futuramente vão vir para cá apresentar seus filmes, apresentar suas narrativas, independentemente de onde sejam: Nordeste, Norte, ou o restante do Brasil”.Violência de gênero e mulheres resistentes“Como Ler o Vento” é uma obra conjunta do amazonense Bernardo Ale Abinader e da francesa Sharon Hakim. E o único dos quatro curtas a não abordar a violência de gênero, mas que traz também como protagonistas mulheres.  “É um filme sobre 2 mulheres. Uma ensina conhecimentos ancestrais para a outra. É um filme sobre transmissão”, resume o diretor. "Essa participação no maior festival de cinema do mundo será transformadora. Essa experiência está sendo incrível e vai significar muito para minha carreira em termos de novas experiências que eu adquiri por conta do trabalho com a Sharon e com a equipe incrível. Também vai transformar minha carreira por conta de todas as pessoas que eu conheci, networking que fiz e, claro, poder apresentar o meu projeto de longa-metragem nesse festival", antecipa. A escolha dos temas foi feita separadamente por cada dupla e foi uma coincidência que cada três dos quatro curtas abordem a violência de gênero, “que reflete uma realidade do Nordeste e do mundo”, salienta Stella. “Sem planejamento, sem orientação, acabamos trazendo histórias sobre mulheres fortes, resistência e ancestralidade”, indica Bernardo Ale Abinader. Karim Aïnouz, que acompanhou todo o processo de produção e filmagens, diz, brincando, só sentir “que faltou um pouquinho de alegria”. O premiado diretor de “A Vida Invisível de Eurídice Gusmão” vai continuar apoiando, como produtor, jovens diretores para mostrar, a Cannes e ao mundo, outras histórias e caras do Brasil. 

    Teatro brasileiro é homenageado no Festival de Avignon, o maior evento de artes cênicas do mundo

    Play Episode Listen Later May 12, 2025 6:45


    A escolha do Brasil como país "convidado de honra" do Festival Off de Avignon em 2025 marca, segundo Harold David, copresidente da associação que promove a mostra paralela, neste que é o maior evento de artes cênicas do planeta, "o início de uma colaboração de longo prazo entre a França e o Brasil". Em entrevista à RFI, David destaca que essa escolha é mais do que simbólica: segundo ele, trata-se de um "ponto de partida estratégico" que ele espera "perdurar no futuro". Onze companhias brasileiras farão parte da mostra paralela que em 2025 completa 59 anos, neste que é o maior evento de artes cênicas do mundo.Alguns nomes e peças dessa programação brasileira foram anunciados em evento na embaixada brasileira de Paris, como os espetáculos Selvageria, de Felipe Hirsch, História do Olho, de Janaina Leite e o coletivo Núcleo do Olho, além de Azira'I, de Zahy Tentehar. Eles se incluem numa extensa programação de 1.724 peças na oferta teatral de 2025, com a presença de 1347 companhias de teatro, francesas e estrangeiras. A expectativa, segundo a previsão da organização, é de vender mais de 6 milhões de ingressos. "Desde o começo da nossa conversa com a Funarte, a ideia era que essa presença brasileira não fosse um evento isolado, mas sim a base de uma cooperação contínua", afirma. O objetivo, segundo David, é criar uma "dinâmica recorrente", com "companhias brasileiras vindo regularmente a Avignon, impulsionadas pelo sucesso da primeira participação e pelo interesse do público francês"."Espero que, nos próximos anos, tenhamos 10, 12 companhias brasileiras todos os anos, que essa presença se torne natural", projeta. Ele vê nessa continuidade uma oportunidade não apenas de exposição para os artistas brasileiros, mas também de intercâmbio, com agentes culturais brasileiros descobrindo grupos franceses e levando-os de volta ao Brasil.Do lado brasileiro, a Funarte se declarou ativamente engajada na 59ª edição do Festival Off de Avignon, em 2025, conforme detalhou o produtor e representante da instituição brasileira Oswaldo Carvalho, que atua como ponto focal entre a instituição e a AF&C, a associação francesa de artistas que promove o evento paralelo. Para além do eixo Rio-São Paulo"A Funarte está apoiando a ida de 10 jovens atores, produtores e realizadores de teatro que vão participar de uma imersão num programa voltado exatamente pra isso — com jovens do mundo todo. Então a Funarte está apoiando essa participação com passagens aéreas, recursos pra estadia, tudo isso durante o festival", diz."Além disso, a gente também está colaborando com a organização, com a produção do festival, pra construir uma programação paralela que represente o Brasil também. Um exemplo disso é o Le Son du Off, no Village du Off — um espaço que apresenta shows e atividades ao longo de toda a programação do festival, oferecendo ao público momentos de convivência, de celebração mesmo. Lá tem música, tem apresentações, e a Funarte está participando também dessa parte da programação", conta."A presidenta [da Funarte] Maria Marighella sempre traz essa ideia, que eu considero muito importante, da 'ofensiva sensível'. Nosso teatro é múltiplo, tem muitas diversidades — especialmente as regionais. E é muito bacana ver que estão vindo espetáculos de fora do eixo Rio-São Paulo, o que consideramos importante", afirma Carvalho.Internacionalização e resistência culturalA proposta se insere na estratégia mais ampla do festival de promover a internacionalização das artes. "Queremos não apenas aumentar e diversificar a presença internacional no Off, mas também permitir que as companhias francesas circulem mais, que se exportem melhor", explica Harold David.Segundo o diretor, esse movimento de abertura tem um peso ainda mais relevante no contexto atual. "Vivemos uma época em que as fronteiras se fecham, o protecionismo se impõe. Eu, pessoalmente, acredito que isso é um beco sem saída para a humanidade", afirma. Para ele, os artistas e suas obras são veículos essenciais para lembrar que "o outro não é uma ameaça, mas uma riqueza a ser partilhada".O ator e diretor brasileiro Antônio Interlandi, radicado na França há mais de 30 anos, é uma figura central na colaboração cultural que este ano leva companhias teatrais do estado de Goiás ao Festival de Avignon. Com uma longa história de participação no festival, Interlandi agora atua como elo entre o evento e a cultura brasileira, especialmente a goiana, de onde ele vem.De Goiás para o mundo"Esta será a segunda vez este ano que trabalho colaborando com a secretária de Cultura do estado de Goiás, que tem uma política de financiamento de projetos culturais muito interessante, especialmente através da Lei Aldir Blanc", conta."Este ano, eles lançaram um edital que está permitindo a três companhias de teatro virem do estado de Goiás para o Festival de Avignon. Tudo isso já estava em andamento quando o festival decidiu que o Brasil seria o convidado de honra. Eles querem trazer ainda dois espetáculos do Festival de Avignon para se apresentarem em Goiás, promovendo essa troca", aponta o ator e diretor, que se apresenta este ano no Off de Avignon com o espetáculo musical La roue de la vie."Além disso, o Harold David me pediu para acompanhar, por exemplo, na semana que vem, um jornalista de uma revista importante aqui na França chamada Télérama. Ele é jornalista de teatro que vai encontrar quase a totalidade dessas companhias brasileiras em São Paulo, Recife e Goiânia, para, em seguida, produzir um encarte especial na revista que será lançado na ocasião do Festival de Avignon", revela Interlandi.Descobertas além do BrasilApesar do destaque ao Brasil, o festival também abrirá espaço para outras culturas menos representadas na cena francesa. "Vamos apresentar artistas do Cazaquistão, do Uzbequistão… regiões que são ainda mais abstratas para o público francês do que o Brasil", aponta o copresidente da associação que promove a mostra paralela. A circulação das obras, segundo Harold David, "permite a circulação de ideias" e contribui, inclusive, para a defesa da democracia: "É conhecendo outras realidades que conseguimos imaginar futuros diferentes para o nosso próprio país".Apoio aos artistas estrangeirosPara facilitar essa participação internacional, o Festival Off implementou dois programas de apoio. O primeiro é o WAM – World Professional Performing Art Meetings, voltado para jovens em início de carreira. “Dez jovens profissionais brasileiros virão este ano graças a uma parceria com a Funarte. Nós cobrimos hospedagem, alimentação e programação cultural e pedagógica em Avignon. Os voos internacionais ficam por conta dos parceiros locais”, explica David.O segundo programa, inédito em 2025, é o Off Grants, que oferece bolsas de até 2.000 euros para ajudar nas despesas de deslocamento de companhias estrangeiras. “Sabemos que o custo da viagem é uma das maiores barreiras, especialmente para quem vem de outros continentes. Queremos aliviar essa carga”, afirma. As bolsas cobrem até 50% dos custos e devem beneficiar entre 10 e 15 projetos este ano. "É um projeto-piloto, mas esperamos ampliá-lo no futuro."Como participarO formulário de inscrição para os programas será enviado diretamente às companhias estrangeiras. “O site do festival traz informações gerais, mas o processo de candidatura se dá por meio de um formulário que enviamos hoje para os grupos internacionais”, esclarece o diretor.O Festival Off fica em cartaz de 5 a 26 de julho em Avignon, no sul da França. 

    Como Brasil, Guiana Francesa quer explorar petróleo na Amazônia

    Play Episode Listen Later May 12, 2025 7:32


    O movimento pela retomada da exploração petrolífera na costa da Guiana Francesa é liderado por políticos locais, como o deputado Jean-Victor Castor. No Brasil, a autorização para a exploração de petróleo na Foz do Amazonas ainda não saiu. Ibama continua avaliando os estudos de impacto ambiental na região apresentados pela Petrobras. Mas segundo o pesquisador Gustavo Moura, o Instituto de Geociências da Universidade Federal do Pará, os dados estão incompletos.  Como o Brasil, a Guiana Francesa quer explorar petróleo na Amazônia. Os políticos locais reivindicam a retomada de prospecção petrolífera ao largo da costa do território francês, vizinho do Amapá. A exploração foi suspensa em 2019 pela multinacional francesa Total após o fracasso de suas buscas. Desde então, entrou em vigor na França a Lei Hulot de proteção do meio ambiente que proíbe a extração de petróleo em todo o território nacional  Os defensores da retomada da exploração acreditam que há petróleo no local em abundância, como nos vizinhos Suriname, Guiana e na Foz do Amazonas no Brasil. Eles denunciam uma hipocrisia de Paris e pedem a revogação da Lei Hulot. A reportagem da RFI conversou em Caiena com o deputado Jean-Victor Castor, do grupo Esquerda Democrata e Republicana, representante da Guiana Francesa na Assembleia Nacional. “Temos que sair dessa hipocrisia. A Guiana Francesa tem muitos recursos, seja de mineração, petróleo ou gás. Eu Jean-Victor Castor, deputado pela Guiana Francesa, junto com o meu colega Davy Rimane e outros parlamentares de guianenses, somos a favor não que esse assunto seja de novo debatido, somos a favor da revogação da Lei Hulot”, defende.   Até agora, um único ministro, Manuel Valls da pasta dos Territórios Ultramarinos, se mostrou favorável a reabrir o debate sobre a retomada da exploração de petróleo na região.Recursos para desenvolver a Guiana FrancesaO deputado de esquerda lembra que mais 90% da Guiana Francesa é coberta pela Floresta Amazônica e que sua pegada de carbono é baixa, ao contrário da França. Os recursos do petróleo são necessários para desenvolvimento do território de 300 mil habitantes, 60% deles em situação de pobreza.  Segundo ele, “a Guiana Francesa contribui fortemente para a proteção do meio ambiente e para a redução das mudanças climáticas do planeta. Não podemos penalizar a Guiana Francesa a ponto de não serem asseguradas as necessidades mais básicas de acesso à água, acesso à eletricidade, educação”.    Ele acusa a França de manter o território em uma situação de subdesenvolvimento. “Há várias décadas, tudo o que foi planejado pelas autoridades públicas fracassou simplesmente porque a França não quer investir na Guiana Francesa”, afirma. E para garantir que os recursos do petróleo sejam efetivamente investidos na Guiana Francesa, Jean-Victor Castor, que é independentista e integrante do Movimento pela Descolonização e Emancipação Social, reivindica também mais autonomia para o território francês da América do Sul.  “A Guiana Francesa deve conquistar a plena soberania, mesmo que por etapas, com uma fase transitória. Mas o que é fundamental entender é que não podemos, por um lado, pedir para ter acesso aos nossos recursos, principalmente petróleo e gás, e não ter competência para poder decidir quem terá as autorizações de exploração”, demanda. Eles querem evitar sair de uma "situação colonial para uma situação neocolonial".Impacto ambiental Do outro lado da fronteira, no Brasil, a polêmica sobre a defesa do governo do presidente Lula de explorar petróleo na Foz do Amazonas continua. O Ibama avalia os estudos de impacto ambiental na região apresentados pela Petrobras. Mas segundo o pesquisador Gustavo Moura, o Instituto de Geociências da Universidade Federal do Pará e coordenador do projeto Maretórios Amazônicos, os dados estão incompletos.“São esses estudos de impacto ambiental que vão dizer como é que se deve agir, inclusive em caso de acidente. A gente encontrou diversos problemas, principalmente ligados à questão da área de influência, que tem sido delimitada no estudo, quanto também nos impactos que podem causar em povos e comunidades tradicionais na região, sobretudo as comunidades de pesca”.  Segundo o oceanógrafo, várias cidades que iriam receber resíduos ficaram de fora e o estudo estabeleceu áreas de pesca tradicional descontínuas. “Não existe território de pesca descontínuo porque eles não chegam de uma área à outra voando. Eles chegam navegando, e essas áreas, que são áreas de navegação, muitas vezes são parte do território de pesca também”, indica.  Consequentemente, fica difícil, em caso de derramamento, “dimensionar como isso vai afetar a cadeia produtiva, os produtos da sociobiodiversidade aqui na Amazônia”, completa, afirmando que “as consultas livres e prévias, informando as comunidades tradicionais” dos riscos e impactos não foram feitas. Gustavo Moura ressalta ainda que “o bloco fica muito próximo aos grandes sistemas recifais da Amazônia”. Por isso, ele “acha difícil que estudos consistentes mostrem que a exploração de petróleo nessa região não vá gerar um impacto inaceitável para a região”. Transição energética O discurso desenvolvimentista usado na Guiana Francesa também é usado no Brasil para justificar a exploração do petróleo na Amazônia. O governo brasileiro afirma que os recursos do setor são necessários para financiar a transição energética. Para ele, o Brasil envia um sinal negativo ao mundo, principalmente neste ano em que Belém recebe a COP 30. “Um sinal extremamente negativo. Todo mundo olha a região amazônica como um espelho do futuro da humanidade e, obviamente, a exploração de recursos fósseis não está dentro desse hall de coisas que a gente pensa enquanto alternativa de futuro. O que não nos responderam ainda é quanto de petróleo precisa ser vendido, a qual preço e durante quanto tempo para fazer o processo de transição energética?”, questiona O pesquisador considera que o Ibama está fazendo bem o papel dele. No entanto, Gustavo Moura está pessimista e estima que a autorização para a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, com impactos inaceitáveis para a região, vai acabar saindo. “Eu acho que eles têm uma pressão muito forte para liberar. Tendo a acreditar que vai ser liberado e da pior forma possível, sem resolver muitos desses problemas que eu coloquei anteriormente”, conclui.

    “Aumenta que é Rock'n'Roll” leva dois prêmios no Festival de Cinema Brasileiro de Paris

    Play Episode Listen Later May 7, 2025 8:36


    A sessão de encerramento do Festival de Cinema Brasileiro de Paris, na última terça-feira (6), foi marcada pela exibição de Homem com H, cinebiografia do cantor Ney Matogrosso, dirigida por Esmir Filho, e também pela entrega de três prêmios. Malu foi o filme escolhido pelos jurados do Prêmio Pass Culture, uma novidade do festival. A produtora do filme, Tatiana Leite, subiu ao palco do cinema L'Arlequin para receber a homenagem. Este foi o 15º prêmio recebido pelo longa-metragem dirigido por Pedro Leite, que retrata aspectos da vida de sua mãe, Malu Rocha, conhecida artista de teatro que vive um caos existencial.O longa narra momentos de afeto, mas também as dificuldades da relação de Malu, interpretada por Yara de Novaes, com sua mãe conservadora e sua filha.“Ganhar um prêmio em Paris é sempre muito importante, porque é a terra dos cinéfilos, é a terra do cinema independente. Acho que significa muito também receber de um júri jovem. Um filme brasileiro independente sobre um conflito geracional, de três mulheres que carregam seus traumas, perpassando um pouco a história política no Brasil, e tocar os jovens da periferia francesa, é muito emocionante”, diz Tatiana Leite, em referência também ao prêmio do Júri Jovem recebido no começo do ano no Festival Regards Satellites, nos arredores da capital francesa.Na sequência, os jovens estudantes da seção brasileira do Liceu Internacional do Leste Parisiense (LIEP) subiram ao palco para apresentar o resultado da votação dos três filmes selecionados para o público da escola de ensino médio."Aumenta que é Rock'n'Roll"Em terceiro lugar ficou Auto da Compadecida 2; em segundo, o documentário de Liliane Mutti, Salut, Mes AMI.E.S, sobre uma escola de ensino franco-brasileira em Niterói. O vencedor do festival foi o filme Aumenta que é Rock'n'Roll, dirigido por Tomás Portella, que conta a história de uma rádio decadente, a Fluminense FM, que se tornou icônica ao promover o rock nacional dos anos 1980.O mesmo filme também conquistou a categoria principal, o Prêmio do Público do Festival de Cinema Brasileiro de Paris, anunciado pela homenageada desta 27ª edição do evento, a atriz Dira Paes.“Levei um susto, porque é um filme da minha geração, sobre uma rádio que nasceu em Niterói em 1982, que lançou o rock brasileiro — da Blitz aos Titãs, passando pelo Cazuza. Um filme do Rio falar aos estudantes franceses e ao público francês é uma alegria. Ao mesmo tempo, o filme foi feito com muita sinceridade e retrata uma época cheia de esperança. O mundo está tão esquisito, que acho que a gente precisa reinventar a utopia e a esperança”, afirma Renata Almeida Magalhães, produtora do filme.Renata Magalhães, primeira mulher a assumir a presidência da Academia Brasileira de Cinema e Artes Visuais, diz esperar que os prêmios recebidos no festival abram portas para que o filme conquiste outros espaços de exibição na França. “Tomara que alguém se interesse pelo filme e que ele saia comercialmente aqui. A França é o lugar que ama o cinema múltiplo.”A edição 2025 do Festival de Cinema Brasileiro de Paris ofereceu, durante uma semana, uma mostra representativa da cinematografia brasileira, com a exibição de 31 filmes — entre obras de ficção e documentários — além de uma programação especial dedicada à Dira Paes, homenageada deste ano no evento.

    ‘Tinha uma COP no meio do caminho': pesquisadores já apontam impactos da COP 30 para Belém

    Play Episode Listen Later May 6, 2025 6:01


    A seis meses da Conferência do Clima de Belém, pesquisadores já pensam no impacto do megaevento para a capital do Pará, na Amazônia. Olga Lucia Castreghini de Freitas, coordenadora de um projeto de pesquisa sobre a COP 30, diz que a organização do evento tem pontos positivos e negativos. “O que a gente observa de mais problemático é a inexistência de formas de controle social e de participação”, afirma.  Belém recebe dezenas de obras para sediar a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas que complicam o dia a dia da cidade, mas prometem transformar a capital paraense. O projeto de pesquisa “COP 30 das oportunidades de transformações urbanas aos desafios para a participação e o controle social”, coordenado pela professora Olga Lucia Castreghini de Freitas, professora visitante do programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal do Pará (UFPA), visa fazer uma análise critica dos impactos do megaevento para Belém.  A expetativa era que por ser um encontro “não comercial”, que vai discutir a emergência climática e sediado na Amazônia, a organização seria “diferente e inovadora”.  Mas os preparativos da COP 30 repetem os erros do passado e frustram expectativas. Muitas obras, principalmente de saneamento, eram necessárias, estavam na gaveta há anos e só agora foram viabilizadas com os recursos disponibilizados, principalmente pelo BNDES e Itaipu Binacional, para a organização da COP.  “Belém é uma cidade que tem uma carência estrutural e histórica de obras, de saneamento, em especial. A COP tem potencializado o surgimento de investimentos e de recursos para uma série de obras de macrodrenagem, por exemplo. Isto é um ponto positivo”. A restauração de pontos turísticos de Belém, como o Mercado Ver-o-Peso, também é apontada como um ponto positivo da realização do evento pela professora Olga Castreghini de Freitas. Mas em nome da urgência para terminar tudo a tempo para a COP 30, que será realizada de 10 a 21 de novembro, as obras são feitas a toque de caixa e alguns processos desejáveis, como a transparência e a sustentabilidade, são atropelados.“O mais problemático, que a gente observa, é que as formas de controle social e de participação são inexistentes”, critica a geógrafa. Ela cita, por exemplo, as remoções para a realização de obras da COP. Remoções “Embora as áreas de remoção para as obras da COP sejam pontuais, nós não estamos falando de remoção em massa, elas impactam pessoas”, salienta. A reportagem da RFI foi até a obra do Parque Linear da Tamandaré, no bairro Cidade Velha. No local, onde há um canal e será construído um terminal hidroviário, espaço turístico e área de lazer, vários moradores já foram removidos e as casas destruídas. A RFI encontrou a moradora Oscarita. Ela estava “gostando” e achando o projeto “bonito”, até ser notificada para deixar a casa onde mora há décadas. “Eu perguntei: mas porque mexer com a minha casa se eu não moro na beira do canal? Ela me disse que vão fazer uma estação (de esgoto) aqui”, conta mostrando a casa de madeira branca e dois andares onde mora. “É uma casa simples, mas isso aqui para mim é um paraíso”, garante. Dona Oscarita diz que está “resistindo mentalmente” e que vai bater o pé, também por não concordar com o preço proposto, feito sem nenhuma avaliação ou vistoria da casa dela, informa. “Nem entraram na minha casa. O valor era R$ 80 mil, agora passou para R$ 96 mil. Esse valor eu não quero, porque esse valor aí não dá nem para comprar uma sepultura. Eu ainda não vou morrer!”, sentencia, rindo. Sustentabilidade Belém é uma cidade com alta informalidade na economia e um elemento simbólico importante envolvendo a organização é que muitos moradores veem o evento como uma oportunidade financeira para mudar suas vidas. O Jonathan Nunes, estudante de pós-graduação em Geoturismo da UFPA, acredita muitas pessoas “nem sabem o que é a COP e encaram o evento como uma festa” de oportunidades. Os preços exorbitantes cobrados por hospedagem em algumas plataformas seriam um bom indicador disso. Outra questão problemática é a realização de obras pouco sustentáveis. Duas grandes vias, a avenida Liberdade e a rua da Marinha estão sendo construídas ou ampliadas para solucionar problemas crônicos de mobilidade na região metropolitana, mas elas avançam sobre áreas verdes protegidas.  “São obras viárias baseadas no ideal do rodoviarismo, incrementando aquilo que a própria COP discute como potencializar das mudanças climáticas”, contextualiza Olga Castreghini de Freitas. A pesquisadora lembra ainda a polêmica, das “eco árvores”, que são estruturas artificiais criadas para fazer sombra.  “Isso é o tipo de coisa que, na minha opinião e na opinião do nosso grupo de pesquisa, conflitam com os próprios interesses e com a própria noção de sustentabilidade que está envolvida nos processos ligados à discussão da COP”, completa.Legado Para debater todas essas questões, o grupo de pesquisa e a UFPA organizaram, no final de abril, o seminário “Tinha uma COP no meio do caminho; nunca esqueceremos desse momento”, com a participação de pesquisadores e representantes da sociedade civil. A analogia com o poema do Carlos Drummond de Andrade “No Meio do Caminho”, foi feita por conta da “ideia de legado” que ele contém. “A ideia do ‘nunca nos esqueceremos é uma coisa que remete ao legado, uma fórmula discursiva muito recorrente, característica dos megaeventos. Em nome do legado, tudo se faz”, ressalta. No entanto, segundo Olga Castreghini, o legado não existe de forma “apriorística” e só em alguns anos será possível avaliar a permanência e pertinência das obras. "Por isso, a COP foi colocada no meio do nosso caminho, para o bem e para o mal. Eu acho que tem oportunidades e tem muitos desafios em relação a isso. Por isso que a gente fez essa reflexão sobre o meio do caminho", acrescenta.Apesar de tudo, e ao contrário do que defendeu Ailton Krenak em recente entrevista à RFI, professora Olga Lucia Castreghini de Freitas é favorável à realização da COP 30 em Belém. A maioria dos participantes da Conferência do Clima nunca esteve na Amazônia. Para a pesquisadora, “estar em Belém será uma oportunidade de entender o modo de vida das pessoas. Vai ser importante para tomar um choque de realidade do que é a Amazônia brasileira e não olhar só de fora, sem se envolver nesse bioma, que é fantástico”, resume.

    Cano usado por eurodeputado húngaro para fugir de orgia gay vira atração turística em Bruxelas

    Play Episode Listen Later May 5, 2025 6:29


    O local onde um eurodeputado tentou fugir de uma orgia gay em Bruxelas tornou-se um ponto turístico, ícone artístico e símbolo de protesto contra a repressão na Hungria. De Bruxelas, Artur CapuaniUm simples cano de esgoto em uma das esquinas da Rue des Pierres, no centro de Bruxelas, poderia passar despercebido como qualquer outro. Mas os adesivos, rabiscos e turistas que posam sorridentes para fotos ao seu redor revelam que ali se esconde uma história surpreendente. Esse simples encanamento tornou-se um símbolo da causa LGBTQIA+ e, de forma inesperada, um ponto de referência para visitantes da Hungria.“Sempre que meus amigos húngaros visitam Bruxelas, eles perguntam: ‘Onde fica o cano de esgoto?'”, conta o jornalista húngaro Roland Papp, correspondente do jornal Népszava (A Voz do Povo, em português) na capital belga. “Ele vai estar sempre coberto de adesivos, bilhetes e mensagens de húngaros.”A origem dessa curiosa devoção está ligada à figura de József Szájer, um dos fundadores do partido ultraconservador Fidesz e ex-eurodeputado aliado do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán. Szájer foi um dos principais articuladores das profundas reformas políticas realizadas na Hungria. Desde 2010, o governo nacionalista de Orbán tem ampliado seu controle sobre instituições, veículos de imprensa e restringido liberdades civis.Membro da União Europeia, a Hungria entrou em rota de colisão com a cúpula do bloco, que acusa o regime húngaro de violar os princípios democráticos e o Estado de Direito. A repressão ganhou novos contornos este ano com uma emenda constitucional que proíbe a realização da Parada do Orgulho LGBT em Budapeste, sob o argumento de "proteger as crianças".“A nova lei permite que as autoridades proíbam qualquer evento considerado contrário à chamada lei de proteção à criança”, explica Papp. “Este é o pretexto usado para tentar proibir a Parada de Budapeste — que ocorre há muitos anos.”A política conservadora de Orbán sofreu um forte revés em novembro de 2020, quando Szájer renunciou repentinamente a todos os seus cargos. Inicialmente, a motivação da renúncia foi ocultada sob o pretexto de “motivos familiares”, mas a verdade veio à tona poucos dias depois.O então eurodeputado foi flagrado tentando escapar de uma orgia gay, com pelo menos 25 pessoas, no centro de Bruxelas — em pleno lockdown da pandemia de Covid-19. Segundo noticiou a imprensa europeia, Szájer tentou fugir descendo por um cano de esgoto, do primeiro andar do prédio onde acontecia a festa, mas foi detido pela polícia na rua, carregando uma mochila com comprimidos de ecstasy.O episódio chocou a opinião pública húngara e europeia, revelando o contraste gritante entre a vida privada do político e as bandeiras anti-LGBT que defendia publicamente. Hoje, o cano de esgoto usado por Szájer tornou-se um inesperado ponto de resistência LGBTQIA+ e um lembrete irônico das contradições políticas da extrema direita europeia. Mais do que um escândalo pessoal, o episódio provocou um debate sobre hipocrisia institucional, repressão sexual e direitos civis.Cinco anos após o escândalo, József Szájer tenta se reerguer politicamente. Ele agora lidera um think tank ultraconservador na Hungria, ligado a Orbán. Enquanto isso, o país se prepara para uma das maiores mobilizações LGBTQIA+ de sua história: a próxima Parada do Orgulho em Budapeste, marcada para o dia 28 de junho, que promete ser a mais emblemática de 2025.Arte como respostaO caso de József Szájer inspirou o artista português Luís Lázaro Matos, que transformou o episódio no ponto de partida para uma obra crítica e simbólica, atualmente exposta no Museu de Arte Contemporânea de Gante, na Bélgica. No centro do mural, surge uma paisagem surrealista inspirada em Magritte, onde a bandeira da União Europeia aparece com suas estrelas substituídas por espermatozoides.“Esses espermas não estão à procura de um óvulo. Eles não representam reprodução no sentido heteronormativo”, explica o artista. “É uma imagem metafórica, quase fantasiosa, de uma União Europeia homossexual.” A composição inclui ainda cinco pinturas com figuras de ratazanas em posições ambíguas, suspensas em torno de canos de esgoto. A ideia surgiu enquanto o artista vivia em Paris, onde se deparava frequentemente com ratos nas margens do Sena.“Comecei a pensar neles como animais que vivem no submundo”, conta Matos. “É algo que dialoga com meu trabalho em geral, que muitas vezes usa animais como representação de características humanas.” Para o artista, no entanto, o projeto está longe de ser uma sátira ao político húngaro. “Não é uma crucificação do Szájer. Já houve muita gente que fez isso nos jornais e nas redes. É mais uma reflexão sobre a condição do homem gay no armário — que vive uma vida dupla, que politicamente defende uma coisa e, na vida privada, faz outra.”

    Festival de Cinema Brasileiro de Paris homenageia Dira Paes e lança documentário sobre Cazuza

    Play Episode Listen Later May 1, 2025 8:59


    Uma calorosa homenagem à atriz e diretora Dira Paes marcou a abertura do Festival de Cinema Brasileiro de Paris, na terça-feira (29). Além da exibição de filmes em competição, a 27ª edição do evento promoveu o lançamento mundial do documentário “Cazuza, Boas Novas”, sobre os últimos anos de vida do cantor e compositor. Na abertura do festival, a atriz paraense Dira Paes recebeu um prêmio pelo conjunto de sua carreira e pela contribuição ao cinema nacional. “De norte a sul do país, ela atravessa épocas, gêneros e lutas com uma presença luminosa”, diz a direção do festival, que programou cinco filmes emblemáticos de sua trajetória, entre eles “Anahy de las Missiones”, “Manas” e seu primeiro longa como diretora, “Pasárgada”. “Durante a homenagem fui relembrando a minha trajetória. E vi o quanto essa estrada é longa, 40 anos. Recebi essa homenagem num ano tão especial quanto o ano do Brasil na França e a COP 30 na minha cidade, Belém. Eu acho que foi uma confluência astral que me permitiu esse momento tão especial da minha vida, que eu vou me lembrar para sempre”, afirmou Dira Paes em entrevista à RFI.Na telona, “Vitória”, com Fernanda Montenegro no papel principal, foi o filme escolhido para a abertura do festival. Com a morte do diretor Breno Silveira no primeiro dia de filmagem, Andrucha Waddington assumiu o longa, baseado na história verídica de uma aposentada do Rio de Janeiro, Joana da Paz, que lutou e conseguiu denunciar a ação de traficantes de drogas e policiais corruptos que acabaram presos. O ator Alan Rocha, que vive um jornalista na trama, apresentou o filme, recebido com muito entusiasmo pela plateia que lotou o cinema L'Arlequin.“Esse filme presta muitas homenagens, à dona Joana, ao Breno e à nossa grande dama do cinema, a dona Fernanda (Montenegro). Estar aqui representando esse filme que traz essa grande artista brasileira, conhecida mundialmente, é muito importante e gratificante. Estou muito emocionado, muito feliz de estar aqui me assistindo mais uma vez nesse filme, mas num lugar diferente, como artista, em outro país”, disse o ator.Lançamento mundial de documentário sobre CazuzaImportante vitrine da cinematografia brasileira na França, o Festival de Cinema Brasileiro de Paris, fundado e dirigido por Katia Adler, oferece durante uma semana uma programação variada. Nesta edição, são oito filmes em competição, além de um panorama de obras de ficção e documentários que exploram a diversidade da produção, muitas delas exibidas com a presença de artistas e produtores que debatem com o público após as projeções.O documentário “Cazuza, Boas Novas”, que teve sua estreia mundial no festival, foi apresentado pelos produtores Guilherme Arruda, Roberto Moret e Malu Valois.O filme de Nilo Romero, que trabalhou com Cazuza, retraça com imagens de arquivo, fotos e vídeos, além de testemunhos de familiares e amigos próximos, os últimos dois anos de vida do cantor e compositor, que morreu de Aids em 1990.“Consideramos esse período o mais interessante da vida dele, porque quando ele recebe o diagnóstico da doença, ele muda um pouco a forma de enxergar a criação. Achamos que esse período da criação dele diz mais sobre o artista e a cultura brasileira. Além disso, o produtor musical (Nilo Romero) esteve muito próximo do Cazuza nesse período. Então foi unir o útil ao agradável. Achávamos que era um recorte histórico bem relevante”, destaca Moret. “Desde o início desse projeto, fizemos um pacto de reverenciar a memória do Cazuza”, acrescenta.Para Malu Valois, o filme tem também a vocação de mostrar Cazuza para diversas gerações. “O Cazuza tem uma coisa de poeta mesmo, ele escreveu coisas lindas que são atemporais. Todo mundo que escuta a obra do Cazuza é impactado, é sensibilizado, independentemente de ter convivido na mesma geração. Muita gente está conhecendo e vai conhecer o Cazuza através do nosso filme, e acho que vai ter um grande apaixonamento de novo do Brasil pelo Cazuza”, afirma, confiante, após avaliar a reação do público do festival parisiense.“O público reagiu super bem, rindo em momentos mais leves do filme. Isso é importante também, porque, apesar de ser um filme pesado, sobre uma pessoa que está adoecendo, tem também o Cazuza e essa sua leveza. Tínhamos um pouco de medo de o público não reconhecer esses momentos, de rir e interagir. Hoje foi uma amostra de que conseguimos isso, tem essa leveza apesar do tema pesado”, celebra Malu.A repercussão do público e da crítica no exterior é importante para preparar o lançamento do filme no Brasil, em julho, destaca o produtor Guilherme Arruda. “É muito difícil lançar documentário no Brasil. Estamos com uma expectativa boa de conseguir um bom número de salas no Brasil todo. Então festivais como este, e como o In-Edit, que vamos participar em breve, ajudam a ouvir a reação do público, das pessoas, da imprensa, para conseguir uma penetração em um número maior de salas quando ele for lançado. Por isso a estratégia de lançar primeiro aqui fora”, explica.Nesta edição, uma sessão do festival é dedicada a alunos do colégio e ensino médio de um estabelecimento bilíngue na região parisiense. O documentário “Salut, Mês Ami.e.s”, sobre o único colégio público franco-brasileiro da América Latina, em Niterói, foi escolhido para mostrar a ligação e os temas que unem os dois países.A diretora, Liliane Mutti, que já apresentou documentários sobre Miúcha e o produtor Robertinho Chaves no mesmo festival, apresenta seu trabalho, lançado em 2023, sobre a vivência do grupo de jovens do estabelecimento durante a pandemia.“Estudantes de várias regiões do Rio de Janeiro vão estudar nessa escola. O recorte foi o ano da pandemia, quando a escola reabre, mas eles voltam com máscaras no último ano da escola, após terem feito o penúltimo e antepenúltimo ano em casa. Então, eles se encontraram e se despediram. Foi o último ano deles juntos porque eles se questionam, depois da escola, o que fica? O filme traz essa provocação e, ao mesmo tempo, coloca em perspectiva o ensino público francês e o brasileiro”, diz.O Festival de Cinema Brasileiro de Paris, no cinema L'Arlequin, vai até terça-feira, 6 de maio.

    Exposição em Paris leva ao público releituras da iconografia de Debret sobre o Brasil pós-colonial

    Play Episode Listen Later May 1, 2025 9:17


    O projeto da exposição "Le Brésil illustré. L'héritage postcolonial de Jean-Baptiste Debret" (Brasil Ilustrado. O legado pós-colonial de Jean-Baptiste Debret, em tradução livre) surgiu de pesquisas que basearam o livro "Rever Debret", do curador suíço Jacques Leenhardt. A obra foi lançada pela Editora 34, em São Paulo, em 2023.  Luiza Ramos, da RFI em ParisA exibição reúne o trabalho de 15 artistas brasileiros e traz uma releitura das obras de Debret, na Maison de L'Amérique Latine, em Paris, até o dia 4 de outubro, no âmbito da temporada do Ano do Brasil na França 2025. Jacques Leenhardt, especialista da obra de Jean-Baptiste Debret (1768-1848) na França e no Brasil, conta que observou várias exposições entre os anos 2020 e 2022 – época de comemoração do Bicentenário da Independência do Brasil –, de artistas brasileiros respondendo e reinterpretando a iconografia de Debret.“Chamou a atenção porque de uma certa maneira constitui um movimento de relação com o passado brasileiro e com a história da dificuldade de construir a nação brasileira. Através das várias populações, várias culturas, das populações indígenas, afrodescendentes e europeias", explica o professor."Então me pareceu interessante, juntar tudo isso numa exposição para tomar consciência desse movimento e da necessidade de integração dessas culturas em um diálogo”, completa.O olhar europeu na formação da nação brasileira Muito conhecido pelos brasileiros pelas suas ilustrações da época, difundidas em livros escolares e até calendários e tapeçaria, presentes na exposição, Debret é pouco conhecido pelos franceses.O artista viveu no Brasil por mais de uma década, quando integrou a Missão Artística Francesa enviada ao Brasil no começo do século 19, para documentar a primeira corte europeia a reinar a partir dos trópicos.Jacques Leenhardt conta que a ideia central é trazer uma releitura da obra do pintor, desenhista e professor francês, e acrescenta que o trabalho dos artistas na exposição é um trabalho de “diálogo com uma iconografia que não vem da sua própria cultura, mas da cultura branca e europeia da época”.Para ele, a obra de Debret fornece ao mesmo tempo uma existência ao que não tinha imagem. “Falta imagem do escravo negro trabalhando e construindo o Brasil. E é isso que Debret faz. Ele dá realmente uma visibilidade a esse trabalho e para ele é fundamental para a criação da nação. A nação se faz através do trabalho", explica. "E quem trabalha no Brasil, e ele [Debret] escreve isso no seu livro 100 vezes: quem trabalha é o escravo. Para a nova geração de hoje é importante recuperar essa visão”, destaca o pesquisador.Ano do Brasil na FrançaA partir da ideia de contextualizar a obra de um pintor francês sobre o Brasil, o projeto de reunir as reinterpretações do Brasil através olhos de artistas brasileiros nasceu com mais força. A curadora brasileira Gabriela Longman reitera a ideia de Jacques Leenhardt no livro ‘Rever Debret', onde ele investiga a fundo o fenômeno da proliferação de obras citando Debret.Ela foi editora do livro, que ao ficar pronto, imediatamente instaurou nela a ideia de mostrar o mapeamento de Leenhardt em outro formato. “A gente começou a trabalhar muito lentamente em construir essa passagem de uma pesquisa livresca por uma pesquisa plástica e espacial. A gente descobriu que teria o ano do Brasil na França e o ano da França no Brasil e foi uma coincidência feliz”, disse Gabriela Longman.A jornalista e curadora brasileira acredita que a exposição tem objetivos diferentes na França e no Brasil, pelo fato de Debret ser pouco conhecido na França. “No Brasil é o contrário, Debret é ultraconhecido, a gente viu a vida inteira. Os brasileiros entendem melhor sobre o contexto ao qual a gente está se referindo. A coisa contemporânea e os problemas que isso coloca hoje ganham muita força, porque estão no nosso dia a dia”, completa. Redescobrimento do Brasil sem ódioO artista plástico Heberth Sobral, mineiro que vive no Rio de Janeiro, é um dos 15 participantes da 'Le Brésil illustré'. Ele veio a Paris para falar de seu trabalho, que utiliza miniaturas de bonecos Playmobil na releitura da obra de Debret, reforçando a figura da população negra escravizada. “Eu me peguei olhando para o passado, mas não olhando com raiva, e sim como um fato histórico que infelizmente aconteceu”, relata ele. Sobral destaca que a intenção de suas obras é criticar sem repassar o sentimento de ódio.“O passado eu não posso mudar, mas o presente e o futuro dependem de mim. Então eu faço [arte] de uma forma mais leve, eu passo uma mensagem que é crítica, mas com o cuidado de não repassar o ódio. Eu sempre falo que meus antepassados iam para o Brasil para serem escravizados e que a melhor formar de honrá-los é ver meu trabalho sendo bem remunerado e bem aceito. É um redescobrimento do Brasil e do próprio europeu”, conclui o artista.Livia Melzi, artista plástica e visual, foi a última convidada a integrar a exposição. Ela criou um vídeo-arte que dialoga com a temática da releitura de Debret, a partir da redescoberta do original do livro 'Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil' de Debret, na Biblioteca Nacional da França, onde ela teve acesso ao microfilme da reprodução do livro. “Eu tive pouquíssimo tempo para realizar essa obra, mas a parte bacana foi que eu tive essa distância. Eu tinha a imagem de todas as outras obras para poder construir a minha de forma complementar”, explica.Além de Livia e Hebertth, a exibição conta com os artistas Denilson Baniwa, Isabel Löfgren&Patricia Gouvêa, Anna Bella Geiger, Tiago Gualberto, Claudia Hersz, Jaime Lauriano, Valerio Ricci Montani, Eustáquio Neves, Dalton Paula, Tiago Sant'Ana e Gê Viana.‘Le Brésil illustré. L'héritage postcolonial de Jean-Baptiste Debret' fica em cartaz na Maison de L'Amérique Latine, em Paris, até o dia 4 de outubro, e tem entrada gratuita. A exposição deve ser transferida para São Paulo em novembro.  

    Trump 2, a 'revanche': especialistas analisam 'estratégia do caos' do presidente em 100 dias de governo

    Play Episode Listen Later Apr 30, 2025 8:16


    "Trump 2, a vingança final", poderia ser um título possível para um blockbuster de Hollywood retratando a escalada de tensões provocada por Donald Trump desde sua volta à Casa Branca, em 20 de janeiro. Mais agressivo e utilizando amplamente a "estratégia do caos" de seu ex-conselheiro Steve Banon - atirar forte e sem parar para não dar tempo de revide - o protagonista ainda encontra tempo para tentar atuar como mediador em conflitos, enquanto se diverte provocando mega potências comerciais. Fernando Bizarro, professor de Ciência Política na universidade Boston College, avalia que, com o início de um novo período na Casa Branca, Donald Trump parece ter retornado ao poder com a determinação de concretizar as mudanças que não foram  implementadas em seu mandato anterior."Foi um governo que, a partir da derrota de 2020, decidiu voltar ao poder para então efetuar todas aquelas mudanças que ele não tinha sido capaz de fazer no período anterior, custasse o que custasse", avalia Fernando Bizzarro. "Esses primeiros 100 dias foram provavelmente os mais ativos de uma presidência desde a de Franklin Roosevelt, eleito para implementar o New Deal, que completamente transformou a política norte-americana e o estado norte-americano", comenta.RevanchePara Fernando Bizzarro, uma característica proeminente do governo é seu caráter "muito revanchista" em todas as medidas. "O Trump é revanchista, ele está indo atrás de todo mundo que em algum momento lhe causou problema. Ele foi atrás dos advogados que foram contra ele nos casos judiciais, foi atrás dos procuradores, de todo mundo que em algum momento foi contra ele. Está indo para a revanche, mas isso são as revanches pessoais do presidente", detalha."Do ponto de vista da coalizão política, tem essa revanche com esse modelo de estado norte-americano construído durante o século 20. E essa vingança é então uma resposta dos grupos perdedores dos últimos 100 anos contra o modelo construído antes deles", contextualiza Bizzarro.O fim do soft power norte-americano?A avaliação de Lucas de Souza Martins, professor de História dos Estados Unidos na Temple University, na Filadélfia, vai na mesma direção. "Ao iniciar seu segundo mandato, Trump altera profundamente o que até então representava os Estados Unidos: um país com força econômica natural, mas também comprometido com o soft power, ou seja, com a projeção de sua influência por meio de projetos sociais, humanitários, investimentos em educação e fomento à pesquisa científica", pontua."O embate atual de Trump com as principais universidades norte-americanas, como as da Ivy League, e a reação de Harvard exemplificam isso. Tudo indica que a nova gestão de Donald Trump, muito mais do que conservadora, é 'revolucionária' no sentido de implementar uma agenda política alinhada diretamente com os interesses do atual chefe de Estado na Casa Branca", afirma.InflaçãoMartins lembra que, no cenário doméstico, algumas consequências já são sentidas. "O que se observa já de imediato é que o cidadão norte-americano, o norte-americano médio, já passa a enfrentar com ainda mais gravidade a questão da inflação, que é algo que historicamente ele jamais enfrentou como enfrenta neste momento, neste fim de gestão Biden e agora gestão Trump", explica."Outro ponto também que vai além da questão interna é também a força norte-americana no sentido das relações internacionais. Hoje, por exemplo, o cerceamento do comércio multilateral promovido pela nova gestão de Trump, faz com que outras potências possam se abrir e se articular internamente sem a participação dos norte-americanos", afirma.Corda para Trump "se enforcar"Fernando Bizzarro explica qual seria o papel da China no meio da tempestade Trump. "O governo chinês percebeu essa oportunidade criada por essa mudança drástica de política externa norte-americana como uma oportunidade para desmantelar de fato aquilo que os Estados Unidos tinham construído durante o século 20, que do ponto de vista da política internacional era um sistema de organizações internacionais e um sistema de alianças também centrado nos Estados Unidos", diz."Então eu não acho que eles vão tentar mediar [a situação], eles vão tentar, na verdade, empurrar o Trump para perseguir os seus piores instintos", situa o cientista."E, na medida em que ele tentar desmontar o sistema internacional que tem os Estados Unidos como eixo principal, isso vai ser vantajoso para a China também, porque então você vai passar a viver num mundo em que não se vive sob instituições dominadas pelos norte-americanos. Acho que a China vai tentar dar mais corda para ele se enforcar", destacou.Que oportunidades para o Brasil?Os pesquisadores acreditam que o Brasil pode cavar uma oportunidade no meio da crise. "Veja, para o Brasil, este é um momento de perigo, mas também de oportunidade. Por um lado, à medida que a economia norte-americana busca se desvincular da economia chinesa — algo que o governo Trump está tentando fazer, ao afastar a produção e a manufatura dos produtos consumidos nos Estados Unidos da dependência chinesa — há uma tendência de desconexão dos Estados Unidos em relação à economia globalizada. Em certa medida, isso pode ser favorável ao Brasil", diz Fernando Bizzarro."Há uma oportunidade econômica para o Brasil de forma geral. Além disso, essa mudança no cenário internacional, com o enfraquecimento das instituições da ordem liberal estabelecida após a Segunda Guerra Mundial — dominada pelos Estados Unidos — abre espaço para o desenho de uma nova arquitetura institucional. Isso está em sintonia com um desejo histórico da diplomacia brasileira, que sempre defendeu a reforma dessas instituições e a ampliação da ordem internacional, tornando-a menos centrada nos Estados Unidos e em seus aliados imediatos", acredita.Leia tambémDonald Trump enfraquece influência global dos Estados Unidos ao abandonar soft power"Por exemplo, o Conselho de Segurança da ONU, composto pelos vencedores da Segunda Guerra (Estados Unidos, China, Rússia, Reino Unido e França), sempre foi alvo de críticas do governo brasileiro, que buscava reformá-lo e democratizar sua composição", diz o professor. "Assim, em um mundo no qual os Estados Unidos deixem de ser a força unipolar e as estruturas internacionais criadas no pós-1945 sejam reformadas, o Brasil pode encontrar a oportunidade de conquistar alguns dos objetivos que persegue há décadas", analisa.Brasil na liderança ambiental"O Brasil surge como um país que tem a oportunidade, especialmente com a proximidade da COP, de se apresentar como o principal defensor das políticas ambientais no cenário internacional", diz Lucas de Souza Martins. "Isso ocorre num contexto em que os norte-americanos já não representam mais essa visão de mundo — eles deixaram de ser uma nação que exerce liderança na promoção e no financiamento de projetos globais nessa área", destaca."Diante disso, o Brasil tem a possibilidade de ocupar esse espaço e se tornar a principal voz em questões ambientais nos fóruns multilaterais", contextualiza.Danos internos permanentesNo entanto, ele alerta para danos permanentes nos Estados Unidos. "A paz discutida pelos Estados Unidos favorece apenas um lado da história", diz. "Isso compromete, portanto, a forma como se interpreta a liderança americana, especialmente quando pensamos em futuros governos que vão muito além de Donald Trump. Eventualmente, poderemos ter um presidente mais centrista ou mais progressista. A questão que fica é: até que ponto essas políticas, como o fechamento de agências federais tradicionais, poderão ser revertidas? E em quanto tempo isso acontecerá?", questiona Martins."A pergunta que surge a partir dos primeiros 100 dias do governo Donald Trump é: até que ponto ele causou danos à administração e à liderança norte-americana que serão permanentes e que irão além de seu governo?", conclui o professor da Temple University em entrevista à RFI.

    A cruz da primeira missa no Brasil faz périplo por diversas cidades e completa 525 anos

    Play Episode Listen Later Apr 25, 2025 6:32


    A relíquia, que saiu do Tesouro-Museu da Sé de Braga, em Portugal, passou por Lisboa, Fátima e Cascais antes de chegar ao Brasil. A cruz, de 40 centímetros, simboliza a chegada do cristianismo ao Brasil e representa a esperança, a fé e a união do povo brasileiro. Durante sua peregrinação, ela percorreu 13 municípios de diferentes estados, incluindo Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Distrito Federal, Pará e Bahia. Segundo o padre Omar Raposo, reitor do Santuário Arquidiocesano do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro (RJ), e guardião da cruz, ela tem uma missão muito especial. "Na sua terceira vinda ao Brasil, ela visita várias cidades, levando uma mensagem de esperança e renovação da fé, especialmente neste ano jubilar, o ano da esperança, determinado pelo Santo Padre."Ele destaca ainda que a presença da cruz reforça a importância do diálogo entre culturas e a valorização das tradições indígenas, com a participação de uma representante pataxó na equipe que conduziu a relíquia pelo país.A história da cruz remonta aos navegadores que acompanharam Pedro Álvares Cabral. Feita de ferro fundido em Portugal, ela é rústica, sem ornamentos, e acredita-se que tenha sido deixada no Brasil pela esquadra de Cabral, sendo posteriormente devolvida aos portugueses por nobres comerciantes. Apesar de não possuir um nome oficial, ela é considerada um símbolo de união e de encontro entre diferentes povos e culturas.Celebrando 525 anos de históriaA primeira missa em solo brasileiro aconteceu em 26 de abril de 1500, na praia da Coroa Vermelha, em Santa Cruz Cabrália, na Bahia. Celebrada pelo frei Henrique de Coimbra, poucos dias após o desembarque dos portugueses, ela marcou o início de uma história de encontros e intercâmbios culturais entre portugueses e povos indígenas.Os 525 anos dessa celebração serão lembrados com a presença da cruz nas cidades de Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália.Respeito e proteção às culturas indígenasA iniciativa de levar a cruz pelo Brasil também valoriza a cultura indígena, reforçando o compromisso da Igreja com o respeito às tradições e às comunidades originárias. Como destacou Padre Omar, "a cruz simboliza o encontro de culturas, de amor e de experiências, promovendo a paz e o diálogo entre os povos."Em meio aos desafios sociais, à violência e às cruzes do cotidiano, o religioso reforça: "Dias melhores virão. Devemos manter a cabeça erguida e acreditar na esperança, na fé e no amor ao próximo."A cruz da primeira missa no Brasil retorna a Braga, Portugal, neste domingo, 27 de abril.

    Encontro promovido em Paris debate justiça climática, tema central da COP30

    Play Episode Listen Later Apr 24, 2025 6:58


    A sete meses da próxima Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, a embaixada do Brasil em Paris e a Central Única das Favelas (Cufa) na França realizaram, na quarta-feira (23), a mesa redonda "A caminho da COP30: Justiça Climática e Mobilização por Belém". O encontro – parte da programação da Temporada França Brasil 2025 – propôs um debate sobre o impacto das mudanças climáticas para as populações desfavorecidas, fazendo a ponte entre os dois países. Colocar a favela e os territórios marginalizados no centro do debate sobre as mudanças climáticas: esse foi o objetivo do evento, que teve a participação de Karim Bouamrane, prefeito de Saint-Ouen, na periferia de Paris; Ricardo Neiva Tavares, embaixador do Brasil na França; e de representantes de organizações francesas e brasileiras. Assim como no Brasil, as populações periféricas da França também são as que mais sofrem com as mudanças climáticas. "Periferia é periferia em qualquer lugar, já dizia Mano Brown", lembra diretora da Cufa na França, Karina Tavares, referindo-se ao icônico rapper brasileiro. "A periferia está sempre longe do centro, mas sempre prestando serviço para o centro. Então o que a gente está trazendo aqui é essa conexão com a França por meio dessa metodologia que a gente criou para reduzir a desigualdade por meio da base da pirâmide, dando visibilidade para essa população", diz. A iniciativa de unir o Brasil e a França em prol da justiça climática é aplaudida pelo superintendente geral da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), Virgilio Viana, um dos convidados do encontro. "Esse debate afeta todas as sociedades de todos os países no mundo inteiro. Nós temos desigualdades em todos os países, infelizmente. Isso não ocorre apenas nos países em desenvolvimento e mais pobres. Na Europa há desigualdade também, que vem aumentando", aponta. Viana afirma que o debate sobre o tema tem duas dimensões: a ética e a econômica. "As pessoas mais afetadas são as que menos causaram problemas, pois gastaram menos combustíveis fósseis. E são as mais vulneráveis, porque suas contas bancárias são menores e moram em lugares mais atingidos por eventos climáticos extremos", descreve."Quanto custa e quem paga para tornar essas comunidades mais resilientes? Esse é outro debate. É preciso superar um histórico de exploração, de desigualdades e injustiças", reitera Virgilio Viana.O superintendente geral da FAS acredita que o Brasil vem ganhando protagonismo dentro deste debate. Ele destaca que o país "tem desenvolvido soluções para superar a pobreza, tanto por parte de políticas governamentais, quanto por parte de soluções apresentadas pela sociedade". Parceria entre pesquisadores brasileiros e franceses Na abertura do evento, a porta-voz da associação Ghett'up para a Justiça Climática, Rania Daki, apresentou o estudo "(In)jutice Climatique", realizado por duas pesquisadoras francesas, Sarah-Maria Hammou e Sophia Arouche. Durante dois anos e meio, elas fizeram entrevistas com uma centena de jovens em toda a França, oriundos de bairros populares, e com cerca de 30 especialistas e militantes de periferias francesas. O trabalho também incluiu uma pesquisa do instituto Ipsos sobre a exclusão de jovens periféricos na questão ecológica na França. "Compreendemos que essa situação foi exacerbada por causa das desigualdades sociais e raciais que existem. Então, o objetivo é encontrar soluções por meio de ecossistemas associativos sobre o clima e de representantes políticos para poder incluir esses jovens e criar políticas adaptadas", detalha Rania Daki.Uma das autoras do estudo, Sarah-Maria Hammou, explicou à RFI que o estudo contribuiu para a criação de parcerias. "O Brasil está muito avançado no que diz respeito ao que chamamos na França de 'pesquisa pirata', ou seja, estudos fora do âmbito universitário, respeitando todos os códigos acadêmicos. É por isso que nos aproximamos de pesquisadores brasileiros, para compartilhar as boas práticas e criar uma espécie de comunidade franco-brasileira para evoluirmos juntos", concluiu.

    Belezas e desafios do Pantanal são tema de exposição fotográfica em Lisboa

    Play Episode Listen Later Apr 21, 2025 5:56


    Premiados fotógrafos brasileiros levam a exposição "Água Pantanal Fogo" para Portugal, abordando a beleza e os desafios da maior planície inundável do mundo. Lizzie Nassar, correspondente da RFI em LisboaDois renomados fotógrafos brasileiros, Lalo de Almeida e Luciano Candisani, trouxeram para Lisboa a exposição "Água Pantanal Fogo", que fica em cartaz no Museu Nacional de História Natural e da Ciência até 6 de julho.A mostra apresenta uma crônica visual que revela tanto a exuberância da vida no Pantanal quanto os problemas causados pelos humanos no local, como a seca e os incêndios que devastaram a região nos últimos anos. No total, 80 imagens ilustram a relação delicada entre a fauna e a flora da maior planície inundável do planeta.Segundo Lalo de Almeida, as imagens não foram originalmente pensadas para uma mostra, mas sim para veículos jornalísticos, o que torna a exposição ainda mais especial. "Nunca imaginei que minhas fotos, feitas para serem publicadas, acabariam em um museu", comenta o fotógrafo.Luciano Candisani, que conhece o Pantanal desde a adolescência, destaca as mudanças que percebeu ao longo dos anos. "A água foi diminuindo, e isso fica evidente nas fotografias. A exposição trata da presença vital da água e da ausência dela, que leva à seca profunda e ao fogo", explica.A mostra também evidencia os paradoxos do Pantanal: sua beleza exuberante e a tragédia silenciosa que se desenrola no local. O curador da exposição, Elder Chiodetto, explica que a ideia surgiu ao perceber como as imagens de Luciano e Lalo se complementam, criando uma narrativa que mistura vida e morte, esperança e destruição. "As fotos mostram a pulsão de vida e a pulsão de morte do Pantanal", afirma.Dados científicos reforçam a gravidade da situação. O Pantanal está enfrentando o período mais seco das últimas quatro décadas. Pesquisadores explicam que, nos últimos cinco anos, foi como se o bioma tivesse passado um ano inteiro sem chuva, resultando em uma seca prolongada. O nível do rio Paraguai, que normalmente enche o Pantanal, tem se mantido abaixo do esperado, agravando a crise hídrica.Lalo de Almeida, que recentemente conquistou o segundo lugar em um prêmio internacional na categoria paisagem, reforça seu compromisso com a fotografia e a conscientização. "O Pantanal está se transformando, e acho que hoje é um dos biomas mais visíveis para as mudanças climáticas no Brasil", afirma.Mas Luciano Candisani deixa uma mensagem de esperança: "As imagens criam uma camada que revela tanto a beleza quanto a ameaça. As pessoas veem o ambiente subaquático e, logo depois, percebem que ele está ameaçado".A mostra "Água Pantanal Fogo" também é uma oportunidade única de refletir sobre a relação entre o homem e a natureza e sobre a urgência de proteger esse bioma tão vital para o planeta. Após Lisboa, a exposição seguirá para outras cidades, incluindo Berlim, Roma e Rio de Janeiro.

    Literatura brasileira marca presença na maior vitrine internacional do livro de Paris

    Play Episode Listen Later Apr 11, 2025 5:34


    O Festival do Livro de Paris está de volta ao icônico espaço parisiense do Grand Palais em 2025, com a presença de 450 editoras internacionais e cerca de 1.200 autores, consolidando-se como o grande encontro literário do ano na capital francesa até domingo (13). O Brasil marca presença no evento, a principal vitrine do setor na França, com diversos autores, lançamentos, artistas, tradutores e uma programação diversificada, apoiada pelo Ministério da Cultura e a Embaixada do Brasil em Paris. Destaque na temporada cruzada Brasil-França deste ano, a abertura do estande brasileiro nesta sexta-feira (11) contou com a presença do embaixador brasileiro em Paris, Ricardo Neiva Tavares, e do diretor para o Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas do Ministério da Cultura, Jéferson Assumção, entre artistas, tradutores e escritores. Em sua participação no Festival do Livro de Paris, Assumção abordou temas cruciais para o desenvolvimento do setor no país. Em entrevista à RFI, ele destacou a importância da Lei nº13.696, que institui a Política Nacional de Leitura e Escrita. Segundo o representante do Ministério da Cultura, o texto traz um elemento inovador ao enfatizar o desenvolvimento da escrita como porta de entrada para o universo da leitura e como forma de estimular o interesse pela literatura."A construção do novo Plano Nacional do Livro e Leitura, voltado para o período de 2025 a 2035, está em andamento e envolve uma articulação entre políticas de cultura, educação e outras áreas do governo, além da participação ativa da sociedade. Afinal, esse plano é também um pacto coletivo pela leitura, com o objetivo de ampliar o número de leitores no país e fortalecer a economia do livro de forma descentralizada", destacou. "Bibliodiversidade"Segundo ele, "o plano valoriza a bibliodiversidade, o desenvolvimento regional, o fortalecimento de bibliotecas, editoras e circuitos literários". "Essa ideia vai além da economia — porque se trata também de uma política de cidadania e de valorização simbólica, estética e criativa. A literatura, nesse contexto, ocupa um papel central, pois estabelece conexões com outras linguagens artísticas, como o cinema, o teatro, a música e as artes visuais", ressaltou Jéferson Assumção.Parceria com a França"A França sempre foi uma parceira importante do Brasil, e essa relação histórica facilita o diálogo sobre políticas de leitura", destaca Assumção. "Recentemente, estivemos no estande do Brasil conversando com representantes do sistema de bibliotecas públicas de Paris, buscando trocar experiências e aprender mutuamente. No Brasil, o fortalecimento das bibliotecas públicas é um grande desafio, tanto em termos quantitativos — com a necessidade de abrir e reabrir unidades — quanto qualitativos", diz.Clarice LispectorA atriz Maria Fernanda Cândido, uma das atrações do estande brasileiro durante o Festival do Livro de Paris de 2025, falou sobre sua participação no evento. "Eu vou ler três textos do livro A Felicidade Clandestina, de Clarice Lispector", esclareceu. "Especificamente, 'As Águas do Mundo', 'Uma História de Tanto Amor' e 'Felicidade Clandestina', que dá título ao livro", contou."Em 2024, fui convidada para transformar esse livro em um audiobook. Nós fizemos a gravação e, no início de 2025, ele foi lançado. Então, a partir de agora, tenho a honra de fazer parte da biblioteca de vozes aqui da França", comemorou a atriz brasileira.Ela também falou sobre as trocas literárias possíveis entre os dois países nesta temporada cruzada de 2025."Eu sempre percebi a França e o Brasil como culturas muito complementares. Acho que eles têm algo importante para a gente, que não temos, e nós temos algo muito importante para eles. Essa troca de olhares tem sido muito importante para ambos os países, e eu acho que esses centros de produção que a periferia acabou se tornando no Brasil são extremamente interessantes e têm muito a contribuir com a cultura e a literatura francesa", finalizou Maria Fernanda.Periferias como centros de produção"A França tem um forte interesse pelas bibliotecas, inclusive nas periferias, e discutimos como essas instituições podem se conectar com as especificidades culturais desses territórios. As periferias, cada vez mais, devem ser reconhecidas como centros de produção literária e cultural. Esse intercâmbio é fundamental para pensar políticas de leitura mais inclusivas e eficazes", conclui o representante do Ministério da Cultura do Brasil.O embaixador brasileiro em Paris, Ricardo Neiva Tavares, destacou a importância estratégica do evento para a promoção da literatura brasileira no exterior. Segundo ele, a presença do país no festival representa uma oportunidade valiosa de ampliar a divulgação de autores nacionais, tanto por meio de edições publicadas no Brasil quanto em território francês.Neiva ressaltou que a iniciativa integra uma programação mais ampla, "composta por cerca de 300 eventos culturais organizados ao longo do ano, visando intensificar os laços entre Brasil e França". “É um marco significativo nesse esforço contínuo de aproximação e de fortalecimento da cooperação entre os dois países”, afirmou.A periferia brasileira em ParisEm entrevista à RFI durante o Festival do Livro de Paris, Michele Teles, fundadora da editora BR Marginalia, apresentou sua iniciativa focada na literatura marginal e periférica afro-brasileira. A editora independente, que reside em Marselha, no sul da França, onde a editora nasceu, destacou o lançamento do primeiro livro da BR Marginalia: uma tradução de Wesley Barbosa, escritor periférico de São Paulo.“Nossa periferia, nossos quilombos e nossos povos indígenas têm muito a ensinar ao continente europeu”, afirmou Teles, destacando o valor cultural e a riqueza dos saberes produzidos fora dos grandes centros urbanos. A participação da editora no festival reforça o compromisso com uma literatura plural, diversa e conectada com as raízes do Brasil profundo, ainda segundo Nichelle Teles.Dramaturgia e literatura brasileiras em ParisPresente na abertura do festival em Paris, o ator e diretor de teatro Alan Castelo falou sobre sua participação no evento. "Os textos de teatro que apresentamos aqui na França não são apenas palavras no papel, mas obras que ganharam corpo e voz no Brasil, com temporadas e apresentações reais", explicou.A proposta, segundo ele, vai além de simplesmente mostrar os textos: também é uma oportunidade de compartilhar o histórico por trás de cada obra. "Apresentamos não só a dramaturgia, mas o contexto histórico em que ela foi criada e vivida, incluindo as montagens realizadas e os artistas envolvidos", completou.O Festival do Livro de Paris fica em cartaz no Grand Palais, na capital francesa, até o dia 13 de abril de 2025, como parte da programação cultural da temporada cruzada do Ano do Brasil na França.

    Livro faz resgate inédito de perfis e trajetórias de torturadores da ditadura militar do Brasil

    Play Episode Listen Later Apr 10, 2025 6:05


    As historiadoras Mariana Joffily, da Universidade de Santa Catarina, e Maud Chirio, da Université Gustave Eiffel, na França, fazem no livro "Torturadores" um mergulho sem precedentes para trazer à tona as identidades, trajetórias e motivações de uma das figuras mais invisibilizadas pela ditadura militar do Brasil (1964-1985). A pesquisa começou há 14 anos e, segundo as autoras, enfrentou momentos desafiadores — especialmente durante o governo Bolsonaro, quando o tema foi alvo de silenciamento. Lançado pela editora Alameda no Brasil, o livro se dedica a reconstituir, em suas 300 páginas, um dos personagens mais polêmicos do regime militar no Brasil: o torturador. A historiadora Mariana Joffily falou sobre a a dificuldade de "encarnar a mão de assassinos" e como essa encarnação foi possível através do livro."A ideia inicial, o título inicial do livro era justamente 'A repressão em carne e osso'. Então, tinha exatamente essa ideia de encarnar a repressão política e entendê-la do ponto de vista dos homens e de algumas mulheres que preencheram, digamos, essa mecânica da tortura e da repressão como um todo", afirma."A minha primeira surpresa foi perceber que, apesar das dificuldades e do difícil acesso às fontes, era possível escrever a biografia desses agentes", conta a historiadora francesa Maud Chirio. "A ideia inicial de que ninguém havia contado essas histórias parecia impossível. Afinal, eles haviam sido centrais no imaginário coletivo e na construção da democracia, mas haviam desaparecido dos livros de história, talvez por terem obtido anistia e terem tido apagados os rastros de suas ações", contextualiza."No entanto, surpreendentemente, seus nomes eram públicos e havia muitos dados sobre eles, tanto na imprensa quanto nos arquivos das Forças Armadas, especialmente do Exército", lembra Chirio. "Outra surpresa veio dos próprios documentos de arquivo, como as folhas de alterações — registros que contêm elogios formais dos comandantes a esses oficiais, descrevendo sua atuação e inserção no sistema. Esses documentos revelam como essas pessoas, mesmo envolvidas em crimes graves, eram valorizadas e integradas à estrutura militar", ressalta. "Heróis" da repressão"Uma das principais conclusões do nosso trabalho é que, embora agentes repressivos aleguem terem sido marginalizados após o período da ditadura, isso não corresponde à realidade. Durante a repressão política, eles foram tratados como heróis. Com a transição democrática, o Exército precisou negociar com os civis e silenciar essa aura heroica para facilitar o processo e evitar o desgaste de permanecer no poder", diz Mariana Joffily."No entanto, esses agentes continuaram protegidos e valorizados dentro da instituição, mantendo carreiras bem-sucedidas. A hipótese de que teriam sido transformados em bodes expiatórios foi descartada: eles seguiram sendo vistos internamente como combatentes de uma 'guerra real' — uma experiência rara na história do Exército brasileiro. Uma surpresa mais recente, durante o governo Bolsonaro, foi constatar que essa imagem heroica não havia se perdido", aponta a historiadora."A publicação dos nomes de torturadores representa um marco fundamental para compreendermos o papel do Estado brasileiro na estruturação do sistema repressivo. Ela nos permite analisar como o Estado atuou não apenas no recrutamento e formação dos agentes, mas também na premiação e legitimação de suas práticas", afirma Haroldo Ceravolo, da editora Alameda. "Mais do que ações individuais, trata-se de um projeto institucional que exige responsabilização. O trabalho de Maud Chirio e Mariana Joffily contribui de forma decisiva ao estabelecer a conexão entre os agentes da repressão e o Estado enquanto executor e legitimador da violência sistemática. Ao fazer isso, a pesquisa avança no entendimento do aparato repressivo e oferece fundamentos importantes para processos de responsabilização jurídica", diz."O livro rompe com a narrativa dos 'excessos' cometidos em porões isolados, ao demonstrar que a violação de direitos humanos foi uma prática sistematicamente organizada e operacionalizada por instituições oficiais do regime ditatorial", sublinha Ceravolo.Agentes de uma rede complexa"Embora fossem chamados de torturadores, é importante entender que eles fazem parte de uma rede maior envolvida na repressão política. Eles ocupam o centro desse sistema, mas é necessário considerar também as altas hierarquias e o funcionamento mais amplo do aparato repressivo", sublinha a autora. "Ao iniciar o trabalho, nos deparamos com dois extremos: de um lado, a visão abstrata de uma máquina de violência baseada em uma doutrina; de outro, a imagem de torturadores como homens sádicos com personalidades específicas", completa a também historiadora Maud Chirio."Faltava, entre esses polos, a compreensão de que esses agentes eram, como todos nós, seres sociais — com convicções, subjetividades e inserção em uma carreira guiada por reputação, recompensas simbólicas e senso de dever. Nosso objetivo no livro foi reconstruir essa complexidade, mostrando como esses indivíduos, apesar de sua individualidade, atuavam dentro de um sistema e de uma rede socioprofissional que possibilitou tamanha violência", ressalta Chirio. A identidade dos torturadoresJoffily conta que o primeiro trabalho foi identificar quem eram os agentes da repressão. "Antes mesmo da criação da Comissão Nacional da Verdade, começamos a investigar esses indivíduos, trabalhando em paralelo aos estudos da comissão. Encontramos listas de torturadores e repressores publicadas em um jornal alternativo, o que nos permitiu identificar nomes completos e traçar perfis — civis ou militares, e suas atuações. A partir disso, decidimos focar nos oficiais militares, pois percebemos que, embora fossem apenas parte do aparato repressivo, exerciam um papel central na repressão política", conta."Recorremos, então, a documentos burocráticos do Exército — como boletins reservados, folhas de alteração e almanaques — para reconstruir suas trajetórias e compreender tanto os aspectos ideológicos quanto institucionais que os inseriram nesse sistema repressivo", diz a pesquisadora."Em nosso trabalho, evitamos adotar uma abordagem 'psicologizante' para compreender o perfil dos agentes da repressão", ressalta Joffily. "Não acreditamos que suas ações possam ser explicadas apenas por traços individuais de personalidade. Optamos por uma perspectiva histórica e sociológica, que nos permitisse analisar como determinadas gerações de oficiais militares foram formadas dentro de um contexto específico: a Guerra Fria, marcada por confrontos ideológicos e pela valorização da segurança nacional", sublinha.Leia tambémPesquisadores discutem em Paris as heranças autoritárias da ditadura militar brasileira"Dentro desse cenário, identificamos diferentes tipos de atuação — desde perfis mais burocráticos, passando por agentes engajados em operações diretas de busca e apreensão, até analistas de informação com perfil mais estratégico. Ou seja, não se tratava de um tipo psicológico único, mas de uma multiplicidade de trajetórias", lembra."Um dos aspectos centrais que nossa pesquisa busca destacar não é a diferença de personalidades entre os agentes, mas sim as diferentes posições que ocupavam dentro do sistema repressivo. É muito distinto ser um soldado que participa de prisões e atos de violência apenas por alguns meses após o AI-5, e depois se desliga do sistema, em comparação com aqueles que, ainda no início da carreira, optaram por seguir o caminho da repressão de forma especializada. Estes últimos buscaram treinamentos, formações específicas e foram atraídos pelas recompensas simbólicas e materiais que essa trajetória oferecia", defende a historiadora."Naturalmente, há diversidade de perfis psicológicos mesmo entre esses grupos — tanto entre os que atuaram pontualmente quanto entre os que fizeram carreira nesse campo. No entanto, nosso foco não foi demonstrar como a personalidade molda o comportamento, mas sim como a inserção em uma estrutura institucional específica transforma esse comportamento. A centralidade da nossa análise está justamente na relação entre posição ocupada, trajetória institucional e prática repressiva, mais do que em traços individuais", destaca Maud Chirio.Torturador: "ser ou não ser, eis a questão"Em relação à consciência dos agentes sobre a prática da tortura, Chirio destaca ser "improvável que algum deles se autodefina como torturador ou utilize esse termo como elemento de valorização pessoal ou profissional. Ainda assim, é evidente que a tortura estava plenamente integrada à missão que acreditavam estar cumprindo: a luta contra o comunismo e a subversão", contextualiza."Tratava-se de um saber prático amplamente compartilhado e legitimado no contexto da Guerra Fria, utilizado por militares franceses na Argélia e na Indochina, por agentes britânicos em colônias, e por regimes autoritários em toda a América Latina. Nesse contexto, a tortura era vista como uma técnica necessária para desarticular redes clandestinas e obter informações cruciais de forma rápida", diz.Mariana Joffily ressalta a importância de notar "o uso sistemático de eufemismos" para descrever essas práticas. "Nenhum documento oficial fala abertamente em tortura. Em vez disso, utiliza-se uma linguagem técnica e militarizada: 'obter informações', 'neutralizar ameaças', 'coletar dados estratégicos'", explica. "Essa retórica desvia o foco da violência e dissocia a prática da carga moral negativa associada à palavra 'tortura'. Dentro dessa lógica, o ato de torturar é reconfigurado como parte de uma ação legítima em defesa de um suposto bem maior — a proteção da nação contra o 'inimigo interno'. Assim, mesmo sem o reconhecimento explícito da prática, ela é justificada, normalizada e, em muitos casos, naturalizada dentro do sistema repressivo", sublinha a historiadora brasileira.Contornar o "silêncio do Exército""Uma imagem que sintetiza bem nosso trabalho é a tentativa de contornar o silêncio do Exército", diz Maud Chirio. "Para isso, utilizamos duas fontes principais: de um lado, o trabalho de vítimas e familiares, que produziram listas com nomes de torturadores e repressores; de outro, os arquivos burocráticos produzidos pelo próprio Exército, voltados à progressão de carreira e à aposentadoria dos militares. O cruzamento dessas fontes nos permitiu superar a ausência — ou destruição deliberada — dos arquivos diretamente relacionados à repressão", revela.Leia tambémHistoriadora francesa lança livro sobre humor de protesto publicado durante ditadura no Brasil"Foi um trabalho minucioso, quase artesanal, em que selecionávamos um nome e íamos atrás de informações específicas, nome por nome. Reunimos dados sobre centenas de pessoas. A tarefa foi lenta e complexa, pois lidamos com documentos áridos, de difícil acesso e repletos de siglas e termos técnicos próprios da instituição. Ainda assim, conseguimos driblar o projeto institucional de apagamento, que visava impedir a escrita de uma história sobre esses agentes. E conseguimos", comemora Joffily.Sem confronto com os agentes da repressão"Diferentemente de outras pesquisas, nós não realizamos entrevistas diretas com os agentes da repressão", explica Mariana Joffily. "A Maud [Chirio, coautora], em seu doutorado, havia feito algumas entrevistas, mas no trabalho conjunto utilizamos principalmente depoimentos já existentes, especialmente os colhidos pela Comissão Nacional da Verdade, pelo CPDOC e pelo Ministério Público Federal", especifica. "Evitamos buscar novos depoimentos por diversos motivos. Em 2015, tentamos contato com alguns indivíduos, mas fomos majoritariamente ignoradas ou recebemos respostas em que eles afirmavam preferir o silêncio. O contexto político era adverso: vivíamos um momento de crise institucional, pós-Comissão da Verdade, em que acadêmicos e jornalistas passaram a ser identificados como 'inimigos', rotulados como comunistas e tratados com desconfiança. Muitos dos agentes se mostraram ainda mais refratários, sobretudo após o trabalho do Ministério Público", explica Maud Chirio.Contexto da pesquisa nos anos Bolsonaro"Com a eleição de Jair Bolsonaro, alguns desses indivíduos passaram a se posicionar como 'vencedores', o que poderia indicar uma possível abertura para o diálogo. No entanto, nesse momento, tanto eu quanto Mariana [Joffily, coautora] já éramos associadas a setores considerados opositores, o que tornou o acesso praticamente impossível", lembra a historiadora francesa."Assim, optamos por priorizar o estudo de fontes documentais — ricas, abundantes e ainda pouco exploradas —, incentivando colegas a fazer o mesmo. Entendemos que, além da dificuldade de acesso, muitos dos que prestaram depoimentos nas audiências da Comissão da Verdade negaram participação ou forneceram informações falsas. Nosso foco, portanto, recaiu sobre a documentação escrita, que ofereceu uma base mais sólida para reconstituir a história do Estado repressor durante a ditadura", diz. O livro "Torturadores" pode ser adquirido pelo site da editora Alameda, ou das livrarias brasileiras Martins Fontes e Travessa, entre outras, além de plataformas como a Amazon. Na Europa, o livro é distribuído pela Arnoia e encontrado no site imosver.com, entre outros. 

    Concerto revela melodias do repertório lírico brasileiro na cena da Ópera de Paris

    Play Episode Listen Later Apr 7, 2025 8:10


    A tradicional Ópera de Paris também entra em ritmo brasileiro neste ano em que se celebra o bicentenário das relações diplomáticas entre a França e o Brasil. A instituição programou vários concertos que integram a temporada cruzada entre os dois países. O primeiro recital, “Melodias Francesas e Brasileiras”, acontece nesta quarta-feira (9), trazendo pela primeira vez à cena da Ópera da Bastilha várias obras de compositores brasileiros. Os ingressos estão esgotados. O concerto “Melodias Francesas e Brasileiras” é uma iniciativa da Academia da Ópera de Paris, braço educativo da instituição de aperfeiçoamento de novas gerações de artistas líricos. A ideia de mostrar músicas do repertório brasileiro pouco tocadas na França, e do repertório francês no Brasil, foi da diretora da Academia, Myriam Mazouzi.Ele pensou em integrar a temporada cultural França-Brasil durante uma primeira viagem ao Brasil no ano passado. “A primeira ideia que tive foi um concerto colocando lado a lado melodias francesas de Poulenc, por exemplo, e melodias brasileiras para apresentar ao público francês e ao brasileiro as melodias de cada um de nossos países”, conta.Myriam Mazouzi reconhece que esse repertório brasileiro “não é uma música que conhecemos muito bem”. Foi necessário fazer uma pesquisa aprofundada para definir o programa do concerto, que conta com cerca de 20 músicas de compositores dos dois países.A França será representada por obras de Francis Poulenc, Erik Satie, Léo Delibes e Pauline Viardot. Do Brasil, serão interpretadas composições de Villa-Lobos, Carlos Gomes, Marlos Nobre, Alberto Nepomuceno, Jayme Ovalle, Hekel Tavares e Carlos Alberto Pinto Fonseca. Destes, o único que teve obras tocadas na Ópera da Bastilha foi Villa-Lobos, o compositor brasileiro mais conhecido na França.“Foi muito interessante ver (essa) riqueza da música brasileira”, avalia Mazouzi.Artistas-residentes brasileiros na Academia da Ópera de ParisPara fazer a escolha, o diretor artístico da Academia, Christian Schirm, contou com a ajuda de dois artistas brasileiros que passaram ou ainda estão se aperfeiçoando na instituição. O pianista e maestro carioca Ramon Theobald foi o primeiro brasileiro a integrar a Academia da Ópera de Paris, de 2021 a 2023. Ele estará no palco no dia 9 de abril e acredita que o repertório escolhido dá um panorama da produção brasileira.“Das melodias brasileiras escolhidas, muitas têm a ver com as nossas origens. Há melodias que falam de Yemanjá, de Xangô, há melodias do Villa-Lobos, que tem o estilo modinha, que é a música popular brasileira que começou com a influência portuguesa. É realmente uma foto geral do Brasil”, afirma Ramon.O baixo-barítono Luis Felipe Sousa, atualmente cantor-residente na Academia da Ópera de Paris, também ajudou a montar o programa e será um dos solistas do concerto “Melodias Francesas e Brasileiras”.Para ele, essa “é uma oportunidade muito especial de poder interpretar a música brasileira nos palcos estrangeiros, especialmente num palco tão importante quanto o da Ópera de Paris”. Luis Felipe ressalta que será "realmente muito emocionante" poder interpretar um repertório "que tem uma certa herança artística” e interpretar "canções que foram escritas por professores dos meus professores”.Além de Ramon Theobald e Luis Felipe, duas cantoras líricas brasileiras, Juliana Kreling e Lorena Pires, também estarão em cena. O concerto Melodias Francesas e Brasileiras contará ainda com a participação de todos os artistas residentes da instituição, que recebe anualmente 30 alunos de vários países do mundo.Primeira soprano brasileiraA soprano capixaba Lorena Pires, aliás, acaba de ser selecionada e será a terceira brasileira a integrar a Academia da Ópera de Paris a partir de setembro. Ramon Theobald lembra que a seleção é dificílima, mas garante que a rica experiência compensa.“Depois que a gente entra, a estrutura é incrível. A Ópera de Paris faz mais de 20 óperas por ano. Para assistir 20 óperas no Brasil, eu teria que ter vivido uns 3 ou 4 anos. Desde que estou aqui, já assisti produções, ensaios, de mais de 60 produções. É um ambiente riquíssimo. Todo o esforço para passar na audição valeu a pena”, relata o pianista que resolveu ficar na Europa. Ele mantém a conexão com a Academia e inicia uma carreira como maestro.A experiência desse aperfeiçoamento parisiense também é considerada fantástica pelo baixo-barítono Luis Felipe que, paralelamente às atividades da Academia, que produz em média um concerto por mês, tem a chance de participar de grandes produções da Ópera de Paris.“Isso não acontece com todos os cantores da Academia”, revela. O baixo-barítono brasileiro teve a oportunidade de cantar no início dessa temporada na ópera “Le Brigands”, de Offenbach, e atualmente está ensaiando “Il Trittico”, de Puccini, que estreia em 29 de abril. “Realmente é muito enriquecedor porque você canta em vários ambientes, com vários repertórios muito diferenciados”, resume.Olhar renovadoA vinda dos artistas-residentes brasileiros à Academia da Ópera, que recebem uma bolsa de estudo, é financiada com o apoio de um grupo de mecenas brasileiras, radicadas na França. E esses artistas trazem um olhar renovado à tradicional Ópera de Paris, diz Myriam Mazouzi.“O que está acontecendo hoje na Europa, na América do Norte, nos faz pensar nas nossas profissões, nossas missões, nossos desafios, nossas ambições, de forma diferente. A contribuição dos artistas brasileiros é trazer um olhar diferente sobre o que estamos vivenciando e sobre o nosso patrimônio. A música clássica, a Ópera de Paris, são instituições que datam de vários séculos atrás e, por isso, ter um olhar renovado, enriquecido, nos traz muito”, salienta a diretora e fundadora da Academia.“Eu diria que essa contribuição brasileira é justamente o que rompe com esse tradicionalismo. A gente traz a diferença, a gente traz a cor, a gente traz o axé. E a gente faz muito bem, jogar com a tradição de uma forma extremamente única, extremamente nossa”, completa Luis Felipe.Os ingressos para a apresentação de “Melodias Francesas e Brasileiras” no anfiteatro da Ópera Bastilha em 9 de abril já estão esgotados. Em setembro, o concerto será apresentado no Rio e em São Paulo. Os artistas-residentes da Academia também participam, em outubro, de três concertos no Teatro Muncipal do Rio, no Teatro Guaíra e no Municipal de São Paulo, em homenagem a Bizet.Ainda como parte da temporada cruzada França-Brasil, haverá em Paris, em julho, e, em São Paulo, em setembro, um concerto conjunto com músicos das orquestras de jovens ADO, da Academia da Ópera, e da paulista Guri. Nesse estreitamento de laços com o Brasil, a tradicional instituição francesa sonha em abrir uma filial da Escola de Dança da Ópera em Curitiba. As discussões começaram no ano passado.

    Léa Freire: compositora, flautista e arranjadora comemora 50 anos de carreira com show em Paris

    Play Episode Listen Later Apr 3, 2025 7:26


    Léa Freire - compositora, flautista, pianista, arranjadora e criadora do selo Maritaca - está comemorando 50 anos de carreira. Para homenagear a artista, um documentário sobre seu trabalho e uma apresentação de flauta e piano estão previstos nesta quinta-feira (3), em Paris. O evento faz parte da Temporada França Brasil 2025. Em “A Música Natureza de Léa Freire”, o diretor Lucas Weglinski desenha o percurso da artista, um talento burilado desde cedo, começando com aulas de piano erudito aos 7 anos. Aos 16, Léa Freire passou para o violão popular ao conhecer a escola CLAM (Centro Livre de Aprendizagem Musical), dirigida pelo Zimbo Trio, a quatro quadras de onde ela morava. Na sequência, ela adotou a flauta transversal como instrumento de predileção.Um encontro inusitado dentro de um Fusca selou a amizade de Léa Freire com Filó Machado, instrumentista, compositor, cantor e compositor. “A gente começou a tocar junto e ficava andando de flauta e violão pela madrugada em São Paulo. Imagina, hoje em dia nem pensar, né? E a gente tocava nas escadarias da [avenida] 9 de Julho, que hoje virou um banheiro público, na Praça Roosevelt”, conta Léa. “Tinha uns mendigos que ficavam dormindo ali de dia, de noite, quando a gente estava tocando. E tinha uns que gostavam, outros que mandavam a gente parar”, ri a artista. A dupla ensaiava na praça porque a quitinete de Filó era pequena demais. “Tinha que abrir a janela para trocar de camisa, de tão pequena”, conta.O mundo de Léa Freire naquela época, entre a rua Augusta e praça Rossevelt, era de bares de música ao vivo, toda noite, das 22h às 4h da manhã. Outro encontro chave foi com Alaíde Costa, que acolheu Léa em sua casa durante algum tempo, pois a família da flautista não aceitava esse estilo de vida. Com Alaíde e Filó, Léa tocou para crianças da Febem, um sistema carcerário para menores extinto em 2006. “As crianças ficavam abandonadas, sem pai nem mãe, e não podiam sair, ficando à mercê de todo tipo de abuso”, lembra.No começo dos anos 1980, Léa também foi beber na fonte americana, estudar na mítica escola Berklee, de Boston. Também foi ver os mestres ao vivo, como Wayne Shorter e McCoy Tyner, entre outros, nos bares de Nova York, ouvindo na plateia ou mesmo do lado de fora. Mas o rigor do inverno afugentou Léa, que fez a mochila e foi descendo pela América do Sul.MisoginiaTanto Léa quanto outras artistas entrevistadas no documentário de Weglinski falam sobre o machismo no mundo da música. Como era desbravar a selva de bares paulistanos durante a madrugada? “Meu apelido era sargento Freire, não à toa, sou imune a essas violências”, explica. "Não que não tenha sido vítima." Ela conta que sofreu todos os tipos de abusos misóginos, desde mãos apalpando suas pernas enquanto tocava até cantadas abusadas.Ela acha que hoje a situação está melhor para as mulheres, pois elas são mais numerosas no meio musical. “É uma profissão muito competitiva, então com mais mulheres, fica mais leve. Em São Paulo, tem até uma big band só de mulheres que se chama Jazzmin's e que é muito legal”, conta.Uma virada de chave aconteceu com um hiato na carreira durante 11 anos. Depois de ter o segundo filho, foi informada de que tinha direito a quatro meses de licença no bar onde trabalhava. “Fiquei dois. Voltei. Já estava despedida. Aí cansei." Léa resolveu estudar administração de empresas e virou diretora de uma grande empresa. Mas o estresse desse mundo acabou levando a artista a um burnout.Seguindo conselhos médicos de fazer o que lhe dava prazer, Léa voltou-se para o piano e à composição. E criou o selo Maritaca. "Tem cantor, tem estrangeiro, tem tudo. É uma avacalhação, mas tudo bem, desde que o foco seja a música instrumental”, explica.Léa tem vários projetos em curso, mas revela um desejo, “o de tocar em um puteiro”. Por quê? “Porque eu ia ficar só observando, tocando, ensaiando, ninguém prestando atenção, já pensou?”.DocumentárioEm "A Música Natureza de Léa Freire", lançado em 2022, Lucas Weglinski trabalha com imagens de arquivo da artista e depoimentos de colegas, como Filó Machado e Alaíde Costa. "Eu comecei a trabalhar com a Léa no primeiro disco de piano solo dela, chamado 'Cine Poesia'. E daí eu comecei a filmar as apresentações musicais dela e cenas do cotidiano", conta o diretor. "E isso começou a me dar uma vontade enorme de fazer um filme sobre ela, principalmente vendo ela fazendo um sucesso enorme na Europa, no Japão, nos Estados Unidos e tendo ainda que ser apresentada na própria cidade que a gente vive", explica Weglinski, que está acompanhando a artista em Paris. Em Paris, Léa Freire se apresenta no Théatre de la Concorde. Ela faz um pocket show tocando flauta, acompanhada pelo maestro e compositor Felipe Senna no piano. 

    Xenofobia aumenta em Portugal: casos visando brasileiros registraram alta de 20% em um ano

    Play Episode Listen Later Mar 24, 2025 15:40


    Nos últimos anos, Portugal se firmou como um destino popular para imigrantes, especialmente brasileiros em busca de melhores oportunidades. Entretanto, essa crescente comunidade enfrenta um aumento preocupante nos casos de xenofobia. Luciana Quaresma, correspondente da RFI em PortugalDe acordo com dados da Agência para a Migração e Asilo (AIMA) e da Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR), houve um aumento de 30% nas queixas de xenofobia entre 2022 e 2024. Em 2024, 150 dos casos registrados envolveram brasileiros, representando um aumento de 20% em relação ao ano anterior.Larissa Abreu, empresária de 38 anos e residente em Portugal desde 2018, notou essa mudança recente. "Nos últimos anos, realmente tem havido um aumento enorme de relatos de xenofobia contra brasileiros, tanto no dia a dia quanto nas redes sociais. Além de situações sutis de preconceito, sou constantemente atacada online por compartilhar minhas experiências."Para Larissa, as dificuldades não se limitam a insultos. “Quem me conhece sabe que eu adoro viver em Portugal, mas também não ignoro quando um serviço ou experiência poderia ter sido melhor. Quando expresso isso, sou alvo de ataques violentos, como ‘volte para sua terra' ou insultos extremamente agressivos como ‘sua favelada, sua macaca'! Isso mostra uma forte resistência em aceitar críticas vindas de brasileiros, mesmo quando são construtivas.”Larissa destaca que o preconceito está presente em vários aspectos da vida. “No ambiente profissional, essa mentalidade resulta numa desvalorização e na necessidade de provar constantemente nosso valor. E na vida pessoal, percebemos esse preconceito, especialmente na busca por moradia, onde muitas vezes os brasileiros enfrentam exigências desproporcionais.”A AIMA aponta que os brasileiros representam a maior comunidade de imigrantes em Portugal, com mais de 500.000 residentes. Este fluxo migratório reflete condições favoráveis, mas expõe desafios no combate à xenofobia.Desafios legais e a necessidade de denúnciaLarissa acredita que “existe uma discriminação estrutural contra brasileiros em Portugal, apesar da relação histórica e da língua em comum”. Ela optou por empreender devido à dificuldade de encontrar oportunidades justas no mercado de trabalho. “Precisamos sempre demonstrar um esforço extra para ser reconhecidos e respeitados”, ressalta.A falta de apoio é outra preocupação. “Como brasileira, muitas vezes me sinto acuada em denunciar. Deveria haver uma linha direta acessível para denúncias, prática e sem burocracia”, afirma a empresária. A insegurança e o medo de represálias dificultam ainda mais essa ação. “Existem discursos institucionais que falam sobre combate à xenofobia, mas muitos brasileiros não sabem como buscar apoio ou sentem que as denúncias não geram mudança.”Ataque a advogada brasileira gera debate sobre xenofobiaA advogada brasileira Anna Luiza Pereira, que vive em Portugal desde 2020, relata a dificuldade que enfrentou ao tentar registrar uma denúncia de xenofobia nas redes sociais. “O policial na delegacia me disse que ‘isso não daria em nada'. É muito difícil registrar crimes não visíveis, como agressões verbais. Aqui em Portugal, a legislação é um pouco mais fraca, o que torna o processo ainda mais complicado,” conta.O ataque contra a advogada ocorreu após a divulgação de uma entrevista no podcast “Papo com Fado”, que tem como objetivo compartilhar as histórias de imigrantes brasileiros que residem em Portugal. “Na nossa última gravação, entrevistamos Larissa Abreu, que falou sobre sua experiência de maternidade e comparou as maternidades privadas em Portugal com as do Brasil. Ao comentarmos sobre isso, fizemos um corte do episódio e publicamos no Instagram. A partir dessa postagem, uma senhora desconhecida, cujo perfil se identifica como Glória Pires, começou a tecer comentários depreciativos”, relata. A advogada conta que os ataques foram agressivos e racistas. “Ela fez comentários considerados extremamente ofensivos, como ‘vá pentear macacos' e ‘volte para a sua terra'. Disse também que ‘ninguém quer vocês aqui', acompanhada de uma série de posts que geraram uma discussão acalorada entre os usuários envolvidos na conversa”, detalha. Apesar da hostilidade, Anna também destaca que muitos portugueses se manifestaram em defesa dos brasileiros, expressando seu descontentamento com as atitudes xenofóbicas. “Foi uma situação muito complicada, pois fomos extremamente agredidos. Além disso, essa senhora já vinha fazendo comentários xenofóbicos em minhas publicações pessoais sobre imigração há mais de seis meses, evidenciando um padrão de comportamento problemático.”Esse incidente levanta questões sobre a crescente xenofobia em Portugal e o papel que as mídias sociais desempenham na disseminação de discursos de ódio, ao mesmo tempo que destaca a necessidade de um diálogo mais respeitável e inclusivo na sociedade.Como Denunciar?Anna oferece dicas para as vítimas de xenofobia. “Insista na denúncia. Leve o que puder como prova, como prints e gravações. Vá preparado para não deixar dúvida que você vai seguir em frente. Registre a ocorrência na polícia e também nas plataformas de redes sociais, que têm ferramentas para denunciar discursos de ódio.”Ela enfatiza a importância de recorrer à CICDR. “Pode-se fazer uma denúncia online ou por e-mail, que é uma alternativa mais tranquila.” A legislação portuguesa prevê punições para crimes de ódio e discriminação, mas muitos casos de xenofobia acabam sem consequências para os agressores. Mas, segundo Anna, as "denúncias precisam ser registradas".Ticiane Fidelis, carioca e residente em Portugal há seis anos, conta que teve um contrato de alugue negado simplesmente devido à sua nacionalidade. "O consultor imobiliário disse que o proprietário não alugava para brasileiros,” relata.Cada vez há mais casos de brasileiros em Portugal que compartilham vídeos na internet, com registros de ataques de xenofobia e racismo. No entanto, especialistas aconselham que a melhor abordagem é entregar esses materiais às autoridades competentes para a devida investigação e ação legal. Ticiane, que também fez denúncia na polícia, diz estes ataques são muito frequentes.“Acredito que, nas redes sociais, esse tipo de ataque ocorre principalmente porque muitas pessoas se sentem protegidas atrás de uma tela, achando que a internet é uma terra sem lei. Essa sensação de impunidade, sem dúvida, incentiva esse comportamento. No início, confesso que isso me afetou profundamente e despertou gatilhos, me fazendo questionar se realmente precisava passar por essa situação. Contudo, hoje me sinto muito mais forte e preparada para me defender contra esses ataques."Segundo a brasileira, a impunidade e o cenário político em Portugal têm sido favoráveis ao aumento da xenofobia. A utilização da retórica anti-imigração, que culpa imigrantes por problemas sociais ou econômicos, reforça estigmas negativos, incentivando atitudes xenofóbicas na sociedade.“Portugal está em um momento em que os imigrantes são usados como bodes expiatórios. O problema da habitação e da saúde é frequentemente atribuído aos imigrantes, sem qualquer embasamento,” critica Ticiane. Ela acredita que é fundamental denunciar, mesmo que não resulte em nada. “Quanto mais pessoas denunciarem, maior será a pressão para que as autoridades tomem medidas contra aqueles que praticam a xenofobia. Só assim podemos combater esse tipo de discriminação e exigir mudanças efetivas”.

    Brasil lidera debate na ONU sobre o combate ao ódio e à violência digital contra mulheres

    Play Episode Listen Later Mar 19, 2025 6:16


    O Brasil assumiu um papel de liderança na luta contra a misoginia on-line durante a 69ª sessão da Comissão sobre a Situação da Mulher (CSW), um dos principais fóruns da ONU sobre os direitos das mulheres. Luciana Rosa, correspondente da RFI em Nova York,Em um evento paralelo realizado nesta terça-feira (18) na sede das Nações Unidas, em Nova York, representantes do governo brasileiro, especialistas e ativistas destacaram os desafios para combater o ódio e a violência digital contra as mulheres e defenderam a responsabilização das plataformas digitais.O evento, intitulado “Misoginia on-line: os desafios para enfrentar o ódio e todas as formas de violência e discriminação contra as mulheres”, foi organizado pelo Ministério das Mulheres e posicionou o Brasil na vanguarda dessa discussão global.Autoridades brasileiras reforçaram a necessidade de regulamentação internacional para garantir a proteção das mulheres no ambiente digital, um dos maiores desafios atuais na luta pelos direitos das mulheres.Brasil na linha de frente da luta contra a violência digitalA secretária executiva do Ministério das Mulheres, Maria Helena Guarezi, destacou o empenho do Brasil em colocar a misoginia digital no centro da agenda internacional. Para ela, o primeiro passo no combate a essa violência é reconhecê-la e nomeá-la, algo que ainda falta em muitos debates.“O Brasil está avançado, primeira coisa bem importante sobre a violência de gênero nas redes sociais. Em todas as falas, a gente viu que isso é negado. O primeiro passo é reconhecer", afirmou Guarezi.Guarezi também falou sobre as pesquisas que estão sendo realizadas no Brasil para mensurar o impacto da violência digital e embasar políticas públicas mais eficazes. A secretária ressaltou a importância de coletar dados concretos para construir soluções e estratégias. “Nós no Brasil estamos fazendo pesquisa porque a gente não tem dados concretos para embasar ações eficazes, porque isso vai fundamentar o nosso processo de análise e o nosso processo de reflexão e proposição de ações", explicou.Responsabilização das plataformas digitaisA responsabilização das plataformas digitais foi um dos principais temas do evento. Renata Gil, conselheira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), detalhou as propostas que estão sendo discutidas no Brasil para responsabilizar legalmente as empresas de tecnologia em casos de discurso de ódio e ataques coordenados contra mulheres.“A responsabilidade das plataformas digitais no Brasil está sendo enfrentada a duras penas e a gente tem um recurso no Supremo Tribunal Federal, e o voto apresentado pelo ministro Dias Toffoli cria responsabilidade objetiva das plataformas. Este processo delineia de forma vanguardista o que é violência digital e o que é vulnerabilidade digital". diz Renata Gil.Renata também destacou a falta de uma regulação clara sobre o funcionamento das plataformas digitais, o que dificulta a responsabilização das empresas e deixa as vítimas desprotegidas diante de ataques organizados.A proposta brasileira de responsabilizar legalmente as plataformas foi bem recebida por outros países participantes da CSW. “O Brasil tem sido um dos principais articuladores na defesa dessa regulamentação. Esse é um passo necessário para que o ambiente digital se torne mais seguro para as mulheres”, completou Gil.Ataques digitais como ferramenta políticaMulheres em cargos de liderança são alvos frequentes de ataques on-line. Maria José (Mazé), líder da Marcha das Margaridas, ressaltou que a violência digital é uma ferramenta usada para afastar as mulheres da política e limitar sua influência nos espaços de poder."A violência digital é uma extensão das múltiplas violências que afetam as mulheres todos os dias. O compartilhamento de difamação e desinformação é um método para impedir a entrada e permanência das mulheres na política", afirmou Mazé.Mazé citou o caso de Manuela D'Ávila e de Dilma Rousseff, que foram alvo de campanhas de desinformação e ataques coordenados nas redes sociais. Dilma sofreu uma série de ataques misóginos durante seu segundo mandato, enquanto Manuela chegou a ser agredida fisicamente após ataques organizados em plataformas digitais.Brasil continua a pressionar por soluções globaisO Brasil reforçou sua posição como referência internacional no combate à violência digital de gênero ao propor, durante a CSW, uma estratégia para ampliar a proteção das mulheres no ambiente digital.Maria Helena Guarezi afirmou que o Brasil continuará a pressionar por avanços nessa agenda nos próximos encontros internacionais: “Da forma como há hoje, uma exacerbação de determinados extremismos na sociedade, talvez a gente tenha, sim, que voltar a dialogar, e inclusive sobre as ações de determinadas legislações que teremos que refletir. Podemos ter legislações mais incisivas, outras menos incisivas. A história e a execução dessas ações vão nos dizer se a gente avançou ou não para o fim dessa violência", concluiu.

    Diálogo com Krajcberg: plantas na Mata Atlântica viram pigmentos em obras expostas por brasileira em Paris

    Play Episode Listen Later Mar 18, 2025 5:45


    "Torna-te aquilo que és" é o título do trabalho da brasileira Daniela Busarello, convidada para integrar a mostra "O grito pelo planeta" ("Le cri pour la planète", no original em francês), uma homenagem ao escultor e fotógrafo polonês naturalizado brasileiro Frans Krajcberg (1921-2017), fervoroso defensor do meio ambiente. A artista recolheu amostras da Mata Atlântica e as reutilizou, através de um processo medieval de depuração, criando 170 pigmentos em óleo sobre gaze. Conhecida por um trabalho que usa frequentemente matérias-primas naturais para constituir suas obras, Daniella Busarello adotou o mesmo método para criar esse diálogo com as criações de Frans Krajcberg. "Ele colhia plantas, troncos, folhas, cascas, no mar, na praia. Recolhia o que encontrava. As plantas que eu colhi no meu caminho estavam ao lado da casa dos meus pais", compara. "É o lugar onde eu caminho hoje, onde eu caminhava na minha infância, ou seja, como o Krajcberg, [o que interessa] é o que está à mão. A natureza está ao nosso lado, ela não está lá longe, ela não é essa coisa intocável", argumenta a artista.Segundo ela, "Torna-te aquilo que és" não é uma pintura, e sim "uma entidade, que está viva. Essas plantas estão falando com a gente. E ela tem 1m40 por 2m80 de altura e está numa posição vertical, exposta em uma placa de vidro, é como se ela estivesse de pé", ressalta. "Ela não está pendurada, ela tem um corpo, mesmo que esse corpo seja invisível, que é esse vidro, e isso a torna um símbolo realmente de cura", diz. Técnica medieval"Eu escolhi essa pintura, que é mais do que uma simples obra de arte, porque ela envolve todo um processo de reflexão e também de manufatura, por assim dizer", explica a artista. "Eu coletei entre 50 e 60 plantas da floresta amazônica nas calçadas de Curitiba, cidade onde nasci, que tem cerca de 3 milhões de habitantes e, atualmente, conta com apenas 1% da Mata Atlântica original. Apesar disso, é considerada a cidade ecológica do Brasil. Isso já é, por si só, uma provocação, e tem tudo a ver com as provocações do Krajcberg", contextualiza Busarello."Eu também quero mostrar que a Mata Atlântica não é apenas aquela que está intacta e maravilhosa. Ela é a mata que está ao nosso lado todos os dias, até mesmo na nossa calçada. Por isso, escolhi essas plantas e fotografei cada uma delas — tanto a árvore ou arbusto quanto todo o processo de transformação. Transformar a planta em pó, em pigmento, é um processo medieval", lembra."A técnica que eu utilizo é a mesma dos antigos pintores, que faziam suas próprias tintas a partir dos pigmentos. Foi dessa forma que desenvolvi a minha pintura", conta. "Depois de transformar a planta, que é 90% composta por água, em pó, eu reidrato com os ingredientes necessários, misturo com cera de abelha e aplico. A gaze, embora pareça um material frágil, tem a função de um curativo. Ela é algo que envolve, é macia, delicada. Mas, ao mesmo tempo, carrega uma força por trás", destaca a pintora.Propriedades medicinaisEla detalhou a escolha das plantas catalogadas. "Cerca de 99% das plantas que colhi têm propriedades medicinais. Não foi de propósito, eu fui em cada uma querendo saber quem é que eu estava escolhendo, dissecando. Algumas têm toda uma ligação com o ciclo econômico do meu estado, o Paraná, como a erva-mate, que foi muito influente em tudo que aconteceu até hoje. Além do Pau-Brasil, que é uma espécie protegida e é o nosso nome também", diz a artista."Esta é a segunda vez que estou exibindo essa pintura aqui [na França]. A primeira vez foi em uma abadia, e também foi uma experiência maravilhosa, mas com um tipo de apresentação diferente. Acho isso interessante, porque na outra ocasião, eu apresentei todos os 170 pigmentos utilizados na obra, e a instalação em si era diferente. Já aqui, trouxe a pintura junto com os nomes das plantas, pois cada planta não representa apenas seu nome, mas também suas propriedades medicinais", sublinha.Mata AtlânticaEla explica a escolha da Mata Atlântica como base de pigmentos. "O mundo fala muito da Amazônia, mas quem não é brasileiro raramente menciona a Mata Atlântica. Sempre preciso explicar sobre ela. A razão é que, embora exista a mata propriamente dita, a maior parte da Mata Atlântica está em áreas urbanas", diz a artista."Acho que hoje restam menos de 20% dessa vegetação original, e, a cada vez que falo sobre isso, percebo que o número é ainda menor do que eu imaginava. É importante divulgar a existência dessa mata, para que as pessoas se conscientizem de que ela está presente em nosso cotidiano. E o que eu considero maravilhoso é justamente o fato de ser uma mata urbana. Isso nos chama a atenção para o fato de que é no nosso dia a dia que devemos prestar atenção à natureza que nos cerca", afirma.A primeira parte da exposição "O grito pelo planeta" fica em cartaz no Espaço Krajcberg, em Paris, até o dia 15 de maio de 2025. KrajcbergFrans Krajcberg (1921-2017) foi um artista plástico, escultor e fotógrafo de origem polonesa, naturalizado brasileiro. Sobrevivente da Segunda Guerra Mundial, ele se estabeleceu no Brasil na década de 1950 e se tornou um grande defensor do meio ambiente. Sua obra é profundamente marcada por seu engajamento ecológico e ele costumava utilizar materiais naturais, especialmente troncos de árvores carbonizados provenientes do desmatamento na Amazônia, para denunciar a destruição da natureza. Suas esculturas, muitas vezes imponentes e tortuosas, expressam uma revolta contra o desmatamento e os incêndios criminosos.Além do seu trabalho artístico, Krajcberg militou ativamente pela preservação da floresta amazônica, colaborando com movimentos ambientalistas. Ele viveu grande parte de sua vida em uma casa-ateliê no coração da floresta brasileira, em Nova Viçosa (Bahia). Sua arte, na interseção entre a land art e a arte engajada, permanece como um testemunho poderoso da luta pela proteção do meio ambiente.

    Centro Pompidou em Foz do Iguaçu "terá foco na América Latina", diz em Paris representante do governo paranaense

    Play Episode Listen Later Mar 12, 2025 6:19


    Uma comitiva técnica da Secretaria de Estado da Cultura do Paraná (SEEC) está em Paris até domingo (16) para tratar do projeto de construção do Museu Internacional de Arte de Foz do Iguaçu, em parceria com o Centre Pompidou. O projeto da primeira filial do tradicional centro cultural francês no continente americano terá um investimento previsto de R$ 200 milhões e a obra deve ficar totalmente pronta em 2027, de acordo com o Governo do Paraná. A RFI Brasil conversou com Luciana Casagrande Pereira, secretária estadual da Cultura paranaense para saber mais detalhes sobre a iniciativa.  Maria Paula Carvalho, da RFI em ParisA comitiva brasileira desembarcou na capital francesa na segunda-feira (10) para reuniões, workshops e visitas técnicas com equipes do Centre Pompidou para troca de experiências, planejamento e diretrizes de concepção do novo espaço dedicado à arte no oeste do Paraná. As negociações com a instituição francesa começaram em 2022. O museu brasileiro será um espaço pluridisciplinar, abrangendo artes visuais, cinema, música e dança, consolidando-se como um centro cultural dinâmico no país.  “Para a gente, é uma grande oportunidade. É uma visibilidade para os nossos artistas. É uma entrada no circuito internacional de arte e é importante para a população ter acesso a esse acervo importante que o Pompidou tem, mas sempre dialogando com o nosso território”, destaca Luciana Casagrande Pereira, secretária da Cultura do Paraná. “Não é um Pompidou que chega exatamente como o da França e se instala na nossa região. O projeto científico foi concebido entre a nossa equipe e a equipe do Pompidou, mas ele nasce do zero. Sobre as exposições, o que vai ser apresentado, ainda estamos iniciando essa construção”, explica. O projeto arquitetônico da primeira sucursal de um dos mais famosos espaços de arte moderna e contemporânea de Paris na América terá a assinatura do arquiteto paraguaio Solano Benítez. “Ele é um arquiteto internacional, que já ganhou o Leão de Ouro na Bienal de Arquitetura de Veneza e que conhece a nossa região”, diz Luciana Casagrande Pereira sobre a escolha do autor. “Ele respeita muito o território, entende a nossa cultura, como nos comportamos ali”, acrescenta. “Tenho certeza de que será um orgulho não só para nós paranaenses e brasileiros, mas para os países vizinhos também”, completa. A ideia é de que a natureza seja um elemento central no conceito arquitetônico do edifício, que ficará a cerca de 10 minutos de carro do Parque Nacional do Iguaçu, onde estão as famosas cataratas do Iguaçu. “Solano Benítez tem um estilo. Ele trabalha com o tijolo, que é um material milenar, que não tem nada de inovador, mas a técnica que ele usa é muito inovadora”, revela a secretária de Cultura. “Nós não vamos importar material de nenhum outro país. Nós vamos construir com a nossa matéria-prima, que é a terra”, comenta. A construção será feita em um terreno de 24 mil metros quadrados cedido pela CCR Aeroportos, empresa responsável pela administração do aeroporto de Foz do Iguaçu. “Eu não digo que é complexo, eu digo que é desafiador, é instigante”, afirma Luciana Casagrande Pereira. “Tem o projeto arquitetônico, mas você tem a preparação da cidade, da região, a sensibilização das pessoas, da comunidade, para receber. Tem a questão jurídica, financeira, tudo que um projeto deste tamanho envolve. Mas temos obtido muito sucesso em todos esses desafios e estamos muito animados”, acrescenta. “É um projeto grande, de 10.000 metros quadrados e nós estamos planejando as inaugurações em algumas fases. Pretendemos entregar o museu completo em 2027, mas em 2026 nós já teremos uma algumas partes abertas”, antecipa. A secretária de Cultura explica por que Foz do Iguaçu foi escolhida para abrigar a nova sede do Centre Pompidou. “Eu acho que há o interesse pela região de tríplice fronteira. Além disso, o Paraná passa por um momento de muita segurança jurídica”, continua. “Nós somos o primeiro estado em educação, o que é bem importante. É uma região muito fértil, onde nós estamos plantando este projeto. Então, acho que é uma somatória de valores”, conclui. O avanço na concretização do museu acontece em um ano chave para o Centre Pompidou de Paris, que fechou as portas, na segunda-feira à visitação nas salas de exposição permanentes para passar por uma grande reforma que deve durar cinco anos. Até setembro de 2025, o local abrigará ainda pequenas exposições temporárias, antes de interromper totalmente o seu funcionamento para a realização de um projeto colossal de restauração, cuja remoção do amianto será a parte mais demorada. A previsão é de reabertura em 2030. “Neste período de metamorfose do Pompidou estaremos ainda mais presentes no Brasil e no Paraná, será um momento crucial para todos nós, estamos muito felizes com este projeto”, afirma Laurent Le Bon, presidente do Centre Pompidou, citado pela equipe paranaense presente em Paris.  Uma comitiva do centro de artes francês, incluindo o presidente da instituição, esteve no Brasil em julho do ano passado para conhecer o espaço e definir detalhes do projeto de construção. Na ocasião, também foi feita a assinatura de parceria de colaboração técnica para a construção do museu no Paraná. Para Alice Chamblas, chefe de desenvolvimento internacional do Centre Pompidou, o Paraná tem uma paisagem cultural muito rica, especialmente na capital Curitiba. “Mas entendemos que é um desejo do Governo do Estado equilibrar essa paisagem, fortalecendo a cultura em outras regiões e o projeto do Museu Internacional de Arte de Foz do Iguaçu vem exatamente a esse encontro”, afirma a francesa, também citada pela equipe brasileira.    Carolina Loch, diretora de implantação do Museu Internacional de Arte de Foz do Iguaçu, explica que o acervo do museu estará muito conectado ao território onde o prédio será construído. Porém, os visitantes irão encontrar peças importantes da coleção francesa. “O museu terá um foco muito grande na América Latina, em especial nos países da tríplice fronteira, ao mesmo tempo em que teremos trabalhos que já são apresentados ao público na Europa, a partir da coleção do Pompidou, estabelecendo novas narrativas”, explica Loch.       A vinda da missão paranaense à Paris ocorre em um momento simbólico, já que 2025 marca o Ano do Brasil na França e o Ano da França no Brasil. “Eu acho que dá mais destaque. Ele não foi pensado para isso. Mas certamente é uma grande ação, tanto para o Brasil quanto para França”, afirma a secretária de Cultura do Paraná.  Sobre o Centre Pompidou Mais do que um museu de arte em Paris, o Centre Pompidou é um complexo cultural efervescente, que abriga biblioteca, ateliê de escultura, cinema, dança e um centro de estudos musicais e acústicos. O edifício, localizado no coração da cidade, chama a atenção pelos traços da construção, como a tubulação colorida, escadas rolantes visíveis e vidro e aço que cercam a estrutura, com vista para diversos cartões postais da capital francesa. O projeto imaginado pelos arquitetos Renzo Piano e Richard Rogers, a pedido do então presidente francês Georges Pompidou, destoa do resto da arquitetura em uma região conhecida por seus prédios que datam de outro século e chegou a ser chamado de “máquina horrível” durante a sua construção.   Inaugurado em 1977, o Beaubourg, como é carinhosamente conhecido, possui um rico acervo de arte moderna e contemporânea de cerca de 140 mil obras, de 1905 até à atualidade. Considerado um dos principais espaços de exposição de arte moderna e contemporânea do mundo, o Pompidou compete com o MoMA de Nova York para saber quem tem a maior coleção do planeta. O complexo cultural abriga peças de artistas como Pablo Picasso, Joan Miró, Salvador Dalí, Frida Kahlo e Francis Bacon.  Com o fechamento temporário, uma parte de sua impressionante coleção será exibida no Grand Palais, também em Paris, assim como nas filiais do Pompidou fora da capital francesa, como na cidade de Metz, no leste da França, ou no exterior, como em Málaga, na Espanha, em Xangai, na China e, em breve, em Bruxelas, na Bélgica. Outra parte das obras será exposta em um polo artístico previsto para ser inaugurado em 2026, em Massy, a 30 minutos ao sul de Paris.   

    Exposição de brasileira em Paris conecta mantos tupinambás, Museu Nacional e Maurício de Nassau

    Play Episode Listen Later Mar 10, 2025 6:12


    Após o sucesso de sua participação na edição de 2024 do Paris Photo, a artista brasileira Lívia Melzi realiza ‘Tabula Rasa', sua primeira exposição solo em galeria na capital francesa, de 8 de março a 19 de abril, na galeria Salon H, no 6° distrito da capital francesa. Luiza Ramos, da RFI Em uma mistura complexa de fotografia, tapeçaria, vídeo e esculturas, ela relaciona oito anos de pesquisa que envolvem o manto tupinambá, o Museu Nacional do Rio de Janeiro e o conde Maurício de Nassau, governador da colônia holandesa no nordeste brasileiro no século 17. A exposição traça “uma linha do tempo” desde o evento da volta do manto tupinambá para Brasil e desdobra outros dois capítulos principais: o Museu Nacional e a figura de Maurício de Nassau. “A coleção dos mantos na Europa foi assunto do meu primeiro grande trabalho”, conta Lívia. A outra parte é um projeto retomado mais recentemente pela artista que se interessa pela história dos três bustos idênticos de Maurício de Nassau. “A gente tem um de cobre no Recife, em praça pública. Tem outro num depósito do lado de Amsterdã, que foi uma estátua destituída do Museu Mauritshuis, que foi a casa dele e que fica em Haia. E um terceiro busto na Alemanha, no túmulo dele. Então, a partir de três imagens, eu fotografei esses três bustos e consegui adquirir o molde original de onde esses bustos foram feitos”, detalha.A exposição tem curadoria de Margaux Knight e a artista, que usa moldes de esculturas e materiais como vidro e gesso, apresenta também peças de estudo para mostrar os resultados de sua pesquisa plástica e teórica a partir da figura de Nassau.O manto tupinambá, depois de três séculos na Dinamarca, retornou ao Brasil, em julho de 2024, como uma doação do Museu Nacional dinamarquês ao Museu Nacional do Rio de Janeiro, que está se recompondo após o incêndio que destruiu seu acervo em 2018. Através da história, Lívia evidencia questões de conservação e desapropriação.Livia Melzi, que também iniciou sua carreira artística em 2018, aprofunda a relação do manto, originário dos povos indígenas, e Maurício de Nassau, responsável por levar os objetos para a Europa. “Maurício de Nassau está intimamente ligado com a coleção de mantos tupinambá, com o fato da coleção estar na Europa. Meu trabalho gira em torno da relação entre a Europa e o Brasil. Como a Europa construiu o Brasil através das imagens, mas não somente, e o papel do museu. Isso que me interessa”, revela Lívia. A artista visual pretende analisar com sua exposição na galeria Salon H como um museu, sendo uma instituição que nasceu na Europa, poderia guardar e definir o imaginário do povo brasileiro sobre si mesmo, mas também o “imaginário da Europa em relação ao Brasil”, explica. Artista natural de São Paulo, que mora em Paris há 12 anos, Livia traz questionamentos sobre como os fragmentos da história, restos queimados, fragmentos funerários, coleções fotográficas prestes a desaparecer, moldes de estátuas podem preencher o futuro Museu Nacional do Rio. No Museu brasileiro, Livia Melzi conta que trabalha em conjunto com a instituição para preservação demo acervo recuperado após o incêndio, através de arquivo fotográfico que, segundo ela, já contém mais de 200 imagens e que podem ser vistos em vídeo na galeria Salon H.A descolonização“A exposição mostra muito a minha relação com as instituições. Eu gosto muito de pensar em como conhecimento é construído e imposto, e o papel das instituições nisso. Como a gente no Brasil, quando pensa no Museu Nacional, herda tudo isso”, reflete a artista. Lívia acredita que atuar em suas pesquisas e registros é “ver a História se construindo na nossa frente”.“Hoje o Museu Nacional é a grande promessa de descolonização de um museu. Eu estou muito curiosa para continuar trabalhando com eles e para fotografar e documentar essa história se construindo, a volta do manto, nesse projeto sobre os mantos. Eu estou tendo a sorte de acompanhar com a fotografia”, diz.Para ela, a exposição mostra os elementos principais da sua pesquisa e carreira até hoje. “É legal ver a coerência e a conversa entre as coisas, porque tudo está ligado (...) Às vezes eu faço as coisas sem perceber, mas as histórias estão todas conectadas no final das contas, então achei muito justo colocar tudo numa sala só. Tudo no mesmo lugar a atravessar esses três capítulos completamente ligados”, conclui Livia Melzi. 

    Expo Favela cresce na França e 2⁠ª edição vai destacar bioeconomia, de olho no clima e na COP 30

    Play Episode Listen Later Mar 4, 2025 8:16


    Depois de uma primeira edição de sucesso ano passado, a Expo Favela Innovation repete a dose em 2025 em Paris com expectativas de maior visibilidade, mais patrocínios e apoiadores. Nesta terça-feira (4), o projeto foi lançado oficialmente pela Cufa France que anunciou o foco da segunda edição do evento na bioeconomia, de olho na agenda climática global e na COP 30, que acontecerá este ano em Belém. Além disso, o evento é parte das programações do ano cultural do Brasil na França.  Luiza Ramos, da RFIA feira Expo Favela Innovation, em sua segunda edição internacional agendada para os dias 4 e 5 de julho, dá mais um passo para se firmar na cena cultural parisiense. As palestras de lançamento nesta terça-feira (4) contaram com depoimentos de participantes da versão anterior. Para a diretora da Central Única das Favelas na França (Cufa France), Karina Tavares, o aumento da credibilidade da Expo Favela na Europa vem dos testemunhos dos empreendedores vencedores do ano passado que perceberam maior visibilidade, além de abertura de caminhos para eventos e até financiamentos para seus negócios. “E isso a gente constrói baseado no que foi criado no Brasil. Baseado nessa visão que teve o Celso Athayde (fundador da Cufa no Brasil), a Cufa e a Expo lá no Brasil, de começar a consolidar uma família de empreendedores que vêm das periferias da França. Para esse ano, então, a gente está mais forte, com três patrocinadores a mais e foco em bioeconomia, porque é ano de COP e a gente sabe que é prioridade para o Brasil e para o mundo”, considera Karina Tavares.  Segundo ela, nesta edição, a bioeconomia não se resumirá somente em gerenciar recursos econômicos respeitando os ecossistemas: “A gente vai falar de racismo climático e de justiça climática. A gente sabe que as pessoas que moram em territórios vulneráveis estão nas primeiras linhas de combate quando tem muito calor ou quando tem uma chuva. Os primeiros que sofrem vão ser mulheres no Brasil, são negros e pessoas que moram em favelas. A Cufa, nesse ponto, sempre foi visionária e a gente está então trazendo essa mentalidade, essa visão que é realmente uma metodologia. Esta é a primeira e única feira exportada na Europa do Brasil e ela vem da favela, então assim, é um golaço”, comemora a diretora em entrevista à RFI.  Valorização maior na FrançaO crescimento do Expo Favela também se dá pelo espaço disponibilizado para evento de 2025. Os expositores e artistas participantes terão uma área cinco vezes maior, no Teatro da Concórdia, na nobre zona dos Champs-Élysées. Algo celebrado pelo diretor artístico do Expo Favela Innovation, Daniel Nicolaevsky, por ser “uma estrutura da cidade de Paris”.“A gente está sendo mais valorizado, a gente está com muito mais espaço, porque o teatro é realmente muito grande, tem várias salas, tem uma sala de 600 lugares, tem uma sala de cinema, tem uma sala de stand up, tem um espaço exterior. Nós temos a mesma quantidade de empreendedores, mas nós vamos ter mais espaço. Nós vamos ter mais artistas também, estamos trabalhando com galerias de artes, com centro de arte, para pegar alguns artistas que estão sendo apresentados durante a temporada France-Brésil (ano do Brasil na França) para nós termos mais vozes. É um evento brasileiro que está ocupando um espaço público do lado da Avenida Champs Elysées, em Paris, então realmente a gente está subindo bastante de nível”, pontuou Daniel, que nasceu na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro. “Sendo eu um artista que nasceu numa favela no Brasil, escrever ‘favela' em frente a um teatro em Paris e fazer essa ocupação total já vai ser incrível”, antecipa Daniel Nicolaevsky.O diretor artístico também conta detalhes da produção 2025, que terá a moda como um dos ramos prioritários: “A gente tem esse projeto muito em parceria com Casa 93, que nasceu no Brasil pela Nadine Gonzalez. E nós vamos colocar em honra a moda e a indústria têxtil africana e brasileira, com essa ponte francesa no evento. Nós vamos colocar em honra a Amazônia também”, destaca o diretor. Ele acrescentou que peças poderão ser divulgadas a partir de maio.Leia tambémFloresta desmatada para abrir avenida: obras em Belém para a COP30 falham na sustentabilidadeQuestões sociais vistas de pertoNadine Gonzalez, diretora da Casa 93, em Saint-Denis, coletivo de formação em moda que nasceu de seu desejo que trazer a cultura brasileira para a periferia francesa depois de 12 anos morando no Rio de Janeiro, também falou sobre o projeto de criação de moda que será apresentado no Expo Favela por seus alunos, em criação conjunta com Daniel Nicolaesvsky e Rafaela Pinah, diretora de arte carioca. “Este ano é um pouco maior, porque é um projeto de nove meses, são mais ou 300 horas de sessões para criar essa coleção coletiva entre diferentes alunos da Casa93, que eles nem se conhecem todos, porque eles vêm de várias turmas diferentes, assim como os alunos do Brasil de várias turmas também. Essa vai ser uma coleção eco responsável, porque o foco é o upcycling”, diz ela, fazendo referência ao reaproveitamento de materiais e citou como exemplo o artesanato com latinhas de alumínio, muito comum nas periferias do Rio. Segundo ela, o primeiro passo vai ser apresentar em julho no Expo Favela, e em seguida o projeto completo será apresentado em novembro no Brasil, no Rio de Janeiro. Para o diretor artístico do Expo Favela Innovation, Daniel Nicolaesvsky, existe uma grande importância de situar as populações ribeirinhas nas produções deste ano.  “A gente está trazendo esse diálogo que os ribeirinhos e as casas de palafitas, que também são uma forma de favela e que precisam ter uma atenção muito delicada, porque a mudança climática transforma esses lugares num lugar de urgência. Então nós temos que olhar para esses lugares muito atentivamente e muito com muito cuidado”, alerta. 2025: ano cultural Brasil-FrançaA comissária Geral do Ano Cultural Brasil-França 2025, Anne Louyot, também esteve no lançamento da segunda edição da Expo Favela de Paris e confirmou à RFI que a Expo Favela Innovation de Paris é um dos projetos da programação do Ano cultural franco-brasileiro, que segundo ela, deve ser lançado ainda em abril para duas temporadas de quatro meses de cada lado do Atlântico, entre os meses de maio de dezembro de 2025.“Temos dois projetos no âmbito da temporada Brasil-França. Dois projetos cruzados; um projeto durante o momento brasileiro na França e um projeto durante o momento no Brasil, são um projeto no âmbito da moda, com a Cufa e a Casa 93, e o segundo projeto no âmbito da gastronomia na Expo Favela Minas, então em Belo Horizonte, com Cufa Minas. Vão ser convidados vários chefes franceses também das periferias”, disse Anne Louyot.“E vamos desenvolver vários projetos para preparar a COP 30, por exemplo. Vamos organizar em Belém, no final de agosto, na abertura da temporada francesa no Brasil, um grande fórum científico franco-brasileiro, com todos os centros de pesquisa franceses e brasileiros que trabalham a questão do meio ambiente, especialmente na Amazônia”, revelou a comissária.   As inscrições para selecionar 40 empreendedores de bairros populares franceses para participar da Expo Favela Innovation estão abertas até 10 de maio no site expofavela.fr  

    Embaixador, legionário e esportista brasileiros relatam 'exaustão' dos ucranianos após três anos de guerra

    Play Episode Listen Later Feb 23, 2025 11:52


    Passava de 5h da manhã em Kiev quando as tropas russas invadiram a Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022. Após três anos de guerra, completados nesta segunda-feira (24), a RFI entrevistou o embaixador do Brasil em Kiev, Rafael Vidal, sobre as perspectivas, ainda remotas, de um cessar-fogo com a Rússia. A reportagem também ouviu os relatos de um combatente que esteve no front em Kharkiv e de um esportista cansado dos ataques russos diários à capital ucraniana. Na última semana, os ucranianos ficaram estarrecidos com as declarações do presidente norte-americano, Donald Trump, que chamou Volodymyr Zelensky de "ditador" e acusou o presidente ucraniano de ter iniciado o conflito. Os ataques virulentos de Trump soaram para os europeus como uma "inversão de aliança estratégica" dos Estados Unidos com a Rússia de Vladimir Putin, em detrimento da segurança no continente europeu. O embaixador do Brasil em Kiev, Rafael Vidal, acompanha o dia a dia da guerra desde setembro do ano passado e apoia o processo de negociação iniciado entre Washington e Moscou. "A situação da Ucrânia é muito difícil, porque a guerra não se limita ao teatro de operações. Ela alcança zonas civis, cidades muito densamente povoadas", relata. O presidente Luiz Inácio da Silva também indicou esse apoio, desde que todas as partes sejam envolvidas nas negociações. O restabelecimento do diálogo de alto nível entre os Estados Unidos e a Rússia, com uma primeira reunião dos respectivos representantes das Relações Exteriores das duas potências em Riad, na semana passada, é considerado pela diplomacia brasileira como "um primeiro ensaio real para buscar uma solução diplomática a uma guerra que não interessa mais a nenhum dos dois países envolvidos nessa tragédia humanitária"."O momento, hoje, seria de cautela, de prudência e de apoio às negociações que começam a ser entabuladas com o patrocínio dos Estados Unidos. Eu acho que esse não é o momento de narrativas de lideranças europeias que questionam, desconfiam ou não estendem as mãos para esse processo negociador, que começa a ser entabulado", disse o embaixador brasileiro. O presidente francês, Emmanuel Macron, reúne-se com Donald Trump na segunda-feira (24) nos Estados Unidos. Macron afirmou que dirá a Trump que ele não pode ser "fraco" diante de Vladimir Putin. O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, também será recebido pelo republicano nesta semana. Brasileiro retorna do front na região de KharkivApós três anos de guerra, 85 brasileiros estão cadastrados como residentes no serviço consular da embaixada. Com frequência, outros passam pela Ucrânia em trânsito, por razões familiares, empresariais ou por trabalharem em agências das Nações Unidas. Porém, as autoridades consulares brasileiras não têm contato, só quando são solicitadas, pelos brasileiros que se alistaram como combatentes na Legião Estrangeira para defender o território ucraniano das tropas russas. No início de fevereiro, o legionário paranaense Rocha retornou de Kharkiv, cidade do leste da Ucrânia, antiga capital na era soviética, até 1934. Quase na fronteira da região russa de Bolgorod, Kharhiv era a segunda maior cidade ucraniana antes da guerra, mas foi esvaziada de seus habitantes, que fugiram do intenso cerco russo. Rocha passou três meses na linha de frente, junto com oito combatentes brasileiros, e contou à RFI que o avanço ucraniano para dentro do território russo, em Kursk, impactou sua missão."Nosso regimento era composto por três equipes: a nossa, uma de franceses e outra de colombianos. A rotação seria a seguinte: a equipe de franceses ia primeiro, a nossa em segundo e depois a dos colombianos. Porém, no dia 26 de dezembro ou 25 de dezembro, os franceses foram em 15 combatentes. Treze ficaram feridos e dois morreram", relata o brasileiro. "No meu ver, Kursk era causa perdida. Nós somos um batalhão de defesa da Ucrânia, não fomos para lá para invadir o território russo. Uma coisa é você defender uma cidade, limpar aquele território da cidade que foi invadido pela Rússia, outra coisa é você invadir uma soberania. Querendo ou não, você já está ultrapassando aquilo que você falou que fazia", disse Rocha.  Segundo o legionário, a Rússia trabalha numa forma de pinça, como durante a época soviética. "Eles pegam um território, fazem uma pinça pela esquerda e pela direita e fecham; quem está no meio, esquece, não consegue sair mais. Além de você estar invadindo o território russo, você estava indo para a morte", conta o ex-combatente. Ele observou uma grande evasão de ucranianos para a Polônia, Eslováquia e Hungria, fugindo da guerra, "por saberem que alguns batalhões são destinados à morte".Rocha diz que sempre quis participar de uma guerra: "Um pouco pela experiência, para entender como funciona toda a logística de combate". Ele afirma que em nenhuma parte da Ucrânia sofreu racismo por ser negro. "Eu vivi uma experiência única, por estar num ambiente de guerra e também por ter vivenciado as pessoas sendo muito gratas pela nossa presença."O ex-combatente brasileiro espera que a Ucrânia acabe logo com o conflito e retome seus territórios. Ao mesmo tempo, Rocha se mostra pessimista em relação às intenções de Moscou. "Pode dar um cessar-fogo aí de dois ou três anos, mas uma hora ou outra, a Rússia vai querer ir para frente de novo", prevê."Ninguém acredita em acordo de paz", diz brasileiro residente em KievO brasileiro Jonatan Santiago, conhecido como Moreno, jogava futsal no time ucraniano Skyup quando a Ucrânia foi invadida pela Rússia. Com o início do conflito, em fevereiro de 2022, ele foi obrigado a deixar o país, mas retornou em agosto de 2023. Há muitos anos radicado em países do leste da Europa, ele se instalou na Ucrânia em 2012.Moreno descreveu à RFI uma rotina de bombardeios insuportáveis na capital, mas que se normalizaram, para espanto do brasileiro. "Kiev, graças a Deus, é uma das cidades que tem um dos melhores sistemas de defesa em relação a drone, a mísseis e tudo mais, porque ataque praticamente é todo dia, praticamente todo dia. É assim, você acostuma na verdade, porque é sirene, sirene três a quatro vezes por dia. Toda noite praticamente tem ataque", relata. "Às vezes é engraçado porque tem um drone abatido na rua, um drone voando em cima, e as pessoas estão andando normal, caminhando na rua. Normalizou um negócio que não é normal", explica o ex-jogador de futsal. Atualmente, Moreno tem trabalhado com traduções e como empreendedor no ramo esportivo.Devido ao longo tempo em que reside em Kiev, o brasileiro tem muitos amigos na cidade e observa a desconfiança dos ucranianos em relação às negociações de paz. "Como eu falo o idioma, como eu converso, como eu leio também todas as notícias no Instagram e no Telegram, minha opinião – e não é uma opinião generalizada, mas é uma grande porcentagem –, ninguém aqui na Ucrânia acredita em acordo nenhum. Até porque eles, os russos, não dá para confiar", afirma.Moreno nota uma hostilidade crescente de parte da população contra o presidente Volodymyr Zelensky. "Talvez aconteça uma reviravolta, talvez dentro da própria Ucrânia para essa guerra acabar. Talvez alguma coisa pró-Rússia, porque eu acho muito difícil qualquer cenário que a Ucrânia ganhe a guerra ou ganhe territórios. É muito difícil. As próprias pessoas, o próprio ucraniano não vê isso como possibilidade", destaca. O brasileiro viveu seis anos na Rússia e tem uma filha que mora em Moscou. "Meus amigos aqui, por exemplo, que são patriotas, eles xingam a Rússia, eles xingam o Putin, mas, por outro lado, todos eles já queriam viver em paz. Chega um ponto que a pessoa só não quer mais guerra, só quer que acabe."Entre vítimas civis e militares, sem falar em desaparecidos, o balanço humano da guerra na Ucrânia continua difícil de ser estabelecido. Zelensky disse em meados de fevereiro que mais de 46 mil de seus soldados morreram em combate e outros 380 mil ficaram feridos. Fontes ocidentais relataram números superiores, que variam de 50 mil a 100 mil soldados ucranianos mortos no campo de batalha.A Rússia não comunicou suas perdas desde o segundo semestre de 2022, quando reconheceu menos de 6 mil soldados mortos. No final de 2024, o então secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd Austin, falou em 700 mil soldados russos mortos ou feridos. A esse balanço, deve-se somar os soldados norte-coreanos usados por Moscou como força de ataque à Ucrânia: entre 1.100 mortos, segundo Seul, e 3 mil, de acordo com Kiev.

    Séries brasileiras conquistam Berlinale com linguagens inovadoras e temas urgentes

    Play Episode Listen Later Feb 22, 2025 6:28


    Não foram apenas os curtas e longa-metragens brasileiros que brilharam nesta 75ª edição da Berlinale, na capital alemã, em 2025. Um outro mercado promissor, o das séries brasileiras, ganhou espaço e conquistou holofotes no Festival Internacional de Cinema de Berlim. Márcia Bechara, enviada especial da RFI a BerlimExemplo disso é a série De Menor, assinada pela diretora Caru Alves de Souza, veterana do festival berlinense que conquistou o prêmio do Júri Internacional com o longa Meu Nome é Bagdá, em 2020. De Menor, a série, convidada especial da seção Generation este ano, é uma espécie de spin off do primeiro filme homônimo da cineasta paulistana, que ganhou as telas brasileiras em 2013, e usa de uma linguagem não naturalista para criar um "olhar crítico" sobre a situação de adolescentes desassistidos e marginalizados no Brasil.  "A proposta da série não busca oferecer respostas definitivas para essa situação, pois, como cineastas, não temos todas as ferramentas necessárias para isso. Nosso objetivo é, na verdade, fazer um chamado ao espectador, incentivando-o a refletir sobre esse contexto", diz a diretora."Os episódios exibidos aqui na Berlinale incluem o primeiro, que aborda a história de um adolescente negro pego usando drogas e julgado como traficante, uma situação bastante comum no país. Já o terceiro episódio se passa inteiramente dentro de um programa de TV, quase como uma transposição da audiência para o formato sensacionalista, típico desses programas que já emitem um julgamento imediato", antecipa.Terror brasileiroJá a série de terror Reencarne, de Bruno Safadi, que fez sua estreia mundial no Festival Internacional de Cinema de Berlim, acompanha um ex-policial que é abordado por uma mulher que diz ser a reencarnação de seu falecido parceiro de trabalho, com um elenco que conta com o ator guineense Welket Bungué, além de Julia Dalavia, Taís Araujo, Enrique Diaz e a portuguesa Isabél Zuaa."Minha expectativa é apresentar uma série de terror que, embora tradicionalmente associada a narrativas norte-americanas, é uma produção brasileira. A trama se passa no interior de Goiás, uma região do Brasil que raramente é retratada nesse tipo de gênero. Trata-se de uma história que também foge dos clichês do imaginário das narrativas brasileiras. Com um elenco majoritariamente negro, acredito que Reencarne traz novas imagens do Brasil para o mundo", diz o diretor Bruno Safadi. Juan Jullian, um dos criadores de Reencarne, explica um pouco sobre o processo de criação da série. "Essa série foi aprovada em 2021, durante um pitch realizado pela TV Globo, que buscava histórias com protagonismo negro. Passamos um ano no processo de desenvolvimento e escrita, seguido de meses de filmagem, o que tornou essa jornada longa até chegarmos à Berlinale. Acredito que a série representa uma iniciativa legítima, sendo criada e escrita por autores negros e LGBTQIA+. É mais uma série de terror com protagonismo negro, o que é uma contribuição importante para o gênero", contextualizou.O diretor Bruno Safadi ressalta a importância da Berlinale como vitrine para as séries brasileiras. "A Berlinale é um dos três maiores festivais de cinema do mundo, com 75 anos de história. A trajetória do cinema passa por aqui, e as séries têm ganhado cada vez mais destaque, não só no cenário global, mas também nos festivais de cinema. Participar com uma série brasileira em um evento tão importante e tradicional como o Festival de Berlim é, sem dúvida, uma honra", afirmou em entrevista à RFI em Berlim, na sede do Berlinale Series Market.Veterano da Berlinale, onde já concorreu ao Urso de Ouro com o longa Joaquim, em 2017, e cujo filme O Homem das Multidões foi exibido na mostra Panorama, em 2013, o diretor pernambucano Marcelo Gomes assina agora sua primeira série, Máscaras de Oxigênio (não) Cairão Imediatamente, inspirado da história real de comissários de bordo que traziam remessas clandestinas do medicamento AZT para doentes de HIV na época em que a epidemia de Aids tomou conta do Brasil. "Quando a Morena Filmes me apresentou o projeto, fiquei muito emocionado, por diversas razões. Primeiramente, porque vivi os anos 1980 e 1990, ainda que fosse muito criança na época, e aqueles anos foram marcados por uma realidade terrível. O preconceito e a intolerância em relação às pessoas HIV positivas eram imensos. A série se constrói a partir dessa trama de intolerância brutal. Em um dos episódios, um dos personagens diz que a AIDS caiu como um "tailleur" na caretice, uma referência à forma como a sociedade lidava com a questão e também o descaso das autoridades públicas na época", lembra o diretor Marcelo Gomes."Essa história precisa ser contada aos jovens que não sabem nada sobre aquele momento da história. Precisamos aprender com os erros do passado. Mas também é importante que ela seja relembrada pelas pessoas que viveram aquela época, para que nunca se esqueçam do que aconteceu, especialmente em um momento como o que o mundo atravessa hoje, com novas ondas de intolerância", sublinha."Há três anos, o Brasil teve um governo que foi extremamente intolerante com a comunidade LGBTQIA+, o que torna essa narrativa ainda mais relevante. Fiquei muito emocionado ao recordar tantas pessoas que conheci e que, infelizmente, morreram devido ao preconceito", destaca."Era um momento extremamente difícil, pois não existia nenhum medicamento eficaz, com exceção do AZT, que só foi liberado nos Estados Unidos. As autoridades brasileiras demoraram cinco anos para aprovar o AZT. Durante esse período, o que aconteceu foi uma rede de solidariedade: comissários de bordo, que viajavam para os Estados Unidos toda semana, começaram a trazer o medicamento em quantidades cada vez maiores para ajudar as pessoas. Assim, formou-se uma verdadeira rede de apoio, um 'contrabando do bem', como costumamos dizer, para salvar vidas", detalha Marcelo Gomes sobre o enredo da série.A Berlinale fica em cartaz na capital alemã até o dia 23 de fevereiro. 

    Produção audiovisual de indígenas do Brasil é destaque em evento acadêmico na França

    Play Episode Listen Later Feb 14, 2025 7:42


    Um seminário internacional realizado nesta quinta-feira (13), na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS), na região parisiense, visa trazer debates artísticos, antropológicos e sociais a partir da produção audiovisual contemporânea dos povos indígenas na América Latina. Em paralelo, a associação Autres Brésils organiza a exibição especial Caméra-Flèche, no sábado (15), que irá apresentar quatro curtas inéditos do cinema indígena brasileiro, com a presença dos cineastas Olinda Yawar Tupinambá e Ziel Karapotó. Luiza Ramos, da RFIO seminário internacional “Motyrõ: artes indígenas e cinema na América Latina” contou com a apresentação de projetos de pesquisadores e professores da França e do Reino Unido sobre povos originários da Bolívia, México e Brasil, que abriram os debates sobre o tema nesta quinta-feira, antes da exibição dos filmes.Esse é o primeiro seminário sobre a produção audiovisual indígena que Christian Fischgold, pesquisador e professor na EHESS desde 2023, organiza em conjunto com Jamille Pinheiro Dias, da Universidade de Londres, e a professora Lúcia Sá, da Universidade de Manchester. “Para debater sobre esse tema temos a presença de dois cineastas e artistas indígenas brasileiros que são: a Olinda Tupinambá e o Ziel Karapotó. São dois artistas jovens que participaram da última Bienal de Veneza representando o pavilhão brasileiro, são dois artistas com uma obra que dialoga com diversas questões acerca do colonialismo, de novas linguagens, de questões de gênero, de corpo e então são artistas realmente muito interessantes para falar com a comunidade acadêmica nesse evento”, diz Christian Fischgold. Nova geração de artistas indígenas “em todos os lugares”Olinda Tupinambá, artista, cineasta e jornalista, que faz parte da Rede Katahirine, uma rede audiovisual dirigida por mulheres indígenas, foca seu trabalho em questões ambientais. Ela, que é originária do sul da Bahia, detalhou à RFI a importância da atual visibilidade da produção audiovisual dos povos originários brasileiros, principalmente para indígenas da região Nordeste, que muitas vezes são desvalorizados, segundo ela, por não serem parte do biotipo do indígena amazônico.“Nós, povos indígenas, vivemos por muitos anos sendo vistos com o que as outras pessoas falavam sobre nós. Então existia um certo romantismo, de alguma forma coisa mais caricaturesca do que as pessoas esperam do que é indígena. E eu acho que quando a gente entende a importância dessa ferramenta, que é o audiovisual, a gente usa ela para mostrar quem nós somos e essa diversidade. Ao mesmo tempo, dizer que nós estamos em todos os lugares”, destaca Olinda Tupinambá.Para a jornalista, no Brasil ainda “é difícil para as pessoas entenderem a complexidade do que são os povos indígenas. Então existia sempre um olhar que era um olhar do colonizador sobre a gente. Muitas vezes preconceituoso, de que só existe indígena, por exemplo, na Amazônia. O meu trabalho também vem para descontextualizar e falar: nós somos indígenas do Nordeste e a gente está nesse contexto”, aponta. Olinda vê no audiovisual indígena “uma ferramenta de denúncia”, que se iniciou com a luta pela terra e hoje tem como prioridade a questão ambiental.Olinda Tupinambá apresentará no evento de sábado seu filme 'Ibirapema', feito para uma exposição de arte da Pinacoteca de São Paulo. A obra conta a história de uma mulher indígena que vivia num tempo mítico e ao comer carne humana é transportada para a cidade de São Paulo e tem seus primeiros contatos com a arte ocidental. “Eu costumo dizer que foi um filme divisor de águas na minha carreira de artista porque, de fato, foi a primeira vez que eu começo a trabalhar com essa questão de pesquisa de arte”, conta a documentarista.  A sofisticação da arte indígena contemporâneaZiel Karapotó, que teve seu trabalho apresentado na última Bienal de Veneza em 2024, exibirá no sábado seu documentário ficcional ‘Paola', ao lado de sua colega Olinda Tupinambá e outros artistas indígenas convidados. Ele também contou à RFI sobre sua produção artística e suas influências. “Eu sou formado em artes visuais pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), mas eu tive a oportunidade de transitar e trabalhar com muitas linguagens. Porque hoje eu tenho consciência que eu já nasci imerso. A gente já nasce cantando, dançando ali [na aldeia], imerso sobre nossas relações culturais, e hoje, eu entendo isso como arte, uma arte potente, uma arte realmente forte”, descreve.Karapotó, que também é artista plástico e realiza performances, comentou ainda sobre as novas ferramentas de artes integradas à produção indígena contemporânea, sobretudo no cinema. Para ele, a arte indígena vai muito além do artesanato tradicional, e faz refletir sobre diversas temáticas sociopolíticas que dizem respeito às comunidades originárias brasileiras.  “A gente vem para romper esse lugar e esse entendimento do que é a arte indígena. A arte indígena é sempre colocada em um lugar muito rudimentar, no passado, do início da história da arte brasileira. E a minha geração vem mostrar que a arte indígena é orgânica, é sofisticada e é capaz de usar as novas linguagens e novos códigos a seu favor. Sempre mantendo códigos tradicionais, sua base tradicional e cultural”, sublinha o jovem artista.Intitulada 'Caméra-Flèche: Caminhos do cinema indígena no Brasil', a exibição de quatro curtas ocorre neste sábado, às 18h, no cinema L'Ecran de Saint Denis, que vende ingressos para a sessão que deve seguir com debates na presença dos diretores presentes.No programa: - Rami Rami Kirani - o poder transformador da ayahuasca nas mãos das mulheres Huni Kuin - Minha Câmera, Minha Flecha - a câmera como arma de luta e memória - Paola - uma jornada entre o documentário e a ficção no coração da amizade e das raízes Karapotó - Ibirapema - uma jornada poética entre a mitologia indígena e a modernidade urbana Christian Fischgold adiantou à RFI que um segundo seminário na temática das artes indígenas deve acontecer na EHESS ainda no primeiro semestre de 2025.

    "Malu", retrato de uma atriz brasileira insubmissa, libertária e iluminada estreia em festival na França

    Play Episode Listen Later Feb 8, 2025 6:05


    “Malu” é um pequeno grande filme. Pequeno mesmo, só o orçamento e o calendário apertado. Mas o primeiro longa de Pedro Freire, na verdade, é enorme, com atuações transbordantes, direção certeira e tudo mais de que precisa um grande filme. O filme fez sua estreia francesa nesta sexta-feira (7), no festival Regards Satellites que acontece em Saint Denis, na região parisiense. Patrícia Moribe, em ParisO filme conta os últimos anos da atriz Malu Rocha (1947-2013), mãe do cineasta, que fez carreira no teatro, trabalhando com nomes como Gianfrancesco Guarnieri, Plínio Marcos e Flávio Rangel. Ela estreou no palco em 1969, no Teatro Oficina, de José Celso Martinez Correa. Figurativamente, Malu Rocha nasceu e morreu no Oficina, pois seu velório também aconteceu no local icônico.“Foi um velório muito peculiar, com vinho, baseados de maconha”, relembra Freire. “Foi quase uma encenação, com o caixão dela no meio do palco com uma luz bem teatral e várias fotos da carreira dela espalhadas. A questão da maconha era importante para ela. Nem eu, nem minha irmã somos maconheiros, mas ela era muito maconheira. Então resolvemos no velório dela distribuir baseado para as pessoas. Foi uma festa muito bonita, muito pagã. E nesse velório eu pensei ‘cara, essa mulher precisa de um filme'. E aí passei alguns anos elaborando até conseguir escrever o roteiro.”“Malu” traz no elenco atrizes com trabalho sólido em teatro. Yara de Novaes, premiada atriz e diretora de teatro, com pouca passagem no audiovisual, faz o papel principal. Juliana Carneiro da Cunha, um dos grandes nomes do teatro francês (Théâtre du Soleil), faz a mãe, dona Lili.  E Carol Duarte, que despontou no filme “A Vida Invisível de Euridice Gusmao”, de Karim Ainouz, é a filha Joana – que é, na verdade, uma personagem que é uma fusão do próprio diretor e de sua irmã, a atriz e diretora Isadora Ferrite.Freire conta que optou por atrizes de teatro porque buscava profundidade psicológica, de profissionais acostumadas a ensaios. “Foram três semanas de ensaio e três semanas de filmagem”, explica.Luminosa"Minha personagem é uma mulher maravilhosa, uma atriz brasileira, sobretudo de teatro, que nasceu na década de 40 e viveu o auge da sua profissão durante a ditadura militar", conta Yara de Novaes. "Ela compreendeu que o palco poderia ser também um lugar de luta. O filme tem um recorte temporal, que é o momento em que a Malu já está um pouco decadente, social e fisicamente, com o início de uma doença neurodegenerativa. Há um embate geracional muito interessante e profundo no filme, dela com a filha e a mãe. Malu foi uma mulher libertária e contraditória, maravilhosa, luminosa, intensa, insubmissa."“Malu” é o primeiro longa de Pedro Freire, apesar da bagagem de muitos anos trabalhando no cinema brasileiro. Ele dirigiu oito curtas e trabalhou em 17 longas de outros diretores em funções diversas: assistente de direção, diretor de casting e preparador de elenco, além de escrever roteiros.Freire apresentou a ideia à produtora Tatiana Leite há quase oito anos, pouco antes do desmonte da cultura brasileira na era bolsonarista. “Durante alguns anos, a gente ficou no desenvolvimento do roteiro. Ele escrevendo e eu dando feedback”, conta Leite. “E não tinha nenhuma perspectiva de captação – alguns estados, durante o caos total, tinham mantido uns fundos regionais, mas na época, o Rio estava parado e foi muito duro. Assim, é muito difícil passar o pires no exterior quando você não tem nada nacional para dar uma credibilidade – sobretudo sendo um primeiro longa-metragem”.Pouco dinheiro, muita garraO projeto saiu do papel após ganhar um edital da Rio Filme. Na sequência, Tatiana Leite foi atrás de parceiros. Com capital mínimo, a equipe foi se formando e as atrizes, se juntando ao projeto. “Eu fiquei muito impressionada com a força da Yara, da Carol e da Juliana. E também tem cenas tipo monólogo da Juliana, que todo mundo ficou de cara, a equipe inteira parada, hipnotizada por essa mulher”, relata a produtora. A estreia foi no festival de Sundance, nos Estados Unidos, seguido de outros no mundo todo, com muitos prêmios e críticas positivas. A distribuição na França ainda está sendo negociada. A produtora conta, um pouco chateada, que alguns compradores alegam que o filme não apresenta os elementos típicos que esperam de um produto brasileiro: miséria, violência urbana, indígenas ou universo queer. “Acho idiossincrático porque, ao mesmo tempo, acho o filme muito brasileiro”, diz. “Malu” foi apresentado na França no festival Regards Satellites, em Saint Denis, região parisiense, com presença das atrizes Yara de Novaes, Juliana Carneiro da Cunha e Carol Duarte, além da produtora Tatiana Leite.

    Com poesia e cinema, indígenas brasileiros reforçam em Paris a luta pela demarcação justa de terras

    Play Episode Listen Later Feb 4, 2025 8:30


    Com o objetivo de oferecer uma visão geral da diversidade e sobre a produção dos povos indígenas, especialmente do Brasil, nos campos da pesquisa acadêmica e da criação artística, foi realizado nesta segunda (3) e terça-feiras (4), no Collège de France, em Paris, o segundo simpósio internacional sobre povos indígenas. O evento “Ciências Vivas: Perspectivas Indígenas no Mundo da Pesquisa e das Artes” recebeu, dentre outros cientistas e pesquisadores da área, também palestrantes indígenas em intercâmbio na França através do plano de mobilidade acadêmica internacional voltado para os povos originários no Brasil, o programa Guatá. Idjahure Kadiwel, carioca de origem terena e kadiwéu, e doutorando na USP, foi um dos participantes. Ele declamou um poema autoral no primeiro dia do evento para introduzir o tema das estratégias de luta pela demarcação de território e direitos civis do povo indígena.“Eu acho que a arte é muito importante porque é aquela coisa que não tem fronteiras, barreiras ou limitações, para tocar o coração das pessoas, para abrir a mente das pessoas. Cinema, poesia, artes visuais, música, tudo serve para a gente ser afetado e afetar”, declarou Idjahure Kadiwel. “É importante quando a gente consegue trazer um pouco de uma consciência diferente por meio desses trabalhos, dessas obras, esses eventos assim. O limite é a própria criatividade não só nas artes, mas como o colóquio propõe esse mundo da pesquisa das artes”, disse o cientista social em entrevista à RFI. Idjahure Kadiwel também destacou a importância da inserção dos indígenas no meio acadêmico. “A gente ouviu aqui pesquisas muito originais dos nossos colegas antropólogos indígenas. Então é isso que a gente está tentando compartilhar, um pouco dessa novidade que é uma novidade também para o Brasil. Ter os indígenas na pós-graduação, no doutorado. Uma novidade da última década, talvez, esse aumento exponencial. Então, a gente estar desenvolvendo esse trabalho aqui na França, em Paris, já é uma outra etapa dessa história”, comemora. Acampamento Terra LivreO filme “Nosso modo de lutar”, exibido durante o evento no Collège de France, mostra os encontros intergeracionais que acontecem anualmente no movimento indígena brasileiro conhecido como ATL (Acampamento Terra Livre, o maior ato da luta dos povos originários latino-americanos, em Brasília).Uma das diretoras do curta, a liderança indígena Francy Baniwa, original do povo medzeniako da região do Alto Rio Negro, que é doutora em antropologia pela UFRJ e cursa pós-doutorado na USP, comentou sobre a perspectiva feminina no filme e na luta indígena.“Essa presença das mulheres agora que estão com câmeras nas mãos, que estão produzindo cinema, que é um olhar diferente, que é de dentro para fora, de sair dessa coisa ocidental. A gente tem visto que de fato é um diferencial quando é feito e produzido por mulheres, mas também uma ferramenta que tem nos proporcionado essa luta de demarcação através de uma câmera, que também é uma ferramenta de luta e de resistência. Para você poder registrar, você poder denunciar. Então ela [a câmera] tem se tornado o arco e flecha nessa questão do registro de conhecimentos”, enfatizou Francy Baniwa. A força da pesquisa acadêmica na demarcação justa de terrasA ativista Juliana Amanayara Tupinambá, em intercâmbio de doutorado na Universidade Sorbonne Nouvelle, em Paris, e palestrante nos dois dias do simpósio em Paris, reforçou a relevância da presença indígena no meio acadêmico internacional para combater a implementação Marco Temporal. “É de suma importância porque já era um movimento que a gente tinha nacionalmente. No Brasil, então, quando surge a lei de cotas, é a porta para os indígenas ingressarem na universidade. E aí com muitas lutas a gente consegue não só ingressar, mas permanecer nesses espaços e também trazer a nossa própria epistemologia indígena para dentro desses espaços. Atravessar esse mar Atlântico para chegar aqui na Europa e trazer também os nossos projetos de pesquisa é também um ato de militância para buscar formas de defender os direitos indígenas”, afirma.A cientista explica que “através de uma pesquisa antropológica” do território é possível documentar oficialmente ao governo, para “ajudar na própria demarcação do território”. “Hoje temos advogados indígenas que defenderam na corte brasileira o porquê os territórios não se aplicam ao Marco temporal. O decreto 1775, que é o decreto da demarcação indígena, não tem que ser seguido com a tese do Marco temporal. Eu acredito que isso venha através dessa apropriação do papel da caneta, como os meus mais velhos, falam”, considera Tupinambá. Leia tambémDerrota "histórica" do marco temporal no STF é destaque na imprensa internacionalA força feminina na luta territorialA geógrafa e doutoranda na UFGD, Universidade Federal de Grande Dourados, Sandra Cândido, da etnia terena da aldeia Ipegue, que palestrou no segundo dia do evento, falou à RFI sobre a contribuição do intercâmbio em Paris para sua pesquisa. Sandra estuda as semelhanças entre a presença da mulher francesa nas revoluções territoriais camponesas e a mulher indígena como elemento essencial nos conflitos territoriais em solo brasileiro. “As conquistas de Napoleão Bonaparte aqui, a expansão territorial dele aqui afetou diretamente o conflito territorial lá no Brasil e em 1850 foi decretada a lei de terras que consolidou a perda dos nossos territórios. Qual que é a importância de estar aqui? Para ampliar essa visão geral do conflito territorial aonde nós mulheres estamos inseridas. As mulheres francesas são revolucionárias, são fortes e foram as mulheres francesas com crianças, bem parecido quando a gente vai para as retomadas, que vão os velhos, os anciãos, jovem, moça, rapaz, criança, mulher, criança de colo, amamentando, vai todo mundo para a retomada”, exemplifica a geógrafa. Igualmente em doutorado na UFGD, Anastácio Peralta também enfatiza a importância do intercâmbio para seu projeto acadêmico, para a luta indígena e seus objetivos pessoais.“Os estudos também apontam algum novo caminho. Uma pesquisa de conhecimento nosso mesmo, conhecimento indígena, conhecimento Guarani Kaiowá. Isso traz para nós uma fonte de novo renascer. Esse intercâmbio traz para nós também a possibilidade de estar contando para alguém de fora que nós temos problema no Brasil, que talvez futuramente, com a globalização, podemos ter um resultado de parceria, de apoio intelectual, de apoio de denúncia. O intercâmbio traz essa força e os novos amigos e conhecimento que estamos conquistando”, relata Peralta. O evento “Ciências Vivas: Perspectivas Indígenas no Mundo da Pesquisa e das Artes” foi realizado a partir de uma iniciativa da Comissão Nacional Francesa para a UNESCO, da Embaixada da França no Brasil e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) em parceria com o Laboratório de Antropologia Social (LAS) e a sua equipe de Antropologia Linguística. 

    Doutorandos de povos originários do Brasil discutem produção científica em Paris

    Play Episode Listen Later Jan 31, 2025 4:34


    Um colóquio na universidade Paris 8 foi organizado nesta sexta-feira (31) para discutir a produção cientifica de pesquisadores indígenas brasileiros que participam de um plano de mobilidade internacional voltado para os povos originários no Brasil, o programa Guatá. Patrícia Moribe, da RFI em Paris“Este encontro marca o encerramento de um ciclo em que nós tivemos, aqui em Paris, oito bolsistas indígenas que foram contemplados no âmbito do programa, que é um programa do governo francês em parceria com o governo brasileiro, que teve como e tem como objetivo apoiar pesquisadores indígenas”, explica Eloy Terena, secretário-executivo do ministério dos Povos Indígenas.“É um momento muito simbólico para nós, porque é muito pouco tempo ainda que nós estamos vivenciando no Brasil essa valorização do que nós chamamos de intelectuais indígenas”, diz Terena. “O programa prioriza você trazer conhecimento tradicional desses povos, dos seus territórios, colocar esses saberes para dialogar. Então você tem aí uma oportunidade única de ter pesquisadores indígenas de diversas áreas do conhecimento, olhando para toda a sistemática global e pensando em resolutividade local a partir dos seus territórios.”“É um colóquio muito importante, porque, na verdade, não é para discutir os problemas indígenas, mas deixar os próprios cientistas indígenas explicarem, apresentarem eles mesmos a questão científica”, explica Armelle Enders, professora de História do Brasil Contemporâneo na Universidade de Paris. “Enfim, os povos que eram estudados agora são atores da própria ciência, são atores científicos importantes.”Maristela Aquino, da etnia Guarani, é uma das doutorandas. Da UFGD (Universidade Federal de Grande Dourados), ela estuda ciência indígena, ancestralidade e resistência feminina nos territórios tradicionais e sagrados de retomadas. “Estou feliz porque eu estou cumprindo minha missão aqui. E voltando para o Brasil. A luta continua lá.”“Eu desenvolvo uma pesquisa no Brasil sobre a cartografia da roça Guarani Kaiowá e sustentabilidade em busca da cura da terra”, explica Anastácio Peralta, também da UFGD. “E isso me encanta muito, porque os tradicionais, os mais velhos, mais antigos, nunca prejudicaram a terra e eu estou em busca desse conhecimento para poder ajudar não só meu povo, mas o próprio planeta”.Sandra Terena, da UFGD, estuda conhecimentos tradicionais que a mulher Terena aciona para poder ocupar o espaço dentro e fora do território. Em seu trabalho, ela faz um contraponto com as mulheres francesas. “Elas são conhecidas como guerreiras revolucionárias, elas são fortes”, explica.Internacionalização e mobilidade“Vimos que os indígenas estão entrando nas universidades, mas são poucos ainda no doutorado. E a questão foi justamente conseguir a internacionalização e mobilidade para esses estudantes”, explica Nadège Mezié, uma das criadoras do programa Guatá. “Na maioria das vezes, não conseguem essa mobilidade porque é complicado, eles não sabem que existe, então essa bolsa é justamente para isso, é uma experiência tanto pessoal, quanto para a carreira”. Ela explica ainda que há, entre os doutorandos, diversidade tanto de perfis quanto de grupos étnicos, com alunos de Odontologia, Ciências Sociais e Humanas, Antropologia etc.”Anne Louyot, comissaria francesa do Ano Brasil França 2025, explica que muitos eventos estarão ligados aos povos indígenas. “É muito importante introduzir essa dimensão de culturas e línguas indígenas na relação entre a França e o Brasil. Ainda mais porque temos também povos indígenas na Guiana Francesa”, explica. ”Vamos ter um colóquio e uma exposição sobre as línguas e as culturas indígenas das fronteiras no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, que vai incluir, claro, o diálogo entre povos indígenas da França e do Brasil”, diz.Durante a COP em Belém, haverá também um encontro entre representantes desses povos indígenas da fronteira franco-brasileira, acrescenta Louyot. “Outro evento importante é um grande encontro sobre a biodiversidade na Amazônia que vai acontecer no Museu Nacional de História Natural de Paris, que trabalha com a Universidade de São Paulo, com uma parte dedicada às culturas indígenas e à presença indígena.”

    Festival de cinema em Saint-Denis na França destaca cinema periférico brasileiro

    Play Episode Listen Later Jan 30, 2025 5:24


    O festival Regards Satellites realizado em Saint Denis, na região parisiense, destaca em sua terceira edição o cinema periférico brasileiro. De 29 de janeiro a 9 de fevereiro serão exibidos filmes de vários países e realizados debates e encontros com cineastas, com o objetivo de fomentar linguagens inovadoras de cinema. O festival Regards Satellites (Olhares Satélites, em tradução livre) começou quarta-feira (24) com a exibição do longa "A cidade é uma só?" (2013) do cineasta brasileiro Adirley Queirós, precedido pelo curta "O cinema acabou" (2024), do diretor paulistano Lincoln Péricles.Queirós é conhecido por filmes como "Mato seco em chamas", realizado com Joana Pimentel, premiado no Festival Cinema du Réel, em Paris, e parte da seleção oficial da Berlinale, em 2022.Exibido na abertura do festival, "A cidade é uma só?", primeiro longa de Queirós, retrata a criação da Ceilândia, bairro onde o diretor cresceu e onde ainda vive. A cidade-satélite do Distrito Federal, que inspira toda a obra do cineasta, foi fundada, na década de 1970, dentro da Campanha de Erradicação de Invasões (CEI), projeto implementado para retirar trabalhadores pobres que se instalaram no entorno de Brasília. Um processo histórico pouco conhecido, exposto pelo filme que mistura documentário e ficção.“Eu acho que as periferias de Brasília, durante muito tempo, foram, obviamente, afastadas do processo, assim como no Brasil todo. Não só Brasília”, diz o cineasta, observando que o interesse por um cinema feito na periferia ou com essa temática é recente. “Na verdade, isso tem menos de 20 anos [...] O processo do cinema periférico brasileiro foi crescendo aos poucos”, analisa.Linguagens inovadorasO festival Regards Satellites tem o objetivo de fomentar linguagens inovadoras de cineastas independentes, como explica Claire Allouche, uma das curadoras do evento e especialista em cinemas brasileiro e argentino contemporâneos.“A ideia é de não pensarmos que estamos nos confins do mundo. O problema da palavra periferia é que às vezes dá a sensação de que cineastas periféricos, ou de lugares periféricos, sempre vão estar do lado do centro. E a ideia não é essa”, explica. “Claramente a proposta do festival é de revalorizar as potências das periferias e de reivindicar a palavra periferia como outro centro”, diz.“Eu acho que esse é o cinema contemporâneo”, diz Adirley Queirós. “A importância é muito grande. Primeiro pelas pessoas que estão envolvidas na coordenação do festival, pelos temas que são abordados, pelas pessoas que circulam por aqui. São várias periferias do mundo que estão aqui”, diz, destacando que o evento abre espaço para a posição política, mas também para questões estéticas.“Pouco se fala sobre a estética do cinema periférico. Eu acho que é o mais importante, na verdade. A estética é, hoje em dia, muito mais do que a formalidade, muito mais importante do que o conteúdo”, defende o cineasta. “O conteúdo pode ser abordado de várias maneiras, mas essa ideia de um cinema periférico mundial, que entra com a nova possibilidade de estética, é bem diferente”, afirma.“Oscar é um desserviço”Adirley Queirós é crítico sobre a importância dada no Brasil ao Oscar. “Acho que o Oscar é um desserviço para a gente. O que o Oscar representa é, na verdade, um processo colonial muito forte. Você pensar que a gente está envolvido num processo de legitimar a indústria americana, sendo que a indústria americana historicamente foi perversa contra a gente”, lamenta.“Eu acho que, obviamente, o Walter Salles e o filme dele têm uma importância, mas o Oscar não tem importância nenhuma para mim”, acrescenta.Outro cineasta brasileiro com filmes exibidos durante o festival é Lincoln Péricles. Esta será a primeira vez que suas obras são apresentadas na França. Natural de Capão Redondo, comunidade periférica da capital paulista, o realizador ficará em residência em Saint-Denis entre janeiro e abril.Além disso, com Adirley Queirós, Lincoln Péricles realiza uma masterclass na segunda-feira (3). Em fevereiro, o paulista realiza a programação de filmes de várias “quebradas” do Brasil, dentro do projeto da diretora franco-senegalesa Alice Diop, La Cinémathèque idéale des banlieues du monde (A Cinemateca ideal das periferias do mundo), realizado conjuntamente pelos Ateliers Médicis (centro que acolhe artistas do mundo inteiro e de todas as áreas em residência) e o Centro Georges Pompidou. Alguns desses filmes serão acessíveis on-line.O Regards Satellites também vai exibir o filme “Malu”, de Pedro Freire, “Baby” de Marcelo Caetano e longas de diretores poloneses, franceses e americanos.

    Cia brasileira revisita 'Ilíada' para o teatro em francês, numa 'transcriação' com ajuda da IA em Paris

    Play Episode Listen Later Jan 23, 2025 13:10


    Uma aventura épica entre a tradução literária, a "transcriação", a música e a performance. O diretor de teatro Octavio Camargo há 20 anos revisita numa imersão total o texto clássico de Homero, a "Ilíada", ao lado da Cia Iliadahomero, baseada em Curitiba. Em Paris, ele conduziu ao lado de artistas brasileiros uma oficina no Centro Cultural Centquatre (104), em um projeto que explorou o teatro e a tradição experimental, usando técnicas de "transcriação" com ajuda da Inteligência Artificial (IA). O conceito de "transcriação", desenvolvido pelo poeta concretista brasileiro Haroldo de Campos, é uma abordagem inovadora no campo da tradução literária, particularmente em relação à poesia. Inspirado por ideias de Ezra Pound e pelo concretismo brasileiro, Haroldo de Campos propôs uma prática tradutória que vai além da simples transferência de conteúdo entre línguas, enfatizando a recriação do texto original em um novo contexto linguístico e cultural. A transcriação não é apenas uma tradução literal ou fiel ao texto original, mas sim uma recriação que mantém o espírito, a força estética e a função poética do original. Campos considera o tradutor Odorico Mendes, que realizou a primeira tradução da "Ilíada" de Homero para o português ainda no século 19, o "pai da transcriação" no Brasil. A "transcriação" é uma "tecnologia de tradução", onde a função poética se torna mais importante em algum lugar do que a mera transcrição literal de uma frase."Estamos aqui a convite de Cláudia Washington, que trabalha no 104, para conduzir um ateliê de tradução experimental inspirado no trabalho de Odorico Mendes", explica Octavio Camargo. Mendes foi o tradutor pioneiro de Homero para a língua portuguesa, com versões completas da "Ilíada" e da "Odisseia". "Odorico realizou grande parte desse trabalho em Paris, onde viveu por 14 anos, entre 1850 e sua morte em 1864. Suas traduções, marcadas por um estilo único e inovador, chegaram às mãos de Dom Pedro II e foram publicadas postumamente, cerca de dez anos depois", conta.Estranhamento"A tradução do Odorico guarda um estranhamento na língua portuguesa que a gente gostaria de preservar. Então, o uso das ferramentas digitais não é apenas transferir a responsabilidade da tradução para a inteligência artificial, não é utilizar a inteligência artificial como uma ferramenta auxiliar, mas preserva todo o sentido do workshop e do encontro, que passa pela pessoa que fala francês, pelo crivo artístico e também pelo histórico existencial do performer", detalha Camargo.A oficina explora a interseção entre a tradução literária e as novas tecnologias. "Nosso objetivo é investigar como ferramentas digitais, como tradutores automáticos, podem ser usadas para traduzir um poeta tão complexo quanto Odorico Mendes. A ideia não é simplesmente transferir a responsabilidade da tradução para a inteligência artificial, mas utilizá-la como um recurso auxiliar, preservando as particularidades do texto original, como suas inversões sintáticas e construções anacolúticas", afirma o diretor."Tradução da tradução"Camargo destaca que o foco da oficina não é produzir uma tradução literal, mas sim criar uma "tradução da tradução" para o francês, buscando manter o estranhamento característico do texto de Odorico. "O trabalho é pensado como um script para performances na língua francesa, conectando a poética de Odorico ao contexto contemporâneo e ao público local", explica."O Odorico faz uma tradução anacolútica de Homero. O anacoluto é uma figura de linguagem onde você inverte a ordem sintática da frase. Normalmente, a frase escrita em prosa tem sujeito, verbo e complemento, nessa ordem. O anacoluto inverte, e às vezes coloca o complemento antes do sujeito, e às vezes antes do verbo. Às vezes chega a omitir o verbo, como é na vida real", explica Octavio Camargo, que além de diretor de teatro é professor de composição no curso de Composição e Regência da UNESPAR - Escola de Música e Belas Artes do Paraná, possui mestrado em estudos literários pela UFPR e é doutorando em filosofia na Universidade Federal do Paraná em parceria com a EHESS, a Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris.Erra quem acredita que a prosa transcreve a oralidade. A prosa "domestica" a fala, coloca-a dentro de um formato destinado à leitura silenciosa, apenas para o leitor, enquanto a lingua oral é cheia de quebras de convenções da gramática.A proposta também inclui uma abordagem cênica, em diálogo com o trabalho da companhia fundada por Octavio no Brasil, que realizou, em 2016, uma performance integral da "Ilíada" na tradução de Odorico. "Foram 24 horas de espetáculo, fruto de 20 anos de pesquisa. Agora, em Paris, estamos lidando com o canto um da 'Odisseia', que aborda a saga de Telêmaco em busca do pai, Ulisses", detalha.A narrativa, escrita provavelmente no século VIII a.C., continua a ressoar nos dias atuais. "Os épicos de Homero foram, na Grécia antiga, uma espécie de política pública de educação, transmitindo valores éticos e culturais. Hoje, eles nos convidam a refletir sobre dois modelos de existência: o de quem permanece e luta pelos seus, como na 'Ilíada', e o de quem parte, sem o peso da saudade, como na 'Odisseia'. Esses dilemas ainda dialogam com nosso tempo", analisa Octavio.Cláudia Washington, artista visual, performer e colaboradora do Centquatre (104), falou sobre a concepção e a realização da oficina de tradução experimental liderada por Octavio Camargo e sua equipe em Paris. "Conheço o trabalho do Octavio e da companhia há muito tempo, e sempre admirei a profundidade e a inovação que eles trazem. Quando surgiu a oportunidade de conectar esse projeto ao Centquatre, um espaço colaborativo de arte contemporânea, achei que seria o ambiente perfeito para acolher a oficina", explicou Cláudia. "O 104 é um lugar marcado pela diversidade de pessoas e pela abertura à experimentação, o que casou perfeitamente com a proposta de explorar a tradução de Odorico Mendes para o francês."Receptividade do público francêsO convite e a parceria com o Centquatre resultaram em três dias de intensas atividades, com a possibilidade de novos desdobramentos no futuro. "A recepção do público francês foi muito positiva. A oficina atraiu um público jovem, mas também experiente, formado por pessoas interessadas em literatura, música e na cultura brasileira. Essa conexão com o Brasil, especialmente por meio de uma tradução que parte de um texto brasileiro para o francês, despertou grande curiosidade", destacou Cláudia.Além disso, a música, um elemento essencial na identidade cultural do Brasil, foi um dos pontos de destaque. "A música brasileira é amada e amplamente reconhecida na França, o que contribuiu para criar um vínculo ainda mais forte entre o público e a proposta do ateliê", concluiu."Escrita viva"Fernando Alves Pinto, ator e integrante da oficina de tradução experimental, reflete sobre a interação entre cena e texto, destacando como essa relação transforma a experiência teatral. "O texto ganha vida na cena. Quando você lê um texto de forma mecânica, como um computador, ele perde significado. Mas o que Odorico Mendes escreveu tem uma pulsação, quase como um fluxo de pensamento não lógico, não aristotélico. É uma escrita viva, que já traz em si a teatralidade", explica.Para ele, o processo de tradução para o francês é uma oportunidade de revisitar e revitalizar a obra. "Ao transpor o texto para outra língua, somos obrigados a reexaminar tudo. Às vezes penso: será que vamos conseguir fazer algo tão bom quanto Odorico? Claro que não, mas é uma delícia tentar. Esse trabalho de renascer o texto na cena, com nossa interpretação e energia, traz uma vitalidade única", conclui.A oficina no Centquatre contou com a participação de artistas de diferentes áreas, como Chiris Gomes (atriz de teatro, performance e canto), Cláudia Washington (artes visuais e performance), Fernando Alves Pinto (ator de teatro e cinema), a violoncelista Kimdee, e Véronique Bourgoin (performer e fotógrafa). "É um trabalho multidisciplinar que busca atualizar Homero e abrir espaço para novas formas de olhar para o épico", concluiu o diretor Octavio Camargo.Depois de Paris, o diretor brasileiro Octavio Camargo segue viagem para Berlim, onde realiza uma exposição de trabalhos da Oficina de Autonomia, ao lado do artista Brandon LaBelle, com obras de áudio e vídeo que apontam para formas de navegar por regimes dominantes de inteligibilidade, gravadas no Brasil Espanha e Alemanha.

    Na Suíça, Temer sugere a Lula “palavra de harmonia” a Trump: "não podemos desprezar o poderio americano"

    Play Episode Listen Later Jan 23, 2025 4:43


    Os desafios do Brasil em um mundo em transformação são debatidos no Brazil Economic Forum, promovido nesta quinta-feira (23) em Zurique (na Suíça). O evento reúne empresários e autoridades como o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luis Roberto Barroso, o ministro do STF Gilmar Mendes, o ex-presidente Michel Temer e o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles. Lúcia Müzell, enviada especial da RFI Brasil a ZuriqueO momento de incertezas no cenário global, acentuadas pelo início da presidência de Donald Trump, dominou as discussões pela manhã, ao lado dos temas relacionados à sustentabilidade. O ex-presidente Michel Temer defendeu que as relações entre o Brasil e os Estados Unidos sejam menos pessoais, entre Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump, e sim institucionais, entre dois chefes de Estado.Temer considerou inadequado o comentário do líder americano que, já na posse, afirmou que "não precisa do Brasil”. Porém, avalia que o Brasil não deveria escalar nas declarações.“O que deve prevalecer é a relação institucional. Tem que fazer, é evidente, algumas observações críticas, se for o caso, mas especialmente lançar uma palavra de harmonia, porque nós não podemos desprezar o poderio da nação americana”, apontou o ex-presidente.Riscos da polarizaçãoO presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, participou por videoconferência da abertura do fórum e evocou os riscos que pairam sobre a democracia brasileira. “Nós estamos vivendo tempos muito incertos, muito sombrios, de obscurantismo, de negacionismo e de um saudosismo a coisas do passado que foram muito ruins para a humanidade. É muito importante que as pessoas responsáveis desse país possam se unir para fazer o enfrentamento devido de contenção e de combate a esse retrocesso democrático que muitos ainda tentam fazer no Brasil e fora”, argumentou.A polarização política no país, num contexto em que os dados começam a ser lançados para as eleições de 2026, também foi abordada por Luis Roberto Barroso. "Cada um acha que pode criar a sua própria narrativa, portanto acho que uma das coisas que nós precisamos no mundo contemporâneo é fazer com que mentir volte a ser errado de novo, e a gente possa trabalhar sobre fatos comuns, sobre os quais a gente possa formar a nossa opinião”, apontou.Situação econômicaO presidente da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), Isaac Sidney, ressaltou que em tempos “desafiadores”, a pressão sobre a solidez econômica do Brasil fica ainda maior. Sidney demonstrou preocupação com o  endividamento brasileiro, "apesar do grande esforço da equipe econômica"."Não podemos esperar que haja uma melhora do cenário internacional para fechar as nossas brechas", disse, ao defender o endurecimento do arcabouço fiscal no país, já que, “do lado das receitas, o plano já se esgotou”. "O mundo passa por um momento bastante turbulento, recheadas de muitas incertezas, que não nos dão espaço para errar”, disse. "Não é raro a gente encontrar forças populistas quando a gente vê aumento da inflação. Por isso, todo o cuidado com inflação é pouco, no mundo e no Brasil.”Enquanto isso, a 120 quilômetros de Zurique, o Fórum Econômico Mundial de Davos está em compasso de espera para a fala do presidente Trump, que deve acontecer às 17h (14h em Brasília), por videoconferência. Este deve ser o momento mais importante do evento, que reúne a cúpula econômica mundial no pequeno vilarejo nos Alpes suíços. O fórum começou na segunda-feira, dia da posse de Trump.A expectativa é como ele vai se posicionar sobre o multilateralismo, o livre comércio, as guerras na Ucrânia e em Gaza, mas também se vai mencionar temas que causaram temores de uma escalada global das tensões, como as possibilidades de anexação da Groenlândia, do Canal do Panamá e até do Canadá.

    Especialistas indicam os prós e contras da decisão da Meta de acabar com moderação nas redes sociais

    Play Episode Listen Later Jan 11, 2025 7:11


    Qual o impacto da decisão da Meta (Facebook, Instagram, WhatsApp) de cessar as suas operações de checagem de fatos nos Estados Unidos? A RFI Brasil ouviu especialistas do mercado digital para saber as implicações para os usuários e discutir as críticas feitas por empresas de tecnologia americanas sobre o que consideram um excesso de regulamentação neste setor na Europa. Maria Paula Carvalho, da RFI em ParisNa terça-feira (7), a Meta anunciou que encerraria o seu programa de moderação nos Estados Unidos e o substituiria por um sistema de notas da comunidade, semelhante ao usado pelo X, do bilionário Elon Musk. Para analistas, Mark Zuckerberg ilustra a vontade de grandes empresários da tecnologia de se alinharem à dupla conservadora formada por Musk e o presidente eleito Donald Trump.   Mas para Roberto Abramovich, professor de marketing e inovação na Iéseg, escola de comércio em Paris, o efeito da medida será nulo. "O impacto é zero. Na verdade, o que a gente vem notando nas mídias sociais é que há uma relação de confiança muito baixa hoje em dia, mesmo com todas os fact checkings e todas as moderações que coloquemos", diz.O professor aponta que o próprio modelo econômico das redes sociais é baseado em tráfego – de modo que quanto mais bombásticas, parciais e atendendo a um público as notícias são, mais as pessoas clicam e compartilham os posts. "As mídias sociais vivem disso", completa. "Portanto, se a informação é checada ou não, não muda o modelo", continua.Para Abramovich, "Zuckerberg reconheceu que o modelo dele é mais caro e não necessariamente melhor. Então, ele corta custo, se alinha com Elon Musk, que tem uma abordagem mais pró-Trump. Caíram as máscaras: somos o que somos e fazemos o que fazemos", observa.Checagem de fontes O acadêmico avalia que a única maneira de os usuários se protegerem de manipulação das informações é investigar suas fontes. "Todos nós temos de ser um pouco mais jornalistas e realmente checar as nossas fontes. A gente tem que ter um espírito crítico e entender que tudo o que se lê é simplesmente baseado num ponto de vista e tentar realmente entender a origem da informação", recomenda. Já Rafael Sasso, cofundador da startup Liquid AI e especialista em inovação, destaca que a posição da Meta visa impedir o uso político das redes sociais. "O governo dos democratas e o aparato de inteligência se apoderaram de mídias sociais como forma de controle de narrativa. Isso está discutido em milhares de horas no Congresso, no Senado, e está virando processos judiciais", destaca. Ele acredita que essa situação "vai fazer com que algumas cabeças no aparato de inteligência americano sejam cortadas na troca de governo".Para Sasso, professor-associado também na Iéseg, essa discussão acabou prejudicando os democratas. "Politicamente, você viu muitos professores, muitos intelectuais mudando de lado exatamente por causa disso. Eu não estou defendendo a extrema direita, o que eu estou falando é que todo mundo deveria ter voz igual e a partir daí, a gente criar maneiras de regular extremos. Você não vai deixar o nazismo ter voz, por exemplo", comenta.  Apesar da relevância do tema, Sasso explica que ainda não existe uma solução para o problema da manipulação das informações divulgadas nas redes sociais. O uso político é a maior fonte de problema na discussão da liberdade de expressão nas redes sociais, na sua opinião. "O problema é eu usar [a moderação] para calar a voz que vai contra mim ou a minha narrativa. A grande pergunta é: como a gente isola o uso político? Se a gente conseguisse isolar o uso político, a gente conseguiria regular isso de uma maneira pró-democracia", aponta. Regulamentação europeiaNa Europa, onde a regulamentação do setor é maior, a Comissão Europeia rejeitou “categoricamente” as acusações de censura lançadas pelo presidente da Meta, Mark Zuckerberg. Diante da pressão das empresas de tecnologia americanas, o desafio do bloco será manter-se firme na regulação da internet sem, no entanto, prejudicar a sua relação com os Estados Unidos."Acho que a preocupação é totalmente legítima. O que era um risco, quando a gente imaginava um cenário um pouco futurista daquele empresário que domina uma empresa gigantesca e essa empresa faz coisas para dominar o mundo, eu acho que hoje é real", compara Roberto Abramovitch.. "Não é mais uma suspeita, mas um desejo, uma ação de proprietários de mídia, que no caso é o Musk, de fazer esse tipo de interferência direta na política. Isso está acontecendo", alerta.Para Abramovich, a União Europeia tem razão de querer se proteger. "Se a gente olhar friamente na Europa, há uma transição gradual da esquerda para a direita. Esses grupos políticos estão sendo expostos através de pessoas como o Musk e o Trump. Então, isso realmente é preocupante", afirma. "A Europa tem uma abordagem para economia de mercado que é um pouco mais protetora. Ela acredita que as entidades podem atuar, mas ela não acha que tem que ser um quadro de impunidade", conclui.    Em contraposição, o pesquisador de tecnologias Rafael Sasso vê em Elon Musk um defensor da pluralidade nas redes socias. "O Musk é um caso de democrata que ficou chocado com o que os democratas fizeram nos últimos anos nos Estados Unidos e na política global pelos aparatos de inteligência", avalia. "Quando comprou o Twitter, ele virou para outro lado. Como Musk, muita gente que votou no Trump também não é republicana. Eles estão sendo contra aquilo que foi feito nos últimos anos, contra as ações antidemocráticas que foram instauradas, contra as fake news oficiais", analisa. Sasso destaca que é preciso ter regulação e criar maneiras de monitoramento para não permitir que a influência política e da inteligência tenha força para controlar as narrativas. As divergências apontadas pelos especialistas ilustram os enormes desafios futuros para empresários e o público das redes sociais. 

    França relembra 10 anos do atentado contra o jornal satírico Charlie Hebdo

    Play Episode Listen Later Jan 7, 2025 10:36


    A França lembra a partir desta terça-feira (7) os 10 anos da série de atentados terroristas que marcou o país e o mundo. Entre 7 e 9 de janeiro de 2015, os irmãos Kouachi e Amedy Coulibaly assassinaram 17 pessoas em ataques ao jornal satírico Charlie Hebdo, em Paris, na região de Montrouge e no Hyper Cacher, supermercado frequentado pela comunidade judaica, nos arredores da capital francesa. A RFI Brasil reconstitui os três dias de ataques terroristas que chocaram a França e o planeta. Na manhã do dia 7 de janeiro de 2015, os franceses acordam com a notícia do primeiro de uma série de atentados que paralisam o país. Usando um capuz e carregando fuzis automáticos russos do tipo Kalashnikov, os irmãos Kouachi, Saïd e Chérif, se dirigem ao 11º distrito de Paris, a sede do jornal satírico Charlie Hebdo, e perguntam a uma mulher na rua o endereço exato do local, neste que marcará a história da França como o primeiro ataque terrorista à sede de um veículo de imprensa.Por volta de 11h20, os terroristas forçam um funcionário a entrar no prédio e sobem ao segundo andar, onde acontece a reunião de pauta. Os irmãos Kouachi invadem a sala e abrem fogo, matando 12 pessoas, incluindo figuras icônicas do jornal, como Charb, Cabu, Wolinski, Tignous e o economista Bernard Maris. Na sequência, eles gritam: "Allahu akbar", slogan apropriado da religião muçulmana pelos radicais islâmicos que significa “Deus é o maior”, dizendo logo depois "Vingamos o Profeta Maomé".Exatamente às 11h30 do 7 de janeiro, os irmãos Kouachi deixam o local de carro e após um confronto com uma patrulha policial, executam à queima-roupa o policial Ahmed Merabet na rua. Às 11h50, os terroristas abandonam o carro no nordeste de Paris e continuam a fuga em outro veículo.Mas o pesadelo estava longe de acabar. No dia seguinte, 8 de janeiro de 2015, os franceses são surpreendidos por um novo tiroteio na região de Montrouge, ao sul de Paris. Por volta de 8h, Amedy Coulibaly, cúmplice dos irmãos Kouachi, mata uma policial municipal, Clarissa Jean-Philippe, e foge, deixando pistas que conectam seu ato aos irmãos Kouachi. As autoridades francesas seguem a pista, mas não conseguem localizar os agressores, deixando o país em suspenso.Hipermercado judeu: o pesadelo continuaNo dia 9 de janeiro, os irmãos Kouachi são finalmente localizados às 8h e meia da manhã em Dammartin-en-Goële, a 35 km ao nordeste de Paris. Eles se refugiam em uma gráfica, fazendo um funcionário refém. Mais tarde, por volta de uma da tarde, Amedy Coulibaly invade o supermercado judeu Hyper Cacher, na porta de Vincennes, no leste da capital francesa. Ele mata quatro pessoas e faz vários reféns, exigindo a libertação dos irmãos Kouachi.Às 17h, as forças da tropa de elite do batalhão antiterrorista da França invadem a gráfica onde se encontram os irmãos Kouachi e ambos são mortos pelas forças de segurança. Ao mesmo tempo, uma unidade de intervenção especializada da polícia nacional francesa intervém no Hyper Cacher. Coulibaly é morto, e os reféns sobreviventes são libertados.Caricaturas de MaoméNo entanto, a redação do Charlie Hebdo já era vigiada pela polícia francesa desde 2011, e, desde 2006, o jornal satírico sofria ameaças por publicar caricaturas de Maomé. Em 25 de setembro de 2020, um jovem paquistanês apareceu na rue Nicolas Appert, no leste de Paris, armado com uma faca de açougueiro. Zaheer Mahmoud pensava que estava em frente à sede do Charlie Hebdo e feriu gravemente duas pessoas.Na realidade, o jornal havia se mudado cinco anos antes para um local ainda mantido em segredo, após o ataque que dizimou sua equipe editorial, mas o agressor não sabia disso. Sob custódia da polícia, ele declarou que não suportava a nova publicação de caricaturas de Maomé nas páginas do Charlie Hebdo, que havia decidido republicá-las algumas semanas antes, na abertura do julgamento dos ataques de janeiro de 2015. A decisão do jornal provocou explosões de raiva em vários países muçulmanos, inclusive no Paquistão, país de origem de Mahmoud.Ao todo, a série de ataques terroristas deixou 17 mortos, sendo 12 na redação do jornal satírico Charlie Hebdo, uma policial em Montrouge e quatro pessoas no supermercado judeu Hyper Cacher. Os atentados marcaram profundamente a França, gerando uma imensa mobilização nacional, simbolizada pela gigantesca manifestação espontânea de 11 de janeiro de 2015, realizada na praça da República, na capital francesa.Em 2020, foi realizado o julgamento de 14 acusados da série de atentados, cujas penas foram de 4 anos de detenção à prisão perpétua.  O corpo do webmaster Simon Fieschi foi encontrado sem vida no quarto de um hotel em Paris, em 2024. Atingido por tiros de fuzil que fragilizaram definitivamente seu estado de saúde, ele era um dos sobreviventes do tiroteio que dizimou a redação do Charlie Hebdo e é considerado a 18ª vítima do atentado. "Je suis Charlie"Os atentados geraram uma imensa mobilização nacional, simbolizada pela gigantesca manifestação espontânea de 11 de janeiro de 2015, realizada na praça da República, na capital francesa.A manifestação reuniu cerca de quatro milhões de pessoas na França, tornando-se uma das maiores mobilizações da história do país. Em Paris, entre 1,5 e 2 milhões de pessoas marcharam em homenagem às vítimas dos ataques.No restante da França, cerca de dois milhões de pessoas participaram de manifestações em várias cidades, criando o famoso slogan que se tornou uma hashtag utilizada nas redes sociais do mundo inteiro: “#JesuisCharlie”, ou “#EusouCharlie”, em português.Entrevistado pela RFI, Guilherme Canela, diretor da seção para a Liberdade de Expressão e Segurança de Jornalistas da Unesco, defende o humor como elemento-chave da liberdade de expressão. “O importante é trazer a discussão para a esfera pública. Ou seja, como proteger o humor, vis-à-vis de outras questões que também têm que ser discutidas. E infelizmente, a intolerância há 10 anos não permitiu fazer uma discussão saudável", analisa."A discussão foi para a violência, porque o problema não é discutir, o problema não é ser contra ou dizer ‘nós achamos que tal coisa é de bom gosto ou de mau gosto. Isso também é parte da liberdade de expressão. O problema é partir para a violência e não o diálogo ou a discussão sobre essas questões”, avalia Canela.Memória e futuroO atual diretor do Charlie Hebdo, Gérard Biard, falou à RFI sobre o papel do jornal satírico em 2025. "Trata-se da memória de todos aqueles que fizeram Charlie, e ao fazermos o Charlie, perpetuamos também a memória de Cavanna, que o criou junto com Choron. Assim, perpetuamos também a memória de GB, de Fournier, de todas essas pessoas que fizeram de Charlie o que ele era e o que ele ainda é. Então, é isso que precisamos transmitir", declarou."O 7 de janeiro de 2015 é uma data fundamental, obviamente, na história do jornal. Mas não devemos parar por aí, mesmo que sempre voltemos a isso. Hoje somos uma redação entre 30 e 40 pessoas que colaboram, com muitos jovens desenhistas e jornalistas, de ambos os sexos. São eles que farão o Charlie Hebdo daqui a 10 anos. É para isso que estamos caminhando, é sobre isso que pensamos e é para isso que estamos indo, espero, em direção ao futuro", concluiu Biard.Dez anos depois dos ataques terroristas que marcaram a França, o serviço especial antiterrorista da polícia francesa evoluiu algumas de suas práticas, estreitando significativamente a colaboração entre os batalhões de elite especializados. Mas a principal consequência prática dos ataques de janeiro é a Lei de Inteligência de 24 de julho de 2015. Ela define a estrutura dentro da qual os serviços de inteligência da França estão autorizados a usar técnicas de acesso a informações, seja por telefone ou escuta eletrônica.

    Ex-pastor brasileiro está preso na França acusado de abuso sexual contra menores e estupro incestuoso

    Play Episode Listen Later Dec 30, 2024 15:27


    Um brasileiro está preso na França suspeito de diversas agressões sexuais, abuso contra menores e estupro incestuoso. A RFI Brasil ouviu vítimas e seus familiares, que temem que o acusado seja solto e continue a molestar outras crianças. Edi Maikel dos Santos Silva, de 37 anos, é natural de Belém do Pará. Ele chegou a atuar como pastor em Annemasse, uma pequena cidade francesa na fronteira com a Suíça.   Aviso: essa reportagem contém depoimentos fortes Maria Paula Carvalho, da RFI em ParisHá dois anos e meio, Edi Maikel dos Santos Silva está preso preventivamente na França, de acordo com decisão do Tribunal de Annecy, no sudeste do país. Pelo menos oito vítimas prestaram queixa à Justiça e relataram ter sido agredidas pelo acusado, ao longo dos últimos 20 anos.    Camilla Araújo de Souza é sobrinha do acusado. O que não impediu os abusos, que começaram quando ambos moravam na Guiana Francesa, em 2002. Hoje, aos 28 anos, ela lembra das primeiras agressões. "Tudo começou quando eu tinha seis anos, ele veio morar com a gente durante um tempo e foi a primeira vez que aconteceu", diz. "Minha mãe surpreendeu a gente, ele tentando esfregar o pênis dele no meu bumbum. E quando a minha mãe viu isso, eu achei que ela iria brigar com ele mas, na verdade, ela me bateu e brigou comigo", relata. "Ele é meu tio, irmão da minha mãe. Depois disso, os meus pais se separaram e a gente morou com a minha avó, depois com a minha tia. Quando a gente estava na minha avó, ele tentou fazer de novo. Mais uma vez tentando esfregar o pênis dele em mim", conta. Ja morando na França, o assédio continuou. "Ele veio com um papo para cima de mim dizendo que uma mulher tem uma 'capinha' na vagina, que precisa tirar isso e se não for uma pessoa que tire, tem que ir no médico fazer uma cirurgia, que todas as mulheres passam por isso e que ele queria fazer isso comigo", diz. "E eu caí no papo, foi assim que começaram as penetrações do pênis dentro da vagina, quando eu tinha 12 ou 13 anos. E depois disso, eu voltei para casa e, sempre que não tinha alguém por perto, ele tentava algo. Me chantageava (dizendo) que ia se matar se eu não fizesse tal coisa", continua. "Ele me seguia, sabia os meus horários, uma vez me pegou de canto, com uma faca na mão, e disse que se eu não fugisse com ele para Lyon, iria se matar. E eu com medo acabei indo, porque a gente fica pensando: ele é tio, mais velho, tem que obedecer. Nisso, quando a gente estava em Lyon, eu fiquei um tempo sem menstruar e deu positivo", lembra a jovem. A gravidez não se confirmou em um segundo exame, mas o trauma estava longe do fim. A RFI teve acesso a exames psicológicos feitos na vítima no âmbito do inquérito, que apontam "manifestações massivas de stress pós-traumático", "sofrimento persistente", "crises de ansiedade", "medo" e "sentimento de culpa". Hoje, mãe de um casal de filhos, Camila teme pelo futuro. "O meu maior medo é de acontecer a mesma coisa, principalmente com a minha filha", diz. "O que mais me revolta é você falar que é cristão, que acredita em Deus, mas não assume o que fez, então não está arrependido", lamenta. "Me revolta muito o fato de ele falar que nunca aconteceu nada, que ele nunca teve desejo por adolescentes, por crianças, sendo que ele deixou trauma em todas nós, em mim, nas minhas primas. O que mais me revolta é ele não assumir e ainda ter gente que ajuda", desabafa.  Foi outro tio de Camila que insistiu na denúncia. A RFI conversou com Fabrício Cordeiro Brasil, que imediatamente percebeu o comportamento suspeito do ex-cunhado, que na época chegou a fugir com a menina. "Eu falei que isso não é normal. Ele é uma pessoa de maior. Ela tem 13 anos, isso se chama pedofilia, incesto. E vocês não têm o direito de esconder isso. Nem a mãe e nem vocês as tias", relembra.  Porém, foi somente quando descobriu que as próprias filhas também haviam sido molestadas, que Fabrício pôde denunciar Edi Maikel. Assim como Camila, outras primas dela confessaram terem sido abusadas."Nunca pensei que ele seria capaz de fazer isso"Kissia era uma criança na época. "Eu era pequena, tinha cinco ou seis anos, morava na Guiana Francesa e, nessa época, o meu tio Edi Maikel morou com a gente em um estúdio e ele dormia na mesma cama que eu. Todas as noites, eu me acordava com a mão dele na minha calcinha", revela. "Ele era um tio que eu amava muito, eu nunca pensei que ele seria capaz de fazer isso. E que não era só com a gente, mas eram muitas pessoas. Ainda mais que ele era pastor e trabalhava com crianças", afirma. "Nesse caso o que me chocou mais nem era ele, mas a minha mãe que não acreditou em mim e que fica até hoje defendendo ele", acrescenta. Em novembro, Edi Maikel pediu liberdade condicional, mas a justiça negou. Um alívio temporário para as vítimas, como Kissia, que aguarda apreensiva o julgamento definitivo. "Não ter essa certeza que ele vai ficar na prisão indefinidamente, tem essa insegurança que ele possa sair e que a justiça não acredite na gente. E tem também essa dor, esse sentimento de que a nossa própria mãe e a família do lado dos Santos Silva não acreditam na gente, isso machuca muito, até hoje", lamenta a jovem.  A irmã dela, Victoria Cordeiro, também conta ter sido abusada pelo tio. Foi em 2009, quando a família passava uma temporada no Brasil. Na época, a menina tinha quatro anos. Ela lembra de ter contado os fatos para a mãe, a irmã do agressor, que segundo ela nada fez a respeito. Somente aos 17 anos, a jovem tomou coragem para falar sobre o assunto.  "Enquanto os outros dormiam, eu fui ao banheiro e Edi Maikel me seguiu. Eu pedi a ele para me ajudar, ele pediu que eu me virasse de costas e começou a me tocar de forma estranha nas partes íntimas. Foi desagradável, mas aos 4 anos, eu não sabia o que acontecia. Ele não parou, fazia coisas atrás de mim, apesar de eu chorar. Quando ele terminou, mandou eu me calar e me deu um pirulito para eu me conter". Hoje, aos 20 anos, Victoria ainda sofre com essas memórias. "Até hoje, é um choque para mim. Esse homem que se faz passar por um pastor e que é um pedófilo. É insuportável, não tenho outra palavra", completa. "Eu me sinto decepcionada, com raiva, traída, como todas as vítimas. Me sinto destruída, frustrada, desesperada, sobretudo. É uma mistura de todos esses sentimentos", conclui a vítima. Enteada também denuncia agressãoA reportagem também entrevistou a ex-mulher de Edi Maikel. Mayra Angela Silveira Vieira já tinha uma filha, Marjorie, quando passou a viver com o acusado. "A gente era casado havia onze anos. Quando a gente se conheceu, a Marjorie tinha quatro anos e, logo em seguida, já chamou ele de pai", contextualiza. "Era essa a relação de pai e filha. E quando ela tinha 15 anos, isso veio à tona. O comportamento dela estava bem diferente. Havia muito ciúme da parte dele, uma possessão. Nessa época eu me separei dele e percebi que, durante uns três meses, ela ficou muito feliz, radiante", relata.   Ao estranhar o comportamento da filha, Mayra resolveu investigar. "Alguma vez ele já te faltou respeito, ele te desrespeitou?", perguntou a mãe. "Aí, ela baixou a cabeça e começou a chorar. Não queria falar. Eu insisti e ela só chorou e disse que sim. Eu perguntei quando foi a primeira vez e ela disse que tinha 5 anos. Perguntei quando foi a última, ela disse: foi quarta-feira passada. Ou seja, ela vivia isso durante 10 anos", calcula. "Eu pensei que eram só toques, carícias, mas a irmã dele falou: não foi só isso. Teve outras coisas mais sérias", explica. Mayra conseguiu uma confissão do ex-marido, em um vídeo. A conversa foi gravada no âmbito de uma formação que ambos faziam para ser psicanalistas. "Aí foi quando ele, no vídeo, confessou. Foi uma peça fundamental, a polícia recebeu este vídeo traduzido. Nesse mesmo dia, eu mandei ele sair de casa e falei: se você não sair por espontânea vontade, eu vou denunciar".  A conclusão do exame psicológico feito pelo Tribunal de Annecy em Marjorie Vieira Palheta, hoje com 18 anos, não deixa dúvidas sobre os transtornos provocados no desenvolvimento da jovem. Ela afirma "ter medo de homens" e que o padrasto agia como se tivesse "dupla personalidade". Ela sofre de insônia, tem pesadelos e não suporta a vergonha pelo ocorrido. A mãe dela busca justiça. "Isso de certa forma me matou, porque depois disso eu nunca mais fui a mesma pessoa", afirma Mayra. Interrogado pelo juiz, Edi Maikel diz não se lembrar dos fatos e ter sido vítima de amnésia após uma queda. Ele nega ter tido relações sexuais com as vítimas. O acusado também passou por exames psicológicos, em novembro passado. No laudo, ao qual a RFI teve acesso, ele revela ter sofrido agressões sexuais por três adolescentes, quando tinha entre seis e sete anos, e ter sido vítima de maus tratos da madrasta. Edi Maikel alega ainda ser vítima de um complô e de mentiras.A RFI Brasil entrou em contato várias vezes com o advogado do acusado, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.O que prevê a justiça francesaA advogada de defesa das vítimas, Sylvie Correia, explica que os depoimentos delas serão fundamentais para uma possível condenação. "Não temos nada provado. Em casos de estupro e agressões sexuais, em 99% dos casos, é a palavra de um contra a palavra de outro, porque não tem ninguém presente no momento dos fatos", diz. "O que vale neste caso, é que tem muitas pessoas que não se conhecem e que se queixam da mesma coisa. Ou seja, é o número de vítimas que vai fazer com que realmente o juiz preste atenção", acrescenta. Caso seja condenado, Edi Maikel pode pegar até 20 anos de prisão, já que a legislação do país prevê penas mais duras quando há agressão de membros da própria família. "Isso na França é uma circunstância agravante, pois se considera que o padrasto, o pai, o tio tem autoridade sobre a vítima e, então, é mais grave perante a justiça", explica a advogada Sylvie Correia. "Ele tem aquele jeito de dizer que é bom, falar muito de Jesus, falar de Deus e as pessoas acreditam nele. Ele é muito bom falador. Foi assim que conseguiu enganar a todos", conclui. Edi Maikel dos Santos Silva continuará em prisão provisória até o mês de maio, quando poderá recorrer novamente. Para a Justiça francesa, essa é a única forma de evitar que ele possa pressionar as vítimas, prejudicar a investigação ou mesmo fugir para o Brasil. 

    Fenasamba e Federação de Carnaval de Paris assinam parceria para promover samba e carnaval na França

    Play Episode Listen Later Dec 20, 2024 8:24


    A Fenasamba, entidade que representa mais de 100 ligas municipais e 1000 escolas de samba do Brasil, assinou em Paris um acordo de cooperação com a Federação de Carnaval Tropical de Paris (FCTP). O objetivo é promover o intercâmbio entre as duas entidades para trocas de experiências e fortalecer a cultura do samba e do carnaval.   Durante a cerimônia realizada na quinta-feira (12) na Assembleia Nacional Francesa, os presidentes da Fenasamba e da Federação de Carnaval de Paris destacaram a importância de estreitar os laços culturais entre o Brasil e da França.“O Brasil tem construído acordos na América Latina. Já temos acordos firmados com o Panamá, a Colômbia, a Argentina e o Uruguai, que inclusive organizam bons desfiles de escolas de samba, em espaços próprios e sambódromos. Estamos agora construindo uma ação na Europa, a partir da França, que tem a experiência de faz um espetáculo carnavalesco na maior cidade turística do mundo”, diz Kaxitu Campos, presidente da Fenasamba em entrevista à RFI.  Segundo ele, o carnaval brasileiro gera um ativo de US$ 2 bilhões e uma importante vitrine para a difusão da cultura brasileira no exterior. “O carnaval é uma atividade econômica importante, é um desenvolvimento para as comunidades mais pobres, com mais dificuldades. Os recursos do carnaval atingem de forma democrática toda uma população”, acrescenta.Durante a assinatura do acordo de cooperação, o presidente da Federação do Carnaval Tropical de Paris, Thierry Lacroix, destacou o histórico do carnaval promovido há 25 anos nas ruas da capital francesa. A festa popular, realizada no meio do ano, exibe tradicionalmente as manifestações populares típicas dos territórios ultramarinos franceses da Guadalupe, Martinica e da Guina Francesa.Segundo Thierry, o carnaval parisiense tem sua própria identidade, mas a intenção é também abrir espaço para manifestações carnavalescas de outros países e particularmente o Brasil.“Estamos cooperando plenamente para que possamos desenvolver e trocar cultura e know-how, e aprender com a Fensamba também. No aspecto econômico, ainda não somos uma potência. Mas aqui também temos figurinistas, costureiras que podem ensinar nossos associados e também poderão ir ao Brasil para fazer cursos de treinamento, e também trocar ideias sobre o carnaval. Sabemos que o Brasil é o carnaval número um do mundo. Aqui ainda estamos nos primeiros passos”, destaca Therry Lacroix.Os primeiros intercâmbios serão realizados já a partir do início de 2025, com o convite da Fenasamba para que uma delegação da FCTP possa ver de perto os desfiles das escolas de samba no Rio de Janeiro e dos blocos de rua durante o carnaval carioca. Muitas outras atividades estão previstas no âmbito da temporada cultural do Ano do Brasil na França, no primeiro semestre do ano, e da França no Brasil, no segundo semestre.“Nós vamos trazer mais de 100 brasileiros das escolas de samba para desfilar no carnaval de Paris e vamos fazer também uma exposição de arte com artistas brasileiros”, afirma Kaxitu. O presidente da Fenasamba também conta com a presença da FCTP no primeiro Encontro Mundial de Culturas Carnavalescas a ser realizado em setembro em Florianópolis.O acordo de cooperação entre a Fenasamba e Federação do Carnaval Tropical de Paris tem o apoio do Ministério da Cultura do Brasil, que enviou a Paris o coordenador do grupo de trabalho do Carnaval do Minc, Yuri Soares Franco, para prestigiar a assinatura do documento que oficializou a parceria."A gente entende o papel importante das relações internacionais para a promoção da cultura brasileira no mundo e para o intercâmbio com outras culturas com as quais temos diálogo. O carnaval é o grande expoente da cultura brasileira, que gera tanto visibilidade quanto empregos, renda, turismo e economia criativa. É importante para a difusão cultural do carnaval tanto no Brasil quanto na França”, afirmou Yuri. Para o presidente da FCTP, a presença de representantes das escolas de samba do Brasil em Paris no ano que vem vai reforçar o interesse crescente pelos desfiles que acontecem na capital francesa e também pelas escolas e clubes que se formam na cidade e atraem diversas comunidades.“Os parisienses adoram samba, basta olhar a diversidade nas escolas de samba e elas são culturalmente diversas, com brasileiras, francesas ou das Antilhas, todas as comunidades amam o samba. Trata-se de compartilhar a cultura, aprender com os outros. Porque há uma coisa que não podemos nos esquecer: o carnaval, seja no Brasil, na Martinica, em Guadalupe ou em Paris, é uma válvula de escape”, finaliza Lacroix.

    Nova York dá início à temporada de Natal com mercado de inverno que encanta turistas

    Play Episode Listen Later Dec 12, 2024 12:54


    O Papai Noel pode até ter suas origens no Polo Norte, mas foi em Nova York que ele fez sua morada. A decoração cuidadosamente pensada, com pinheiros iluminados nos principais parques da cidade e vitrines especialmente enfeitadas nesta época do ano, deixa claro que a cidade é a terra do Natal. Luciana Rosa, correspondente da RFI em Nova YorkCom o início de dezembro, começa oficialmente a temporada de festas. A inauguração das luzes da tradicional árvore de Natal do Rockefeller Center e também do pinheiro instalado no coração da cidade, no Bryant Park, na semana passada, são o pontapé inicial.Há 12 anos acontece no Bryant Park uma feira de inverno ao ar livre, bem ao estilo dos mercadinhos de Natal europeus, chamada Winter Village (vila de inverno).Com cerca de 170 postos de venda ao ar livre, a feira atrai turistas e nova-iorquinos interessados em decoração natalina, presentes, lembrancinhas ou apenas em um bom chocolate quente para amenizar as baixas temperaturas.Um dos produtos mais populares são as divertidas sacolas de pano que trazem mensagens que refletem o espírito da cidade. A que traz a mensagem “Você não é um verdadeiro nova-iorquino até você aprender a andar depressa” ficou famosa nas redes sociais."Há muitas pessoas aqui que vêm de várias partes do mundo, muitos turistas internacionais, então é muito divertido. Eles ficam empolgados com nossas bolsas e sacolas, e geralmente dão boas risadas lendo as mensagens enquanto escolhem o que levar para casa para os amigos e familiares", conta Jensen Wheeler-Wolf, que trabalha no quiosque das sacolas.Originalmente de Chicago, Jensen concorda com a mensagem de que não é fácil seguir o ritmo de Nova York. "A competição aqui é alta, o nível é alto, então as habilidades precisam ser altas. É empolgante. Alguém me disse uma vez que, em Nova York, a pergunta não é 'o que você fez ultimamente', mas sim 'o que você vai fazer agora'. Esse é o novo mantra", explica a comerciante.Anualmente, mais de 12 milhões de pessoas passam pelo Bryant Park.De acordo com o CEO do banco que promove a atividade, somente na temporada de 2023, o mercado de Natal gerou cerca de 40 milhões de dólares em receita.Uma das propostas do mercado natalino de inverno é promover empresas locais de médio e pequeno porte. Eles têm a oportunidade de estar em uma localização privilegiada como o centro de Manhattan durante uma temporada alta de turismo.Existe até um concurso que seleciona quatro pequenos empreendedores para ocupar um dos quiosques da vila de forma gratuita por duas semanas cada um.GastronomíaEm se tratando de negócios, os quiosques de comida estão entre os mais buscados. Entre eles, o Strawberro tem uma das filas mais longas de espera por uma sobremesa que, como explica Teagan, é uma combinação de chocolate, pistache e outros ingredientes. "É algo como pistache, chocolate ao leite... nem sei exatamente o que mais tem, talvez pasta de pistache. É muito bom", diz.Ela e a amiga Resen, ambas de 17 anos, vieram de Ohio para passar as festas em Nova York e contam que estão na expectativa para a inauguração da árvore de Natal.No meio de muitas ofertas, um nome soa familiar, ainda que com uma grafia diferente. É a nossa coxinha, aqui escrita "Cosheenya".Alexandre Cavalcante, que é brasileiro e atende no quiosque de salgadinhos, conta que o movimento é muito grande, principalmente nos finais de semana e durante a hora do almoço.Ele explica que o pastel é o produto mais procurado. "Por causa dos latinos que temos aqui, eles têm as empanadas, e nós temos o nosso pastel. Se falamos 'pastel', eles entendem como bolo. Então eles compram bastante nossas empanadas, que são parecidas com as deles, mas as deles são assadas e as nossas são fritas". Cavalcante diz que as coxinhas também foram muito bem recebidas pelo público.Mas, a clientela não é formada apenas por brasileiros saudosos de seu país. Chelsea, que é portuguesa, veio atrás de churros recheados de doce de leite para o filho, que é metade colombiano. "Ele ama churros com doce de leite. É algo especial para ele", diz a turista.Patinar no gelo quase de graçaA Winter Village do Bryant Park tem início no final de outubro e se estende até o começo de março, mas o mercado de Natal encerra as atividades no início de janeiro (5).Uma das atrações principais é a pista de patinação no gelo de 1.500 metros quadrados, que pode ser usada de forma gratuita. Os turistas precisam gastar apenas com o aluguel do equipamento para patinar. Ela fica aberta até meia-noite durante os finais de semana.Cena presente em muitos filmes de Natal realizados em Nova York, a patinação no gelo abre a noite de estreia oficial da vila.Na pista, profissionais do esporte se misturam com patinadores infantis, como as meninas do Figure Skating in Harlem, e encantam o público presente no Bryant Park.Finalizado o espetáculo na pista, os olhos se voltam para a enorme árvore de Natal instalada ao fundo do parque. A iluminação do pinheiro indica que está aberta oficialmente a temporada de Natal em Nova York. 

    Brasileiras contam como foi restaurar capelas, sacristia e órgão da catedral Notre-Dame de Paris

    Play Episode Listen Later Dec 4, 2024 16:10


    Quando as portas da catedral mais famosa do mundo, a Notre-Dame de Paris, forem oficialmente reabertas no sábado (7) na presença do presidente francês Emmanuel Macron, além de outros 50 chefes de Estado, os brasileiros terão do que se orgulhar. Duas brasileiras, Luciana Lemes e Juliana Cavalheiro Rodrighiero, ajudaram a restaurar respectivamente o órgão, suas capelas e sacristia. Em entrevista à RFI, elas contam como foi a emoção de retocar um dos templos religiosos mais antigos do mundo. Márcia Bechara, da RFI"Trabalhei na restauração da Catedral de Notre-Dame de Paris, especificamente na parte de pinturas murais decorativas. Minha atuação se concentrou na capela Porte Rouge e na capela Saint-Germain, além da finalização da restauração dos móveis da sacristia", conta Juliana Cavalheiro Rodrighiero, que tem experiência como restauradora de pintura decorativa e mural no Atelier Mériguet-Carrère, em Paris."Na capela Porte Rouge, acompanhei o trabalho desde o início, participando de todas as etapas: higienização, fixação, aplicação de massa niveladora, verniz e reintegração cromática. Essa capela, particularmente afetada pelo incêndio e pela umidade, exigiu esforços intensos para recuperar suas cores e ornamentos, como os tons vibrantes e as estrelas douradas", detalha a profissional brasileira, que acumula também os títulos de doutora em Memória Social e Patrimônio Cultural pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), e doutora em Antropologia pelo Laboratoire Interdisciplinaire de Recherches Sociétés, Sensibilités, Soin (LIR3S) junto à Université de Bourgogne Franche-Comté, na França.Três banhos por dia para eliminar resíduos tóxicosRodrighiero relata como era o ritmo do trabalho dentro da catedral mais famosa do mundo. "O dia começava às 8h30 e terminava às 17h, com uma pausa de uma hora para o almoço. Por questões de segurança, devido à contaminação por chumbo, seguimos um protocolo rigoroso: trocávamos de roupa ao entrar e sair da área contaminada e tomávamos banhos obrigatórios, às vezes até três por dia, para eliminar qualquer resíduo tóxico. O almoço era oferecido no próprio canteiro, o que facilitava a rotina", diz.Desafios e momentos marcantes"O maior desafio", conta a restauradora, foi a "responsabilidade envolvida". "Restaurar um patrimônio da humanidade, como a Catedral de Notre-Dame, é um trabalho que exige extremo cuidado técnico e científico. Além disso, havia uma constante supervisão por parte de profissionais e arquitetos do patrimônio, reforçando a importância e o peso dessa tarefa histórica", avalia."Dois momentos me marcaram profundamente. O primeiro foi minha chegada à catedral. Eu acompanhei o incêndio de 2019 ainda no Brasil, com o temor de nunca conhecer Notre-Dame. Entrar na capela pela primeira vez e vê-la danificada foi uma experiência emotiva, misturando orgulho e responsabilidade. O segundo momento foi a retirada dos andaimes, que revelou o resultado completo do trabalho, mostrando a beleza das capelas restauradas com suas cores vibrantes e ornamentos originais. Foi emocionante ver nosso esforço reconhecido pelas pessoas que visitaram o local durante o processo", sublinha Rodrighiero .A beleza das "cores originais""Para reconstituir as cores originais, utilizamos principalmente nossa expertise técnica, analisando visualmente e ajustando as misturas até chegar ao tom mais próximo possível. Era um trabalho minucioso, especialmente devido à diversidade e intensidade das cores da catedral", conta a restauradora, natural de Pelotas, no interior do Rio Grande do Sul."Embora minha vida pessoal muitas vezes se misture com a profissional, considero a conservação e a restauração uma paixão. Esse envolvimento integral com o trabalho torna a experiência mais gratificante, pois sinto que contribuo diretamente para preservar a história e a cultura para as futuras gerações", diz a brasileira."Infelizmente, não estarei presente na reabertura oficial da catedral, pois retornei ao Brasil para desenvolver novos projetos profissionais. No entanto, planejo visitá-la no próximo ano para contemplar o resultado final e rever o trabalho realizado por mim e meus colegas", espera Rodrighiero.Órgão de Notre-Dame afinado por uma brasileira"O momento mais emocionante foi a primeira vez que entrei na catedral com a equipe e subi as escadas. Aquela atmosfera grandiosa me transportou para emoções e memórias que nem vivenciei, mas que pareciam ecoar na minha mente", conta Luciana Lemes, que integrou a equipe de restauração e afinação do órgão de Notre-Dame, construído pelo francês Aristide Cavaillé-Coll (1811-1899), o mais famoso artesão deste tipo de instrumento do século 19. "Era como se cada passo fosse carregado de história e significado. Pensei no quanto minha trajetória foi difícil, mas, ao mesmo tempo, senti uma imensa honra por estar ali", relata com emoção a brasileira."Esse trabalho foi especialmente significativo para mim, pois venho de Lorena [interior de São Paulo], onde existe um órgão menor construído pelo mesmo artesão responsável pelo órgão de Notre-Dame", revela Lemes, que, na época, trabalhava para a empresa Quoirin, especializada no setor. "Desde pequena, eu sonhava em ter contato com órgãos franceses, mas nunca imaginei que teria a honra de trabalhar diretamente em Notre-Dame. Meu objetivo inicial ao vir para a França era aprender a profissão e, um dia, retornar ao Brasil para contribuir com os órgãos de lá. Ser convocada para um projeto dessa magnitude foi um privilégio indescritível", afirma a profissional.Desafio foi "o barulho" durante a reforma"O maior desafio durante esse processo foi trabalhar em meio à movimentação de outras equipes na catedral", relata Luciana Lemes. "Havia pintores, operadores de andaimes e outras máquinas, o que gerava muito barulho e dificultava nosso trabalho, que exige silêncio e concentração. Apesar disso, conseguimos concluir com sucesso a restauração da fachada e a afinação do instrumento", diz."A harmonização é uma etapa crucial, pois define o timbre e a entonação de cada tubo, caracterizando o som único do órgão. Já a afinação é a última etapa, responsável por ajustar a precisão sonora. É um trabalho extremamente delicado e detalhista, e cada um dos 8 mil tubos foi harmonizado e afinado individualmente", detalha Lemes.Risco da contaminação pelo chumboLuciana Lemes conta que "a fachada do órgão, que funciona como um verdadeiro cartão postal, é composta tanto por tubos funcionais quanto por tubos decorativos [fakes]. Eles são a parte visível do instrumento, criando uma apresentação imponente. Apesar de o órgão não ter sido gravemente danificado pelo incêndio, ele foi contaminado por poeira de chumbo, o que exigiu um processo de descontaminação minucioso. As empresas envolvidas desmontaram cerca de mil tubos para limpeza e restauração", relata."Cada componente foi enviado para ateliês especializados, onde passaram por avaliação e descontaminação. Após a conclusão desse trabalho, iniciou-se a remontagem do órgão. Essa etapa foi realizada por diferentes equipes que, com cuidado extremo, reposicionaram os tubos. Em seguida, coube a nós realizar o trabalho final: a harmonização e a afinação dos tubos", detalha Lemes.Ela confessa que "será um momento de grande emoção ouvir o órgão soar novamente". "Cada nota que ele emitir será fruto do nosso trabalho duro, da dedicação de toda a equipe. Contribuir para a música de Notre-Dame e para a preservação desse instrumento tão especial é algo que me enche de orgulho e gratidão", conclui a brasileira, que mora com o marido francês, ele também restaurador, em Malemort-du-Comtat, um pequeno vilarejo de no sul da França, que tem apenas dois mil habitantes.Catedral históricaA catedral de Notre-Dame é um dos templos religiosos mais antigos do mundo, com mais de 860 anos. Alguns relatos históricos dão conta de que ela nasceu como um antigo templo galo-romano dedicado à deusa Atenas, passou por diversas versões antes de se consagrar como uma joia da arquitetura gótica, verdadeiro símbolo de Paris.Entre as histórias contadas pelos guias oficiais da catedral, duas se sobressaem: a coroa de Cristo, que teria sido trazida pelo rei São Louis de Jerusalém para o local, e a história real dos franceses que, durante a Revolução, arrancaram com machadinhas as cabeças coroadas das estátuas.Agora, o mundo inteiro poderá rever as relíquias e lendas de Notre-Dame de Paris, restauradas com a ajuda de duas brasileiras.

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