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Entrevistas com economistas, analistas de mercado, investidores e políticos, para explicar e comentar questões econômicas internacionais. O papel do Brasil e dos países emergentes na economia mundial.

Rfi - Lúcia Müzell


    • May 21, 2025 LATEST EPISODE
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    Dobram as fusões e aquisições de empresas francesas no Brasil, e a tendência deve continuar

    Play Episode Listen Later May 21, 2025 13:02


    No ano que marca o bicentenário das relações diplomáticas, a França continua demonstrando forte interesse pelo Brasil. Em 2024, os franceses se consolidaram como o segundo maior grupo de investidores por meio de fusões e aquisições no mercado brasileiro, em setores como infraestrutura, transporte, energia, entre outros. Essa parceria tende a continuar próspera, segundo especialistas e empresários ouvidos pela RFI. Estudo da consultoria PwC Brasil indica um aumento de 50% no número de negócios fechados em 2024 em relação ao ano anterior, com 21 fusões e aquisições realizadas por empresas francesas no mercado brasileiro. Um exemplo é a Swile, especializada em benefícios flexíveis, como vouchers e vales, que já conta com 220 funcionários e 800 mil usuários de seus cartões no Brasil, seja para alimentação, combustível, prêmios ou outros fins. A empresa atua no mercado brasileiro desde a aquisição da Vee Benefícios, a primeira startup brasileira focada em benefícios.Em entrevista à RFI, o CEO Global da Swile, Loïc Soubeyrande, explica por que o Brasil é um mercado estratégico: "O país dispõe de um sistema financeiro moderno e fortemente regulamentado, sem falar que os brasileiros são pioneiros na adoção de novas tecnologias", afirma o executivo francês. "A solidez do direito trabalhista nos dois países também cria uma afinidade natural", continua o executivo francês. "O Brasil não é somente um grande mercado, é também um país estratégico para inovação e crescimento global", conclui.De acordo com o CEO da Swile no Brasil, Júlio Brito, a expectativa da empresa é alcançar lucratividade no país em 2025. "Com a aquisição da Bimpli, o grupo BPCE, o segundo maior banco da França, passou a ter 22% de participação. Isso nos trouxe muito mais solidez e oportunidades", avalia em entrevista à RFI.O executivo comenta a aquisição pelo grupo francês e as oportunidades que ela representou: "Hoje, nós oferecemos até oito benefícios em um único cartão, de maneira simples, sem necessidade de vários plásticos na carteira. É um ganho de eficiência para o RH (Recursos Humanos) e para o colaborador, que tem muito mais liberdade de utilização", acrescenta. "Oferecemos às empresas uma solução ultramoderna para que possam pagar os vouchers e vales aos funcionários. O mercado brasileiro é um dos maiores do mundo, com mais de 20 milhões de trabalhadores beneficiados e fatura cerca de R$150 bilhões por ano – é o maior do mundo em volume", analisa.  Experiência de usuáriaQuem também sai ganhando é o consumidor brasileiro. "Ter um vale que funciona como cartão de crédito é uma boa solução, facilita muito a minha vida. Eu consigo gastar o valor que recebo em qualquer lugar", explica a jornalista Marianna Perri.Ela destaca as vantagens de ser usuária do serviço e a confiança que sente em uma empresa de origem francesa: "Ele também funciona na carteira do celular, não preciso andar com cartão de plástico por aí. Como usuária, é muito mais fácil para mim e para a empresa também. Eu recebo meus vales – alimentação e refeição – e tenho auxílio home office", continua. "Eu me sinto bastante confortável em saber que é uma empresa francesa que está por trás. As empresas francesas no Brasil têm uma reputação forte e relevante, e isso me traz segurança de que não vou perder dinheiro, de que o cartão não será descontinuado", conclui.Outro destaque é a empresa de navegação CMA CGM, que anunciou a compra da operadora Santos Brasil, em um negócio avaliado em R$ 13,2 bilhões, por meio do qual a companhia francesa se tornou operadora de um dos principais portos brasileiros.Já presente em aeroportos nacionais, a francesa Vinci venceu o leilão para a concessão rodoviária entre Goiás e Minas Gerais, com investimentos previstos de R$ 6,5 bilhões.Vencedora do leilão da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), a francesa Engie deve investir R$ 3 bilhões em linhas de transmissão em Santa Catarina, Paraná, Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santo.Milhares de empregos diretosVarejo, defesa, resíduos, produtos farmacêuticos, insumos agrícolas e eventos são outros ramos de atuação. As 1.100 empresas francesas instaladas no Brasil já estão entre as maiores empregadoras do país, com até 700 mil empregos diretos."Não são investimentos recentes, não é como se o Brasil tivesse sido descoberto agora. Porém, há um movimento interessante de pequenas e médias empresas que estão olhando para a América Latina hoje como um local de muito interesse", explica Pedro Antônio Gouvêa Vieira, diretor da Câmara de Comércio França-Brasil.A atração pelo mercado brasileiro vem sendo constante, ainda que com ritmo mais acelerado nos últimos anos devido a certos fatores. "Estabilidade política, territorial, paz com os países vizinhos. É uma região que não tem bomba atômica, não oferece insegurança para ninguém", cita o executivo, que também preside o conselho de administração do LIDE França. "Isso mostra que o Brasil é um destino atraente, e não tenho a menor dúvida de que os investimentos franceses no Brasil tendem a se desenvolver ainda mais. Especialmente com os ajustes recentes na geopolítica mundial, nosso país ganhou uma visibilidade gigante na Europa como um todo – e certamente da França, em particular", acrescenta."Nós costumamos dizer que um consumidor brasileiro médio usará ao menos um produto francês ao longo do dia, mesmo sem saber", diz. "Temos 100 milhões de consumidores que usam todos os dias um produto francês, de forma direta ou indireta", completa.Além do tamanho do mercado brasileiro, a aposta de empresas francesas no Brasil está relacionada ao reposicionamento global de investimentos, especialmente após o conflito entre Rússia e Ucrânia e a guerra comercial entre Estados Unidos e China. Mais recentemente, a desvalorização do real tornou-se outro atrativo.

    Em 100 dias, Trump rompeu com a ordem econômica mundial e forçou parceiros a se reinventar

    Play Episode Listen Later Apr 29, 2025 5:45


    Que Donald Trump é surpreendente, já se sabia. Mas quem imaginaria que, em apenas 100 dias, a ordem econômica mundial viraria do avesso? Guerra de tarifas contra os principais parceiros comerciais, cortes draconianos nos gastos federais, rompimento com  a doutrina neoliberal que consolidou a hegemonia econômica dos Estados Unidos desde o pós-guerra – a lista de medidas controversas é longa e seus efeitos positivos, duvidosos. Em menos de três meses, o presidente da maior economia do planeta quebrou a confiança dos aliados e instalou nervosismo nos mercados financeiros, com a sua avalanche quase diária de medidas bombásticas. O chefe de Estado transportou para a política as suas práticas de empresário para negociar."Não há nada de surpreendente no que o Trump está fazendo se analisamos o histórico dele: um homem que se fez no agressivo mercado imobiliário de Nova York. É um choque? É, mas não é nada que ele não tenha prometido que faria, quando chegasse ao governo”, observa Antônio Carlos Alves dos Santos, professor de Comércio Internacional na PUC-SP."Quando ele trata aliados como inimigos, como fez com a Dinamarca em relação à Groenlândia, ou sobre a anexação do Canadá, ele coloca uma desconfiança não apenas nos seus rivais, mas nos seus próprios parceiros. Essa desconfiança, aliada às mudanças na economia, podem fazer com que os países procurem outros aliados, porque não se confia mais nos Estados Unidos”, resume Daniela Freddo, professora de Economia da Universidade de Brasília (UnB).'Um elefante entre porcelanas chinesas'O aumento das taxas de importação pelos Estados Unidos à maioria dos seus parceiros comerciais acentua esta tendência. A guerra tarifária declarada contra a China e as medidas de retaliação de Pequim podem levar os chineses a favorecer outros mercados, inclusive o brasileiro, potencial beneficiado pela manobra. Outro eixo que tende a se fortalecer é o entre o Mercosul e a União Europeia, que podem finalmente acelerar a adoção de um tratado de livre comércio negociado há 25 anos, entre os dois blocos.“É até compreensível que ele coloque tarifas contra a China, mas seria mais sensato que negociasse tarifas menores com a União Europeia, com o Japão, com os países que são parceiros do projeto americano”, afirma Alves dos Santos. ”Trump realmente é um elefante numa loja de porcelana chinesa”, assinala.Nestes primeiros 100 dias do governo do magnata, o Brasil foi alvo de um aumento de 10% das taxas de importação, mas não apareceu como um alvo prioritário das medidas hostis de Trump. O país, entretanto, pode vir a ser uma vítima colateral de uma ofensiva do presidente americano contra o Brics, principalmente se o grupo de potências emergentes acelerar os projetos de substituição do dólar nas suas trocas comerciais, adverte Freddo."Mesmo que o Brasil não tenha sido o mais prejudicado neste primeiro momento, sempre fica a expectativa de não se saber o que ele vai decidir amanhã”, pontua a professora da UnB. “E do ponto de vista comercial, os Estados Unidos são um parceiro muito importante porque são um mercado que compra as nossas manufaturas, com maior valor agregado. São exportações de maior qualidade do que as para a China”, pondera.Reindustrialização americana é pouco provávelDonald Trump alega que os frutos da guerra comercial para os Estados Unidos virão a médio e longo prazo, com a reindustrialização americana. Mas, hoje, nada leva a crer que essa estratégia dará resultados – pelo contrário, o aumento da inflação no país é dado como certo. Ao mesmo tempo, o presidente não sinaliza planejar uma política de Estado robusta para favorecer a indústria nacional.“As propostas econômicas de Trump não têm nenhum fundamento econômico: as tarifas vão aumentar os preços dos produtos consumidos pelos norte-americanos, o que causa um choque inflacionário. É um efeito inegável”, indica Alves dos Santos."Quanto à ideia da reindustrialização, para alguém que vem da América Latina, a gente conhece este discurso e sabe que é um sonho de uma noite de verão. É pouco provável que vá acontecer, numa indústria ultramoderna na qual os americanos não têm condições de encontrar mão de obra ao custo que se encontra fora dos Estados Unidos”, salienta.O professor de Economia da PUC-SP lembra que, antes de Trump, os ex-presidentes Richard Nixon e Ronald Reagan também impuseram ao mundo uma nova postura protecionista americana. Agora, o líder dá sequência a uma mudança na ordem econômica mundial iniciada na pandemia, que levou os países a refletirem sobre o apoio aos setores mais estratégicos das suas economias e a necessidade, para muitos, de reindustrialização."Você tinha isso no Trump 1, teve continuidade no governo do Biden, com um protecionismo mais light, que gerou inclusive conflitos com a Europa. Trump está na continuidade de uma política de Estado, só que ele acelerou muito a implementação de medidas, que nos coloca, sim, em uma mudança de regime”, antecipa.Leia tambémFim da globalização? Tarifaço de Trump acelera recuo do livre comércio iniciado há 10 anos

    Comitiva brasileira faz turnê na Europa para acelerar aprovação de acordo entre Mercosul e UE

    Play Episode Listen Later Apr 23, 2025 5:43


    Aproveitando-se da brecha aberta pelo presidente Donald Trump, que iniciou uma guerra tarifária entre os Estados Unidos e o resto do mundo, uma comitiva brasileira inicia nesta quarta-feira (23) uma turnê por três países europeus para promover o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia. A iniciativa da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) e do Ministério das Relações Exteriores (MRE) também conta com empresários. A viagem terá três etapas, ao longo de uma semana: Portugal, Polônia e Bélgica. Lisboa é uma das maiores aliadas de Brasília na ratificação do acordo, assinado em dezembro de 2024 após 25 anos de idas e vindas nas negociações. Entretanto, para entrar em vigor, o acordo precisa ser aprovado pelos países que compõem os dois blocos. O texto encontra-se em fase de adequação jurídica e tradução para todos os idiomas dos países envolvidos, um procedimento técnico que deve se estender até agosto ou setembro.O processo pode ser acelerado pelo aumento generalizado das tarifas de exportação para os Estados Unidos, que leva tanto o Mercosul, quanto a União Europeia a buscarem alternativas de mercado para compensar o impacto nas vendas para os americanos. O acordo UE-Mercosul abre as portas de um mercado de 718 milhões de pessoas e tem potencial de atingir US$ 22 trilhões em trocas comerciais.O presidente da Câmara de Comércio Luso-Brasileira, Otacílio Soares da Silva Filho, demonstra otimismo. “Nós teremos o bloco mais relevante do mundo. O importante vai ser começar a implementar o acordo, para que as populações dos países possam perceber que é melhor convergir do que divergir”, avalia. “As empresas de vários países membros da União Europeia perceberam que gerar um relacionamento com o sul global, com o Mercorsul, vai gerar um mercado que elas vão poder aceder com mais facilidade do que o mercado americano, nesta atual fase”, constata.Divisão interna na UEEm nota, Jorge Viana, presidente da ApexBrasil, salientou que a atuação do governo Lula para avançar o processo tem sido “crucial”, mas “ainda há muito trabalho a ser feito”. “Os esforços para aprovação do acordo mostram para o mundo que esses dois grandes blocos estão dispostos a seguir no caminho do multilateralismo, alinhado a práticas sociais, ambientais e de governança”, disse. Para concretizar o projeto, as barreiras internas na Europa precisam cair – este é o objetivo da segunda e terceira etapas da missão da ApexBrasil com o MRE. Ao lado da França, a Polônia se opõe abertamente à conclusão do tratado de livre comércio, por temer a concorrência dos produtos agrícolas do Mercosul.Em Varsóvia, a comitiva brasileira deverá ter reuniões com representantes dos setores de Agricultura, promoção Comercial e Investimentos, e Ciência, Tecnologia e Inovação. O mesmo deve ocorrer em Bruxelas, onde fica a sede da Comissão Europeia, que negocia oficialmente o acordo.Fecham o grupo dos reticentes a Irlanda, a Holanda e a Itália. Juntos, eles poderiam compor um “bloqueio de minoria” ao projeto. Do outro lado, os maiores defensores do tratado são Alemanha, Espanha, Portugal, Dinamarca, Suécia e Estônia, entre outros.França admite que efeito Trump beneficia negociações com MercosulNo começo do mês, durante visita do ministro da Fazenda Fernando Haddad a Paris, o ministro francês da Economia, Eric Lombard, reiterou a oposição francesa à ratificação do tratado, mas reconheceu que a guerra comercial travada por Trump “acelera" as discussões "em favor das negociações" com o bloco sul-americano. Lombard disse que Paris e Brasília têm em comum o desejo de “desenvolver o multilateralismo e o espírito de cooperação no mundo”, porém reafirmou que "as condições hoje não estão postas” para que o texto seja ratificado pela França. O ministro salientou que as condições ambientais e agrícolas previstas no texto ainda precisam “evoluir”.O assunto deve ser um dos focos da visita de Estado que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva realizará à França no começo de junho. “Atualmente, o volume de exportações brasileiras de produtos alimentícios para a França é irrisório. Se, através do acordo chegar perto do volume exportado dos Estados Unidos para a França for substituído pelo Brasil, já estará de bom tom”, comenta o presidente da Câmara de Comércio Luso-Brasileira. “Estará bom para o Brasil, e muito bom para a França. Temos que começar por etapas – o que não pode é deixar de começar”, frisa Soares da Silva Filho.  Paris tem sido pressionada não apenas pelos países favoráveis ao tratado, mas também, no plano interno, pelos setores mais atingidos pelas tarifas de 20% de Washington aos produtos na Europa. Os produtores de vinhos e destilados, que já defendiam o acordo com o Mercosul, agora têm urgência em ver o pacto concluído.Leia tambémAcordo comercial entre Brasil e EUA pode avançar em meio a onda tarifária de Trump

    Inflação persistente dos alimentos reflete falhas do modelo agrícola exportador do Brasil

    Play Episode Listen Later Apr 16, 2025 6:04


    Os preços dos alimentos puxam a inflação para cima há anos no Brasil, com impacto em toda a economia. A conjuntura externa contribui para a alta dos preços, mas não explica tudo: a inflação de produtos básicos como carne, tomates, ovos e café reflete gargalos antigos da produção agrícola no país e ilustram o despreparo para lidar com o desafio de peso da crise climática. Os preços dos alimentos têm respondido por cerca de 25% da inflação, segundo dados do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). A desvalorização cambial acentuada em 2024 encarece as importações de fertilizantes e de commodities cotadas no exterior, como soja e milho, base das rações animais, e estimula as exportações. As de ovos, um dos vilões da inflação, subiram 342% em março."Por ser um grande exportador e por pegar um período em que os preços no mundo cresceram, não há lógica na racionalidade dos empresários em vender lá fora por um valor e aqui dentro por um menor. Neste século, a FAO indica que os preços dos alimentos em termos reais subiram 72%”, aponta José Giacomo Baccarin, professor de Economia Rural da Unesp e um dos responsáveis pelo programa Fome Zero."Isso tem também um efeito indireto nos produtos em que a gente não tem grande participação internacional, como arroz, feijão, frutas e verduras, porque eles disputam área com os produtos comercializados – você produz mais soja e menos feijão", assinala.Assim, uma potência agrícola como o Brasil pode se encontrar com escassez de oferta para o seu mercado interno, explica o economista André Furtado Braz, coordenador dos Índices de Preços do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas. "A gente produz tanto que daria para dar conta de exportar e ainda abastecer o mercado brasileiro. A questão é que há um descasamento no processo: você dá conta, mas não o tempo todo”, afirma. "Em algum momento, como quando o rebanho está reduzido, no ciclo da pecuária, se junta com uma moeda desvalorizada, você pode ter um choque de oferta."Remédios de curto prazoEssa dinâmica é acentuada por decisões com efeito de curto prazo do governo, como aumentar as importações para baixar os preços – mas que prejudicam os pequenos produtores nas safras seguintes.“Se você compra leite em pó importado no período de entressafra, você acaba não permitindo que o pequeno produtor recupere o seu aumento de custos – e aí ele quebra. Na próxima safra, você gerou um problema doméstico, porque se ele não parou em pé, na próxima safra a oferta vai ser menor e você vai ter um problema no leite”, salienta Braz. "É uma falta de visão de perceber o quanto essas coisas atrapalham. Você tem que importar em situações muito específicas”, avalia.Somam-se a isso falhas estruturais da cadeia produtiva no Brasil, como a logística, ainda baseada no transporte rodoviário ineficiente, e a armazenagem. Apesar da ter uma vasta rede de rios que atravessam o país, modais de transporte fluvial quase não são usados e o marítimo é subutilizado, assim como o ferroviário. O transporte de carga por caminhões, muitas vezes em estradas sequer pavimentadas, encarece o preço final do alimentos.Debate sobre estoques reguladoresEm meio à inflação persistente, o governo planeja elevar os investimentos em estoques reguladores estratégicos de grãos. Braz reconhece que o mecanismo é caro e de gestão complexa, mas avalia ser uma ferramenta eficiente para o país se defender da alta dos preços, seja por fatores externos ou domésticos.“Os desafios de hoje são desafios climáticos mais frequentes, o que significa que os problemas de safra vão se repetir com mais frequência. Como a gente deve se preparar para eles? Enquanto a tecnologia não nos garante grãos que sobrevivam à inundação e à seca extrema, a gente vai precisar dar um jeito”, diz. A maior recorrência de secas extremas tem afetado as pastagens e levado os pecuaristas a aumentar as importações de milho e trigo para compensar, por exemplo – com impactos em toda a cadeia. “As pessoas não vão poder morrer de fome por isso. Não se fala muito bem de estoque regulador, mas eu penso mais nas pessoas do que no capital."Baccarin prefere uma atuação do Estado mais direta sobre os preços, num contexto em que a demanda internacional deve seguir em alta, sustentada pelo mercado asiático. O aumento do consumo de café na Ásia, por exemplo, é um dos principais fatores que explicam a disparada mundial dos preços do café – no Brasil, um dos maiores produtores e exportadores, o valor subiu 77% em 12 meses, conforme o IPCA, que mede a inflação oficial do país.“Deveríamos ter algum mecanismo interno para não repassar os aumentos momentâneos no exterior para o mercado interno. Um imposto de exportação em momentos de pico de preços funcionaria melhor”, analisa o professor da Unesp. "Em segundo lugar, tornar mais competitiva a produção daqueles produtos que não são comercializáveis: ter um direcionamento maior da política agrícola para os produtos sem mercado internacional considerável”, sugere.

    Fim da globalização? Tarifaço de Trump acelera recuo do livre comércio iniciado há 10 anos

    Play Episode Listen Later Apr 9, 2025 5:19


    Enquanto o mundo assimila a ampliação generalizada de tarifas de importação dos Estados Unidos, economistas se questionam se a aceleração do protecionismo americano em 2025 será o evento o histórico que marcará o fim da globalização tal como conhecemos desde os anos 1990. Com o recuo dos americanos, protagonistas e propulsores do livre mercado, abre-se um período de incertezas sobre os rumos do comércio internacional e o modelo econômico que poderá emergir. Lúcia Müzell, da RFI em ParisNo dia 2 de abril, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou a adoção de taxas de pelo menos 10% sobre uma longa lista de produtos vindos de praticamente todos os países do globo. A China é o alvo número 1, chegando, após o anúncio de novas tarifas, a 104%, à frente dos 26% aplicados sobre as importações da Índia, 20% à União Europeia ou 10% ao Brasil. Para Vincent Vicard, professor de Economia Internacional na Universidade de Paris 1 Panthéon-Sorbonne e diretor-adjunto do Centro de Estudos Prospectivos e Informações Internacionais (CEPII), a retraída americana no livre comércio representa o "choque mais importante da história da globalização", como jamais visto desde o período entre guerras. “Ainda faltam muitos aspectos a serem esclarecidos sobre qual vai ser a amplitude deste choque, mas ele é muito mais abrangente do que foram as medidas do primeiro mandato de Trump. Lembremos que as importações americanas correspondem a 13% de todo o comércio mundial”, disse.“Estamos diante de um questionamento profundo das regras do comércio internacional, uma vez que Trump introduziu discriminações entre os países – o que contraria totalmente as regras do comércio internacional e da Organização Mundial do Comércio”, afirma Vicard.Entraves à globalização desde o BrexitApesar de ser um business man, Trump não parece se importar com o impacto negativo da sua guerra comercial sobre mercados financeiros e os investimentos, mergulhados na instabilidade desde a sua volta ao poder.Laurence Nardon, diretora do programa Américas do Instituto Francês de Relações Internacionais (Ifri), avalia que o presidente americano moldou à sua maneira o fim da globalização, um processo iniciado já no seu primeiro mandato e continuado por Joe Biden – e do qual o Brexit, no Reino Unido, também foi um marco importante.“A virada que Trump acelera agora de forma brutal e excessiva está em curso desde 2015. As pessoas, os eleitores dos países ocidentais, cansaram da globalização dos anos 1990. Na realidade, isso começou com a grande crise financeira de 2008: ela fez muitas pessoas tomarem consciência de que a globalização não estava funcionando para elas, principalmente na classe média”, explica a pesquisadora.“Essa percepção nos levou ao Brexit e à primeira eleição de Trump. Hoje estamos vivendo a confirmação de um grande movimento de volta atrás da globalização”, constata a autora de "Géopolitique de la puissance américaine" ("Geopolítica da potência americana", em tradução livre).O componente ideológico de Trump acrescenta uma grande incerteza sobre este processo, salienta Vincent Vicard. O presidente defende a retirada dos Estados Unidos da cena internacional para se concentrar exclusivamente no povo americano – o que pode significar, por exemplo, cortar o apoio logístico americano que garante a segurança de grande parte do transporte de mercadorias ao redor do planeta.Futuro do livre comércioQual o futuro da globalização sem o seu maior promotor? O pesquisador do CEPII afirma que a maioria dos países do globo apoia a continuidade do sistema de livre mercado, mesmo que muitos endossem as críticas sobre o peso que a China adquiriu no comércio. “Os outros países vão poder continuar no mesmo sistema, apesar da virada protecionista americana? O risco hoje é de uma escalada comercial no conflito, em relação aos Estados Unidos, mas também ao resto do mundo, porque teremos reorientações do comércio em meio a um choque violento, que vão criar tensões”, adverte Vicard.Outra fonte de incertezas é o impacto da guerra tarifária sobre a própria economia americana. A alta da inflação é inevitável, uma recessão é dada como provável e os efeitos positivos das medidas protecionistas levarão anos a aparecer, numa combinação que pode fazer ruir o apoio interno ao presidente. “Ele tem o apoio, na sua coalizão, dos chamados libertários da tecnologia, como Elon Musk, e republicanos tradicionais que são liberais, no sentido econômico do termo, e que não concordam nem um pouco com o que o presidente está fazendo”, indica Nardon. “Eles querem continuar fazendo negócios, importar, exportar. A maioria está calada neste momento, mas acho que ainda terão o que falar.”

    Preços em queda, oferta de usados em alta: depreciação de carros Tesla na Europa preocupa clientes

    Play Episode Listen Later Mar 26, 2025 5:34


    Depois de registrar quedas consecutivas nas vendas na Europa, agora o aumento da oferta de veículos usados Tesla em plataformas de revenda é mais uma amostra de um fenômeno que os analistas do mercado acompanham desde meados de 2024. A cotação da marca de Elon Musk no continente não para de baixar.  Na França ou no Reino Unidos, o número de anúncios de usados disparou. Na principal plataforma francesa, La Centrale, a alta foi de 40% no primeiro trimestre no ano, na comparação com o mesmo período de 2024, reporta o jornal Le Parisien.Outros sites de revenda por particulares ou profissionais, como Leboncoin e Aremisauto, também registram aumento de modelos Tesla postos à venda, com preços em queda. Na Inglaterra, a plataforma Gummtree verificou uma alta ainda mais impressionante dos anúncios em um ano, de 128%. Ao mesmo tempo, os números mais recentes da Associação de Fabricantes Europeias de Automóveis constatam que as vendas de Tesla novos despencaram 49% no bloco europeu em janeiro e fevereiro, no período de um ano – e apesar de a comercialização de veículos elétricos em geral ter subido 28% no continente.A entrada de Elon Musk na política e as derivas extremistas do CEO explicam parcialmente essa rejeição, mas o declínio da marca começou antes, ressalta Tomaso Pardi, diretor da rede internacional de pesquisas no setor automotivo Gerpisa, ligado à prestigiosa Paris Saclay.“É preciso ter em mente que o pior inimigo de um carro novo é um carro usado. Para poder diferenciar um do outro, é necessário se renovar sem parar, oferecer novidades, ampliar a oferta para atender a uma demanda que cresceu. Os chineses estão fazendo exatamente isso, a uma velocidade exponencial. Eles lançam novos modelos a cada dois anos, e a Tesla continuou focada em apenas dois modelos, basicamente, o Y e o 3”, aponta.“Isso tudo me lembra quando a Ford foi superada pela General Motors nos anos 1920: temos um pioneiro, mas se ele não se renova suficientemente rápido e se banaliza, a sua participação no mercado pode baixar muito rápido”, afirma o especialista.Impactos a médio prazoOs proprietários buscam se desfazer da mais badalada fabricante de veículos elétricos num momento em que ataques contra os Tesla se multiplicam em diversas cidades europeias. Carros foram queimados em concessionárias ou em plena rua em Toulouse e Deux Sèvres, na França, e em Berlim e Dresde, na Alemanha, nas últimas semanas – em uma repetição na Europa de ataques que começaram nos Estados Unidos.O parisiense R. aderiu à marca em 2023. Coberto por seguro, o pai de família afirma não temer um ataque – mas tem receio do impacto negativo das posturas políticas de Elon Musk sobre a confiança na empresa. Apesar de gostar do veículo, R. pensa seriamente em passar o carro adiante.“Nós pensamos muito e o que nos impede hoje é o preço. Se quiséssemos vendê-lo hoje, provavelmente perderíamos dinheiro. Estamos sem opção, inclusive porque ainda não tem um modelo equivalente no mercado europeu”, alega o cliente. “Quando vejo o último Renault 5, que no papel parecia ser bom, mas que logo depois de sair já teve um recall, ou quando vejo os crossover urbanos que não tem nada a ver com o que eu gosto, percebo que os fabricantes europeias não estão reagindo muito bem neste setor de mercado.”Oferta europeia As fabricantes europeias têm a vantagem de oferecer uma ampla gama de veículos híbridos, que se mostram atraentes para os clientes neste período de transição para a eletrificação. Mas este é justamente o setor em que os chineses também são agressivos. Os aumentos de impostos de importação aplicados na UE no ano passado têm surtido efeito na competitividade, mas o atraso na concepção dos modelos ainda é flagrante, avalia o analista automotivo Guillaume Crunelle, da Deloitte."Hoje, em toda a parte digital, os concorrentes da Ásia ou dos Estados Unidos continuam claramente na frente dos construtores europeus. Por outro lado, os objetivos da UE estão postos, os investimentos estão aí e, pouco a pouco, as marcas europeias fabricam veículos cada vez mais competitivos em termos de oferta tecnológica e eficiência elétrica", diz o analista."O problema é que estamos em uma fase de compensar o atraso, mas os concorrentes não demonstram nenhuma intenção de parar de inovar", adverte. É uma corrida contra o relógio entre as fabricantes históricas e aqueles que estão construindo o automobilismo de amanhã."A principal concorrente da gama Tesla no mercado europeu é a fabricante chinesa BYD – que, em 2024, pela primeira vez, superou a montadora americana nos países da União Europeia. O cliente R. considera a versão chinesa inferior – mesmo assim, ele diz ter certeza que, quando chegar a hora de trocar de carro, não comprará outro Tesla.  “Nós ficamos muito em dúvida, mas hoje tenho certeza que não, a menos que tenha alguma mudança no comando da Tesla. Isso ainda pode acontecer, e foi o caso antes da chegada de Musk, aliás. Mas hoje, com ele no comando e essa visão ultraprotecionista americana dele, é certo que o nosso próximo carro não será da marca”, complementa o parisiense.Para o pesquisador Tomaso Pardi, a crise na Tesla parece ser conjuntural, mas pode rapidamente se transformar em estrutural. “É claro que, enquanto empresa e no interesse dos seus acionários, seria melhor trocar de CEO e se dissociar de Elon Musk, mas não sei se isso um dia poderá ocorrer”, indica.

    Guerra tarifária de Trump fortalece influência da China no Sul global

    Play Episode Listen Later Mar 12, 2025 6:01


    A entrada em vigor das novas taxas alfandegárias entre Estados Unidos e China impacta a economia dos dois países – e uma das estratégias de Pequim para reagir à ofensiva de Donald Trump é reforçar a cooperação e influência chinesas junto aos países em desenvolvimento. Dependente das exportações, a China fortalece os caminhos abertos pelo projeto Novas Rotas da Seda na América do Sul, na África e na própria Ásia. No começo do mês, o presidente americano subiu para 20% as tarifas de importação para todos os produtos chineses. O governo do presidente Xi Jinping respondeu, a partir desta semana, com taxas de 15% direcionadas a setores agrícolas americanos, em especial soja, milho e frango.Os Estados Unidos estão entre os principais clientes da China: compram cerca de 15% das suas exportações. “A China não quis ir além nessa guerra comercial e ressaltou que ela é uma fonte de estabilidade, em um mundo multilateral. Ela se coloca como o país sensato da história”, observa Mary-Françoise Renard especialista em economia do desenvolvimento, com foco na China, e professora emérita da Universidade Clermont Auvergne. “Ela visou setores e empresas que constituem berços eleitorais trumpistas, mas dos quais, Pequim não é muito dependente. Desde a primeira eleição de Trump e ainda mais depois da segunda, ela diversificou muito os seus parceiros comerciais – ela compra bem mais soja do Brasil, por exemplo.”O ambicioso Novas Rotas da Seda, projeto de investimentos em infraestruturas nos países do Sul global, se insere neste contexto – sobretudo depois do primeiro mandato de Trump. Enquanto o presidente americano faz ameaças aos seus parceiros comerciais, Pequim prometeu financiar mais de US$ 50 bilhões em três anos nos países africanos.Em novembro de 2024, poucos dias depois da eleição de Trump para um novo governo, Xi Jinping promoveu um giro pela América Latina e fechou mais de 60 acordos de cooperação. Também inaugurou o que será o maior porto da região, o complexo portuário de Chancay, no Peru, com financiamento chinês.Dinâmica ganha-ganhaNos últimos anos, a maioria dos países latino-americanos e africanos alçou Pequim ao posto de maior parceiro comercial, lembra Benjamin Bürbaumer, professor assistente de Economia Internacional na Sciences Po de Bordeaux, e autor de Chine/ Etats Unis: le capitalisme contre la mondialisation ("China e Estados Unidos, o capitalismo contra a globalização", em tradução livre).“O programa compensa um pouco os desequilíbrios macroeconômicos internos da China, mas ao financiar infraestruturas no resto do mundo, na África, na América Latina ou na Ásia, responde a uma necessidade real desses países. Segundo a ONU, a cada ano faltam entre US$ 1 bilhão e US$ 1,5 bilhão de investimentos em infraestruturas, e esse valor foi crescendo justamente depois do Consenso de Washington, nos anos 1980, quando os Estados Unidos passaram a exigir que os países pobres reembolsassem as suas dívidas e adotassem políticas de austeridade”, relembra o especialista. “É esse problema que a China vem, em parte, compensar – e não o faz por caridade, afinal isso a ajuda a reequilibrar a sua própria economia”, salienta.As taxas americanas chegam num momento de desaceleração econômica chinesa, com uma crise imobiliária persistente, consumo interno baixo e nível elevado de poupança, efeitos crônicos das políticas voltadas à exportação das últimas quatro décadas. O governo de Pequim acaba de anunciar um novo plano para estimular o crescimento e a geração de empregos, mas falhou em não oferecer medidas de apoio ao consumo das famílias, avalia Mary-Françoise Renard.“Não foram medidas estruturais. É claro que elas podem apoiar, indiretamente, a demanda, mas para dar uma ideia, o peso da demanda no PIB chinês é de menos de 40% e nos Estados Unidos é de quase 69%”, disse a autora de La Chine dans l'économie mondiale – entre dépendance et domination ("A China na Economia Mundial: entre dependência e dominação”, em tradução livre). “Mesmo que a China conseguisse subir 10 pontos nesse índice, ela ainda seria o país que menos consome”.A equação entre consumo interno baixo e nível alto de investimentos deixa o país intrinsecamente dependente do comércio exterior, frisa a economista. É por isso que, apesar da diversificação de parceiros, Pequim deve continuar buscando trazer Washington para a mesa de negociações.

    Caso Milei ilustra fascínio de libertários por criptomoedas, mas confiança de investidores no ativo também cresce

    Play Episode Listen Later Feb 26, 2025 6:41


    A criação de uma memecoin pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o escândalo da ascensão e queda meteórica da criptomoeda Libra na Argentina, sob o estímulo do presidente Javier Milei, ilustram o fascínio de seus apoiadores libertários pelos criptoativos. Mas o crescimento desses ativos também atrai cada vez mais investidores tradicionais, enquanto algumas das criptos mais famosas se consolidaram e um número crescente de transações pode ser realizada apenas por blockchain, sem passar pelo sistema bancário tradicional. Bitcoin, Ethereum ou stablecoins: essas palavras entraram no vocabulário econômico nos últimos anos e ganharam um impulso inédito com a volta ao poder de Donald Trump. O republicano planeja transformar o país na “capital mundial” das criptos e deu a largada à flexibilização da regulação em vigor. Deseja, ainda, instaurar uma “reserva nacional de ativos digitais”, que poderia contar com fundos das reservas de ouro americanas.Resultado: pela primeira vez, o Bitcoin ultrapassou a cotação de US$ 109 mil, em janeiro. “Se olhamos a valorização dos criptoativos nos últimos anos, a começar pelo Bitcoin, que iniciou em 2009, e outros que se seguiram, vemos uma curva exponencial. Mas se olharmos com mais cuidado, precisamos considerar a volatilidade muito alta”, pondera o economista francês Quentin Demé, professor de finanças da Sorbonne e autor de “100 mots pour comprendre les cryptomonnaies” ("100 Palavras para Compreender as Criptomoedas", em tradução livre).“Em 2024, o Bitcoin começou o ano a US$ 50 mil, baixou a US$ 30 mil nos meses seguintes, ou seja, a 40% do seu valor. Na sequência, graças a algumas declarações de Trump, disparou a mais de US$ 100 mil”, resume o especialista, à RFI.  Demé relembra que as criptomoedas emergiram sob o impulso de geeks para escapar do controle do sistema tradicional e reencontrar uma forma de liberdade total para as transações financeiras, sem custos, impostos ou sequer registros. Para esses usuários, as moedas são utilizadas pelos Estados para controlar as populações.Entretanto, na medida em que o sistema amadureceu, se tornou um investimento seguro para uma gama variada de interessados, mediante alguns cuidados. “Temos ainda essa ala das pessoas que se dizem libertárias e que, com as criptomoedas, querem se liberar dos bancos centrais, do FMI, etc. Não esqueçamos que elas fazem parte da população mundial”, afirma. “No entanto, uma grande maioria dos usuários fez essa opção como outra qualquer de investimento, para multiplicar as suas economias de uma maneira diferente das que existiam até agora.” Sétimo ativo mais valioso do mundoO economista observa que, apesar dos riscos da sua alta volatilidade, os investimentos em criptoativos já superaram o equivalente ao PIB de países como a França ou o Reino Unido. As criptos são hoje o sétimo ativo mais valioso do mundo – atrás do ouro ou da capitalização da Apple e da Microsoft, mas à frente da Meta.Na França, um a cada oito investidores dispunha de criptoativos em 2024, uma alta de 28% em relação ao ano anterior, conforme levantamento da Associação pelo Desenvolvimento dos Ativos Digitais, com o instituto Ipsos e a consultoria KPMG. Dimitri Yem, diretor-geral do Yem Patrimoine, na região parisiense, se especializou em aconselhar clientes afortunados no universo das criptos, em busca de diversificação patrimonial. Ele nota que, à medida em que as criptomoedas passaram a ser aceitas até no comércio, a confiança também cresceu.“Qualquer pessoa que possui criptos hoje pode viver quase totalmente à margem do mundo bancário tradicional. Ainda precisamos dos bancos, mas eu diria que 75% das nossas necessidades são cobertas sem os bancos, a menos que precisemos de empréstimo para um projeto imobiliário, por exemplo – embora até empréstimos possam ser feitos por criptos, e é bem simples”, explica.Países 'cripto-firendly'Desde novembro, a famosa loja de departamentos Printemps, em Paris, aceita pagamentos diretamente por carteira de criptos. Na União Europeia, Luxemburgo é o país que busca maior abertura para os criptoativos, além da Suíça, que não faz parte do bloco europeu.Os países mais “cripto-friendly” do mundo são as monarquias do Golfo e os Estados Unidos. Outros, ao contrário, buscam restringir este mercado, a começar pela China, mas também Bolívia, Egito ou Vietnã.Leia tambémCriptomoedas, a nova fonte de financiamento do Hamas

    Sombra do declínio econômico alemão paira sobre vizinhos europeus

    Play Episode Listen Later Feb 19, 2025 5:46


    A locomotiva europeia está em pane. Louvada há mais de meio século por suas indústrias, suas exportações e seu mercado de trabalho, a Alemanha amarga há dois anos uma recessão cuja luz no fim do túnel ainda não apareceu. A situação econômica delicada é um dos principais temas da campanha eleitoral no país, para as eleições legislativas de domingo (23). A pandemia de coronavírus e as consequências da guerra na Ucrânia atingiram em cheio a Alemanha, altamente dependente da performance industrial e das exportações. A disparada dos preços da energia e a concorrência chinesa colocaram o modelo econômico alemão em xeque e o país entrou no caminho da desindustrialização, com recuo de 3% da produção e 10 mil empregos industriais perdidos por mês."Podemos dizer que a Alemanha ficou para trás em relação aos grandes países da zona do euro. Basta olhar para a evolução do crescimento alemão depois da crise do Covid. O nível de produção está muito pouco superior aos de 2019, enquanto que nos outros países desenvolvidos, a começar pelos Estados Unidos, este índice progrediu bastante”, resume Céline Antonin, economista sênior do Observatório Francês da Conjuntura Econômica (OFCE), de Paris, e especialista na zona do euro. "A Alemanha está claramente estagnada há cinco anos e hoje é difícil ver como ela vai enxergar o fim do túnel”, disse ela à RFI.A concorrência americana depois da entrada em vigor do Inflation Reduction Act (IRA) nos Estados Unidos, sem que a Europa tenha reagido à altura para apoiar a sua indústria, acentuou esse quadro. Do outro lado, o avanço espetacular da China sobre o precioso setor automotivo, por meio dos carros elétricos, pegou Berlim de surpresa.As companhias alemãs que deslocaram em peso sua produção para o país asiático privilegiaram joint ventures, com parcerias incluindo transferência de tecnologia – uma escolha que hoje se volta contra o próprio país."Os alemães tiveram as suas tecnologias copiadas em alguns setores e, uma vez que a China se apropriou dessas tecnologias alemãs, passou a reproduzi-la sozinha. No setor automotivo, ela ultrapassou a Alemanha a partir de 2023, e a Alemanha ainda é dependente de vários produtos chineses, como os componentes eletrônicos, diodos, circuitos integrados, o que amplia a sua vulnerabilidade”, nota Antonin.Efeito Trump torna futuro mais nebulosoAgora, o retorno de Donald Trump à Casa Branca, com seu America first, e a distribuição de tarifas de importação aos parceiros comerciais dos Estados Unidos, a situação fica ainda mais dramática. O Instituto de Economia Alemã de Colônia avalia que o "efeito Trump" poderá causar € 180 bilhões de prejuízos em quatro anos para o país."Tem uma parte considerável dos empregos alemães que dependem da indústria exportadora, e é por isso que a Alemanha promove tanto o livre comércio. Passarmos a ter um mundo mais fechado, com tarifas de importação, não é nada bom para ela”, observa a economista.A vulnerabilidade energética alemã fez com que o país sofresse mais do que os vizinhos com os impactos da guerra na Ucrânia e os cortes de fornecimento de gás pela Rússia. Resultado: os preços de toda a cadeia produtiva aumentaram e não baixaram mais.Em janeiro, em uma cena rara, empresários ocuparam o emblemático Portão de Brandemburgo, em Berlim, para alertar os candidatos a chanceler sobre o risco de “declínio" do país e pedir “reformas econômicas urgentes”. A queda dos preços da energia é uma das principais reivindicações."Os empreendedores estão na rua porque a situação está mais grave do que nunca. Os empregos e a prosperidade do nosso país estão em perigo”, disse um manifestante. "A Alemanha tem um enorme problema de competitividade. Há anos, as nossas advertências são ignoradas pelos políticos."Investimentos públicos paralisados Com discurso liberal, os conservadores do CDU são os favoritos – mesmo que, no horizonte, a vitória possa significar uma aliança com a extrema direita, em nome da governabilidade. O candidato Friedrich Merz, líder do partido, promete cortar € 90 bilhões ao ano de impostos sobre empresas e pessoas físicas para relançar a economia.O SPD, do atual premiê Olaf Scholz, segue no sentido contrário: não descarta novas taxas para financiar a retomada dos investimentos, num país que, obcecado pelo rigor fiscal, congelou os gastos públicos ao ponto de ver suas infraestruturas envelhecerem, desde a malha ferroviária até as tecnologias, incluindo a rede 5G.Leia tambémAlemanha: Imigração foi um dos temas em destaque no último debate dos candidatos antes das eleiçõesNeste contexto, é toda a Europa que está de olho no futuro da Alemanha: o país é o principal parceiro comercial da metade dos europeus, em especial os do leste. A atividade econômica de todo o bloco acaba freada pela recessão alemã."O fato de o maior país da zona do euro, a sua locomotiva, estar enfraquecida e ter um crescimento baixo ou zero não é bom porque envia a mensagem de um enfraquecimento generalizado da União Europeia”, salienta Céline Antonin. “Dá a impressão de que a Europa está um pouco estagnada, até porque os países em volta da Alemanha também não estão tendo um crescimento fulminante."

    Na corrida mundial pela IA, UE aposta em proteção de dados para se diferenciar de excessos de concorrentes

    Play Episode Listen Later Feb 11, 2025 5:46


    A expansão da inteligência artificial para os mais diversos campos torna a questão da regulamentação do seu uso cada vez mais urgente, em meio a uma concorrência mundial crescente. Espremida entre o controle estatal da China e a flexibilidade dos Estados Unidos, a Europa busca se diferenciar com uma IA protetora dos usuários – mesmo que este caminho a deixe para trás nesta corrida. A União Europeia adotou em 2024 a legislação mais completa do mundo sobre a tecnologia. O “respeito da vida dos cidadãos” está no foco do texto do IA Act, que impõe transparência sobre o seu uso, exigências de normas para áreas consideradas sensíveis, como educação e segurança, e até proibições de uso da IA quando for contrário aos valores europeus, a exemplo do sistema de notação de pessoas que existe na China.Enquanto isso, nos Estados Unidos, um dos primeiros atos da desregulamentação generalizada prometida pelo presidente Donald Trump foi reverter o frágil mecanismo que havia sido instaurado pelo ex-presidente Joe Biden em matéria de inteligência artificial.Este foi um dos principais temas debatidos na Cúpula para a Ação sobre a Inteligência Artificial, realizada em Paris nesta segunda e terça-feira. “Nós apoiamos a regulação: como se tem dito, a IA é importante demais para não ser regulada, mas deve ser regulada de forma inteligente”, disse a diretora global de Políticas de Concorrência do Google, Astri Van Dyke, em um painel do Business Day, evento paralelo da cúpula. “Temos que ter uma visão dos riscos e analisar setor por setor. Os riscos da IA na saúde serão diferentes do da indústria, por exemplo”, complementou.  Já Adam Cohen, diretor de Impacto Econômico da OpenAi, considera que, neste momento de desenvolvimento da tecnologia, regras mais flexíveis favorecem o surgimento de novos players. “As regras e regimes de compliance podem criar obstáculos. Só para dar uma ideia de comparação, na OpenAI somos 2 mil colaboradores, o que é menos do que só o time jurídico do Google”, disse o executivo da criadora do ChatGPT. “Não temos o mesmo nível de recursos. O impacto que as obrigações podem ter é muito importante”, comentou.Regulação poder preservar a concorrência Solange Viegas dos Reis, diretora jurídica da OVHCloud, líder europeia em armazenamento de dados, afirma que um dos principais papeis da regulação é justamente proteger a concorrência justa. Representando um setor em que 70% do mercado é dominado por três big techs americanas (Amazon, Microsoft e Google), ela avalia que o mercado sozinho não garantirá essas salvaguardas.“A regulação não é automaticamente sinônimo de freio à competição. Se ela for adaptada, ela pode ajudar à competição”, observa. “Hoje, o que se passa é que tem uma diferença muito grande de capacidade de desenvolvimento entre empresas americanas e europeias – as grandes empresas da tech são americanas e as europeias são muito menores. Mas podemos ver que a regulação pode ajudar todo o tecido industrial e econômico a se desenvolver. E temos um diferencial importante, na comparação com os competidores, que é a proteção dos dados e a soberania sobre eles”, destaca.Solange compara as empresas de IA com as outras indústrias, dentre as quais muitas não se importam de recorrer ao trabalho infantil ou desrespeitar normas ambientais.“Não é porque, em certos países, a IA é feita num faroeste que devemos aceitá-la. Sabemos que o mercado europeu é importante para várias empresas no mundo inteiro, incluindo as americanas”, salientou. “Como o nosso mercado é importante, nós podemos impor regras que permitam acessá-lo. Essas regras têm que permitir que a atividade econômica flua com boas condições, mas também podem impedir que pessoas que venham do faroeste apliquem os métodos delas na Europa.”IA tem interesse em manter indústrias criativas O presidente da Autoridade da Concorrência francesa, Benoît Coeuré, disse que o risco é a IA se tornar uma gigantesca indústria da exploração de dados, na qual as grandes companhias captarão, legal ou legalmente, informais sigilosas ou protegidas por direitos autorais.“Nós temos que tomar cuidado para nos prevenir disso, e balancear os interesses da IA contra os de outros quesitos, inclusive sociais, mas também de propriedade intelectual, da indústria da mídia, da proteção privacidade e tantos outros. Essa discussão só começou e acredito que encontraremos um caminho a seguir”, frisou. “Estou confiante porque é do maior interesse das companhias de IA proteger a produção dos dados, seja de conhecimento, de música, de notícias, de filmes. O seu maior interesse de longo prazo vai ser proteger esse ecossistema criativo, do qual ela depende”, explicou.  O presidente francês, Emmanuel Macron, defende que é essencial manter “a confiança” das pessoas na inteligência artificial e pregou uma “regulação mundial” desta tecnologia, embora tenha reconhecido que os excessos podem abalar o seu desenvolvimento.Governança inclusiva da IAO Brasil segue por essa linha: ao lado de Paris, Brasília é uma das 29 signatárias da Parceria Mundial pela Inteligência Artificial, promovida pela OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) para pregar boas práticas na utilização da tecnologia. Em uma mesa redonda da cúpula, o ministro das Relações Exteriores Mauro Vieira defendeu uma governança inclusiva da IA.“As Nações Unidas não devem estar apenas no centro das discussões sobre IA, mas no centro de qualquer iniciativa de tomada de decisão. Defendemos um diálogo aberto, equitativo e inclusivo, sempre reconhecendo as necessidades e prioridades de cada país, e acreditamos que a implementação do Pacto Digital Global deve estar no centro do nosso ‘road map'”, afirmou o chanceler.Vieira lembrou que a governança da inteligência artificial foi uma das prioridades da presidência brasileira do G20, no ano passado, e também será um dos principais objetivos da presidência do Brasil do Brics em 2025. “Os países do Sul Global precisarão ser ouvidos se quisermos alcançar soluções sustentáveis ​​para problemas duradouros e evitar uma nova exclusão digital entre países de diferentes níveis de desenvolvimento”, evocou.No encerramento da cúpula, nesta terça (11), nem os Estados Unidos, nem o Reino Unido assinaram a proposta de comunicado final do evento, que defendeu uma “IA inclusiva e sustentável” do ponto de vista energético.

    Acordo comercial entre Brasil e EUA pode avançar em meio a onda tarifária de Trump

    Play Episode Listen Later Feb 6, 2025 5:44


    O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, começa a cumprir as promessas de aumentar os impostos de importação aos principais parceiros comerciais do país – mas, ao mesmo tempo, sinalizou que poderia negociar com a China um acordo comercial. Este também poderia ser um caminho para a Brasil.  ​​​​​​Em 2020, no primeiro mandato de Trump, Estados Unidos e Brasil assinaram um Acordo de Comércio e Cooperação Econômica (Atec, na sigla em inglês), para facilitar os trâmites burocráticos das transações. Desde então, um comitê busca aprofundar a redução de barreiras e ampliar a integração dos mercados, mas avanços significativos para a operacionalização do tratado não foram alcançados.A próxima reunião está marcada para o segundo semestre. “Vai ser para discutir temas relacionados justamente a isso, simplificação alfandegária, que a gente vai precisar muito e os países vão ter que se adequar”, nota Arthur Pimentel, presidente do Conselho de Administração da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).“Nós recebemos em outubro a OMA, Organização Mundial das Aduanas. Vejo tudo apontando para o Brasil e acho que está se desenhando um cenário muito favorável para a gente. Tem uma boa vontade do governo americano para dar continuidade a essas tratativas”, aposta.Acordo não inclui tarifasComo membro do Mercosul, Brasília não poderia assinar um tratado de livre comércio com os Estados Unidos sem o consentimento dos demais parceiros. O Apec não abrange tarifas, mas uma série acordos bilaterais podem ser visados, como de facilitação de comércio, de investimentos e liberalização de serviços – inclusive em setores estratégicos como tecnologia e telecomunicações, salienta Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior (2007-2011) e especialista em Direito Internacional do Comércio.“O que eu tenho ouvido em Brasília hoje é que o Brasil não quer ser lembrado por Trump, porque a experiência com México e Canadá vai causar muito problema para a economia desses dois países. E Trump tem negociado sempre de uma posição de muita força, de primeiro adotar medidas e depois passar para a negociação”, constata. “Mas já existem várias iniciativas que poderiam avançar, como a cooperação na área de defesa, existe um diálogo comercial entre o Mdic [Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio] e o Departamento de Comércio americano, para tirar barreiras não tarifárias. Todas essas iniciativas poderiam ter resultados mais abrangentes – se houver interesse do lado americano.”Enquanto isso, Brasília se prepara para, cedo ou tarde, ser alvo dos disparos tarifários do presidente americano. Trump citou o Brasil como “um país que cobra muito” e, “se eles querem cobrar, vamos cobrar a mesma coisa”.“Apesar da reclamação de Trump, a grande verdade é que o Brasil não tem tarifas particularmente altas contra os Estados Unidos. Ele importa muitos derivados de petróleo, equipamentos, à exceção do etanol, que os Estados Unidos reclamam que tem uma tarifa alta”, explica Barral.A exposição do Brasil a eventuais retaliações também é bem menor do que a mexicana ou a canadense, que têm nos Estados Unidos o destino de até 80% de suas exportações. No caso brasileiro, esse número gira em torno de 15% e a balança comercial foi deficitária de 2009 a 2023 – ou seja, o Brasil importa mais do que exporta para os americanos.Ainda assim, os Estados Unidos são o segundo maior parceiro do Brasil, atrás da China. As ameaças de Trump deverão levar o país a diversificar ainda mais o seu comércio internacional. “O Brasil terá a obrigação de buscar mercados alternativos, buscar exportar e expandir para outros mercados, fazer um esforço de financiamento e garantias para mercados mais arriscados, como da América Latina e África. E lembrando que o efeito não será o mesmo para todas as cadeias produtivas”, sublinha Barral.Leia tambémOs setores na França que não veem a hora de o acordo comercial com o Mercosul sairOfensiva contra o BricsO Brasil também está exposto como membro-fundador do Brics, outro foco da retórica protecionista de Trump. O republicano tem repetido sua aversão aos planos do bloco de emergentes de intensificar as transações com suas próprias moedas e, em especial, ao projeto de criação de uma moeda única do Brics. Hoje, entretanto, esse plano não tem a menor condição de se concretizar a médio prazo.O presidente chegou a ameaçar os países do Brics com “tarifas de 100%”, se o grupo um dia substituir o dólar como moeda oficial. “Uma coisa é falar, a outra é conseguir fazer. Acho que muita água ainda pode correr nesse caudaloso rio das trocas comerciais internacionais”, comenta Arthur Pimentel, da AEB.Ele vê nessa ofensiva verbal uma amostra do quanto a mobilização dos emergentes contra a hegemonia americana incomoda Washington.“O governo americano entende muito bem quando, onde e como negociar suas pretensões para a proteção do mercado interno e garantir a sua hegemonia. Ele sabe muito bem que a China mantém a posição de maior exportador do mundo. É um fato, não tem jeito”, diz Pimentel. “Eles sabem muito bem que a Índia teve um crescimento significativo nas suas vendas externas: ultrapassou os US$ 750 bilhões de braçada. E conhece muito bem a potencialidade das exportações agrícolas do Brasil, que é outro fato, e tem ciência da força exportadora de mais de U$ 120 bilhões de minerais da África do Sul”, afirma.

    Desinformação sobre o PIX evidencia desafios à informalidade no mercado de trabalho brasileiro

    Play Episode Listen Later Jan 29, 2025 8:10


    A onda de temor provocada por notícias falsas de que as transações por PIX passariam a ser tributadas no Brasil chamou a atenção para o problema crônico da informalidade do mercado de trabalho no país. Quase metade da população ativa encontra-se em situação irregular ou semirregularizada – um cenário que não apenas expõe esses trabalhadores à precariedade, como contribui para aumentar o rombo na Previdência Social. No começo de janeiro, o governo anunciou a entrada em vigor de uma normativa da Receita Federal para incluir na fiscalização as transações realizadas por PIX acima de R$ 5.000, por pessoas físicas, e R$ 15.000 para empresas.A medida visava sobretudo as somas de atividades milionárias dos setores de tecnologia. Mas o anúncio foi alvo de uma intensa campanha de desinformação de setores da oposição, que deixou apreensivos milhões de trabalhadores informais ou registrados como MEI (Microempreendedor Individual), e temeram ser alvo de impostos. O governo ressaltou que não mirava essas pessoas e nem aplicar novas taxas, mas o estrago estava feito.Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), do IBGE, indicam que a informalidade disparou no Brasil na última década, entre o último trimestre de 2015 até o trimestre encerrado em novembro de 2024. O professor sênior da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (USP) Hélio Zylberstajn ressalta alguns números: o de empregados sem registro cresceu 41% no setor privado e 51% no público, e o de autônomos registrados no MEI, portanto sem carteira assinada, subiu 28% no período."Você percebe que toda a parte informal expandiu em dois dígitos, a 20%, 30%. Um número muito interessante são os trabalhadores por conta própria, os self employed, que podem ter uma situação que os regulariza de alguma forma, o MEI. Essa categoria cresceu 58%”, afirma Zylberstajn. "A informalidade cresceu e essa semiformalidade explodiu. O retrato do mercado de trabalho é dramático”, constata ele, que também coordena o projeto Salariômetro da FIP (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas).Informalidade x pleno empregoO paradoxo é que o país desfruta há alguns meses do pleno emprego. No trimestre finalizado em novembro, o desemprego caiu a 6,1%, o mais baixo em 12 anos de Pnad. Mas, em paralelo, os dados da informalidade e inadimplentes nunca foram tão altos: somados, chegam a 47% dos ativos."A informalidade não cresceu por causa do PIX”, sublinha o professor. "São outras as razões: em parte, ela é tão grande por causa do nosso sistema tributário que é tremendamente injusto. Ele cobra imposto de renda de quem ganha acima de R$ 2,8 mil, menos do que a renda média do trabalho. Por isso que assustou tanta gente”, diz.Daniel Duque, pesquisador sobre mercado de trabalho do Instituto de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-GFV), também salienta este ponto. Para ele, os pagamentos por PIX apenas substituíram o que antigamente era já feito em espécie – e é natural que a Receita queira monitorar as transações. Porém, é o sistema tributário desigual, em que os ricos pagam proporcionalmente muito menos impostos do que os pobres, que acaba direcionando a arrecadação de impostos para o trabalho e o consumo."Essa discussão do PIX mostra que as pessoas têm muita resistência a pagar diretamente impostos, então o governo não cobra tanto imposto de renda – o percentual de arrecadação por imposto de renda no Brasil é muito abaixo dos países desenvolvidos”, explica. "Alternativamente, o governo cobra mais sobre o consumo, e assim as pessoas não percebem que estão pagando, ou então taxa diretamente sobre a folha salarial. Não é à toa que o empregado precisa ser muito qualificado para que valha a pena empregar”, nota Duque, que finaliza um doutorado em economia do trabalho na Norwegian School of Economics.Desafio de integrar informaisSete anos depois da última reforma trabalhista, que flexibilizou as relações laborais durante o governo de Michel Temer, uma pesquisa do Ibre-FGV mostrou que 70% dos autônomos gostariam de assinar um contrato com carteira de trabalho. O estudo, de agosto de 2024, também indicou que 44% deles ganham no máximo um salário mínimo."O governo tenta criar mecanismos de formalização dos ocupados por conta própria, como o MEI e o Simples, na tentativa de formalizar essas pessoas, com o entendimento de que por mais que elas paguem menos impostos do que um empregado com carteira assinada, é melhor do que não pagar nada”, aponta Duque, ressaltando que os benefícios da reforma para o aumento do emprego formal, nos últimos anos, ainda são alvo de estudos.“Eu acredito que isso gera um problema. Pode até reduzir a informalidade total, mas também pode gerar incentivos perversos: ao tornar muito vantajoso o trabalhador se tornar MEI ou Simples, você impede uma contratação formal”, frisa. Daniel Duque aponta ainda que a maior informação e qualificação dos trabalhadores também são aspectos importantes para melhorar este quadro.Hélio Zylberstajn, da USP, considera que o sistema tributário é a razão mais aparente para explicar o cenário atual, mas as suas causas são estruturais. Ele lembra que a industrialização do Brasil trouxe, de forma precipitada e desordenada, milhões de trabalhadores para as metrópoles – que jamais conseguiram absorver toda a mão de obra disponível.“Países que eram subdesenvolvidos e hoje são quase de primeiro mundo, como a Coreia do Sul, também tinham excesso de mão de obra, mas eles conseguiram fazer o seguinte – e que aliás foi o que os Estados Unidos fizeram há 200 anos: eles decidiram que precisariam, junto com a industrialização, ocupar a mão de obra excedente”, enfatiza. "Então eles distribuíram terras, no interior, para as pessoas que não queriam ir para a cidade. O Brasil não fez nada disso: no Império, o Brasil já distribuiu as terras para 'os eleitos'. O resultado é que, quando veio a industrialização, ela atraiu precocemente essa quantidade enorme de pessoas e isso criou a informalidade”, conclui.

    Fórum de Davos contrapõe guinada protecionista de Trump a neoliberalismo em transformação

    Play Episode Listen Later Jan 21, 2025 6:45


    O Fórum Econômico Mundial acontece este ano em Davos em pleno processo de transformação da globalização e do neoliberalismo, corrente dominante no encontro das maiores fortunas globais no pequeno vilarejo suíço. Este ano, o evento ocorre na estreia do novo governo do presidente Donald Trump nos Estados Unidos, com a promessa de uma virada ainda mais protecionista e nacionalista da maior economia do planeta. A 55ª edição do fórum começou, ironicamente, no dia da posse do líder republicano em Washington. Enquanto a cúpula econômica mundial em Davos discute a “colaboração na era da inteligência artificial” e à luz da crise climática, Trump exaltava o Make America Great Again e decretava o aumento das tarifas de importação no seu país e a retirada dos americanos do Acordo de Paris sobre o Clima.A última vez que ele participou do fórum foi em 2020. Neste edição, o republicano vai se pronunciar à distância nesta quinta-feira (23), por videoconferência. É o discurso mais aguardado dos cinco dias do evento.“Para os outros países, os capitais não americanos, é um momento de dúvida muito grande para ver o que acontece. Não acho que há muito o que fazer ou que discutir com qualquer consequência no fórum desse ano”, avalia Alfredo Saad Filho, professor de economia politica internacional na Queen's University Belfast, do Reino Unido."Ficou completamente esvaziado: grandes lideranças que normalmente seriam importantes no fórum foram para a posse de Trump, prestando atenção no que realmente importa nesse momento. Então não é que o fórum seja completamente irrelevante, mas ele está em compasso de espera", diz.Leia também“Agro pode ganhar, mas pressões sobre Brasil serão grandes”, diz analista sobre medidas de TrumpSaad Filho salienta que Trump carrega contradições importantes – se, por um lado, se mostra contrário à globalização ao impor barreiras ao comércio global, por outro defende a retomada da ideia de um "imperialismo americano", ao mencionar a anexação da Groenlândia, do Canadá e do Canal do Panamá.O magnata nunca escondeu o certo desprezo pelo Fórum de Davos – que, apesar de ser denunciado pela esquerda mundial como um símbolo de poder dos ultrarricos sob o mantra do livre-comércio, é considerado por Trump como uma cúpula com viés alinhado aos democratas.Extrema direita triunfou em meio a efeitos do neoliberalismoO professor observa que a volta do líder republicano ao poder reflete mais uma etapa do longo processo de transformações do neoliberalismo, iniciadas com a crise financeira global de 2008 – e em um mundo cada vez mais fragmentado."De repente, se percebe de uma maneira muito clara que o neoliberalismo gera instabilidade, gera crise, austeridade e a piora das condições de vida para grande parte da população. Isso terminou por levar ao surgimento do que eu gosto de chamar de lideranças políticas autoritárias, espetaculares, o Donald Trump sendo um exemplo disso”, explica o professor, referindo-se ao surgimento de lideranças de extrema direita de fora do sistema político tradicional.“Eles vêm com promessas de resolver as crises interligadas do neoliberalismo, de emprego, de renda, num contexto em que as forças políticas de esquerda, os social-democratas, tinham sido deslegitimadas e, em grande medida, devastadas anteriormente”, complementa Saad Filho.'Oligarquias' americanasO processo ganhou um novo impulso após a pandemia de Covid-19 e a consolidação de um núcleo em torno das indústrias de tecnologia, energia e defesa, aliadas ao setor financeiro. Os dirigentes de algumas das principais gigantes de tech americanas preferiram participar da posse de Trump do que das reuniões em Davos – foi o caso de Mark Zuckerberg (Meta), Jeff Bezos (Amazon) Sundar Pichai (Google) e Tim Cook (Apple), além de Elon Musk, que integra o novo governo em Washington.“A volta de Trump marcou o que Joe Biden definiu, na semana passada, como o surgimento das oligarquias nos Estados Unidos”, relembra o pesquisador da Queen's University Belfast.Os quase 300 painéis do Fórum Econômico Mundial abordarão cinco temas principais: novas fontes de crescimento econômico, as empresas na era da inteligência artificial, como investir no capital humano, impulsionar o enfrentamento da crise climática e reconstruir a confiança global.CEOs de mais de 900 grandes empresas estão presentes, além de cerca de 60 lideranças políticas como a presidente da Comissão Europeia, Ursula Van der Leyen, o vice-primeiro-ministro chinês, Ding Xuexiang, e o presidente argentino, Javier Milei.Focado na política nacional, o governo brasileiro não enviou autoridades do primeiro escalão. O ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, representará Brasília no fórum, onde buscará investimentos em transição energética, aproveitando-se da lacuna criada por Trump nos Estados Unidos nesta área.

    UE agiliza pagamentos instantâneos, mas modelo como o PIX tende a jamais sair

    Play Episode Listen Later Jan 15, 2025 6:02


    Desde 9 de janeiro, todos os estabelecimentos bancários da União Europeia são obrigados a receber e enviar transferências instantâneas de seus usuários – em mais um capítulo da modernização dos sistemas de pagamentos no bloco. Um modelo como o PIX brasileiro, entretanto, está longe de ser concretizado na Europa. Nos países europeus, a maioria das transferências entre contas ainda são feitas por meio dos bancos ou aplicativos – devido, em grande parte, à resistência do sistema bancário a abrir mão dos custos destes serviços. A chegada dos bancos digitais obrigou os tradicionais a derrubar os valores cobrados e a agilizar os serviços, mas a oferta de pagamentos instantâneos operados por uma chave, como no Brasil, parece distante no continente europeu.“Isso vai facilitar um pouco, mas não vai resolver o problema da chave. As transferências SEPA, por IBAN, servem como plataforma de pagamentos entre contas, e não entre pessoas físicas e contas, para pagar comerciantes”, explica Abdallah Hitti, administrador da Brapago Payments do Brasil. “O PIX tradicional, ou seja, um banco europeu oferecer uma conta com chaves, não vai ter.”Demanda menor na UEOutra dificuldade são as regulamentações europeias de proteção da privacidade: os clientes do bloco são avessos a comunicar dados confidenciais na hora de fazer uma transação financeira ou comercial, salienta Victor Warhem, macroeconomista especialista em finanças digitais e sênior fellow do Joint European Disruptive Initiative.“Tem outros fatores de bloqueio. Não esqueçamos que o PIX foi adotado num país onde as pessoas tinham pouco acesso ao sistema bancário e os pagamentos com cartão não eram generalizados como aqui. Ou seja, havia demanda para uma solução que a Europa não necessariamente precisa”, nota. “Quando você pergunta para os consumidores europeus se eles estão satisfeitos com seus pagamentos atuais, a imensa maioria diz sim”, afirma o pesquisador.A integração financeira europeia também teve avanços em 2024: 16 dos maiores bancos do bloco aderiram ao Wero, que reagrupa serviços nacionais de pagamentos instantâneos. Ficou mais fácil transferir e pagar usuários de diferentes países, embora uma integração generalizada não esteja no horizonte, afirma Abdallah Hitti. Ele dirige o serviço VoucherPay, focado no público brasileiro que deseja poder pagar com PIX na Europa, Asia e Oceania.“Hoje temos na Suécia um sistema similar ao PIX, o Swish, que permite fazer pagamentos instantâneos entre celulares. Funciona muito bem, mas não foi ampliado para fora da Suécia por causa desse problema de confiança das pessoas em terem no celular uma chave conectada à conta”, indica Hitti.Prioridade da UE é euro digitalPara o Banco Central Europeu (BCE), a prioridade é outra: viabilizar o euro digital até 2027. Três projetos estão sobre a mesa, desenvolvidos pelo Bundesbank alemão, a Banca d'Italia e a Banque de France.“Contrariamente ao Brasil, onde o PIX foi elaborado em conjunto com o Banco Central, aqui a ideia do euro digital vai ser ter uma moeda de Banco Central para compras correntes – e acho que isso é um freio enorme para um projeto de pagamentos instantâneos aqui. As coisas devem avançar rapidamente para o euro digital”, destaca o pesquisador francês.“O BCE vai fornecer aos bancos europeus e aos serviços de pagamentos uma infraestrutura de pagamentos de grandes volumes tokenizados. Depois, vai permitir que eles criem produtos tokenizados, entregues diretamente aos consumidores finais”, indica.Victor Warhem lembra ainda que a ameaça de moedas alternativas como stablecoins, cotadas em dólar, leva a União Europeia a querer proteger o euro de qualquer instrumentalização dos sistemas de pagamentos pelos Estados Unidos. “Na Europa, não podemos esquecer que tem uma questão de soberania e de proteção do próprio euro e, no fundo, é o que mais motiva o Banco Central Europeu, embora ele não fale claramente disso”, observa o especialista.

    Economia mundial entrará em 2025 em suspenso à espera do “imprevisível” Trump

    Play Episode Listen Later Dec 25, 2024 7:23


    O ano de 2025 chega recheado de incertezas na economia global, pontuadas pela guinada protecionista prometida por Donald Trump nos Estados Unidos, a partir de janeiro. No Brasil, a expectativa é se o governo vai conseguir convencer os agentes econômicos sobre a solidez fiscal do país, em meio a uma disparada dos juros ao patamar mais alto em uma década. Instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a OCDE preveem que o crescimento do PIB mundial permanecerá estável, acima de 3%. O economista Renato Baumann, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), resume o quadro para o começo do ano: com a volta de Trump, a única certeza é um conjunto de incertezas.“A questão é que ele é imprevisível. Muito provavelmente a gente vai ver, nos primeiros meses, uma proatividade de mandar imigrantes ilegais de volta para os seus países e um discurso contra o multilateralismo, mas eu não afastaria a possibilidade de uma acomodação a médio prazo”, pondera o pesquisador. “Os custos de adotar tarifas, como ele fala, são custos que não serão menores”, salienta.O futuro presidente americano promete importar menos da China, e o país asiático deve crescer menos em 2025. Pequim já planejou a sua reação e vai se voltar para dentro: o governo chinês anunciou um ambicioso plano de estímulos para aquecer o consumo, aumentar os investimentos e enfrentar a crise imobiliária crônica.Este cenário tem tudo para afetar as importações do Brasil, uma vítima colateral da retomada da provável guerra comercial entre as duas maiores potências globais. Mas também pode representar uma oportunidade para as vendas de minério de ferro, que hoje respondem por cerca de um quarto da pauta de exportações brasileiras para o país.Leia tambémOs setores na França que não veem a hora de o acordo comercial com o Mercosul sairDólar alto vai continuarReginaldo Nogueira, economista e diretor nacional do Ibmec, ressalta ainda que a volta de Trump favorece a moeda americana e a China pode buscar fortalecer o yuan em contrapartida. Resultado: a cotação do dólar não deve baixar tão cedo em relação ao real.“Teremos um período em que o dólar vai continuar forte, e os países vulneráveis, entre eles o Brasil aparece disparado em 2025, serão aqueles que vão sofrer mais”, observa. “A pressão cambial sobre o Brasil vai continuar porque nós estamos com a jugular exposta, com déficit fiscal e déficit externo, simultaneamente. Isso deixa o país como um alvo muito claro para pressões cambiais.”No cenário interno, 2025 começa com desconfiança sobre os rumos da política fiscal, depois que o governo anunciou um pacote de ajuste considerado tímido demais, ao prever R$ 70 bilhões de economias em dois anos. Nogueira vê sinais de uma economia superaquecida pelo consumo, que têm levado o país a se afastar cada vez mais da meta de inflação, de 3%.Choque de jurosPara frear esse ciclo, o Banco Central antecipou que a subida da taxa básica de juros não deve parar tão cedo. O atual índice em dezembro, de 12,25%, alça o Brasil ao país à posição de segundo maior juro real do mundo, atrás apenas da Turquia, e à frente da Rússia.“Acho que a pergunta que fica para 25 é o quão alto os juros precisarão chegar para que a gente tenha um cenário de inflação mais estável. Isso vai depender fundamentalmente da política fiscal”, afirma o diretor do Ibmec. “Se o governo seguir com um ajuste de 30 bilhões em 2025, provavelmente os juros terão que ir para perto de 15%, isso vai despencar o investimento privado e a gente vai ter uma situação, em termos de crescimento, muito mais complicada – não só em 25, mas também em 26”, antecipa.A previsão atual de crescimento brasileiro no próximo ano gira em torno de 2%, bem abaixo dos 3,3% projetados para 2024. Alguns economistas, como na Fundação Dom Cabral, avaliam que um quadro de estagflação pode estar se desenhando – ou seja, crescimento fraco, inflação elevada e desemprego em alta. Mas Renato Baumann, do Ipea, prefere olhar o futuro com mais otimismo.“Eu não sei se chega a estagflação. A expectativa é de um desempenho da economia brasileira menos brilhante, se é que esse ano foi brilhante. Mas nos últimos dois anos, sempre houve uma superação de expectativas para o lado positivo”, ressalta. “Há quem diga que isso foi inflado por um excesso de transferências de renda que não é sustentável, mas está por ver-se como vai ser. A economia brasileira é muito diversificada e sempre surpreende – para cima ou para baixo.”

    Os setores na França que não veem a hora de o acordo comercial com o Mercosul sair

    Play Episode Listen Later Dec 11, 2024 6:19


    A assinatura do acordo de livre comércio entre os países do Mercosul e da União Europeia causa, oficialmente, reações negativas da França, mas também leva diversos setores econômicos do país a celebrar. Industriais em variadas áreas e fabricantes de produtos agroalimentares, como vinhos e queijos, não veem a hora de o tratado entrar em vigor.  Lúcia Müzell, da RFI em ParisO barulho dos agricultores franceses, que prometem continuar a bloquear a ratificação do acordo, abafa o entusiasmo dos produtores de vinho – ansiosos pela ampliação dos mercados de exportação para países onde o consumo está em plena ascensão, como na América Latina. Jean-Marie Fabre, presidente do Vignerons Indépendants de France, federação sindical que representa 60% da produção francesa e 65% das receitas, ressalta que, enquanto a União Europeia reluta, países produtores como a Austrália, os Estados Unidos e a África do Sul aceleram os acordos comerciais para diminuir os impostos sobre os vinhos exportados.  "Eu peço que a gente assine este acordo, porque o dia em que conseguirmos baixar a zero as tarifas alfandegárias, que hoje são de 27% para os nossos produtos, nós ganharemos com certeza uma grande participação de mercado. Poderemos melhorar o desempenho econômico do nosso setor, mas também da França”, avalia. A Vignerons Indépendants reúne pequenos, médios e grandes produtores, para os quais as exportações representam cerca de 35% das vendas. Noventa por cento deles vendem para outros países da União Europeia e 81% para mercados externos ao bloco.  Fabre cita o exemplo do acordo em vigor com o Japão, que permitiu aos viticultores franceses aumentarem 10% do volume de exportações ao país asiático. A expectativa é ainda mais favorável com os latino-americanos e, em especial, o Brasil.“O Brasil é um país onde o consumo avança a um ritmo de dois dígitos, de 12%, 15%. O Paraguai e o Uruguai estão bem mais atrás. Eu acho que, num primeiro momento, o impulso vai ser relativamente fraco em termos de volume, mas nos próximos 10 a 15 anos, será uma zona do mundo importante de consumo de vinhos e destilados”, espera. "Nós percebemos que é nestes mercados emergentes que a França não deve perder mais tempo e ficar atrasada ou prejudicada por regras de comércio diferentes dos seus concorrentes.”Vinho, carro-chefe do setor agrícola francêsO setor vinícola é o que apresenta, de longe, o melhor desempenho da agricultura francesa. O vinho tem um peso importante no comércio exterior do país: situa-se logo atrás do setor aeronáutico e em pé de igualdade com o luxo, duas atividades que também festejam a assinatura do acordo comercial com o Mercosul, assim como as indústrias química, automotiva, farmacêutica e cosmética. Leia tambémCríticas de CEO do Carrefour à carne brasileira ilustram ‘falta de visão', em meio a crise do varejo na FrançaNo ramo alimentar, os fabricantes de produtos transformados e laticínios se somam à lista, mas a rusga dos pecuaristas contra a carne latino-americana leva os produtores de derivados do leite a serem mais discretos quanto à aprovação do acordo. Quarenta mil toneladas de queijo e 10 mil de leite em pó passarão a entrar no Mercosul com imposto zero, dez anos após a entrada em vigor do tratado.  “O princípio de um acordo é que seja olhado em uma escala global. Não podemos olhar uma corporação em particular, senão nunca vamos assinar nada, e estou bastante persuadido que, no fundo, o governo francês sabe que este tratado seria benéfico para França”, indica o economista especialista em comércio internacional Jean-Marie Cardebat, professor da Universidade de Bordeaux. "Neste momento, a política francesa está bastante lamentável e por razões de cálculos eleitorais mesquinhos, vamos derrubar um acordo que é extremamente importante para a economia francesa”, lamenta.Acordo é equilibrado e favorece os dois lados, diz professorA volta de Donald Trump ao poder nos Estados Unidos, trazendo com ele o aumento das tarifas de importação no país, são uma razão a mais para a França não menosprezar os benefícios do tratado com o Mercosul, avalia o economista.“Este acordo tem uma dupla importância, e muito além do setor dos vinhos. Primeiro, a importância simbólica, em um mundo cada vez mais protecionista, ele é um ato de abertura de mercados que me parece importante e enviaremos uma mensagem para o resto do mundo: a Europa e o Mercosul vão continuar no jogo do comércio mundial”, considera Cardebat. "E segundo, do ponto de vista econômico, todos os modelos, tanto no Brasil, quanto na Europa, indicaram que é um acordo ganha-ganha, sem assimetrias ou desequilíbrios."  O caminho até a ratificação do acordo assinado no dia 6 de dezembro promete ser longo. Na Europa, o texto precisa ser aprovado pelo Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia, os órgãos decisórios da UE. Por enquanto, não há prazo para a sua entrada em vigor.  A redução das tarifas prevista no texto poderá ser imediata ou gradual, de quatro a até 15 anos, conforme o setor. A termo, mais de 90% das exportações europeias para o Mercosul serão beneficiadas, no que será uma das maiores áreas de livre comércio do mundo. O bloco formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai representa um mercado de 270 milhões de consumidores – 80% deles estão no Brasil. Atualmente, o país é 27º destino das exportações francesas.  

    Políticas de igualdade de gênero são chave para frear queda da fecundidade no mundo

    Play Episode Listen Later Dec 4, 2024 6:22


    Em dois terços do planeta, a renovação de geração não está garantida – a queda da natalidade não é mais um problema apenas nos países ricos, mas se generaliza pelo mundo e atinge até os países em desenvolvimento. Especialistas alertam: a aceleração das políticas de igualdade de gêneros é uma das chaves para combater essa tendência e evitar que o envelhecimento das populações esvazie a força de trabalho ativa e vire uma bomba nos orçamentos públicos. Há dois séculos, a queda da mortalidade levou à diminuição da fecundidade nos países do norte – uma evolução que agora se replica em todos os lugares do planeta.“É um movimento generalizado, que leva a humanidade a mudar o seu regime demográfico. Os casais desejam ter menos filhos para garantir a eles uma vida melhor do que a que eles próprios tiveram, uma vida de qualidade”, explicou o especialista francês Gilles Pison, conselheiro da direção do Instituto Nacional de Estudos Demográficos da França e autor de Atlas da População Mundial (tradução livre). “Em lugar nenhum do mundo é mais possível ter seis ou sete filhos e que todos possam frequentar boas escolas, tenham diplomas e uma boa profissão”, esclareceu, ao programa Débat du Jour, da RFI. Atualmente, quase 70% da população mundial vive em um país onde a taxa de fecundidade por mulher é inferior a 2,1 crianças, segundo a ONU. A média mundial é um pouco acima, de 2,25, puxada pelos índices ainda elevados em regiões da África, Oceania e Ásia. Mas também nestes lugares, assim como nas Américas, a tendência é de queda até o fim do século, depois que a população global atingir o seu pico em 2080.O economista David Duhamel, professor-associado da Sciences Po Paris, salienta que o processo de transição demográfica acompanha o desenvolvimento econômico de um país. “Depende da urbanização – na cidade, fazemos menos filhos do que no campo – e da educação – as adolescentes não pensam muito em filhos quando elas estão no ensino médio, e ainda menos quando chegam à universidade. O que é interessante, nos últimos anos, é que o desenvolvimento demográfico está andando muito mais rápido do que o desenvolvimento econômico”, indicou. “Estamos vemos países que ainda são emergentes, como a Tailândia, terem índices demográficos semelhantes aos de um país como a Alemanha”, afirmou.Como relançar a fecundidade? Duhamel sublinha que o mundo em envelhecimento demanda um novo olhar sobre as pessoas com mais de 60 anos, que devem ser cada vez mais ser vistas como um recurso para a economia, e não um fardo, e sobre as minorias em idade economicamente ativa, incluindo os imigrantes.Já as pistas para relançar a fecundidade passam pela diminuição das desigualdades e por políticas de habitação que viabilizem o projeto de ter filhos de jovens casais nas zonas urbanas, menciona o economista.A velocidade com que países emergentes e em desenvolvimento começaram a ver os seus índices de natalidade cair surpreendeu especialistas – um fenômeno diretamente ligado ao ingresso e à ascensão das mulheres no mercado de trabalho, frisou Duhamel.“A escolha de ter um filho sempre foi uma escolha econômica, só que antes as mulheres pagavam exclusivamente por essa escolha, em silêncio. Elas não aceitam mais isso, não aceitam mais não compartilhar essa conta, no trabalho como em casa”, salientou. “Hoje elas têm mais escolhas – e isso é formidável: podem escolher dizer não, escolher ter uma carreira ou se retirar dessa divisão desigual sobre a maternidade. O caminho para reencontrarmos a fecundidade é pelo compartilhamento mais igualitário possível do preço de ter um filho”, avalia. Maior equilíbrio também em casaAssim, alguns países como a Coreia do Sul, que não aceleraram as políticas de apoio à carreira das jovens mães, veem sua natalidade despencar ao índice crítico de 0,6 criança por mulher. Isso significa que, estatisticamente, seis pessoas são substituídas por apenas uma criança sul-coreana atualmente.Não à toa, as nações europeias com maior taxa de fecundidade são os que promovem medidas para permitir as mães de seguirem uma carreira, tornar o mercado de trabalho mais justo para elas e estimular também o melhor equilíbrio nas tarefas domésticas, ressaltou o demógrafo Gilles Pison.“As italianas hesitam em namorar e se casar porque elas sabem que é uma engrenagem que vai levá-las a ter um filho e, se elas tiverem um, haverá a pressão da família e da sociedade para que elas parem de trabalhar para cuidar da criança. E elas não querem uma vida como a da mãe e da avó delas”, constatou. “A situação é a mesma no leste asiático e até na China”, comparou.Leia tambémFrança tem menor número de nascimentos desde 2ª Guerra MundialNa Índia, país mais populoso do mundo, a taxa de fecundidade já está inferior a duas crianças por mulher. Os Estados Unidos vivem a baixa histórica de 1,64. Um estudo da revista científica The Lancet antecipa que, em 2100, 70% das crianças nascerão em um país pobre.

    Críticas de CEO do Carrefour à carne brasileira ilustram ‘falta de visão', em meio a crise do varejo na França

    Play Episode Listen Later Nov 26, 2024 7:11


    O impacto negativo dos comentários do CEO do Carrefour, Alexandre Bompard, sobre a carne produzida no Mercosul pode custar caro para o grupo, que tem no Brasil o seu maior mercado fora da Europa. Há dois anos, ao celebrar a compra do concorrente BIG e quase dobrar a presença no país, Bompard dizia que “o futuro do grupo será escrito, em grande parte, no Brasil e na América Latina”. Lúcia Müzell, da RFI em ParisA escolha estratégica de apostar as fichas no país emergente se deu em um momento em que o modelo de hipermercados entrou em crise na França. “O Brasil está, mais do que nunca, no coração do grupo”, disse o CEO em junho de 2022. A aquisição do BIG do Walmart levou o Carrefour a se tornar o maior empregador privado no Brasil, com 130 mil funcionários."Globalmente, o Brasil é extremamente importante para o Carrefour, principalmente num momento em que ele enfrenta questionamentos sobre o modelo dos hipermercados no mercado francês, e que funcionam bem no Brasil. O país é um elemento essencial para o desenvolvimento da empresa, ainda mais que o grupo perdeu mercados no exterior nos últimos anos", afirma o pesquisador Jean-François Notebaert, professor de gestão da Escola de Administração da Universidade da Borgonha. "Acho que Bompard quis confortar os agricultores franceses, mas não teve uma visão internacional do grupo", avalia. A atuação no Brasil representa um quinto do faturamento total do grupo francês, conforme balanço do terceiro trimestre. Marcos Gouvêa, um dos maiores especialistas da área do país, concorda que faltou visão para o executivo francês."Nesse processo que nós temos vivido, de desglobalização do varejo físico, com o crescimento do varejo digital e a metaglobalização do varejo digital, a representatividade do mercado brasileiro mereceria, no mínimo, muito mais reflexão antes de uma manifestação como foi feita", comenta Gouvêa. "Fica fácil ver quem sai ganhando: são os concorrentes do Carrefour".O Brasil é o maior produtor mundial de carne e abastece também as unidades da rede francesa em outros países do mundo. Com os comentários, Bompard acabou preso na própria armadilha. "A comunicação dele também causa problemas no sentido de que Bompard considera que esta carne não corresponde às normas do mercado francês, mas e os outros países europeus nos quais Carrefour está implantado, como Portugal, Espanha, Itália ou Polônia? Ele vai continuar vendendo esta carne que ele considera não corresponder às normas francesas?", questiona Jean-François Notebaert. França quase não compra carne brasileiraNos últimos anos, o mercado europeu se tornou menos relevante para as vendas brasileiras de carnes, em detrimento do chinês. A União Europeia compra menos de 4% do volume exportado, e a França responde por uma quantidade insignificante, de 0,66% do total vendido para a UE.O bloco europeu permanece uma potência exportadora de proteína animal, e não o contrário. Na carne bovina, ainda mais: 85% do que é consumido na França tem origem no próprio bloco.Ou seja, as declarações de Bompard buscavam confortar um mercado nacional que praticamente já não consome carne brasileira. O CEO parece ter esquecido deste contexto quando prometeu que não venderá nos supermercados na França carne proveniente dos países do Mercosul – Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai –, mesmo se o acordo comercial entre a União Europeia e o bloco sul-americano for ratificado e baratear o custo destes produtos. Na sequência, outra grande rede varejista francesa, a Intermarché – que não atua no Brasil – também assumiu o mesmo compromisso.A tomada de posição de Bompard enfureceu produtores, frigoríficos, consumidores e até o governo brasileiro, em um movimento de união bastante raro em torno do setor. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, disse que Brasília “não vai admitir” que a qualidade da carne brasileira seja questionada. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, acrescentou que espera “uma resposta clara” do Congresso, dos empresários e da população brasileira ao “protecionismo exagerado da França”.Leia tambémLe Parisien diz que o Brasil é "incapaz" de comprovar a qualidade da carne exportada para a UEMarcos Gouvêa, diretor-geral da Gouvêa Ecosystem, especializada em varejo, consumo e distribuição, lembra que algumas das principais redes que atuam no Brasil são francesas, em diversos segmentos – uma parceria fortalecida a partir dos anos 1990. "Tem muito mais presença relevante de varejo francês no Brasil do que de qualquer outro país, inclusive Estados Unidos. De alguma maneira, tudo isso, em uma visão míope, foi ignorado e se ateve, exclusivamente, a uma questão de ficar bem com o produtor francês", observa o analista e consultor. "Eu não diria que abala a confiança nesta parceria, mas cria uma consciência de que este jogo de proteção está acima do que se percebia, no dia a dia. Se tem uma virtude, pelo lado brasileiro, é que despertou uma consciência sobre a realidade desse jogo, que envolve proteções de mercado, acordos políticos e até sustentação de governo", opina.Desde a semana passada, vídeos nas redes sociais conclamavam os clientes a boicotarem as lojas do grupo, num movimento que ganhou força e levou à adesão dos principais frigoríficos, como JBS e Marfrig, que suspenderam as entregas a cerca de 150 lojas da rede francesa. Depois de negar desabastecimento de carnes e ressaltar que os comentários do CEO global referiam-se apenas ao mercado francês, o Grupo Carrefour Brasil reconheceu que o boicote “impacta os clientes”. Nesta terça-feira, Alexandre Bompart enviou um pedido de desculpas ao ministro Fávaro (leia abaixo). Incoerências nas prateleirasMas para o professor Jean-François Notebaert, o episódio evidencia as incoerências da rede francesa na questão ambiental – um paradoxo que contribui para abalar a imagem dos hipermercados na França, aos olhos dos consumidores locais. Alguns dias antes de dizer que queria apoiar os agricultores, ao recusar a carne do Mercosul, o Carrefour francês vendia cordeiro importado da Nova Zelândia a €10 o quilo."Fica difícil de compreender a lógica. Com este caso, percebemos toda a dificuldade do varejo de manter uma posição coerente. Em uma mesma prateleira, encontramos muitas ambiguidades. Afinal, qual é o modelo que os grandes grupos de varejo apoiam? Se é da produção intensiva, os rebanhos franceses são, em grande parte, alimentados pela soja brasileira, responsável por desmatamento da Amazônia", explica o pesquisador. "Então, até onde ele vai para defender uma agricultura de qualidade? Ou ele vai defender uma agricultura extensiva, mais sustentável, aqui também? O varejo não sabe como se posicionar diante desses desafios impostos ao setor agrícola e às orientações que ele deseja dar na França".

    Na Europa, nos EUA ou no Brasil, falta mão de obra para a transição energética

    Play Episode Listen Later Nov 13, 2024 6:21


    Enquanto o mundo se mobiliza para promover a economia de baixo carbono, falta mão de obra qualificada para realizar o isolamento térmico dos prédios, fabricar veículos elétricos ou para desenvolver, instalar e manter painéis solares e parques eólicos. Apesar do futuro promissor, na Europa, nos Estados Unidos ou no Brasil a formação de profissionais ligados à transição energética ainda é insuficiente e não dá conta da demanda crescente. Em 2023, o setor gerou um recorde de 2,5 milhões de empregos no mundo, segundo a Agência Internacional de Energias Renováveis (Irena, na sigla em inglês) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT). A alta representa 18% a mais de vagas em apenas um ano, chegando a 16,2 milhões de trabalhadores – principalmente na China, em plena disparada da indústria fotovoltaica para a energia solar, da qual é líder mundial.A Agência Internacional de Energia (AIE) antecipa que, até 2030, 30 milhões de vagas deverão ser preenchidas nestas indústrias em todo o planeta. Não é diferente no Brasil, onde a parte das fotovoltaicas quadruplicou e hoje responde por 20% da matriz elétrica brasileira. O setor gerou mais de 1,4 milhão de empregos desde 2012, de acordo com a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar).“A tendência é continuar crescendo. Algumas projeções indicam que a solar fotovoltaica vai representar 50% da nossa matriz elétrica. Mas a gente percebe uma escassez de mão de obra qualificada – não somente para cargos de gestão, como para a fábrica, para a instalação dos sistemas, por profissionais que sejam formados para isso”, afirma Bárbara Rubim, vice-presidente da entidade.Leia tambémComo o Reino Unido conseguiu ser o primeiro país desenvolvido a se livrar da energia a carvão“Num cenário de médio prazo, o setor de energia vai demandar cada vez mais um profissional com um perfil plural, que consiga entender a parte técnica, mas também tenha uma visão mais ampla de desenvolvimento e de país – até para conseguir pensar melhor o futuro das empresas num setor, e também num país, que têm mudado tanto”, salienta.  Fuga de cérebros Rubim reconhece que a escassez de profissionais desacelera o potencial de desenvolvimento das renováveis no país. Outro problema é a fuga de cérebros: num contexto em que sobram empregos na área nos países ricos, como nos Estados Unidos, o Brasil nem sempre têm conseguido segurar os seus talentos.“A fuga de cérebros se torna um problema sobretudo quando a gente olha a pesquisa e desenvolvimento, que já é uma dor crônica do nosso país. Sem dúvida alguma, a reindustrialização verde também perde um pouco de força”, indica a vice-presidente da Absolar.Na Alemanha ou na França, potências europeias, as empresas buscam, ainda nas universidades e em cursos técnicos, os formandos nestas áreas. Raphael Ameslant, funcionário de uma multinacional de parques eólicos offshore, também dá aulas no Instituto Universitário de Tecnologia de Saint Nazaire, na Bretanha, onde aproveita para recrutar futuros funcionários.“Sempre precisei de técnicos em manutenção e agora está complicado de encontrar bons. Tenho buscado me envolver nos cursos para poder, ao mesmo tempo, buscar estudantes que poderão se tornar técnicos”, disse a Justine Fontaine, da RFI. “Todos aqui já têm contratos assinados.” Faltam alunosO planejamento da França em matéria de redução de emissões de gases de efeito estufa dá respaldo a quem apostar nesta área: a perspectiva do país é de pelo menos triplicar a produção de energia eólica no solo ou no mar, nos próximos 10 anos. Hoje, entretanto, o interesse dos estudantes ainda é baixo.  “Fiz um cálculo rápido e isso representa oportunidades para cerca de 600 pessoas por ano, apenas na área de exploração e manutenção. Mas neste ano, teremos apenas 12 diplomados aqui”, lamentou Patrick Guérin, diretor do curso. “Nós ampliamos a nossa capacidade das turmas em 2024, mas o número de candidaturas não subiu. Não compreendo muito bem por quê.” Para Barbara Rubim, da Absolar, a questão é também geracional: até pouco tempo atrás, escolher a área de energia significava trabalhar com petróleo e gás. A transição energética em curso tende a mostrar que as renováveis serão, cada vez mais, uma aposta no futuro.Leia tambémCOP28: dependente do carvão, África do Sul ilustra desafio da transição energética em países emergentes

    Eleições americanas: entre Trump e Harris, qual favorece mais a economia do Brasil?

    Play Episode Listen Later Oct 23, 2024 6:44


    Na reta final antes das eleições presidenciais americanas, os rumos da maior economia do planeta impactam o Brasil, que tem nos Estados Unidos o seu segundo maior parceiro comercial. Os fluxos internacionais de investimentos e as taxas de juros e de câmbio também são influenciados diretamente pelo que acontece no país, que em 5 de novembro vai escolher entre a continuidade, representada pela democrata Kamala Harris, ou a volta do republicano Donald Trump à Casa Branca. Lúcia Müzell, da RFI em ParisNa política, dois projetos antagônicos se enfrentam nas urnas. Na economia, nem tanto: os dois candidatos pretendem estimular a atividade econômica, uma por meio mais gastos públicos, com transferência de renda e estímulos para setores como a inovação e a sustentabilidade, e o outro por cortes de impostos em favor das empresas. A maior diferença é que Donald Trump assume o viés protecionista do seu programa de governo: planeja impor taxas pesadas sobre determinadas importações, que chegariam a até 60% sobre os produtos fabricados na China. No seu primeiro governo, o republicano lançou uma guerra comercial com o concorrente asiático e adicionou 25% de sobretaxas às mercadorias chinesas. Um eventual segundo mandato Trump tende a ser ainda mais protecionista, avalia Luís Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners, em São Paulo – e o Brasil estaria à mercê das consequências indiretas dessas medidas:“Tem estudos que mostram que o crescimento da economia chinesa poderia reduzir 2 pontos percentuais. Qualquer coisa que aconteça com a China acaba tendo impacto sobre países emergentes exportadores de commodities”, afirma. “Eu acho que por conta desse aspecto específico, a Kamala Harris seria mais favorável para o Brasil”, avalia Leal.Comércio bilateralO impacto direto na relação bilateral é menos claro. Os Estados Unidos são o segundo principal destino das exportações brasileiras, incluindo alguns itens industrializados como aço e laminados, que já foram alvo de alta de tarifas alfandegárias no primeiro governo Trump. Mas se novas medidas se concentrarem na China, poderia haver espaço para aumentar a participação brasileira no mercado americano, atualmente de apenas 1,2%, segundo números da ApexBrasil (Agência de Promoção de Exportações e Investimentos).Em 2023, a corrente de comércio foi de quase US$ 75 bilhões – valor que representa uma pequena fração das transações americanas, de mais de US$ 7 trilhões. “O Brasil está longe de ser um parceiro super-relevante para os Estados Unidos. Antes do Brasil, é muito mais importante China, Europa, México, Canadá, países do lado dos Estados Unidos”, destaca o economista William Castro Alves, estrategista- chefe da corretora Avenue, em Miami. “Muito se fala que o Trump pode ser ruim e a Kamala pode ser mais favorável, mas dentro da pauta dos candidatos, seja quem quer que seja e mesmo se for o Trump, o Brasil não está na prioridade. Quando o Trump fala em ‘make America great again', ele está muito mais se endereçando à China e ao próprio México”, lembra.  Leia tambémCâmbio alto prejudica viagens para o exterior; real não deve se fortalecer tão cedoO Brasil vende principalmente matérias-primas como petróleo bruto, ferro e aço, café e celulose, além de aeronaves, e compra dos Estados Unidos produtos industriais e relacionados à energia, como combustíveis refinados e gás natural, ou ainda fertilizantes. Também importa aeronaves e instrumentos médicos.Os americanos são, há mais 10 anos, os principais investidores estrangeiros no Brasil, responsáveis por um quarto do total de investimentos estrangeiros diretos no país. Uma vitória de Kamala Harris tende a manter este status quo, nota Luís Otávio Leal.“Ela caiu meio de paraquedas na campanha. Eu acho que só mais do meio para o final do mandato é que ela imprimiria uma marca mais personalista dela, e a gente não sabe qual seria”, pontua o economista-chefe da G5 Partners. “Ela foi uma vice-presidente apagada e a gente realmente não sabe o que ela pensa em relação à economia, ao comércio exterior.”Mercados se preparam para qualquer cenário Quanto aos mercados financeiros, o aumento das incertezas ligadas a uma vitória de Trump poderia gerar um movimento de fuga de capitais dos Estados Unidos que, em tese, beneficiaria outros países e potencialmente o Brasil. A desvalorização do dólar, que se estabilizou há meses em um patamar elevado em relação ao real, seria um dos efeitos possíveis.Entretanto, se o republicano for eleito e concretizar o projeto de desregulamentação da economia e diminuição massiva de impostos, o efeito seria o oposto: os Estados Unidos poderiam atrair ainda mais capital externo. Leal salienta que as políticas protecionistas e o endurecimento do combate à imigração tendem a impulsionar a inflação no país, o que também não é bom para o Brasil.“Se você tem menos espaço para a redução dos juros pelo Fed [Banco Central americano], tem menos dinheiro circulando na economia mundial e, consequentemente, sobra menos dinheiro para o Brasil”, ressalta.William Castro Alves observa que a fraca volatilidade das bolsas americanas nestas semanas precedentes à eleição ilustra que a vitória de um ou de outro parece já estar assimilada pelos mercados financeiros. A experiência do primeiro governo Trump mostrou que, na prática, não é tão fácil para o líder republicano cumprir suas promessas, principalmente se não puder contar com apoio do Congresso.“Esse ano já sendo atípico neste sentido: a volatilidade está baixa em ano eleitoral, e normalmente é alta. Em cenário de volatilidade e incertezas, normalmente a bolsa não rompe máximas históricas, ela fica para cima e para baixo, chacoalhando – e também não estamos vendo isso”, frisa Castro Alves.

    Sob impulso russo, Brics aceleram pagamentos sem dólar, mas moeda própria ainda é sonho distante

    Play Episode Listen Later Oct 16, 2024 7:48


    Anfitriã da cúpula do Brics este ano, a Rússia quer aproveitar a reunião de chefes de Estado dos países emergentes para impulsionar os projetos de sistemas financeiros alternativos ao dólar. A criação de uma moeda única do bloco, entretanto, ainda é um sonho distante, que esbarra na grande assimetria econômica e geopolítica entre os seus integrantes. Os líderes do Brics se reunirão em Kazan, no oeste russo, na próxima semana, e discutirão diferentes projetos de mecanismos financeiros alternativos ao dólar no comércio intrabloco: o Brics Pay, equivalente à plataforma internacional de pagamentos Swift, o Brics Bridge, sistema baseado em blockchain que interligaria os respectivos bancos centrais, e a eventual moeda comum dos Brics."A ideia é se liberar de algumas amarras que, para eles, não têm mais muita razão de existir, dado o peso econômico destes países. Eles veem como algo quase irracional: por que deveríamos ainda precisar tanto do dólar para as nossas transações entre nós, entre Brasil e China, por exemplo?”, afirma Carl Grekou, economista especialista em finanças do Centro de Estudos Prospectivos e de Informações Internacionais (CEPII), em Paris. "Para muitos deles, o aspecto antidólar não conta tanto quanto o objetivo de apenas simplificar as coisas. Mas por trás disso tudo, tem a Rússia que claramente quer forçar a barra, afinal ela é alvo de sanções."Desafio da expansão do BricsAté agora, 32 países confirmaram presença no evento, na continuidade do processo de abertura do grupo iniciado na última cúpula, quando cinco novos membros se associaram oficialmente ao Brics – Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Irã, Egito e Etiópia.A expansão complexifica ainda mais um projeto que já não era fácil de concretizar: se, por um lado, os aspectos técnicos são relativamente simples de viabilizar, a coesão interna de países tão diversos e apegados à sua soberania é uma barreira importante a ser superada."Mas eu acredito que, dentro de um horizonte de alguns anos, se tenha um avanço considerável para intensificar essas transações. Estes exemplos têm uma base técnica que já é bastante controlável, já se tem um domínio dessas técnicas”, destaca Marcelo Milan, do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS)."Resta a questão do direcionamento, de intensificar os fluxos em uma direção ou outra, para que o bloco possa criar mecanismos para que os arranjos de pagamentos sejam feitos cada vez mais com referência nas moedas nacionais e, se um dia for possível, nessa moeda comum", aponta Milan.Leia tambémTurquia solicita oficialmente adesão ao Brics para se emancipar da UE e dos EUAPeso desproporcional da ChinaO maior problema rumo à moeda própria é que pressuporia uma preponderância do yuan chinês, dado o peso desproporcional de Pequim dentro do grupo. A maioria dos países rejeitaria a ideia de assumir o yuan como principal referência e em especial a Índia, garante o pesquisador Julien Vercueil, ligado ao Departamento de Comércio Internacional do Instituto Nacional de Línguas e Civilizações Orientais (Inalco) da França.“Envolve muito engajamento político e econômico, a possibilidade de terem de enfrentar choques assimétricos, de viabilizarem grandes transferências de riquezas de um país para o outro. Ainda estamos muito longe desse tipo de configuração dentro dos Brics, sem mencionar o fato de que eles não estão nada sincronizados nos seus ciclos econômicos, ao contrário do que temos na Europa com o euro, por exemplo”, resume. "Ou seja, eles teriam problemas econômicos insuperáveis para adotar esta moeda.”Especialista na economia russa, Vercueil avalia, entretanto, que os Brics tentarão passar como sendo já moeda própria os outros dois projetos mais avançados – para os quais o sistema Cips chinês parece servir de modelo. O Cips (China International Payement System) já começou a se interligar aos bancos centrais de alguns países do grupo de emergentes."Enquanto eles decidem se uma das moedas nacionais poderia substituir o dólar – afinal, os países não querem substituir a hegemonia do dólar por uma outra –, eles definem que tipo de unidade de conta e meios de pagamentos poderiam ser utilizados”, explica o pesquisador do Inalco.O contexto geopolítico atual, com as pesadas sanções ocidentais à Rússia, além da presença de outro recém ingresso membro do Brics, o Irã, levou os membros do bloco a acelerarem uma solução alternativa ao dólar e ao sistema Swift, do qual Moscou foi banido. O país acumula grandes excedentes comerciais e monetários desde o início da guerra na Ucrânia.“O projeto segue o seu curso e, muito provavelmente, deverá sair uma vez que eles conseguirem validar os seus sistemas de pagamentos. Quando eles forem bem operacionais, poderão até chegar a uma moeda Brics”, observa Carl Grekou. "Mas uma das principais funções de uma moeda é a de reserva de valor. Será que os países do Brics terão algum interesse em ter as outras moedas uns dos outros para além das questões comerciais? Este é o ponto que focaliza as atenções e que, potencialmente fará com que o dólar continuará a ter um papel central."Hegemonia do dólarHoje, pelo menos 85% das transações comerciais e financeiras internacionais são feitas em dólar. Sobram no máximo 15% para moedas seguras como euro, libra esterlina, yen ou franco suíço.Apesar do seu uso ter crescido, o yuan é presente em no máximo 2,5% das trocas mundiais. Porém, uma vez que o sistema de pagamentos do Brics se consolidar, os países membros – grandes produtores de matérias-primas valiosas, como petróleo e metais raros – poderiam optar por abrir mão da moeda americana nessas transações.“A gente está sempre muito focado na China, mas a Índia também tem um peso significativo. Na medida em que os países do bloco passem a utilizar as próprias moedas e reduzirem o papel do dólar, vai ter um impacto econômico importante, com desdobramento político também, com a capacidade de eles se financiarem com custo baixo – como os Estados Unidos fazem, com o uso internacional do dólar”, frisa Marcelo Milan.A 16ª cúpula do Brics ocorrerá de 22 a 24 de outubro. Até o momento, 24 chefes de Estado confirmaram presença no evento, entre eles o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva.

    Meca da moda, França vive onda de falências de marcas prêt-à-porter

    Play Episode Listen Later Oct 2, 2024 5:54


    A fast fashion no mundo globalizado derruba algumas das marcas mais tradicionais do prêt-à-porter da França, berço de ícones da moda mundial. A crise no setor não vem de agora – desde o início dos anos 2010, as fabricantes francesas de vestuário e calçados sofrem com a concorrência do comércio online, ao qual demoraram a se adaptar. A pandemia e os novos modos de consumo que dela decorreram aceleraram uma tendência de declínio que já estava instalada no país, revela um estudo do Instituto Nacional de Estatísticas e Estudos Econômicos (Insee). Em 2020, as vendas de roupas no país despencaram 22,6% e as de calçados, 19,8%, ao mesmo tempo em que o varejo em geral só recuou 2,5%. Na sequência, o crescimento das vendas se manteve inferior a 1%.Este contexto, afirma o Insee, explica a queda brusca do número de lojas no país: de -18% das butiques de roupas e -26% das de calçados, entre 2014 e 2021. “Tem uma correção de mercado que se opera desde 2013. Ela continua e, infelizmente, não temos razão para pensar que ela terminou”, constata Gildas Minvielle, diretor do Observatório Econômico do Instituto Francês da Moda.O especialista salienta que a moda francesa demorou a acreditar na força do comércio online – e perdeu tempo ao focar os investimentos em novas lojas físicas, em vez de no desenvolvimento de sites modernos. Depois, os anos de inflação alta e queda do poder aquisitivo levaram os consumidores a serem mais sensíveis ao fator preço.O golpe final veio da China, com a chegada avassaladora das plataformas Shein e Temu no mercado europeu, desafiando os valores praticados pelas marcas de fast fashion bem implantadas no bloco, como a sueca H&M, as espanholas Zara e Mango e a irlandesa Primark.“Quando vemos atores como Shein, que chegam e tomam conta do mercado de uma forma muito agressiva, deveríamos poder controlar melhor o fato de que os consumidores aqui não tenham de pagar direitos de importação. Isso não é normal”, aponta Minvielle. “Mas, para ser totalmente honesto, não tenho certeza de que isso mudaria alguma coisa, até porque a Shein não é única que derrubou os preços.”Num contexto de concorrência cada vez mais feroz, na França o prêt-à-porter de baixo e médio custo é o mais atingido, vítima direta desta nova configuração. Redes como Camaïeu, Kookai, Naf-Naf, Pimkie e GoSport ou faliram, ou foram obrigadas a só operar pela internet. No ramo calçadista, as tradicionais André e San Marina enfrentam o mesmo destino.Roupas de segunda mão já pesam no mercadoA emergência do fenômeno das compras de segunda mão, em lojas físicas como pela internet, também já impacta o desempenho do mercado de roupas e calçados novos. As vendas de usados pesavam, em 2022, entre US$ 100 e US$ 120 bilhões, em nível mundial, de acordo com um estudo da consultoria Boston Consulting Groupe (BCG) realizado a pedido da plataforma francesa Vestiaire Collective, um dos principais nomes da revenda de segunda mão no país. O volume representa três de 3% a 5% do total do setor e triplicou desde 2020. Segundo este relatório, nos próximos anos, as compras de peças usadas poderão atingir 40% do mercado, impulsionadas pelos jovens.Nos países europeus, a faixa etária de até 30 anos já se acostumou a só comprar em brechós ou em plataformas especializadas, em busca de preços mais baixos e peças exclusivas, mas também por preocupação com o impacto ambiental do consumo. Numa tentativa de se adaptar à tendência, a maioria das grandes lojas francesas – entre elas a famosa Galeries Lafayette – instalou um “canto das usadas”. No espaço, as clientes podem comprar e revender as suas peças da marca.  Aposta na qualidade francesaGildas Minvielle avalia, entretanto, que o prêt-à-porter novo ainda tem dias promissores pela frente, à condição de apostar na qualidade e em subcategorias mais especializadas, como moda sustentável, marinha ou o chamado luxo acessível.“Não são volumes como os da Camaïeu, da Zara ou da H&M, claro. Mas temos muitas marcas fortes em todas as gamas de preços. Não acho que tenhamos uma gama que esteja condenada a desaparecer”, aposta o diretor do Observatório Econômico do Instituto Francês da Moda. “Elas precisarão se distinguir, num mercado complexo e com muita concorrência, mas não é impossível.”Outro conselho do especialista é investir mais na comunicação sobre as condições de fabricação dos produtos franceses, incluindo as normas ambientais, e sobre a importância do apoio às marcas nacionais para a economia do país.“Acho que pode ser o futuro da moda e espero que haverá várias empresas que vão se distinguir das produções ‘low cost', como Shein e Temu, e estarão atentas à qualidade. O setor de alimentação viu acontecer essa revolução: hoje os franceses são muito mais sensíveis à origem dos produtos que consomem”, ressalta Minvielle.

    Lei antidesmatamento e queimadas podem ser ‘bola da vez' para manter acordo UE-Mercosul travado

    Play Episode Listen Later Sep 25, 2024 6:47


    O Brasil tenta acelerar as negociações do acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul até o fim deste ano. Mas do lado dos europeus, dois argumentos ligados à atualidade têm potencial de continuar travando a finalização do texto: a entrada em vigor de uma lei antidesmatamento importado no bloco, prevista para janeiro de 2025, e os incêndios florestais em curso em diversas regiões brasileiras. Lúcia Müzell, da RFI em ParisO tema tem sido evocado pelo Itamaraty e o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em conversas com Ursula Von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, e Olaf Scholz, chanceler da Alemanha – país favorável ao tratado. A série de queimadas nos biomas brasileiros se tornam um argumento a mais para aqueles que se opõem há anos à ratificação do texto na Europa, em especial o setor agrícola.“O que está acontecendo no Brasil quase que justifica a regulação europeia sobre o desmatamento. Eu não a considero como um instrumento protecionista. Qualquer regulação pode ser usada de uma maneira protecionista, mas eu acho que ela tem uma motivação legítima ambiental, climática”, alega Pedro da Motta Veiga, diretor do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes), focado em política externa brasileira.“Na ausência de algum tipo de regulação multilateral ou acordada entre os países, eu entendo que a União Europeia tenha resolvido estabelecer um papel pioneiro de estabelecer uma legislação unilateral relativa às importações para os seus países-membros”, analisa.  Bloqueio permanenteA última rodada oficial de negociações do acordo foi realizada em Brasília, no começo de setembro, sob protestos de entidades representativas dos agricultores franceses, holandeses ou irlandeses. O diplomata aposentado José Alfredo Graça Lima, ex-embaixador na missão brasileira junto à União Europeia, é um dos mais experientes negociadores em tratados comerciais em nome do Brasil e do Mercosul – e estava no posto quando as negociações foram suspensas, em 2004. Ele demonstra pouca esperança de ver os entraves ao acordo serem superados um dia.“Sempre tem e sempre terá, porque essas controvérsias não vão desaparecer. E aí o acordo fica no limbo”, constata. “Enquanto existir a Política Agrícola Comum (PAC) europeia, não tem expectativas de comércio mais livre para os produtos agrícolas de fora da União Europeia. É uma total impossibilidade.”O atual momento político na Europa também não é favorável, com a ascensão da extrema direita nacionalista em diversos países. Em plena crise política, tudo que a França não quer é reavivar um tema tão polêmico quanto a associação comercial com o Mercosul.Além disso, o novo primeiro-ministro francês, o conservador Michel Barnier, seria pessoalmente contrário à conclusão do tratado, segundo o site Euractif apurou com aliados do premiê. Barnier foi o negociador-chefe europeu para o Brexit e é apegado às chamadas cláusulas-espelho, que determinam a reciprocidade entre as duas partes.Rejeição do acordo pelo PTO projeto foi lançado há quase 25 anos, passou cerca de 12 anos paralisado e, por fim, só foi concluído durante o segundo ano de governo de Jair Bolsonaro, em 2019. Entretanto, a etapa seguinte, da ratificação pelos Parlamentos dos países membros dos dois blocos, jamais se concretizou, no contexto da disparada do desmatamento na Amazônia. As negociações foram reabertas após a troca de governo no Brasil, em 2022. Na visão de Motta Veiga, a responsabilidade pelo fracasso até agora é partilhada pelos dois lados. Depois de a União Europeia exigir a inclusão do combate ao desmatamento no texto, o Brasil impôs uma nova lista de condições em contrapartida, como restrições de acesso às compras governamentais nos países do Mercosul.O especialista lembra que as gestões petistas sempre se opuseram ao avanço das tratativas – e afirma duvidar quando o presidente diz desejar fechar o texto até dezembro. “Eu não sei se o Brasil espera isso. Eu sou muito cético sobre a disposição da diplomacia brasileira e os governos do PT de fechar acordos com países desenvolvidos. É uma coisa rejeitada pelo PT por princípio”, salienta. “Na verdade, eles não fazem acordos com ninguém, nem com o Mercosul, que é priorizado por eles. Então eu acho que é muito da boca para fora: Lula pode perfeitamente ficar dizendo que quer acordo, porque de qualquer forma os europeus provavelmente não o querem”.O diplomata José Graça Lima vai além: avalia a própria pertinência no pacto, que não criaria mais comércio entre os dois blocos regionais, dadas as restrições que o texto negociado impõe. Os automóveis europeus, por exemplo, só teriam acesso facilitado ao mercado sul-americano 16 anos depois da entrada em vigor do tratado.“É claro que há um interesse de todas as partes de vender algo que, na verdade, não existe, que é a criação de um mercado consumidor de milhões de pessoas. Mas mesmo na vigência deste acordo, a União Europeia não vai ter melhores condições de acesso do que a China, por uma questão de custos de produção, de competitividade”, avalia o ex-embaixador.“Do ponto de vista agrícola, há um engessamento de uma situação que é discutível, eu diria até ilegal à luz da OMC [Organização Mundial do Comércio], afinal o acordo estabelece cotas para produtos brasileiros – que ainda podem ser afetados por uma lei antidesmatamento, cuja operacionalidade é muito discutível. Ela estabelece o precedente de uma restrição que pode prejudicar o Brasil nos outros mercados”, adverte.Outros países também pedem adiamentoNo começo de setembro, os ministros da Agricultura, Carlos Fávaro, e das Relações Exteriores, Mauro Vieira, encaminharam à Comissão Europeia uma carta para pedir o adiamento da lei no bloco, considerada “punitiva” aos países produtores de commodities como o Brasil. Eles alegam que a medida poderia afetar 30% das exportações à Europa, o equivalente a 15 bilhões de dólares (R$ 83,5 bilhões).A iniciativa brasileira foi criticada por organizações ambientalistas, que afirmam que o país poderia, ao contrário, se beneficiar desta legislação para acelerar a preservação das florestas.O Brasil não é o único insatisfeito com a nova legislação, adotada para aumentar a rastreabilidade da cadeia produtiva e, assim, combater o desmatamento nos países exportadores para a União Europeia. Os Estados Unidos já tinham feito solicitação semelhante, e outros países africanos e asiáticos demonstram a mesma preocupação com a sua implementação, cujos detalhes não estariam esclarecidos. Alegam, ainda, que os trâmites burocráticos dentro da UE ainda não estão finalizados.

    Câmbio alto prejudica viagens para o exterior; real não deve se fortalecer tão cedo

    Play Episode Listen Later Sep 18, 2024 5:12


    Quem viaja para o exterior a turismo ou faz negócios internacionais começa a se acostumar com o câmbio alto: o dólar e euro em relação ao real subiram no início do ano, dispararam em junho e não baixaram mais. A queda dos juros nos Estados Unidos deve estancar esse movimento, mas não bastará para fazer o real se valorizar. A moeda americana tem oscilado entre R$ 5,60 e R$ 5,65, ante a cerca de R$ 5 em 2023. Já a europeia é cotada acima de R$ 6,2 – em torno de R$ 0,85 a mais do que no ano passado.O aumento tem pesado no bolso dos turistas que viajam ao exterior, nota a presidente da Agência Brasileira das Agências de Viagem (Abav), Ana Carolina Medeiros. “A procura não diminuiu, mas a gente percebe que mudaram as escolhas como o tipo de assento no avião, na classe executiva ou na econômica, uma diferença na hotelaria, que fica bem mais restrita para o cliente poder economizar. Ele também muda para outro destino que seja um pouco mais em conta", assinala. "Nós temos buscado, junto aos fornecedores, por mais facilidade de pagamento, como parcelamento no cartão", diz Medeiros. A expectativa da queda da taxa de juros nos Estados Unidos, que se arrastou ao longo do ano, foi a principal justificativa para a valorização do dólar no primeiro semestre, e em relação não apenas ao real. O peso mexicano chegou a perder 18%. “Quase sempre, os fatores externos são dominantes, mas a moeda brasileira, como as emergentes de maneira geral, tem se comportado um pouco pior neste mundo com tantas incertezas e riscos, relacionadas à reversão do ciclo monetário que começa no mundo desenvolvido e também pela eleição americana”, salienta Livio Ribeiro, professor e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas e sócio da BRCG Consultoria.Ciclo de queda de juros nos EUANesta quarta, as peças podem começar a se mexer no xadrez do câmbio: o mundo está de olho na reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês), para uma aguardada decisão sobre o início de um ciclo de redução dos juros pelo Banco Central americano (Fed). O mercado espera um primeiro corte de pelo menos 0,25 ponto percentual nesta quarta-feira – o que já favorece a procura pelas moedas das grandes economias, inclusive o euro. “No DXY, índice que mede o dólar em relação a outras moedas, principalmente de mercados de desenvolvidos, já podemos ver que o yen está com um peso forte”, nota Thais Baptista, gestora de portfolios na Schelcher Prince Gestion, em Paris, onde é especializada em mercados emergentes. “A gente vê que o dólar, no ano, está caindo agora. Já está negativo, provavelmente por causa da força do yen.”Mas a conjuntura externa não é a única explicação para o real desvalorizado. Aspectos internos no Brasil acentuam a queda: incertezas sobre a situação fiscal do país, ingerências do governo na governança do Banco Central e dúvidas sobre a próxima presidência da instituição são alguns dos fatores que pressionam a moeda nacional.“O investidor local vive com esse bicho-papão da inflação há décadas e isso influencia muito o câmbio por conta do contexto interno. As questões estruturais do Brasil ainda estão pesando na moeda e nos cenários que os investidores fazem”, observa Baptista. “A gente precisaria que eles pintassem um quadro um pouco melhor para o país para justificar uma alta significante do real.”Impacto no BrasilPor isso, não se espera uma mudança significativa do câmbio para os próximos meses. A instabilidade no México favorece a maior procura pelo real, entre as economias latino-americanas, e a provável nova alta da taxa básica no Brasil, que também deve ser decidida esta semana, tende a estancar a desvalorização da moeda brasileira.“A gente tem uma economia que está se mostrando mais forte do que as pessoas imaginavam, com um mercado de trabalho forte e a economia como um todo crescendo bastante, principalmente nos setores de serviços e consumo interno. Tem uma política fiscal expansionista e talvez o reconhecimento de que a política monetária possa ter passado do ponto", explica Ribeiro. "O corte que levou a Selic até 10,5 está se mostrando excessivo, dados os parâmetros nos quais a política monetária é discutida no Brasil.”  Para Thais Baptista, entretanto, se voltar a subir a Selic, o país “irá na contramão do mundo”. “Todos os Bancos Centrais do mundo estão baixando as suas taxas de juros, com exceção de três: Japão, Marrocos e Brasil”, indica a gestora da Schelcher Prince Gestion.Para ela, o BC poderá fazer este movimento para “comprar” a credibilidade do investidor no país após a série de percalços entre o governo federal e a instituição, no primeiro semestre do ano.

    Bloqueio do X abala ambiente de negócios no Brasil? Especialistas analisam

    Play Episode Listen Later Sep 4, 2024 6:46


    Desde o bloqueio da rede X no Brasil pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, empresários alegam que a medida prejudica o clima de negócios no país. A decisão traria um ambiente de “insegurança institucional” para as empresas que operam no Brasil e poderia afugentar investimentos estrangeiros. Moraes suspendeu as operações e o uso da plataforma em território brasileiro depois que o X se recusou a nomear um representante legal no país, num contexto de suspeita de que a rede estimula a disseminação de conteúdos falsos e discursos de ódio. O dono da rede, o bilionário americano Elon Musk, fomenta há meses um embate com o ministro do STF, que ele acusa de tentar censurar a rede.O caso gerou repercussão mundial – e ocorre uma semana depois do dono da plataforma Telegram, Pavel Durov, ser detido em Paris por descumprir ordens judiciais.“O mercado brasileiro pode ser penalizado se alguns atores internacionais estimarem que o acesso está mais difícil. Isso pode criar, a médio e longo prazo, efeitos negativos”, reconhece Julien Maldonato, diretor de digital trust da auditoria Deloitte. “Mas um país deve poder tentar manter uma forma de soberania em alguns assuntos, seja de negócios ou da gestão da comunicação e da informação. É preciso tentar encontrar um equilíbrio dinâmico, porque ao longo do tempo, esses equilíbrios serão sempre questionados.”Tentativas de controle afetou investimentos na ChinaApesar de inúmeras tentativas pelo mundo, o controle das plataformas digitais se tornou quase impossível – nem os países abertamente autoritários conseguem, salienta Nathalie Janson, professora associada de Finanças da Neoma Business School, em Rennes.“Levanta dúvidas sobre a capacidade das empresas multinacionais poderem fazer negócios nestes países, se as regras podem mudar de um dia para o outro. É uma questão colocada há uns 10 anos na China, aliás, que tem um governo autoritário”, explica a especialista em finanças digitais. “Depois dos problemas com o empresário Jack Ma e diversas proibições de atuação, o clima de negócios se tornou, evidentemente, desfavorável – e a China teve uma baixa dos investimentos estrangeiros. Então, acho que a questão é legítima no Brasil.”A professora evoca a delicada fronteira da liberdade de expressão, que pode entrar em conflitos com diferentes leis dos países. Janson destaca que em muitos deles, o X salvou vidas e ajudou a combater regimes opressivos.“A pressão por maior regulação é importante ao gerar debate, para as pessoas saberem por que estão querendo regular as plataformas. Porém, eu não acho que essa pressão terá um impacto maior do que o já vimos na Europa, que conseguiu aprovar o Digital Services Act.”Para Musk, dois pesos, duas medidasO caso de Elon Musk tem uma especificidade em relação a outras redes sociais: o bilionário faz uso político da plataforma que comprou em 2022. Ele faz campanha pelo candidato republicano Donald Trump nos Estados Unidos e, de forma mais ampla, milita contra a esquerda.Musk escolheu a dedo os pedidos judiciais ou de governo que recusaria – em 80% dos casos pelo mundo, acatou sem alarde as solicitações oficiais de suspensão ou fechamento de contas no X, observa Maldonato.“Estamos vivendo estes novos equilíbrios, nos quais as potências tecnológicas chegam a ter mais poder e impacto que um Estado. Musk pode se servir dessa força tecnológica e capitalista que ele tem para influenciar correntes de pensamento no seu próprio país e no exterior”, afirma o consultor francês. “Ele acha que existe praticamente só um caminho, a corrente de um mercado muito livre e libertário, e que só haverá progresso desta forma.”A confrontação Musk x Moraes no Brasil impulsionou o crescimento de uma rede social concorrente, o Bluesky, que passou de 6 para 8 milhões de usuários em pouco mais de três dias. Nathalie Janson, entretanto, demonstra ceticismo quanto ao fim da hegemonia do ex-Twitter, anunciada desde que a rede foi comprada pelo controverso bilionário.“Vimos que os movimentos alternativos, como o Mastodon, não foram muito longe na concorrência. Tenho a impressão de que acontecerá a mesma coisa no Brasil”, avalia. “É claro que é bom e é sadio que haja concorrência, mas acho que o Twitter vai continuar sendo a rede de referência, apesar das suas confusões com a Justiça.”Julien Maldonato considera a possibilidade de as redes operarem mais “em forma de arquipélago”, ou seja, com mais diversidade, conforme os interesses dos usuários. “Mas a diversidade pode levar à fragmentação e ao isolamento – poderemos ter pequenas ilhas digitais que talvez não se falarão mais entre elas. Seria lamentável, mas não esqueçamos que a tendência das pessoas sempre foi evoluir das fraturas: elas acabam por reunir para alcançarem escala e tamanho maiores”, salienta ele.

    Jogos Paralímpicos evidenciam diferenças de acesso a tecnologias por países ricos e pobres

    Play Episode Listen Later Aug 28, 2024 6:53


    Os Jogos Paralímpicos trazem à luz os desafios da acessibilidade para as pessoas com deficiência. Por trás do desempenho dos campeões, está uma vasta cadeia especializada em melhorar não apenas a performance dos atletas, mas também o cotidiano das pessoas com deficiência. Mas o evento também ilustra o quanto o acesso dos países às melhores tecnologias é desigual.  Até agora, mais de 1,9 milhão de ingressos já foram vendidos para os Jogos Paraolímpicos de Paris 2024, de um total de 2,5 milhões postos à venda. Com 22 modalidades, a metade da Olimpíada, o evento não desfruta do mesmo prestígio, mas representa um momento único para promover avanços para cadeirantes, cegos e outros.Um exemplo: apenas 3% da vasta rede de metrô de Paris oferece acessibilidade plena, uma fragilidade que será exposta agora que a cidade espera receber 350 mil visitantes com deficiência durante o megaevento. A realização dos Jogos Paralímpicos força o país a olhar para problemas que costumam ser invisíveis para a maioria dos cidadãos, empresas e tomadores de decisões, aponta Juliette Pinon, pesquisadora do Instituto de Administração de Empresas da Sorbonne, em entrevista à emissora France Culture. Pinon desenvolve uma tese sobre a dimensão inclusiva do legado de Paris 2024.“Temos um eixo material, sobre coisas que ouvimos falar muito agora, como transportes, infraestruturas e equipamentos esportivos para o evento e para o cotidiano dessas pessoas. E temos o eixo imaterial: a sensibilização para as pessoas com deficiência, a mudança de olhar sobre elas”, afirma a pesquisadora. “É um momento chave para a França, cujas políticas públicas para as pessoas com deficiência foram criticadas por diferentes instâncias, em especial organismos internacionais, pelas violações dos direitos das pessoas nessa situação.”Diferenças entre delegaçõesNa Vila Paralímpica, adaptada para receber os 4,4 mil atletas, um centro de revisão e consertos de próteses, cadeiras de rodas e outros equipamentos opera com 164 funcionários do grupo alemão Ottobock, parceiro do Comitê Paralímpico Internacional desde os Jogos de Seul, em 1988.O local é uma amostra de toda uma cadeia que melhora as condições de vida dessas pessoas. O diretor técnico das instalações, Bertrand Azori, relata que as visitas ao centro evidenciam o fosso que existe entre as delegações de países ricos e pobres, onde o acesso a tecnologias mais avançadas é baixo.“Já teve prótese feita com cano de encanamento, de plástico, cumprindo o papel do alongamento da prótese. E a gente sempre tem que encontrar uma solução”, comenta, à RFI. “Tem próteses improvisadas, outras que vemos que foram consertadas em casa. Há próteses de joelhos que não víamos há mais de 30 anos, e neste caso somos obrigados a trocar porque aqui temos tudo que precisamos para consertar, mas tem uns modelos que nem saberíamos como fazer para consertar.”O centro dispõe de cerca de 60 cadeiras de rodas para empréstimo, tem 15 mil peças no estoque e impressoras 3D que podem fabricar novas. O arqueiro francês Damien Letulle passou para verificar as rodas da sua cadeira, a poucos dias do início das competições paralímpicas.“Eles são muito competentes e vemos como eles prestam atenção em cada detalhe. A gente já tem que estar muito concentrado e não devemos estar preocupados com um probleminha técnico que nos atrapalharia”, diz o atleta. “Eles fazem de tudo para que a gente possa estar com a cabeça fria para praticar a nossa modalidade da melhor forma.”Tecnologia da Airbus a serviço dos atletasNo ambiente da alta performance das Paralimpíadas, a tecnologia pode fazer toda a diferença – e pode vir de pesos-pesados do setor, independentemente da área de atuação principal. A quase 700 quilômetros ao sul de Paris, o laboratório de inovações da fabricante de aviões Airbus desenvolveu 30 equipamentos paralímpicos em parceria com a Agência Nacional do Esporte francês, como bicicletas melhor adaptadas ou um punho que torna a prática de esgrima mais eficiente pelo atleta.Uma placa na entrada anuncia o objetivo: “o lugar onde as ideias ganham vida”. “Para termos aviões ultramodernos, precisamos das mesmas competências: cálculos de estruturas, de estresse dos materiais, que sejam ultraleves, mas ultrarresistentes. Se transportarmos todo o nosso conhecimento em aerodinamismo e em materiais para outra área, o resultado para uma alta performance vai estar lá”, explica Christophe Debard, diretor do ProtoSpace e ele próprio usuário de uma prótese na perna direita.O produto que acaba de ficar pronto é um tipo de meia que cobrirá a prótese de corrida do campeão mundial de paratriatlo Alexis Hanquiquant, tornando-a aerodinâmica.“Utilizamos os nossos programas de cálculo aerodinâmico para criar um modelo que otimize a penetração do ar na prótese e faça o atleta ganhar precioso segundos quando ele for passar para a bicicleta. Aqui nós buscarmos esses ganhos marginais, esses segundinhos que podem representar ter medalha ou não, ou passar de uma medalha de prata para uma de ouro”, salienta Debard.Os Jogos Paralímpicos de 2024 começam nesta quarta-feira (28) e vão até 8 de setembro.

    Oportunidade de ouro ou frustração? Olimpíada desafia brasileiros que trabalham em Paris

    Play Episode Listen Later Jul 24, 2024 7:08


    A realização da Olimpíada em Paris oferece oportunidades profissionais inéditas para brasileiros instalados na França – mas também impacta negativamente no trabalho daqueles que não atuarão diretamente no evento. Os meses de verão costumam ser a alta temporada para o turismo na capital francesa. Este ano, entretanto, uma estranha calmaria tomou conta do setor.  Lúcia Müzell, da RFI em ParisA fotógrafa e videomaker Camilla Cepeda trabalha há oito anos registrando a visita de estrangeiros de passagem pela cidade. Mas desta vez, o turista tradicional, que vai a Paris para conhecer ou voltar aos principais monumentos, preferiu antecipar a viagem para escapar do agito dos Jogos Olímpicos ou adiá-la para depois que os cartões postais forem devolvidos à cidade, a partir de setembro.Camilla já se preparava para uma queda da demanda, já que vários dos principais pontos turísticos parisienses estão ocupados para as competições e os preços da viagem dispararam. "Muitas agências de turismo que são minhas parceiras no Brasil e mandam clientes para cá me disseram que não embarcaram o público esperado”, relata.A goiana tem em mente o impacto dos Jogos de Londres para a capital britânica, há 12 anos: o megaevento esportivo acabou assustando a clientela típica que vai à Europa aproveitar os meses de verão."Tenho alguns trabalhos agendados de pessoas que já tinham feito o planejamento da viagem para a Olimpíada. Ou seja, é um outro perfil de cliente que eu vou atender neste período. Não é o perfil habitual do turista que vem e consome Paris em todos os quesitos, desde restaurantes, moda, shopping”, indica a fotógrafa. "O turista que virá a partir da semana que vem é o turista esportivo. Vai ter, mas será pontual: nada comparado ao movimento de julho turístico de Paris."Na falta de clientes, opção é mostrar a cidade na 'versão olímpica'A mineira Karine Naves organiza roteiros turísticos para brasileiros em Paris desde 2017 – e chega à mesma conclusão. "Em julho, costuma ser o momento em que eu mais trabalho, eu e outros colegas guias. Mas esse ano está sendo atípico, por causa das Olimpíadas”, constata. "Tudo está muito mais caro, as pessoas estão com dúvidas de como vai ser, sobre as dificuldades de locomoção em Paris, as estações de metrô fechadas. Eu vejo que os hotéis estão vazios, não só de brasileiros, mas de outras nacionalidades”, afirma.Ao perceber que a demanda estaria em queda, Karine não hesitou: decidiu curtir o período ao lado de clientes que se tornaram amigos e estarão na cidade. "Eu me dei esse tempo para eu poder aproveitar mais as Olimpíadas e não só estar trabalhando", afirma. De quebra, ela tem mostrado a preparação de Paris para os Jogos para os seus seguidores nas redes sociais.Virada à vista? Nessas horas, nada como a experiência para superar os altos e baixos do métier. Vivendo há quase 30 anos na França, a pernambucana Adriana Leal traz na bagagem da vida outros megaeventos sediados na cidade, como a Copa de 1998 e a Eurocopa de 2016. A aposta dela é que ainda ocorrerá uma virada na situação."A gente tem que ter um pouco de calma, sangue frio. Talvez porque eu tenha jogado basquete, eu aguento a pressão e deixo que o jogo comece. Quando o juiz apita e o jogo começa, aí vai!”, compara. "Então estou esperando que, no sábado, depois da abertura, as coisas comecem a evoluir de uma forma mais positiva para o tamanho do evento que temos pela frente”, prevê.Adriana organiza e recepciona turistas estrangeiros e conta com uma rede de motoristas que, como ela, já têm “gingado" para atender a um volume de trabalho que poderá surgir de última hora."O brasileiro gosta de decidir muitas coisas em cima da hora. E quando o show começa, eles ficam animados com o que veem e acabam vindo, até porque surgem promoções ou pacotes interessantes”, diz. "De repente, um dia antes eles me avisam: “tô chegando e quero isso e isso", e do nada surgem três ou quatro carros de uma vez só que eu tenho que disponibilizar para dali a três horas."Trabalhar na organização do evento é oportunidade únicaJá para aqueles brasileiros envolvidos na realização das Olimpíadas, a ‘correria' já está intensa há meses. A delegação do Brasil ocupará três grandes espaços relacionados ao evento: os alojamentos da Vila Olímpica, para os atletas; a Casa Brasil – onde ocorrerão eventos abertos ao público, no parque de La Villette –, e o castelo de Saint-Ouen, a 600 metros da Vila Olímpica e que servirá de base de apoio para o Time Brasil.No castelo, monumento histórico da cidade ao norte de Paris, quem estará no comando dos fogões para o tradicional feijão com arroz de cada dia é a cozinheira e empreendedora Sarah Lima. Há 12 anos na capital francesa, a paulista foi selecionada pelo Comitê Olímpico Brasileiro (COB) para coordenar o serviço de alimentação dos atletas brasileiros."Para mim é um desafio muito grande porque é um dos projetos mais longos em que eu já trabalhei e tem toda uma logística específica para este projeto. Ele é mais cheio de detalhes, protocolos, mas está sendo uma experiência muito legal e gratificante para mim e a equipe”, salienta.Setor da alimentação brasileira no exteriorMais de 30 pessoas estão envolvidas ao seu lado nesta missão, entre elas 25 novos cozinheiros brasileiros que foram formados para trabalhar no castelo. Alguns deles, revela Sarah, já começavam a abandonar o sonho de viver na França.“Isso trouxe esperança para eles de um horizonte diferente, de sair de trabalhos como limpeza, construção civil. Isso está permitindo a eles terem outros objetivos e perspectivas profissionais aqui na França”, comemora. “Tem alguns que estão realmente abraçando a oportunidade com muita vontade de aprendizado e evolução. Para mim, o mais gratificante é isso, é ver que estou conseguindo dar oportunidade e uma visão de futuro para 25 imigrantes."Para manter a Casa Brasil abastecida com brigadeiros, a sul-matogrossense Claudia Silva também teve que triplicar o número de ajudantes para enrolar os docinhos. Ela estima que o volume da produção será sete vezes maior que o habitual da clientela na França, onde vive desde 2012 graças ao trabalho como confeiteira de especialidades brasileiras."É surreal, um volume nunca antes feito. E a gente sempre pende para contratar brasileiros”, ressalta. "É um período bem bacana para a gente poder divulgar o nosso trabalho e ser mais conhecido, um período fantástico e com certeza nós colheremos mais frutos dele, a longo prazo.”

    Restrições das Olimpíadas deixam comerciantes de Paris ‘desencantados' com evento

    Play Episode Listen Later Jul 17, 2024 8:24


    O que parecia ser uma oportunidade de ouro para os negócios se revela, na verdade, um prejuízo: as Olimpíadas de Paris decepcionam diversos serviços dependentes do turismo, que viram a frequentação de visitantes cair nas semanas anteriores ao evento e ainda temem o pior. Comerciantes e gerentes de hotéis e restaurantes evocam o impacto da série de restrições ao trânsito na cidade e o medo dos preços altos, que parecem afugentar os turistas habituais da alta temporada. Lúcia Müzell, da RFI em ParisO tempo chuvoso e fresco neste início de verão parisiense também não colabora. Julho não tem sido um bom mês na comparação com os outros anos, garante Franck Delveau, presidente da União das Profissões e da Indústria Hoteleiras. Ele lamenta a expectativa de apenas 70% de ocupação dos hotéis na capital francesa."Muita gente desistiu de vir a Paris por causa dos problemas para circular na cidade, com muitas obras. Sem falar do clima político na França hoje – que, preciso destacar, contribui para atrapalhar a vinda dos turistas”, aponta. "A Olimpíada vai trazer 1 milhão ou 1,3 milhão de turistas estrangeiros. Nos tempos normais, costumam vir de 3,5 milhões a 4 milhões no verão."A fuga dos turistas não chega a ser uma surpresa: as imagens da cidade-sede virada do avesso para a realização das Olimpíadas geram efeito negativo nos meses que precedem o evento, um fenômeno já tinha sido verificado nos Jogos de Londres, em 2012.Em junho, as receitas do turismo em Paris caíram 25,4% em relação ao mesmo mês em 2023, conforme apurou a consultoria MKG Consulting, especializada no setor. O preço médio das diárias de hotel recuou 14,5%, impactado também pela queda do turismo de negócios. Paris acabou riscada do mapa para a realização de outros eventos empresariais e de instituições.A companhia Air France nota essa baixa nos seus aviões, mais vazios neste verão. A empresa antecipa que as receitas serão de € 160 milhões a € 180 milhões menores nesta temporada, na comparação com o verão passado.Obras, grades e bloqueios afastam turistas Em pleno coração de Paris, os comércios, cafés e restaurantes acostumados a receber milhares de pessoas por dia veem a Olimpíada como uma decepção. Não bastassem as grades provisórias instaladas por toda a região central para a programação olímpica, o garçom Laurent mal consegue acreditar que banheiros químicos serão colocados bem em frente ao café onde trabalha.“Para a gente, é um desencanto, porque aquilo que deveria ser um evento convivial se tornou uma Paris vazia”, resume, à reportagem da RFI. "Visualmente, o resultado aqui é lamentável. Não estamos conseguindo atrair gente para as mesas na rua, porque ninguém quer ficar instalado na frente de uma grade dessas. Ninguém quer ver isso quando vem conhecer a cidade e apreciar a beleza de Paris”, afirma o garçom.O frequentado mercado de flores Elisabeth II, na ilha de la Cité e a poucos metros da catedral de Notre Dame, não poderá abrir na véspera e no dia da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos. Em toda a cidade, 10% dos tradicionais mercados ao ar livre serão atingidos pelo evento."Nós seremos obrigados a fechar porque não terá ninguém. Tudo vai estar bloqueado. Eles já começaram a cortar o acesso às pontes”, diz a florista Betty. "Como vamos poder trabalhar, e como faremos para pagar os nossos aluguéis, para comer, afinal ninguém aqui é grande empresário. Somos todos pequenos comerciantes”, questiona Betty, que vai exigir da prefeitura compensações pelos prejuízos.Cerimônia de abertura fecha margens do rio SenaA cerimônia de abertura, no dia 26 de julho, acontecerá em um formato inédito, ao ar livre no rio Sena, e vai exigir um esquema de segurança também excepcional. A partir desta semana, apenas moradores e trabalhadores na região terão acesso às margens do rio, depois de obterem autorização dos serviços policiais.Turistas e visitantes também precisarão se cadastrar e apresentar documentos – uma "burocracia" que tem tudo para atrapalhar a frequentação, teme Audrey Azoulay, dona de uma joalheria na famosa rua de Rivoli."Por enquanto, não sei exatamente como vai funcionar. Só sei que para chegar aqui, será necessário apresentar um QR code”, indica a lojista. "O acesso a várias estações de metrô está fechado e as pessoas precisariam caminhar uns 10 minutos a mais para vir aqui. Vai ser fácil para os turistas que estarão em hotéis perto, mas para todos os outros, acho que vai ser complicado. Estou apreensiva."Aluguéis por temporada decepcionaramNão são apenas os comerciantes profissionais que ficaram desiludidos. A empreendedora Camille aluga há quatro anos o seu apartamento nos períodos de alta temporada em Paris, quando ela própria sai de férias com a família. Mas, desta vez, foi bem mais difícil emplacar, garante."Foi muito atípico para nós não conseguirmos alugar nos finais de semana anteriores à Olimpíada, em junho e julho, e isso que colocamos no preço normal que sempre alugamos. Esse efeito eu também pude constatar no meu trabalho, junto a chefs de cozinha parisienses, que infelizmente não estão tendo uma grande frequentação dos seus restaurantes”, garante."E até meu marido, que trabalha no setor dos museus, constata que a clientela atualmente é basicamente francesa. Tudo isso confirma que talvez o turismo vá se concentrar apenas nos dias da Olimpíada e tenha fugido daqui no restante da temporada”, conclui a empreendedora.Com colaboração de Arthur Ponchelet, da RFI em francês

    Cidades europeias reagem ao turismo de massa, apesar de receitas cada vez maiores

    Play Episode Listen Later Jul 10, 2024 6:12


    Com a chegada do verão e de, literalmente, milhões de turistas pelas cidades espanholas, habitantes de grandes metrópoles, como Barcelona, e de vilarejos menores, como Cadix e nas ilhas Canárias, também saem às ruas – mas não é para visitar monumentos. Fartos do turismo de massa, os moradores protestam para exigir medidas de restrição aos visitantes, ainda que a movimentação do setor gere cada vez mais riquezas para as economias locais. Na manifestação em Barcelona, os cartazes traziam palavras nada amigáveis: “Turistas, vão embora”, “É a nossa cidade, não o seu parque de diversões”. Basta um curto passeio nos fins de semana para entender as razões de tanta animosidade: as tradicionais ramblas ficam saturadas entre tanta gente e vendedores de lembrancinhas.A Espanha é o segundo país mais visitado do mundo, atrás da França. Este ano, as receitas do setor devem bater um novo recorde e chegar a € 202 bilhões, antecipa o organismo estatal Exceltur.Em entrevista à RFI, Eva Doya Le Besnerais, representante do governo regional da Catalunha na França, ressalta que 70% dos catalães são favoráveis aos incentivos para o turismo, mas as pesquisas mostram que a metade da população gostaria de mais regulação."Evidentemente que o turismo é uma fonte de riquezas para a Catalunha, de cerca de 10% do PIB da região. Mas se pensamos nos 8 milhões de habitantes, o número de turistas é considerável: são 2 milhões por mês”, observa. "O impacto que essas duas milhões de pessoas geram precisa ser considerado e esse é o papel do poder público."Impacto no mercado imobiliárioSujeira, poluição sonora, saturação dos transportes e uso excessivo da água pública são alguns dos efeitos mais negativos da presença de visitantes em massa. A consequência mais nociva para o bolso dos moradores é no mercado imobiliário."Moradias que antes eram usadas como habitação permanente agora são destinadas só para o turismo. Por isso é preciso regular e foi o que fizemos, com um decreto, depois que observamos que em 262 localidades da Catalunha, havia aluguéis turísticos demais”, defende Le Besnerais. "O parque imobiliário disponível passou a ser insuficiente para as pessoas que vivem nestes lugares e o mercado ficou sob muita tensão.”Na capital catalã, os aluguéis subiram quase 70% em 10 anos, o que levou a prefeitura a adotar uma reação radical: proibir a plataforma AirBnb na cidade a partir de 2028, de modo a liberar 10 mil apartamentos para a venda ou aluguel com contratos mais longos.Diversas cidades europeias, como Paris, Londres ou Berlim, impõem um limite máximo de curta locação anual dos imóveis.Amsterdã adota série de medidas antiturismoOutra cidade cada vez mais incomodada com a presença excessiva de turistas – 20 milhões por ano – é a holandesa Amsterdã. Facilmente acessível de trem ou voos de baixo custo, o município já impôs restrições como proibir o uso de cannabis nas ruas, deslocar do centro o porto de chegada dos cruzeiros, e agora acaba de proibir a construção de novos hotéis.Mas para pesos pesados do setor, a prefeitura começa a exagerar a dose e, desta vez, errou o alvo, alega o diretor do hotel Mövenpick, Remco Groenhuijzen."55% das pessoas que visitam Amsterdã o fazem só durante o dia, portanto não são atingidas pelas novas regras. Temos a impressão de que as medidas atingem justamente os turistas que não causam problemas na cidade”, critica.A reportagem da RFI conversou com Guido, que opera barcos turísticos Shipdock pelos canais de Amsterdã. O serviço integra a rede Bulldog, que começou há 40 anos como um coffee shop e hoje também inclui bares, lojas de lembrancinhas e um hotel na capital holandesa."Você não pode impedir as pessoas de virem aqui. É impossível. Tentaram na Inglaterra e foi contraprodutivo: falaram para as pessoas pararem de ir lá e o efeito foi o contrário, teve ainda mais gente”, argumenta. "Não precisa regular. Para mim a prefeita é uma idiota e o melhor que poderia acontecer seria ela sair.”

    Por que os programas de governo da extrema direita e da esquerda preocupam cúpula econômica francesa

    Play Episode Listen Later Jul 3, 2024 6:05


    O primeiro turno das eleições legislativas na França colocou frente a frente dois modelos diametralmente opostos de sociedade, mas que têm alguns pontos em comum nos seus programas econômicos de governo do país. O Reunião Nacional (RN), de extrema direita, e a Nova Frente Popular (NFP), aliança de partidos de esquerda, baseiam suas propostas em um expansionismo orçamentário que preocupa os agentes econômicos, num momento em que a degradação das contas públicas francesas já causa danos ao desempenho do país. Por Lúcia Müzell, da RFI em ParisO Medef, principal organização patronal francesa, considerou os dois programas “inapropriados” e “perigosos” para a economia do país, ao “gerarem altas de impostos, fuga de investidores estrangeiros e falência em massa de empresas”.O termômetro dos mercados financeiros cristaliza esses temores, com instabilidade nas bolsas desde que o Reunião Nacional saiu vitorioso nas eleições europeias e a coligação de esquerda despontou como a segunda principal força política, à frente do partido do presidente Emmanuel Macron. No mercado da dívida, a diferença entre as taxas a 10 anos do Tesouro francês para o alemão, referência no bloco europeu, não para de subir e atingiu a maior variação desde 2012.O economista Jean Tirole, prêmio Nobel de Economia de 2014, publicou um artigo no qual afirma que “o que pode resultar destes programas só pode preocupar os cidadãos que querem manter o nosso sistema social e a nossa democracia liberal”. Ele criticou as promessas dos dois opositores para melhorar o poder aquisitivo dos franceses, mas sem prever fontes de riquezas coerentes para financiar as medidas.Outra vencedora do prêmio Nobel, a francesa Esther Duflo, salientou à emissora France Culture que a sigla de extrema direita aposta que o seu mantra da redução de impostos para as empresas e dos gastos sociais será suficiente para convencer o empresariado, apesar do programa vago do partido sobre a gestão da economia. O projeto prevê um déficit de pelo menos € 14,5 bilhões ao ano.“O problema é que tem muitas medidas que beneficiam a todos, inclusive os ricos. Por exemplo, a exoneração de imposto de renda para menores de 30 anos também beneficia jogador de futebol ou empresário da tech que é jovem”, aponta Gabriel Gimenez-Roche, professor-associado da Neoma Business School.Programa do RN favorece os mais ricosO partido busca conquistar o eleitorado de baixa renda, mas, na prática, suas medidas aumentariam as desigualdades: tornariam os 10% mais ricos da população ainda mais ricos e piorariam a condição dos 30% mais pobres, segundo uma análise detalhada do economista Raul Sampognaro, do Observatório Francês de Conjuntura Econômica (OFCE), com a colega Elvire Guillaud, da Université Paris 1 (Panthéon-Sorbonne).Eles concluíram que o conjunto de reduções de impostos e benefícios sociais teria um impacto negativo de 1% na renda da população mais pobre, e 1,5% positivo para o topo da pirâmide. “Nós visualizamos os 30% mais pobres, mas eles enxergam a população estrangeira como alvo. Em resumo, o programa do RN quer retirar € 15 bilhões de ajudas sociais dos estrangeiros, além de outros € 5 bilhões que eles dizem que não mandarão mais para a Comissão Europeia”, afirma.“Quanto ao resto da população francesa, se excluímos os imigrantes, vemos que a maior parte das medidas fiscais beneficiam o topo da pirâmide de renda”, aponta.Decisões como subsidiar os preços da energia, proposta pelo RN, ou a anulação da última reforma das aposentadorias, prometida pela Nova Frente Popular, aumentariam ainda mais o endividamento francês, num contexto em que as taxas dos títulos da França já estão em alta.Um mês antes do primeiro turno, a agência de classificação de riscos Standard & Poor's havia rebaixado a nota soberana da França, alegando dúvidas quanto à capacidade de o país reverter o déficit de mais de 5,5% registrado em 2023.Esquerda promete aumentar carga tributáriaA Nova Frente Popular quer bloquear os preços da energia e dos produtos alimentícios de primeira necessidade, aumentar em 15% o salário mínimo e tornar as escolas públicas totalmente gratuitas, entre outras medidas. O custo do pacote é deficitário em ao menos € 160 bilhões por ano, de acordo com um levantamento do think tank Fundação para a Pesquisa sobre as Administrações e Políticas Públicas (Ifrap).Para financiá-lo, a coligação de esquerda conta com o aumento das receitas fiscais: uma reforma para tornar o imposto de renda mais progressivo, a volta do Imposto Sobre a Fortuna e a criação de duas novas taxas, sobre os “superlucros” e os produtos importados.“A Nova Frente Popular fala que não será mais possível a França financiar as suas ambições ambientais, de justiça social e até de defesa apenas com cortes da proteção social”, observa Sampognaro. “O atual governo insistia que não aumentaria jamais os impostos, mas também não baixaria o orçamento dos serviços públicos essenciais. A esquerda vem questionar o tabu que se instaurou sobre o imposto”.Na visão de Gabriel Gimenez-Roche, professor da Neoma Business School, entretanto, o pacote da esquerda espantaria os ricos do país, como já aconteceu no passado em governos socialistas que fizeram a carga tributária disparar.  “Eles têm o programa mais detalhado, em termos de quantificação, mas ele sofre de um otimismo desmedido quanto às receitas. A ideia é, realmente, pegar o dinheiro de quem tem, dos ricos”, constata o pesquisador. “O otimismo é pensar que eles não vão se mover – só que quem tem mobilidade de capitais são eles. Eles já foram embora antes e vão de novo. E os estudos mostram que quando você aumenta a carga fiscal desse jeito, as pequenas empresas são as que mais sofrem, porque elas não têm mobilidade de capital como as multinacionais”, complementa.  Um levantamento da Confederação das Pequenas e Médias Empresas indicou que as medidas que estão sobre a mesa teriam impacto negativo para o clima de negócios na França. A pesquisa apurou que 60% dos presidentes de empresas atrasariam investimentos ou contratações no caso de uma vitória da Nova Frente Popular, e 36% se o Reunião Nacional sair vencedor.

    Mundo sob tensão leva cotação do ouro a disparar, como um investimento seguro

    Play Episode Listen Later Jun 12, 2024 6:11


    Em tempos sombrios, nada é mais valioso do que a segurança – inclusive nos investimentos. A compra de ouro disparou desde 2023 e leva a cotação do metal precioso a bater recorde atrás de recorde, impulsionada pela procura não apenas de investidores, como de Bancos Centrais. A cotação subiu cerca de 13% só neste ano. O movimento reflete o clima de incertezas que toma conta da economia mundial, com inflação persistente, duas guerras importantes em menos de dois anos – na Ucrânia e em Gaza – e a situação fiscal americana preocupante a longo prazo.“Quando analisamos a situação fiscal americana num horizonte de 20 anos, se continuar assim, temos uma situação um pouco complexa. Por quanto tempo esse país vai continuar com déficit e o mundo financiando esse déficit?”, explica William Castro Alves, economista-chefe da corretora digital Avenue, baseada em Miami. “Há uma correlação entre o déficit dos Estados Unidos e o preço do ouro: ele vai subindo como uma busca de diversificação de reservas.”Há milênios, o ouro é visto como uma garantia estável e segura, salienta Alessandro Soldati, diretor de uma das líderes mundiais no setor, a Golden Avenue, de Genebra.“Nós vemos que, há 50 anos, a moeda perde valor, o que nos faz perder poder de compra. Ao mesmo tempo, o ouro continua a manter o seu valor e, mais do que isso, a aumentá-lo”, resume. “Acho que o ouro deve ser visto como uma diversificação dos seus investimentos: colocar 5 ou 10% dos bens em ouro para proteger a poupança. Ele nos dá segurança para poder continuar fazendo outros investimentos com tranquilidade.”China troca dólares por ouroAs aquisições de investidores chineses e do Banco Central do país, que por 18 meses consecutivos trocou dólares por ouro nas suas reservas, também impulsionam essa alta dos preços. “Os chineses continuam a ser os maiores credores americanos. Mas como é um agente com muitos recursos, quando ele diversifica 10% das reservas, estamos falando de US$ 300 bilhões, um valor gigantesco”, aponta. “Mesmo que esse movimento seja marginal, ele acaba mexendo no preço, chama a atenção.Outros BCs, como da Índia, Turquia ou Rússia, também sustentam essa demanda. Até agora, o pico histórico foi atingido em maio, a US$ 2.450 onças troy, a medida inglesa para pesar o metal. O valor é o dobro do negociado há quatro anos.A tendência deve permanecer diante da expectativa de queda das taxas de juros nos Estados Unidos ainda em 2024 – quando os índices caírem, reduzindo também os rendimentos nos títulos americanos, o ouro poderá atrair ainda mais interessados.“Não podemos saber em qual direção vai continuar a cotação, mas nós estamos com a perspectiva de que as coisas vão piorar no mundo antes de melhorarem. Vamos continuar a ter desvalorização da moeda, a ter riscos geopolíticos importantes, um contexto de incertezas que permanece e pode até aumentar no futuro”, indica Soldati. “Muitas pessoas comparam o Bitcoin ao ouro digital, mas faz cinco mil anos que o ouro é uma referência para todo o mundo. O Bitcoin existe só há 14 e é muito volátil”, compara.Movimento 'inédito' em lojas de compra e vendaA corrida pelo metal repercute em lojas de compra e venda mundo afora. Na Godot & Fils, uma das lojas mais tradicionais de Paris, um dos diretores, David Knoblauch, nunca viu nada igual.“Há 10 anos, havia cerca de 10 pessoas que entravam por dia para fazer uma transação, e hoje estamos a 60, às vezes 80 transações diárias. É algo inédito”, conta, à reportagem RFI em francês. “Da abertura da loja até o fechamento, o movimento não para.”O cliente Jean-Pierre é um deles: ao ler as notícias sobre a alta da cotação do ouro, convenceu a família a se desfazer de algumas peças. Por um anel, um colar e um par de brincos, recebeu € 440.“Trago joias antigas de famílias que estavam guardadas numa gaveta. Nós concordamos que chegou a hora de vendê-las. Não serviam mais para ninguém e com o dinheiro vamos aproveitar com os nossos filhos, nossos netos”, afirma o cliente. “O ouro é um ativo seguro e essa era uma boa oportunidade de vendê-lo.”Certificação de autenticidade e origemAlessandro Soldati, da Golden Avenue, chama atenção para os riscos que a operação pode envolver, em uma cadeia que começa nas minas – nem sempre legais –, passa pelas refinarias e só depois chega à comercialização, uma etapa que também pode ser bastante fracionada. Para evitar golpes, é preciso estar atento às certificações internacionais de autenticidade e origem do produto.“Sempre que alguém propuser ouro a um preço menor que o valor do mercado, você deve suspeitar. Talvez a origem deste ouro não seja tão limpa quanto o vendedor diz”, ressalta o especialista.Além do ouro físico, outras possibilidades de investimentos no metal são em fundos de ouro ou mineradoras negociados na Bolsa de Valores.Com Bruno Faure e Stéphane Geneste, da RFI

    Como as enchentes no RS impactam na economia de todo o Brasil

    Play Episode Listen Later May 24, 2024 7:12


    As enchentes no Rio Grande do Sul atingem 94% da estrutura econômica do estado, e seus impactos são sentidos em todo o Brasil. O maior desastre climático já visto na história recente do país pode ameaçar o objetivo de crescimento econômico superior a 2% em 2024, antecipam previsões de bancos e analistas. O Estado responde por 6,5% das riquezas nacionais e tem quarto maior PIB do Brasil – mais alto que o de países vizinhos como o Uruguai e o Paraguai. Com a tragédia, o impacto para o país tem sido avaliado entre 0,2% e 0,3%.“Num primeiro momento, não tem como evitar um empobrecimento da região, portanto, é um Brasil que cresce menos. O ponto agora é como vai recuperar as condições de crescer”, diz o analista econômico José Francisco Gonçalves, ex-professor da USP. “Você precisa ter um plano de recuperação da atividade. Se deixar no cada um por si e que as próprias empresas se recuperem, não será, absolutamente, factível”, antecipa.A agricultura gaúcha é responsável por 12,6% do que é produzido no Brasil, em especial mais de dois terços de todo o arroz. A tragédia nas lavouras no Rio Grande do Sul pode repercutir nos preços dos alimentos a curto prazo, mas medidas como importações pontuais já mitigam esse efeito para os consumidores brasileiros.Para o Estado, as consequências podem ser mais duradouras – sem a recuperação da infraestrutura de armazenamento e da logística para escoar a produção, a próxima safra pode estar comprometida.“A próxima safra vai depender da logística e de como ficaram os solos. Aquela água passa lavando e leva embora a cobertura do solo, nutrientes, tudo que fica para a plantação seguinte”, salienta Gonçalves.Impacto nos preços de alimentos, eletroeletrônicos e materiais de construçãoLuis Otavio Leal, economista-chefe e sócio da G5 Partners, mantém otimismo sobre o desempenho do PIB brasileiro graças a resultados melhores do que os esperados no primeiro trimestre do ano, antes da catástrofe no Sul. Os números definitivos devem ser revelados em junho e “poderão compensar a perda que virá do Rio Grande do Sul”, afirma.Mas o economista observa que, se o choque de oferta nos alimentos tende a ser compensado rapidamente, outros setores podem ter consequências mais duradouras, como a oferta de eletroeletrônicos e materiais de construção.“Todo mundo vai querer refazer a casa no mesmo momento. A gente pode ter um aumento pontual de demanda por geladeira, fogão, televisão, que nos leve a um gargalo de oferta”, frisa o consultor. “Material de construção também, talvez até mais que eletroeletrônicos.”Armando Castelar, professor de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pesquisador associado do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia, da FGV), também pondera. “Vai haver neste resto de ano um certo aquecimento com as transferências que os governos estão fazendo, de renda, para a reconstrução”, ressalta. “Usualmente, quando há desastres dessa natureza, o setor de construção civil tende a ter um desempenho relativamente bom nos anos seguintes”, afirma.Ainda há pouca clareza sobre qual será a velocidade da recuperação gaúcha. As inundações afetaram nove em cada 10 indústrias do Estado. Na agricultura, a chegada do fenômeno La Niña no próximo semestre pode acarretar novos prejuízos para a agricultura, desta vez pela seca.Impacto nas contas públicasPara projetar cenários futuros, a G5 Partners buscou referências em outras catástrofes climáticas semelhantes, como o furacão Katrina, que devastou Nova Orleans em 2005. “Essa reconstrução não vai ser como nos Estados Unidos, que foi relativamente rápida. Ela talvez vá ser mais lenta pela capacidade menor de alavancar recursos como tiveram os Estados Unidos naquela época”, indica Leal.Os valores estimados para a reconstrução do RS estão sendo calculados, mas devem passar dos R$ 100 bilhões. Os aportes excepcionais do governo federal nesta conta causam uma certa preocupação sobre o impacto para o equilíbrio fiscal do país.  “Sem dúvida, se isso não for compensado com cortes de gastos em outras áreas, vai complicar uma situação fiscal que já não está simples: as projeções de aumento da dívida são significativas e o financiamento dela está ficando mais caro”, avalia Armando Castelar. “Ainda que se entenda o mérito deste gasto, isso pode ter um impacto sobre o crescimento do PIB e a inflação até maior do que as enchentes propriamente ditas”, antecipa.José Francisco Gonçalves, entretanto, avalia que a alta do endividamento agora “é o menor dos problemas”. O ex-professor de Economia da USP aposta que a recomposição da economia gaúcha vai permitir saldar o rombo, inclusive ao voltar a impulsionar o desempenho econômico do Brasil já em 2025.“Você tem uma grana que é fundo perdido mesmo, e cuja contrapartida é o conforto humano, que não tem preço. Isso vai ter que estar nesse orçamento, e eu não consigo imaginar o plano para o Rio Grande do Sul não dando frutos”, explica. “Em relação à postura do mercado financeiro sobre isso, o que dá para ver é que tem uma programação de leilões, que o Tesouro vai anunciar em algum momento, e dada a natureza excepcional e planejada, é algo que poderá entrar na conta”, salienta o ex-economista-chefe do Banco Fator.

    França revisa para cima previsão de impacto econômico dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Paris 2024

    Play Episode Listen Later May 22, 2024 6:38


    Enquanto a França faz os últimos preparativos para receber o maior evento esportivo do mundo, economistas calculam a repercussão financeira para Paris e traçam três cenários possíveis. Os Jogos Olímpicos e Paralímpicos Paris 2024 terão um impacto econômico entre 6,7 bilhões e 11,1 bilhões de euros (ou de R$ 37,2 bilhões a R$ 61,4 bilhões, na cotação atual) para a região de Île de France, onde fica a capital e estão concentrados vários locais de competição. Maria Paula Carvalho, da RFIO cenário mais provável, segundo um estudo encomendado pelo Comitê Olímpico Internacional e o Comitê Organizador dos Jogos, é de um impacto econômico de € 8.9 bilhões na economia local (cerca de R$ 50 bilhões). O Centro de Direito e Economia do Esporte (CDES) atualizou as cifras de um estudo realizado em 2016, época da candidatura da França como país-sede, revisando para cima a geração de receitas econômicas que antes estavam entre € 5,3 bilhões e € 10,7 bilhões (R$ 29,4 bilhões a R$ 59,4 bilhões) para a região de Paris.Porém, medir a repercussão de grandes eventos esportivos é algo complexo e os autores do estudo pedem cautela na interpretação dos resultados.Christophe Petit, responsável pelos estudos econômicos do CDES, explica que não se trata de medir a "rentabilidade" dos Jogos, que poderá ser avaliada em pesquisa posterior. O impacto econômico de um evento esportivo é um indicador. "Esse valor de 9 bilhões mede o crescimento da atividade econômica gerado pela organização e o acolhimento dos Jogos no território da Île de France e que não teria acontecido se os Jogos não fossem em Paris", analisa. "Porém, não é um estudo sobre a rentabilidade econômica dos Jogos e por isso nós não comparamos o custo dos Jogos, ou de qualquer evento, com o impacto econômico. Se quisermos fazer um estudo de rentabilidade, precisaríamos integrar o impacto econômico, mas também elementos de mais longo prazo, como a transformação de bairros inteiros, o que não foi feito, e analisar os benefícios e custos do ponto de vista social, ambiental inerente aos Jogos", acrescenta.         O estudo faz uma projeção de 17 anos. “Nós analisamos três fases: a preparação de 2018 a 2023, essencialmente marcada pelos investimentos relativos à construção e renovação de infraestruturas; a fase de desenvolvimento, que é marcada pelas despesas operacionais da realização dos Jogos, para acolher os atletas, fornecer os serviços necessários para os que virão trabalhar ou participar dos Jogos, e a fase de legado, de 10 anos após os Jogos, de 2024 a 2034", observa Christophe Petit. "É importante dizer que os dados utilizados são os mais atualizados sobre a preparação e realização dos Jogos, e para a fase de legado usamos hipóteses do estudo anterior, mas corrigimos elementos macroeconômicos, como a inflação”, afirma. Os setores mais beneficiados são a organização de eventos (€ 3,8 bilhões), seguido da construção civil (€ 2,5 bilhões) e do turismo (€ 2,6 bilhões).A maior parte dos investimentos estão concentrados na fase de preparação (2018-2023) e realização dos Jogos (2024). Somente 8% do impacto econômico é previsto na fase de legado (de 2025 a 2034) num cenário pouco otimista, passando a 16% e 17%, respectivamente, num cenário intermediário e alto. Orçamento de € 4 biOs dados atualizados apontam que o orçamento do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos Paris 2024 é de quase € 4,4 bilhões. Um valor 18% superior ao anunciado no momento da candidatura, devido a atualizações do projeto olímpico e à inflação gerada pela instabilidade geopolítica. "Esse orçamento é principalmente financiado por dinheiro privado. No caso dos Jogos Olímpicos, 100% dos custos da organização são pagos por dinheiro privado e há uma contribuição de dinheiro público de € 171 milhões para ajudar a pagar a organização dos Jogos Paralímpicos, cujo modelo econômico ainda não proporciona um orçamento equilibrado", diz Tony Estanguet, presidente do Comitê Organizador. Estanguet ainda explica que os valores gastos em infraestruturas necessárias para a realização dos Jogos Paris 2024 ficaram a cargo da Solideo – empresa responsável pelas obras olímpicas. "E você tem o orçamento da Solideo, que é dos investimentos na construção de infraestruturas que serão utilizadas para os Jogos Olímpicos e que nós seremos os primeiros locatários. São € 4,5 bilhões, na maior parte também de dinheiro privado, mesmo que haja € 1,7 bilhão de recursos públicos no orçamento da Solideo para estas 70 obras, incluindo alojamentos, equipamentos esportivos, escolas, creches. Ficamos felizes que os Jogos possam ser um acelerador de investimentos no nosso território, principalmente em Seine Saint-Denis", conclui. Ainda que o estudo não seja capaz de medir a transformação gerada a longo prazo (superior a dez anos) em bairros que foram totalmente projetados para o evento, como a nova Vila Olímpica que será explorada futuramente pelo mercado imobiliário, os pesquisadores chegaram à conclusão de que "para cada € 1 investido de dinheiro público nos Jogos Olímpicos Paris 2024, o impacto gerado é de € 3 na economia", segundo Christophe Petit.  Pela primeira vez, a metodologia utilizada para o estudo foi recomendada diretamente pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) e será sempre a mesma, a fim de fazer comparações mais confiáveis ​​com as futuras edições dos Jogos. 

    Indústria europeia de painéis solares vive momento crítico, em pleno ‘boom' da transição energética

    Play Episode Listen Later May 15, 2024 7:31


    A cada mês, uma nova fabricante europeia de painéis solares fecha as portas ou decide se mudar para o exterior – e isso em plena transição “verde” nas economias do bloco. A indústria do continente demorou para perceber a revolução que estava por vir, enquanto a China não perdeu tempo. Resultado: o setor de energias renováveis na Europa foi dizimado pela concorrência chinesa, que hoje domina 95% do mercado. A disseminação de painéis fotovoltaicos pelo campo e pelas cidades europeias é uma transformação recente. Foi acelerada nos últimos 10 anos, depois que o bloco adotou uma série de medidas para implementar, de fato, a transição energética para uma economia de baixo carbono.Mas diferentemente do que se poderia imaginar, não foram as indústrias europeias que se beneficiaram deste movimento – ao contrário, as fábricas pioneiras de renováveis, abertas há 30 anos, agora não resistem à avalanche dos produtos chineses que inundam o setor, com preços quatro vezes mais baixos.Em abril, foi a vez de uma das últimas empresas francesas fechar as portas. A Systovi, no oeste do país, deixa para trás 87 funcionários.  Gaëtan Masson, co-presidente do Conselho Europeu de Fabricantes de Solares (ESMC, na sigla em inglês), não se surpreende. A entidade reúne cerca de 80 empresas do setor.“O caso da Systovi é típico na Europa hoje: um ator pequeno confrontado a gigantes chineses. Um dos principais problemas que atingem os europeus é a ausência de uma economia em escala, na comparação com os chineses. Produzimos mais ou menos as mesmas quantidades de 10 ou 15 anos atrás, mas o mercado mundial foi multiplicado por 50”, explica.China adotou plano estratégico para liderar produção mundialNo começo dos anos 2010, o governo do país asiático adotou um plano estratégico de desenvolvimento do setor, fortemente subsidiado e que beneficia toda a cadeia de renováveis: eólicas, veículos elétricos, baterias e eletrolisadores. A demanda, entretanto, levou mais tempo para acompanhar a explosão da oferta, o que explica os valores tão baixos praticados hoje.“Atores de nicho que sobreviviam na Europa se encontram em uma situação em que simplesmente não conseguem mais vender seus produtores a tarifas que os possibilitem continuam funcionando. Podemos esperar novas falências na Europa nos próximos meses e anos, principalmente das pequenas e médias empresas”, lamenta Masson.A concorrência de Pequim não é a única a ameaçar as indústrias europeias. Os subsídios bilionários do governo americano para o setor também têm atraído empresas do bloco, a exemplo da maior fabricante na Alemanha de fotovoltaicos, a suíça Meyer Burger, que transferiu as linhas de produção para os Estados Unidos em março. Quinhentos empregos foram suprimidos na Alemanha – país que, até a ascensão chinesa, era líder mundial de fotovoltaicos.Salvar o setor não será fácil. A reação europeia a esta conjuntura está curso, mas será de médio prazo. A nova Lei da Indústria com Emissão Zero, aprovada em fevereiro, visa restringir pelo menos uma parte do mercado europeu às importações, como nos contratos públicos e nas licitações. A regulamentação beneficia 19 tecnologias – além das ligadas às energias solar e eólica, também a nuclear, a captura e o estoque de carbono e biotecnologias, entre outras.Reação europeia veio tarde e será lentaA expectativa é que, até 2030, 40% dos painéis fotovoltaicos vendidos na União Europeia tenham sido fabricados no bloco. Para atingir este objetivo, será necessário privilegiar as grandes indústrias, capazes de produzir em massa, esclarece Gaëtan Masson.“Uma vez que um certo número de atores conseguirão se desenvolver, poderemos ter um diferencial de competitividade em relação aos chineses. Levará alguns anos para eles crescerem – não conseguiremos chegar a usinas de 5 gigawatts de um dia para outro”, salienta o representante do setor. “Mas o direcionamento está bom, parecemos contar com a vontade política em muitos países e com um apoio de peso da Comissão Europeia.”Analistas têm alertado que, mesmo assim, os europeus não conseguirão chegar aos pés dos volumes produzidos nos Estados Unidos ou na China – ainda mais se Pequim concretizar o plano de fabricar o dobro do que o mundo inteiro instala atualmente.Além disso, dentro da própria Europa não há consenso sobre até que ponto esta indústria deveria ser resgatada. No dilema entre manter o ritmo da expansão da transição energética graças aos produtos chineses ou salvar as fabricantes europeias, muitas empreiteiras, além de países como a Suécia, têm preferido a primeira opção.

    Índia caminha para ser terceira maior economia do planeta, mas segue distante de superpotências

    Play Episode Listen Later Apr 24, 2024 7:52


    Na busca por um terceiro mandato, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, repete que o país se tornará a terceira maior economia nos próximos três anos e, em duas décadas, será uma nação desenvolvida. O crescimento espetacular da economia indiana nos últimos 10 anos deu um peso inédito ao país na geopolítica internacional – mas, apesar dos avanços, Nova Déli ainda enfrenta desafios profundos para se tornar a superpotência que almeja. O PIB indiano passou de US$ 3,7 trilhões em 2023, ou a quinta maior economia global, conforme o Fundo Monetário Internacional (FMI). Apoiada em uma força de trabalho excepcional, com uma população jovem de 1,4 bilhão de habitantes, o país registra há vários anos um crescimento superior ao chinês. Nesse ritmo, a economia indiana deve ultrapassar a japonesa e a alemã até 2027, e se posicionar atrás de China e Estados Unidos.Entretanto, o PIB por habitante segue um dos mais baixos do mundo: a Índia abriga a metade dos pobres do planeta, salienta o pesquisador francês Jean-Joseph Boillot, especialista nas economistas emergentes do Instituto de Pesquisas em Relações Internacionais e Estratégicas (Iris), em Paris.“Não é porque você tem uma massa econômica considerável que a sua economia, do ponto de vista qualitativo, tem um bom nível. No caso indiano, como o país não consegue gerar empregos suficientes de qualidade e a taxa de subemprego chega a cerca da metade da população jovem – o que conduz a uma forte emigração –, o crescimento de mais de 6% em média nos últimos 10 anos não basta para reduzir a pobreza em massa”, afirma o autor de livros como A Economia da Índia e Chindiafrique. Para ele, o país sequer está em vias de desenvolvimento, uma vez que a metade da população indiana vive em favelas e apenas um terço têm acesso à água potável.Indústria barata e mão de obra pouco qualificadaCom mão de obra barata e abundante, investimentos pesados em infraestruturas e na chamada indústria do offshore digital, Nova Déli sonha em destronar a vizinha China do posto de locomotiva industrial mundial. Essa economia, acelerada com incentivos fiscais a companhias estrangeiras como Apple e Samsung na periferia de cidades como Bangalore e a capital, movimentou US$ 250 bilhões no ano passado.Entretanto, faltou ao país a estratégia de base de qualificar os trabalhadores para atenderem a demandas mais complexas e impulsionar a classe média – ao contrário do que promoveu Pequim a partir dos anos 1960, aponta Boillot.“Esta fábula – porque é realmente uma fábula que está sendo vendida nos mercados, sob impulso do regime indiano – diz que agora existe uma alternativa à China e que a indústria manufatureira indiana poderá substituir a chinesa. Essa é evidentemente uma história construída do início ao fim: a manufatura indiana representa cerca de um vigésimo da chinesa hoje”, ressalta o especialista francês. “Não há, na Índia, grandes polos industriais como os que a China conseguiu fazer, baseada nos modelos coreanos e japoneses.”Reequilíbrio de forçasAssim, a China continua a concentrar 50% do PIB asiático, bem à frente da Índia, com 10%. Mas apesar dessas diferenças estruturais, a ascensão indiana trouxe um reequilíbrio de forças na geopolítica internacional. O Ocidente busca se aproximar de Nova Déli para contrapor a expansão e a influência chinesas no mundo.“É a razão pela qual temos visto a China avançar na direção da América Latina, por exemplo, para se blindar desta nova configuração, e também por quê, no contexto do Brics, temos visto Pequim pressionar para ampliar o grupo e assim diluir o peso da Índia”, explica.

    'Troco mesinha por leite integral': nas redes, mães solo são face visível da alta pobreza na França

    Play Episode Listen Later Apr 10, 2024 6:23


    “Troco mesinha de centro por pack de leite integral”. “Doo brincos em troca de pacote de biscoitos ou purê de frutas”. “Veja abaixo a lista de objetos que eu troco por qualquer produto alimentar”. Os anúncios, publicados em grupos no Facebook por mães solo, ilustram uma das faces mais visíveis do aumento da pobreza na França, em alta regular desde os anos 2000. As mães solteiras estão na linha de frente face ao aumento generalizado dos preços, depois que a inflação na Europa atingiu picos não vistos havia décadas. Nos diversos relatórios sobre a pobreza publicados por instituições francesas, elas estão hiper-representadas na comparação com outras populações, inclusive as mais vulneráveis, como os desempregados.Com a expansão da economia circular e do comércio de produtos de segunda mão, afloraram diversos grupos na internet para facilitar a troca de produtos entre pessoas. A surpresa foi ver que, em vez de buscar por boas oportunidades, muitas mães recorrem a estes espaços para conseguir trazer comida à mesa dos filhos, oferecendo o que dispõem em casa contra produtos alimentares básicos, como leite e farinha.Dorotée, 43 anos, moradora da região parisiense, conta que não precisa mais comprar roupas para os dois filhos – consegue o que precisa com trocas na internet. Mas também se acostumou a ajudar outras mães em situação financeira mais delicada que a dela.“Tem claramente pessoas necessitadas, que buscam coisas específicas e não têm dinheiro para comprar. Vejo inclusive algumas que estão grávidas e já se preocupam como vão fazer no nascimento da criança”, relata. “Vejo cada vez mais perfis assim.”Mais atingidas do que a médiaO economista Pierre Concialdi, pesquisador sobre o combate à pobreza no Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais (Ires), afirma que pouco menos de um terço das famílias monoparentais estão em situação de pobreza no país. “Isso é 2,5 vezes a mais do que a média das famílias, e é algo que acontece há muito tempo”, salienta o especialista.“Sabemos que quando só tem um salário na casa e ainda há despesas com filhos, é quase impossível conseguir pagar todas as contas no fim do mês. Então elas estão, sim, na linha de frente deste problema, ao lado de populações como os desempregados, pessoas com empregos precários ou que estão afastadas do mercado por invalidez”, aponta o pesquisador.A “invasão” dessas mães nos grupos de troca no Facebook nem sempre é bem-recebida pelos administradores das páginas. Alguns moderadores preferem relembrar que o objetivo dos grupos não é substituir as instituições de assistência social – que nos últimos anos, vêm alertando sobre o aumento constante da demanda por ajuda.De acordo com os últimos dados oficiais do Insee (Instituto Nacional de Estatísticas e Estudos Econômicos), relativos a 2021, 14,5% da população francesa está abaixo da linha pobreza.“O nível está historicamente elevado. Precisamos voltar 40 anos no tempo para encontrar um índice tão alto”, frisa Concialdi. “Embora a inflação tenha restringido os gastos das famílias, esse fenômeno não é conjuntural. Ele não ocorre por causa da alta dos preços: a pobreza e a precariedade se instalaram ao longo do tempo, na França, há alguns anos.”Salário-mínimo pressionadoA expectativa é que o quadro tenha piorado no ano passado, devido ao impacto duradouro da inflação no orçamento das famílias mais modestas, já que os salários não subiram no mesmo ritmo. Essa dinâmica favorece ao que está sendo apelidado de “salário-minimização” do mercado de trabalho no país: em dois anos, o número de pessoas que recebem um salário mínimo subiu quase 50%, passando de 12% para 17,3% dos trabalhadores, no período de três anos.“Isso não seria um problema se o nível do salário mínimo fosse satisfatório, mas um certo número de indicadores nos mostram que não é o caso. Nossas pesquisas mostram que nem um casal remunerado com o salário mínimo e sem filhos consegue ter um nível de vida mínimo decente. Uma pessoa sozinha não consegue e, ainda menos, uma mãe sozinha”, explica o economista.Atualmente, o governo avalia promover compensações fiscais para estimular o aumento dos salários. Mas o especialista observa que, desde a eleição de Emmanuel Macron, em 2017, cortes nas políticas sociais ajudam a explicar o aumento da pobreza no país. A mais recente visa restringir, pela terceira vez, o acesso ao seguro-desemprego.“Para dar uma ordem de grandeza, hoje a média de benefícios sociais recebidos por pessoa beneficiada é € 800 menor por ano, em relação a 2017”, salienta Concialdi. “Isso é muito importante porque, no sistema francês, a ajuda para a moradia é o fator que mais contribui para o combate à pobreza. Sem ela, as famílias vulneráveis entram em situação de estrangulamento financeiro, ao gastar mais de 40% da sua renda só para a habitação.”

    Déficit em alta leva França quebrar tabu de cortes de gastos sociais

    Play Episode Listen Later Apr 4, 2024 6:08


    As contas públicas da França estão em pior situação do que o governo esperava: o déficit em 2023 chegou a 5,5% do Produto Interno Bruto, 0,6% a mais do que o previsto. Além disso, a França ainda é um dos únicos seis países da União Europeia com endividamento público superior a 100% do PIB nacional (111,6%). Os resultados colocam Paris nas últimas posições no ranking do equilíbrio fiscal no bloco e levam o país a mexer em um de seus tabus: o corte de gastos sociais e de saúde. Na escolha entre aumentar as receitas ou diminuir as despesas, o governo tem optado pela segunda opção. Os franceses se beneficiam de um dos sistemas sociais mais generosos do mundo, mas restrições ao acesso universal à saúde vêm sendo impostas progressivamente. Assim, desde o último 31 de março, a contribuição financeira dos pacientes para cada consulta paramédica – como fisioterapeutas ou enfermeiros – ou na compra de uma caixa de medicamentos passou de € 0,50 para € 1. Já a subvenção dos transportes sanitários, que permitem a doentes terem acesso a táxis, caiu pela metade. Graças às mudanças, o governo espera uma economia de € 360 milhões ao ano. Em uma entrevista à emissora francesa RMC, o ministro da Economia e das Finanças, Bruno Le Maire, disse que a compra de medicamentos "não pode ser um open bar”.Sinalização para investidoresO analista Bruno de Moura Fernandes, head de macroeconomia da seguradora Coface, lembra que o país teria margem para cortes, já que está no topo da lista dos gastos públicos na Europa. Ele avalia que as decisões recentes visam enviar uma mensagem para os mercados financeiros.“Acho que são anúncios mais para as agências [de avaliação de crédito], para dizer que ‘nós estamos dispostos a tocar no nosso sistema social'”, afirma. “O problema é que estamos numa fase em que vai ser muito difícil reduzir as despesas de investimentos na transição ecológica, de defesa, por causa da guerra na Ucrânia, e no digital, ao mesmo tempo em que precisamos diminuir o déficit. O governo está frente a uma equação difícil, por isso já anuncia que vai reduzir algumas despesas sociais.”Em março, Paris já havia promovido uma nova reforma das regras de acesso ao seguro-desemprego, cuja duração passou a ser indexada ao índice oficial de desemprego no país. Na prática, isso significa que o limite máximo para o recebimento do benefício passa de 24 para 18 meses. Foi a terceiro aperto das regras em quatro anos.A França é o país europeu que mais gasta com benefícios sociais, num total de € 849 bilhões em 2022, ou 32% do seu PIB. O valor destinado à saúde também é o maior no bloco, ao consumir 10% do total de riquezas francesas.Impacto da Covid-19A degradação das contas públicas se aprofundou na sequência da crise da Covid-19, quando o país adotou a política arriscada de manter a economia funcionando “custe o que custar”. Ao final de três anos, o montante para enfrentar o choque da pandemia chegou a € 170 bilhões. Só que, nos anos seguintes, a economia não cresceu como esperado. A arrecadação caiu, em vez de subir para compensar o rombo da Covid. O cenário atual é visto como preocupante e a redução da nota de crédito da França não está descartada, observa Moura Fernandes.“É muito possível”, indica. “A dívida é sustentável enquanto os investidores acreditam que ela é. Se as taxas de juros começam a subir muito, as despesas com os juros também sobem e a dívida fica ainda mais difícil, como foi o caso da Itália.”Queda de impostos é ‘dogma' de MacronO Ministério da Economia e das Finanças mantém a determinação de reduzir o déficit a 3% até 2027, e assim se adequar à determinação europeia, mas descarta mexer na carga tributária para aumentar as receitas. A redução dos impostos é um dogma do presidente Emmanuel Macron desde a sua eleição, em 2017.O economista Henri Sterdyniak, do Observatório Francês de Conjuntura Econômica, ressalta que os cortes de impostos daquele ano até 2020 tiveram um impacto de € 70 bilhões no orçamento – justamente o valor estimado para a França atingir a meta de 3% estabelecida por Bruxelas.“Vai ser extremamente difícil encontrar esse dinheiro, uma vez que o governo se recusa a voltar atrás sobre essas diminuições de impostos, a taxar mais os ricos ou as empresas que registram altos lucros”, salienta. “Também poderíamos esperar mais crescimento, o que geraria mais arrecadação e diminuiria, relativamente, o peso do déficit. Só que não estamos nesta trajetória. Então vai ser muito, muito difícil”, avalia Sterdyniak.Os planos de cortes de gastos já revelados chegam a € 20 bilhões. Em paralelo, em março, o governo francês anunciou que um programa para identificar fraudes fiscais e sociais resultou em € 15 bilhões de receitas suplementares em 2023. 

    Na primeira visita à América Latina, Macron vai ao Brasil em busca de ampliação de parcerias

    Play Episode Listen Later Mar 20, 2024 6:19


    Mais de 10 anos depois da última visita oficial de um presidente francês ao Brasil, Emmanuel Macron desembarca na próxima terça-feira (26) em Belém, onde será recebido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nos três dias de viagem, França e Brasil esperam um impulso das parcerias bilaterais, com a expectativa de assinatura de pelo menos 10 contratos em áreas como energia, tecnologia e segurança. Apesar das afinidades entre os dois líderes, divergências importantes mancharam a reaproximação de ambos os países desde a eleição de Lula. Os quatro anos de mandato de Jair Bolsonaro, na sequência do mandato-tampão de Michel Temer, marcaram um resfriamento inédito desta relação de mais de 200 anos de amizade, alçada ao nível de parceria estratégica desde 2006.Macron, no poder desde 2017, demonstrou interesse limitado pela América Latina no seu conjunto: ele é o único presidente francês a não ter realizado nenhuma visita oficial aos países da região, jejum que agora será rompido no Brasil.“Antes tarde do que nunca. Eu diria que é uma visita necessária, em que ele estará acompanhado de uma delegação de empresas francesas, organizada pelo movimento das empresas da França em parceria com a CNI, afinal tem um aspecto econômico bilateral muito importante nesta viagem: o Brasil é o principal mercado de investimentos diretos da França em países emergentes”, frisa Stéphane Witkowski, presidente do Bale Conseil e respeitado consultor sobre o Brasil ao meio empresarial francês.Se, por um lado, a volta ao poder de Lula em 2023 foi celebrada por Paris, desde então o posicionamento antagônico entre o petista e Macron sobre o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, além de outros temas da geopolítica internacional como a guerra na Ucrânia, não favoreceram uma retomada tão frutuosa quanto a imaginada. Em janeiro, a presidência francesa chegou a anunciar o encerramento das negociações do tratado com o Mercosul – bloqueadas, em grande parte, pela oposição aberta de Paris.Oposição francesa ao acordo com o MercosulWitkowski, que também preside o Conselho de Orientação Estratégica do Instituto de Altos Estudos da América Latina (IHEAL-Paris), afirma que ao contrário do meio agrícola, os industriais franceses não veem a hora de o texto ser ratificado.“Eu tenho a convicção de que os dois presidentes são inteligentes e entendem as preocupações de cada lado. Macron hoje diz que se opõe ao acordo da maneira como ele está colocado, mas quando ele foi eleito, estava totalmente a favor deste tratado”, ressalta. "Do ponto de vista dos interesses da França a longo prazo, o acordo é importante. Muitas empresas querem que ele aconteça, pelas oportunidades que abre em infraestrutura, comércio, energia, indústria – na França como em outros países, como Espanha, Alemanha ou Portugal”, aponta.As recentes manifestações de agricultores europeus contra o acordo somadas à proximidade das eleições parlamentares europeias, em junho, fazem que com que “não tenha clima” para o presidente francês voltar a se pronunciar em favor do texto, reconhece uma fonte da diplomacia brasileira, garantindo que esse imbróglio “não azeda” as relações entre os dois líderes.Embora os franceses estejam entre os maiores empregadores estrangeiros no Brasil, com mais de 1,1 mil empresas francesas instaladas no país, a balança comercial bilateral é baixa e relativamente estável há vários anos. Foram € 8,4 bilhões em 2023, o que coloca o Brasil no 34º lugar na lista de parceiros comerciais da França. No sentido inverso, os franceses são ocupam a 27ª posição entre os fornecedores do Brasil.Potencial na economia verdeAtualmente, os franceses são os quartos maiores investidores estrangeiros diretos no Brasil, de perfil diversificado. O potencial de ampliação é grande, em especial nos setores ligados à economia verde, com conversas sobre projetos de produção de hidrogênio e em energias renováveis, além de gás e até nuclear.A França é um player mundial importante, mas a concorrência internacional é cada vez maior – com destaque para o avanço da China, maior parceira comercial do Brasil, na economia da sustentabilidade. “Faltava um impulso político, e espero que não seja apenas uma visita e seja uma ação mais estruturada, com um programa bilateral ativo, a participação de ministros e instituições – inclusive porque a estratégia chinesa na América Latina deveria ser um argumento suplementar para a França querer fechar o acordo com o Mercosul”, observa Witkowski. “Se ele não for concluído positivamente, os chineses vão ocupar ainda mais esse espaço.”Está no radar a assinatura de um contrato entre a Origem Energia e a gigante francesa Engie, para viabilizar a estocagem subterrânea de gás natural na bacia de Sergipe. Atualmente, o gás é reinjetado no subsolo devido à falta de infraestruturas para escoá-lo.Agenda no BrasilDepois de Belém, sede da COP30 em 2025, Lula acompanhará Macron em visita à base naval de Itaguaí, no Rio de Janeiro, onde são finalizados dois submarinos da Marinha em cooperação técnica com a Naval Group francesa, além de um terceiro a propulsão nuclear. Outros dois submarinos convencionais já foram entregues.  Em seguida, o líder francês viaja para São Paulo, onde participa de um fórum empresarial na Fiesp, com cerca de 300 empresários dos dois países, e encerrará a viagem com uma visita de Estado à capital federal. Em Brasília, Macron será recebido com honras por Lula e visitará o Senado.A viagem acontece no ano em que o Brasil exerce a presidência rotativa do G20. Paris apoia as prioridades da agenda brasileira: combate à pobreza e à fome e aumento dos investimentos na transição ecológica. O último presidente francês que esteve no Brasil foi o socialista François Hollande, em dezembro de 2013.

    França proíbe supermercados de darem descontos superiores a 34% em produtos de higiene e limpeza

    Play Episode Listen Later Mar 6, 2024 5:49


    Apesar da inflação alta, que corroeu o poder de compra dos franceses nos últimos três anos, uma nova lei acaba de limitar o direito dos supermercados de promoverem grandes promoções nos produtos de higiene e limpeza. A partir de 1º de março, o varejo não pode mais oferecer produtos com mais de 34% de desconto nestas categorias – uma medida que levou os consumidores a fazerem estoques preventivos, antes da entrada em vigor da polêmica legislação. O objetivo é proteger os fabricantes franceses da pressão por preços cada vez mais baixos, exercida por grandes varejistas como Carrefour e Leclerc. No contexto inflacionário, para poderem vender mais barato, os hipermercados têm exigido cortes nos valores praticados pelos produtores – uma das razões que motivaram os recentes protestos de agricultores na França.Entretanto, a alimentação ficou de fora da nova norma. A lei visou apenas os produtos industriais de higiene e limpeza – prateleiras onde são comuns grandes promoções para compras em volume, do tipo “pague um e leve três”.Na imprensa, a limitação dos descontos a no máximo 34% de redução foi criticada. Na emissora francesa TF1, a principal do país, o economista e editorialista François Lenglet denunciou o “exagero” de novas leis para regulamentar a economia do país – com efeitos nem sempre bem-vindos, segundo ele.“Para que um golpe como este no poder aquisitivo dos franceses? Os deputados querem proteger os lucros dos pequenos industriais franceses, mas o problema é que este mercado é dominado pelas multinacionais americanas ou britânicas, como a Unilever”, alegou. “São os acionistas delas que vão agradecer aos nossos parlamentares. Essa lei protege, na realidade, os lucros das grandes empresas.”Competição pelos maiores descontosDias antes da entrada em vigor da nova regulamentação, as grandes redes do país se lançaram numa corrida de qual faria a maior promoção, chegando a descontos de 80%. Mensagens como “compre antes que a promoção seja proibida” acompanharam os cartazes em letras garrafais.No sul da França, a consumidora Sylvie P. decidiu fazer estoque quando soube da mudança iminente. “Estou com quantidades industriais agora. Ouvi dizer que os preços iriam subir, já que não teremos mais direito a promoções, então comprei pasta de dentes, sabão para a roupa, produtos de limpeza, tudo que eu pude. Encontrei coisas realmente interessantes, a -70%”, disse.Sylvie conta que sequer tem o hábito de buscar o melhor desconto, mas vai procurar ficar mais atenta a partir de agora. “Vamos ter que olhar melhor nas lojas e procurar onde está mais barato, porque 30% é pouco”, lamenta.Negociações de preçosA lei “para reforçar o equilíbrio entre os fornecedores e os distribuidores” é um projeto do deputado centrista Frédéric Descozaille, do partido do presidente Emmanuel Macron. Ao defender o texto, o deputado afirmou que a limitação das promoções “protege empregos” e argumentou que a corrida por preços baixos ameaça a sobrevivência de indústrias locais, inclusive as filiais francesas de marcas internacionais.A nova lei também favorece os fabricantes no momento das negociações anuais de preços com o varejo: se ambos não chegam a um acordo, os supermercados não poderão mais continuar aplicando as tarifas anteriores e os produtores poderão decidir suspender as entregas.

    Brasil tenta emplacar avanços no combate às desigualdades em reunião financeira do G20

    Play Episode Listen Later Feb 28, 2024 7:04


    Em um contexto de profundas divisões na geopolítica internacional, o Brasil deve deixar de lado os conflitos que abalam o mundo e tentar emplacar o combate às desigualdades e a reforma das instituições multilaterais como pauta prioritária na agenda do G20 em 2024. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, lideram a primeira reunião dos ministros das Finanças e presidentes dos Bancos Centrais do grupo, em dois dias de encontros em São Paulo nesta quarta (28) e quinta-feiras (29).  Os diálogos balizarão a sequência de encontros que ocorrerão ao longo do ano, até a cúpula de chefes de Estado e de Governo, em novembro, no Rio de Janeiro. O G20 reúne as 19 maiores economias do planeta mais a União Europeia e a União Africana, recém ingressa no clube."Temos que lembrar que o G20 não é uma instância deliberativa, ou seja, só pode fazer propostas sobre os grandes temas da atualidade. Acho que os países até endossam a ideia de que é preciso fazer reformas no sistema multilateral, no Fundo Monetário Internacional ou na OMC, o problema é conseguir que isso aconteça – e a gente sabe que esses organismos refletem muito a correlação de força que existe entre os países”, salienta a professora de Economia Internacional Lia Valls Pereira, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ)."Para fazer qualquer reforma, os grandes países têm que querer. Sem a anuência de Estados Unidos, União Europeia, China, Japão ou Rússia, nada acontece”, diz Pereira, também membro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).Focos de tensão devem ser minimizadosAs guerras na Ucrânia e em Gaza, que cristalizam diferenças que já vinham afastando os membros do grupo nos últimos anos, podem ter apenas uma breve menção na declaração final do evento.Já o enfrentamento das desigualdades interliga os quatro focos da rodada de reuniões: política econômica, diagnóstico da economia global com ênfase na geração de crescimento, tributação internacional e dívidas nacionais e impactos para o financiamento do desenvolvimento sustentável. "Nós esperamos que essas discussões que ocorrerão em nível ministerial nos deem oportunidade para a troca de ideias mas também para avançar concretamente na formação de consensos que propiciem a mobilização maciça de recursos domésticos e internacionais, para um crescimento sustentável, equilibrado e inclusivo”, explicou a secretária de Assuntos Internacionais do ministério brasileiro e coordenadora da Trilha de Finanças do G20, Tatiana Rosito, em um briefing à imprensa.Taxação de super-ricosO economista francês Gabriel Zucman, cofundador do European Tax Observer e especialista em evasão fiscal, avalia que a presidência brasileira do G20, sob Lula, representa uma “oportunidade histórica” de os países avançarem em um acordo global para aumentar a tributação das riquezas.No ano passado, a entidade revelou que artifícios como evasão fiscal, ocultação de patrimônio e uso de paraísos fiscais fazem com que, em média, os mais ricos sejam submetidos a no máximo 0,5% de alíquota de impostos. Por outro lado, os impostos elevados sobre o consumo corroem o poder de compra dos mais pobres.A maior tributação de ricos, mas também de multinacionais, pode encontrar eco junto aos parceiros do G20 em um momento de desaceleração do crescimento mundial, pressões de dívidas nas alturas e inflação que também segue persistente. O ministro Haddad já antecipou que o Brasil proporia uma regulamentação sobre o tema.“Esse é um exemplo do que depende muito da vontade dos países. Eu acho que vai ser muito difícil. Talvez seja do interesse dos países mais ricos, afinal evita evasão fiscal. Mas e todos aqueles que se aproveitam da evasão?”, afirma Lia Valls Pereira.Integração de fluxos financeiros internacionaisNo âmbito dos Bancos Centrais, as discussões devem se focar na governança dos sistemas de pagamentos internacionais – o que contribui para combater a sonegação fiscal, mas também melhorar os fluxos financeiros, inclusive de financiamento, para os países em desenvolvimento. São esperados avanços na ampliação do acesso aos bancos de desenvolvimento, principalmente para subsidiar a transição ecológica.No campo da cooperação financeira, que dialoga com o da inovação, a expansão das moedas digitais nacionais e a interligação de pagamentos instantâneos tipo Pix entre os países ainda enfrenta restrições das grandes economias."Qualquer cooperação internacional implica em você abrir um pouco a mão da sua autonomia, no sentido de que você não poderá mais decidir tudo unilateralmente. A tensão entre Estados Unidos e China torna mais difícil você desenvolver esses mecanismos, em algumas instâncias”, aponta a pesquisadora. "E não só esses dois: a Índia hoje é extremamente importante e na OMC, por exemplo, ela têm visões diferentes do Brasil. É muito mais protecionista na questão agrícola, resiste mais a fazer acordos”, ressalta.

    Brasil busca reaproximação tardia com a África, cortejada por outras potências emergentes

    Play Episode Listen Later Feb 14, 2024 7:10


    O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, realiza a partir desta quarta (14) a segunda visita à África em um intervalo de apenas seis meses, em busca de uma maior aproximação com o continente africano – uma cooperação que, apesar dos laços históricos que unem os dois lados, até hoje não decolou como poderia. As viagens ao Egito e à Etiópia têm foco mais político, mas também buscam ampliar parcerias comerciais com os dois novos membros do Brics e fomentar novas oportunidades com a União Africana. O Egito, segunda maior economia do continente, é o principal parceiro comercial do Brasil na região. Já na Etiópia, Lula foi convidado a participar da cúpula do bloco africano, do qual fazem parte 54 nações e cuja sede fica em Adis Abeba, capital etíope. O grupo acaba de entrar no G20, do qual o Brasil exerce a presidência este ano.Nos três dias em que estará no país, o presidente ainda terá uma série de reuniões bilaterais com outros líderes africanos – uma ocasião para promover novos acordos e parcerias.“Isso é estratégico para o nosso país e para a liderança que Lula quer exercer no chamado Sul global. O continente africano é uma frente de expansão que vem sendo disputada por várias forças internacionais que tem oferecido, de modo prospectivo, uma ampla possibilidade de expansão de mercado”, ressalta o professor da Unicamp Kauê Lopes dos Santos, que também é pesquisador visitante na London School of Economics, da Inglaterra. “O Brasil consolidou há décadas uma agenda internacional de cooperação Sul-Sul. Ao longo dos governos Lula 1 e 2, o país fez uma série de acordos, principalmente nas áreas de agricultura e medicina tropical”, relembra.  ‘Entra e sai' na África abalou credibilidade do paísMas desde então, essa interação andou devagar. Ao retornar ao poder para o terceiro mandato, o petista ressaltou que promoveria a 'volta' do país ao continente, num contexto em que outras potências emergentes – como China, Índia, Rússia e Turquia – ampliaram como nunca as parcerias comerciais e investimentos diretos nos países africanos, na última década. Os chineses se transformaram nos maiores fornecedores de uma gama variada de produtos à África, de matérias-primas a bens industriais, além de financiarem uma série de projetos de infraestrutura nos países africanos. Na comparação, as trocas com o Brasil são moderadas: apenas 3,8% das exportações brasileiras em 2022 foram para a região, ou US$ 12,8 bilhões. Esse índice se mantém praticamente estável desde o início dos anos 2010.Gustavo de Carvalho, pesquisador sênior em Governança Africana e Diplomacia no Instituto Sul-Africano de Assuntos Internacionais (SAIIA) vive há mais de 15 anos no continente. Ele nota que, neste período, viu muitas promessas dos dirigentes brasileiros não se concretizarem.“Teve um problema de continuidade que não começou no governo Bolsonaro, uma continuidade de um interesse muito mais reduzido no continente africano nos anos 2010, desde o governo Dilma. E também teve uma questão de narrativas: nos anos 2000, o Brasil desenvolveu uma narrativa de cooperação Sul-Sul sofisticada, que atraiu muito interesse. Mas muitas vezes os efeitos práticos foram mais limitados”, explica Carvalho.“Esse entra e sai do Brasil, que parece uma montanha-russa nas relações entre o Brasil e a África, tira a credibilidade do país como um parceiro consistente. A mudança brusca, em relação aos anos 2000, e acentuada durante o governo Bolsonaro, não causou uma boa imagem do Brasil por aqui, neste sentido.” Oportunidades em um continente dinâmicoCarvalho lembra que algumas das economias que mais crescem no mundo estão no continente, com seus 1,4 bilhões de habitantes. Além disso, a União Africana está em processo de implementação de uma zona de livre comércio entre os países-membros, que representa também novas oportunidades para parceiros externos como o Brasil, “Se nós olharmos o crescimento de comércio entre a África e o Brasil, tem aumentado, obviamente, principalmente com países como Egito, África do Sul, Argélia e Marrocos. Mas também temos algumas expectativas certamente frustradas, desde a última visita do presidente Lula à África”, pondera o consultor. “Precisamos de anúncios mais claros, oportunidades de engajamento além dos que já existem, considerando que o Brasil não está entrando em um vácuo: existe uma certa competição geopolítica que tem os seus impactos geoeconômicos dentro do continente, com relação a investimentos e não só trocas comerciais, mas investimentos diretos, em que o Brasil diminuiu bastante a sua presença nos últimos 15 anos.” Kauê dos Santos salienta que quase a totalidade dos países africanos tem apresentado melhoras significativas dos seus índices socioeconômicos, graças ao boom das commodities, mas também ao desenvolvimento das estruturas de governança, das forças produtivas e das políticas sociais nas principais economias. “Egito e Etiópia são países estratégicos dentro do continente – desde a posição geográfica que eles ocupam até o impacto econômico e político que eles têm dentro do continente. O Egito ainda tem a particularidade de além de ter uma identidade africana, também tem com o mundo árabe – ou seja, é uma frente importante da influência brasileira para essa outra região”, destaca Santos, autor de Africano: Uma introdução ao continente.Neste sentido, os projetos já desenvolvidos pelo Brasil no passado têm uma vantagem: valorizam a formação de quadros locais, o que contribui para o desenvolvimento dos países onde acontecem os projetos. “Você não vai ter a construção de uma obra, a manutenção de uma ponte ou a reforma de um aeroporto feitos só com trabalhadores brasileiros. O Brasil se preocupa com a formação de quadros estratégicos e profissionalização dos trabalhadores também nesses lugares. Não é o que a China faz, por exemplo.”

    O luxo não conhece a crise - apesar das guerras, setor segue de vento em popa

    Play Episode Listen Later Jan 31, 2024 9:12


    Não há pandemia, guerra ou crise econômica que faça o setor do luxo desacelerar – que o diga francês Bernard Arnault, CEO do grupo LVMH, dono de marcas como Louis Vuitton, Dior ou Tiffany. O bilionário voltou destronar o americano Elon Musk no posto de homem mais rico do mundo graças aos resultados do conglomerado francês em 2023, que levaram a bolsa de Paris a bater um recorde absoluto na sessão da última sexta-feira (26), a 7.634 pontos. A valorização do LVMH passou dos 12%, a maior capitalização já vista na França, após a empresa registrar alta de 9% das vendas e 8% dos lucros, “apesar do contexto perturbado” nos mercados internacionais, ressalta o comunicado do grupo. O único tropeço, a desaceleração da economia China no terceiro trimestre, não foi suficiente para o desempenho esfriar – algo que tem se repetido a cada nova crise que o resto do mundo enfrenta.A solidez do mercado chinês, que levou o luxo a crescimentos estratosférico nos anos 2010, trouxe incertezas em 2023. Mesmo assim, as vendas no país seguiram em alta de no mínimo 3% ao longo do ano. É como se o luxo, e a clientela que o sustenta, vivessem num mundo à parte.“O período de pós-pandemia foi de aumento das desigualdades, ou pelo menos de aumento da concentração de rende e de riquezas. Hoje temos dados mais concretos desse período que mostram que a renda no topo da pirâmide tem crescido consistentemente mais depressa do que na base”, aponta o economista Gedeão Locks, especialista em  tributação e desigualdades e pesquisador do Instituto Alemão de Pesquisa Econômica, em Berlim. “Como são essas as pessoas que compram esse tipo de produtos, é normal que seja um setor pouco afetado pelo que acontece de ruim em volta.”Resiliência às crisesO setor é vasto – engloba desde vestuário e cosméticos até a saúde, passando por imobiliário, automotivo, turismo ou serviços. A grande vantagem do luxo é a sua capacidade se resiliência: a inflação, por exemplo, também atingiu o segmento e levou os produtos a ficarem ainda mais caros. Entretanto, a elite segue disposta a pagar o preço."Os ricos têm conseguido se proteger da inflação, com mecanismos financeiros sofisticados, e a inflação foi o que corroeu o poder de compra da classe média e dos pobres. Como são os ultrarricos que podem comprar artigos de luxo, a demanda por esses bens permanece ou inclusive aumenta, já que há ainda mais gente nessa faixa de renda e de riqueza", salienta Locks. Mercado brasileiro do luxoUma nota da consultoria Statista, publicada em 15 de janeiro, resume a conclusão: “o luxo não conhece a crise”, liderado pelas vendas nos Estados Unidos, China, Japão, França a Reino Unido, nesta ordem. O Brasil é um mercado ainda pouco significante, mas em expansão, principalmente na última década. O setor movimentou R$ 74 bilhões em 2022, conforme levantamento da Bain & Company, que projeta a cifra de R$ 133 bilhões até 2030.Mas essa alta não só não é acompanhada de desenvolvimento, como simboliza o aumento ainda maior das desigualdades no país, assinala o pesquisador. "Nas sociedades onde a desigualdade é mais acentuada é também onde floresce um desejo maior de ostentação e diferenciação baseada nesse tipo de símbolo, que constituem as grandes marcas de luxo. No Brasil, saiu um estudo do Ipea que mostra que o topo de 1% mais ricos dobrou a sua renda desde 2017: as pessoas com rendimentos mensais de em torno de R$ 400 mil dobraram a sua renda", observa. "Então, não me surpreende que o Brasil suba nesses rankings, mas isso não guarda nenhuma relação com o desenvolvimento econômico em si."Como essa riqueza poderia aumentar a contribuição para o avanço de um país? Uma parte dos ultrarricos, liderados por nomes como Bill Gates e Abigail Disney, faz campanha para que eles mesmos sejam submetidos a pagar mais impostos. No último Fórum Econômico Mundial, em Davos, o apelo voltou a ser feito por uma lista de 250 milionários – entre eles, apenas um brasileiro, o fundador do grupo de investimentos Gaia, João Paulo Pacifico.Entretanto, para Gedeão Locks, a iniciativa permanece marginal e, muitas vezes, representa “uma hipocrisia”, já que as empresas pelas quais essas pessoas fazem fortuna acabam por encontram novas formas de se desviar das cobranças fiscais. "Os lobbies atuam justamente contra maior tributação e pela preservação de paraísos fiscais, que são mecanismos de sonegação", salienta.

    Vendas de champanhe francês sofrem com inflação e concorrência de outros espumantes

    Play Episode Listen Later Jan 24, 2024 5:37


    A inflação alta não poupou as vendas de champanhe em 2023, inclusive dentro da própria França, país que produz e exporta a bebida para o resto do mundo. O balanço revelado pelo Comitê Interprofissional do Vinho de Champagne apontou uma queda de 8,2% das vendas no ano passado, impactadas também pelo aumento do consumo de outros tipos de espumantes, fabricados no país ou em vizinhos europeus. O espumante mais famoso do planeta, associado a momentos festivos e comemorações, ainda enfrenta os contratempos gerados pela pandemia de Covid-19. Em 2020, o lockdown levou as vendas a despencarem 18%, mas retomaram com uma força igualmente anormal nos dois anos seguintes, com alta de 25% em 2021 e o recorde de 326 milhões de garrafas vendidas em 2022.Após esses dois picos, o contexto inflacionário gerado pela guerra na Ucrânia levava o setor a já esperar um recuo na desempenho em 2023. O diagnóstico apontou para uma queda ainda maior que a projetada, conforme a nota divulgada pela principal entidade representante do setor. Foram 299 milhões de garrafas vendidas.“Depois de três anos anormais, o champanhe volta ao nível de vendas de antes da crise sanitária. O mercado nacional sofre mais do que os mercados de exportação com os efeitos da inflação, que pressionaram o orçamento das famílias durante todo o ano”, diz o comunicado. “A exportação de 172 milhões de garrafas ultrapassou o seu nível de 2019 (156 milhões de garrafas) e agora garante 57% do total de vendas, contra 45% há 10 anos.”Por que o champanhe é mais caro?O setor festeja, entretanto, que o faturamento tenha se mantido estável, acima de  € 6 bilhões – um efeito do aumento do preço das garrafas, que passaram de uma média de € 20 a unidade para € 23.“O champanhe tem custos de produção que são bastante elevados. Tem vários fatores que explicam, inclusive o preço do hectare de terra em Champagne, que é muito cara: 1 hectare de vinhedos custa cerca de 1 milhão de euros, enquanto que no sul da França, em Languedoc, por exemplo, custa entre 20 e 30 mil euros”, explica a sommelière brasileira Ana Carolina Dani, que atua na França e integra a Associação de Sommeliers de Paris. “A colheita precisa ser obrigatoriamente manual, o que aumenta mais o custo. E neste contexto de alta dos preços, é um vinho que foi particularmente afetado: o processo de vinificação do champanhe é complexo e o uso de energia para resfriar as cubas de fermentação, por exemplo, é muito intenso – e a energia aumentou muito na França”, complementa.O preço ainda maior levou os consumidores mais atingidos pela inflação a experimentar alternativas ao champanhe, inclusive em momentos emblemáticos como o Natal. Assim, espumantes como o crémant de Alsácia ou da Borgonha, considerados os “primos pobres” do champanhe, ganharam um espaço de mercado francês.Prosecco ganha espaçoDa mesma forma, o prosecco italiano – na esteira do sucesso do coquetel Spritz, que leva a bebida – e a cava espanhola também seduzem os consumidores, com seus preços no mínimo três vezes inferiores aos do champanhe.“A diferença é muito alta. Para uma família de classe média francesa, num contexto de alta geral de preços, foi preciso apertar os cintos e optar por produtos mais essenciais. O consumidor acabou indo procurar opções mais baratas”, salienta Dani. “A Itália conseguiu fazer um marketing mundial do prosecco graças ao Spritz e o hoje este espumante está muito mais presente na mesa dos franceses do que há um ou dois anos atrás. E os espumantes nacionais também têm ganhado muito espaço. Muita gente hoje prefere beber um bom espumante do que um champanhe ruim.”As vendas de crémant da Alsácia registravam alta de 4,2% no período de um ano encerrado em outubro – e apesar do aumento do preço das garrafas nas prateleiras de supermercados e adegas.Os dados de exportação do champanhe devem ser divulgados em março. Com pouco mais de 700 mil garrafas compradas em 2022, o Brasil não é um mercado importante para o setor, embora registre crescimento na última década. Na América latina, é o México que mais importa a bebida, com 3 milhões de garrafas.  No topo da lista mundial de importadores estão Estados Unidos, Inglaterra, Japão, Alemanha e Itália.

    Novo imposto mínimo mundial sobre lucros de multinacionais terá implementação progressiva até 2025

    Play Episode Listen Later Jan 10, 2024 6:24


    Um novo e inédito mecanismo internacional contra os paraísos fiscais e a concorrência tributária entre os países entra em vigor neste mês de janeiro de 2024. Um “imposto mundial mínimo” de 15% sobre os lucros das multinacionais começa a ser cobrado pelos 140 signatários. Lúcia Müzell, da RFIO imposto representa um avanço ao acabar com a exoneração praticada nos paraísos fiscais e elevar o índice praticado em lugares como a Irlanda, destino preferencial das companhias digitais na Europa, ao aplicar apenas 12,5% em impostos. A taxa mínima será cobrada inclusive das empresas que não estão fisicamente implantadas no seu território, mas onde registram receitas. No alvo, estão as companhias que faturam mais de € 750 milhões – ou menos de 10 mil empresas no mundo.Esta foi uma maneira de aumentar a arrecadação das grandes companhias de tecnologia. Uma empresa alemã domiciliada nas Bahamas, onde é isenta de impostos, passa a pagar o mínimo de 15% nas operações realizadas na Alemanha, signatária do acordo.O texto foi costurado por mais de uma década pela OCDE e adotado no âmbito do BEPS (sigla em inglês para Erosão da Base Tributária e Transferência de Lucros), iniciativa conjunta com o G20, em outubro passado.“É um acordo definido pelos próprios países. Será um conjunto de regras nacionais, que têm os mesmos princípios de cálculos, e ele depende também da adoção das regras pelos demais países, ou seja, todos terão interesse em verificar se os outros estão fazendo conforme os modelos das regras. Essa colaboração é essencial para o projeto”, aponta Felicie Bonnet, chefe interina da divisão de fiscalidade internacional da organização, com sede em Paris.“Nós observaremos se a implementação vai acontecer como previsto e que a coordenação prevista entre eles, sobre as regras, funcionará na prática”, indica.EUA e China de foraEntre os signatários, estão União Europeia – incluindo Luxemburgo e também a Suíça, apontados como paraísos fiscais na Europa ao lado da Irlanda –, Reino Unido, Canadá, Japão, Austrália, Malásia e Coreia do Sul, de um total de 50 que já passaram a aplicar o texto no âmbito nacional. No entanto, as duas maiores economias do mundo, Estados Unidos e China, por enquanto estão de fora.“O acordo tem impacto mesmo se todos os países não o aplicam. Basta que uma massa crítica de países o faça e ele se torna efetivo, e hoje temos essa massa”, afirma o economista Pascal Saint-Amans, que acaba de deixar a direção do Centro de Política Fiscal da OCDE. “Os mecanismos do acordo são bem diabólicos, ao preverem que, até se países importantes como a China e os Estados Unidos não o adotam, as multinacionais deles serão submetidas ao imposto mínimo mundial. A única questão em jogo será quem vai arrecadar este imposto: se não for os americanos, poderão ser os europeus no lugar deles”, afirma.A expectativa da OCDE é que a medida leve à arrecadação de US$ 220 bilhões por ano em benefício dos Estados. A organização espera que a adoção do novo imposto ocorrerá progressivamente entre 2024 e 2025, com prazo mais lento principalmente nos países em desenvolvimento.“Os países em desenvolvimento têm interesse em colocá-lo em prática por diversas razões. Eles podem ter, por exemplo, índices de imposto que já são, em tese, superiores a 15%, mas que na prática são menores devido a isenções e benefícios fiscais oferecidos às multinacionais, de modo que elas não pagam impostos”, observa Bonnet.Brasil se prepara para implementarEm novembro, o Ministério da Fazenda do Brasil indicou que a Receita Federal estava “se organizando” para implementar o acordo. José Sarquis, embaixador da missão do Brasil junto à OCDE, explica que o país está na fase de “considerações” e vê o processo “de modo muito construtivo”.“Tradicionalmente, havia uma diferença de abordagem no direito tributário doméstico e no internacional, entre as práticas de países mais desenvolvidos e os em desenvolvimento. Com o tempo, essas práticas estão se aproximando e convergindo. As perspectivas dos países em desenvolvimento passam a ser melhor incorporadas na agenda internacional e nas discussões da OCDE e do G20, até porque muitas delas caminham juntas”, salienta.“Na frente da transparência e da troca de informações tributárias entre as autoridades, o Brasil tem sido um dos maiores ganhadores dessa iniciativa pioneira. Ela permite que o Brasil traga para a sua base de arrecadação bilhões de dólares, ao coibir práticas de sonegação que levam à erosão e a evasão fiscal”, aponta Sarquis.  Guerra fiscal e de subsídios entre os paísesObservadores advertem que a concorrência fiscal entre os países pode continuar, com o novo imposto sendo compensado com isenções fiscais ou subsídios para as empresas. Mas para Saint-Amans, essa alternativa nunca é simples, do ponto de vista político.“Dar subvenções a uma empresa que lucra centenas de milhões num país onde ela sequer tem muita presença física não seria muito bem-visto pelas empresas locais. Ou seja, as atenuações ao imposto mundial existem, mas na realidade elas são pouco significantes”, explica.O embaixador Sarquis salienta que o G20, do qual o Brasil exerce a presidência rotativa este ano, desempenha um papel “fundamental” para coibir desequilíbrios e “distorções” entre os países, conforme o grau de desenvolvimento – sobretudo num momento de tensões geopolíticas como o atual. Os países ricos, detentores da maioria das grandes corporações e em especial as digitais, insistem a manter a tributação a partir da origem do capital – e não onde ocorre o consumo dos seus produtos.“Nós vivemos hoje num contexto em que há tendências protecionistas que reemergem de diferentes formas – uma delas são os subsídios. Mas eu acho que o risco existe com ou sem o entendimento internacional sobre uma tributação mínima”, avalia o diplomata. “Encontrar o equilíbrio internacional que permita fazer a transição de regras que eram muito favoráveis aos países mais desenvolvidos para regras que sejam equilibradas não é fácil.”Desde os anos 1980, a guerra fiscal entre os países para atrair as empresas fez a tributação mundial cair pela metade. Estimativas apontam que as multinacionais – em especial as americanas – direcionam até 40% dos seus lucros para países onde os tributos são menores, o que representa um buraco de US$ 500 bilhões de impostos não recolhidos no mundo.

    Juros altos, inflação, guerras, Brics ampliado: o que marcou 2023 na economia

    Play Episode Listen Later Dec 28, 2023 11:48


    O ano de 2023 chega ao fim com um princípio de luz de fim do túnel na sequência de alta dos juros que marcou o período e atrasou uma retomada econômica mais robusta, em meio à inflação que permaneceu elevada em boa parte do mundo. As incertezas geopolíticas, com o conflito na Ucrânia e a guerra em Gaza, não ajudaram a economia mundial a decolar. O coquetel de juros altos e crescimento baixo, somado à desaceleração da China, foi ainda mais perigoso para os países mais vulneráveis, em especial os africanos.  “Nas economias avançadas, vemos que claramente as taxas vão ficar altas durante muito tempo, durante toda a primeira parte do ano 2024, e agora produzem impacto na atividade. Em geral, temos 12 meses de atraso entre o momento em que os bancos centrais sobem as taxas de juros e o momento em que realmente essas taxas afetam a atividade – e elas foram elevadas há pouco mais de um ano”, explicou à RFI Bruno de Moura Fernandes, chefe de macroeconomia da seguradora francesa Coface, presente em mais de 100 países. “Então vamos sentir mais, nos próximos trimestres, o impacto para as empresas, para as famílias”, disse, em entrevista realiza em agosto. A Unctad, Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, previu em abril que o ciclo de aumento de juros vai custar mais de US$ 800 bilhões em perda de renda nos países em desenvolvimento, nos próximos três anos. Além da depreciação cambial, as consequências imediatas nas economias mais vulneráveis – como Zâmbia, Chade, Sri Lanka ou Argentina – foram a explosão das dívidas, a dificuldade de acesso ao crédito e risco de crise monetária, podendo resultar em crise de dívida soberana.Na Ásia, a crise imobiliária chinesa, o crescimento baixo, de 5%, e o alto desemprego dos jovens na segunda maior economia mundial acenderam o alerta para uma piora da conjuntura. “Já vemos que claramente as exportações chinesas estão caindo pela pouca procura por parte dos Estados Unidos e da Europa, e que o consumo das famílias chinesas também é uma grande decepção, porque, afinal, não tem confiança. Por enquanto, não vemos como a recuperação pode acelerar nos próximos meses”, advertiu Fernandes. Esse contexto internacional abalou o mercado mundial de commodities e repercutiu imediatamente no Brasil. Cerca de 30% das exportações brasileiras, essencialmente de matérias-primas, vão para a gigante asiática.Governo sob pressão desde o primeiro diaNo Brasil, o ano começou turbulento, com os ataques aos Três Poderes na posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva já em 8 de janeiro. A crise política aberta logo na primeira semana do mandato aumentou ainda mais a pressão sobre a agenda econômica do presidente petista, em especial pelo ajuste fiscal, e na contramão da política econômica mais expansionista desejada pelo presidente. “A economia internacional vai desacelerar e, com isso, os preços das commodities não vão continuar altos como estavam. Essa situação reduz a margem de manobra para adotar políticas mais expansionistas”, previu Daniela Magalhães Prates, economista sênior da Unctad, em janeiro. “O embate com o mercado vai ser um problema. A incerteza política pode ser usada para isso: reduzir a margem na política fiscal e monetária”, antecipou.  Com o país ainda marcado pela polarização no plano interno, o presidente não demorou para iniciar giros internacionais – a começar pela China. Apesar de ser a maior parceira comercial do Brasil, Pequim vinha sendo desprezada pelo governo de Jair Bolsonaro. "Por uma escolha de Estado, nós saímos da mesa. Essa escolha teve custos, e agora estamos voltando à mesa e isso é extremamente importante, na minha opinião”, disse o pesquisador associado do FGV-Ibre Livio Ribeiro, especializado em economias emergentes e em particular a chinesa. “Tradicionalmente na China, os ritos importam muito – até mais para os chineses do que para a gente. Assim sendo, a presença do presidente muda o nível da discussão e faz toda a diferença.”A viagem oficial de quatro dias se encerrou com a assinatura de 20 acordos comerciais entre as duas potências emergentes. Acordo UE-Mercosul travadoDias depois, ainda em abril, Lula retornou à Europa pelo solo português. Em Lisboa e, na sequência, em Madri, o presidente demonstrou determinação em acelerar a finalização do acordo entre a União Europeia e o Mercosul. As negociações do tratado se arrastaram por 20 anos até serem concluídas em 2019, mas o texto ainda precisa ser ratificado pelos 27 países que compõem a União Europeia e os quatro integrantes do Mercosul.Entretanto, apesar da troca de governo no Brasil, o acordo tomou um balde de água fria logo depois da viagem de Lula a Portugal e Espanha, com os europeus fazendo uma série de novas exigências ambientais dos parceiros sul-americanos. Desde então, diversas séries de rodadas de negociações foram realizadas entre os dois blocos, mas sem conclusão favorável. Na contraproposta do Mercosul, Brasil e Argentina apresentam pontos que significam a reabertura das negociações do texto assinado há quatro anos, assinalou Andrés Malamud, pesquisador da Universidade de Lisboa e especialista em integração regional na América Latina."Se esse acordo se reabre, nunca mais se fecha. Portanto, com as atuais posições, o acordo é impossível. Não vai acontecer – só aconteceria se aceitassem o que está escrito e assinado em 2019, mas ninguém quer, porque os dois lados são protecionistas: a Europa com o seu mercado agrícola e o Mercosul com sua indústria e compras governamentais”, resumiu o pesquisador argentino. Em dezembro, logo depois de se reunir com Lula na COP28 em Dubai, o presidente francês, Emmanuel Macron, externalizou as divergências, apesar do bom entendimento com o líder brasileiro. Macron não hesitou em considerar o tratado de “antiquado” e “mal remendado”. "Esse acordo não funciona e é por culpa da Europa, porque a França é protecionista e tem mais nove amigos que são igualmente protecionistas”, sintetizou Andrés Malamud.Brics terá seis novos membrosPor outro lado, as alianças entre os emergentes prosperaram em 2023. Na Cúpula dos Brics, em Joanesbursgo, em agosto, os líderes do bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e Africa do Sul decidiram ampliar o grupo, formado há 15 anos. Seis novos membros foram convidados, na expectativa de fortalecer um bloco do Sul global: Argentina, Etiópia, Egito, Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos passarão a fazer parte do Brics a partir de janeiro. Um dos focos da agenda do bloco foi o uso das moedas nacionais nas transações entre os países integrantes, no lugar do dólar. O Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), mais conhecido como Banco do Brics, tem papel protagonista neste projeto, ao acelerar os empréstimos nas moedas dos cinco membros fundadores. O sonho antigo dos países em desenvolvimento ganhou força desde que os juros americanos se estabilizaram em um patamar elevado. O presidente do Instituto Brasil-África, João Bosco Monte, acompanhou em Joanesburgo o andamento das negociações de um projeto “complicado”, segundo ele, para sair completamente do papel.“Brigar com os Estados Unidos e o sistema financeiro mundial não é fácil. Mas o fato de o Banco do Brics trazer essa agenda e puxar essa discussão favorece para que, eventualmente, as transações comerciais entre os países possam usar outras moedas”, salientou. Gaza e o temor de um novo choque de petróleo A reta final de 2023 ainda reservaria mais uma surpresa: a eclosão do conflito na Faixa de Gaza, entre Israel e o grupo extremista Hamas. Depois da Ucrânia, mais uma guerra voltou a elevar os preços do petróleo: o risco de expansão para um conflito regional poderia resultar em um novo choque do petróleo, semelhante ao da década de 1970, advertiram analistas. Com parcerias comerciais importantes no Oriente Médio, incluindo uma agenda em ascensão com Israel nos últimos anos, o Brasil fez malabarismos diplomáticos para que a guerra não abalasse os seus negócios com a região. “Não dá para escolher um lado. A população desses países é grande: a do Irã é de 88 milhões de habitantes. A da Arábia Saudita, que as pessoas pensam que é um grande vazio, tem quase 40 milhões de habitantes”, analisou Paulo Ferracioli, professor de políticas de comércio exterior e de economia no FGV Management. “E não é de forma alguma do interesse do Brasil se afastar de Israel, com quem nós estamos fazendo bons negócios na área de agroindústria, mas há muito mais do que isso. Todos os países querem investimentos de Israel em produtos altamente tecnológicos”, destacou.O Oriente Médio respondeu por 5,1% das exportações brasileiras em 2022, num total de US$ 17,2 bilhões, com balança comercial favorável a Brasília.“A partir do momento em que há instabilidade na economia internacional, os investidores se retraem e o comércio é dificultado. Qualquer retração no comércio e nos investimentos internacionais vai ser muito inconveniente para o Brasil”, disse Ferracioli. Em outubro, o Fundo Monetário Internacional (FMI) manteve inalterada a sua previsão de 3% de crescimento do PIB real mundial neste ano, e revisou para baixo as previsões de 2024. A instituição espera que o mundo vá crescer 2,9% no ano que vem. 

    Franceses planejam Natal mais econômico, com ceias menos sofisticadas e presentes de segunda-mão

    Play Episode Listen Later Dec 20, 2023 5:11


    Por aqui, o peru de Natal e as tradicionais rabanadas não costumam fazer parte da ceia dos franceses, que preferem os frutos do mar e o típico foie gras, uma iguaria à base de fígado de pato ou ganso. Entretanto, neste ano de 2023, muitas famílias vão ter que adaptar a refeição tradicional para fazer com que ela caiba no orçamento, afetado pela inflação e pela queda no poder de compra. Com fatores geopolíticos afetando diretamente a economia, em recuperação lenta após a pandemia de Covid-19, a França deve fechar 2023 com uma inflação média de 5,8%, segundo o Banque de France (Banco Central da França), ultrapassando ligeiramente o índice de 2022, que ficou em 5,2%.Simone de Albuquerque, uma brasileira que mora na França há 33 anos, conta que o Natal desse ano vai ser entre familiares e amigos, reunindo irmãos, netos, vizinhos, mas que a ceia vai ter que ser mais comedida, já que os preços este ano estão muito altos.“Esse ano pretendemos fazer o mesmo que no ano passado, mas com preços mais em conta. Os lugares em que comprávamos antes, não vamos mais. Buscamos outros com produtos quase iguais, mas com preços bem mais próximos da realidade”, disse.De acordo com o Instituto Nacional de Estatística e de Estudos Econômicos (Insee) entre 2021 e 2022, os preços dos bens e serviços aumentaram historicamente no país, mas em 2023 os índices estão em desaceleração. Ainda assim, segundo a instituição, os aumentos nos preços pesam duas vezes mais sobre os mais pobres do que sobre os mais ricos.A aposentada Françoise Gervez acredita que este Natal será de privações para muitas famílias.“Tudo aumentou muito e eu penso que para algumas famílias vai ser muito difícil. Não tanto em termos de brinquedos e presentes, porque há sempre coisas bonitas em lojas com preços mais moderados, onde os pais podem fazer escolhas mais razoáveis. Em contrapartida, em relação à comida, as pessoas vão ter mais dificuldade em conseguir uma qualidade igual aos anos anteriores”, destaca.Produtos para a ceia em promoçãoNos meios de comunicação, não faltam por aqui reportagens para ajudar o consumidor a economizar na compra dos produtos para a ceia de Natal. A BFMTV, por exemplo, divulgou supermercados que estão promovendo grandes promoções como o famoso foie gras com € 5 de desconto, o segundo pacote de chocolate saindo pela metade do preço e 30% a menos no salmão defumado, destacando que essas “pechinchas” só costumam aparecem a partir do dia 26 de dezembro, mas que neste ano tomaram conta das gôndolas para dar uma forcinha para os orçamentos mais restritos.Françoise Gervez concorda, acrescentando que em alguns estabelecimentos ainda é possível encontrar preços que permanecem mais viáveis e com boa qualidade.“Por outro lado, os produtos de marcas mais tradicionais permanecem inacessíveis”, diz ela, que se organizou com dois meses de antecedência para não ter que abrir mão das tradições natalinas partilhadas em família.“Eu não mudo os meus hábitos, mas sei que muitas pessoas são obrigadas a mudar. É triste, há muita miséria”, lamenta.“Lembrancinhas”Um estudo da empresa de pesquisas Kantar aponta que os franceses pretendem gastar menos com os presentes de Natal deste ano: uma média de € 223 no total (quase R$ 1.200,00), 8% a menos do que no ano passado.Simone de Albuquerque explica que na família dela, só as crianças vão ganhar presente este ano. Para os adultos, será a tradicional “lembrancinha”.“Cada criança vai ganhar o seu presente, mas para nós adultos, não precisa tanto. Mas com certeza vai ter uma lembrancinha. Uma lembrancinha é obrigação”, brinca ela.Lojas cheias, sacolas nem tantoNa capital, com os preços altos, muitos franceses e visitantes não têm se deixado levar pelas belas decorações de Natal que tornam Paris ainda mais bonita nesta época do ano. As lojas estão cheias, mas as sacolas, nem tanto.Além disso, muitos estão aguardando as ofertas das grandes promoções de inverno, que começam em janeiro, para encontrar opções com melhor custo-benefício.Os produtos de segunda-mão, também bastante comuns por aqui por questões ecológicas e financeiras, também devem ser uma opção mais frequente no Natal de 2023 dos franceses. Uma em cada duas pessoas planeja dar presentes comprados em brechós ou sites de venda de produtos usados.Apesar das ceias menos requintadas e dos presentes mais simples, qualquer esforço é válido para festejar entre as pessoas queridas e encerrar o ano com a expectativa de índices melhores e mais dinheiro no bolso em 2024, além, é claro, de saúde para dar e vender.

    Brasil aposta em recuperação de áreas degradadas para dobrar a produção do agro sem desmatar

    Play Episode Listen Later Nov 29, 2023 5:58


    Não apenas de ambientalistas, diplomatas e governantes é feita a Conferência do Clima das Nações Unidas (COP28), que começa nesta quinta-feira (30) em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. O evento é um ponto de encontro de empresários e lobistas dos mais diversos setores da economia. Na delegação brasileira, o agronegócio comparece em peso para tentar dar uma nova imagem à produção agrícola do país – associada, nos últimos anos, ao desmatamento e à devastação do patrimônio natural. Esse impulso virá do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que deixou para anunciar na COP os detalhes de um plano recém lançado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária para recuperar áreas degradadas e improdutivas. Tratam-se de 40 milhões de hectares de terras utilizadas para pastagens, pela pecuária, e que possuem “alta aptidão para a agricultura” se fossem reabilitadas para o plantio.O objetivo se inscreve na promessa do governo de aumentar a produtividade brasileira sem derrubar mais florestas – principal calcanhar de Aquiles do Brasil na área ambiental.Conforme estimativas do ministério, o país tem cerca de 150 milhões de hectares de áreas degradadas que servem a pastagens – ou mais de duas vezes o território de um país como a França. A maior parte delas, cerca de 60%, ficam no Cerrado.“Não pode ter apenas uma cabeça de gado por hectare. Com tecnologia, assistência técnica, financiamento correto, poderá se ter três ou duas cabeças”, disse a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, ao depor a uma comissão no Senado nesta segunda-feira, antes de viajar a Dubai. “Não precisa nem ser um sistema intensivo, basta ser semi-intensivo e a gente dobra a produção sem precisar avançar sobre os ativos ambientais do nosso país”, argumentou.Contribuição do Brasil conta com recuperação de áreas degradadasNo âmbito do Acordo de Paris sobre o Clima, o país se comprometeu a recuperar 15 milhões de hectares de pastagens degradadas até 2030 – o que permite evitar mais desmatamento. A meta faz parte da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês) do Brasil, as ações que cada país apresenta para limitar as suas emissões de gases de efeito estufa, que provocam o aquecimento do planeta.O Plano Setorial para Adaptação à Mudança do Clima e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária 2020-2030, adotado em 2021, visa dobrar esse objetivo, chegando a 30 milhões de hectares.“Uma pastagem bem manejada, recuperada, com alto vigor produtivo, sequestra carbono, em vez de emitir. Então é uma grande oportunidade para toda a agenda climática do Brasil e tendo o setor agropecuário como um protagonista”, disse à RFI Leila Harfuch, economista especialista em sustentabilidade no agronegócio e sócia-gerente da Agrícone.Ela lembra que o Plano Safra já direciona recursos para práticas de menor impacto ambiental, via Plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono). A demanda por linhas de crédito como o Renovagro, de R$ 7 bilhões, é crescente. “Isso pode ser revolucionário para o Brasil. É algo bastante interessante.”Investimento é altoNum prazo de 10 a 15 anos, o governo pretende investir US$ 120 bilhões (cerca de R$ 587 bilhões) no projeto e expandir a área agrícola brasileira de 65 para 105 milhões de hectares, sem desmatar. Linhas de financiamento do BNDES, do Fundo Soberano Brasileiro e do Banco do Brasil devem ser alocadas para os produtores interessados em comprar ou arrendar terras improdutivas e melhorar a gestão da produção, com insumos menos agressivos, técnicas mais sustentáveis de plantio e aumento da rastreabilidade da cadeia, uma exigência do mercado europeu.“É caro tanto recuperar quanto converter essas pastagens para a agricultura. É uma série de operações agrícolas que precisam acontecer para recuperar o vigor e a fertilidade do solo, e o processo de maturação é longo, de em média cinco anos para o investimento retornar para o produtor”, ressalta Harfuch.“E também tem uma questão de escala produtiva: uma coisa é o produtor exportador fazer essa conversão, e outra é o pequeno produtor, que vai precisar avaliar bem o investimento, porque nem sempre é viável. Ele teria que ter alternativas como diversificação de produção, por exemplo”, assinala.No plano do governo, que Lula deverá apresentar para o mundo na COP28, investidores privados externos também poderiam contribuir para o futuro fundo. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, está entre os 12 ministros que participarão do evento – um recorde.A participação brasileira promete ser a maior da COP – com 2,4 mil pedidos de credenciamento, entre governo, sociedade civil, pesquisadores e setor privado.

    Rumo à eletrificação da economia, Europa acelera abertura de minas de lítio

    Play Episode Listen Later Nov 15, 2023 6:17


    Num contexto em que quase metade do lítio mundial é produzido em minas australianas, um terço vem de lagos salgados do Chile e 15% tem origem chinesa, a Europa busca garantir a sua soberania no abastecimento do metal. Enquanto o mundo começa a discutir o fim da era do ouro negro – o petróleo –, agora é o ouro branco, como vem sendo apelidado o lítio, que atiça o apetite dos industriais. Leve, altamente condutor de eletricidade, a commodity é essencial para a fabricação de carros elétricos, em plena transição energética. Estima-se que Portugal tenha as maiores reservas europeias. A França também se posiciona nessa corrida: uma das maiores minas da Europa deve sair do solo na região de Allier, no centro do país.O geólogo Benjamin Barré, da mineradora francesa Imerys, recebeu a reportagem da RFI. “Estamos na fase da galeria piloto, que nos permitirá alimentar a usina piloto para terminarmos os nossos testes em escala semi-industrial”, explicou, à repórter Justine Fontaine.Por enquanto, a poucas centenas de metros do pequeno vilarejo de Echassières, o que se vê é uma grande cratera de onde se extrai caulim, uma rocha quebradiça usada para fabricar porcelana. Mas as obras para a extração do lítio sob a pedreira estão em andamento. O investimento previsto até 2028 é de mais de €1 bilhão, incluindo a extração, a trituração e o refino.“Na França, acho não houve abertura de uma mina nos últimos 50 anos. Faz muito tempo que não descobrimos uma reserva como esta que nós temos aqui. Podemos dizer que tivemos sorte de chegar a ela, que se encontra embaixo de um local já conhecido e que deve nos permitir, de acordo com o que sabemos até agora, produzir 34 mil toneladas de hidróxido de lítio por ano, durante pelo menos 25 anos”, complementa Vincent Gouley, diretor de Comunicação e Desenvolvimento Sustentável para projetos de lítio da Imerys.“Isto corresponde às necessidades de lítio de 700 mil veículos elétricos por ano, ou seja, metade da produção francesa atualmente. Ou seja, é um depósito significativo em nível francês e europeu”, diz ele.Explosão da demandaA Agência Internacional de Energia (AIE) avalia que a procura por lítio vai crescer 25 vezes até meados do século, estimulada por medidas como a proibição dos carros com motores térmicos na Europa, a partir de 2035. Mais de 30 usinas de fabricação de baterias elétricas estão sendo construídas no bloco e para atender à demanda por lítio, os projetos de minas existentes hoje já serão insuficientes para chegar até 2030, antecipa a agência.É por isso, para além das reservas, os países europeus também buscam se aperfeiçoar em toda a cadeia de produção. Em Lauterbourg, na fronteira franco-alemã, a start-up Viridian pretende realizar uma das etapas intermédias entre as minas e as fabricantes de baterias eléctricas – o refino. O projeto obteve €12 milhões em subsídios públicos, revela um dos seus cofundadores, Rémy Welschinge.“O processo começa com o produtor de lítio, que extrai o metal do solo ou da rocha, como vemos muito na Austrália, ou da salmoura, no caso chileno. Depois é preciso refinar. Alguns produtores fazem isso sozinhos, outros preferem enviá-lo para refinarias independentes, para processá-lo ou purificá-lo ainda mais”, aponta Welschinge. “É esse lítio que é fornecido aos fabricantes de eletrodos, para a construção das células de bateria que serão colocadas em veículos elétricos.”Em 2022, a Comissão Europeia lançou uma nova legislação sobre matérias-primas críticas para facilitar a busca pela soberania no metal e em outros minerais essenciais para a transição energética – baseada, em grande parte, na eletrificação da economia. De quebra, também visa a menor dependência do petróleo e gás da Rússia, no contexto da guerra contra a Ucrânia, e das baterias chinesas.Risco ambientalNas fronteiras europeias, além de França e Portugal, Alemanha, Espanha e Finlândia também se mobilizam em busca de lítio, além do vizinho Reino Unido. Mas apesar do interesse econômico dos países na expansão do setor, os projetos nem sempre são bem-vindos, em especial os ambientalistas. Nas estradas ao redor da planta administrada pela Imerys em Echassières, por exemplo, membros de uma associação pintaram mensagens de oposição ao projeto. Xavier Thabarant evoca o impacto ambiental para a biodiversidade e o uso excessivo de água para a construção da mina: 2,5 milhões de metros cúbicos até a abertura da estrutura, o equivalente ao consumo de 50 mil franceses em um ano.“É verdade que temos lítio aqui, e talvez tenha alguns outros minérios raros. Mas para fazer uma bateria também precisamos de cobalto, manganês. O cobalto sabemos que é produzido no Congo, então temos, talvez, metade do que precisaremos. Com isso nunca teremos independência energética”, alega.Com impactos ambientais mais limitados, a extração de lítio por geotermia é outra pista explorada pelos europeus – 10 projetos já tomam formam no vale do Reno, entre a França e a Alemanha, em cujo subsolo foi descoberto o metal. O mais ambicioso deles, capitaneado pela startup australiana Vulcan, já levantou € 400 milhões de euros em investimentos, de um total de € 1,5 bilhão estimado. A meta é chegar 24 mil toneladas e lítio por ano, a partir de 2026.

    Em meio à guerra, como ficam as relações comerciais do Brasil com o Oriente Médio?

    Play Episode Listen Later Nov 8, 2023 5:16


    Com parcerias comerciais importantes no Oriente Médio, incluindo uma agenda em ascensão com Israel nos últimos anos, o Brasil tem feito malabarismos diplomáticos para que o conflito na Faixa de Gaza não abale os negócios com a região. A esquerda tem pressionado o governo Lula a ser mais enfático nas críticas a Tel Aviv, mas o agronegócio pressiona no sentido contrário. O Oriente Médio respondeu por 5,1% das exportações brasileiras em 2022, num total de US$ 17,2 bilhões, com balança comercial favorável a Brasília.“Sem a menor dúvida, as relações comerciais pesam muito e a geopolítica tem uma grande importância no comércio exterior brasileiro. Não dá para escolher um lado”, aponta Paulo Ferracioli, professor de políticas de comércio exterior e de economia no FGV Management. “A população desses países é grande: a do Irã são 88 milhões de habitantes. A da Arábia Saudita, que as pessoas pensam que é um grande vazio, tem quase 40 milhões de habitantes. A entrada desses dois países no Brics vai facilitar muito os negócios do Brasil na região”, salienta.Nos primeiros cinco meses deste ano, as vendas para os 22 membros da Liga Árabe subiram 11%, em relação ao mesmo período do ano anterior, conforme dados do Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio). A pauta inclui majoritariamente produtos agrícolas.Parceria comercial inédita com IsraelDurante os anos do governo de Jair Bolsonaro, próximo do premiê israelense, Benjamin Netanyahu, as trocas com Israel atingiram níveis inéditos – o Brasil foi o principal fornecedor de petróleo do Estado hebreu, que foi também o sexto maior comprador da região de produtos agropecuários brasileiros.Sob a gestão Lula, essa dinâmica desacelerou, com queda de 68% das exportações. Mesmo assim, no fim de agosto – um mês antes da eclosão do conflito entre Israel e o grupo extremista Hamas –, os dois países formalizaram uma nova parceria comercial histórica. O Brasil se tornou o primeiro país a receber autorização para exportar carne de frango para Tel Aviv, sob os rigorosos padrões de produção kosher, as diretrizes alimentares que definem o que os judeus podem ou não consumir.Israel é um dos maiores consumidores de carne de frango do mundo, com 42 quilos por pessoa por ano, conforme dados do Ministério da Agricultura de Israel. Para o Brasil, este acordo representa uma oportunidade para dar um salto no setor, podendo superar, pela primeira vez, a marca de 5 milhões de toneladas de frango exportados para o resto do mundo, segundo projeções da Associação Brasileira de Proteína Animal.Antes da nova parceria, o Brasil já tinha vasta experiência na venda de alimentos com certificação halal, para os países muçulmanos.“Não é de forma alguma do interesse do Brasil se afastar de Israel, com o qual nós estamos fazendo bons negócios na área de agroindústria, mas há muito mais do que isso. A tecnologia de Israel interessa tanto ao Brasil quanto à Arábia Saudita. Todos os países querem investimentos de Israel em produtos altamente tecnológicos”, afirma Ferracioli.Preço do petróleo e impacto nos investimentosPara além da pauta de exportações, analistas têm apontado que o principal impacto da guerra na Faixa de Gaza tende a ser o aumento do preço do petróleo no mercado internacional – principalmente se o conflito se alastrar pela região. A entrada do Irã, apoiador do Hamas, poderia resultar no endurecimento das sanções a Teerã pelos Estados Unidos e seus aliados.“Se houver um aumento dos preços, os dos derivados de petróleo também subirão. O Brasil não vai quebrar por isso, mas vai sofrer uma alta de preços no mercado interno, que poderia impactar de forma bastante inconveniente a nossa inflação. Esse é um aspecto importante”, aponta o professor da FGV Management. “Eu não acredito que o Irã vá entrar no conflito, mas a incerteza é grande.”Desde o início da guerra, em 7 de outubro, o barril de Brent já acumula alta de 6%, a US$ 86. Na semana passada, o Banco Mundial alertou que, no pior cenário de embargos aos produtores árabes pelos países aliados de Israel, a queda no fornecimento global poderia resultar em um aumento de até 75% do valor, atingindo US$ 150. No cenário mais moderado, chegaria a US$ 102 – com efeitos nefastos para a economia mundial, que ainda briga para conter a inflação pós-pandemia.“A partir do momento em que há instabilidade na economia internacional, os investidores se retraem e o comércio é dificultado. Qualquer retração no comércio e nos investimentos internacionais vai ser muito inconveniente para o Brasil”, ressalta Ferracioli.  

    Por que, apesar de avanços, ricos e empresas continuam a sonegar bilhões de impostos pelo mundo

    Play Episode Listen Later Oct 23, 2023 6:36


    Um trilhão de dólares, cerca da metade do PIB do Brasil, é o valor que multinacionais continuam a sonegar de impostos pelo mundo, graças a manobras fiscais que as permitem contornar as cobranças, como o registro dos lucros em paraísos fiscais. A informação é de um relatório inédito realizado por uma vasta equipe de pesquisadores da Paris School of Economics, sob o comando do economista Gabriel Zucman, discípulo de Thomas Piketty. O relatório Evasão Fiscal Global 2024, divulgado nesta segunda-feira (23) pelo Observatório Fiscal Europeu, faz um balanço dos avanços que foram promovidos no tema desde a crise financeira de 2008, mas aponta que o caminho rumo à transparência continua nebuloso – inclusive dentro da Europa.“A evasão das empresas representa, hoje, cerca de US$ 1 trilhão de lucros que são registrados nos paraísos fiscais, mas que aconteceram na verdade na França, na Alemanha ou nos Estados Unidos. E o mais interessante é que essa evasão em massa não se passa em Macau ou no Panamá, mas sim na própria Europa”, explicou Zucman à emissora France Inter. “São a Microsoft ou a Apple que registram dezenas de bilhões de dólares de lucros na Irlanda, mas que na realidade foram realizados na França”, apontou, ressaltando que uma menor arrecadação significa menos investimentos dos Estados em saúde, educação ou no combate às desigualdades.O montante também faz falta num momento em que os países ao redor do mundo buscam cobrir a explosão dos gastos dos Estados com a pandemia de coronavírus – e que levou muitos a se endividarem em patamares perigosos, como a própria França.Imposto mínimo de 15% ainda tem falhasO economista salienta que, desde 2017, a cooperação internacional entre os organismos fiscais deu um salto, sob o impulso de decisões do G20 e da OCDE. A maior transparência permitiu dividir por três as riquezas detidas em paraísos fiscais. Em 2021, 140 países concordaram com a aplicação de uma taxa mínima de 15% sobre os lucros no exterior, algo inédito. Entretanto, as grandes empresas e o bilionários continuam encontrando novas fórmulas para escapar dos impostos.“Infelizmente, desde 2021, uma série de desonerações a essa regra foram introduzidas. A mais importante e a mais problemática é uma chamada de ‘desoneração por substância', que significa que quanto mais uma empresa está implantada num paraíso fiscal, mais ela poderá excluir lucros da cobrança da taxa mínima de 15%”, assinala Zucman à France Inter. “Ou seja, é um convite para enviar ao máximo a atividade para os paraísos fiscais como Irlanda, Suíça ou Holanda.”Embora o fim do sigilo bancário e os impostos mínimos sobre as sociedades tenham encerrado décadas de concorrência entre países por menores taxas de impostos, alguns ativos ainda escapam da cobrança, sinaliza o relatório. O documento afirma que a alíquota média paga pelos bilionários oscila apenas entre 0 e 0,5% da fortuna, graças às manobras fiscais que, quase sempre, utilizam empresas de fachada.2% de imposto mundial para os 3 mil mais ricos“Não gosto de usar casos individuais, mas vou dar um exemplo só para explicar o fenômeno: o da família Arnault, que em 2023 ganhou € 3 bilhões em dividendos graças aos lucros da sociedade LVMH em 2022. Para um acionista normal, teria uma taxa de 30% que se aplicaria aos dividendos. Mas a família Arnault não pagou € 900 milhões em impostos”, afirma Zucman. “Pagou zero, ou quase isso, porque os dividendos são transferidos a holdings, que não são sujeitas ao imposto de renda de pessoas físicas.”O relatório Evasão Fiscal Global em 2024 propõe seis medidas para o combate ao problema, entre elas um imposto global de 2% sobre a fortuna dos bilionários. A cobrança recairia sobre menos de 3 mil pessoas no mundo, alegam os pesquisadores, e resultaria em US$ 250 bilhões a mais de arrecadação ao ano para os países.Se a proposta fosse estendida às multinacionais, o valor dobraria. “Para dar uma ideia das magnitudes envolvidas, estudos recentes estimam que os países em desenvolvimento precisam de US$ 500 bilhões adicionais por ano para enfrentar os desafios das mudanças climáticas”, salienta o documento.

    Apesar de avanços, ‘choque da maternidade' ainda bloqueia espaço da mulher no mercado de trabalho

    Play Episode Listen Later Oct 18, 2023 6:10


    Pela primeira vez, uma mulher ganhou sozinha um prêmio Nobel de Economia – um marco que, por si só, já reflete as barreiras para a ascensão profissional delas. A professora de Harvard Claudia Goldin foi recompensada pelos estudos sobre o espaço das mulheres no mercado de trabalho e a emancipação das americanas. A distinção reconhece os avanços promovidos nos últimos dois séculos, mas evidencia o quanto a igualdade de gêneros ainda é um objetivo distante, mesmo nos países mais desenvolvidos. “Elas se tornaram trabalhadoras, passaram a ter renda para elas e para as suas famílias. A vida delas mudou muito. Mas o mercado de trabalho e as políticas dos governos são, quase sempre, mais lentos para acompanhar isso”, disse Goldin ao ser entrevistada depois do anúncio do Nobel pela emissora Business Today.Nas suas pesquisas, apoiadas em documentos, estatísticas e dados empíricos, a economista retraçou a evolução da participação das mulheres no mercado de trabalho e concluiu que cada passo à frente ocorreu na sequência de algum grande evento histórico: guerras mundiais, surgimento dos anticoncepcionais ou, mais recentemente, a pandemia de Covid-19 e a expansão do trabalho remoto.  A francesa Dominique Meurs, economista associada do Instituto Nacional de Estudos Demográficos (Ined) e professora da universidade Paris-Nanterre, celebra a vitória do Nobel, mas ressalta que já poderia ter ocorrido há muito tempo.  “Faz mais ou menos 10 anos que eu digo que ela tinha que vencer esse prêmio Nobel. Então, ele chega meio tarde, eu acho, porque se trata não apenas de se interessar pelo mercado de mulheres, mas sim de ter uma outra visão do mercado de trabalho, com base em dados, apresentando hipóteses, pesquisando, e percebendo as grandes evoluções que foram acontecendo”, aponta, à RFI. “Hoje olhamos para o mercado de trabalho de uma maneira totalmente diferente. Ela mudou a nossa forma de trabalhar e olhar as coisas.” Mulheres demitidas ao casaremClaudia Goldin despertou para o assunto quando descobriu que, nos anos 1920, as mulheres eram sistematicamente demitidas nos Estados Unidos assim que se casavam – fruto de uma lei determinando a prática e que só perdeu força mais de 20 anos depois.“Foi no pós-guerra. As empresas precisavam também das mulheres casadas e não podiam mais se dar ao luxo de demitir assistentes, secretárias, só porque elas se casavam. Foi, então, pela pressão da demanda de trabalho nas empresas que as legislações mudaram”, afirma Meurs.De lá para cá, a participação das mulheres no mercado de trabalho só cresceu, mas apesar das aparências, elas continuam sem acesso à maioria dos cargos de liderança e ganham, em média, 14% a menos do que os homens em um posto equivalente, nos países da OCDE – ou seja, nas economias mais desenvolvidas do planeta. Nos últimos 10 anos, essa diferença praticamente não caiu, baixando apenas 2%.  “Nos países da OCDE, infelizmente, a explicação ainda é bem simples: é o choque das maternidades que leva a uma ruptura na carreira. Para explicar a diferença de salários entre homens e mulheres, não temos mais a diferença de educação, de experiência e nem de profissão, embora este ainda seja um aspecto a se considerar. É a chegada da maternidade e as consequências no ritmo de vida, e o fato de que as normas sociais impõem que as responsabilidades ainda sejam compartilhadas de forma desigual”, frisa a francesa.  Os mais disponíveis são os maios recompensados: os homensClaudia Goldin estudou particularmente os bloqueios para o reconhecimento das mulheres no mercado altamente qualificado, em que a competição com os pares masculinos se mostra mais cruel, sobretudo se elas têm filhos. São cargos que implicam maior disponibilidade para receber clientes, por exemplo, o que significa jornadas de trabalho mais longas. As empresas tendem a recompensar os funcionários mais disponíveis, que costumam ser os homens.Dominique Meurs frisa que a pandemia de Covid também marcou um freio na carreira de muitas mulheres: apesar de elas terem acesso ao trabalho remoto, que viabiliza um maior equilíbrio entre a vida profissional e a familiar, as desigualdades ficam evidentes quando marido e mulher trabalham de casa – com maior impacto na produtividade delas.“Homens e mulheres não tiveram e não têm o mesmo teletrabalho. Isso já foi constatado: os homens trabalham sozinhos em uma peça, enquanto as mulheres são multitarefas: se dividem entre a casa, fazem a comida, e o teletrabalho”, salienta.A especialista francesa avalia que os próximos passos para avanços devem ser iniciados pelas próprias empresas, a começar por uma maior transparência sobre salários e evolução profissional. Além disso, recomenda mudanças nas estruturas de trabalho, que favoreçam uma maior distribuição das atribuições – para que não sejam sempre os mais disponíveis os maiores beneficiados pelas promoções.

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