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Oiça aqui, em directo, os grandes temas do momento que fazem o pulsar da actualidade nos vários países.

Rfi - Carina Branco


    • May 22, 2025 LATEST EPISODE
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    "Hamas não defende a causa dos palestinianos, defende os seus interesses"

    Play Episode Listen Later May 22, 2025 15:26


    Israel enfrenta críticas internacionais depois de ter disparado contra diplomatas estrangeiros, gerando condenação internacional. O consultor internacional de Segurança e Defesa, João Rucha Pereira, destaca a complexidade do conflito, a responsabilidade do grupo Hamas, defende mais acção das Nações Unidas e apela a uma solução de paz duradoura. RFI: Que implicações pode ter o ataque de ontem contra diplomatas estrangeiros em Janine, na Cisjordânia, para as relações de Israel com a União Europeia e com instituições multilaterais, como é o caso, por exemplo, das Nações Unidas?João Rucha Pereira: Isso que se passou é muito grave, até porque Israel, como sabemos, tem um bom sistema de informações, tem também pessoas que são informadores que estão infiltrados, como sabemos, quer na Cisjordânia, quer na Palestina. Eu diria que teria obrigação de fazer essa triagem para que isso não acontecesse.Uma coisa é efectivamente responder ao ataque terrorista do Hamas contra Israel, que matou toda aquela gente. Outra coisa é, digamos, fazer depois esta guerra de contra-ataque indiscriminada. Muito embora eu ache que as próprias Nações Unidas também têm muita culpa nesta situação, porque efectivamente o próprio recrutamento que fizeram na Palestina, para as pessoas que trabalham para as Nações Unidas, muitos deles veio-se a comprovar que eram elementos do Hamas, e alguns deles até já se provou que colaboraram nos ataques de 7 de Outubro a Israel.Estamos a falar de situações extremamente delicadas. Por um lado, há um uso de certo modo desproporcional das forças de Israel, mas por outro lado também não tem havido uma pressão destas mesmas entidades que criticaram agora este ataque, e que na minha opinião deviam também pressionar mais o Hamas para entregar os reféns e para chegarem a um cessar-fogo, a um possível acordo de paz que não é fácil.Falou de uma guerra de contra-ataque por parte de Israel. Por que razão é que só agora muitos países europeus começaram a condenar publicamente as acções de Israel e a exigir medidas, apesar da escalada militar e humanitária em Gaza decorrer há mais de um ano e meio? Esta mudança de tom, a seu ver, reflecte uma alteração real da política ou é apenas simbólica?Às vezes também é simbólica e de conveniência; Os políticos, infelizmente, muitas vezes falam daquilo que lhes convém e não das realidades. E a verdade é que a realidade, e temos que começar, por exemplo, por toda aquela construção de túneis que o Hamas fez, que há quem diga que é semelhante em termos de comprimento ao metro de Londres, portanto, é uma enormidade. Tudo isto foi feito com dinheiro que veio das Nações Unidas, que veio de outros organismos internacionais, de doadores. Supostamente esses dinheiros deveriam ser para os palestinianos, para a sua melhoria de vida, e que efectivamente foram desviados pelo Hamas. Outra coisa que tem acontecido também, está mais que provado, é que toda a ajuda humanitária que entra em Gaza é desviada pelo Hamas. É o Hamas que faz essa distribuição, privilegiando primeiro, obviamente, as suas forças. Todos os terroristas que fazem parte do Hamas ficam com esses alimentos e depois ameaçam os jovens, sobretudo aqueles que estão na idade de se alistar no Hamas e de aderir à sua causa armada.O Hamas temos que ver duas facetas: uma faceta política, inclusivamente eles ganharam as eleições, mas depois temos a faceta militar, a faceta armada, que é a faceta terrorista, considerada por todos como tal. Mas na verdade quem adere ao Hamas muito bem, recebe comida e alimentos. Quem não adere. Ou seja, o próprio Hamas é que está a fazer destabilização do território, porque se mistura com a população civil que serve de escudo, fica com os seus alimentos, distribui as coisas como quer. As Nações Unidas deviam ter aqui um papel mais importante na distribuição. Inclusivamente sabemos que há empresas militares americanas que estão a ajudar, empresas privadas, nessa distribuição, mas não é o suficiente. O Hamas ainda está a apanhar muita coisa e daí que Israel tenha tomado a atitude de suspender a ajuda humanitária para evitar que isso chegue às mãos do Hamas. Temos aqui um problema, um binómio muito complicado, difícil de resolver, mas não vejo também a comunidade internacional tentar ajudar a resolver este problema.Há milhares de pessoas que estão a sofrer na Faixa de Gaza. Esta semana víamos a notícia de que 14.000 bebés estão em risco de vida. São notícias para alertar as pessoas da realidade? São notícias veiculadas pelo grupo Hamas para tentar pressionar de alguma forma a comunidade internacional? Sabemos que a entrada da ajuda humanitária voltou a ser possível, apesar de limitada. O que nos estava a dizer é que há obstáculos e esses obstáculos são criados pelo grupo islâmico que persiste no terreno?Também temos que ver uma coisa, estranhamente, o Hamas, neste momento, e desde que começou esta guerra e que já vai com algum tempo, eu estou a falar agora da actual, depois do ataque terrorista que eles fizeram a Israel, o Hamas tem meios de comunicação muito mais avançados do que o próprio Israel.Eles têm uma máquina de comunicação e de desinformação. Aliás, todos os números de mortos, inclusivamente destas crianças todas que eles dizem que estão a morrer de fome e tudo isso, todos estes números são fornecidos pelo Hamas. Eu duvido e não estou a dizer que não há crianças em perigo, nem estou a dizer que não há populações em perigo, não estou a dizer nada disso, até porque eu sou um defensor dos direitos humanos, também sou membro da Amnistia Internacional, da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, estou sempre do lado das pessoas e do lado do ser humano.No entanto, temos que ter cuidado porque estes números são números martelados, são números sempre empolados, quer no número de mortes, quer no número de crianças. Inclusivamente eu assisti a vídeos feitos na Palestina, manobrados, digamos, pelo Hamas, em que simulavam ataques israelitas e depois: “já acabou, podem-se levantar”.Houve alguém que conseguiu filmar isso, e tive acesso a esses vídeos e, portanto, há muita coisa em que não podemos acreditar em tudo o que o Hamas diz. E quem dá a informação, quer da Palestina, quer da Cisjordânia, onde eles também já estão muito infiltrados, o próprio Hamas e também outros grupos radicais, não é só o Hamas, é a Jihad Islâmica e tudo isso. Eles empolam esses números para tentar minimizar a culpa deles, fazer de conta que Israel é que é o culpado de tudo, que querem fazer uma limpeza étnica, enfim, todas essas coisas.Na verdade, temos aqui muitas vozes da comunidade internacional a criticar. Mas depois ninguém faz nada. Eu, por acaso, fiz o meu doutoramento em resolução de conflitos internacionais e psicologia da paz, porque sou um lutador pela paz desde há muitos anos, mas não vejo ninguém a arranjar cenários de paz, de cessar-fogo, de negociações. O Qatar, que tem sido, como sabemos, um mediador, deveria fazer mais pressão sobre o Hamas. Houve até uma altura em que teve algum apoio do próprio Qatar e, portanto, aqui não há santos e pecadores. Todos têm culpas nesta situação.Muitos membros do grupo Hamas estão no Qatar?Sim, sobretudo as cúpulas. Portanto, sabemos que os altos dirigentes do Hamas vivem em hotéis de luxo no Qatar. Não são eles que vão para lá lutar nem dar a vida pela causa palestiniana. Limitam-se a ser líderes deste movimento. Vivem principescamente. Aliás, isso é apanágio dos grupos terroristas. Já me faz lembrar, quer no tempo da Al-Qaeda, quer o próprio Estado Islâmico, os líderes normalmente não se matam, não são terroristas suicidas. Nunca ouvi Bin Laden,  depois acabou por ser morto pelos americanos, dizer que se ia matar pela causa, ou algum recrutador.Eu tenho inclusivamente estudos sobre isso, fiz também o meu mestrado, que foi sobre terrorismo internacional, e portanto preocupei-me muito com essas coisas. E, na verdade, os líderes vivem principescamente no Qatar, e, portanto, não vejo ninguém a fazer pressões sobre isso.Depois, claro, isto acaba por ser lenha para a fogueira de membros do Estado israelita mais radicais, de extrema-direita, que aproveitam tudo isto para ainda envenenar mais o primeiro-ministro israelita no sentido de usar mais força, etc. Mas a verdade é que estou convencido de que, se o Hamas entregasse todos os reféns e depusesse as armas, como era uma das pretensões de Israel, Israel não teria motivos, pelo menos morais, para continuar a fazer esta invasão e esta ocupação do território.Penso que há aqui muita coisa que as pessoas muitas vezes não sabem. Fazem manifestações a favor dos palestinianos e acho muito bem, mas, de qualquer maneira, temos que perceber que todos estes problemas são causados pelo próprio Hamas. Aliás, quando houve transições em que os israelitas pediram para eles virem de norte para sul, etc., por uma questão de segurança, o Hamas não queria que eles passassem, e quem desobedecia, eles matavam-nos de imediato.O Hamas não defende a causa dos palestinianos. O Hamas defende os seus interesses como grupo terrorista. Aliás, se é possível um grupo terrorista ter uns estatutos, eles têm. Nos primeiros preâmbulos, uma das coisas que eles têm é a aniquilação do Estado de Israel. Esse é um dos objectivos do grupo: eliminar o Estado de Israel. E é nesse sentido que eles têm actuado sempre e vão continuar a actuar se não conseguirmos eliminar este grupo. Quer dizer, o terrorismo não se elimina, porque o terrorismo é uma ideia. Nós não podemos entrar na cabeça das pessoas, passar uma esponja e eliminar as ideias que eles têm. Isso não é possível.Agora, o que é possível é desmantelar o que já se fez muito nesse sentido, digamos, o braço armado do Hamas e tirar a força militar, a força terrorista, que eles ainda têm. Aliás, vê-se quando foram as entregas de reféns, todo aquele aparato que eles fizeram, com metralhadoras, com carrinhas novas. Faz muita confusão como é que entraram lá as carrinhas. A utilizarem muitas carrinhas novas. Como é que isso vai tudo parar às mãos deles?Como é que interpreta o discurso das autoridades israelitas que acusam os países ocidentais de "incitação ao ódio" depois dos ataques de ontem à noite, em que dois israelitas, foram mortos em Washington? Israel está a tentar condicionar o discurso internacional sobre a guerra em Gaza?Israel no fundo, está a fazer o mesmo que o Hamas está a fazer: está a tentar, pela via da informação e também possivelmente alguma desinformação cativar as coisas para a sua causa. E o Hamas está a fazer a mesma coisa.Mas também é verdade que, nesta terça-feira o Egipto também afirmou que tem um plano, uma proposta abrangente para reconstruir Gaza, garantindo que os palestinianos permaneçam no seu território. Isto foi uma declaração do ministro dos Negócios Estrangeiros do Egipto. E também o Egipto mostrou-se muito cooperante e está disposto a cooperar com o Presidente Trump, com os Estados Unidos, para alcançar uma paz abrangente na região. Penso que também tem que haver aqui um papel dos países árabes, no sentido de se unirem todos os que querem a paz, para arranjarem soluções que sejam compatíveis com esse fim.No entanto, ao contrário disso, o Presidente Trump continua a apresentar um plano para assumir a Faixa de Gaza e quer que os países sobretudo o Egipto e a Jordânia apareçam como países receptores de palestinianos, o que eles não querem. Porque sabem que, se vão receber os palestinianos, eles nunca mais voltam, porque obviamente não vão trocar países que têm paz neste momento e que são aparentemente estáveis na região por um território como a Palestina, onde podem morrer todos os dias. E as coisas não se resolvem dessa maneira.Inclusivamente, o próprio governo israelita ofereceu dinheiro para quem quiser voluntariamente deixar a Palestina. Tem uma espécie de indemnização, enfim, de um prémio, e até ofereceu quase que um ordenado mensal para quem quiser sair e não voltar. Alguns aderiram a isso. Não sei até que ponto é que isto poderá ter algum efeito, mas a maior parte das pessoas não quer sair da sua terra, não quer sair de Gaza. E, portanto, isto é um problema extremamente complexo. Penso que a comunidade internacional e sobretudo as Nações Unidas, que deveriam ter um papel mais preponderante nesta matéria  eram quem devia estar neste momento a conduzir, digamos, a distribuição de alimentos, etc., e não permitir que o Hamas fique com as coisas todas e depois as distribua como entende. Por isso é que esta pressão de Israel, no sentido de cortar a ajuda humanitária, foi para ver se o Hamas cedia. Mas a verdade é que quem paga é o povo, não é? São os palestinianos que depois não têm alimentos, que não têm medicamentos.Muito embora a situação não seja tão grave como eles dizem. Segundo as informações que eu tenho amigos que vivem inclusivamente na Palestina, na Faixa de Gaza, na Cisjordânia, pessoas das minhas relações que me dizem que a situação também não é tão grave como o Hamas diz. Como na verdade estamos aqui também numa guerra híbrida, onde a informação e a desinformação mais a desinformação  é que pondera, temos sempre muita dificuldade em saber quem é que está a falar a verdade e como é que as coisas se passam, porque nós não estamos lá no terreno. E é muito difícil estar no terreno. Já sabemos que já morreram muitos jornalistas nesta guerra, porque, na verdade, quando há ataques quer de um lado, quer do outro os jornalistas são apanhados no fogo cruzado, e, portanto, muitos já perderam a vida. Cada vez se torna mais difícil qualquer jornalista querer fazer a cobertura deste conflito, porque o risco é um risco de vida, não é?O líder da Jordânia não rejeitou totalmente a ideia do Presidente Donald Trump. No entanto, não está disposto a ficar lá com as pessoas e nunca mais voltarem. Muito embora ele tenha feito uma acção humanitária muito importante. Houve imensas crianças palestinianas que tiveram de ser tratadas em hospitais da Jordânia porque, na realidade, os hospitais da Palestina não têm condições para fazer esses tratamentos. E, portanto, penso que isto é uma coisa de louvar embora às vezes não se fale muito nisto mas na verdade isso aconteceu.

    Banda portuguesa Capitão Fausto estreou-se em Paris

    Play Episode Listen Later May 9, 2025 16:02


    Os Capitão Fausto tocaram em Paris, a 8 de Maio, num “Point Ephémère” onde o público entoou, em coro e em português, várias canções da banda pop portuguesa. Antes da estreia em França, no âmbito de uma digressão europeia, a RFI falou com Tomás Wallenstein e Domingos Coimbra que nos contaram a história de um grupo de amigos que nos últimos 15 anos tem também feito história na cena musical independente portuguesa.  RFI: Apresentam-se em Paris a um público essencialmente francês. Para quem não vos conhece, como é que descreveriam a banda, o som e a vossa filosofia? Tomás Wallenstein: “Já era um desejo antigo nosso virmos aqui e, portanto, estarmos a concretizar é uma grande alegria. Acho que, em poucas palavras, somos um grupo de amigos muito antigo, que tem sobrevivido ao teste do tempo e que se continua a gramar, a querer estar juntos e a fazer coisas juntas e que gostamos de ouvir música juntos e acho que isso define-nos. Concordas?”Domingos Coimbra: “Concordo, concordo e acho que, com os anos, temos tido a felicidade das coisas e das decisões que tomámos nos terem corrido progressivamente bem e também com esse crescimento que tivemos. Somos amigos desde os 13, 14 anos e amigos de liceu e desde essa altura também foram mudando as nossas ambições e o nosso empenho, o nosso trabalho, e passámos, de certa forma, de amadores a profissionais, um grupo de amigos que viveu tudo isso de forma muito intensa, ao ponto até de, às vezes, num determinado momento, viverem todos na mesma casa. Portanto, é todo o imaginário que isso acarreta.”E como é que escolheram a playlist para Paris? Domingos Coimbra: “Eu acho que, em primeiro lugar, a 'Subida Infinita', o último álbum que lançámos, tem sido uma constante nos últimos dois anos. É o foco. Temos noção que também é não só tocar para franceses, mas também para um público português que está fora de Portugal. Também tínhamos a noção que tínhamos de fazer um concerto que passasse um bocado pela discografia da banda. Então, de certa forma, o concerto acaba por fazer um apanhado destes anos.”Há músicas assim, mais emblemáticas e mais acarinhadas pelo público, em geral, e pelo público internacional, em particular, que vocês agora têm vindo a conhecer?Tomás Wallenstein: “É difícil dizer porque os vários concertos que já aconteceram tiveram reações muito específicas de cada sítio e nós fomos descobrindo também as salas e as pessoas e conversávamos um bocadinho no final. Mas acho que, como o Domingos estava a dizer, este apanhado geral foi também uma espécie de uma filtragem que nós fizemos para esta digressão e talvez se possa definir como um bom cartão de visita: o que é que foram estes últimos anos. Deixámos, na verdade, um disco de fora que é ‘Pesar o Sol'."Porquê? Tomás Wallenstein: “Por questões de escolha. Por não querermos deixar outras de fora. Acabámos por deixar estas neste espectáculo. Eu acho que todas as músicas têm lugar em cada espectáculo específico. Este que é em clubes e para pessoas em pé, acho que nos levou a escolher este conjunto de canções.”Também tem a ver com a transformação da banda de quinteto para quatro pessoas?Domingos Coimbra: “Isso também e também pela própria natureza dos álbuns e do som dos álbuns. E o 'Pesar o Sol', se calhar, é um bocado mais distante do que muita da música que estamos a fazer agora, embora seja interessante em termos de alinhamento e nós fazemos isso muitas vezes que é passar um bocado por todos os álbuns, é um desafio interessante para o concerto ficar a fazer parte de uma mesma narrativa. Mas por acaso, o ‘Pesar o sol' não entrou. Algumas canções do nosso primeiro álbum, o ‘Gazela', nesta coisa de como preparar o alinhamento e as canções e quais escolher, algumas destas, com os anos, tornaram-se muito queridas das pessoas que nos seguem e, portanto, elas têm figurado nos concertos. 'Santana', que é uma música que eu acho que no disco não tem propriamente muita graça nem muita cor, é uma canção que com os anos vai crescendo cada vez mais e hoje em dia fecha o concerto. Portanto, esse lado é engraçado.”Em relação à própria transformação em palco por causa da saída de um elemento do grupo, como é que tem sido? Domingos Coimbra: “Foi um processo. Nós, com a saída do Francisco [Ferreira] na 'Subida Infinita', todo o álbum foi composto também por ele e foi um álbum pensado para ser tocado por cinco. Na altura, tínhamos acabado a 'Subida Infinita' e tínhamos duas semanas para acabar o álbum e duas semanas depois começava a digressão e nós ainda não sabíamos muito bem - no ano passado - como é que íamos montar o espectáculo. Então, a decisão que tomámos, foi convidar dois amigos,  músicos da nossa editora Cuca Monga, o Fernão Biu, dos Zarco, e o Miguel Marôco para se juntarem a nós. Cinco passaram a seis e dividíamos as vozes. Depois, tivemos sempre um bocado esta ideia de irmos falando, eventualmente, temos de tentar perceber como é que passamos o formato para quatro e a responsabilidade da passagem do formato a quatro acabou por estar muito centrada no Tomás e no Manuel, que são autênticos polvos e agora tocam teclados e guitarras e mudam de microfones.”Tomás Wallenstein: “E foi um exercício interessante também porque voltámos a ouvir as músicas todas para perceber quais é que são as partes essenciais, porque menos mãos conseguem fazer menos coisas. E, de certa forma, foi surpreendente como às vezes elementos que nos discos são essenciais e são ornamentos ou são camadas que tornam a escuta mais interessante, ao vivo, nem sempre são, até podem ser contraproducentes e, portanto, começarmos a despir um bocadinho as camadas todas e a perceber do que é que a canção é feita, a sua essência mesmo. Foi muito interessante e deu resultados muito engraçados. Isso também é evidente que contribuiu para a escolha das músicas que trazemos para os concertos e até porque isto agora vai ser um processo que vamos continuar a fazê-lo devagarinho e nem conseguimos passar por todo o nosso repertório, mas vamos fazê-lo.”Domingos Coimbra: “E conseguimos aprender 15, 16 músicas no espaço de duas, três semanas muito intensas.”Tocam em Paris depois de Amesterdão, Madrid, Barcelona. Como é que tem sido esta descoberta do público europeu e não apenas lusófono? Tomás Wallenstein: “Tivemos a sorte de ter muitos portugueses, em todas as datas, que levam os amigos, que mostram a música e, portanto, acho que essa parte também nos beneficia. As pessoas que vão ao concerto também são nossas embaixadoras e também estão a ajudar a nossa música a ser ouvida. Portanto, as reacções são curiosas de muita gente que tinha vindo ao concerto para descobrir a banda também, que não conhecia a música e que, se calhar, vai passar a ouvir. Acho que tem corrido muito bem.”Domingos Coimbra: “Em Barcelona, sentimos um público maioritariamente português, mas em Madrid havia muito público espanhol e, como o Tomás estava a dizer, curiosos. Algumas pessoas que tinham, por exemplo, estudado em Portugal, que tinham cruzado de uma maneira ou de outra com Capitão Fausto e que com os anos a passarem, fomos levando os vários álbuns a centenas de sítios e depois esse alcance foi aumentando. Também no Melkweg, em que também tocámos, sentimos o público português, mas também curiosos holandeses.”O que representa Paris para vocês? Tomás Wallenstein: “É uma cidade mítica, não é? Eu, pessoalmente, também tenho uma ligação muito forte à cultura francesa, porque estudei no Liceu Francês, tenho muitos amigos de infância franceses e eu acho que é um sítio que nós vamos querer voltar muitas vezes e que é uma cidade muito vibrante. Também já tive a oportunidade de vir aqui ver concertos e acho que tem muita coisa a acontecer e, portanto, nós conseguirmos ser inseridos nesta variedade é muito desafiante. Vamos ver o que é que vai acontecer nos próximos anos.”O disco Subida Infinita fala muito em despedidas, em desconsolo, em “nuvens negras”, “festas que são fachadas desta nossa tristeza”. Também já tinham morrido na praia, prometido que “amanhã estou melhor”, avisado que os Capitão Fausto têm os dias contados. As melodias são solares, mas as letras parecem ter algum desconsolo. Como é que vocês estão e o que é que contam todas estas músicas, sobretudo do último disco, que é o que mais levam agora a palco? Tomás Wallenstein: “Eu acho que o último disco tem umas características que os outros acabam sempre por ter, que eu acho que agora vou começando a reparar, que são as músicas que acabam por ser um bocadinho catárcticas sempre e nós talvez através das músicas consigamos encontrar emoções ou raciocínios que estavam mais escondidos dentro do nosso grupo. Nós como amigos, nós individualmente, eu como escritor e como voz também, às vezes, esses sentimentos, esses raciocínios são descobertos quando as músicas também acontecem, quando de repente elas começam a ter a sua própria vida. E nós vamos começar a pensar ‘ok, o que é que de facto quer dizer esta música?' Porque os significados também nem sequer sempre estão no momento da composição. Nós não estamos a querer almejar um certo ambiente, ou uma tristeza, ou uma melancolia, ou um entusiasmo. Estamos entusiasmados com a música e com o quadro que aquilo está a pintar e com as letras a mesma coisa. Estamos um bocadinho à procura do som e estamos a ir pelo ouvido. Quando as coisas estão acabadas, então aí nós damos dois passos atrás e começamos a descobrir um bocadinho do que é que elas são feitas.  Eu acho que são figuras das nossas vidas, momentos, paisagens e fotografias que vão aparecendo e que brotam da nossa memória.”Ao fim de 15 anos neste retrato de grupo, qual é o balanço que fazem? Domingos Coimbra: “Como começou a entrevista e começámos a falar sobre como é que nós nos definimos, eu acho que o facto de nós, passados estes anos todos, ainda estarmos centrados na nossa amizade - se calhar até acima das nossas ambições profissionais - e  como o facto de centrarmos a amizade no centro tem resultados profissionais bons, embora seja sempre um equilíbrio muito difícil quando se dorme em carrinhas e em viagem e fora de casa, essa é uma verdade que eu acho que nos define. E outra também, acho que temos tido a felicidade e a alegria, desde o princípio, obviamente com muita sorte envolvida, de estar nos sítios certos, na hora certa.Os concertos correram bem, mas a nossa carreira tem sido uma escada constante e parece que a cada álbum e a cada concerto que damos e a cada novo objectivo, felizmente tem sido uma subida, não querendo parecer “cheesy”, nós temos noção que aquilo que nós temos e aquilo que temos vindo a fazer, até pessoalmente, em termos de amizade, é uma coisa rara e, portanto, estamos a fazer todos os esforços para preservar isso e através disso também escrever canções que retratam os períodos pelos quais vamos passando.”Estão a preparar novo álbum, novas canções? Vi que têm também um grande projecto para 2026, em Lisboa, numa grande sala, talvez a maior de Portugal...Tomás Wallenstein: “É verdade. Isso é assim a próxima grande coisa que nos vai acontecer. Vamos ter uma grande celebração também de carreira em Lisboa, na maior maior sala que nós já alguma vez ambicionámos encher. Para esse espectáculo vamos querer trabalhar com muita antecedência e com muita preparação. Vai-nos ocupar muito tempo do próximo ano. Temos em vista começar a fazer música nova, canções em breve. Não sabemos para sair quando, mas sabemos que o início, pelo menos, está próximo. Estamos também a trabalhar noutras coisas, noutros projectos sobre os quais ainda não podemos desvendar muito, mas que poderão interessar-vos e isso também são novidades para o ano de 2026.”

    Domingos da Cruz: “A luta não violenta é o caminho mais adequado para Angola”

    Play Episode Listen Later May 7, 2025 13:26


    O novo livro de Domingos da Cruz, "Ferramentas para Destruir o Ditador e Evitar Nova Ditadura", foi bloqueado no aeroporto de Luanda, em Angola, pelos serviços de segurança do Estado. Trata-se de uma versão mais radical da obra que levou à detenção dos 15+2 activistas em 2015 e que seria agora apresentada em Angola. Domingos da Cruz defende a desobediência civil como caminho para mudar Angola, critica a censura ao seu livro e denuncia a dependência da oposição ao regime. RFI: Como interpreta este bloqueio do seu livro no aeroporto por parte das autoridades angolanas? Estava à espera que isto acontecesse?Domingos da Cruz: Nunca esperei nada que fosse, digamos, de acordo com a lei, com a ética, com o que é normal numa sociedade onde aqueles que estão no poder agem de acordo com os interesses dos cidadãos. Portanto, eu esperava que isso acontecesse, até porque estamos perante uma atitude que revela coerência: é mais uma vez o regime a afirmar a sua própria natureza. Seria de uma grande ingenuidade esperar o contrário. Imagine que estivéssemos em Cuba ou na Coreia do Norte e se esperasse liberdade de imprensa, direito à manifestação, liberdade de pensamento, liberdade académica e científica, seria uma contradição. E o mesmo se aplica a Angola. Portanto, tudo o que fizeram revela tão somente a natureza do próprio regime. Para mim, é perfeitamente expectável.Gostaria de esclarecer que não falo com a imprensa sobre o assunto com a intenção de me apresentar como vítima ou de fazer qualquer denúncia. Não estou a denunciar absolutamente nada. Estou simplesmente a aproveitar a oportunidade que me é concedida para informar o que sucedeu. Se estivesse a denunciar, seria ingénuo e seria contraproducente, até porque ao longo de mais de três décadas se vão fazendo denúncias e nada melhora. Pelo contrário, o país só piora em quase todos os aspectos. Na realidade, quando se vive numa ditadura, num regime autoritário, a denúncia não funciona. O que se deve fazer é construir um plano estratégico de modo a remover a ditadura. Este é o caminho certo e não o caminho do vitimismo e da denúncia.Vamos falar disso e também do seu livro, mas antes pergunto-lhe: O que pretende ao disponibilizar o livro gratuitamente em PDF do seu livro e como é que esta decisão está a ser recebida pelo público?As pessoas estão satisfeitas pelo facto de eu ter disponibilizado o PDF. A razão que me levou a tomar esta decisão tem única e exclusivamente a ver com a minha pretensão de contribuir para esse processo de libertação, para que possamos sair do cativeiro. Eu acredito na força das ideias, na capacidade criativa e transformadora que as ideias têm. Espero que as pessoas adoptem as ideias e as pratiquem, porque me parece ser o caminho para a nossa libertação. E gostaria, mais uma vez, de aproveitar este momento para dizer que estamos numa sociedade onde, cada vez mais, a situação piora. Não vejo outro caminho que não seja, de facto, a mobilização popular para a transformação de Angola de uma ditadura para uma democracia.Essa mobilização é precisamente o que apresenta no seu livro, que inclui 168 técnicas de desobediência civil, baseadas no trabalho do intelectual e activista norte-americano Gene Sharp, considerado o maior teórico da resistência não violenta. Quais considera mais aplicáveis ao contexto actual de Angola e porquê?No contexto actual, parece-me que as técnicas de subversão do ponto de vista económico são adequadas, porque estamos num momento de grande crise, o que limita o regime financeiramente para comprar o maior número possível de pessoas, como tem sido prática. Se houver, por exemplo, indisponibilidade dos cidadãos para pagar impostos, para fazer depósitos bancários, se forem retirando o dinheiro dos bancos, isso aprofundará a crise e, de alguma maneira, limitará o regime na compra de pessoas. Essa é uma técnica perfeitamente adequada ao contexto actual.Por outro lado, as pessoas podem permanecer em casa, podem fazer abaixo-assinados, podem parar de colaborar com as instituições. Aqueles que trabalham em instituições públicas podem fingir que estão a trabalhar e não trabalharem. Tudo isso viabilizará o colapso das instituições e, perante esse colapso, chegará um momento em que as pessoas se levantarão em grande número, sem dúvida.Aproveito também para dizer que a diferença entre a edição que nos levou à prisão em 2015 e esta é que esta é uma edição crítica. Por edição crítica entende-se um texto comentado por vários pesquisadores. Temos o conteúdo da edição anterior, com algumas ideias novas, mas agora associado a comentários de vários estudiosos do Brasil, de Angola, de Moçambique, da Itália, que tornam o texto muito mais rico. Essa é a grande diferença entre a [edição] anterior e esta.Trata-se de uma reedição que acontece 10 anos depois daquela que talvez tenha sido a sua obra mais falada e conhecida, pelo menos em Angola.Sim, sim. Dez anos depois. Por acaso, não obedeceu a nenhum cálculo. Depois de tudo o que aconteceu, muitos já sabem, eu não tinha qualquer motivação para voltar ao livro. Mas, tendo em conta a degradação em que o regime se encontra e a situação geral do país, do ponto de vista económico e social, levou-me a pensar que é oportuno reeditar a obra. Ela afirma uma convicção profunda que tenho: acho que o caminho da luta não violenta, da desobediência civil, que sintetiza todas as técnicas que acabou de referir, parece-me ser efectivamente o caminho mais adequado para Angola.Se optássemos pela violência, de alguma forma estaríamos a contradizer a ética, por um lado, e a democracia que desejamos construir, por outro. Além disso, colocar-nos-íamos na mesma posição daqueles que estão no poder: seríamos todos violentos, do mesmo nível moral. Quem luta por uma democracia deve colocar-se numa posição de diferença, não só do ponto de vista ético, mas também discursivo. É óbvio que existem vários caminhos para a libertação, mas a violência colocar-nos-ia numa posição de grande desvantagem e haveria pouca possibilidade de vitória. Acho que a luta não violenta é o caminho mais adequado. Continuo a acreditar profundamente nisso, embora reconheça outras possibilidades.Domingos da Cruz, decorreram 10 anos desde o caso que levou à prisão dos 15+2 activistas, de que fez parte. Este julgamento terá sido provavelmente o mais mediático, ou um dos mais mediáticos, em Angola. O que mudou no país desde então? Considera que o actual regime de João Lourenço representa uma continuidade ou houve mudança em relação à repressão do tempo de José Eduardo dos Santos?Relativamente à repressão, houve continuidade, claramente. Não há dúvidas quanto a isso. Gostava de apresentar alguns exemplos simples. Tal como José Eduardo dos Santos fazia, qualquer tentativa de protesto é hoje reprimida pelo seu sucessor. E quando digo “seu sucessor”, baseio-me no que diz o nosso quadro legal. De acordo com a Constituição da República de Angola, o responsável pelos serviços de defesa e segurança é o Presidente da República. O ministro do Interior, da Defesa, os serviços secretos, todos agem a mando do Presidente. Aliás, temos uma das constituições que confere poderes excessivos ao Presidente.E não se trata apenas de reprimir. No caso de João Lourenço, ele aprofundou algo inédito: matar à luz do dia. Tivemos a morte de um activista numa manifestação em Luanda, por exemplo. E depois houve o caso das Lundas, onde foram assassinadas mais de 100 pessoas. Há um relatório publicado por organizações da sociedade civil angolana que descreve claramente esse drama.Falando de outros direitos; políticos, económicos e sociais, os indicadores mostram que a situação do país se degrada a cada dia. Houve também oportunidade para a sociedade civil fazer uma autocrítica e perceber que o método da denúncia é um erro, até mesmo do ponto de vista histórico. Imagine, na época colonial, se os nossos antepassados se limitassem a denunciar, provavelmente ainda estaríamos sob colonização. O que se deve fazer, na verdade, é tomar uma posição para pôr fim ao regime. E as técnicas de luta não violenta adequam-se perfeitamente para pôr fim ao nosso cativeiro. Mais de três décadas de denúncias não resolveram absolutamente nada. Os indicadores estão ali, quando se olha para os relatórios de instituições como as Nações Unidas, a Freedom House, Repórteres Sem Fronteiras, Mo Ibrahim Foundation, entre outras, todos demonstram que não saímos do mesmo lugar.Fala da sociedade civil e da oposição. Qual deve ser, a seu ver, o papel da oposição política, da sociedade civil e da juventude angolana na luta contra a repressão e na construção de uma democracia real?É preciso estabelecer uma diferença clara entre a oposição partidária e a luta cívica feita pela sociedade civil e pela juventude, como acaba de referir. A minha única esperança sincera está no povo. Primeiro, o povo deve tomar consciência de que está sozinho no mundo, literalmente abandonado. Vivemos num país com uma elite conectada ao capitalismo internacional, às grandes corporações, às potências ocidentais. É um regime que viabiliza a extração de recursos e beneficia o Ocidente.Internamente, o regime também beneficia a oposição partidária, o que significa que o povo é a única vítima disto tudo. A sociedade é que deve levantar-se. Não vejo um milímetro, não vejo um centímetro de esperança vindo da política partidária. Dou-lhe um exemplo simples: não conheço parte alguma do mundo onde se possa fazer oposição dependendo financeiramente do regime contra o qual se luta. A nossa lei dos partidos políticos confere financiamento vindo do Orçamento Geral do Estado aos partidos da oposição. E como, em Angola, o MPLA se confunde com o Estado, porque o capturou, significa que os partidos da oposição dependem literalmente do MPLA para sobreviverem. Para terem arroz e feijão na mesa, para cuidarem da sua saúde, para mandarem os filhos à escola ou comprarem um bilhete de avião, dependem do regime. Não é possível fazer oposição assim.Como dizia Thomas Sankara: quem te alimenta, controla-te, manipula-te. Por outro lado, temos uma oposição viciada, corrupta e envelhecida. Psicologicamente, não se pode esperar muito de velhos. Não é dos velhos que virá a revolução.

    “Outrar”: Volmir Cordeiro dança contra o confinamento do mundo

    Play Episode Listen Later Apr 7, 2025 13:21


    O coreógrafo brasileiro Volmir Cordeiro apresentou o espectáculo “Outrar” na Ménagerie de Verre, em Paris, no âmbito do festival "Les Inaccoutumés". A peça surgiu de um convite da coreógrafa Lia Rodrigues, em 2021, em tempos de pandemia e é uma resposta ao confinamento a que o mundo foi confrontado e aos muros que continuam a erguer-se. Dançar passa a ser uma forma de se “outrar” - um neologismo criado por Fernando Pessoa para se “tornar outro” - mas também passa a ser uma ponte para quebrar barreiras e se chegar a tantos outros. Foi no festival “Les Inaccoutumés” que Volmir Cordeiro apresentou o espectáculo “Outrar”, a 3, 4 e 5 de Abril, na Ménagerie de Verre, em Paris. O solo de 30 minutos foi criado em 2021 a partir de um convite da coreógrafa brasileira Lia Rodrigues e em resposta ao confinamento provocado pela pandemia de covid-19. Lia Rodrigues enviou uma carta aos seus bailarinos quando o mundo estava confinado e isolado. Volmir Cordeiro respondeu com este solo que se transformou numa ponte entre continentes, mas também numa ponte para os outros - os que o vêem e os que o habitam dentro de si. São os seus “heterónimos” que se manifestam nas dezenas de camadas de roupas, de cores e de texturas e que se declinam em múltiplos gestos, movimentos e emoções. Os seus “outros” inspiram-se em Fernando Pessoa e o título da peça - “Outrar” - também aí vai beber. Esses “outros” são, ainda, uma alegoria dos estados da Terra, do planeta feliz e despreocupado ao planeta que ameaça colapsar. Foi por aí que começámos a conversa, no final do espectáculo, numa sexta-feira, na Ménagerie de Verre, em Paris.RFI: O que conta o espectáculo “Outrar”?Volmir Cordeiro, Coreógrafo e bailarino: “Este espectáculo parte de uma ideia que seria aquela de como é que eu poderia personificar a Terra, como é que eu poderia imaginar a Terra como uma pessoa, a Terra de hoje e a Terra tal como ela estava no momento da pandemia porque este projecto nasce durante o confinamento.Então, a questão da Terra, a questão do isolamento, foi muito importante e porque ela também parte da trilha sonora, que tem essa camada bastante cavernosa de uma gruta, que me deu muito essa imagem do que a gente estava vivendo naquele momento do confinamento e tudo o que a gente inventava dentro de um quadrado, dentro das nossas casas.Eu decidi que estava dentro de um quadrado e eu tinha essa ideia de ser a Terra, a Terra doente, a Terra feliz, a Terra que ainda dá para salvar, que ainda pode ser salva, a Terra florida, a Terra fértil, a Terra “clown”, a Terra palhaça, a Terra que precisa de ajuda. Eu fui imaginando várias versões dessa Terra que eu ia encarnando.”A Terra é personificada por si?“É. Eu seria esse desejo, esse desejo de chegar grande, chegar caminhando, caminhando nesse chão que está estável por enquanto, mas que está tremendo porque essa vibração do som coloca o chão, o espaço a tremer. Esse instante quase que precede o colapso, essa ideia que a gente tinha de como é que a gente vai sair da pandemia, para onde é que a gente vai, qual é que vai ser a continuidade do mundo, como é que a gente vai mudar as nossas relações com a vida, com a natureza, connosco mesmos, para podermos continuar a existir.Como a trilha sonora é cheia de variações, cheia de pássaros, cheia de crianças brincando, cheia de vidro quebrando, ela tem um monte de imagens que me foram alimentando e que têm essa ideia de 'outrar', de se transformar em outro. Por isso é que eu fui juntando camadas de figurinos, de saia, de roupa, de pijama, de cuecas, de tudo que eu encontrava, para também trazer essa ideia de que a Terra é feita de todos nós, é feita de vários elementos, de vários outros e que, portanto, dentro desse quadrado, dentro dessa dança, eu tinha que ficar eu mesmo outrando.”Já vamos ao conceito de “outrar”, mas ainda em relação a si como Terra, o Volmir entra em palco ao som de uma tempestade e entra de uma forma muito vertical, como uma árvore que é abanada por essa tempestade. Vive imensas coisas pelo meio e, a dada altura, cai por terra despido. Que gesto é este? “Acho que tem totalmente essa ideia do desmoronamento. A ideia de chegar grande e festivo no vento, no carnaval, na festa, num grande desejo de modificação, num grande entusiasmo de colocar as pessoas que me estão a ver para também se imaginarem ali dentro, para se olharem, olhando o que eu estou fazendo e se verem no outro também - por isso, há este dispositivo de estar um de frente para o outro.Tem essa transformação porque eu precisava 'outrar' também na minha figura global, essa figura não podia terminar assim, ela tinha que virar como a gente vira uma luva, como a gente vira uma meia do avesso. Ela tinha que virar do avesso para dar a ideia de que ela teria que viver uma transformação ali, diante do público. E ela se transforma nessa sereia que está muito perto do chão, que está esmagada, que está talvez nos últimos instantes da própria vida, mas que ainda carrega uma ideia de sublime, uma ideia de beleza e que ainda assim está pedindo ajuda e está procurando pelo outro. É o último chamado pelo outro, esse gesto de procurar, de pedir a esmola, de entregar alguma coisa, de se dirigir para o outro.Então, para mim tem essa coisa desses outros que também vão-se amarrando em nós e que a gente está cheio de outros até ao ponto em que eu vou tirando as minhas camadas, vou-me transformando nessa sereia, mas essa sereia também vai-me impedindo de andar, vai-me impedindo de dançar, vai-me impedindo de me movimentar. O destino final é ir para o chão e ao ir para o chão, ela existe ali no que ela pode fazer naquela nova condição.”É por isso que chamou ao espetáculo “Outrar”? O que quer dizer, para si, “outrar”? “Outrar foi o nome que a Lia Rodrigues deu para o projecto dentro da pandemia porque ela não podia estar aqui na Europa para apresentar um trabalho, não podia fazer a viagem. Então, ela convocou alguns bailarinos que já tinham trabalhado com ela, que estão morando aqui, para ir no lugar dela. Foi ela que deu esse nome a partir de um poema de Fernando Pessoa -eu não sei exactamente qual é o poema, mas vem dele esse neologismo. E já era uma maneira de 'outrar', não era ela, era outro que estava no lugar dela. Foi ela que mandou essa trilha sonora e falou: 'Usem a trilha sonora e faça o que vocês quiserem'. Eu, como estou sempre carregado de figurinos em casa, pensei: 'Bom, para outrar eu vou ter que achar um jeito de criar múltiplos, de criar uma imagem de muitos...”Heterónimos?“Heterónimos, exacto, que seria essa saia, essa calça, esse pijama. Então, fui juntando coisas que eu já tinha de outras peças e quando cheguei no estúdio, eu tinha uma semana e meia para fazer isso, foi muito rápido, e decidi fazer essa figura que está carregada, que é densa e virou essa cebola. Eu chamo muito essa figura de uma cebola viva porque ela está cheia de camadas e o nó dela, o umbigo dela, o centro dela, se confunde com a periferia. Então, é por isso que é como se eu tivesse ali dentro uma interioridade vibrando, pulsando, e é por isso que ela tem que ser revelada também no final. Eu tenho que descascar a cebola, então vou tirando as minhas camadas e ela de cebola vira uma sereia.”O problema é que quando descascamos uma cebola, ficamos a chorar. Em tempos de extremismos, de polarizações políticas, esta peça, este “outrar” tem também algum significado político? “Tem sobretudo, para mim, uma vontade muito grande de valorizar o discurso e a potência do artista. Eu acho que é uma das coisas que eu mais sinto ameaçadas. Ameaçada hoje neste contexto, falando da questão da arte em si. Acho que a primeira coisa que eu queria lembrar é de a gente poder renovar o espaço de encontro e de uma imaginação forte que a gente pode ter quando a gente está em contextos artísticos, quando a gente se reúne para assistir uma peça de 30 minutos e que a gente testemunha de uma transformação. Acho que essa é a primeira camada que eu gostaria de salientar.A segunda é lembrar a tragédia em que está o nosso mundo. Eu acho que quando entro para dançar, eu venho carregado dessa tragédia que é essa tragédia do fascismo, que é essa tragédia do corte do orçamento para a cultura, que é essa vontade de ir para Marte explorar, essa vontade de carro voador, esse delírio do homem, do patriarcado virilista de querer sempre mais, essa ganância. Eu estou fazendo tudo com os trapos, com as roupas que eu encontrei para construir uma figura que vem para lembrar a gente do que a gente precisa, talvez das coisas mais básicas que é vestir, comer, dormir, deitar, sentar, olhar para o outro, dançar, festejar, voltar um pouco para as nossas acções mais básicas e eu acho que a dança é uma ferramenta essencial para isso e pouquíssimo valorizada.”Pode falar-nos um pouco mais da sua colaboração com a Lia Rodrigues? Como é que surgiu o convite? “Eu trabalhei com a Lia entre 2008 e 2011,  dos meus 21 aos meus 24 anos, foi um processo muito marcante na minha vida e isso resultou numa relação muito querida, muito gostosa, muito actualizada também. A gente está sempre em conexão, sempre conversando, sempre trocando. É uma presença que ficou muito marcante na minha vida.Acho que as coisas que a gente faz muito jovem são muito determinantes nas nossas vidas. Eu vi a Lia quando tinha 14 anos, lá no interior de Santa Catarina, lá num lugar perdido no fundo do Brasil, no sul do Brasil, eu vi o trabalho da Lia e a partir dali eu quis dançar com ela. Então, depois de ter visto o trabalho com 14 anos, eu entrei na companhia dela com 21 anos. Com 24, deixei a companhia dela para vir morar na França e estudar na França.”E desde então vive em Paris?“E desde então estou aqui. Este trabalho é de 2021, então foi quase dez anos depois que a gente voltou a colaborar através dessa ideia do Outrar, que foi um encontro feito dessa natureza, diante de um contexto pandémico: “Eu não posso ir. Você iria no meu lugar?” Então ela manteve o projecto também, que era uma coisa importante para a sobrevivência da companhia dela. Eu fui lá e criei um projecto a partir da trilha sonora que ela me mandou.”Ou seja, em vez de fechar, o confinamento, para si, abriu qualquer coisa. E para ela também…“Sim, eu estava fazendo um outro projecto no meio desse caminho e este projecto foi como um sopro de fazer alguma coisa nesse estado da pandemia, que era um estado onde a gente não tinha mais a capacidade de antecipar as coisas, que na França tudo é muito antecipado, tudo é muito programado, tudo é muito articulado, com muita antecedência. E nesse momento na nossa vida não estava muito para se programar. A gente não sabia nem quando a gente ia parar de estar confinado, quando a gente ia voltar a sair de casa, as regras mudavam a toda a hora. Então, apareceu essa oportunidade que veio assim como um sopro mesmo. Eu apanhei isso, agarrei isso com muito carinho, muito desejo e com muita espontaneidade. Tipo: 'O que eu tenho em casa? O que eu posso fazer hoje?' Esse vocabulário corporal eu estava trabalhando já em algum momento para fazer essas outras peças , eu metabolizei isso de um jeito e virou este trabalho.”É autor de um ensaio sobre figuras da marginalidade na dança contemporânea, intitulado “Ex-corpo”. Que figuras são estas e até que ponto é que se inscreve nessa linhagem? “Esse livro é uma tese que eu defendi na [Universidade] Paris VIII, uma tese que estava muito voltada para uma ideia de analisar peças que marcaram a minha vida de espectador e que me impulsionaram a entrar na dança. Não são peças com as quais eu construiria necessariamente uma relação de filiação, mas uma relação de afinidade. Peças como Luiz de Abreu, “O Samba do Crioulo Doido”, peças do Marcelo Evelin, “Batucada”, “De repente fica tudo preto de gente”, a peça da Micheline Torres “Histórias de Pessoas e Lugares”.São peças que marcaram a minha vida e são peças que, de alguma forma, estão abordando o que é hoje em dia colocar em cena, como é que a dança contemporânea acolhe um corpo negro, acolhe a questão do corpo migrante, acolhe os movimentos de massa, os movimentos de insurreição. Eu estava interessado nessa força da subversão daquilo que está instituído como marginalizado e que aparece justamente num contexto que permite que a gente mude a nossa maneira de receber a marginalidade, que mude a nossa maneira de conceber o corpo do outro, até que ponto o nosso corpo está submetido a um olhar que vem designá-lo como um corpo marginalizado. Então, são esses processos que me interessam. Esses artistas são artistas muito importantes na minha história. Eu quis analisar como é que eles se interessam ao público, como é que eles se vestem para entrar em cena, como é que eles organizam a dramaturgia, como é que eles passam de uma cena para outra. São artistas muito inspiradores para mim, assim como a Lia.Eu acho que eu estudei não na tentativa de tentar imitá-los - mas que a imitação é uma coisa muito típica da dança e quando a gente imita, a gente também se auto-imita, imita coisas de nós mesmos que a gente talvez desconheça até. Mas eu acho que o lugar deste livro foi mais de conhecer, de aprender como é que essas pessoas que tanto me marcaram fazem, como é que eu posso estudá-las para entender como é que eu faço também. Porque às vezes eu faço muitas coisas que eu não sei exactamente o que eu estou fazendo. Eu reclamo e reivindico muito essa parte inconsciente do trabalho.”

    "Traducteur de pluies", a primeira coletânea de poemas de Mia Couto em francês

    Play Episode Listen Later Mar 4, 2025 9:12


    A editora Éditions Chandeigne apresentou a livro Tradutor de Chuvas ao público francês. Traducteur de pluies é a primeira versão francesa de um livro de poesia do escrito moçambicano Mia Couto. A tradutora Elisabeth Monteiro Rodrigues reflecte sobre os desafios da adaptação, destacando o processo criativo e lembra que traduzir a poesia de Mia Couto exige recriar a experiência poética na língua, lidando com palavras inventadas. RFI: O que a levou a traduzir a obra de Mia Couto, especialmente esta primeira coletânea poética publicada em francês?Elisabeth Monteiro Rodrigues: Esta é a continuação do meu trabalho iniciado em 2005, quando comecei a traduzir a obra de Mia Couto para o francês. Para mim, foi uma forma de perceber como o poema constitui o núcleo dos romances e dos contos do Mia, como, na verdade, da poesia nasce a prosa.Imagino que traduzir Mia Couto seja fascinante. Quais são os desafios dessa tradução? É uma continuidade, porque até na prosa a escrita do Mia é imensamente poética. Neste livro, Tradutor de Chuvas, o principal desafio foi encontrar uma forma de simplicidade e delicadeza – algo sempre difícil quando se trata de poesia –, sem perder as imagens e os sons. Além disso, há também algumas criações, como no poema A Casa, que termina assim:E tanto em mim demoraram as esperasQue me fui trocando por soalhoE me converti em sonolenta da janela.Aqui temos a palavra "sonolenta", uma fusão de "sonho" e "sonolento". Para a tradução em francês, recorri ao mesmo processo criativo. Assim, essa palavra foi traduzida como rêvenolante, mantendo a ideia original.O seu trabalho passa também por um exercício de criação?Sim, eu tento. Todo o trabalho de tradução é também um trabalho de criação, porque é necessário recriar, na língua de chegada, aquilo que o autor fez na língua original – neste caso, o português. No caso de Mia Couto, esse processo de invenção de palavras é muito presente, mas não se trata apenas das palavras. Sobretudo em Tradutor de Chuvas, o desafio maior foi encontrar a palavra justa, aquela que surge no momento adequado.Imagino que isso traga dificuldades, mas também deve ser desafiador tentar encontrar a palavra correcta para cada estrofe, respeitando o sentido imaginado pelo autor – neste caso, Mia Couto.Sim, e às vezes temos que esperar que a palavra certa apareça.E ela pode demorar a chegar?Sim, pode demorar meses.Como é o dia a dia de um tradutor?Começo de manhã lendo alguns livros que me acompanham durante o processo de tradução. Depois, começo a trabalhar nas páginas do texto que estou a traduzir. Se não encontro a palavra certa, deixo de lado e faço outra coisa – até tarefas domésticas. E muitas vezes, ao realizar outras actividades, as palavras surgem naturalmente.Foi mais fácil traduzir a coletânea poética Tradutor de Chuvas por já conhecer a escrita de Mia Couto e já ter traduzido a sua prosa?Sim. Mas, na verdade, cada livro é diferente. Mesmo conhecendo bem a obra do Mia – já traduzi cerca de 15 livros –, tento sempre abordá-la como se fosse a primeira vez. Cada texto exige um trabalho diferente, uma disponibilidade própria. O livro impõe a sua forma de escrita e, consequentemente, a sua forma de tradução.Como é que conseguiu manter-se fiel ao texto original e, ao mesmo tempo, torná-lo compreensível para o público francófono?No caso de Tradutor de Chuvas, o desafio foi ainda maior porque se trata de um livro muito pessoal, que aborda a infância de Mia Couto e a memória do seu pai.A memória, a saudade...Sim, exactamente. O próprio Mia Couto dá, neste livro, uma definição muito poética de saudade:Saudade é o que ficou do que nunca fomosE como se traduz saudade para o francês?Diz-se sempre que "saudade" não tem tradução. Depende do contexto. Mas, neste caso específico, mantive a palavra original. Em francês, ficou algo como: "la saudade c est ce qui reste de ce que nous n'avons jamais été".Esse trabalho de mediação entre a língua portuguesa e a francesa é algo presente na sua carreira. Como é para si, que trabalha com vários autores lusófonos, como Lídia Jorge, por exemplo, lidar com estilos tão diferentes? Suponho que precise entrar no universo de cada escritor?Sim, e é isso que torna a tradução tão fascinante. Cada livro é um mergulho no mundo particular do autor. No caso da mediação cultural, um bom exemplo foi a tradução de Terra Sonâmbula, que traz toda a história de Moçambique. A língua portuguesa, tal como falada em Moçambique, tem as suas particularidades. Além disso, Mia Couto faz empréstimos de palavras de línguas africanas, e muitas delas não são traduzidas. Ele costuma incluir glossários nos seus livros, e eu mantive essa abordagem na tradução para o francês. É uma forma de levar outra cultura para o leitor francófono.Em algum momento, entra em contacto com o autor para esclarecer dúvidas sobre passagens específicas?Sim, mantemos contacto por e-mail. Costumo enviar-lhe perguntas sobre certos trechos, às vezes sobre aspectos históricos de Moçambique que não encontrei nas minhas leituras. O diálogo é frequente.Tem expectativas em relação à receção desta primeira coletânea poética de Mia Couto pelo público francês?Sim. Gostaria que os leitores francófonos descobrissem essa vertente poética da obra de Mia Couto, que ainda não tinha sido publicada em França. E que pudessem, através dela, entrar em contacto com essa outra definição de saudade – um conceito tão importante na literatura e na cultura de língua portuguesa.

    Delegação em França da Gulbenkian apresentou programa dos 60 anos

    Play Episode Listen Later Mar 3, 2025 10:14


    A delegação em França da Fundação Calouste Gulbenkian faz 60 anos e o programa de aniversário apoia vários eventos com artistas lusófonos. Há parcerias com o Festival de Avignon, o Festival de Outono, o Théâtre de la Ville de Paris e a Bienal de Dança de Lyon, mas há, também, dois novos festivais: um de músicas da diáspora ("Lisboa nu bai Paris") e outro de dança, filme e artes visuais ("Les Jardins de l'Avenir"). Na prática, a agenda cultural francesa vai contar, ao longo do ano, com nomes como Marlene Monteiro Freitas, Tânia Carvalho, Vera Mantero, Joana Craveiro, Dino D'Santiago, Branko, Maro, Camané, Mário Laginha, B Fachada e muitos mais. O programa foi apresentado esta segunda-feira, no Théâtre de la Ville, em Paris, por Miguel Magalhães, director da delegação em França da Fundação Gulbenkian. Há teatro e dança, com Marlene Monteiro Freitas, Tânia Carvalho, Vera Mantero e Joana Craveiro, música com Dino D'Santiago, Branko, Maro, Camané, Mário Laginha e B Fachada. Há, ainda, cinema, conferências, residências e exposições, entre muitos eventos.Um dos momentos centrais é o apoio ao espectáculo de Marlene Monteiro Freitas que vai abrir a edição deste ano do Festival de Avignon, dirigido pelo português Tiago Rodrigues. A peça vai estar, mais tarde, no Festival de Outono, em Paris, com o qual a delegação francesa da Gulbenkian volta a colaborar. Além da programação de Marlene Monteiro Freitas nesse festival, há, ainda, um espectáculo de dança de Tânia Carvalho e Israel Galvan e outra performance encenada por Tânia Carvalho com alunos dos conservatórios de Paris e Lyon em torno do centenário de Pierre Boulez.No Théâtre de la Ville - Sarah Bernhardt, a Gulbenkian vai apoiar o festival de artes do palco Chantiers d'Europe, que nesta edição reúne artistas de sete países, incluindo de Portugal. A 9 de Junho, o Théâtre de la Ville –Sarah Bernhardt, é palco de um encontro entre música clássica e fado tradicional, com a Orquestra Filarmónica Portuguesa, Camané e Mário Laginha. O autor e compositor B Fachada sobe a palco a 5 de Junho no Théâtre de la Ville-Les Abbesses. De 10 a 15 de Junho, Joana Craveiro apresenta-se, pela segunda vez, neste festival, agora com a peça de teatro “Intimidades com a Terra”. Na dança, Tânia Carvalho e um bailarino do Ballet National de Marselha / (La) Horde sobem ao palco a 28 e 29 de Junho.Ainda no Théâtre de la Ville - Sarah Bernhardt, em Maio e Setembro, estão previstas leituras, encontros e criações em torno da obra que, em 1972, abalou e foi proibida pela ditadura - “Novas Cartas Portuguesas” - de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa. A delegação em França da Gulbenkian também apoiou uma nova tradução para francês da obra, por Ilda Mendes dos Santos e Agnès Levecot, a qual chega às livrarias a 18 de Abril.A 7 e 8 de Junho, no Parque Enclos Calouste Gulbenkian, em Deauville, acontece a primeira edição de “Les Jardins d'Avenir”, um festival entre dança, filme e artes visuais. Nestes jardins, vão ser apresentadas, por exemplo, a peça “L'oracle végétal” das coreógrafas Ola Maciejewska e Vera Mantero e a performance participativa de Ana Rita Teodoro e Alina Folini. Há, ainda, uma projeção de filmes de Jorge Jácome e Ana Vaz e obras plásticas de Christodoulos Panayotou e Elsa Sahal.A encerrar o programa de aniversário, está o festival de músicas urbanas de inspiração africana “Lisboa nu bai Paris”, comissariado por Dino D'Santiago e que vai decorrer na Gaité Lyrique, em Paris, no final do ano.Nas artes visuais, a delegação promove várias residências artísticas e curatoriais em França para artistas e comissários lusófonos. Este ano, por exemplo, a artista moçambicana Lizette Chirrime vai estar três meses em Paris no âmbito do programa Gulbenkian -Thanks for Nothing.Para reforçar a divulgação da criação portuguesa em França, a delegação continua o programa “Expositions Gulbenkian”, um apoio que se destina às instituições culturais que pretendam mostrar artistas portugueses.A Biblioteca Gulbenkian de Paris vai organizar, ainda, conferências e jornadas de estudo em torno dos 500 anos do nascimento de Luís de Camões. Por outro lado, a realizadora francesa Claire Denis está a preparar um filme sobre a “Ode Marítima” de Fernando Pessoa.A agenda dos 60 anos conta, também, com o lançamento do podcast “Parcours d'artistes”, uma série sobre histórias de artistas portugueses que viveram ou vivem entre Paris e Lisboa.

    Manuela Marques “documenta poeticamente o mundo” em colecção de fotografia portuguesa

    Play Episode Listen Later Feb 11, 2025 16:47


    Manuela Marques é a mais recente autora a entrar na colecção dedicada aos fotógrafos portugueses contemporâneos, a “Série Ph.". A obra foi apresentada nas Éditions Loco, em Paris, a 7 de Fevereiro, e foi a oportunidade para a RFI conversar com a artista que assume “documentar poeticamente o mundo”. Neste programa, falámos também com a crítica de arte Teresa Castro e com o editor da colecção Cláudio Garrudo sobre “a arte da atenção” da fotografia de Manuela Marques. A coleção Ph., editada pela Imprensa Nacional, publicou, desde 2017, monografias de Helena Almeida, Paulo Nozolino, Jorge Molder, Fernando Lemos, Daniel Blaufuks, Rita Barros, Jorge Luís Neto, António Júlio Duarte, Alfredo Cunha, Jorge Guerra, Ernesto de Sousa e José M. Rodrigues.Agora, o foco é dado a Manuela Marques, artista nascida em Portugal em 1959 e a viver em Paris há largos anos. Cláudio Garrudo, o editor da coleção, conta que o objectivo é “ter todos os grandes nomes da fotografia portuguesa” e Manuela Marques faz parte.Nós queremos, com esta colecção, ter todos os grandes nomes da fotografia portuguesa. Obviamente, não podíamos deixar a Manuela de fora com o trabalho que tem desenvolvido ao longo destes anos.Neste “Ph.13”, podemos ver obras realizadas por Manuela Marques entre 1986 e 2024, nas quais um dos fios condutores é a sua visão sobre a paisagem, sublimada para além da realidade imediata e dotada de uma visão intimista e poética.O livro conta com um texto da crítica de arte Teresa Castro, que descreve a fotografia de Manuela Marques como “a arte da atenção”, em que os espaços fotografados são habitados “física e emocionalmente” pela artista. Em conversa com a RFI, Teresa Castro descreve que essa “arte da atenção” está presente na forma de conceber processo criativo, mas também numa certa “ética do olhar” que se poderia resumir - talvez -no facto de ela "fotografar com a natureza" e não se limitar a tirar fotografias da natureza. A expressão ética da atenção parece-me englobar duas coisas muito importantes no trabalho da Manuela Marques. Por um lado, o próprio processo criativo está intimamente ligado a esta ideia da atenção e, e ao mesmo tempo, a uma ética do olhar. Há uma forma de a Manuela trazer, para o centro das imagens e para o primeiro plano, elementos naturais ou fenómenos naturais ignorados ou pouco valorizados pela imagem e, por isso, é que eu acho que o processo de criação tem a ver com uma exploração que é uma forma de tomar atenção às coisas da natureza, de atentar nos elementos naturais, de atentar na matéria. Esta forma de atenção é também uma forma de estar disponível para o mundo (…)Para mim, a ética do olhar é uma forma de fazer com que a nossa atenção não seja apenas um fenómeno perceptivo, mas é convidar-nos também a tomar atenção, por exemplo, aos seixos, aos pedregulhos, à luz, às plantas, às árvores. De facto, há uma série de elementos naturais que estão muito presentes no trabalho da Manuela Marques, mas eu diria que ela não faz tanto fotografias da natureza, ela fotografa com a natureza. Por isso, eu acho que há uma ética ambiental. Teresa Castro sublinha, ainda, à RFI que as imagens de Manuela Marques são “uma experiência completamente sensorial e poética”, ligadas não apenas aos jogos de reflexos, de luz, de enquadramentos e de matérias mas, também, “a uma dimensão quase alquímica”. Tanto é que, no texto do Ph.13, podemos ler que “as fotografias de Manuela Marques têm frequentemente o efeito de uma revelação. Vemos como se víssemos pela primeira vez”. Uma ideia que reforçou na entrevista.É isso mesmo. É ver como se víssemos, por exemplo, uma nuvem, uma pedra, um lago, como se o víssemos pela primeira vez. Como se essas coisas ainda fossem virgens no nosso olhar. A fotografia da Manuela tem essa capacidade de nos fazer sentir isso, que nunca tínhamos visto uma coisa até ela ter sido fotografada pela Manuela Marques. Muitas vezes, são coisas da natureza, mas não só. O trabalho da Manuela Marques não se exclui na questão da natureza, mas as imagens, as fotografias que ela faz têm essa capacidade de nos fazer sentir essa emoção de ver pela primeira vez. Fotografar é “documentar poeticamente o mundo”Para Manuela Marques, fotografar é “documentar poeticamente o mundo”, uma abordagem, talvez “alquímica”, que lhe foi revelada ainda em menina. Quanto à natureza e à paisagem, é aí que a magia opera e que o mistério do processo criativo acontece.Eu acho que há alguns pontos que são para mim essenciais nesta questão da natureza, da paisagem, que é uma matéria viva e em constante transformação. Para mim, no meu trabalho, suscita muito questionamento. É um questionamento que não pára. Eu nunca páro numa ideia da paisagem ou numa ideia da natureza. É uma constante questão, para mim, devido à ligação que temos de uma maneira muito forte e que esquecemos completamente. Então, essa questão reactiva um fio que se perdeu.Eu não tenho medo da palavra ‘poética'. Não acho que seja uma palavra feia, ou suja, ou não sei quê. Eu assumo totalmente a palavra. A questão é que eu não estou muito interessada por uma arte em que a pessoa compreende exactamente o que está a ver à primeira vista. Eu prefiro estar num campo que coloca mais questões do que dá respostas ao que está a ver. Eu acho que é, por isso, que escapa um pouco a essa questão da representação imediata do que se está a ver. É documentar poeticamente o mundo. Vencedora do Prémio BESPHOTO de fotografia, em 2011, Manuela Marques tem exposto em vários países. Em Portugal, por exemplo, destacam-se as exposições “Echoes of Nature”, no Museu Nacional de Arte Contemporânea de Lisboa (2022/2023), “Weather Station”, no Centro de Arte Arquipélago, nos Açores, (2019), “La face cachée du soleil”, na Fundação Calouste Gulbenkian (2017), “Temporada”, na Appleton Square, em Lisboa (2011), “Lá Fora”, na Fundação EDP, e “She is a Femme Fatale”, no Museu Coleção Berardo, ambas em 2009.Em França, expôs no Museu André Malraux, Le Havre (2022), no Centro de Arte Domaine de Kerguéhennec (2022), no Museu de Lodève (2019), no Centro de Arte Cyel em La Roche-sur-Yon (2019), no Centro Fotográfico Île-de-France, FRAC Auvergne e FRAC Normandie. O seu trabalho foi também exposto no Museu SAMoCA, em Riad, na Arábia Saudita (2024). No Brasil, teve uma exposição individual na Pinacoteca de São Paulo (2011) e participou em várias exposições colectivas no Museu de Arte Contemporânea de Niterói, no Museu de Arte Moderna de Brasília e no Centro de Arte Hélio Oiticica, no Rio de Janeiro. A sua obra está representada em várias colecções nacionais e internacionais, públicas e privadas.Oiça a entrevista neste programa.

    Maio vai ser o mês da Bienal de Arte e Cultura da Guiné-Bissau

    Play Episode Listen Later Feb 11, 2025 13:45


    A 1ª edição da Bienal de Arte e Cultura da Guiné-Bissau - Bienal MoAC Biss - vai decorrer de 1 a 31 de Maio, em vários espaços da capital guineense, e pretende colocar o país e os seus artistas no panorama mundial da arte contemporânea. Neste programa, falámos com o secretário da Bienal, Mamadu Alimo Djaló, e dois dos curadores do evento, Welket Bungué e António Spencer Embaló. Maio vai ser o mês da cultura em Bissau. A 1ª edição da Bienal de Arte e Cultura da Guiné-Bissau - Bienal MoAC Biss - decorre de 1 a 31 de Maio, em vários espaços da capital guineense. Mamadu Alimo Djaló, secretário da Bienal, promete que “será um evento nunca visto na Guiné-Bissau” para que “a partir da cultura se dê vida à arte que se faz” no país.Esta bienal é um evento que vai acontecer em Bissau, em vários cantos da cidade – centros culturais, jardins públicos e também espaços abertos. Nesses espaços vão acontecer actividades ligadas à arte e à cultura na Guiné-Bissau e  também demonstradas a partir dos guineenses na diáspoora, mas também vai acontecer com artistas internacionais que virão à Guiné-Bissau fazer intercâmbio com artistas nacionais. É um evento que durará um mês inteiro, de 1 a 31 de Maio, será um evento nunca antes visto na Guiné e que vai catapultar aquilo que se vive em termos artísticos e culturais na Guiné-Bissau.O tema deste ano é “Mandjuandadi: Identidades em Liberdade”, a partir do conceito de “mandjuandadi”, uma tradição guineense, liderada por mulheres, de rodas comunitárias com cantos e partilha de histórias. No fundo, uma das formas mais populares de afirmação identitária guineense.Na agenda da Bienal MoAC Biss, há concertos, espectáculos de teatro, mostra de cinema, exposições de artes plásticas e visuais, workshops e palestras.A programação está dividida em cinco curadorias: artes plásticas e visuais, literatura, música, conferências e políticas públicas, assim como artes performativas e imagens em movimento. O actor e realizador Welket Bungué, curador para as artes performativas e imagens em movimento, falou-nos sobre a programação no cinema e no teatro, articulada em torno do tema da bienal.O nosso tema é a Mandjuandadi. Estamos a trazer espectáculos de teatro e performances que visam revisitar e celebrar, empoderando, a importância das histórias que têm o continente africano e especificamente a Guiné-Bissau e a sua multiculturalidade como ponto focal, como algo que precisa ser revisitado, reestruturado e celebrado nas suas múltiplas dimensões (…) No cinema, temos 10 filmes seleccionados, algumas produções inéditas e outras premiadas. Vamos dar foco a filmes que tragam visões mais arrojadas, optimistas e reinventivas quanto às visões e possibilidades de convivência e de projeção do futuro do continente africano, sejam elas produzidas por artistas residentes no continente africano ou que venham da diáspora.Além de ser uma mostra do que fazem os artistas guineenses, a Bienal quer promover a produção e criação artística, gerar intercâmbios, iniciar o processo para que a língua guineense, o Kriol, aceda ao estatuto de património cultural nacional e lançar as sementes para um museu de arte moderna e contemporânea na Guiné-Bissau. Por isso, o evento vai ter conferências sobre temas definidos como “estruturantes” para o sector, detalhou-nos António Spencer Embaló, curador para as conferências e políticas públicas. Oiça o programa e as entrevistas nesta edição.

    “Sagração” do moçambicano Ídio Chichava em Paris foi uma ode à união

    Play Episode Listen Later Feb 10, 2025 11:33


    Os universos de três coreógrafos que trabalham em Moçambique, França e Estados Unidos juntaram-se em “Plenum / Anima”, uma composição coreográfica apresentada na Philarmonie de Paris, este fim-de-semana. Este é um espectáculo feito “em contra-mão do que se passa no mundo”, descreve Ídio Chichava, o coreógrafo moçambicano que revisitou a “Sagração da Primavera” de Igor Stravinsky e que mostrou que a "escola moçambicana de dança" deve reivindicar o seu lugar nos palcos internacionais.  Este sábado e domingo, na Philarmonie de Paris, o coreógrafo moçambicano Ídio Chichava revisitou a “Sagração da Primavera” de Igor Stravinsky num espectáculo em que foram apresentadas mais duas obras dos coreógrafos Benjamin Millepied e Jobel Medina. Foi uma composição de três peças coreográficas de três criadores que têm escrito a sua história no mundo da dança graças às suas experiências migratórias: Chichava vive entre Moçambique e a França, Millepied entre a França e os Estados Unidos e Medina nasceu nas Filipinas e vive e trabalha em Los Angeles.Numa altura em que se erguem muros e fronteiras, os universos dos três criadores juntaram-se na composição “Plenum / Anima”, um espectáculo feito “em contra-mão do que se passa no mundo”, nas palavras de Ídio Chichava, que falou com a RFI no dia da estreia.O espectáculo tem um sentido muito forte que vai em contra-mão do que está a acontecer hoje no mundo. Na verdade, há estes três universos que se vão cruzar e que vão estar abertos à exposição e à compreensão e ao olhar mais outras pessoas. Para mim, este lugar que é muito mais humano, mas, por detrás disso, a interligação e o espaço em que todos nós podemos coexistir, com pensamentos totalmente diferentes, com ideias totalmente diferentes, com apreciações totalmente diferentes, com aquilo que é a dança e ainda mais pela forma como cada um vê a dança e onde a dança é criada. Estamos a falar de um olhar que é muito mais cultivado pela França, um lugar que é muito cultivado pelos Estados Unidos e outro que é muito mais cultivado por Moçambique. Então, esta noite, para mim, é uma sagração desse encontro de pensamentos totalmente diferentes, mas que, de certa forma, fluem e mostram um lugar de harmonia.A composição “Plenum / Anima” começou com a obra coreográfica do francês Benjamin Millepied e da sua companhia baseada em Los Angeles, L.A. Dance Project, que dançou ao som de uma composição de Johann Sebastian Bach, “Passacaille et Fugue en ut mineur", composta entre 1706 e 1713. Seguiu-se a criação de Jobel Medina, a partir das “Danças Polovtsianas”, compostas em 1869 por Alexander Borodin. A fechar, Ídio Chichava apresentou a sua versão de “A Sagração da Primavera”, composta entre 1910 e 1913 por Igor Stravinsky, com bailarinos da companhia moçambicana Converge + (Osvaldo Passirivo, Paulo Inácio e Cristina Matola) e da companhia americana L.A. Dance Project.As músicas intemporais dos séculos XVIII, XIX e XX foram interpretadas pelos organistas francês Olivier Latry e sul-coreana Shin-Young Lee, que criaram um novo olhar sobre as obras de Borodin e Stravinsky, já que apenas a partitura de Bach foi pensada originalmente para ser tocada num órgão de tubos.Foi a partir deste lugar musical, descrito por Ídio Chichava como “mais orgânico e visceral”, que o coreógrafo desafiou um século de interpretações de “A Sagração da Primavera”. A sua proposta junta movimentos coreográficos de entrega, de luta e de resistência, a sons de cânticos de trabalho e de guerra, mas também afirma a escola moçambicana da dança como um lugar feito não apenas para se encaixar, mas também para se impor.A primeira vez que escutei ‘A Sagração da Primavera' de Stravinsky, sinceramente, fiquei completamente na selva porque a composição é muito eclética e, sinceramente não via a minha experiência como bailarino tradicional dentro daquela composição. Mas, mesmo assim, entrámos no desafio de desafiar o próprio tempo da música, o próprio ritmo da música e isso é que foi o primeiro chamativo para mim. Com a forma como nós aprendemos a dança em Moçambique podemos criar um contraponto, enriquecer mais a composição, trazer um outro olhar, uma outra apreciação diferente das que já têm sido apresentadas."A Sagração da Primavera” foi criada para um bailado apresentado pela primeira vez, em Paris, em 1913, no Teatro dos Campos Elísios, pela companhia Ballets Russes de Serge Diaghilev e coreografada por Nijinski,  tendo, então, sido apontada como um escândalo. Porém, foi-se tornando uma referência e, ao longo do século XX, foi trabalhada por diferentes coreógrafos, como Maurice Béjart (1959), Pina Bausch (1975), Martha Graham (1984), Angelin Preljocaj (2001), Xavier Le Roy (2007), Heddy Maalem (2004), entre muitos outros. A assinatura de Ídio Chichava foi defender "a escola moçambicana de dança" e “desafiar as leituras pré-concebidas para esta obra”.Eu venho sempre defendendo o lugar da nossa escola moçambicana de dança e de que forma ela se pode afirmar. Este foi o desafio, foi uma porta claríssima para desafiar, por um lado, as leituras que já são pré-concebidas para esta obra, e, de certa forma, foi também encaixar e partilhar com os outros bailarinos, que são americanos, a forma como nós aprendemos a música e a dança.Sobre o que é essa “escola moçambicana de dança”, Chichava explica que é “marcar o tempo e, de certa forma, fazer contratempos no contratempo da música.” Para isso, também contribuiu o facto de a música ser tocada, pela primeira vez num espectáculo de dança, em órgãos de tubos.O órgão já tem esse lugar que é muito orgânico. Ele dilui completamente aquele lugar mecânico da execução técnica da própria música. Depois, a forma como os dois músicos tocam, a sensibilidade, a escuta, isso cria uma segurança para nós em palco porque cria realmente esse lugar mais orgânico, mais de convivência. Tanto que não resisti, no final, em acabar a peça próximo dos músicos.Os bailarinos dançam, batem com os pés de forma sonante, marcham, levantam-se, entoam cânticos e deixam sair sons gerados pelos movimentos. Os corpos prendem-se e desprendem-se em busca de liberdade, mas também se deixam levar, por uma qualquer força telúrica, que os empurra para a terra-mãe ou para a força matricial do palco. Os figurinos são aparentemente simples, com cores associadas à natureza e à “adoração da Terra”, em referência à própria história da “Sagração da Primavera”, na qual uma jovem seria sacrificada como oferenda a uma entidade divina, conforme um ritual de Primavera. Um mote violento que - admite Ídio Chichava - o fez pensar na história contemporânea de Moçambique e que também fez da peça um “espelho e um reflexo da situação” no seu país.

    Morreu a escritora portuguesa Maria Teresa Horta

    Play Episode Listen Later Feb 4, 2025 23:20


    A escritora Maria Teresa Horta, uma das “Três Marias” do livro revolucionário “Novas Cartas Portuguesas”, morreu esta terça-feira, aos 87 anos. Há um ano, Maria Teresa Horta recordava à RFI como essa obra fez tremer a ditadura, num programa que aqui voltamos a publicar. O livro “Novas Cartas Portuguesas”, de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, foi uma revolução que, em 1972, ajudou a denunciar o regime ditatorial português ao mundo. A obra foi apreendida e as “Três Marias” foram para tribunal. A 5 de Fevereiro de 2024, aos 86 anos, Maria Teresa Horta recebeu a RFI na sua casa em Lisboa e falou-nos sobre os tempos em que as suas palavras tiveram um “efeito de bomba” sobre o fascismo. Um programa feito no âmbito dos  50 anos do 25 de Abril, em que a RFI falou com vários resistentes ao Estado Novo. “Eu acho que, naquela altura, em Portugal, não era nada estranho que este livro fosse tivesse esse efeito de bomba”, começa por dizer Maria Teresa Horta. E, de facto, o livro Novas Cartas Portuguesas, escrito por Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, teve o “efeito de uma bomba” durante o Estado Novo. Foi uma revolta sem armas que ajudou a denunciar o regime fascista português ao mundo.A obra foi publicada em 1972 e, pouco depois do lançamento, a primeira edição foi recolhida e destruída pela censura, dando origem ao processo judicial das “Três Marias”, movido pelo Estado português. A ditadura considerou o livro como “insanavelmente pornográfico e atentatório da moral pública” e as autoras estavam ameaçadas com uma pena entre seis meses a dois anos de prisão.Em causa, uma obra literária em que as mulheres falavam sem tabus do seu corpo, do desejo, mas também da violência e do estatuto social e político inferior de que eram vítimas. Denunciavam, também, a guerra colonial, a pobreza, a emigração, a violação sexual, o incesto, o aborto clandestino. O livro era, por isso, um perigo para o regime repressivo, retrógrado e fascista português e fez tremer o tecido político e social do país.Este livro, para mim, continua a ter o efeito da claridade. Naquela altura, num país fascista em que, na realidade, todos nós tínhamos uma tristeza intrínseca, uma revolta interior imensa, e exterior, nós só demos por que este livro até poderia ser perigoso, entre aspas, para nós, depois de ele ter sido proibido e ter havido aquilo tudo.As autoras de Novas Cartas Portuguesas já tinham publicado livros que considerados ousados no que toca àquilo que era esperado das mulheres. Maria Velho da Costa e Maria Isabel Barreno tinham lançado, em anos anteriores, livros que denunciavam a opressão e a secundarização da mulher: Maina Mendes (1969) e Os Legítimos Superiores (1970). Em 1971, Maria Teresa Horta também publicava Minha Senhora de Mim e desafiava a moral e os bons costumes do regime fascista com uma escrita revolucionária e erótica. Por causa da sua poesia, Maria Teresa Horta foi perseguida pela PIDE, violentamente espancada por três homens e foi parar ao hospital. Em vez de a calar, o episódio bárbaro foi um motor de revolta e incitou a escrita de Novas Cartas Portuguesas. “É um livro político, essencialmente político, feito num país fascista"“Quanto mais me proíbem, mais eu faço”, resume Maria Teresa Horta na sua sala estofada de livros, em Lisboa. O livro “parte de uma realidade horrível” que foi simplesmente esta: “No tempo do fascismo, eu fui espancada na rua pelos fascistas”. Depois, no encontro semanal com as amigas Maria Velho da Costa e Maria Isabel Barreno, ela contou-lhes o que aconteceu e, na semana seguinte, surge o primeiro texto de Novas Cartas Portuguesas. Assim começava a aventura literária e política desta obra escrita a seis mãos.A partir daqui partem as ‘Novas Cartas Portuguesas'. O começo é este. É muito importante. Não é um começo intelectual. É, na realidade, aquilo que o livro tem de mais interessante porque é realmente um livro de ficção, porque é realmente um livro intelectual, mas se for ver bem - e não é preciso vasculhar muito - é um livro político, essencialmente político, feito num país fascista.Em Maio de 1971 começa o processo de escrita do livro que durará nove meses. Em Abril de 1972 eram publicadas as Novas Cartas Portuguesas, pela editora Estúdios Cor, sob a direcção literária de Natália Correia, a escritora que em 1966 tinha sido condenada a três anos de prisão com pena suspensa pela publicação da Antologia da Poesia Portuguesa Erótica e Satírica, considerada “ofensiva dos costumes”. Ou seja, a obra que faz tremer o regime é escrita por três mulheres e editada por outra mulher. “Se a mulher se revolta contra o homem, nada fica intacto”, lê-se numa das cartas...“O livro foi feito por três mulheres e publicado por outra mulher e, naquela altura, estamos a falar de fascismo. Era fascismo puro e não havia mais ninguém que fosse capaz de fazer uma coisa dessas [publicar o livro] a não ser uma mulher”, acrescenta Maria Teresa Horta, lembrando que “as mulheres eram consideradas perigosas” se fugissem ao que se esperava delas socialmente.Recuemos no tempo: naquela altura [passaram pouco mais de 50 anos], na escola, a quarta classe apenas era obrigatória para os rapazes e os conteúdos curriculares reproduziam a lógica de submissão da mulher à esfera do lar e ao marido. Várias profissões estavam vedadas às mulheres, como a magistratura, a aviação e as forças de segurança. As discriminações salariais estavam consagradas na lei e o marido podia ficar com o ordenado da mulher e até proibi-la de trabalhar. Em 1946, o direito de voto foi alargado às mulheres chefes de família, mas retirado às mulheres casadas; o Código Civil de 1967 definia a família como chefiada pelo marido; era proibido o divórcio no casamento católico; a mulher precisava de autorização do marido para pedir passaporte e sair do país e a violência sobre as mulheres e as crianças não era criminalizada.Não espanta, por isso, que a censura se tenha apressado a retirar e a proibir Novas Cartas Portuguesas pouco depois da publicação. A seguir, “foi uma loucura”. Maria Teresa Horta recorda-se de ter sido surpreendida, na televisão, pelas palavras do presidente do Conselho, Marcello Caetano, no programa “Conversa em Família”. A poeta estava, precisamente, em família e ficou incrédula com o que ouviu.Marcello Caetano estava a fazer a ‘Crónica em Família', como se chamava e, de repente, diz: ‘Mas hoje tenho outra coisa a dizer: há três mulheres que não são dignas de ser portuguesas, Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno, Maria Velho da Costa, que publicaram um livro que é uma vergonha para qualquer português'... Extremamente indignada, foi aí que Maria Teresa Horta percebeu que “isto vai dar um sarilho desgraçado”. Mas foi muito mais do que um sarilho. Foi a tal bomba contra o regime e respondeu a uma das perguntas que as autoras deixam no livro “O que podem as palavras?” Vitória literária e política contra a ditaduraDepois da censura, da proibição e do processo judicial instaurado contra Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno, Maria Velho da Costa, surgiu uma enorme solidariedade que ultrapassou fronteiras e desencadeou protestos em vários países. Depois de banido, o livro foi imediatamente traduzido em França, Itália, Alemanha, Estados Unidos e é, até hoje, uma das obras portuguesas mais traduzidas em todo o mundo.Em França, Simone de Beauvoir, Marguerite Duras e Christiane Rochefort promoveram várias acções de luta, como a distribuição de panfletos, recolha de assinaturas para um abaixo-assinado entregue na Embaixada de Portugal em Paris e uma procissão das velas diante da Catedral de Notre-Dame. Também nos Estados Unidos e na Suécia se realizaram manifestações de apoio às “Três Marias”, e, nos Países Baixos, houve mulheres a ocuparem a Embaixada de Portugal. Em Junho de 1973, em Boston, na Conferência Internacional da National Organization of Women, em que participaram cerca de 400 mulheres, a luta das “Três Marias” constituiu-se como “a primeira causa feminista internacional”. Outro momento emblemático foi a leitura-espectáculo, a 21 de Outubro de 1973, “La Nuit des Femmes”, no Palais de Chaillot, em Paris, que deu origem ao documentário “Les Trois Portugaises” Delphine Seyrig (1974).A primeira sessão do julgamento decorreu no Tribunal da Boa Hora, em Lisboa, em Julho de 1973. No dia seguinte, começavam as férias judiciais, por isso, durante três meses as escritoras não voltaram ao tribunal. O início oficial ficou marcado para 25 de Outubro e a imprensa internacional estava de olhos postos nas “Três Marias”.Após sucessivos incidentes e adiamentos, o julgamento acabou por não acontecer graças à Revolução dos Cravos. Poucos dias depois do 25 de Abril de 1974, a 7 de Maio, a sentença foi lida, determinando a absolvição das “Três Marias”. O juiz Acácio Lopes Cardoso defendeu, então, que “o livro não é pornográfico, nem imoral” mas sim “obra de arte, de elevado nível, na sequência de outros que as autoras já produziram”.Para a história, ficou uma vitória literária e política de um livro escrito por três mulheres, com textos que cruzam poesia, romance, ensaio, contos e cartas, esbatendo noções de autoria e géneros literários e denunciando todos os temas censurados em plena ditadura.

    Artistas guineenses prestam tributo a Titina Silá, companheira de luta de Amílcar Cabral

    Play Episode Listen Later Jan 19, 2025 5:22


    A Casa da Cultura da Guiné-Bissau organizou um tributo à figura de Titina Silá, heroína nacional e companheira de luta de Amílcar Cabral, através de uma exposição patente em Lisboa até 2 de Fevereiro, na Casa do Comum. Intitulada "Titinas em artes", a exposição procura debater o papel social e histórico da produção artística das mulheres guineenses.  Os tons oscilam entre o amarelo e o prateado. A tela é de pintura abstrata. Ao lado, a artista plástica Edna Évora, com o curador Nú Barreto. Juntos, vão acolhendo os primeiros convidados. O evento, organizado pela Casa da Cultura da Guiné-Bissau, reuniu uma centena de pessoas com a presença metafórica de uma personalidade, a heroína nacional e combatente pela independência Titina Silá, e uma questão subjacente: o que é a identidade guineense?Uma pergunta à qual a artista Edna Evora responde com a noção de diversidade e do legado dos antepassados."A identidade guineense somos todos nós. Temos que saber viver juntos na nossa diversidade. Quando eu me exprimo através da minha pintura, que é abstracta... Escrevo de uma certa forma. Pode ser de uma maneira diferente, mas talvez esteja a dizer a mesma coisa que outro artista, que um outro pintor que faz hiper-realismo, ou outra artista que faz escultura.A ideia é ousar a liberdade, porque alguém, atrás de nós, lutou por essa liberdade. É o legado de toda uma geração... Graças a quem temos, hoje, a liberdade de poder exprimir a nossa cultura. Então, de uma certa forma, Titina Silá e todas as outras estão de uma certa forma inseridas no nosso trabalho. Elas é que nos ajudam a pegar no pincel e a ir à frente."Afinal, quem era Titina Silá? Nascida em 1943 em Cadique, na região de Tombali, na Guiné-Bissau, Titina Silá assistiu ao massacre dos estivadores do porto de Pidjiguiti que exigiam melhores condições de trabalho e foram assassinados pela repressão do exército colonial. Titina Silá formou-se na União Soviética, onde realizou um estágio político e uma formação em socorrismo. De regresso à Guiné-Bissau, tornou-se líder na luta contra as forças coloniais, sendo que dirigiu, de acordo com fontes diversas, um comando de mais de mil homens, lutadores pela independência da Guiné-Bissau e de Cabo Verde. Titina Silá acabou por ser assassinada em 1973 numa emboscada do exército colonial português, no momento em que se dirigia ao funeral de Amílcar Cabral, morto dez dias antes.  O tributo prestado a Titina Silá através desta exposição insere-se no âmbito das celebrações do centenário do seu camarada de luta, Amílcar Cabral. O curador da exposição e também artista-plástico Nú Barreto debruça-se sobre o trabalho das outras duas artistas da exposição, Cunca na escultura e Thayra Correia no design. Ambas convidadas tanto pelo seu talento, como pela coragem de estarem na vanguarda da arte que realizam. "Enquanto curador da exposição, tive a ousadia de juntar as gerações mais novas com trabalhos completamente opostos. Uma faz pintura, outra é designer, outra faz esculturas", começa Nú Barreto."São profissões que, na Guiné-Bissau, não se vêem muito. Pegando no trabalho da Edna, por exemplo, é um trabalho completamente oposto daquilo que se faz, com um pendor muito virado para o simbolismo, no oposto do nosso hiper-realismo.Gosto muito dessa questão da ambivalência na oposição. Porque abre a liberdade expressiva, abre um outro caminho, mostrando que é possível ser diferente de si mesmo. Estamos a construir algo juntos, mas podemos ter liberdades diferentes. Isso é o que eu gosto no trabalho dessas três artistas." Combatentes nas artes como Titina Sila na luta pela independência, estas três artistas guineenses, cada uma à sua maneira também, cada uma com a sua arte, produzem significados e passam mensagens.Para Edna Evora, o importante é que a arta consiga "apaziguar", criar pontes, construir casas comuns mesmo que com linguagens diferentes. "Quaisquer que sejam as divergências, temos que ter a inteligência de funcionar juntos. Se têm apetência para a arte: usem, façam, mostrem. Não fiquem escondidos. Podemos dizer muita coisa com a arte, temos que ousar."E, como diz Nú Barreto, "a arte é política... e a política é arte". Por falar em política, foi possível cruzar-se com o presidente do Parlamento guineense Domingos Simões Pereira, entre um quadro de pintura abstrata e uma escultura hiper-realista. O líder político tece pontes entre política e arte, sendo esta última parte integrante, a seu ver, do processo de independência."Como [Amílcar] Cabral dizia, a própria luta de libertação nacional é um acto de cultura. Porque só um povo cioso da sua identidade, cioso do seu desenvolvimento, assume o propósito da sua libertação. Tendo um líder com esta visão da importância da cultura, e tendo Lisboa como uma capital que abriga um número bastante importante da diáspora guineense, eu penso que conjugam muito bem para que a Guiné-Bissau não continue a fazer títulos só pelos piores motivos, mas que seja capaz de exibir obras de gente da cultura, de gente que pensa a nossa identidade e nos projecta de forma positiva. Enche-nos de orgulho."A exposição Titinas em Artes, patente até dia 2 de fevereiro, enquadra-se nas celebrações do primeiro aniversário da Casa da Cultura da Guiné-Bissau, em Lisboa. 

    António Feijó Júnior publica novo livro sobre petróleo angolano

    Play Episode Listen Later Jan 10, 2025 12:51


    António Feijó Júnior apresentou recentemente, em Lisboa, o livro "Refinação, armazenagem, distribuição e comercialização de derivados do petróleo. O papel dos biocombustíveis". A RFI falou com o autor sobre as novas refinarias a serem construídas em Angola, a exportação de derivados do petróleo para países vizinhos, a indústria petroquímica, os biocombustíveis e a redução da emissão de CO2. Oiça aqui. António Feijó Júnior tem largos anos de experiência na indústria petrolífera, em Angola e no estrangeiro, no sector público e privado. O vasto conhecimento técnico, acumulado ao longo de uma vida profissional dedicada ao "ouro negro" permite-lhe tornar acessível a complexidade da indústria petrolífera.Depois de em 2017 ter lançado o livro "Petróleo uma indústria globalizada", um trabalho com foco no "upstream", que compreende as actividades de exploração e produção de petróleo, António Feijó Júnior apresentou recentemente, em Lisboa, o livro "Refinação, armazenagem, distribuição e comercialização de derivados do petróleo. O papel dos biocombustíveis" editado pela Perfil Criativo - Edições. A obra, pensada e executada com rigor, proporciona um entendimento sobre a cadeia de "downstream", que engloba o processamento do petróleo bruto e o escoamento dos derivados a serem consumidos.A RFI aproveitou a presença de António Feijó Júnior em Portugal para uma entrevista em que, entre outros temas, se fala das novas refinarias a serem construídas em Angola, da exportação de derivados do petróleo para os países vizinhos de Angola, da indústria petroquímica, dos biocombustíveis e a redução da emissão de CO2 ou a utilização de terras aráveis para a produção de biocombustíveis.

    "Parece que há ordem expressiva para matar" em Moçambique

    Play Episode Listen Later Dec 29, 2024 11:00


    A plataforma eleitoral Decide tem acompanhado e observado de perto a contestação pós-eleitoral em Moçambique. No final do mês de Dezembro, passados dois meses de contestação pós-eleitorais e violências em todo o país, a plataforma Decide publicou um relatório completo referente às mortes, aos baleamentos e às detenções em todo o país para cada fase das manifestações.  Em dois meses, mais de 260 pessoas perderam a vida em Moçambique. O que consta no relatório, é que algumas destas vítimas foram assassinadas nos quintais das suas próprias casas, ou a regressar do trabalho. Outra informação a destacar: a província de Nampula regista o maior número de mortes em todo o país em três das quatro fases das manifestações. Wilker Dias, coordenador da plataforma eleitoral Decide, cujos balanços são citados pela imprensa internacional, explicou-nos como foi realizado este relatório, relata as denúncias que têm recebido e faz uma antevisão das semanas que vêem. RFI: Como procederam para monitorizar o número de mortos, feridos e detidos ao longo dos dois meses, qual foi a metodologia implementada para a realização deste relatório ? Para fazer a recolha dos dados, criámos uma linha de denúncia, através da qual as pessoas puderam ligar e informar. Se tivesse alguém morto, teriam que apresentar evidências, vídeos e fotos. Criámos uma base de dados e a equipa de verificação faz a devida triagem e verificação.Depois temos uma equipa que faz o apoio directo às vítimas. Apoiamos famílias que perderam os seus entes queridos através de um pequeno fundo, alocado pela Geração 18 de Março. Estamos a trabalhar em comunhão com a Ordem dos Enfermeiros e com a Ordem dos Advogados, com quem partilhamos a informação e fazemos uma troca de dados.RFI: Com todos estes dados recolhidos, a que conclusão é que chegaram ? Qual é a informação que se destaca ?O que mais nos surpreendeu primeiro foi o número de baleados, um número muito alto. Estamos a falar de pouco mais de 500 baleados, e este número poderá atingir a casa dos 600 ainda ao longo do dia de hoje ou amanhã [30 de Dezembro].O número de mortos é extremamente assustador e ainda não tínhamos incluído a fase V8, uma fase que já supera o número de mortos nestes dois últimos meses de manifestações. Ou seja, em três dias nós tivemos uma cifra de pouco mais de 250 mortos e 175 foram apenas em três dias nesta última fase.São números muito assustadores e destaca-se a província de Nampula como um dos principais locais onde há maior número de mortos, mas também de violações de natureza diversa. RFI: A província de Nampula consta como a zona do país com o maior número de mortos em três das quatro fases de manifestações. Ou seja, quase todas, de acordo com o vosso relatório. Como é que explica que haja mais violências deste tipo no centro e no norte do país do que no epicentro dos protestos em Maputo ?Isto tem muito a ver com os comandantes da polícia que estão afectos aos diversos pontos desta província. Se formos olhar o caso concreto da província da cidade de Nacala, é onde temos recebido mais reclamações sobre a actuação do comandante e da polícia a nível da protecção dos cidadãos.Temos vários casos em que o comandante da polícia entrou e disparou dentro do hospital contra pessoas que estavam a receber a assistência hospitalar. Temos outros casos também em Nampula, em que só pelo facto de as pessoas estarem a manifestar, o comandante dava ordens para disparar simplesmente.E é por isso que temos um índice muito alto, tanto de baleados, como de mortos e também de detidos, porque o nível de preparação e de gestão destes casos é muito, muito baixo. Deixa muito a desejar neste ponto do país.RFI: Há então um descontrolo por parte da polícia ?Parece que há ordem expressiva para matar, porque, por exemplo, tivemos o caso de uma senhora que estave na sua barraca a vender e a polícia acabou alvejando-a.Na maior parte dos casos, os tiros que eram disparados para as pessoas não eram com o intuito de dispersar, mas sim para matar.E são vários os casos que temos aqui documentado nos mercados e etc, com evidências que demonstram que há essa intenção de matar e não propriamente de dispersar as pessoas.RFI: E um dos pontos marcantes deste relatório tem a ver com a causa das mortes, porque várias vítimas foram assassinadas, por exemplo, dentro das suas casas ou a regressar do trabalho....A maior parte dos casos que verificámos são pessoas que estavam a voltar do posto de trabalho ou estavam a voltar da machamba ou estavam dentro das suas residências e acabaram sendo atingidas por balas.Nós tivemos um caso em Nampula em que foram três pessoas dentro de um quintal que acabaram perdendo a vida, tendo sido alvejadas pela polícia. Tivemos também um outro caso em que um camponês foi baleado também enquanto acabava de regressar da machamba.Trata-se do senhor Félix, que em Chimoio foi baleado no seu próprio quintal e ele acabava de regressar da machamba.RFI: Estamos portanto a falar de homicídios realizados fora do contexto de manifestações. Na sua opinião, estes homicídios obedecem a ordens ou trata-se de descontroles por parte de agentes de polícia de forma individual ?São realizados a mando do comandante da Polícia Geral da Polícia, senhor Bernadino Rafael e sob conhecimento do ministro do Interior automaticamente, e também com conhecimento do Presidente da República, na qualidade de Comandante Chefe das Forças Armadas de Defesa de Moçambique. De certeza, porque se não fosse isso, já teríamos um pronunciamento acerca dessas mortes ao longo desses dois meses. E isso não aconteceu.RFI: O balanço real poderá ser ainda muito maior do que consta no vosso relatório, por conta de muitas mortes que passaram debaixo dos radares ?Já contabilizamos até agora sim 275 mortos. Mas temos indicações e temos recebido muitos pedidos de socorro e muitas mensagens sobre mortes em diversos sítios. Infelizmente não temos recebido as evidências devido ao contexto por vezes que é muito tenso.Quando é assim, não é possível justificar.E temos uma outra situação. São denúncias frequentes em algumas unidades hospitalares, como por exemplo no Hospital José Macamo, em Maputo, em que temos recebido denúncias por parte de populares que fazem menção de que há corpos que chegam mortos, vítimas de balas, mas que no local médico são colocadas outras causas, como por exemplo, atropelamento. Isto é para reduzir as estatísticas. RFI: O que quereria dizer que o pessoal médico estaria voluntáriamente a esconder as causas dessas mortes ?Sim. Segundo essas denúncias que vamos recebendo, sim.RFI : Tem igualmento havido denúncias, nomeadamente por parte do opositor Venâncio Mondlane, da existência de valas comuns, para onde seriam levados alguns dos corpos assassinados, que as equipas médicas estariam a impedir de ser identificados. O que sabe disto?É neste cenário também que se impede a identificação de corpos para evitar que entrem nas estatísticas, porque já sabem de antemão que se está se a fazer um trabalho em torno disto para a responsabilização dos autores. Por este motivo existem valas comuns, para colocarem lá os corpos e não haver nenhuma responsabilização posteriormente.RFI: A equipa da plataforma Decide tem recebido ameaças?Já não. Só tivemos um caso de tentativa de sequestro no mês passado, de um dos nossos responsáveis de comunicação na cidade da Beira, mas foi prontamente socorrido por populares na zona de Esturro, na cidade da Beira. E depois disso não tivemos mais nenhum episódio.RFI: Que crédito dá à versão segundo a qual este caos e especificamente as fugas prisionais têm sido fomentadas pela Frelimo para justificar uma maior opressão?Na minha óptica, acho que não restam dúvidas que isto tudo é arquitectado para poder primeiro colocar o caos a nível das ruas, desviar as atenções daquilo que é o real motivo das manifestações, que é a verdade eleitoral.Há outro aspecto importante a destacar, é que a credibilidade da Polícia de Moçambique vê-se beliscada ao longo deste processo todo, não só agora nas manifestações, mas antes das manifestações também. A polícia já tinha a sua imagem beliscada. Veio a piorar agora. Aas pessoas em pânico vão clamar pela polícia para que ela, de forma automática, seja vista uma vez mais como herói e recupere a credibilidade. Por isso, na minha óptica, é tudo arquitectado.RFI: Como é que vê o futuro a partir de agora? Sabemos que a partir desta segunda feira, dia 30 de dezembro, Venâncio Mondlane vai anunciar medidas para uma nova fase. Como é que antevê esta próxima semana?Na próxima semana, não sei com muita certeza se poderemos ter uma fase caótica, mas tenho muitos questionamentos sobre a tranquilidade da semana da tomada de posse do candidato indicado pelo Conselho Constitucional como vencedor das eleições.Acredito que a semana mais complicada será mesmo essa. Acho que aí teremos muita agitação.RFI: Agitação devido a manifestações ou à potencial chegada a Moçambique de Venâncio Mondlane, que disse que iria tomar posse como presidente nesse mesmo dia ?Com ou sem Venâncio Mondlane, eu acredito que teremos momentos caóticos por conta das manifestações. Acredito que as pessoas vão à rua de qualquer das formas e poderemos, se calhar, ter mais sangue nas ruas.

    Macau a meio caminho na transição plena para soberania chinesa

    Play Episode Listen Later Dec 20, 2024 17:21


    Macau assinalava nesta sexta-feira metade do processo de transição de Portugal para a China, 25 anos, de um total de 50, no âmbito de uma região administrativa especial chinesa, como negociado entre Lisboa e Pequim.E isto na semana em que uma lei foi votada em Macau contemplando o despedimento de funcionários públicos caso sejam tidos como desleais para com o território ou com a China.  Para fazer um diagnóstico falámos com Paulo Rêgo, director do semanário Plataforma.Este admite haver pressões no território para que se adopte um registo que não belisque a China, à luz do que Pequim implementou na vizinha Hong Kong, após a repressão dos protestos pró democracia de 2019 e 2020, mas relativiza o peso da nova legislação.Há um juramento e uma declaração de fidelidade à função pública, bem como hà em Portugal, ou como decorre dos próprios contratos de privada. Se um funcionário do Plataforma, do meu jornal, não for fiel ao meu projecto, eu despeço-o. E, portanto, é verdade que há e tem havido, nomeadamente nos anos do COVID e do pós COVID, um recrudescimento claro e visível do discurso securitário e do discurso patriótico.Isso esteve ligado ao que aconteceu em Hong Kong, nomeadamente ?Tudo o que aconteceu em Hong Kong teve uma consequência e efeitos directos do que passou a acontecer em Macau, nomeadamente no discurso securitário e naquilo que aqui hoje se repete em cada esquina que é "Macau, governado pelas suas gentes", desde que sejam patriotas e tenham amor à Pátria.O Gabinete dos Assuntos para Macau e Hong Kong, em Pequim, já diz tudo no seu nome. O grupo de pessoas que toma decisões sobre as Regiões autónomas especiais toma decisões sobre as duas.E, portanto, o que aconteceu em Macau, onde não há sentimento anti-nacionalista, onde não há protestos anti-Pequim, que é uma pequena cidade que vive completamente dependente de Pequim decidir que pode ter dinheiro. Não é porque se Pequim não deixar virem os jogadores para Macau, Macau vai à falência.Portanto estamos no regime de "Um país, dois sistemas". Diz-me que, ao fim ao cabo, não havia problemas em Macau. Eu lembro-me, porém, que no passado chegou a haver protestos para assinalar a repressão em Tiananmen. Estes protestos agora já não existem !Não há protestos de Tiananmen, eles foram proibidos com um parecer jurídico do presidente do Tribunal de última instância, que toma posse como chefe do Executivo. Como aquilo que aconteceu em Hong Kong com os deputados que foram proibidos de se candidatarem, não é?Os chamados dissidentes ou independentistas, aqueles que a China decidiu que não cumpriam os critérios de amor à mãe pátria. Isso também aconteceu em Macau. Também houve deputados nas últimas eleições que foram proibidos de concorrer. Portanto, isso aconteceu. É uma mão dura de Pequim sobre qualquer movimento político dissidente ou contestatário. Mas a minha leitura enquanto jornalista e enquanto cidadão é que para aí. Eu convido qualquer ouvinte vosso a ir à www.Plataforma de Macau, ler os editoriais que eu escrevo sobre a China e sobre Macau, para perceberem que tem o mesmo tom e o mesmo grau de liberdade daqueles que você pode escrever sobre o presidente francês.Não há uma censura óbvia e uma submissão a Pequim ?Há uma pressão, uma pressão óbvia dos poderes nacionais para que toda a gente concorde com eles. Penso que em França também percebemos como é que isso se faz, não é? A questão é quando nós recebemos pressões, o que é que fazemos? Se resistirmos a elas e continuarmos a praticar jornalismo... O meu jornal tem dez anos, ainda cá está e 80% dos seus anunciantes são públicos. Portanto, não posso, eria desonesto da minha parte dizer que não é possível exercer a liberdade de opinião. Há pressões para que a nossa opinião seja concordante como o "mindset" nacional chinês, há !Falou de Sam Hou Fai que tomou posse como novo líder do executivo macaense. Pelo menos a parte lusófona enfatiza o facto de, pela primeira vez, ser um chefe do executivo que até fala português. Ele é um magistrado, como também já referiu. O que acha que poderá vir aí com a Nova Era, a era de Sam Hou Fai ?Eu não lhe chamaria a era de Sam Hou Fai. O Sam Hou Fai não é um político experiente e influente naquilo a que nós poderíamos chamar os "stakeholders" da política de Macau neste momento, não é ? Que são as elites económicas e políticas de Macau e o grau de influência crescente que as elites económicas e políticas chinesas têm na condução da região, por mais autónoma que ela se chame e por mais autónoma que tenha capacidade de ser. A China é, no mínimo, "stakeholder" das decisões. Não é um político influente e experiente. É um magistrado. Sim. Fala português, estudou em Coimbra e, é, portanto, é o primeiro chefe do Executivo bilíngue.Aliás, num governo formado por um chefe do Executivo e cinco secretários, portanto seis altos quadros dirigentes: Um secretário adjunto em Macau seria o equivalente a ministro. Digamos, se encararmos o chefe do Executivo como primeiro ministro, desses, seis, quatro são bilingues.Desses seis, todos são tecnocratas, ou seja, vêm da função pública. E todos eles, e a maioria deles, pelo menos, nem sequer nasceu em Macau.O Sam Hou Fai não é só o primeiro bilingue, também é o primeiro que não nasceu em Macau. Veio para Macau há muitos anos e, portanto, cumpriu os critérios mínimos para que alguém possa ser eleito chefe. Tem que residir em Macau pelo menos há 25 anos, para cumprir aquele preceito de Macau governado pelas suas gentes. Mas foi preparado para isso.Toda esta geração é uma geração com muitas conexões com o Partido Comunista Chinês, com o poder central e que vieram viver para Macau, aprenderam aqui o modo de vida de Macau, a Lei de Macau, o bilinguismo, a segunda língua oficial. Foram para Portugal estudar e voltaram.Portanto, é uma coisa difícil de ler. Repare nas contradições, não é? É o primeiro governo de tecnocratas, ou seja, não tem empresários de sucesso. Não tem as grandes famílias que herdaram as tradições de Macau como tiveram os governos anteriores. Foram todas afastadas pela primeira vez deste Governo.E, portanto, temos um governo mais nacionalista, mais tecnocrático, se quisermos, menos politizado e, contudo, mais bilingue. Qual é a questão curiosa? O bilinguismo, a plataforma com os países de língua portuguesa e Macau, Cidade aberta. No fundo, é um desenho tradicional de Pequim e foi desenhado pela política conservadora de Pequim... Que criou esta lógica para a reunificação, ou seja, para que a reunificação fosse pacífica e aceite pelas populações de Macau, de Hong Kong. E o grande elefante escondido que é Taiwan, não é ?Que é, no fundo, "Um país, dois sistemas": um sistema plural e constitucional em que há um arquétipo nacionalista chinês. Mas depois há graus de abertura elevados para as regiões que aceitem regressar à "mãe pátria", na expressão da política chinesa, portanto, este governo é as duas coisas.É um governo mais tecnocrata, menos politizado, mais nacionalista, mas também mais bilingue, mais plataforma e que se quiser, porque estas instruções são do centro. O plano das grandes famílias em Macau, durante os últimos 26 anos, foi enriquecer brutalmente para não sei quantas gerações, criando um paraíso de jogo e seu submundo que multiplicou por sete, oito, nove vezes as receitas de Las Vegas. Para termos noção, numa aldeia de 33 quilómetros quadrados. Portanto, nós estamos aqui a cumprir um desenho que é conservador, é tradicional, é do poder central.Cada vez mais se fala na necessidade de diversificação económica. Como é que ela é equacionada em Macau? E como  ?Quais são as alavancas possíveis?Ela está completamente definida. Ou seja, esta mistura entre a manutenção de um sistema capitalista que há em Macau e uma economia socialista dirigida, centralizada e com planos centrais. Ela está completamente definida por Pequim, imposta ao poder local e vai ser executada. A primeira questão que aconteceu no jogo é porque grande parte das receitas, uma enorme parte das receitas era do chamado mercado VIP, não era ?De pessoas que vinham jogar 10 milhões, 50 milhões, 100 milhões $ de Macau. Não. Eles vinham da China, muitas vezes sonegados ao Estado. Pequim impôs o fim disso, dos dealers, dos agentes dos "junkets" que dominaram a indústria do jogo durante 20 anos. E hoje Macau está completamente concentrado no "Mass Market" [Mercado de Massas]. Que os turistas vêm aos milhões. Estamos a falar de 33 milhões este ano, contas do dia 7 de Setembro. A recuperar todos os números pré COVID, houve 55.000 espectáculos da indústria "mass" este ano e convenções, concertos, teatros, etc.É turismo no sentido mais lacto da palavra, não necessariamente só receitas de jogo.Eu posso dizer "1+4". O jogo passa a ser uma cidade de turismo e lazer em que a oferta diária é multiplicada para "mass market", e não para mercados VIP. E depois há quatro indústrias onde há pacotes legislativos a nascer para a promoção dessas quatro indústrias, definidas como as indústrias que eles entendem, em que Macau será competitivo na sua integração regional.Ou seja, na Grande Baía, que é uma região económica especial que inclui nove cidades no sul da China: Cantão, Shenzhen, Hong Kong, Macau e Hong Kong são integrados nessa grande área...O Delta das Pérolas !O delta do Rio das Pérolas: 85% do PIB da China ! Ou seja, uma região para a qual o mundo inteiro quer vir. E Macau vai por decisão central, vai obrigar-nos a dizer: Quem é que não quer ir para um mercado desses quando está numa aldeia com 33 quilómetros quadrados, não é?Portanto, a diversificação vai ser feita pela integração na Grande Baía, pela multiplicação de contactos com os países de língua portuguesa, mediação entre a China e esses países.E depois tem quatro indústrias, de preferência: mercado MICE (concertos, grandes realizações de desporto e cultura, sobretudo). Portanto, o chamado mercado MICE, mais a alta finança, a biomédica e as novas tecnologias. Estas quatro indústrias estão perfeitamente definidas pelo poder central, aceites pelo poder local. E qualquer empresário hoje em Macau e estrangeiro, que venha a Macau, é para elas que olha. Porque essas vão andar a uma coisa que a gente tem que perceber na China eles não têm que dizer. E quando dizem, fazem. Portanto, estas vão acontecer.Dentro de 25 anos, a priori, Macau deixa de ser uma região administrativa especial para integrar plenamente a China. Passaram já 25 anos. Em que medida é que pode haver ou não alguma apreensão em relação ao respeito desta mini-Constituição, a Lei Básica de Macau, em relação ao respeito das liberdades e garantias ?Eu acho que é avisado todos nós estarmos sempre preocupados com a defesa das liberdades e das garantias individuais e colectivas em Macau. Não me parece que isso seja uma borla garantida, nunca para ninguém ! Muito menos num sítio onde ela é dada por excepção. Ou seja, é uma coisa que a China toda não tem.Na China há censura. Eu na China não poderia estar a dar esta entrevista. Daquilo que eu vejo hoje em Macau, eu diria que estaremos muito próximos do mesmo daqui a 25 anos daquilo que é o interesse da China.Pode haver mais liberdades. Pode haver mais contactos. Pode haver mais interacção com os países de língua portuguesa. Pode ser um canal ainda mais importante para as relações da China com o resto do mundo. Agora, isso depende de como evoluir a China.O que é que nós vemos hoje? Hoje a China tem bloqueios políticos e económicos, não é? Fala-se da Guerra Fria, Nova Guerra Fria, a guerra tecnológica, a guerra económica e os Estados Unidos pressionam a Europa para não ter relações de privilégio com a China. E  portanto, diremos o seguinte "Ah! Então a China está nesse "drive" negativo e, portanto, Macau e Hong Kong estão atrás disso? Não. Quanto mais problemas a China tem na sua economia, quanto mais necessidade tem de se internacionalizar, mais precisa dos canais para o Ocidente.Nós estamos a sentir isso hoje, aqui. As decisões políticas que a China tomar sobre as suas relações com o mundo vão definir as decisões que tomarão sobre estes territórios, sobre estas regiões autónomas, mas no "mindset" político chinês deles, claramente deles ! E eles tomaram as decisões que entenderem daqui a 25 anos. Tudo depende das relações que a China tiver com o resto do mundo.E em termos de população e da demografia, para terminar, eu sei que o COVID foi muito severo aí e que muita gente, após o fim do muito longo confinamento, optou por deixar Macau. Em que medida é que agora há, de facto, se calhar uma população de origem europeia menor? Uma população, se calhar de origem da China popular maior? Houve alguma evolução recente que testemunhou relativamente à demografia do território?Houve claramente alguma retirada de altos quadros estrangeiros e há muita dificuldade na obtenção do chamado "Bilhete de residente". Ou seja, um estrangeiro que queira viver para Macau tem que pedir autorização, como tem em França, como tem em Portugal. E, portanto, essa autorização de trabalho e de vida em Macau hoje é difícil. Porquê? Porque estamos numa cidade muito pequena, com 650.000 habitantes.E qual é o pensamento do poder político local se eles abrem as fronteiras não pode ser só para portugueses, franceses ou brasileiros. Mas se abrem as fronteiras, são engolidos por um monstro, um um mamute de 1.600.000.000 de pessoas. Com enorme competitividade, com enorme capacidade financeira, com enorme know how político. Estudados em Harvard, na Austrália, no Canadá, nos Estados Unidos. E, portanto, Macau é uma bolha muito proteccionista das suas próprias excepções. E, portanto, tem as fronteiras fechadas.É difícil quem não tem esse direito adquirido no passado, adquirir o direito de cá vir, investir, viver, trazer a família. E a grande discussão em Macau, mesmo entre os poderes políticos mais conservadores. é a necessidade de o abrir. Portanto, se me perguntar qual é a minha intenção na próxima década, vai aumentar o número de estrangeiros, nomeadamente lusófonos, porque isso está assumido pelo poder oficial.É preciso promover o bilinguismo, ou seja, a língua portuguesa no ensino básico, no ensino secundário. O Politécnico de Macau, neste momento ajuda 42 universidades na China continental a ministrar aulas de português. Com materiais didáticos, com consultorias e tal. E há uma enorme discussão sobre quais são as excepções a este fecho de fronteiras. Este ambiente protecionista dos direitos das pessoas que já cá vivem.Quais e como se podem criar excepções para aumentar a presença de quadros lusófonos e atrair investimento lusófono? Essa discussão é diária nos bastidores da política de Macau e nas discussões entre os políticos de Macau e os políticos de Pequim.Portanto, eu antevejo nos próximos anos um aumento das comunidades lusófonas, eu não diria de Portugal, mas pelo menos das comunidades lusófonas que queiram vir ou que tragam investimento ou que estejam disponíveis para aprender chinês, não é?Porque o bilinguismo também é uma coisa que é preciso perceber: nós continuamos aqui há 500 anos sem falar chinês. Quer dizer, exigir a um país que imponha o bilinguismo com eles a aprenderem português. É uma conversa que se vai tornando mais difícil e que faz menos sentido.E há muitos chineses que estão a aprender português na China. E, portanto, quando eu digo tem que haver mais bilíngues e há uma concordância estratégica nisso, eu diria que vai haver mais chineses a falar português. Isso vai ser dominante. Vai haver mais desses, do que gente a vir de Portugal ou de Angola para cá. Mas penso que vai haver as duas. Faz parte da estratégia, faz parte da narrativa. Está escrito e eles continuam a dizer que bem, não tem acontecido como queríamos, mas tem que acontecer.

    Reconstrução de Notre Dame é "a obra mais importante da nossa vida"

    Play Episode Listen Later Dec 6, 2024 14:07


    Chamam à reconstrução de Notre Dame de Paris a obra do século. Uma obra que demorou cinco anos e devolveu o esplendor a uma das catedrais mais emblemáticas do Mundo. Para este esforço de restauro contribuiu a CentralPose, uma empresa liderada pelo franco-português, Arthur Machado, que refez o adro deste monumento. Para este empresário, trata-se da obra da sua vida. Este fim de semana, a Catedral de Notre Dame reabre ao público, após cinco anos de obras de fundo para recuperar este monumento histórico devastado por um incêndio em 2019. Mais de 2 mil pessoas trabalharam dia e noite para restaurar esta igreja emblemática, desde a estrutura de madeira onde se apoia o telhado ao pináculo, passando pela limpeza do órgão e dos vitrais até ao à reconstrução do adro.A entrada da Catedral foi restaurada pela empresa CentralPose, dirigida pelo franco-português Arthur Machado. Com décadas de experiência no sector dos pavimentos, Arthur Machado disse em entrevista à RFI que esta foi a obra mais importante da sua vida."Foi um concurso público no qual participámos e que ganhámos. Somos uma das principais empresas em França de assentamento de paralelos e já temos algumas obras míticas, como a Praça da República, que tinha sido uma praça para nós muito importante. E agora vem Notre Dame, que é a do século XXI. Toda a gente que trabalhou nesta obra fica com ela gravada na memória para toda a sua vida", declarou este empresário das obras públicas em França.A pedra utilizada no adro da Catedral veio da região da Borgonha e foram assentados cerca de 5 mil metros de pavimento, um projecto concebido também por um engenheiro português e calceteiros portugueses que trabalharam nesta obra cerca de um ano. De forma a trabalharem nesta obra e devido à presença de chumbo no antigo pavimento, os trabalhadores foram submetidos a regras restritas de trabalho, incluindo análises antes e depois desta empreitada.Ao saber que participaria neste projecto de reconstrução após um incêndio "chocante", Arthur Machado já tinha a noção da importância deste projecto."Nós concorremos e tínhamos 90% de certeza que este projecto viria para a CentralPose porque temos referências, temos a capacidade humana e temos o saber fazer. Começámos a preparar-nos com engenheiro, calceteiros. E quando tivemos a confirmação, sabíamos que seria a obra mais importante que fizemos em toda a nossa vida", indicou.Arthur Machado marcou presença há uma semana na cerimónia de inauguração e agradecimento do Presidente da República Emmanuel Macron a todas as empresas e trabalhadores que participaram na reconstrução e o empresário congratula-se que toda a gente que entre nesta Catedral tenha de passar pelo pavimento que ajudou a colocar."O sentimento quando se está agora na Catedral é de tranquilidade. E depois, claro, o sentimento de ver aquelas pessoas andarem por cima daquele chão que nós fizemos e toda a gente olhar. É maravilhoso. E eu acho que agora, no dia oito, que é a inauguração oficial oficial, teremos presidentes do Mundo inteiro que vão lá estar", concluiu.

    Investigadores publicam “Portugueses em França: uma imigração invisível?”

    Play Episode Listen Later Oct 31, 2024 13:56


    Em Outubro, foi lançado, em França, o livro “Les Portugais en France: une immigration invisible?” [“Os Portugueses em França: uma imigração invisível?”], editado pelas investigadoras Sónia Ferreira e Irene dos Santos. A obra reúne estudos de vários especialistas da emigração portuguesa e questiona o conceito de “imigração invisível” associado à comunidade portuguesa em França. RFI: Como descreve, em poucas palavras, a obra “Les Portugais en France: une immigration invisible?”Sónia Ferreira, Co-editora da obra “Les Portugais en France: une immigration invisible?”. É uma obra académica que reúne um conjunto de capítulos que são feitos por investigadores na área da antropologia, da sociologia, da história, e que são investigadores que têm trabalhado ao longo das últimas décadas sobre esta questão da imigração portuguesa em França. Mas também é um livro que visa ir para além da comunidade académica, ou seja, é um livro que também gostaria de chegar a um público mais alargado, precisamente para não se centrar apenas na discussão interna académica, mas para suscitar conversas e discussões sobre a imigração portuguesa em França, que vá para além desses círculos mais restritos.Por isso, é uma publicação que é feita através de uma editora que tem a divulgação também de obras com outro tipo de características, mas com uma parceria com uma instituição académica. Portanto, tem esta dupla pertença, digamos assim. Uma das perguntas que está no título é “imigração invisível?”. O sociólogo português Albano Cordeiro foi pioneiro nesse conceito, creio eu. O que significa essa noção?Albano Cordeiro - a quem nós, aliás, dedicámos o livro devido ao seu falecimento recente e que foi uma pessoa muito importante a pensar a temática da migração portuguesa em França e foi pioneiro em muitos dos seus trabalhos sobre essa temática - tinha esse conceito do “paratonnerre maghrébin”, essa ideia de que muitas vezes os migrantes portugueses eram vistos como os bons migrantes, por oposição, à migração pós-colonial francesa, nomeadamente à migração magrebina, e portanto, havia essa ideia dos portugueses como católicos, como brancos, que estariam ao abrigo de muitas discussões sobre as questões religiosas, sobre as questões de racialização, em França.Nós questionamos um pouco essa ideia, tentando mostrar que ela não é verdadeira e, portanto, de alguma forma há processos de invisibilização, mas também não é isso que faz com que os portugueses não tenham também, por exemplo, sofrido de processos discriminatórios no seu processo de instalação em França. Ou seja, afinal não é uma imigração invisível como até agora se tem sustentado?É uma imigração invisível nalguns aspectos ou uma emigração que ficou nalguns aspectos da sociedade francesa invisibilizada, mas, como sabemos, é uma imigração que tem um papel de visibilidade e destaque em muitas áreas da sociedade francesa. Muitas vezes essa questão do visível e invisível tem a ver até com aspectos negativos ou menos agradáveis e, portanto, é isso que nós questionamos. Ou seja, há processos de invisibilização da imigração portuguesa, mas até que ponto eles não devem ser também discutidos e questionados? E que repercussões é que isso tem para os próprios portugueses em França? Todos estes processos que levam ao seu posicionamento na sociedade francesa e, portanto, há que questionar a sociedade francesa como um todo e não apenas olhar para os portugueses como um grupo isolado, mas pensar os portugueses na sua interacção com os outros grupos imigrantes em França, desde os europeus que chegam muito antes dos portugueses, como é o caso dos espanhóis ou dos italianos ou dos polacos, etc, às migrações pós-coloniais em França, principalmente aquelas que se dão nos processos de descolonização, que é quando a maior vaga de portugueses chega a França a partir dos anos 70.Esta noção de bons imigrantes, de mão-de-obra dócil e silenciosa, não contribuiu até hoje para a instrumentalização desta imigração portuguesa por parte da extrema-direita francesa e não cultivou, de alguma forma, um certo racismo dos portugueses relativamente a outras migrações?Sim, é verdade. Nós temos que pensar que, por um lado, se podemos dizer que os migrantes portugueses foram alvo de racismo e discriminação em determinadas situações - que o foram e esse é um processo que também está bastante invisibilizado, essa dimensão da discriminação que os portugueses sofreram em França - isso não os isenta de serem eles também, muitas vezes, agentes de discriminação. Não nos podemos esquecer que os portugueses que chegam a França nos anos 60 e 70 vêm do regime ditatorial salazarista colonial português e migram vindos de uma sociedade onde prevalecia uma ideologia racista. Muitas vezes, o que podemos detectar é que na imigração portuguesa, na sua relação, por exemplo, até com migrações pós-coloniais portuguesas que vão para França, como é o caso de cabo-verdianos e de outras migrações que vêm dos circuitos pós-coloniais portugueses e que se encontram, em França, por exemplo, em locais como o mercado de trabalho - como o BTP [construcção civil] em que partilham associativismo -os portugueses também são, muitas vezes, agentes de discriminação com essas populações e também na relação com os próprios povos do Magrebe. Portanto, há essa herança ideológica da sociedade onde imperava uma ideologia racista no Estado Novo e depois em França, são também confrontados, obviamente, com as ideologias racistas e de racialização que se encontravam presentes em França, nomeadamente por relação às populações africanas, da África francófona, do Magrebe, etc. Quando diz que os portugueses foram alvo de racismo e de discriminação, estamos a falar do quê?Podemos falar no mercado de trabalho, por exemplo. Gostaria de citar o trabalho que tem sido desenvolvido, por exemplo, no âmbito da Associação Memória Viva e também alguns exemplos que têm sido visibilizados pelo Hugo dos Santos na sua página nas redes sociais. Ele tem dado a conhecer exemplos em locais de trabalho ou em interacções com a própria sociedade francesa e com as instituições francesas, nomeadamente as instituições do Estado, não só nos processos também de realojamento, como foi com os famosos “bidonvilles”, nas fábricas, etc. Há algumas formas de discriminação contra os migrantes portugueses desse período que estão documentadas. Aliás, o próprio Victor Pereira refere isso e houve até uma coluna assinada há uns tempos num jornal [L'Humanité] em que precisamente se chamava a atenção para a não instrumentalização dos portugueses como os “bons migrantes”, dando exemplos concretos de situações em que eles também foram alvo de discriminação. Mas aí eu acho que é preciso ver a discriminação que vem da relação quotidiana e a discriminação estrutural que é uma discriminação que é imposta e que é através das instituições do Estado. Outro aspecto pouco falado que vocês abordam nesta obra é o papel das mulheres portuguesas imigrantes em França na transformação do modelo familiar rural português após o contacto com famílias francesas. Quer explicar? Sim, nós pensamos que as questões de género têm sido pouco trabalhadas. Quando tentamos olhar para trás e vemos os trabalhos que têm sido feitos sobre a imigração portuguesa, as questões de género, nomeadamente os trabalhos sobre as mulheres, não têm tido muita preponderância, digamos assim. Até porque quando se fala das mulheres portuguesas em França ainda persiste o estereótipo da “concierge”, da porteira ou da “femme de ménage”, mulher das limpezas. Mas há outro modelo, que acaba por ser o de um certo empoderamento que já começa com a emigração portuguesa das mulheres nos anos 70?No fundo, há um pouco de tudo. Há um modelo familiar, que vem também do Portugal do Estado Novo, que é aquele que chega também a França juntamente com estes imigrantes. Há também, é verdade, a questão da “concierge”, aliás, há um texto de Dominique Vidal, no livro, que trabalha precisamente sobre a questão das porteiras portuguesas, mas estamos a falar da região parisiense, ou seja, é uma realidade relativamente circunscrita e mesmo dentro dessa realidade é preciso distinguir as mulheres que trabalham para o sector privado e as mulheres que trabalham para o sector público porque isso também tem influência, depois, para os bairros onde vão residir e trabalhar e com os projectos de mobilidade social, por exemplo, ascendente das suas famílias. Mas uma das coisas que nós também quisemos questionar - e aí prende-se também com as questões de género – é que muitas vezes há um olhar maior e mais concentrado na região parisiense. E é preciso compreender que é preciso olhar também para outras regiões em França onde também existem bastantes portugueses e em que as formas de organização familiar e laboral não são exactamente as mesmas e podem estar mais ligadas às zonas rurais. No que diz respeito aos papéis de género, é preciso discutir - e esta é uma discussão que se tem na área das migrações - até que ponto os projectos migratórios são ou não projectos emancipadores. É interessante, no livro, o texto da Yasmine Siblot, que trabalha sobre migrações mais recentes de mulheres e discute esta questão de o projecto migratório ser ou não um projecto emancipador, não só pela via do trabalho, mas também pela via do conjunto ou da teia de relações sociais que se estabelece no novo contexto. E aí também, no caso em que ela está a trabalhar, estamos a falar de mulheres também ligeiramente mais novas do que as mulheres da primeira geração que chega a França em finais dos anos 60, dos anos 70. E depois há que também ver aquela geração que vai ainda pequena com os pais e que depois vão seguir caminhos e modelos de género diferentes, muitas vezes enveredando pela via artística, pela via académica, pela via política. E é aqui também importante referir o envolvimento dos portugueses nalguns movimentos sociais franceses, nomeadamente na Convergence 84, por exemplo, em que algumas mulheres portuguesas também se envolveram.O que é importante, acima de tudo, é mostrar que isto é muito mais heterogéneo do que se possa pensar num primeiro olhar mais essencialista sobre a mulher portuguesa dona de casa, etc.Faz sentido ainda hoje, estudar-se, ainda, a imigração portuguesa em França, um país onde o modelo da sociedade é fundado pela tentativa de assimilação dos imigrantes?Acho que faz, claro. Do ponto de vista histórico, sem dúvida, do ponto de vista socio-antropológico também até porque, mesmo que se possa dizer que a partir das segundas ou terceiras gerações já não estamos a falar de migrantes - no sentido formal do termo, estamos a falar de indivíduos que têm a nacionalidade francesa - mas a questão da migração e da história da migração na família é algo que não se desvanece, não é? E, portanto, as repercussões que a emigração tem numa família é algo que conseguimos e devemos ler e estudar no tempo longo, como um processo. Do nosso ponto de vista, enquanto académicos da antropologia, da sociologia, da história, não nos interessam só as categorias formais e estatísticas de quem é ou não é imigrante, mas também perceber como é que o fenómeno da migração configurou aquela família no passado e configura no presente e muitas vezes até configura expectativas de futuro, sejam expectativas de futuro para estar em França, viver em França, mas muitas vezes também expectativas de regressar a Portugal e do tipo de relação que se estabelece com Portugal.Para nós, independentemente dos modelos e do modelo político francês no que diz respeito às questões migratórias, a migração é muito mais do que isso e a imigração é um processo que deve ser estudado a longo prazo e em todas as dimensões que a constituem. A obra “Les Portugais en France: une immigration invisible?” foi publicada na editora “Le Cavalier Bleu” e conta com textos dos investigadores Sónia Ferreira, Irene dos Santos, Manuel Antunes da Cunha, Cristina Clímaco, Margot Delon, Inês Espírito Santo, Guillaume Étienne, Victor Pereira, Yasmine Siblot, Filomena Silvano, Dominique Vidal e Marie-Christine Volovitch-Tavares.

    Sensibilização da sociedade civil é essencial para travar declínio da biodiversidade

    Play Episode Listen Later Oct 28, 2024 8:56


    No início do mês de Outubro, a WWF lançou um relatório em que dá conta de uma perda global de 73% da biodiversidade no Mundo, com a perda a ser ainda maior em África. A EcoAngola, uma organização não governamental, tenta travar este declínio de biodiversidade através de acções e projectos em que o foco é dirigido às populações e às autoridades. Angola é o segundo país africano com maior número de bioregiões, 15, logo a seguir à África do Sul. Isto faz com que seja um dos países do Mundo com maior riqueza e diversidade de ambientes, com uma fauna e flora muito ricas que variam consoante as diferentes regiões. Esta riqueza natural está ameaçada como constata o relatório da WWF e faz com que a EcoAngola queira mais esforço por parte das autoridades para a conservação do meio-ambiente."Existe a necessidade de ter um esforço muito maior. Porque nós podemos ter algumas políticas, elas existem, mas precisamos de uma maior monitorização e capacitação pessoas que são responsáveis, por exemplo, pelos parques naturais de forma a exercerem o seu trabalho de protecção e conservação das espécies deste flora fauna", indicou Diana Lima, directora executiva da EcoAngola em entrevista à RFI.Angola possui actualmente 14 parques nacionais, com 12,9% do território terrestre do país a ser protegido. A EcoAngola e outras organizações não governamentais ajudam no esforço de protecção, nomeadamente em articulação com o Instituto Nacional de Biodiversidade, de Conservação, mas vêm-se a braços com problemas como desflorestação, caça ou queimadas."Nós sabemos que um dos maiores problemas, tem a ver com a caça. Ao mesmo tempo, compreendemos que estas são as opções que existem para certas comunidades a nível económico, portanto as multas não chegam e sabemos que no terreno há uma uma cedência por parte de quem está a fazer esse controlo", explicou.De forma a preservar as espécies, Angola precisa de maior incentivo à pesquisa científica - com Diana Lima a mencionar a descoberta de novas espécies de reptéis em certos parques naturais, mas também a própria organização administrativa do país que mudou recentemente e algo essencial é a sensibilização da sociedade civil."Acho que a primeira coisa a fazer para a conservação da biodiversidade seria sensibilizar a sociedade civil sobre a importância da biodiversidade. Para essa conservação, precisávamos de dados mais concretos da realidade da biodiversidade, para além de nós sabermos a realidade dos ecossistemas degradados", concluiu Diana Lima.

    Visita do Papa Francisco é "confirmação da independência" de Timor-Leste

    Play Episode Listen Later Sep 11, 2024 9:51


    O Papa Francisco terminou hoje a visita a Timor-Leste, deixando palavras de encorajamento aos timorenses para manterem a sua liberdade e individualidade face a "crocodilos" que se querem apoderar da sua cultura. Timorenses viveram momento de "união" que vieram reforçar as celebrações dos 25 anos do referendo que levou à independência do país. O Papa Francisco encerrou hoje a visita de três dias a Timor-Leste, mobilizando quase metade do país que o seguiu até à capital, Díli. Em entrevista à RFI, a a irmã Luciana, religiosa timorense da congregação Escravas da Santíssima Eucaristia e da Mãe de Deus, considerou que não há palavras para definir estes últimos dias em Timor-Leste."Esta visita para mim foi enorme satisfação em termos de ser como irmã, como também timorense. Sinto uma alegria enorme em participar aqui. Eu já participei nas Jornadas Mundiais em Portugal, mas é diferente viver uma visita do Santo Padre aqui em Timor. Sentir que aqui é mais uma confirmação de que a minha fé e também a fé católica aqui em Timor. Precisamos sobretudo este apoio cada vez mais do nosso líder. Sentimos esta emoção que não dá para descrever, não dá para falar, não dá para contar com em palavras", indicou.A visita do Papa Francisco teve início na segunda-feira com uma cerimónia de boas-vindas na Presidência timorense e encontros com as autoridades, na terça-feira realizo uma grande missa em Tasi Tolu perante quase metade da população do país e hoje encontrou-se com a juventude antes de partir para Singurapura, última paragem deste périplo aisático.Esta visita decorreu poucos dias depois de Timor ter celebrado os 25 anos do referendo que levou à indendência do país e para a irmã Luciana esta visita veio coroar estas celebrações, reforçando a singularidade deste país onde 99,6% da população é católica."É um coroar e uma confirmação da própria identidade da nossa, que é cristã. Essa visita tão importante, para nós é a confirmação da nossa identidade timorense. Não só como nação. É sobretudo aquilo que o Papa Francisco falou de que a riqueza ou tesouro de uma sociedade não são as suas riquezas naturais. Digamos aqui em Timor, que é o caso do petróleo e gás natural e outras coisas, mas sobretudo o povo em si, o povo e as pessoas em si que vivem nesta nação. E para nós, sobretudo, é uma confirmação da independência", disse esta religiosa.A irmã Luciana viveu ainda sob o domínio da Indonésia e lembrou o "medo" dos timorenses face às autoridades que os impediam de se exprimir em português e de manterem as suas tradições."Quando os indonésios estiveram cá, estávamos a viver debaixo do domínio dos indonésios e estávamos com medo. Eu ainda senti aquele medo em que expressava a nossa fé de uma forma muito tímida e também, sobretudo a palavra medo em si quase que cobre todo toda a religião católica. Aqui em Timor, quando viviam os indonésios, porque nós não podíamos rezar em português nem nada disso. Mas agora eu sinto essa liberdade de expressar a nossa fé de uma forma alegre e de uma forma convicta. Sentimo-nos unidos esses dias e eu estive fora de Timor durante 21 anos e sinto que Timor está muito avançado em termos de muitas coisas", concluiu.

    Jogos Paralímpicos em Paris bateram recordes desportivos, de audiências e de emoção

    Play Episode Listen Later Sep 9, 2024 31:05


    A cerimónia de encerramento dos Jogos Paralímpicos 2024 colocou um ponto final dos Jogos de Paris 2024. Nesta emissão especial ouvimos os protagonistas, ou seja, os atletas paralímpicos, mas também a análise de Marco Martins, enviado especial da RFI que acompanhou tanto os Jogos Olímpicos como os Paralímpicos no último mês e meio, sobre as prestações dos atletas lusófonos e o que podemos esperar para o futuro do desporto paralímpico.

    Design “Made in Portugal” na rota da Semana do Design de Paris

    Play Episode Listen Later Sep 5, 2024 18:19


    Em França, arrancou esta quinta-feira a Semana do Design de Paris que conta com uma exposição dedicada ao design português. Chama-se “Made in Portugal naturally” e é uma vitrina da produção artística do sector. Neste programa, visitamos a exposição com a curadora e arquitecta de interiores Margarida Moura Simão. Há uma “casa portuguesa” na “Paris Design Week”, que arrancou a 5 de Setembro e decorre até dia 14. Nesta "casa", situada na Galerie Joseph, no bairro do Marais, há cerca de 60 peças que mostram o que é o design português de hoje, entre inovação e tradição, entre o clássico e o contemporâneo.O “showroom” chama-se “Made in Portugal naturally” e foi concebido como um apartamento, por onde se deambula entre as peças expostas. A curadora é a arquitecta de interiores Margarida Moura Simão, que nos fez uma visita guiada pelas diferentes salas e obras, desenhando um “Portugal cosmopolita” que produz “um design autoral, irreverente e sofisticado”, com um “savoir-faire” que alia tradição e tecnologia. Na conversa que pode ouvir neste programa, fomos tentar perceber o que é que têm de tão “naturalmente” português as peças de mobiliário, de iluminação, de têxtil e outros objectos decorativos ali em destaque.A Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) organizou a iniciativa para promover o design português, nomeadamente a qualidade do produto e do material, a sustentabilidade e o “savoir-faire” português, como explicou Mariana Vieira da Luz, gestora da fileira casa na AICEP.O objectivo desta exposição é promover o design português e colocá-lo num patamar de relevância comparativo com grandes marcas e com a qualidade de outros grandes países nesta área do design de mobiliário, de iluminação, têxteis-lar e porque os nossos produtos têm muita qualidade. Nesta exposição temos cerca de 55 empresas e que foram todas escolhidas pela arquitecta Margarida Moura Simão e o que pretendemos promover é a qualidade do produto e do material que também é feito em Portugal, em conjunto com o design e a sustentabilidade. E daí vem o nome "Made in Portugal naturally" que faz justiça tanto à área da sustentabilidade que está muito em voga, mas também à parte do 'savoir-faire' português e da tradição.De 5 a 9 de Setembro, o Parque de Exposições de Villepinte, nos arredores de Paris, também acolhe a feira internacional de mobiliário e decoração Maison&Objet, na qual Portugal também participa.

    Eurídice Zaituna Kala descontrói Nova Iorque em exposição em Paris

    Play Episode Listen Later Sep 2, 2024 15:32


    A artista moçambicana Eurídice Zaituna Kala desconstrói a imagem de Nova Iorque e até do “sonho americano” numa exposição patente na Galeria Anne Barrault, em Paris. As fotografias montadas em estruturas de vidro e metal mostram ausências, desigualdades, relações de poder entre os homens e entre estes e a natureza. Eurídice Zaituna Kala mostra como a arquitectura é mais uma ferramenta de implementação de disparidades sociais e como a cidade vai tapando as camadas do seu próprio passado. A exposição "En quelques gestes : as if two suns were setting", patente até 5 de Outubro, é constituída por obras realizadas durante uma residência em Nova Iorque e questiona o peso que a arquitectura urbana tem sobre a natureza e sobre as próprias pessoas.“Quando propus um projecto de pesquisa para ir a Nova Iorque, era para olhar para a arquitectura. Para olhar como a arquitectura, de uma forma violenta, ocupa o espaço natural e cria uma sensação de betão (...) Eu queria desconstruir essa noção e, ao mesmo tempo, olhar para os arquivos: como é que a cidade foi ocupada na época pré-colonial, no pós-guerra, no pós-Segunda Guerra Mundial, que tipos de arquitectura chegaram. E como eu tenho, na materialidade do meu trabalho, materiais como o metal e o vidro, era claro que eu queria entrar também nessa noção de como esses materiais interagem com a cidade. Quais são as janelas que esses materiais criam? Quais são os ecrãs que eles criam? Como é que esses objectos obstruem a possibilidade de comunicar uns com os outros? Em Nova Iorque, tu passas em frente a um prédio e tens a sensação que não podes interagir com as pessoas que estão no interior. Quer dizer, a interioridade é completamente coberta, submersa, a partir desses materiais”, descreve a artista.Continuando as suas pesquisas em torno dos arquivos, a artista moçambicana estudou as raízes da cidade, originalmente habitada pelo povo autóctone Lenapes e desenhada com várias colinas e rios, hoje substituídos por arranha-céus. “Havia uma natureza, uma fauna ou uma flora que esteve lá antes de uma colonização violenta que mudou completamente a topografia da cidade”, recorda. Por outro lado, ela interessou-se pela relação entre Nova Iorque e a água, um elemento que outrora dominava a paisagem e que passou a ser dominado pelas ambições arquitectónicas.“Chegar a Nova Iorque e falar em água é quase impossível. Nós imaginamos sempre uma cidade de betão, tudo coberto, tudo numa submersão, socialmente falando, uma submersão humana, densa. Mas a história topográfica de Nova Iorque é completamente oposta a essas paisagens que nós temos do nosso imaginário. Nessa oposição, tem a água que foi coberta pela arquitectura num plano de urbanização do Robert Moses, que veio obstruir essas fontes de água que atravessavam Manhattan, Brooklyn, Bronx para criar espaços de construção”, acrescenta.Eurídice Zaituna Kala também explorou o conceito da arquitectura contemporânea como “soft power”, em que os arranha-céus luxuosos olham de cima para os prédios sociais, os quais são reservados aos pobres e sujeitos à subida das águas durante as inundações.“Isso foi também um dos contextos que me interessava muito compreender. Eu tive a oportunidade de subir ao andar 86 de uma torre e de viver essa experiência. Foi super estranho porque são espaços que são vendidos muito caros e que representam um contexto de arquitectura, mas, ao mesmo tempo, representam um contexto de consumo espacial, um contexto de movimento, de liquidez de espaço. Quis compreender o que quer dizer essa disparidade entre esses prédios que hoje em dia são vendidos muito caros e os prédios sociais porque Nova Iorque é uma cidade de prédios, sempre teve uma relação com a verticalidade. Os prédios sociais que foram construídos para as famílias menos ricas são também arranha-céus, mas criaram uma completa desconexão entre gerações de famílias que não puderam entrar em relação, que causaram questões sociais complexas, criminalidade, uso de drogas, etc, etc. Quer dizer, esses dois contextos propõem duas formas de criar sociedade”, continua.Outra linha de força da exposição são as ausências, figuradas por vidros sem imagens ou pelo simbólico capuz vazio de uma camisola encontrada numa rua qualquer. Esta é também uma homenagem ao jovem negro assassinado Trayvon Martin, ao movimento Black Lives Matter e ao artista David Hammons.Há, ainda, uma imagem criada por Inteligência Artificial que ilustra os próprios limites da tecnologia, ainda que crie uma nova camada que tende para a abstração pictórica e fotográfica. Eurídice Zaituna Kala recolheu textos inscritos em monumentos de Nova Iorque a prestarem homenagem ao povo autóctone que, outrora, viveu naquela zona e pediu à Inteligência Artificial para criar imagens. O resultado são duas imagens sobrepostas, em que se percebe uma paisagem verde luxuriante e vários espectros pálidos.Na segunda sala, há fotografias em tons azulados que remetem, mais uma vez, para o universo da água, mas também para o imaginário cinematográfico de Nova Iorque. A artista conta-nos que se inspirou nos tons do filme “La Nuit Américaine” de François Truffaut para mostrar que a sensação de se estar numa "cidade que não dorme" pode ser esgotante e uma metáfora de que o “sonho americano” é impossível.“Tem uma certa referência a “La Nuit Américaine”, que é este filtro usado no cinema que projecta uma sensação de noite, uma sensação de estar no exterior, de uma continuidade do dia. Eu acho que Nova Iorque tem essa forma de se querer projectar como algo que não acaba, como um dia que não acaba. Há também a questão do conceito americano que fala do sonho americano porque se o dia não acaba e se não podemos descansar, quer dizer que não temos tempo para sonhar! Ou seja, o fim desse sonho americano é mesmo uma consciência de como vivemos nestas cidades”, conclui.É a primeira vez que a Galeria Anne Barrault acolhe uma exposição a solo de Eurídice Zaituna Kala, depois de ter apresentado uma obra dela no Jardim das Tulherias, na FIAC Hors Les Murs, em 2021.“É verdade que a obra dela tem uma vertente de denúncia, mas é mais do que isso. Nesta exposição vemos – e é bastante impressionante –várias camadas e há um lado pictórico muito presente. Ou seja, podemos abordar o trabalho dela de diferentes maneiras. Claro que ela fala das suas origens, da colonização, mas não fala só sobre isso. Por isso é tão interessante este trabalho na cidade de Nova Iorque, que não é a cidade onde ela cresceu, mas ela cria elos com a sua própria história, com Moçambique que também foi colonizado e com a América que é também um território que foi colonizado. Estes paralelos são apaixonantes e permitem olhar para o seu trabalho sob diferentes ângulos”, descreveu Anne Barrault à RFI.No âmbito desta exposição, inaugurada a 31 de Agosto e que decorre até 5 de Outubro, Eurídice Zaituna Kala teve "carta branca" do Cinema L'Archipel em Paris para apresentar um filme a 3 de Setembro e escolheu "AI: African Intelligence" de Manthia Diawara.Actualmente, a artista participa na exposição "Passengers in Transit" à margem da Bienal de Veneza (até 24 de Novembro de 2024). Em 2025, Eurídice Zaituna Kala vai apresentar o seu trabalho no Centro de Arte Contemporâneo de Rennes (La Criée) de 7 de Fevereiro a 27 de Abril e vai também ter uma exposição na Ferme du Buisson, em Noisiel, de 15 de Março a 13 de Julho.

    Portugal com prata no ciclismo e decepção na canoagem

    Play Episode Listen Later Aug 9, 2024 3:37


    Portugal teve ontem uma medalha muito esperada para o ciclismo, com prata para Iuri Leitão na prova de ciclismo de pista. Foi uma prova emocionante até ao final e Maroc Martins esteve presente no Velodrome de Saint Quentin d'Yvelines. Já hoje, na canoagem, João Ribeiro e Messias Baptista, na categoria de K2 500 de canoagem, tiveram uma decepção chegando em sexto lugar. Toda a actualidade dos Jogos Olímpicos com Marco Martins.

    Canoagem e triplo salto marcam jornada olímpica dos lusófonos em Paris

    Play Episode Listen Later Aug 7, 2024 3:19


    Nos jogos Olímpicos de Paris, as provas sucedem-se. Na canoagem, três atletas lusofonos estiveram hoje na competição. Dois apuraram-se para as meias-finais, a portuguesa Teresa Portela e o português Fernando Pimenta, enquanto o angolano Benilson Sanda caiu para a final B. Já o triplo salto, com o atleta português Pedro Pichardo, está a causar polémica entre atletas cubanos. Oiça o resumo do dia olímpico com Marco Martins.

    França pode ir ao ouro no futebol, já medalha de bronze vai ser discutida entre África do Norte

    Play Episode Listen Later Aug 6, 2024 3:25


    A França vai defrontar a Espanha na final olímpica de futebol. Já a medalha de bronze será disputada entre Marrocos e Egipto. Ainda hoje nos 400 metros barreiras, a portuguesa Fatoumata Diallo vai correr as semi-finais às 20h locais. Marco Martins, que está a acompanhar os Jogos Olímpicos em diferentes pontos de Paris e arredores, faz o resumo deste dia olímpico.

    David de Pina aspira chegar à final para lutar pela medalha de ouro

    Play Episode Listen Later Aug 4, 2024 3:50


    Neste nono dia de competição dos Jogos Olímpicos de Paris, o pugilista cabo-verdiano, David de Pina, está nas meias-finais e procura a primeira medalhar para Cabo Verde. O pugilista cabo-verdiano, David de Pina, está nas meias-finais e procura a primeira medalhar para Cabo Verde?Marco: Cabo Verde já garantiu pelo menos uma medalha de bronze com David de Pina, mas o pugilista cabo-verdiano quer mais e tem pela frente o segundo cabeça de série, o atleta do Uzbequistão, Hasanboy Dusmatov. O encontro vai decorrer na Arena Norte, em Villepinte, no norte de Paris.Nesta meia-final tudo é possível e resta saber em que metal vai ser a medalha, será bronze em caso de derrota, ou então prata ou ouro se David de Pina conseguir vencer o atleta do Uzbequistão.Este domingo, 4 de Agosto, decorre a prova dos 158 quilómetros de bicicleta, feminino, em Paris, com muitas ruas cortadas na capital francesa. Temia-se o caos durante este Jogos olímpicos, mas esta primeira semana de provas olímpicas provou o contrário e em Paris "reina" uma calma pouco habitual.Marco: Sim, muitos parisienses decidiram ir de férias, visto que foram as indicações dadas pelas autoridades francesas. O Estado francês pediu para que os parisienses fossem de férias se não quisessem viver no caos dos Jogos Olímpicos. Muitos optaram por ficar e aperceberam-se que depois da cerimónia de abertura, durante a qual houve muitas restrições, sobretudo perto do rio Sena, foram levantadas as restrições. Desde então, há zonas com mais controlo são as que se situam perto dos estádios, das arenas, onde decorrem competições. Mas à parte isso, a vida está mais ou menos tranquila para os parisienses. Eu até diria que por um lado há coisas melhores: os transportes estão melhores do que ao longo do ano. Por exemplo, ao sábado e o domingo, em que podia se esperar mais de dez minutos, desta vez não é o caso, visto que há competições em várias partes de Paris e basta esperar três, quatro ou cinco minutos no máximo para ter um transporte público. Algo inacreditável para uma cidade como Paris.

    David de Pina faz história em Paris e garante primeira medalha para Cabo Verde

    Play Episode Listen Later Aug 3, 2024 4:17


    Ao sétimo dia de competição dos Jogos Olímpicos de Paris, Cabo Verde conquistou a primeira medalha olímpica. No boxe, os semi-finalistas asseguram uma medalha de bronze e David de Pina conquista a primeira medalha da história de Cabo Verde em Jogos Olímpicos. Esta Sexta-feira, 2 de Agosto, foi um dia histórico para Cabo Verde que garantiu a primeira medalha olímpica?Marco Martins: Ontem foi um dia histórico para Cabo Verde que se vai juntar a Moçambique como um dos únicos países da África lusófona a conseguir alcançar uma medalha. Por enquanto, Cabo Verde alcança no mínimo uma medalha de bronze, uma vez que na modalidade de boxe quando se alcançam as meias-finais garante-se uma medalha de bronze, um terceiro lugar.David de Pina vai amanhã, 4 de Agosto, defrontar o seu adversário do Uzbequistão, Hasanboy Dumatov, nas meias-finais, se conseguir passar à final lutará pelo ouro ou prata e se perder para o atleta do Uzbequistão será então, no mínimo, a medalha de bronze. De qualquer modo, o que está a acontecer é histórico porque Cabo Verde nunca conseguiu alcançar uma medalha nos Jogos Olímpicos. A medalha será conquistada por David de Pina na categoria de -51 quilos.A França também viveu um dia histórico, os franceses conquistaram nove medalhas num só dia. Léon Marchand na natação, Teddy Riner no Judo e Joris Daudet no BMX. Os três atletas conquistaram medalhas de ouro?Sim, é verdade, foi também um dia histórico para a França. Léon Marchand conquistou a quarta medalha de ouro, algo que nunca nenhum atleta francês tinha alcançado; vencer vários títulos nos mesmos Jogos Olímpicos. Os franceses quase não conheciam o nome de Léon Marchand, hoje toda a gente fala dele porque é um atleta que está a pisar os calcanhares do norte-americano Michael Phelps, que conseguiu várias medalhas de ouro, 23 no total, veremos se Léon Marchand, 22 anos, se vai conseguir aproximar deste feito. O que é certo é que já tem quatro medalhas de ouro em quatro provas de natação nas quais participou.Para o judoca Teddy Riner foi também um dia histórico, uma vez que soma três medalhas de ouro, uma de prata e outra de bronze, em cinco participações nos Jogos Olímpicos. O judoca francês vai competir este sábado na categoria equipas mistas para tentar arrecadar mais uma medalha com a selecção francesa, igual para Léon Marchand na natação, que ainda tem duas provas pela frente.No BMX, para além do título alcançado pelo ciclista é sobretudo, o facto de a França ter conseguido algo inédito: primeiro, segundo e terceiro lugar na mesma prova. Algo que raramente foi visto nos Jogos Olímpicos e já há mais de 100 anos que não se via um tal facto. Pela primeira vez no BMX isso aconteceu com a França que viu quando houve a cerimónia protocolar se viu erguer três bandeiras francesas.

    Patrícia Sampaio conquista medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de Paris

    Play Episode Listen Later Aug 1, 2024 1:34


    A judoca portuguesa Patrícia Sampaio conquistou esta quinta-feira, 1 de Agosto, a medalha de bronze em -78 kg frente à japonesa Rika Takayama, na Arena Champ-de-Mars. Esta é a primeira medalha para Portugal nestes Jogos Olímpicos de Paris 2024 e a 29.ª medalha olímpica do desporto português. RFI: Portugal soma uma primeira medalha destes Jogos Olímpicos de Paris e este dia passa a ser inesquecível para Patrícia Sampaio?Marco Martins: Um dia incrível com a primeira medalha nestes Jogos Olímpicos em Paris para Patrícia Sampaio, que teve um percurso complicadíssimo, começou desde logo de manhã, pelas 10h00 frente a uma atleta queniana, conseguiu passar. Depois tinha a francesa Madeleine Malonga e em casa, a francesa acabou por perder frente à portuguesa.Depois veio uma atleta chinesa, sempre fortíssimas, estas atletas asiáticas e também se conseguiu apurar se só apenas nas meias-finais e que foi parada pela italiana antes de vencer mais um encontro frente a japonesa para conseguir arrecadar esta primeira medalha de bronze. É a terceira medalha de bronze na modalidade para Portugal, mas a primeira nestes Jogos Olímpicos de 2024.No andebol marca França venceu Angola por 38-24. A França jogou em casa e por isso foi um encontro mais difícil para as angolanas?A França é a campeã olímpica em título. É claro que era um jogo complicado, mas a Angola ainda tem uma hipótese de passar esta primeira fase. Está no quarto lugar e frente ao Brasil, na última jornada, terá que vencer ou até pode empatar, mas sabemos que é complicado empatar no andebol, mas pelo menos uma vitória garante um lugar nos quartos-de-final para Angola, se conseguirem vencer a selecção brasileira, será um duelo 100% lusófono para um lugar nos quartos-de-final.

    E no quinto dia dos Jogos Olímpicos... os atletas nadaram no Sena

    Play Episode Listen Later Jul 31, 2024 5:32


    Tiro, triatlo e natação marcam este quinto dia dos Jogos Olímpicos que fica para a história com mergulhos para o Sena e a possibilidade de um atleta, o nadador francês Léon Marchand, ganhar duas medalhas de ouro na mesma noite. Uma conversa com o enviado especial da RFI, Marco Martins, ao coração dos Jogos Olímpicos de Paris.

    Saiba o que se passou no quarto dia dos Jogos Olímpicos de Paris

    Play Episode Listen Later Jul 30, 2024 4:01


    A judoca Clarisse Agbégnénou, bicampeã olímpica francesa e a estrela da ginástica norte-americana Simone Biles marcam o calendário desta terça-feira, 30 de Julho, mas também as angolanas no andebol feminino. O repórter Marco Martins está a acompanhar as provas deste 4º dia dos Jogos Olímpicos de Paris. Quais são as provas em destaque desta terça-feira?As atenções estiveram todas centradas na equipa de andebol feminino. Angola perdeu o primeiro jogo frente aos Países Baixos por apenas três golos, mas conseguiu vencer a Espanha por 26 a 21. Hoje à frente a Hungria e uma vitória poderia aproximar cada vez mais as angolanas do sonho de seguir em frente. Nesta prova é preciso terminar nos primeiros quarto lugares para seguir em frente e tentar chegar aos quartos-de-final dos Jogos Olímpicos. As atenções estiveram viradas para Angola, mas também para Portugal para dupla Nuno Borges Francisco Cabral, que no ténis de pares tentaram derrotar a dupla germânica para tentar chegar à terceira ronda do ténis. De referir que já houve más notícias para Portugal no Judo; Bárbara Timo e João Fernando foram eliminados na primeira ronda, enquanto no ténis de mesa Fu Yu foi eliminada na segunda ronda da vertente feminina. Diogo Ribeiro na natação também não foi além das séries do lado igualmente de Portugal.Até esta terça-feira tinham sido atribuídas 137 medalhas olímpicas. Nos países lusófonos apenas o Brasil soma três medalhas: uma em skateboard e duas em Judo. O que está a acontecer aos nossos atletas da lusofonia?Acho que neste momento há uma certa decepção, porque, por exemplo, no skateboard a Raissa Leal tinha boas hipóteses de conseguir ainda melhor, visto que há três anos atrás tinha alcançado a medalha de prata. Desta vez ficaram pela medalha de bronze. Até no Judo, as expectativas estavam mais altas. Por enquanto não se tem traduzido em medalhas de ouro.Do lado de Portugal havia hipóteses com Catarina Costa no judo e Gustavo Ribeiro no Skateboard e os dois acabaram por falhar, por não conseguir chegar às finais e alcançar medalhas. Talvez seja a pressão, talvez seja o facto de este evento ser planetário e estarem apenas aqui os melhores de todas estas modalidades. O que é certo é que ainda há alguns dias para que a lusofonia, tanto o Brasil, Portugal e porque não os nossos países da África lusófona também alcancem alguma medalha? Como disseste o andebol será complicado, mas já vimos outras surpresas nestes jogos Olímpicos.Até domingo, 11 de Agosto vão ser atribuídas 1 041 medalhas nos Jogos Olímpicos de Paris.

    O que esperar dos Jogos Olímpicos de Paris 2024?

    Play Episode Listen Later Jul 26, 2024 22:31


    Pela primeira vez na História, a cerimónia de abertura não vai decorrer dentro de um estádio, a parada das 206 delegações vai atravessar 6 quilómetros do rio Sena. Nas próximas duas semanas, a RFI em português vai acompanhar o maior evento desportivo do Mundo, que decorre em Paris até dia 11 de Agosto. A Cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos 2024 começa pelas 19h30 e prolonga-se até às 23h15, com uma duração total de mais de 3 horas e meia. Um momento acompanhado por mil milhões de telespectadores no mundo.Ouça o que os nossos jornalistas sabem até ao momento sobre este evento.

    França e Europa sustêm respiração com segunda volta das eleições legislativas

    Play Episode Listen Later Jul 5, 2024 9:35


    A França vota este domingo para a segunda volta das eleições legislativas. E isto após uma campanha renhida com muitas desistências, da esquerda, ao centro e à direita, visando bloquear a chegada ao poder da União Nacional [Rassemblement National, RN].A expectativa é grande, neste novo xadrez político, parece inverosímil que se obtenha uma maioria absoluta.Um cenário de tensão ao qual começar por se referir o historiador Victor Pereira. Como olha para a campanha que antecedeu esta segunda volta, mais de 50 pessoas teriam sido agredidas !Houve vários relatos de violência contra candidatos e sempre aconteceu, há momentos mais violentos entre militantes de partidos opostos. Mas parece que o número aumentou e também a sua visibilidade. Para muitos, [é de temer] um eventual surto de violência depois dos resultados. Obviamente que a esquerda teme mais uma violência vinda de extrema direita. Nos últimos meses ou anos há grupos de extrema direita que fazem manifestações que, por vezes, atacam pessoas na rua, obviamente pessoas racializadas, como se diz.E o facto de a extrema direita poder ganhar pode tornar mais importante e talvez mais impune essa violência. E obviamente que o Ministério do Interior, ele, vai temendo é uma violência que viria da rua, de grupos de extrema esquerda ou de jovens que contestariam o resultado, se manifestariam depois de uma vitória da extrema direita. Então, esses momentos são importantes. Obviamente, eles são talvez instrumentalizados pelo governo. O próprio Macron falou de guerra civil, mas o campo político francês tornou-se muito mais bipolarizado. Os médias também. Então, esse clima de violência sempre parece pairar um pouco.O primeiro ministro Gabriel Attal dizia nesta sexta feira que estava disposto a manter-se no poder enquanto não houvesse, de facto, novo governo. O que pode deixar a entender que provavelmente poderá haver dificuldades em viabilizar rapidamente o novo governo. As últimas sondagens, de facto, não apontam para nenhuma maioria absoluta, seja com a extrema direita, seja com a esquerda, seja com a maioria presidencial. Acha que, de facto, avançamos aqui para um cenário de uma maioria muito relativa da extrema direita?Sim, estamos numa situação nova para a Quinta República, Quinta República, que foi feita para assegurar maiorias no Parlamento. Charles de Gaulle, quando instituiu a Quinta República, tinha como contra exemplo a Terceira e a Quarta República, que eram regimes parlamentares...E que não é um sistema proporcional !Não é de todo proporcional e foi feito para ter uma maioria clara e absoluta. E mesmo quando houve períodos de coabitação havia maiorias absolutas.Então, neste caso, muito provavelmente o Rassemblement National não vai ter uma maioria absoluta, ou vai estar longe de uma maioria absoluta, mesmo contando com alguns deputados republicanos que poderiam apoiá-lo. Uma vitória, uma maioria absoluta da esquerda unida parece difícil e uma maioria absoluta do Macron/Ensemble parece complicado. Então, o que pareceu aventado é, como disse com Gabriel Attal, tentar encontrar uma frente republicana que iria, mais ou menos, dos republicanos à direita até aos comunistas.Excluiria a França Insubmissa e a União Nacional.Sim, isso mesmo. É esse discurso que se ouve bastante, que é de luta contra os extremismos, colocando em quase equivalência o Rassemblement National e LFI [La France Insoumise, A França insubmissa, extrema esquerda].É o que participa dessa desdiabolização do Rassemblement National que existe há alguns meses. Mas isso parece pouco provável. A França não é a Alemanha. A França não tem de todo, a cultura do consenso. Tanto os deputados LR [Les Républicains, os republicanos, direita moderada], como os deputados do PS têm muito pouca confiança em Emmanuel Macron porque vêem Emmanuel Macron como alguém que tentou acabar com os partidos tradicionais e buscar deputados, ministros. Portanto, a esquerda e a direita, eles vão ter muitas reservas em participar numa frente dessas. Cujo perigo é o perigo, que já é uma das causas da subida do Rassemblement National ! Isto é, o Emmanuel Macron diz que não é nem de esquerda nem de direita, e vai buscar pessoas à esquerda e à direita. Disse que a melhor forma de governar, é governar com pessoas que vinham da direita e da esquerda. O que fica em caso de fracasso? A única alternância era as pessoas votarem no Rassemblement National, ou com essa ideia que se ouve, muitos. "Nós nunca tentámos. Temos que tentar. São os únicos que nunca tentámos!"Fazer essa nova grande frente republicana para muitas pessoas de esquerda ou de direita... E se não funcionar, o é que é muito provável, porque vai ser complicado governar com o apoio de deputados da LR ou do Partido Comunista, ou dos Verdes, ou de Horizons [Horizonte, partido de direita moderada]. Parece muito difícil.A França Insubmissa vai sentir-se atraiçoada porque viabilizou aqui uma coligação de esquerda: a Nova Frente Popular.Sim, sim. Nesse caso, se essa grande frente falhar... o que não é de todo impossível. De facto, para muitos eleitores, a única alternativa que ficará será o Rassemblement National. Então será que ela é uma solução viável que pode permitir governar a França de forma mais ou menos eficiente e fazer recuar o perigo que constitui o Rassemblement National parece pouco provável?Há muita perplexidade por parte dos eleitores, não é? Como é que se pode agora votar na extrema esquerda quando há pouco tempo ela era diabolizado !É o que eles dizem, por exemplo, em relação ao partido do governo, que tinha até muito recentemente um discurso extremamente crítico em relação à França insubmissa. E que agora que diz caso haja duelo com a União Nacional e a França insubmissa há que não apoiar a União Nacional, logo votar, mesmo que seja na França insubmissa. Isso nota-se também em relação ao voto judaico. E a França continua a ter a maior comunidade judaica da Europa. Ainda nesta sexta-feira se ouvia rabinos a dizer que "Nem um, nem outro". Mas também já se ouviu algumas pessoas do sector judaico a dizer entre um e o outro... talvez a União Nacional, mas nunca França Insubmissa ! Portanto, esta questão do anti-semitismo ficou a pairar sempre sobre estas eleições também !A questão do anti-semitismo teve um papel importante nessas eleições porque foi usada como uma forma de deslegitimar a França Insubmissa.Que eu saiba, não houve nenhum homem político da França insubmissa a assumir que foi condenado por anti-semitismo, o que não é o caso de pessoas mais ligados à extrema direita.Mas uma posição da função assumida de apoio à causa palestiniana. O facto de a France insoumise [França insubmissa, extrema esquerda] terem como candidata as eleições europeias Rima Hassan, que é uma franco-palestiniana que tem um papel forte na defesa da causa palestiniana...E Jean-Luc Mélenchon disse que o anti-semitismo era residual em França.Sim, ele disse que o anti-semitismo é residual em França e tudo isso participou na construção de uma imagem da França insubmissa como anti-semita, o que obviamente eles a recusam.E o Mélenchon e outras figuras políticas da França insubmissa sempre contestaram essa acusação, que é muito grave, obviamente. E dizendo que ser contra a política de Israel no quadro da guerra contra o Hamas não é ser anti-semita. Houve também casos horríveis, como o caso de uma jovem que foi violada em Courbevoie, perto de Paris, porque seria de origem judaica e os adolescentes que a violaram eram as motivações para esse crime horrível...Então é o próprio Serge Klarsfeld que é um militante importante, que foi um caçador de nazis, que encontrou, por exemplo, o Klaus Barbie, que foi um dos que participaram na repressão da resistência em Lyon.Também apoiou o Rassemblement National, dizendo que seria uma defesa para os judeus em França. Essa questão do anti-semitismo foi muito importante. Participou na polarização muito forte desta campanha, onde se multiplicaram insultos à volta desta questão.A Europa sustém a respiração. Como é que explica este tão grande interesse, pelo menos na Europa, em relação a estas eleições francesas?A França é uma das potências europeias, é membro do Conselho de Segurança da ONU. É uma potência nuclear e, obviamente, é um dos países com mais população europeia dentro da União Europeia.E, obviamente, se a extrema direita ganhar, isso provoca muitos problemas diplomáticos nesse sentido que.. Qual será a política ucraniana de um governo Rassemblement National, partido que foi apoiado financeiramente e tem ligações com a Rússia do Vladimir Putin?Será que vai continuar o apoio à Ucrânia ou vai reduzi-la? Também se coloca perguntas de defesa da soberania. Será que documentos confidenciais não chegarão até Moscovo?E, obviamente, numa Europa onde a extrema direita tem uma influência em crescendo, estando no poder em alguns países, como na Itália...Será que se na França passar a extrema direita, os países, os partidos da extrema direita vão ganhar força, mostrando que se a França já é de extrema direita, nós vamos sê-lo em breve. Ultrapassar, o limite que até agora não foi ultrapassado.

    Vlady marca nova fase da carreira com novo álbum "Lua Nobu"

    Play Episode Listen Later Jun 21, 2024 12:20


    O cantor guineense Vlady lançou recentemente um novo álbum, "Lua Nobu", estando a preparar no dia 22 de junho um concerto nos arredores de Paris onde estarão outros artistas da Guiné-Bissau. Este evento serve para colocar música guineense "ao mais alto nível". Nascido em Pelundo, na região de Cacheu, e tendo crecido em Portugal, vivendo agora em França, a música de Vlady, cujo norme verdadeiro é Vladimir Rumpentiam, tem sido influenciada pelos ritmos guineenses, mas também de outros países lusófonos como Cabo Verde ou Angola, tocando agora outros países africanos. O sue novo álbum Lua Nobu, é um reflexo desta abertura."Lua Nobu é uma nova fase da minha vida porque estou a avançar cada vez mais. Em 2022, toda a gente gostou do Nha Mundo e eu agora disse que tinha de ser outra coisa, algo que não tivesse nada a ver. Convidei então vários artistas nacionais e internacionais para participarem neste álbum, incluindo uma cantora senegalesa ou o Maican Monteiro que é cabo-verdiano", disse o cantor em entrevista à RFI.Neste novo álbum, a temática recorrente são as mulheres, com temas como "Rainhas" ou "Mulher perfeita". Vlady assume-se como uma "defensor das mulheres", militando por mais igualdade entre os dois géneros e maior reconhecimento das mulheres na sociedade."Eu sou defensor das mulheres e já está na hora de reconhecer o que as mulheres fazem na nossa sociedade. Quase todas as minhas músicas são sobre mulheres e amor, porque é muito importante. Temos de respeitar as mulheres e dar-lhes valor. Elas sabem fazer tantas coisas que nós homens não conseguimos fazer", declarou.Estando instalado em França há vários anos, Vlady considera que este país é "o centro da música", tendo já uma lista de artistas com os quais pensa fazer projectos no futuro. Entre todas estas colaborações a ideia é sempre elevar a música da Guiné-Bissau."Nós estamos a trabalhar para fazer chegar a música da Guiné-Bissau ao mais alto nível. Para este concerto, há artistas que vêm da Guiné-Bissau que é o Kilograma, e outros que são daqui como Lélé Bissaly, Zalyka e Drai Kala, são optimos artistas e tenho de hes agradecer por participarem neste projecto", explicou.Este concerto vai acontecer no dia 22 de Junho, sábado, em Courcouronnes, junto a Paris.Sobre a actual situação política na Guiné-Bissau, Vlady tem esperança num futuro melhor para este país que "é muito rico" e onde a juventude deve ter um papel mais preponderante a nível político."Eu tenho esperança que a Guiné seja libertada. É muito triste o que se passa e só de ver o que se passa, dói. A juventude guineense tem de acordar e dizer basta. O que se passa lá deixa-me sem palavras. Somos um país muito rico, temos muito para explorar e acredito que tudo isto vai passar", concluiu.

    Vhils veste de azulejos estação de metro do Aeroporto parisiense de Orly

    Play Episode Listen Later Jun 20, 2024 11:46


    Quando Paris se prepara para acolher os seus Jogos Olímpicos começam a sair de terra as novas estações de metro que vão alterar a fisionomia da capital francesa. Na Estação do Aeroporto de Orly, na linha 14 do metro, uma obra monumental de azulejos do artista Vhils presta homenagem a Paris e às suas gentes. A RFI participou na inauguração da estação e falou com este que é um dos maiores expoentes da arte contemporânea portuguesa. Paris acolhe o mundo a partir de 26 de Julho para os Jogos Olímpicos de 2024.Praticamente um mês antes do arranque da competição a capital francesa passa a ser ligada por metro, num trajecto de cerca de 20 minutos, até um dos seus aeroportos internacionais: o de Orly.A inauguração do prolongamento da linha 14 do metro parisiense, para norte e para sul, no caso até Orly, acontece a 24 de Junho.A estação do aeroporto, essa, foi inaugurada nesta quarta-feira, 19. Como nas quase 70 novas estações que compõem a rede Paris Express, que devem alterar a fisionomia dos transportes, aqui também dois artistas deixaram uma obra perene.O desenhador francês de banda desenhada Edmond Baudoin e os seus "Jogos de crianças", ilustra, nas paredes da própria plataforma do metro, a forma como os mais novos olham para o mundo da aviação.Por seu lado o português Alexandre Farto, celebrizado mundialmente pelo nome artístico de Vhils assinou a obra "Estratos urbanos" [Strates urbaines].Trata-se de um mural de azulejos, azuis e brancos, de 34 metros de comprimento e 7 metros de altura representando Paris, os seus monumentos: mas também os rostos plurais dos seus habitantes que se confundem com a própria cidade.Do grafitti ilegal no Seixal, arredores da capital portuguesa, até muitas obras dispersas pelo mundo... aquele que era um dos maiores expoentes da chamada "street art", arte da rua lusitana, instalou-se no interior daquela que será uma das principais portas de acesso doravante para Paris: a partir deste aeroporto do sul da região da capital francesa.Foi entre os níveis -1 e -2 desta estação de metro do Aeroporto de Orly, junto à obra monumental do artista, que conversámos com Vhils, logo após a respectiva inauguração, abrilhantada pela presença de Luís Montenegro, primeiro-ministro português."Vhils admite que esta obra marca, mesmo, uma viragem no seu percurso."Foi uma honra e foi, para mim, que comecei a trabalhar maioritariamente na rua, com 13 anos... Estar aqui a fazer esta obra, para mim é um novo caminho para o trabalho, mas também para toda a equipa. Já somos algumas pessoas e temos trabalhado bastante em vários sítios, mas nunca numa estação. E não um trabalho tão pouco efémero como este, porque é um trabalho que há-de ficar e que para nós teve muito significado. E acho que sim, é um marco, é um passo na carreira."Você fez questão de vincar de onde vinha. Falou das suas raízes alentejanas, para além de ser também um filho dos subúrbios de Lisboa, do Seixal. Porquê?"Primeiro porque tenho orgulho do sítio onde nasci, e que me deu muito. E depois também, numa altura em que no mundo há muitas questões a serem levantadas em relação a isso, de demonstrar também que todas estas estruturas que foram criadas depois da Segunda Guerra, maioritariamente a União Europeia...E o facto de haver estas interligações entre países, proporcionaram-me a mim e aos meus pais saírem do Alentejo. Hoje em dia vivem em Lisboa. E a mim também de chegar aqui e fazer um projecto que envolveu pessoas de França, de Portugal, mas também de outros países europeus e dos países do mundo inteiro. E que isso é importante ressalvar e preservar.E ter noção que foi, graças a uma série de investimentos em infra-estructuras, seja nas escolas, seja nos hospitais onde eu nasci e seja dentro desse percurso, que é um esforço colectivo que me permitiu também estar aqui.   E acho que eu: vindo do graffiti e ter feito o meu percurso.. Tudo bem, houve muito trabalho e muita dedicação ! E não estou a falar que não há uma iniciativa própria de ter lutado por muita coisa. Mas houve uma série de condições que foram criadas pelo meio. E por uma Europa que me permitiu chegar a partir das ruas a trabalhar para conseguir chegar e fazer uma peça aqui. Todas as pessoas que fui também envolvendo no processo do atelier, tanto da fábrica de azulejos em Portugal, como a equipa que trabalhou também em França, que também tinha portugueses. E esta estação também tem portugueses a trabalhar !E isso demonstra também que quando nos unimos e quando temos esta integração, que existe entre os vários países da Europa, conseguimos ter mais força. Porque é na diversidade que também conseguimos, se calhar superar-nos. E foi por aí que também quis vincar esse lado."   Pintou na ilegalidade, como o dizia, e agora é consagrado. Tem vários projectos simultâneos em Paris e este é aquele que vai ficar. Já está ligado a Paris: penso, por exemplo, naquela Torre de Paris 13 que acabou por ser dinamitada. Já esteve em várias galerias, agora também está em "We Are Here". Como é que de repente se criou este quase cordão umbilical tão forte com Paris?"Paris sempre foi uma cidade com uma força e um centro gravitacional à volta do mundo da arte muito importante ! E já desde os tempos em que pintava e que tinha muitos colegas e que pintavam em Paris, de Paris e de outros sítios. Desde então foi uma relação já de 15 anos. Quase que com frequência sou convidado para projectos, ou que venho pintar com colegas que também são artistas. E essa relação foi ficando e é para mim bastante importante."Esta matéria-prima é muito portuguesa, o azulejo. Todavia, tenho a impressão que você tem tido muitas outras matérias-primas que não necessariamente o azulejo. Como é que foi pegar neste património, neste DNA português? O que é que você quis, de facto, mostrar aqui com esta obra?"Primeiro de tudo, eu queria fazer uma obra que recebesse as pessoas e que de alguma forma humanizasse o espaço e a arquitectura. Toda a natureza de trabalhar no espaço público tenta trazer um bocadinho a humanidade e a relação a esta relação que as pessoas têm com a cidade e a arquitectura... Que a mim sempre me pareceu um pouco fria e de betão e cinza. E para mim eu queria quase partir a superfície da estação. E com ela deixar libertar o azul cobalto, que foi a cor que também escolhi aqui. E quase que revela uma série de monumentos, uma série de imagens, de olhares que muitas vezes vemos em estações. E queria criar uma relação com o "viewer". O azulejo, para mim; foi um caminho natural. Porque é uma coisa muito ligada a Portugal, às minhas raízes. Mas tentei-lhe dar uma outra leitura e ir mais longe. Ele não é pintado. São 11 658 azulejos, todos eles cravados, todos eles únicos, que envolvem o trabalho de uma fábrica que fechou a porta quase durante dois anos para produzir em Portugal. E que depois houve uma equipa também em França que as recebeu e que as montou e que comigo e com toda a minha equipa..." A cozedura das peças foi então numa fábrica portuguesa ?"Sim, foi em Portugal. E, basicamente, todo o processo que ele implica, cada um é único e é  cravado unicamente. Ele fica como o relevo e tem um género de umas paredes à volta. Ele é posto o pó de vidro em cima, o cobalto. E quando vai ao forno derrete. E, conforme está mais cravado de fundo fica mais escuro. Quanto mais está a superfície mais claro fica. E é nesse processo: ou seja, tentei trabalhar o azulejo e puxá-lo um bocadinho mais à frente. E fazer uma empresa familiar que trabalhava em azulejos há muito tempo e juntá-la com uma empresa de inovação que trabalha basicamente a gravação. E tentei basicamente dar um "push", não só na técnica de azulejo, mas algo também que fosse ligado ao meu trabalho, que é sempre esta ideia de destruir a superfície. E mostrar o que está por trás e revelar e deixar que ela crie a imagem."Voltam-se a ver os rostos como no passado. Você já desenhou muitos rostos nos prédios, nas paredes. Não há só a Torre Eiffel, que é tão simbólica de Paris. O que é que você vê mais aqui?"Temos vários edifícios: temos o Pompidou, temos uma série de pontos. E depois temos a planta, que vemos numa segunda "layer", que é a planta de Paris. E uma série de padrões também, de que me fui inspirando por várias partes de Paris. A ideia era mesmo conseguir criar quase este simbiose entre nós, o ser humano. Os rostos são anónimos, foram imagens que eu fui desenhando por Paris e aqui no aeroporto também.    Mas quase que os rostos se misturam e eles misturam-se completamente com a cidade. E essa é a intenção, porque no final é aquilo que nós somos. No final, nós somos um reflexo do sítio de onde vimos, do sítio de onde vivemos e raramente influenciamos esses sítios. E esses sítios influenciam-nos muito mais !E é nesse sentido que também queria fazer aqui uma homenagem a isso.E também uma reflexão sobre a diversidade de Paris e a diversidade da riqueza cultural que existe. Não só do património, mas também das pessoas e das histórias que existem em Paris."Trabalhou com arquitectos, necessariamente. Foi necessário integrar a sua peça numa estação de metro: a linha 14, que é prolongada até aqui, ao aeroporto. Como é que foi esse trabalho, também ? Com uma grande obra de transportes, que vai mudar Paris e que vai nomeadamente, ser um cartão de visita para os Jogos Olímpicos agora de 2024?!"O desafio foi-me feito por um projecto que fala de "Grande Paris" e de abrir Paris também. E da relação com uma estação de transporte: em que entramos. É quase entrar e poder ter o acesso a toda uma outra parte da cidade. E esta relação também com o céu e com a entrada e a saída. Daí também a escolha da cor e da técnica, que tem muito a ver com esta relação, que é um novo portal que nos permite, se calhar, aceder a uma parte de Paris que antigamente não estava ligada e que nos abre a porta a outros sítios e nos aproxima também."Aqui também há Edmond Baudoin, portanto, um outro artista com "Jogos de crianças". Como é que foi a vossa interacção? Porque, aliás, os tons, ao nível da cor, têm muita semelhança."Eu sou um grande fã do trabalho dele. Todo o trabalho que ele faz de BD [Banda desenhada], já e a influência que ele teve é gigante ! Foi a convite também do curador do 104 [Centro de arte da região de Paris dirigido por José Manuel Gonçalves] que nos fez este convite. E fizemos. E é interessante: porque cada um de nós seguiu um caminho. E, depois, encontrámo-nos e percebemos que tínhamos também sido inspirados e encontrado também um ponto em comum, não só na parte cromática como até conceptual: os trabalhos tocaram-se."Você também fez questão de vincar o facto de que tem uma equipa: uma equipa grande. E que não é só portuguesa, que está em vários recintos. O que é que é Vhils em 2024, então: para além do artista que nós conhecemos ?"Sou o artista que faz estes projectos, exploro o meu trabalho e estou constantemente em procura. Mas queria ressalvar que também que é um trabalho de equipa.Que muitas vezes é invisível e que é importante ressalvar. E, mais do que isso, é um trabalho também que inclui equipas que são muito diversas e que trabalhamos, não só em Paris, como já fizemos projectos em muitas partes do mundo. E sem o atelier, sem esta diversidade e sem as pessoas. E a sorte que eu tive..."Cabo Verde é um deles !"Cabo Verde, sim. Tenho dois colegas. Temos também do Brasil, temos em muitos sítios. Mas é nessa riqueza também que a equipa se vai crescendo, amadurecendo e também evoluindo também o trabalho. Eu queria ressalvar isso porque acho que é importante, nos tempos em que vivemos hoje, em que muitas coisas estão a se levantar em questão a importância de entender o outro e humanizar o outro. E do que é que ganhamos quando conseguimos criar um diálogo e pontes com outros sítios e outras culturas."Paris vai ser definitivamente uma cidade diferente das demais, então, para si, a partir de hoje ?"Já era. Mas ainda mais é hoje ! E também pela comunidade toda portuguesa que cá existe. Tenha também muitas pessoas conhecidas que emigraram para outras forças, noutras alturas, outras que estão cá por trabalho. Mas é uma cidade sempre muito especial para mim. Acho que para qualquer português."E a presença do primeiro ministro português aqui teve algum significado especial para si ?"Não estava à espera. Não foi uma coisa planeada. Pode sempre haver mais apoio e mais estratégia, mas sem dúvida que estar aqui foi importante para mim. Mas é sempre bom quando vimos o nosso trabalho reconhecido. E e o trabalho da classe e a cultura ! Um bom reflexo também para o trabalho que fizemos, e que a equipa fez também."Finalmente também está, como por exemplo, o "We Are Here", com o Pantónio, também, com Add Fuel [no Petit Palais]. Como é que foi abraçar esse projecto que envolve figuras muito consagradas da arte contemporânea, para não dizer do "street art"?"Foi muito bom e foi super bom voltar a rever o Pantónio e o Add Fuel. São colegas de longa data, já pintámos também noutros tempos e são artistas que sempre tiveram um impacto muito grande em mim. E dá-me um gosto enorme ver o trabalho reconhecido ! E ainda para mais na exposição que é, na Mostra que é, com os artistas todos que estão incluídos."Para os artistas em geral que gostariam de singrar e de insistir: o que é que você lhes diria?"Que nada substitui o trabalho, a intensidade de trabalho e dedicação. Acho que tudo é possível de aprender ! Não acredito que seja uma coisa que nasça connosco. E acho que é tudo uma questão de percepção e de trabalho e dedicação. E as coisas, se acreditarmos, conseguimos dar a volta. Nem sempre temos tudo a nosso favor, mas também nem sempre temos tudo contra nós. Por isso acho que é uma questão de não desistir e de ter força." 

    "Perante o populismo, o principal desafio é que a democracia funcione melhor"

    Play Episode Listen Later Jun 17, 2024 7:56


    O Senado francês recebeu na sexta-feira a segunda reunião da Internacional Democrata do Centro África (IDC-África). No evento participou o primeiro-ministro cabo-verdiano e presidente da IDC-África. Perante "os ataques à democracia, populismo e extremismo, o principal desafio é que a democracia funcione cada vez melhor", defendeu Ulisses Correia e Silva. RFI: Quando falamos de democracia, quais são os desafios que enfrentam os países africanos? Ulisses Correia e Silva: Um dos grandes desafios é fazer com que a democracia funcione cada vez mais e melhor em África. Há desafios importantes num contexto em que o mundo também está complicado nesta matéria; com ataques à democracia, populismo, extremismos, maus exemplos que vêm também do Ocidente, que acabam por contagiar negativamente aquilo que são as perspectivas da democracia, nomeadamente que contagiam negativamente aqueles que não querem ir pela via da democracia. Nós, aqui na IDC-África, somos muito claros relativamente às questões do contexto global de que a maior melhor resposta aos ataques à democracia é haver mais e melhor democracia, boa governança, liberdade e fazer com que as instituições funcionem e que não seja apenas realizar eleições, mas que essas eleições reflictam aquilo que é a vontade popular quer dizer: tem que haver sistemas credíveis. Depois é preciso que a justiça funcione como um instrumento de recurso a eventuais conflitos, muitas vezes esses problemas de conflitos internos desembocam em conflitos mais graves e às vezes um golpe de Estado, acontecem porque não há confiança no sistema, não há confiança nas instituições. Você vai às eleições e sabe que se perder tem que aceitar, mas se tiver dúvidas, há recurso e esse recurso é por tribunal eleitoral - não pode depois criar condições para que faça depois a justiça na rua ou a Justiça através da força das armas. Há que pôr as instituições de facto a funcionar com credibilidade. Depois é a questão das próprias liberdades, o problema foi discutido aqui porque não é só fazer eleições, é garantir que todos estão em pé de igualdade, que a comunicação social seja acessível para todos, que haja pluralismo, que haja transparência no uso dos recursos públicos; relativamente a quem está no poder e quem está na oposição. Todas estas matérias conformam a necessidade de termos de facto sistemas muito mais fortes.Na conferência foi evocado o facto de não haver pluralismo político, nomeadamente em Moçambique e Angola. Cabo Verde foi dado como um exemplo em termos democráticos, na África lusófona?Em Cabo Verde,  nós tomamos uma opção desde desde 1991, quando fez a mudança substancial de ruptura do regime de partido único para democracia. A  Constituição de 1992 tem uma arquitectura muito forte. Por isso que os poderes são equilibrados em Cabo Verde, ninguém tem poder absoluto ou excesso de poder que não seja regulado. Temos o governo que governa, temos o Presidente da República com as suas competências e temos o Parlamento. Depois temos a Justiça que funciona e, mais do que isso, temos o controlo social, porque não há nenhum poder que não tenha que ser controlado, fiscalizado pela cidadania, pela comunicação social que faz o seu papel, pelos partidos políticos que fazem a oposição, isto é que torna a democracia cabo-verdiana forte. Para além disso, nós temos um outro factor também de check in balance, que é a nossa diáspora, que se interessa muito pela política nacional, que elege seis deputados no Parlamento e que tem os olhos também colocados sobre a democracia cabo-verdiana. Por isso é que nós temos um sistema que é uma opção e tem estado a funcionar bem.De que forma é que interpreta estas afirmações de partidos que estão no poder há quase 50 anos, como é o caso do MPLA em Angola, como é o caso da Frelimo em Moçambique?Cada país tem que resolver os seus os seus próprios problemas. Repare, a democracia pressupõe alternância e a alternância pressupõe criar condições para que o sistema democrático funcione mesmo se um partido ganhar várias vezes e se ganhar dentro do quadro do jogo democrático, dentro dos quadros de transparência, do quadro participação, o quadro de pluralismo pode não ser um problema. O problema é se as condições estão criadas para que isso aconteça. Por isso nós estamos em crer que este aqui é um desafio e que, como nós constatamos na conferência, não há melhor solução do que ter democracias credíveis, ter sistema de boa governança, porque os países não funcionam apenas com instituições e com políticas, funcionam com pessoas. É preciso que as pessoas estejam motivadas, se sintam parte, que não se sintam frustradas, enganadas no funcionamento do sistema democrático. Isto faz mover forças que fazem o desenvolvimento acontecer.Esta conferência lembra a necessidade de haver democracias sólidas e a necessidade de haver desenvolvimento pela via democrática?Sim, sim, é isto. As coisas estão interligadas. Democracia é desenvolvimento. Depois há um factor de segurança que foi aqui também discutido e que está cada vez mais interligado num mundo que está a pôr tudo em causa; o pós verdade, a  chamada política quântica que relativiza tudo. Às vezes mistura aquilo que é a democracia dita liberal, quando não é liberal e as coisas não podem ser tudo e o seu contrário. Por isso é que nós temos a intenção de nos focar nos princípios e valores essenciais que caracterizam a democracia, seja ela ocidental, africana, asiática. É na defesa e na protecção desses valores que nós trabalhamos.Foi também questão de paz e segurança aqui naconferência. De que forma observa a configuração de paz e segurança na Rússia e Ucrânia?Nós esperamos que se encontre uma solução. Cabo Verde posicionou-se de uma forma muito clara desde a primeira hora:  Defendemos valores de defesa, de soberania, de integridade territorial dos países, de democracia, da livre expressão da vontade dos cidadãos. A guerra não é solução para nada só provoca destruição, morte e estamos também empenhados para que de facto, pelo menos desejosos, de que se consiga a paz na Ucrânia.Cabo Verde participa na Conferência de paz na Suíça Cabo Verde e tem apelado, por várias vezes, a uma posição unânime no quadro da CPLP relativamente à invasão russa na Ucrânia.Cada país tem o seu posicionamento e o posicionamento de Cabo Verde é claro. Nós somos consistentes e coerentes no nosso posicionamento. Agora, os outros países terão e têm expressar as suas posições. A CPLP, enquanto organização da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, não tem a pretensão de uniformizar ou padronizar as posições geopolíticas que cada país está empenhado fazer. Portanto, seria o ideal, de facto, que houvesse convergência, mas não é imposto.Foi aqui referido também por vários intervenientes, o facto de haver muito financiamento à Ucrânia e de não acontecer o mesmo quando há outros conflitos que decorrem em simultâneo, como é o caso na RDC, no Sudão. Como é que isto se explica?Todos os conflitos devem ter a sua devida atenção, mas são também diferentes. É claro que há, de facto, riscos geopolíticos relativamente à invasão da Rússia a Ucrânia. O problema não só na Europa, mas contagia depois o resto do mundo. E há conflitos que precisam de ser também devidamente tomados em conta para se poder ter encontrado também as vias da paz.

    Cimeira da paz com Ucrânia, mas sem Rússia e China

    Play Episode Listen Later Jun 15, 2024 6:02


    A Suíça acolhe este sábado e domingo a Conferência para a Paz na Ucrânia, que junta representantes de mais de 90 países e organizações internacionais. A Ucrânia quer manter uma ofensiva diplomática para que ninguém se esqueça do que está a acontecer em Kiev. "Os resultados serão sobretudo no sentido de obter uma foto de família em torno do apoio à Ucrânia", aponta a especialista em Relações internacionais da Universidade do Minho, Sandra Dias Fernandes. RFI: Cerca de 90 países e organizações internacionais marcam presença na cimeira para a paz na Ucrânia que decorre este fim-de-semana em Bürgenstock, na Suíça. A Rússia não foi convidada e a China decidiu não participar na cimeira. O que se pode esperar?Sandra Dias Fernandes: Os resultados esperados são todos muito indirectos porque primeiro estão dois grandes ausentes a Rússia e a China. A Rússia porque não foi convidada e a China porque declinou o convite. Além disso, o objectivo de ter uma representatividade muito ampla em termos daquilo que se chama sul global também não foi alcançado. Ou seja, cerca de metade destas delegações são europeias. Os resultados são indirectos e serão sobretudo no sentido de obter uma fotografia de família em torno do apoio à Ucrânia. Uma fotografia de coligação, digamos assim, ou de um certo alinhamento mais amplo do que a coligação restrita que implica a Europa, a NATO e os Estados Unidos da América. E, sobretudo, provar que existe em torno da causa ucraniana uma perspectiva de médio longo prazo.Zelensky acaba de fazer uma grande turnê em que encontrou os grandes dirigentes do mundo inteiro, em vários formatos, sendo o mais recente o que encerrou esta sexta-feira no G7, na Itália. Com esses encontros e a consolidação de acordos bilaterais, de empréstimos, de promessas de ajuda - e também os Estados Unidos, tendo na passada quarta-feira aprovado uma nova bateria de sancções, até bastante mais abrangentes do que as anteriores contra russos - faz com que esta Conferência para a Paz tenha sobretudo um contexto de preliminares; criar condições preliminares a uma eventual discussão mais séria, em que, obviamente, os russos têm de estar envolvidos em qualquer discussão de cessar-fogo.Falou da ausência de grandes protagonistas na geopolítica global como é o caso da China, que é o principal comprador de petróleo da Rússia, que ajuda a alimentar a economia de guerra de Moscovo, mas também a ausência do Presidente brasileiro Lula da Silva, que disse que não ia estar presente, uma vez que esta conferência de paz sem uma parte do conflito não faz sentido?Por parte do Presidente Lula da Silva há, de facto, uma relação muito fria com o presidente Zelensky. Desde o início da guerra, nas primeiras semanas depois da guerra ter começado em 2022, Lula da Silva disse que nesta guerra havia dois culpados e Zelensky era um deles. Há aqui um grande frio na relação interpessoal entre Lula da Silva e Zelensly, mas de sublinhar que o Brasil não deixa de estar representado. [Lula da Silva] Indicou que iria enviar um observador, portanto um diplomata brasileiro que iria servir de observador na conferência, mantendo, apesar de tudo, um canal aberto.A China é obviamente mais problemática porque o alcance das conversações que vão ter lugar este sábado e domingo só é possível se a China estiver envolvida. O alcance é sempre muito difícil de ser mais abrangente, mais real, mais substantivo sem a China, que é de facto um dos países ou a única superpotência aliada da Rússia e que consegue pressionar a Rússia. Até porque há fortes interdependências que são desvantajosas para a Rússia e que colocam a Rússia numa posição de poder menos forte face ao parceiro chinês.Para haver paz é preciso que a Rússia saia de todos os territórios ocupados, inclusive da Crimeia, disse Zelensky. Putin diz estar disposto a um cessar-fogo quase imediato no caso da Ucrânia sair, por sua vez, de territórios como Zaporizhia, Kherson, Donetsk e Luhansk, mas Zelensky não aceita a sugestão repetida de Putin. O impasse continua?Estas duas posições negociais são neste momento irreconciliáveis. O Zelensky diz, por um lado, que um dos termos da paz é a recuperação da integridade territorial completa da Ucrânia, ou seja, pré 2014. O que a Rússia diz é que uma das condições para começar a negociar é que seja aceite que as cinco regiões especiais, que é assim que os russos chamam essas regiões, sejam reconhecidas como russas. Isto é um ponto de facto irreconciliável neste momento entre os dois actores.Nesta Conferência para a Paz na Suíça, a Ucrâna está a tentar fazer com que saia uma declaração que mostre os pontos de consenso alargado a nível mundial, para além da Europa e dos Estados Unidos da América. Nesses pontos de consenso não está a questão territorial, mas sim a questão da segurança energética e nuclear, a questão da livre circulação no Mar Negro, para que possa haver escoamento de cereais, nós sabemos que a Rússia e a Ucrânia têm um grande monopólio na exportação de cereais, que são fundamentais, nomeadamente para países como o Egipto, que aliás, é um dos grandes ausentes também desta Conferência para a Paz. O último ponto que [Zelensky] gostaria que ficasse na declaração conjunta, é a continuidade da pressão para que as crianças ucranianas que foram deportadas para a Rússia sejam devolvidas à Ucrânia. Estima-se que cerca de 20.000 crianças tenham sido forçadas a deixar a Ucrânia para serem "acolhidas", é o termo utilizado pela Rússia, por famílias russas.Mas há também a questão das ameaças nucleares?O que está em cima da mesa não é tanto as ameaças nuclear. É a segurança nuclear, ou seja, que precisamente cesse devido aos ataques russos e a presença russa na região de Zaporizhia, que é uma das maiores centrais nucleares europeias, que cesse de pairar o espectro de uma catástrofe nuclear devido a uma bomba que exploda, a uma má manutenção da central, que este contexto de guerra de facto coloca um problema nuclear - que nem sequer vem da questão militar, mas vem da questão da energia nuclear civil. É essa dimensão de segurança nuclear que está em causa nesta cimeira.

    Adalberto Costa Junior: "Não há razão para se adiar as autárquicas para além de 2025"

    Play Episode Listen Later Jun 14, 2024 28:33


    Adalberto Costa Junior considera que dentro de 30 dias as eleições autárquicas podem estar aprovadas em Angola e que o primeiro escrutínio deste género terá de acontecer até 2025. ano em que o país assinala 50 anos de independência. O líder da UNITA denuncia um "clima de violação das leis", em que a liberdade no país está limitada para todos, desde os partidos da oposição aos jornalistas, avisando que se aproxima o tempo da mudança em 2027. O líder da UNITA esteve em Paris para participar na conferência internacional sobre “Democracia em África”, realizada pela IDC-África, a componente para África da Internacional Democrata Centrista e na RFI falou sobre os desafios de Angola, nomeadamente a concretização das eleições autárquicas, mas também da falta de liberdade no país e a fome.RFI: Na quarta-feira, pela primeira vez, houve deputados da UNITA presentes nas celebrações do Dia da Rússia, em Luanda. Isto significa que a UNITA está a mudar a sua posição em relação a este conflito?Adalberto Costa Junior: Não foi a primeira vez e quem lhe fala esteve mais do que uma vez na embaixada da Rússia nos últimos anos e vários outros colegas. Penso que, neste contexto não há novidade, na medida em que nós nunca tivemos dificuldade em ter diálogo na pluralidade. De facto, nesta comemoração do aniversário da Rússia, houve uma delegação de deputados que lá esteve e também acompanhei o que foram os pronunciamentos do embaixador que dirigiu algumas palavras pomposas de reconhecimento à própria UNITA na sua presença. Mas quero lhe dizer que não, não é novidade. A UNITA tem estado presente. Portanto, vamos continuar a pretender ter um diálogo abrangente com quem intervém no âmbito das relações político-estratégicas do Mundo. E a Rússia em Angola tem um papel histórico que nós todos conhecemos.Portanto, a Rússia não pode ficar à parte.Eu penso que seria uma ilusão se nós quisermos excluir um actor com o protagonismo e a influência que tem. É um país detentor de material nuclear, atómico, tecnológico e com relações institucionais com uma boa parte membro dos BRICS. Uma realidade e, portanto, é preciso muita gente começar a saber fazer contas a esse nível e não excluir nunca ninguém.Falando agora do que se passa em em Angola, a UNITA e o MPLA concordaram em participar numa comissão negocial inter partidária sobre as eleições autárquicas. Estamos então mais perto de um entendimento sobre a organização destas eleições?Não deixa de ser importante referir que esta é provavelmente a questão mais central naquilo que é a agenda política actual. Como sabe, as autarquias locais em Angola nunca tiveram lugar e nunca tiveram lugar porque o partido que governa o país tem medo de dar ao povo soberano as condições de escolher os governantes locais. Isto vem de um vício de nomeações não democráticas. Hoje nós temos administradores em todo o país, mas que não têm legitimidade porque não foram escolhidos pelo povo e obedecem a quem os governa, ou seja. o Presidente da República. Nós temos vindo a retardar o desenvolvimento, temos vindo a retardar a proximidade, temos vindo a retardar a qualidade da própria governação como consequência deste problema. Aquilo que eu sinto é que as desculpas se esgotaram e é impossível dizer-se que é pela incapacidade dos deputados porque os deputados não têm a este nível nenhuma responsabilidade. Hoje, felizmente, temos uma comissão que está sentada com o propósito de debater os conteúdos da lei última que falta aprovar há muitos anos. Eu faço votos que, no espaço mais curto possível, nós tenhamos de facto esta lei aprovada e, de facto, a condição de termos eleições autárquicas em todo o país e em simultâneo, que é este o grande elemento que nos diferencia do partido do regime que continua a não querer fazer eleições autárquicas simultaneamente em todo o país, apesar de ter sido retirado gradualismo constitucional que lá se encontrava.E esse curto espaço de tempo, estamos a falar de meses, estamos a falar de anos? Qual é que é o roadmap, o plano para daqui a algum tempo os angolanos então irem às urnas nas eleições autárquicas?Olhe, a UNITA tem um projecto de lei bastante completo sobre a mesa. O projecto de lei do Governo é mais pequeno, Enfim, tem aspetos de facto que levantam a necessidade de debate. Mas é um debate que na especialidade, se houver vontade, não temos motivo nenhum para ser mais do que 30 dias. Não há motivo absolutamente nenhum. Agora nós entendemos que não há razão nenhuma de adiar as autarquias para além de 2025.Esta comissão pode ser um primeiro passo para atenuar o tal clima de intolerância política do qual a UNITA se tem vindo a queixar nesta legislatura?O clima de violação das leis, eu prefiro chamar-lhe assim a tal intolerância, infelizmente, está hoje dirigido a toda a gente. Aquilo que ontem era um problema da UNITA, hoje é um problema de todos os que pensam diferente, inclusive do MPLA. Os membros do MPLA que, por etapas, vêm a público dizer o que pensam, são punidos, são afastados, sofrem as consequências, são demitidos. Daí a quantidade de leis que este partido de regime vem aprovando nos últimos anos de proteccionismo exagerado do Estado e a qualidade da democracia. Todos os meses, todos os dias, naquele nosso país e, portanto, é preciso todos nós pensarmos que temos que agir e temos que agir depressa, porque Angola hoje faz face a uma crise que não é política, apenas é uma crise social da mais grave consequência, uma crise económica terrível que afecta as famílias e as empresas. A estabilidade de toda a gente. É uma crise institucional, porque as instituições estão doentes com a gravidade de que não temos independência do poder judicial, não temos independência da própria Assembleia.E em relação à liberdade de imprensa e o lugar dos jornalistas? Angola subiu 21 lugares no ranking da liberdade de imprensa. Mas continuamos a ouvir falar todos os dias de jornalistas ameaçados que se vêem até alguns obrigados a sair do país. O clima melhorou mesmo, ou muitos já nem sequer se manifestam e por isso, simplesmente batem com a porta?Eu penso que esta subida poderá ser fruto dos dólares angolanos que servem para comprar uma imagem. O regime angolano fez uma opção desde meio o ano passado para hoje, que é a compra das conferências internacionais em Angola. Paga as conferências, paga as estadias, diminui os custos a quem viaja, vende uma Angola ilusória. Mas a circunstância de vida dos angolanos piora todos os dias. Como qualquer observador isento verifica com as lutas sociais extremadas com a própria UNTA, central sindical, com vínculos de proximidade ao regime, a fazer greves sem limites e a aderir como nunca no passado.Sobre a crise económica e as lutas sindicais do país, é verdade que os sindicatos se têm mobilizado no último ano em múltiplas greves, como acabou a dizer, devido às condições de vida no país, nomeadamente o aumento do custo de vida que é enorme. O salário mínimo acaba de subir para 100.000 kwanzas. Será que este aumento chega para quem, por exemplo, quem vive em Luanda e que tem um nível de vida semelhante ao de Lisboa ou de alguém que vive aqui em França, por exemplo, em Estrasburgo?Eu vou lhe dar um exemplo muito concreto do que se passa com o valor do kwanza. Nós tivemos as eleições em Agosto de 2022 e nesta altura 1.000 euros custavam 420.000 kwanzas. Passados menos de dois anos, um ano e portanto, oito meses, hoje o Kwanza vale três vezes menos. Quando não se tem um país que produz o que consome e é tudo importado, esta consequência vai directamento para o bolso do chefe de família, vai direto em cima para as empresas e é insuportável. O que é que significa? Significa que os 100.000 kwanzas de hoje correspondem, na verdade, 33.000 kwanzas. Portanto, este salário não é o salário que as pessoas possam imaginar e corresponde 100 euros mais ou menos. 100 euros para uma família que tipicamente é grande, que tem filhos a estudar, que tem que apanhar transportes. Tudo aumentou porque dá ideia que quem está a governar está a governar ao acaso, não têm uma agenda. Há uma depreciação do kwanza e simultaneamente há o aumento dos custos dos combustíveis e o disparo da cesta básica, quer dizer, uma inflação que ultrapassou os 40%.Outra realidade no sul de Angola é a fome e a fome. Devido à seca, tardam cada vez mais soluções para a população que vive então esta seca extrema. Recentemente noticiamos aqui na RF que as famílias angolanas vão à Namíbia procurar comida nos contentores do lixo. O que é que a UNITA propõe para estas famílias?É um drama. Gostaria muito de dizer sim, tem razão. É apenas um problema do Sul de Angola. Mas não, este é um problema de todas as províncias do país. A fome hoje bateu à porta não apenas da classe mais desprotegida, mas bateu à porta da classe média. A classe média em Angola desapareceu. Nós hoje temos um fosso enorme entre a extrema pobreza e os hiper ricos, que continuam a acumular cada vez mais capital. Quem são? São os membros do Governo, que são os verdadeiros empresários que competem com os outros empresários de vocação, que estão falidos, todos eles abandonados. Porquê? Por causa do senhor presidente que só faz contratação simplificada. Quanto à fome, hoje temos que nos sentar todos e rápido, porque as consequências da pobreza não devem ultrapassar determinado limite de ruptura. Porque depois eu não sei se nós vamos ter capacidade de segurar as consequências no país.E enquanto tudo isto acontece em território angolano, Angola é vista a nível do continente como um país capaz de mediar conflitos a nível internacional e, por exemplo, a União Africana tem tanta confiança nas capacidades diplomáticas do Presidente João Lourenço que acabou por designa-lo como o campeão da paz. Também tem essa confiança no presidente João Lourenço?Quanto terá custado esta questão? Quanto terá custado em dinheiro angolano? Por exemplo, há uma rotatividade na SADC, há uma rotatividade na União Africana todos sabem que não era a vez de Angola estar a presidir. Sabem que também não será a vez de Angola no próximo ano. E todos sabem que estamos a um passo de garantir que poderá ter a presidência da União Africana. Quanto é que isto custa ao bolso dos angolanos? Quantos pobres vamos crescer perante esta venda de ilusões? Porque depois isto não leva nada. O tempo continua a rodar, amanhã já não está na governação. As verdades vêm ao de cima. Não tenho dúvidas nenhumas que isso não tem valor nenhum, porque isso não corresponde à verdade. Nós fomos obrigados a mover um processo de impeachment ao Presidente da República por violações à Constituição, por violações às leis, por violações, aos direitos humanos, por corrupção ativa. Portanto, como é que é possível juntar as duas circunstâncias, ter o campeão da paz e, simultaneamente, o violador das leis? Isto é incompatível. O tempo de mudança está aí. Só não vê quem não quer. Ele vai nos chegar também, seguramente, a Angola. As autarquias são o intermédio que nos pode ajudar a diminuir as exposições. Mas nós estamos atentos para que 2027 traga efectivamente a mudança que nós esperamos. Muito obrigado.

    Antigo PM apresenta queixa-crime contra Presidente da Guiné-Bissau

    Play Episode Listen Later Jun 7, 2024 5:19


    O antigo primeiro-ministro guineense, Martinho Ndafa Cabi, apresentou na quinta-feira, 6 Junho, no Ministério Público uma queixa-crime contra o Presidente Umaro Sissoco Embaló por atentado contra a Constituição, coerção dos órgãos constitucionais e abuso de poder das funções, enquanto chefe de Estado. O presidente do movimento Cidadãos "Patriotas para a Salvação da Constituição e da Democracia". denuncia ainda um clima de intimidação e acusa o poder guineense de ter destruído os principais partidos do país. Qual é a missão do movimento Cidadãos "Patriotas para a Salvação da Constituição e da Democracia" da Guiné-Bissau? Nós criamos o grupo Cidadãos Patriotas para salvar a Constituição e a democracia. Neste país, ao longo destes últimos quatro anos, podemos dizer que já não há democracia. Aqui não há liberdade de expressão, não há liberdade de manifestação, não há liberdade de nada. Os partidos políticos já não podem fazer nada, estão completamente destruídos pelo poder. Nenhum partido funciona. Os partidos estão completamente divididos, porque alguém quer dividir para poder reinar.Este movimento pretende ser a alternância política no país?Apresentamo-nos como alternativa a estes partidos que já não reagem, já não conseguem fazer nada. Estes partidos foram neutralizados pelo poder e ninguém consegue fazer nada aqui. Por isso é que nós criámos este grupo de homens e mulheres que querem mudar a situação, o status quo que reina no país.Foi essa motivação que vos levou a apresentar uma queixa-crime junto do Ministério Público da Guiné-Bissau?O nosso modus operandi é denunciar todos os actos que atentem contra a Constituição [da Guiné-Bissau]. Apresentamos as queixas-crime, mesmo sabendo que há o risco de se eternizar no tribunal, mas algum dia haverá julgamento.Apresentámos duas queixas, uma queixa contra o vice-presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Lima André, por usurpação de poder. Ele sabe que a forma de chegar ao cargo de presidente do Supremo Tribunal de Justiça é através de eleições com os pares. Ele não esperou por isso, porque o seu colega, o presidente cessante, pediu demissão e ele nem sequer esperou que ele saísse, foi arrombar a porta dele e começou a funcionar como se fosse o Presidente do Supremo Tribunal.A outra queixa crime diz respeito ao Presidente da República que acusam, nomeadamente, de ter atentado contra a Constituição…Exactamente. O Presidente guineense dissolveu o Parlamento, quando a lei diz que quando os partidos políticos saem das eleições o limite para a dissolução das instituições são 12 meses.Acusam ainda o Presidente de tentativa de silenciar os adversários políticos para satisfazer os compromissos dos apoiantes…Acusamos o chefe de Estado de atentar contra a Constituição da República e de coagir os órgãos constitucionais. É abuso de poderes. Tudo isto consubstancia, no quadro legal, as violações que ele fez durante este tempo. Quer silenciar os dois grandes órgãos de soberania. A Assembleia Nacional Popular e o Supremo Tribunal de Justiça.Já tiveram alguma reação da parte do Presidente da República Umaro Sissoco Embaló?Não, não tivemos nada. Apresentamos as queixas-crime junto dos órgãos competentes do Estado. Como não foi entregue nenhuma cópia, ainda não há reacção da parte dele.O que esperam da justiça guineense?Apresentámos a queixa junto do Ministério Público. Agora vamos aguardar durante 30 dias e se não houver reacção dos tribunais, vamos seguir em frente. Vamos solicitar os tribunais de Comunidade Económica dos Estado da África Ocidental-CEDEAO. Estamos determinados.Consideram que a Comunidade Económica dos Estado da África Ocidental é uma instituição credível para se pronunciar sobre a Guiné-Bissau?Primeiro, confiamos na nossa justiça interna. Porém, se não houver uma tomada de decisão da parte dos nossos tribunais, vamos para os tribunais da CEDEAO.E se não tiverem resposta da CEDEAO?Nesse caso vamos avançar para a União Africana.Afirmou que os partidos políticos na Guiné-Bissau estão a ser silenciados. Não receia que possa acontecer o mesmo com o movimento - Cidadãos Patriotas?Somos homens adultos, maioria combatentes da liberdade da pátria- quadros que viveram a abertura política- que foram promotores da democracia e que não querem assistir a um retrocesso no processo democrático.Já lá vão 34 anos que nós estamos a viver em democracia e hoje, já no século XXI, estamos a assistir a um retrocesso total. Não há liberdade de expressão, não há liberdade para os nossos cidadãos fazerem uma simples marcha, por exemplo. Não há liberdade para nada e os policiais prenderem todos os jovens, levam-nos para a prisão onde são chicoteados. É impossível, no século XXI, conviver com essa realidade.Não receia pela sua segurança?Deveria recear pela minha segurança? Eu sou um quadro político. Neste caso, tenho duas opções. Ou vivo bem, tenho um futuro bom, ou espero por aquilo que pode acontecer e sem problemas.Foi isso que os nossos mais velhos fizeram, optando por lutar contra o colonialismo até à independência. Quando iam para a mata, sabiam que ou morriam ou vinham com a liberdade. E é isso que nós estamos aqui a fazer.

    Cimeira EUA-África: Estados africanos vão de “mão estendida” à procura de financiamento

    Play Episode Listen Later May 6, 2024 10:12


    Arranca esta segunda-feira, 06 de Maio, na cidade de Dallas, a 16ª Cimeira Empresarial EUA-África, organizada pelo Conselho Corporativo para África. O evento vai decorrer até dia 09 de Maio e tem como tema central "EUA - Negócios em África: Parcerias para o sucesso sustentável". Serra Bango sublinha que os estados africanos vão de “mão estendida” a estas cimeiras, à procura de financiamento que depois não concretizam no terreno. Angola não foge à regra.  De acordo com a organização, são esperados no norte do Texas, nos quatro dias de trabalho, mais de 1.500 executivos dos sectores públicos e privado dos Estados Unidos e de África, incluindo Chefes de Estado, centenas empresários norte-americanos e africanos de diferentes sectores, como o agro-negócio, energia, finanças, saúde, tecnologias de informação e comunicação, infra-estruturas, segurança, turismo, entre outros. O Presidente angolano, João Lourenço, vai participar na 16ª Cimeira Empresarial Estados Unidos - África, com destaque para dois onde abordará: "Investimento em Infra-estruturas Estratégicas, Crescimento Sustentável” e "Navegar o Futuro Energético de África”.Serra Bango, presidente da Associação angolana Justiça, Paz e Democracia, sublinha que os estados africanos vão de “mão estendida” a estas cimeiras, à procura de financiamento que depois não concretizam no terreno. Angola não foge à regra, com um chefe de Estado “agora de viagem em viagem à procura supostamente de investimentos para o desenvolvimento”. RFI: O que é que se pode esperar desta 16ª Cimeira Empresarial EUA-África?Serra Bango, presidente da Associação angolana Justiça, Paz e Democracia: Nestas cimeiras que congregam vários presidentes de muitos estados africanos, o que fazem ali não é outra coisa senão estender a mão para pedir financiamento para os seus Estados e que depois não investem devidamente em infra-estruturas, em processos de desenvolvimento para os seus Estados. Ao que me parece, Angola é provável que também esteja numa situação semelhante a esta. O Presidente João Lourenço vive agora de viagens em viagens à procura supostamente de investimentos para o desenvolvimento de Angola. Quando nós temos matéria suficiente e recursos suficientes para guindarmos a nossa economia e o desenvolvimento de Angola.A cimeira também surge numa altura em que os Estados Unidos da América, por causa do conflito entre a Rússia e a Ucrânia, procuram a todo custo afastar vários países que são parceiros da Rússia. Esta cimeira não deixa de ser uma dessas ferramentas ou instrumentos que os Estados Unidos usam exactamente para aliciar determinados Estados a afastarem-se da Rússia. Angola é um desses países. O namoro dos Estados Unidos com Angola intensificou-se nos últimos dois anos e há um investimento muito forte dos Estados Unidos no corredor do Lobito. Havendo esse interesse dos Estados Unidos no corredor do Lobito, onde investe milhões de dólares por causa dos recursos que vêm da Zâmbia e do Congo Democrático, aproveitando o facto do porto do Lobito não ser congestionado e uma linha directa entre a costa angolana e Estados Unidos. Portanto, esta Cimeira da América-África, para Angola, não sei se teria o mesmo impacto que tem para os outros países, porque há aqui uma relação muito directa entre os Estados Unidos e Angola. Por outro lado, não sabemos se esta cimeira irá produzir os efeitos económicos que supostamente Angola precisa.Que efeitos económicos é que são esses que supostamente Angola precisa? A diversificação da economia?Investimento, a diversificação da economia para a criação de infraestruturas, desenvolvimento da indústria, da agricultura, urbanização das cidades, estabilidade da própria economia angolana e a disponibilidade também de verbas, de dólares. A nossa economia, são petrodólares, é muito dependente do petróleo. E há um forte interesse - sempre foi manifestado politicamente este interesse - em diversificar a nossa economia, não depender excessivamente do petróleo. Mas a relação dos Estados Unidos com Angola é uma relação dependente do petróleo.Mas essa era a grande bandeira de João Lourenço quando chegou à cadeira da Presidência. O que é certo é que a economia angolana continua a ser dependente do petróleo.Exactamente, continua a ser dependente. Quase que não se fez nada para nos livrarmos da dependência do petróleo, apesar de existir uma diversidade de recursos vários, desde os recursos hídricos, florestais e recursos minerais que poderiam muito bem facilitar para irmos criando as condições para nos livrarmos do petróleo. O facto é que isso não acontece, mas não acontece por uma razão muito simples: é que os dividendos do petróleo, o retorno do investimento do petróleo, é milionário e imediato, ao passo que dos outros recursos como agricultura, pescas, florestas, águas, o retorno é lento e longo. Portanto, nós dependemos do petróleo para vários fins, quer para alimentar a defesa nacional, quer sobretudo para alimentar a manutenção do poder e por causa do petróleo, quer o antigo regime, que era governado por José Eduardo Santos, quer o actual de João Lourenço, serve-se do petróleo na relação com os Estados Unidos e com o Ocidente, quer para manter o seu poder, como também manter as suas relações.Não me parece que esta conferência, essa Cimeira Estados Unidos - África em relação a Angola, para a diversificação da economia, venha a ter resultados positivos, imediatos para supostamente diversificar a economia. Pessoalmente não acredito.O Presidente João Lourenço vai participar em duas mesas redondas. Uma delas tem a ver com investimento em infraestruturas estratégicas e crescimento sustentável e, outra, tem a ver com o futuro energético de África. O que é que Angola pode dar como exemplo nestas duas temáticas ao resto da África e também aos Estados Unidos?Vamos começar pela questão energética. Angola tem recursos hídricos suficientes, temos energias novas, limpas e, portanto, quando assistimos a Angola a ir buscar aos Estados Unidos investimento para energias eólicas ou solares, parece-nos que aqui há uma falta de clarividência na definição do que precisa. Por outro lado, eu não sei o que é que Angola poderá mostrar aos outros Estados, como África do Sul, Namíbia, Botswana, Gana, Cabo Verde, que exemplos é que Angola tem de sucesso para mostrar essa cimeira. É provável que tenha e que não seja do nosso conhecimento! De qualquer maneira, como dizia, esta é uma cimeira, mais uma em que Angola vai participar com o pretexto sempre de buscar financiamento. Recentemente [o Presidente João Lourenço] esteve na Coreia, esteve na China há menos de três meses...Há um encadeamento de viagens por parte do Presidente João Lourenço?  Excessiva. Eu gostaria de chamar a atenção para o seguinte: na Coreia do Sul, por exemplo, o Presidente apelou aos coreanos para investirem na indústria automóvel em Angola. Nós não temos condições para termos cá uma indústria automóvel. Não temos população consumidora para uma indústria automóvel, não temos infra-estruturas quer de energia, distribuição de água ou rede viária para termos uma indústria automóvel que alimenta milhões e precisa de milhões de consumidores. Parece que estamos num mundo de alguma ilusão, a tal megalomania que nós temos. Nós não conseguimos desenvolver a agricultura, que é algo básico. Nós não conseguimos ter uma rede de distribuição de energia para fornecer energia eléctrica para as cidades. Não conseguimos ter uma rede de distribuição de água potável para a cidade, portanto, queremos ter algo superior a isso que demanda uma instalação, condições superiores às que nós temos. Parece-me que é mais uma cimeira em que vamos participar para marcar presença, quando na verdade quem poderá ter o benefício de aproveitar desta cimeira são os Estados Unidos, em função do interesse que têm.Mais do que uma cimeira empresarial e mais do que uma cimeira económica, há aqui o chapéu geopolítico norte-americano, esta mão norte-americana que quer manter debaixo dela os países africanos e isto em detrimento da Rússia e em detrimento também da China, que é um grande player em África?Exactamente. Não se esqueça que o investimento da China em Angola é muito elevado. É um chapéu. Veja que os Estados Unidos em África vai perdendo algumas posições para a Rússia, sobretudo no Sahel, e não quer perder também aqui, a nível a sul do Saara, no Congo, Angola, o maior beneficiário e o vencedor virá a ser os Estados Unidos, de certeza. Agora, percebe-se, há um namoro muito claro, evidente, dos Estados Unidos, em colocar sempre Angola como uma grande pérola. Há um grande investimento, há uma boa gestão, é um país em crescimento, quando na verdade, os próprios Estados Unidos depois dizem que, em termos de direitos humanos - veja aqui o paradoxo - é um país que é ditador, rotulado como ditador, violador dos direitos humanos.Há dois pesos e duas medidas mediante o assunto em questão?Sim, o interesse nacional é claramente político e daí esse peso de duas medidas. Outro elemento que os Estados Unidos não falam, porque não querem mexer as águas, é a questão do tráfico de drogas aqui em Angola, o problema da droga não se discute, mas os Estados Unidos sabem muito bem que o problema da droga em Angola é grave. Como é que os Estados Unidos têm uma posição, por exemplo, em relação à Guiné-Bissau muito clara em relação a isso, e em relação a Angola, quase que não diz nada? Faz uma tábua rasa.Esta cimeira Estados Unidos - África tem um fim muito claro: aproximar, isolar Angola e outros países da Rússia e depois o resto logo se vê. Além das milionárias viagens que o Presidente faz, esta é mais uma milionária viagem que ele fez.

    BD em francês conta “Revolução dos Cravos” às crianças

    Play Episode Listen Later Apr 16, 2024 13:07


    A banda desenhada “La Révolution des Oeillets - 25 Avril 1974 - Le Jour de la Liberté” [“A Revolução dos Cravos - 25 de Abril de 1974 – O Dia da Liberdade”] conta a história da ditadura portuguesa e do golpe militar que a derrubou a 25 de Abril de 1974. A obra, da autoria de Sandra Canivet da Costa e com ilustrações de Jay Ruivo, está escrita em francês, é destinada a leitores a partir dos seis anos e sai a 24 de Abril em França e na Suíça. RFI: O que conta esta banda desenhada?Sandra Canivet da Costa, Autora da BD “La Révolution des Oeillets - 25 Avril 1974 - Le Jour de la Liberté”: "Quis fazer uma amostra às crianças do que era o salazarismo, a ditadura porque para as crianças que nasceram num país livre como a França ou a Suíça é difícil imaginar o que era. No início, a Matilde, nascida em França, está sempre a fazer comparação entre França e Portugal porque ela foi educada em França. Ela pergunta se o 25 de Abril é como a tomada da Bastilha. Então o avô vai explicar que não havia Bastilha como em França, mas efectivamente houve presos políticos que foram libertos. O avô vai explicar que no salazarismo não se podia ler o que queríamos. Não se podia dizer o que queríamos. Até o Ruben reage quando o avô diz que as mulheres não podiam viajar sem autorização do marido e o Ruben, que nasceu no Luxemburgo, diz que a mãe não teria gostado. Então, é mostrar as realidades do dia-a-dia do salazarismo e depois contar o que aconteceu, como é que os capitães se organizaram. É uma banda desenhada que também dá os factos, hora por hora, desse famoso dia, como esses capitães eram jovens e mostrar às crianças como é que em 24 horas a ditadura acabou. É assim uma viagem para as crianças."Fez uma banda desenhada destinada a crianças, que também é contada por crianças. Em quem se inspirou para fazer a Matilde e o Ruben? E porque é que decidiu contar esta história com duas crianças que viajam no tempo com o avô para perceber como é que era Portugal há mais de 50 anos?"O Ruben e a Matilde nasceram em 2020 e são os heróis do meu primeiro livro, “A Extraordinária História de Portugal”. A Matilde foi desenhada com uma fotografia da minha prima, mas sou eu porque eu fui uma criança da terceira geração aqui em França, e fui uma criança curiosa da história, mas que não tinha muitos livros em português. É por isso que as analogias que sempre faz a Matilde entre a França e Portugal sou eu porque eu sempre fiz assim. O Ruben, que nasceu no Luxemburgo e que é o herói também da “Extraordinária História de Portugal”, foi desenhado com fotografias do meu filho. Mas ele, como não nasceu em França, era para sair desta análise, sempre francesa, porque há portugueses também no Luxemburgo, na Suíça, na Alemanha... E às vezes tenho de pensar o que é que pensaria uma criança nesses países não influenciada pela educação francesa. Então nasceram assim as duas crianças."Foi também uma tentativa de preencher, de certa forma, um vazio na edição juvenil francófona? Fala-se sobre a história de Portugal na literatura juvenil francófona?"Pouco. É justamente isso. Quando escrevi o meu primeiro livro, “A Extraordinária História de Portugal”, foi devido a uma vontade de explicar a história às crianças em francês e procurei livros na internet. Fui ver até em Portugal se havia qualquer livro traduzido em francês e não encontrei. É por isso que agora estou a pensar com a editora Cadamoste Éditions, a minha editora…"Cadamoste Éditions é a editora que a Sandra fundou."Sim, que fundei para o primeiro livro e quero mesmo especializar a Cadamoste Éditions em livros para crianças. Este, por exemplo, “A Revolução dos Cravos”, vai ser o primeiro de uma colecção que se vai chamar “L'Histoire du Portugal avec Matilde et Ruben” [“A História de Portugal com Matilde e Ruben”]. Este é o primeiro número, vai haver dois ou três por ano e também vamos publicar livros para ensinar as crianças a falar português. Então vamos começar com os pequenotes, a aprenderem palavras simples, mas depois desenvolver para crianças mais velhas."A Sandra escreveu o argumento que começa com as perguntas dos netos, a Matilde e o Ruben. E é a pergunta do Ruben que leva o avô a contar a história. A pergunta é: “O povo português apenas é livre há 50 anos?" Porquê partir daqui, neste ano em que se comemoram justamente os 50 anos do 25 de Abril?"Ele é uma criança e 50 anos para uma criança de seis anos é o tempo dos dinossauros! Mas quando se pensa que são crianças que aprenderam a Segunda Guerra Mundial, a Primeira Guerra Mundial, é verdade que 50 anos afinal é muito pouco em comparação com outros eventos. Então vemos o Ruben a fazer cálculos numa tabela porque para ele a Europa é livre depois da Segunda Guerra Mundial. Ele é do Luxemburgo, a Matilde é de França, então porquê só 50 anos? E é por isso que era importante também para as crianças entenderem que todas as pessoas que têm mais de 40 anos ou mais de 30 anos foram educados por pessoas que viveram no salazarismo.Eu mesma, tendo nascido em França, nunca me tinha apercebido da influência da ditadura nas pessoas. Quando vivi em Lisboa, com 22 anos, quando os jovens da minha idade me diziam que “eu não tinha isso quando era pequena, eu não tinha isso”… Eles não tinham nascido no salazarismo, mas os pais tinham hábitos da ditadura e foram educados como se houvesse sempre uma ditadura. Acho interessante as crianças perceberem que os avós nasceram numa ditadura."Em poucas páginas aborda a polícia política, os bufos, a censura, a Mocidade Portuguesa, o partido único, a pobreza, o trabalho infantil, a inferiorização das mulheres, as guerras de libertação, os massacres da Baixa de Cassange em Angola, de Wiriyamu em Moçambique, a emigração massiva para França. Como é que se torna compreensível e digesta esta história para crianças e adolescentes francófonos?"Justamente. Eu tive um trabalho de argumentista de banda desenhada: é tentar não perder a criança, não ser chata ao escrever, e os desenhos do Jay Ruivo são essenciais, mas também falar do mais possível em poucas páginas porque se a banda desenhada é grande demais, a criança de seis anos é como um adulto que vê um romance de 400 páginas e vai hesitar em começar a ler. Uma criança é igual."Também conta as reuniões secretas do Movimento dos Capitães, o golpe militar de 25 de Abril de 1974, lembrando que uma das senhas, a Grândola Vila Morena de José Afonso foi mesmo gravada em França. Faz uma cronologia do 25 de Abril em poucas páginas. Como é que foi seleccionar estes momentos-chave? Contou com a ajuda de um historiador, o Yves Léonard. Ele ajudou-a também a seleccionar?"O Yves Léonard vai ser um co-autor para o segundo número. Para este, não aconteceu assim. Fui eu que fiz o argumento sozinha. Eu documentei-me porque em casa tenho uma grande biblioteca só com livros sobre Portugal e tentei tirar uma cronologia interessante para as crianças em livros portugueses e em livros em francês. Depois, o Yves Léonard leu-me e é, por isso, que eu lhe agradeço no início da banda desenhada porque ele leu e verificou porque o objectivo era não haver erros históricos na banda desenhada. E assim simpatizámos e agora vamos colaborar."Vai colaborar com o historiador Yves Léonard no segundo tomo da colecção. Vai ser sobre o quê?"Napoleão. Vai ser sobre a derrota de Napoleão em Portugal."Ainda relativamente a esta primeira banda desenhada, “A Revolução dos Cravos”, como é que os desenhos de Jay Ruivo tornam apelativa esta história?"Isso foi a minha sorte de arranjar um profissional porque o Jay Ruivo é um desenhador profissional que desenhou para jornais portugueses conhecidos, que tinha um pouco esquecido os desenhos e passado a outras actividades. Contactei muitos desenhadores em Portugal porque para mim era muito importante o desenhador ser educado em Portugal."Porquê? Por estar mais familiarizado com determinadas imagens?"Exactamente."Recorreram a arquivos, a fotografias de época?"Exactamente. Eu já tinha muito material no meu computador que forneci ao Jay Ruivo. Quando faço um argumento de banda desenhada, vou explicar exactamente o que uma personagem diz e depois vou descrever o desenho. “Quero um desenho assim; O Ruben tem de estar aqui; o papi-vovô tem de estar aqui”. Depois é o artista que compõe e que vai tomar liberdades."Esta história é escrita para as crianças, mas os pais e os avós também podem ler com os meninos. Isto também vai permitir, de certa forma, para quem vive na emigração, falar de um assunto que se calhar não falavam assim tanto em casa, nomeadamente a história do salto, ou seja, da emigração clandestina para França?"Foi o objectivo, foi até o objectivo da “Extraordinária História de Portugal”. Era justamente por isso que na contracapa havia uma avó que falava com as crianças. Há avós que sofreram muito e que têm vergonha, que têm a humildade de não falar disso. As únicas pessoas que podem fazer falar os avós são os netos. Eu vejo bem com o meu pai. Ele nunca falou connosco e as únicas pessoas com quem fala são os meus filhos. Quando eu vi isso, pensei que temos que fazer falar os avós com as crianças. Elas são uma ferramenta, as crianças, são elas que vão permitir o debate geracional que não há entre os filhos e os pais."

    Gaza: "Civis são a questão mais importante, o Hamas sabe disso e Israel também"

    Play Episode Listen Later Apr 5, 2024 11:52


    Apesar de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU que apela a um cessar-fogo imediato, os combates na Faixa de Gaza continuam, seis meses depois do início da guerra desencadeada pelo ataque do Hamas contra Israel, a 7 de outubro. O coordenador de mestrado de Relações Internacionais na Universidade de Abu Dhabi, Ivo Sobral, defende que "os civis em Gaza são a questão mais importante. O Hamas sabe disso. Israel sabe disso". RFI: Em seis meses contam-se, segundo dados do Hamas, 33.000 mortos e 75.000 feridos, uma crise humanitária se precedentes, 130 reféns israelitas e estrangeiros nas mãos do Hamas sem trégua à vista?Ivo Sobral: Exactamente. Apesar de podermos estar mais próximos de uma provável cessação ou então diminuição desta guerra, talvez nos próximos meses. Este verdadeiro terramoto que aconteceu no passado Outubro teve consequências enormes na Palestina, em Israel e em todo o Médio Oriente, assim como aqui, aqui no Golfo e no Mar Vermelho. Estamos neste momento ainda numa situação de impasse completo, onde os vários negociadores qataris e egípcios, israelitas e norte-americanos continuam a demonstrar que existe uma enorme crise em somente negociar as primeiras bases de um cessar-fogo. Apesar disto, pela primeira vez historicamente, temos as declarações de um Presidente americano a apelar e exigir um cessar-fogo imediato. É bastante significativo e histórico que isto esteja a acontecer neste momento.Benjamin Netanyahu continua a ofensiva contra Rafah, no sul da Faixa de Gaza, o último bastião do Hamas, de acordo com Israel, e está a aumentar os ataques aéreos. Como dizia, o Presidente norte-americano e o primeiro ministro de Israel voltaram a falar ao telefone. Joe Biden disse que a política dos Estados Unidos em relação a Israel pode mudar. Netanyahu está cada vez mais isolado na cena internacional?Exactamente. É uma tendência já há vários anos, mas neste momento ainda sobra cada vez mais. Israel e particularmente este governo de Netanyahu, sucessivamente ignoraram vários jogadores internacionais aqui no Médio Oriente, na Europa, nos Estados Unidos e outras geografias, permanecendo completamente surdo relativamente a estas críticas que continuaram a chover durante estes seis meses e em particular neste último mês, onde a situação de facto humanitária sem precedentes e com a última gota foi este ataque a morte destes operadores de ONG. Esta situação era completamente inaceitável pela comunidade internacional e muito provavelmente, a continuação destes mesmos ataques irão desencadear provavelmente maiores consequências para Israel. Talvez consequências duradouras a longo prazo, ataques.Ataques que têm vindo a ser condenados pela comunidade internacional. Vale tudo numa guerra como esta?Infelizmente, pelo menos se tentarmos um pouco simular o que passa um pouco pela leadership israelita em termos de pensamento estratégico: como o inimigo é um inimigo bastante difícil de descrever, detectar e isolar, como neste caso os terroristas do Hamas. De facto, Israel usa tudo o que tem no arsenal e continua com esta determinação de atacar este mesmo território de Rafah, a última zona isolada de Gaza.No entanto, infelizmente, todo este tipo de combate, onde forças se encontram no meio de civis, é óbvio que as baixas civis são enormes. Isto era uma certeza nos últimos seis meses, os civis em Gaza são a questão mais importante. O Hamas sabe disso. Israel sabe disso.Israel vê do ponto de vista estratégico e quase do ponto de vista existencial, esta determinação como sendo quase um factor importante da sua preservação de Israel no Médio Oriente. Portanto, os israelitas verificam que têm que ir para a frente. Não existe um retrocesso, uma pausa na ofensiva no ponto de vista dos israelitas e um acto covarde em relação ao Hamas. Isto está bem patente nos últimos discursos, não só de Netanyahu, mas como também os vários governos dos vários partidos ultra-direita israelitas ortodoxos que o apoiam. Basicamente, Netanyahu está encurralado entre a comunidade internacional e a base política que o elegeu e que o mantém como primeiro-ministro. Resta saber qual será mais forte neste momento.Passaram seis meses desde o ataque sangrento do Hamas de 7 de Outubro, o ponto de partida de uma nova guerra liderada por Israel, que fez da Faixa de Gaza um campo de ruínas. "O nível de destruição é semelhante ou até superior ao das cidades alemãs durante a Segunda Guerra Mundial", descreveu o chefe da diplomacia da União Europeia, Joseph Borel. Estima-se que 70% dos edifícios em Gaza tenham sido reduzidos a cinzas. A guerra não terminou e já se fala em reconstrução. Estamos, doutor Ivo Sobral, perante uma questão de poder ou de vontade política? Existem muitos interesses à volta de Gaza. Não é só uma questão de acabar, uma espécie de trabalho, que é isso o que está na ideia, na mentalidade de Israel que é acabar uma missão que é erradicar o Hamas. No entanto, esta missão é quase impossível. Está provado por vários estudos científicos que quando existe uma associação entre terroristas e a sua população tão grande como acontece em Gaza, essa mesma população apoia o Hamas. Portanto, um ataque ao Hamas vai também atingir a própria população. Isto é quase basicamente dar mais munições ao próprio Hamas, ou seja, mais pessoas que irão ser recrutadas para o Hamas quando existir a primeira pausa, quando acabar esta guerra. Isto é um factor essencial de muitas organizações terroristas. Isto chama-se o Double blind dilema, ou seja, muitas das estratégias de organizações terroristas será provocar governos para estes governos reagirem de uma maneira quase brutal, de uma maneira errada e causarem baixas civis e automaticamente quando fizerem isso, é a própria organização terrorista que ganha outra vez. Portanto, isto é um método estudado, científico, que muitas organizações terroristas fizeram com sucesso na história. E, infelizmente, Israel não tem outra opção senão responder. E, portanto, o Hamas sabe disso. É basicamente uma ameaça, mas que neste momento se depara com esta questão humanitária que é bastante gravosa.Falou há pouco das ruínas na Segunda Guerra Mundial e nas cidades alemãs e isso é verdade. Mas aquele momento os aliados venceram, apesar de tudo, porque era uma guerra convencional. Infelizmente, neste caso, não é uma guerra convencional. É uma guerra quase inútil que basicamente não irá nunca levar a uma vitória. O dilema de Israel será que tem que acabar a sua ofensiva? Não se percebe como é que esta ofensiva irá acabar. O que é a vitória para Israel. A vitória para Israel é quando mais desaparecer a vitória para Israel? É quando se forem libertados os reféns? Não existe ainda uma chamada red line para para isto nunca foi declarada. Portanto, há aqui uma grande incógnita para o futuro, apesar de toda a pressão internacional, e eu creio que Israel poderá continuar e tem todos os meios para isso.Apesar de ter sido votado pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, um embargo de armas a Israel?Que armas é que estão a ser entregues a Israel? Israel é completamente auto-suficiente em quase todos os sistemas de armamento que existem. O que não será auto-suficiente, como não é quase ninguém será em termos de munições, ou seja, projécteis de artilharia, munições guiadas por GPS ou outro tipo de peças sobresselentes para alguns veículos que se calhar Israel usa. Mas é sempre algo muito, muito pequeno. Israel não precisa de quase ninguém para continuar a guerra. Israel é  completamente o suficiente em quase tudo e inclusivamente, munições quase.Mesmo que exista um embargo, Israel nos últimos, se calhar 30 ou 40 anos, também teve sob embargo, assim como teve o governo Apartheid da África do Sul e os dois tiveram na mesma projectos de desenvolvimento militar, de equipamentos, aviões, de bombardeiros, de tanques e armas que continuarão a existir. Isso nunca conseguiu parar um país que esteja determinado a continuar uma guerra. Portanto, não creio que exista um impacto significativo.Obviamente, existem alguns precedentes sobre isto, a guerra dos anos 60, se calhar a mais importante guerra dos anos 60 e 70, quando Israel foi atacado por vários países do Médio Oriente, houve sempre um apoio quase cego por parte de países como a Alemanha e os Estados Unidos. Foi a Alemanha que, nos anos 70, enviou uma série de blindados dos seus próprios reservas NATA para socorrer Israel, quando o Egipto quase que entrava com os seus blindados em Tel Aviv, no Yom Kippur. Se houver este travão de facto, em termos de necessidades extras, penso que a Alemanha não poderá fazer nada, apesar de a Alemanha, já em Outubro, ter sido o país que meteu as suas próprias forças armadas em posição de stand by em caso para defender Israel. Se houvesse um terceiro país a tentar coisas como como Irão, a tentar entrar neste conflito de uma maneira mais convencional. Não creio que um embargo de armas tenha qualquer impacto significativo na campanha militar de Israel em Gaza.

    Guiné-Bissau: Liga dos Direitos Humanos apela à criminalização do feminicídio

    Play Episode Listen Later Apr 4, 2024 8:16


    A Liga Guineense dos Direitos organizou uma vigília esta quarta-feira, 3 de Abril, ao final do dia para denuncia o aumento de casos de feminicídio na Guiné-Bissau.  A vigília teve por lema “Cinco minutos de silêncio, em homenagem às duas mulheres assassinadas na região de Gabú”. O presidente da Liga Guineense dos Direitos Humano, Bubacar Turé, denuncia a política de silenciamento do governo guineense. RFI: A vigília acontece depois de terem sido registados dois crimes em duas semanas e depois de cinco mulheres terem sido mortas assassinadas em 2022. A Liga dos Direitos Humanos alerta para a necessidade de introduzir no Código Penal guineense o crime de feminicídio. É isso que está em causa hoje, alertar e denunciar estas situações?Bubacar Turé: Sim, a vigília tem esse objectivo por um lado manifestar o nosso repúdio aos acontecimentos que tiveram lugar em Gabú, que consideramos actos criminosos, mas também foi uma oportunidade para alertar as autoridades nacionais sobre a urgente necessidade de agirem em várias dimensões. De um lado, reforçar o quadro jurídico nacional sobre esta matéria, que passa necessariamente pela criminalização do feminicídio. O homicídio é um crime na Guiné-Bissau, mas nós entendemos essa parte concreta de especificar a morte das mulheres. As mulheres são mortas só pelo facto de serem mulheres. E isso tem outros aspectos, outros detalhes que devem ser legislados. Por enquanto nós não temos isso, por isso é que nós avançámos com esta proposta ao governo.Entendemos que o governo da Guiné-Bissau não pode, de forma alguma, continuar com o comportamento de silêncio perante este tipo de actos; da rejeição e da condenação política e formal das autoridades nacionais. É preciso que o governo adopte estratégias holísticas abrangentes para combater estes tipos de fenómenos na sociedade. Não tem sido o caso. Temos vários documentos estratégicos que foram aprovados no passado, por exemplo, a política nacional da equidade e igualdade de género, mas que foram engavetados, nunca foram implementados, nem nunca foram mobilizados recursos para a implementação dessas estratégias que visam o fortalecimento da igualdade de género. A questão de equilíbrio em termos de relações de poderes entre homens e mulheres na sociedade guineense e também a própria violência baseada no género. Não há nenhuma estratégia nacional pública neste domínio. Portanto, tudo aquilo que tem sido feito nas mãos das organizações da sociedade civil, ou seja, o Estado renunciou à sua missão neste domínio, o que para nós é lamentável e inaceitável.Fala de silenciamento. O que se sabe sobre estas duas mortes em Gabú e sobre a resposta por parte da Justiça guineense?Sim, a primeira morte foi a uma senhora que foi violada sexualmente. De seguida, o violador, disparou mortalmente contra a vítima porque a vítima terá reconhecido e terá advertido que conhece a pessoa e vai denunciá-lo, em consequência, para evitar isso, ele disparou contra ela. As informações disponíveis são que este senhor já se encontra detido em Gabú.O segundo caso é o marido. Foi na sequência de uma violência doméstica em que ele esfaqueou mortalmente a esposa. As imagens que nós temos são muito, muito chocantes. É incrível que um ser humano, alguém no seu perfeito juízo, possa agir daquela forma como o homem agiu. As duas pessoas são distintas neste momento. O nosso problema não são as detenções porque as pessoas são sempre detidas quando há esses tipos de casos. O problema são os procedimentos, as tramitações processuais, que muitas vezes culminam com a impunidade. As pessoas são libertadas e nunca mais são julgadas e os casos ficam impunes. Nós denunciamos os cinco casos de 2022 em que, até hoje, não houve julgamento.É preciso combater a impunidade na Guiné-Bissau e criar mecanismos para combater as práticas que denuncia?Lamentavelmente, a impunidade é uma das maiores instituições na Guiné-Bissau, não só neste domínio, mas em vários outros na corrupção, nas violações graves de direitos humanos, atrocidades, atropelos à lei, à ordem jurídica, tudo isso são as situações que ficam impunes.Nós pensamos que para consolidar a paz, a democracia e o Estado de Direito, as instituições judiciais têm de funcionar. A Justiça é guardiã é o último reduto dos direitos humanos, quando se sintam lesados nos seus direitos e têm o único caminho a recorrer às instâncias judiciais. Se os tribunais não funcionam, se há essa impunidade generalizada no país, naturalmente não podemos falar de paz, muito menos de desenvolvimento.Nós entendemos que o governo, as autoridades nacionais, devem adoptar políticas públicas neste domínio, fortalecer as instituições judiciárias com meios e recursos humanos e também com a criação de instituições de avaliação e de fiscalização da actuação do sistema judiciário, permitindo o seu funcionamento eficaz, mas também o combate à impunidade passa necessariamente criação de estabelecimentos prisionais com padrões mínimos internacionais, o que não é o caso da Guiné-Bissau. O país possui apenas dois estabelecimentos prisionais e cada um desses estabelecimentos prisionais não tem capacidade para albergar 100 pessoas, o que é completamente incompreensível para um país que conta com cerca de 2 milhões de habitantes.Ainda esta semana, a Liga chamou a atenção das autoridades para o aumento de situações de 'justiça privada'. O que é que significa justiça privada e como é que se pode explicar o aumento desta violência?Nós temos constatado com este disfuncionamento dos tribunais, da Justiça em geral há uma quebra de confiança dos cidadãos em relação à justiça e, por conseguinte, as pessoas têm recorrido mais à justiça privada para fazerem valer os seus direitos. Nas últimas semanas registaram-se dois casos tristes: um aqui em Bissau, em que um cidadão suposto ladrão, foi amarrado, brutalmente espancado na sexta-feira da semana passada, brutalmente espancado até à morte. Temos neste momento um vídeo dramático que está a circular nas redes sociais em que, também na zona norte, um cidadão foi apanhado, um suposto ladrão e que as pessoas espancaram brutalmente de forma muito cruel. Essas pessoas não tiveram nem sequer o mérito de filmar aquilo e fazer circular isso nas redes sociais. Para nós são comportamentos inaceitáveis num Estado de Direito democrático, a realização da justiça é reservada aos tribunais, ao sistema judiciário. O cidadão comum não pode, sob pena de caos e desordem na sociedade, decidir fazer justiça com as suas próprias mãos. Por isso é que nós alertamos ao Estado para assumir as suas responsabilidades e, consequentemente, acabar com esta anarquia que a sociedade guineense está a encaminhar nos próximos tempos.

    Angola: Governo está disponível para negociar com sindicatos

    Play Episode Listen Later Mar 22, 2024 9:00


    Em Angola termina nesta sexta-feira, 22 de Março, a greve geral de três dias convocada pela Força Sindical União Nacional dos Trabalhadores, Confederação Sindical e a Central Geral de Sindicatos Independentes e Livres de Angola, exigindo nomeadamente aumentos do salário mínimo. António Estote, ponto focal do grupo Técnico do Governo de Angola nas negociações com os sindicatos, explica as questões que bloquearam as negociações, porém confirma que o executivo continua aberto ao diálogo. RFI : Que balanço faz das negociações com as três centrais sindicais angolanas?António Estote, ponto focal do grupo Técnico do Governo angolano nas negociações com os sindicatos: De uma forma geral, nos principais pontos, estamos a falar de cerca de 80% dos principais pontos, foi encontrado um consenso entre as partes. Houve alguma flexibilidade, por parte dos sindicatos e por parte do Governo. Todavia, os sindicatos condicionaram o acordo como um todo aos 20% nos quais faltou consenso.Na verdade, os sindicatos reivindicam cinco pontos ligados às questões remuneratórias e um ponto muito genérico para cada departamento ministerial. Estamos a falar de Saúde, Educação, ensino superior e outras questões ligadas às relações e condições de trabalho e ao diálogo social. Relativamente às questões de diálogo social, quase todos os pontos foram atendidos.Uma das exigências é o aumento do salário mínimo. Toda a gente sabe que Angola é um dos países mais caros do continente africano. Como é que se vive com cerca de 30 euros?Fazendo essa comparação directa com dólares ou euros, há produtos onde não se faz essa paridade. Estamos a falar de cortar o cabelo, produtos produzidos localmente… As condições de vida, sobretudo do poder de compra dos angolanos que recebem salário mínimo, é relativamente baixa.O que nós estamos a pensar é aumentar este valor, mas de tal forma que este valor não venha depois aumentar a inflação.E esse aumento seria de quanto?Estamos a trabalhar com um intervalo relativamente entre 50 a 100%. Agora, o grande desafio é identificar grupos específicos em que o incremento não pode ser substancial, porque, apesar de serem actualmente cerca de 36 euros (…) muitas empresas não têm dinheiro para pagar um salário mínimo. Estaríamos a falar de 32 mil para 40 mil kwanzas. Vamos supor 32 para 50 kwanzas para as micro-empresas, 60 mil kwanzas para as pequenas empresas, 30 mil kwanzas para as médias empresas e para as grandes empresas 100.000 kwanzas. Mas para dizer que o salário mínimo é o referencial, o patamar mais baixo. As empresas e as famílias, em função das suas condições financeiras, muitas delas pagam acima deste valor.Qual foi a resposta das centrais sindicais?As centrais sindicais recuaram. Eles saíram dos 245 mil kwanzas e foram para até 100%. Só que eles não querem esta distinção entre tipo de empresa, eles querem um aumento de 100% para todos. Nós como queremos salvaguardar o emprego e alguma actividade económica em determinados sectores críticos, como a agricultura, estamos a negociar para termos um salário mínimo diferenciado por tipo de empresa. E os 100% de aumento que os sindicatos exigem serem apenas para as grandes empresas. Nestas negociações o factor fracturante, que levou os sindicatos a não assinarem o acordo, foi o aumento do salário da função pública.Qual a razão do reajuste do salário da função pública ser factor fracturante?Actualmente, se olharmos a para a nossa despesa, as remunerações e salários correspondem a 3 bilhões de kwanzas. Com o aumento de 25%, nós vamos chegar a 9/10 bilhões, para arredondar. Dez bilhões de kwanzas representam 90% das nossas receitas fiscais, incluindo as petrolíferas. Aumentando esse montante, com os níveis de IRT que nós temos de receita, estamos a assumir que vamos ter que nos endividar para pagar salários. Isto do ponto de vista de gestão financeira, seja privada ou pública, não se pode financiar as despesas de curto prazo, nem despesas correntes - nesse caso fixas - com recurso a dívida.E a nossa situação actual, não é novidade para ninguém, mais de 50% do nosso orçamento é destinado ao pagamento do serviço da dívida. Estamos a falar da amortização e dos juros.Num país onde tudo é tão caro, viver com tão pouco não é fácil. É isso que os sindicatos dizem…Neste aspecto estamos todos de acordo. A questão qual é: encontrar uma solução exequível para não estarmos numa situação pior. Os funcionários públicos ganham pouco, é reconhecido, mas ganham pouco devido à perda do poder de compra.E por que tem de ser a sociedade angolana que tem que arcar com essa responsabilidade?Quando eu digo a sociedade toda, estou a falar, incluindo o Governo, porque a inflação não escolhe a depreciação do kwanza.Mas há uma diferença entre um salário de um deputado e um salário de um funcionário público, que está ligado às responsabilidades. Essa diferença existe em todo o mundo… Existe o princípio da diferenciação positiva e da hierarquia no processo remuneratório. Naturalmente, os salários aumentam, mas estamos aqui a falar do patamar salarial, a distância corresponde aos mínimos exigidos. A questão que se coloca é que, quer o deputado quer o funcionário de base de uma empresa de segunda classe, quer o ministro, quer o Presidente, quer o director nacional, todos estão a ser impactados pela inflação. Daí que a nossa recomendação, a médio prazo, tem sido olhar para aqueles factores que contribuíram para a perda do poder de compra. Olhar para a produção nacional.O que dizem os sindicatos é que, apesar do país ter condições, quase tudo o que consome é importado. Apesar de Angola ter condições para ter uma produção interna robusta. E é um país que fala na diversificação económica, mas que continua sempre muito dependente do petróleo…. Mas se reparar, o caderno reivindicativo tem cinco pontos e destes pontos não existe nenhum ponto que fala sobre essa matéria, sobre a diversificação ou a produtividade. E se falarmos sobre a produtividade, que é um dos critérios para aumentar os salários, aí entraríamos noutro campo.Os sindicatos denunciaram funcionários públicos foram coagidos, detenções arbitrárias, quando o direito à greve está plasmado na Constituição. Como se justifica que os sindicalistas tenham sido detidos?Nós verificamos que houve alguns pontos de tensão devidamente identificados. Estamos aqui a falar, acho eu, do Bengo e de Cabinda. Penso que se tratam de situações isoladas. Esta questão de uns tentarem persuadir os outros a aderirem à greve e os outros tentarem persuadir a não aderirem. A Polícia Nacional deve salvaguardar a integridade física daqueles que aderiram à greve e daqueles que não aderiram. Se houve um excesso, essas pessoas devem arcar com as consequências. Aproveito para dizer que a greve correu bem.  É um feito histórico em termos, por um lado, um conjunto de trabalhadores públicos a trabalharem, garantindo os serviços todos. Na administração central, os serviços funcionaram na administração local, sobretudo no sector da educação. Houve alguma aderência também no sector da saúde, mas os serviços mínimos na saúde funcionaram. Na educação houve maior aderência.Outra questão que foi é abordada pelos sindicatos é o facto da imprensa pública não fazer qualquer menção à greve. Dizem que ouvem apenas o Governo e não ouvem os representantes dos trabalhadores que estão a reivindicar. Como é que se justifica que a imprensa pública angolana não faça referência a uma greve-geral no país?Não consigo confirmar essa afirmação. Se repararmos, e se formos aqui um pouco mais precisos, sempre que houve uma reunião de negociação com o Executivo, os sindicatos convocavam uma conferência de imprensa e falavam, já o executivo não falava. Mas final do dia poderíamos ter evitado a greve. Porém, demos um exemplo de cidadania e de democracia.A greve termina nesta sexta-feira, 22 de Março. O Governo está disponível para negociar?O Governo continua aberto para negociação e continua [empenhado] em tentar convencer a sociedade civil e o sindicato que há determinados grupos de interesses, sobretudo os menos protegidos, que devemos salvaguardar. Refiro-me ao o emprego, às micro e pequenas empresas e à estabilidade e a paz social.

    Lyz Parayzo, a artista que transforma a violência em escultura

    Play Episode Listen Later Mar 21, 2024 14:21


    A artista e activista brasileira Lyz Parayzo está em destaque na exposição “100% L'Expo”, em Paris, que junta cerca de 50 artistas emergentes, de 27 de Março a 28 de Abril. Lyz Parayzo foi convidada para criar uma instalação que ocupa o exterior do edifício, com esculturas móveis metálicas e suspensas, em forma de espiral e com pontas cortantes, que remetem para a violência de que ela é vítima devido à sua identidade transfeminina.    A arte é um lugar de militância e de luta para a brasileira Lyz Parayzo porque é um espaço onde os corpos dissidentes e não normativos estão, ainda, pouco representados.  Nascida em 1994, Lyz Parayzo concebe as suas obras como “um cavalo de Tróia” para infiltrar espaços de poder e abrir horizontes. A partir de uma perspectiva autobiográfica, a artista cria esculturas que representam a sua experiência quotidiana de violência e de opressão por ser uma pessoa trans. Nesse sentido, a sua arte é “uma arma”.É uma arma para criar um debate público e político sobre determinados corpos na sociedade. Aqui, por questões de segurança, os móbiles estão flutuando... Mas quando os fiz na Beaux-Arts, eles estavam perto do corpo, giravam muito forte com motores e podiam cortar. Então as pessoas tinham medo. E é justamente isso. O meu corpo, às vezes, cria um lugar de medo porque as pessoas podem desejá-lo, sendo que não é permitido desejar ou amar uma mulher trans.Lyz Parayzo estudou nas Belas-Artes de Paris, após uma formação em Artes Cénicas na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e em Artes Visuais na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Brasil. Em 2019, deixou o Brasil, que sublinha ser “o país que mais mata pessoas trans há 15 anos”, e mudou-se para França. Admite que saiu por “razões políticas” e para poder assumir plenamente a sua identidade. Quando começou o governo Bolsonaro, as pessoas faziam sinais de arma para mim, na mão. Começou a ser muito violento. Antes de eu ir para França, raspei a minha cabeça porque eu não conseguia sustentar a feminilidade do meu corpo. Tive que sair do meu país para poder ser eu. E também porque  Bolsonaro fechou o Ministério da Cultura. Então, ao mesmo tempo que era muito perigoso ser uma pessoa trans no Brasil, com um governo de extrema-direita, militar e fascista, também era muito difícil ser artista porque teve um boicote para a cultura.Com a instalação colocada à entrada da Grande Halle de La Villette, em Paris, Lyz Parayzo está em destaque na “100% L'Expo”, uma exposição dedicada a jovens artistas recém-diplomados e que vai estar patente de 27 de Março a 28 de Abril. A obra que ela criou “in situ” chama-se “Tempête Magique” e parte da série que ela fez, em 2022, intitulada “Cuir Mouvement”. As espirais em inox e alumínio, em grande escala, estão suspensas e, ao girarem, reflectem formas ondulantes cor-de-rosa no espaço. Estas serras giratórias ou "móbiles" são objectos dentados e, na instalação inicial, estavam mais perto do público, o que suscitava uma ameaça de lesão física, atraindo e repelindo ao mesmo tempo o espectador. “Como o meu corpo”, diz Lyz Parayzo.A minha escultura, que tem um lugar de beleza, que brilha, que seduz, que gira e tem luz rosa, ao mesmo tempo, ela pode cortar justamente para criar um debate público sobre os corpos que não são cisgénero, que são racializados e que se veem diariamente. (…) Eu resolvi fazer esculturas que colocassem o público vulnerável para eles saberem a sensação que é ter o meu corpo.A artista inspira-se no constructivismo e na arte cinética para criar novas formas de abstracção queer. Lyz Parayzo realizou“performances de guerrilha”, sem avisar, em museus para “problematizar a ausência de corpos racializados e não cisgénero nos espaços das artes”. Oriunda de uma família de ourives, ela começou por fazer o que chamou de “joias bélicas” que são “objectos de autodefesa” que dialogam com a herança do concretismo e neoconcretismo brasileiro dos anos 60, nomeadamente com Waldemar Cordeiro e Lygia Clark. “As minhas esculturas são escudos, armaduras, coisas cortantes e eu faço o meu trabalho de arte como se fosse uma terapia de redistribuir as violências que o meu corpo sofre num objecto”, acrescenta.Além da instalação “Tempête Magique”, Lyz Parayzo vai apresentar a performance “Manicure Política” no festival Jerk Off, em parceria com esta exposição. Porque "todo o corpo é político".A 'manicure política' é um momento em que as pessoas têm um toque com o meu corpo, têm um diálogo, têm um lugar de humanização, um lugar de ressignificação do imagético sobre esta população. De todas as vezes, o salão é feito por mim ou por outras mulheres trans para criar uma rede de apoio e de distribuição de capital simbólico e financeiro. (…) É um trabalho para criar um lugar de acolhimento, de cuidado com o outro e também para criar novos imaginários sobre estes corpos fora de um lugar marginal. Um lugar que pode ser construtivo. Um lugar que pode fazer arte e um lugar que pode ser descontraído. É um lugar para atacar a imaginação e para reconstruir imaginações. Juntos.

    Antigo membro da LUAR conta a fuga de Palma Inácio da prisão no Porto

    Play Episode Listen Later Mar 20, 2024 20:43


    Fernando Pereira Marques ajudou o histórico líder da LUAR, Hermínio da Palma Inácio, a fugir da prisão da PIDE no Porto, em Maio de 1969, graças a umas serras que lhes chegaram dentro de uma agenda almofadada e que depois esconderam em latas de leite em pó, mas também em pão e pantufas. Nos 50 anos do 25 de Abril, o autor de “Uma Nova Concepção de Luta” conta-nos a história dessa evasão e recorda momentos-chave desta organização de luta armada contra a ditadura portuguesa. Nos 50 anos do 25 de Abril, a RFI falou com vários resistentes ao Estado Novo. Neste programa, ouvimos Fernando Pereira Marques, antigo membro da LUAR, Liga de União e de Acção Revolucionária, e autor, nomeadamente, de “Uma Nova Concepção de Luta”.“Era preciso serrar mais uma grade. E mesmo assim, ainda hoje me interrogo como é que ele conseguiu sair? Porque foi por um buraco minúsculo, não é?”, começa por contar Fernando Pereira Marques que ajudou Hermínio da Palma Inácio, líder histórico da LUAR, a fugir da cadeia da PIDE do Porto, em 1969. À luz dos dias de hoje, serrar grades de prisão parece algo fílmico, mas aconteceu. Esta história foi mais uma tremenda derrota para a PIDE e a segunda vez que Hermínio da Palma Inácio fugia de uma prisão. Algum tempo depois, ele seria descrito como “o homem mais procurado da Europa” pelo jornal Sunday Times. Palma Inácio é um símbolo da luta antifascista e fundador da LUAR, em 1967. Vinte anos antes, tinha sabotado aviões militares na tentativa do Golpe dos Generais e, em 1961, desviou um avião da TAP para lançar sobre Lisboa e outras cidades panfletos contra o regime ditatorial. A bordo do aparelho estava também Camilo Mortágua que participara no assalto ao paquete Santa Maria, no mesmo ano, e que viria a acompanhar Palma Inácio na primeira acção da LUAR: o assalto à agência do Banco de Portugal na Figueira da Foz, em 1967.A LUAR foi uma das organizações de luta armada contra a ditadura portuguesa e algumas das suas acções fizeram tremer o regime. Foi também o caso da própria fuga de Palma Inácio da prisão, depois da tentativa frustrada, em Agosto de 1968, da tomada da cidade da Covilhã.A detenção aconteceu por acaso e a polícia estava a léguas de imaginar que ia capturar Palma Inácio. O objectivo da acção era, mais uma vez, expor as fragilidades do regime, distribuir propaganda, ocupar a rádio local, neutralizar os postos da GNR e da PSP, levando as armas, e recuperar fundos nas agências bancárias. Mas os planos não correram como previsto e vários operacionais foram presos.Na prisão, Palma Inácio pede à irmã para lhe fazer chegar uma dúzia de serras, recorrendo à ajuda de um membro da LUAR, Ernesto Castelo Branco, que afinal era informador da PIDE. Apesar de a polícia estar a par, as lâminas acabam por entrar na prisão de Caxias, na capa almofadada de uma agenda. Em Caxias, as grades eram muito grossas, mas na prisão da PIDE no Porto, a história era outra... e a ajudá-lo a serrar as grades da cadeia estava Fernando Pereira Marques que nos contou essa fuga.As serras acabaram por lhes chegar às mãos, ainda que a PIDE estivesse a par, algo que deixa Fernando Pereira Marques ainda estupefacto pela “total incompetência” da polícia política. Primeiro, a agenda foi entregue na prisão de Caxias e depois de a recuperar e retirar as serras escondidas, a dupla arranjou formas de as dissimularem: um lote em latas de leite em pó, outro lote dentro de pães. Depois, aquando da transferência para a prisão da PIDE no Porto, levaram as serras numas “pantufas artesanais que o Palma tinha” e também nas latas de leite em pó.Quando foram transferidos para a cadeia da PIDE no Porto para serem julgados, ficaram os dois numa cela com um motorista que tinha simplesmente prestado serviços sem estar directamente implicado na LUAR. Fernando e Palma Inácio perceberam que a fuga era possível e fizeram o necessário. A evasão deu-se em Maio de 1969. [Oiça o podcast em que Fernando Pereira Marques conta alguns detalhes da preparação da fuga.] Foi precisa toda uma estratégia quase cinematográfica para ir serrando as grades diariamente, depois de retirarem os parafusos de uma janela de bandeira com um utensílio que servia para carregar o tabaco do cachimbo de Palma Inácio.Disfarçávamos o corte com uma mistura de miolo de pão e cinza. Houve até uma noite em que o Palma tentou, mas chegámos à conclusão que não era suficiente, que era preciso serrar mais uma grade. E mesmo assim, ainda hoje me interrogo como é que ele conseguiu sair porque era por um buraco minúsculo, não é?Fernando Pereira Marques era menor de idade – na lei da altura – e teria provavelmente uma pena menor. Por isso, optou por não fugir para voltar a dissimular tudo dentro da cela e para garantir o sucesso da fuga do líder da LUAR.Como já estava preso quase há um ano, não valia a pena eu estar a arriscar levar uma carga de metralhadora ou, ainda mais grave, pôr em causa o êxito da fuga do Palma. Por outro lado, era preciso que ficasse alguém dentro quando o Palma saiu (...) Depois, a minha missão era ganhar o mais tempo possível. É que não havia apoio exterior, não tínhamos carro à espera. Ele ficou entregue a ele próprio (...) Então, eu pus a bandeira no sítio para que, quando eles olhassem pelo judas, vissem um vulto. Pus um caixote de lixo que nós lá tínhamos dentro da cama, a fingir que era o vulto dele deitado e deitei-me.Só horas depois é que os guardas se aperceberam da fuga, mas já o dirigente da LUAR estava longe. Depois da evasão, Fernando Pereira Marques acabou por ser condenado por “actividades contra a segurança do Estado” a uma pena de dois anos e meio de prisão e ainda cumpriu mais seis meses das chamadas “medidas de segurança”. Esteve na cadeia do forte de Peniche, de onde saiu em Agosto de 1971.Em 1973, Fernando Pereira Marques voltou para o exílio em França e dirigiu o jornal da Luar, Fronteira, que falava sobre a situação no país e as guerras de libertação (e onde também trabalharam outros operacionais da LUAR como Joaquim Alberto e Rafael Galego).Algum do tempo em que tinha estado em Portugal, depois da cadeia, serviu-lhe para constatar, mais uma vez, que a segurança não era muito eficaz. E outra das grandes acções previstas por Palma Inácio era o sequestro de uma alta personalidade do regime que seria trocada por presos políticos. A execução do projecto ficou comprometida com a nova detenção, em Portugal, de Palma Inácio, em Novembro de 1973.O dirigente histórico da LUAR apostava em grandes acções que pudessem ter impacto a nível nacional e internacional e que tivessem uma leitura política imediata. Por isso, Palma Inácio era irredutível na determinação em não fazer vítimas.Havia essa preocupação de que nunca se entrasse naquilo que pudesse ser considerado terrorismo, ou seja, a violência gratuita e, sobretudo, que não provocasse vítimas. Ainda por cima vítimas inocentes. E isso sempre foi uma grande discussão também no interior da própria LUAR, porque o Palma Inácio - que era a figura de referência, era e continua a ser - a concepção dele era de criar grandes acções com grande impacto e com uma leitura política imediata.Numa altura em que decorriam as guerras de libertação em três colónias portuguesas, o objectivo da LUAR foi criar uma quarta frente para debilitar o esforço de guerra e o regime em Portugal. Por outro lado, a LUAR tinha “uma nova concepção de luta”, como resume o título de uma das obras de Fernando Pereira Marques.A partir de 1961, tinha começado a guerra colonial. Quando a LUAR surgiu, de facto, com a primeira operação do assalto ao banco de Portugal na Figueira da Foz, já havia três frentes e o nosso objectivo estratégico era o de criar uma quarta frente que viesse debilitar o esforço de guerra e o regime em Portugal.A LUAR resistiu até à Revolução e a revolução acabaria por ser feita pelos militares a 25 de Abril de 1974. Vários membros da organização saíram, depois, das cadeias, incluindo Palma Inácio, descrito como o “último grande herói romântico” pela escritora Natália Correia. Morreu em 2009, com 87 anos, e a pensão que recebia pelos serviços prestados à democracia não era suficiente para pagar o lar onde acabou os seus dias.

    Fundador da LUAR conta tempos de resistência armada à ditadura

    Play Episode Listen Later Mar 12, 2024 35:33


    Armando Ribeiro era chamado “comandante” pelos companheiros e “falsificador” pela PIDE. Foi um dos fundadores da LUAR, Liga de União e de Acção Revolucionária, e, aos 80 anos, conta-nos algumas das acções deste grupo de resistência armada à ditadura portuguesa. Armando Ribeiro viveu seis anos na clandestinidade, escapou à prisão, transportou armas 3.000 quilómetros Europa fora, participou na tentativa frustrada de tomada da Covilhã e no assalto a Consulados de Portugal para obter passaportes. Nos 50 anos do 25 de Abril, a RFI falou com vários resistentes ao Estado Novo. Neste programa, ouvimos Armando Ribeiro, um dos fundadores da Liga de União e de Acção Revolucionária (LUAR).Os que o conheciam de perto chamavam-lhe “comandante”. Os que o queriam prender vociferavam: “Esse falsificador!”. Nesses tempos de clandestinidade e de luta contra a ditadura portuguesa, poucos sabiam o nome deste homem, hoje com 80 anos.O Inácio Afonso, que era um tipo da PIDE, dizia: ‘Esse fulano! Esse falsificador! A gente até vai buscá-lo a Paris se for preciso!'. Mal eles sabiam que se a gente quisesse os tínhamos liquidado! ‘A gente vai buscá-lo a Paris, esse falsificador!'. Nem conhecia exactamente o meu nome. Só conhecia ‘comandante'. Ninguém sabia o meu nome. Eu acho que nem o Palma sabia o meu nome completo.Chama-se Armando Ribeiro e foi um dos fundadores do movimento antifascista LUAR, a Liga de União e Acção Revolucionária. Um dos dirigentes do grupo era Hermínio da Palma Inácio que, em 1947, participou na sabotagem de aviões da Força Aérea; em 1961, também participou no desvio de um avião para lançar panfletos contra a ditadura sobre Lisboa e outras cidades, junto com Camilo Mortágua. Este já tinha estado no desvio do paquete Santa Maria, no mesmo ano. Ambos estiveram na linha da frente do assalto à agência do Banco de Portugal na Figueira da Foz, em 1967. E foi o assalto à agência do Banco de Portugal na Figueira da Foz que levou à fundação da LUAR, em Paris, onde já se encontrava Armando.O jovem tinha deixado Portugal três anos antes. Estudante do Instituto Comercial do Porto, onde era dirigente da associação académica, Armando Ribeiro ficou em Paris durante uma visita de estudo de finalistas em Março de 1964 porque recusava ir para a guerra colonial combater pessoas que lutavam pela sua independência. Inscreveu-se na escola de Arts et Métiers e trabalhava à noite no PBX de um prédio. Poderia estudar durante o dia, ter uma vida boémia, mas trocou o conforto pela luta.Muito novo ainda, foi o braço direito de Hermínio da Palma Inácio, em Paris, dirigente do Conselho Superior do movimento e criador do seu símbolo - o “L”, com uma seta ascendente. Comprou armamento, transportou um arsenal de armas 3.000 quilómetros Europa fora, participou no assalto a consulados para obter passaportes e ajudou a preparar os chamados “confiscos” para custear muitas vidas na clandestinidade. Como os companheiros, pôs a vida em perigo nome de um ideal e esse ideal chamava-se LUAR.“A LUAR foi uma organização que começou pela luta armada porque todas as pessoas que integravam a LUAR já tinham participado em coisas de luta armada, como o desvio do Santa Maria. Portanto, foi aí que comecei, foi com essa gente toda”, começa por explicar, sublinhando que era uma organização apartidária, claramente “fora do Partido Comunista Português” e que defendia a acção directa e o recurso às armas para o derrube da ditadura e a restauração da democracia. As origens da LUARConta, ainda, que na génese do movimento estiveram personalidades como Henrique Galvão e até Humberto Delgado, com iniciativas de acção directa contra o regime, nomeadamente depois do “terramoto” da candidatura presidencial do “General Sem Medo”. Humberto Delgado esteve directamente envolvido na Revolta de Beja na passagem de ano de 1961 para 1962. Henrique Galvão esteve em várias outras acções com impacto internacional de grande peso, para as quais contou com o apoio essencial da dupla Palma Inácio e Camilo Mortágua.A 23 de Janeiro de 1961, exilado na Venezuela, Henrique Galvão fez tremer o regime com o assalto e desvio do paquete Santa Maria, considerado o primeiro sequestro político de um transatlântico na história contemporânea, uma acção em que participou também Camilo Mortágua. Depois, a partir do Brasil, Henrique Galvão preparou a Operação Vagô, na qual, em Novembro de 1961, Palma Inácio participou no primeiro acto de pirataria aérea da história: o desvio de um avião comercial da TAP, que fazia o percurso Casablanca-Lisboa, e o lançamento sobre Lisboa e outras cidades de panfletos contra o regime. A bordo do avião estava também Camilo Mortágua.Depois do assassínio do General Humberto Delgado, a 13 de Fevereiro de 1965, os opositores que estavam refugiados no Brasil, decidem voltar para a Europa para continuarem a acção contra o regime a partir do exterior.O Palma e uma meia dúzia que tinham participado no avião vieram para a Europa e diziam que a partir do Brasil não se pode fazer nada, é muito longe estar no Brasil e ter acções em Portugal e vieram-se instalar, sobretudo, em França e na Bélgica.A LUAR nasce quando o opositor Emídio Guerreiro, refugiado em Paris, enviou um comunicado ao jornal francês Le Monde, no qual que a LUAR reivindicava o assalto à agência do Banco de Portugal na Figueira da Foz, em 1967.A LUAR não existe antes do banco da Figueira da Foz. Quem deu o nome à LUAR foi depois do banco da Figueira da Foz e foi o professor Emídio Guerreiro, que estava aqui refugiado há muito tempo, mas que não pertencia à LUAR porque a LUAR não existia. Ele tinha contacto com os membros da LUAR, especialmente com o Palma Inácio e o Camilo Mortágua. Quando ele soube, quer dizer, ele imaginou que quem poderia fazer aquilo só poderia ser o Palma, não é? E então ele inventou – e bem, que é um nome bonito, LUAR - e mandou um comunicado ao Le Monde a dizer que tinha sido a LUAR que tinha feito.Armando Ribeiro participou, depois, na reunião de fundação da LUAR na casa de Emídio Guerreiro, em Paris. Dissensões internas levariam ao afastamento de Emídio Guerreiro, a que não foi alheio o destino do dinheiro da agência do Banco de Portugal da Figueira da Foz que lhe tinha sido entregue. Porém, uma parte significativa dos 29 mil contos era constituída por notas ainda não postas em circulação e só 4,7 mil contos por notas usadas, tendo outra parte sido recuperada pela PIDE com a colaboração de um infiltrado [Ernesto Castelo Branco] e apenas uma pequena parte do dinheiro se poderia cambiar por caminhos travessos.A LUAR foi um marco na história da resistência armada ao regime ditatorial português. E se um punhado de homens e mulheres dedicaram parte da sua vida a organizar acções revolucionárias para derrubar a ditadura, o preço da coragem era, muitas vezes, pago com a prisão, a tortura, o exílio. Armando não chegou a ser preso, mas, quando ia a Portugal, usava uns sapatos com uma serra no interior para poder serrar as grades da cadeia caso lá fosse parar.Sobreviver na clandestinidade implicava fintar as autoridades e isso também passou pela falsificação de passaportes e bilhetes de identidade. Armando foi um dos responsáveis por essa tarefa que passou pelo assalto a consulados de Portugal em Roterdão e no Luxemburgo em Abril e Junho de 1971. O objectivo era obter documentos de identificação, formulários e selos brancos. Na PIDE, ele ficou conhecido como “falsificador”.Em Roterdão, quando a gente lá foi, a gente não sabia que era o dia da rainha da Holanda e o Consulado estava fechado. De maneira que a gente até teve que abrir a porta ilegalmente porque não estava aberto. No Luxemburgo já foi diferente, estava a funcionar. Tomámos o Consulado e trouxemos passaportes que era o que nos fazia falta. Mais tarde, com os meios financeiros que tínhamos, criámos todo um sistema de contrafacção dos documentos. Tínhamos uma panóplia de documentos perfeitamente iguais.Os documentos falsos eram, depois, usados para os combatentes circularem e, sobretudo, como medida de precaução caso fossem controlados pela polícia.Armando Ribeiro conta, ainda, que só houve um caso em que a polícia neutralizou resistentes da LUAR sabendo, de antemão, que eram da organização. Foi depois da “Operação Primavera” [a 30 de Abril de 1969 e que consistiu na sabotagem de pilares de alta-tensão no Porto e numa explosão junto ao Consulado Americano do Porto] que a PIDE estava à espera em Irun e deteve Seruca Salgado, Júlio Alves e José Paulo Lima Matias. Mas a polícia espanhola não autorizou a extradição porque tinha bem presente o assassínio, pela PIDE, do general Humberto Delgado em território espanhol [13 de Fevereiro de 1965].Serviam para a gente, quando estava em Portugal, com vários nomes, se viesse a autoridade pedir, num controle normal - porque é evidente que se já soubessem que a gente era da LUAR não valia de nada. Mas nunca tivemos esse problema porque, contrariamente ao que se diz, nunca ninguém da LUAR foi presa com a PIDE a saber onde a gente estava. Só houve um caso, mas a prisão foi executada em Hendaia, Irun. Estava lá o Sacchetti, que era o diretor PIDE, à espera deles e eles foram presos em Espanha [Seruca Salgado, Júlio Alves e José Paulo Lima Matias]. Eles pensavam que os espanhóis os iam entregar directamente à PIDE, mas os espanhóis nessa altura não autorizaram que a PIDE pegasse neles e os levasse para Portugal porque, entretanto, o General Delgado tinha sido encontrado assassinado em Espanha. Então, eles não entregaram e esses indivíduos ficaram presos em Espanha e depois foram julgados, foram dados como políticos e, portanto, não foram extraditados para Portugal e foram recambiados para a Argélia que os recebeu. “A gente transportou armas sem nunca ter nenhum problema ao longo de 3.000 quilómetros”Poucos meses depois de vários membros da LUAR terem vivido o Maio de 68 em Paris, inclusivamente participando na ocupação da Casa de Portugal na Cidade Universitária, prepararam nova acção revolucionária: a tentativa de tomada da cidade da Covilhã, em Agosto.A Covilhã é um centro de lanifícios, industrial, e a gente ia tomar a rádio e íamos atacar os bancos todos lá, a guarda republicana, a polícia, íamos tomar a cidade e tínhamos uma declaração para fazer na Rádio Covilhã ao país e à Covilhã. E depois íamos evacuar. Não lhe posso dizer o que é que se ia passar porque nunca chegámos a isso porque o Palma, entretanto, foi preso.Ainda assim, Armando Ribeiro nega que a operação tenha sido um fracasso e diz que foi o azar que levou à detenção de Palma Inácio porque a polícia política estava longe de imaginar o que se iria passar.Não foi fracasso nenhum. Houve vezes em que a gente teve sorte, outras vezes teve azar. A intersecção deu-se em Torre de Moncorvo. Eles tinham saído para tomar um café porque não tinham comido há muito tempo. Foram ao café e, depois, o Palma meteu-se no carro em que vinha, o polícia pediu-lhe os documentos e o Palma não tinha a carta de condução. Ameaçou com uma arma e fugiu com o carro e só depois é que o carro foi interceptado. Veio a guarda republicana e pensavam que eram passadores ou contrabandistas.Armando não foi preso porque iria chegar mais tarde à Covilhã. Ele e outros transportavam “todo um armamento do último grito comprado na Checoslováquia”, com o dinheiro dos “confiscos” aos bancos e aos veículos de transporte de fundos.Fomos várias pessoas que conduziram o carro e os detonadores e todo o material bélico que a gente tinha e plástico que é um explosivo altamente sofisticado que ainda hoje se utiliza, que se chama semtex. Arranjámos automóveis com esconderijos especiais para isso e a gente trouxe. A gente não veio directo, mas de Praga a Paris são 1.000 quilómetros, de Paris a Portugal são mais ou 1.700 - 2.000 praticamente, com os caminhos ‘détournés' que a gente fez. Portanto, a gente transportou armas sem nunca ter nenhum problema, nunca foram capturadas ao longo de 3.000 quilómetros. São 3.000 quilómetros, é muita coisa, portanto, estávamos relativamente bem organizados.Depois da tentativa frustrada da tomada da Covilhã e perante a prisão dos companheiros, Armando entra na clandestinidade até à Revolução dos Cravos. Um período em que continuou a acreditar que a LUAR poderia derrubar a ditadura, tanto é que se a tomada da Covilhã tivesse funcionado, o regime poderia ter tremido: “O que se diz é que o Salazar ficou preocupado e que ainda gritou lá com os tipos da PIDE a dizer “O Palma outra vez?! Outra vez o Palma?!” A LUAR quis ser “o detonador da revolução”Na “nova concepção de luta” da LUAR, estava a violência revolucionária e acções armadas contra o regime, também com sabotagem de meios usados na guerra colonial. Porém, era rejeitado o recurso a actos terroristas e o assassínio de pessoas, mesmo se fossem agentes da PIDE. A prová-lo estão alguns episódios que Armando Ribeiro nos conta.Aqui em Paris, havia rapazes que trabalhavam em hotéis e havia um hotel que era o Lisboa que era de um tipo da PIDE. A gente tinha lá um tipo que trabalhava, que era da LUAR, e eles iam lá dormir e ele viu que eram da PIDE, uma brigada, eram três ou quatro da PIDE. Ele telefonou ao Palma a dizer: ‘Estão lá os tipos da PIDE, o que é que a gente faz? Damos-lhes um tiro?' e o Palma: ‘Não vamos dar tiro nenhum. Só nos traz problemas e não vamos resolver problema nenhum.'O mesmo aconteceu com um informador da PIDE no restaurante Ribatejo, mas Hermínio da Palma Inácio rejeitava matar pessoas porque “não se faz a revolução dessa maneira”. Um membro da LUAR chegou a ter à frente um agente da PIDE que tinha torturado barbaramente uma companheira do movimento, mas “não conseguiu disparar”.Na LUAR nunca existiu a coisa dos tiros, da violência pela violência. A gente nunca pôs bombas para matar pessoas.Depois de novas prisões, incluindo mais uma vez do chefe histórico Palma Inácio, foi preciso reafirmar os grandes princípios norteadores da organização. O objectivo era continuar a luta, avançar com acções para alertar a opinião pública nacional e internacional e continuar a publicar o jornal Fronteira, a partir de Paris. Em Janeiro de 1974, a LUAR publica o manifesto “Por uma utilização correcta dos novos métodos de luta, pela Revolução Socialista”, redigido sobretudo por Armando Ribeiro, Fernando Pereira Marques e Rui Pereira. “A gente não queria a ditadura do proletariado, éramos pela democracia directa”, reitera o seu co-autor.No fundo, a LUAR queria ser “o detonador da revolução” em Portugal e a revolução acabou por chegar, mas através do Movimento das Forças Armadas.A gente pensava que íamos conseguir ser o detonador da revolução. Quer dizer, o MFA foi isso. Eles fizeram aquilo que, se calhar, não estavam à espera. Ninguém estava à espera no 1° de Maio que houvesse um milhão de pessoas em Lisboa. O 1° de Maio foi logo a seguir ao 25 de Abril e ninguém estava à espera.O ‘comandante' afirma, mesmo, que “o programa do MFA é uma cópia do primeiro documento que a LUAR mandou para a rua, o documento número 1, com o que a gente queria fazer” e os objectivos eram “democratizar, dar a independência às colónias, acabar com a guerra colonial”.Em Abril de 1973, Hermínio da Palma Inácio e Armando Ribeiro foram à Conferência Internacional de Apoio às Vítimas do Colonialismo, em Oslo, onde se encontraram com Agostinho Neto e Manuel Jorge do MPLA, Marcelino dos Santos, da Frelimo, e os irmãos de Amílcar Cabral que já tinha sido assassinado. A revolta de Armando ainda se lê no rosto e na voz quando diz que a PIDE matou “um dos maiores dirigentes africanos do século 20” e “o maior amigo dos portugueses”. Não o conheceu, mas lembra que “houve malta da LUAR que desertava da Guiné e que o conheciam porque os desertores eram enviados para Argel e Argel é que distribuía e via se eles eram pessoas infiltradas, se eram pessoas que pura e simplesmente não estavam de acordo com a guerra, ou se se tinham lá chateado com os capitães ou com alguns tipos militares, estilo generais do tempo do Spínola e antes do Spínola”.O capitão Ernesto Melo Antunes, membro da direcção do MFA e co-autor do seu programa político, chegou a encontrar-se com Palma Inácio e Armando Ribeiro em Paris.O Melo Antunes veio falar com o Palma e disse: ‘Vocês não façam nada, eu sei que vocês estão equipados, mas vocês não façam nada porque isto agora vai mesmo para a frente'. E o Palma disse: ‘Olha, a primeira vez que eu que eu me meti nisso foi em 1947' [O Palma tomou parte e sabotou os aviões da base de Sintra em 1947] ‘Em 1947, já me vieram com essa conversa, mas está bem. Ficamos assim, vocês façam lá, andem para a frente que a gente apoia-vos'. Que eles fizessem, mas que nós íamos continuar a fazer aquilo que a gente achava porque, desde 1947, ele tinha-se metido nisso e o exército, no último momento, tinha sempre falhado.A Revolução acabou mesmo por ser feita pelo Movimento das Forças Armadas, com o apoio em massa do povo.“Os tanques todos na rua e milhares de portugueses na rua e fez-se uma revolução que é das coisas mais espectaculares que existe na segunda metade do século 20. E o resto é conversa. O 25 de Abril foi uma coisa exemplar”, resume.Depois do 25 de Abril, Armando Ribeiro fez parte da Comissão da Extinção da PIDE-DGS, ao lado, nomeadamente, do companheiro de luta também exilado em Paris Fernando Oneto. Desarmar, tratar dos arquivos e interpelar agentes da PIDE eram algumas das funções. Armando diz que, pessoalmente, só prendeu Silva Pais, que era o director da PIDE/DGS, o agente Domingues que era “o assassino do pintor Dias Coelho que a PIDE tinha morto a tiro” e um português em Paris “que era o Manuel não sei quantos que andava com o “Portugal Livre” e que andava a enganar as pessoas, a dizer que era antifascista e era um tipo que era pago pela PIDE”. Houve, ainda, um agente infiltrado da PIDE na LUAR, Ernesto Castelo Branco, que acabou por ser entregue ao MFA.Quanto aos torcionários das prisões do fascismo, Armando Ribeiro só pode condenar a actuação da justiça portuguesa: “O sistema judicial português, que ainda hoje é aquela miséria que a gente conhece, puseram-nos na rua e os PIDES todos que foram presos, depois fugiram e fizeram 30 por uma linha!”Durante mais de um ano, Portugal viveu e acreditou na sua revolução, com comissões de trabalhadores, associações de moradores, ocupações de terras e de empresas, nacionalizações, etc. Porém, a demissão, em Setembro de 1975, do primeiro-ministro Vasco Gonçalves, Capitão de Abril e rosto do Processo Revolucionário em Curso, anunciava o fim de uma época. Armando Ribeiro percebeu que o ideal revolucionário acabara e decidiu deixar novamente Portugal e instalar-se em França, onde ficou até hoje e onde nos recebe. Meio século depois, avisa: “É no solo podre que nascem os cravos”.

    Mafalda conta nas redes sociais o quotidiano de uma negra em Portugal

    Play Episode Listen Later Mar 11, 2024 14:53


    Mafalda Fernandes criou em 2021 uma conta no Instagram para denunciar e combater o racismo em Portugal, fazendo publicações sobre a discriminação na sua vida, mas também explicando conceitos e lembrando a história dos negros no Mundo. Mais tarde acabou por criar no Porto, a sua cidade natal, a primeira visita-guiada que mostra a história dos negros na Invicta. O combate ao racismo também se faz hoje através das redes sociais. Para denunciar o racismo vigente em Portugal, mas também desconstruir ideologias políticas ou ainda falar de movimentos globais, Mafalda Fernandes, uma jovem do Porto, criou o perfil “Quotidiano de uma negra” no Instragram onde já reúne uma comunidade de mais de 10 mil pessoas."Eu acho que as redes sociais são muito importantes para partilharmos informação credível e informação que dificilmente instituições ou jornais muitas vezes não conseguem partilhar e portanto eu uso muito as minhas redes sociais, mais no sentido de criar consciência nas pessoas do que é que é ser uma vivência em Portugal como pessoa negra", explicou Mafalda Fernandes.Esta jovem activista que nasceu e cresceu no Porto, disse que desde que a extrema-direita começou a ganhar relevância em Portugal, a presença na internet já lhe valeu ameaças de morte."Claro que eu acho que os ataques têm muito a ver com com a nossa exposição, não é? Apesar de tudo, as minhas redes sociais aparecem. Sinto que ultimamente os ataques são mais constantes, não tanto nas redes sociais, mas mais no meu dia a dia. Sinto uma insegurança muito maior na minha vida do que o que sentia no passado, nas redes sociais. No ano passado lembro-me de ter uma situação muito complicada, de uma ameaça de morte a que nunca tinha acontecido, mas aconteceu ali", indicou a jovem.De forma a acabar com a discriminação, segundo Mafalda Fernandes, falta ainda a sociedade portuguesa reconhecer o racismo vigente no país e haver uma maior atenção às necessidades das pessoas racializadas. "Primeiro, nós precisamos reconhecer que Portugal é um país estruturalmente racista para podermos ter qualquer tipo de medidas contra este racismo estrutural, nós temos que o reconhecer, não é? É algo que é muito difícil para muitos partidos de fazer. Depois temos a questão dos números. Nós não sabemos quantas pessoas negras vivem em Portugal e se nós não sabemos quantas pessoas negras vivem em Portugal, fica muito difícil avaliar quais é que são as necessidades deste grupo. Depois temos a questão da violência policial, que é muito pouco falada em Portugal", descreveu a activista.Este activismo nas redes sociais levou-a também a criar a primeira visita-guiada que mostra a história dos negros no Porto, que atrai pessoas vindas um pouco de todo o Mundo, mas especialmente muitos norte-americanos que querem saber mais sobre o tráfico de escravos iniciado por Portugal no século XV. No entanto, para Mafalda Fernandes esta foi uma forma de se aproximar de outras pessoas negras."Esta visita é uma forma de eu me poder aproximar mais a outras pessoas negras aqui na cidade do Porto e perceber também qual é que é a vivência delas. O objectivo principal é que as pessoas que vêm, os meus clientes que aparecem nestas visitas que eu faço possam conhecer diferentes negócios negros aqui no Porto e que possam consumir nos mesmos, para também assim elevar a comunidade através daquilo que possa ser o seu poder económico, que também é algo muito importante numa sociedade capitalista", concluiu.

    Nova Direita de Ossanda Líber quer ser "ponte" entre PSD e Chega

    Play Episode Listen Later Mar 4, 2024 19:05


    Após uma candidatura à Câmara de Lisboa e a deputada, Ossanda Líber ressurge na vida política portuguesa como fundadora do partido Nova Direita que situa entre o PSD e o Chega, defendendo quotas de imigração, mais contrução de casas e maior convicção nos valores ligados à família. Ossanda Liber é a cabeça de lista e fundadora do partido Nova Direita, que no dia 10 de Março concorre às eleições legislativas em Portugal. Em 2021 concorreu à Câmara Municipal de Lisboa com o movimento "Somos Todos Lisboa" e em 2022 voltou à ribalta política ao ser candidata pelo partido Aliança ao Círculo da Europa. Em entrevista à RFI, a partir da sede do Nova Direita no centro de Lisboa, a candidata defende que o seu partido se posiciona politicamente entre o PSD e o Chega, estando disposta a servir de ponte entre estas duas forças para que a direita volte ao poder."Queremos representar uma série de pessoas que como nós tem essa visão de Portugal, dos valores, da família, etnão porque não criar um partido, na medida em que não havia nenhum em nos pudessemos inserir. E é aí que nos encontramos, com um PSD muito virado para a esquerda e um Chega que se torna inaudível, que faz o trabalho de protesto, mas não tem ideias de fundo para a resolução dos problemas", disse a candidata.A Nova Direita quer assim "servir de ponte" à direita do espectro político português, acusando, no entanto, o Chega de não manter uma constância nas suas propostas, nomedamente no que diz respeito à imigração."O André Ventura oscila muito sobre o tema da imigração, chegou a ser muito duro e agora, de repente, perto das eleições, começa a suavizar o discurso. Ele não tem nenhuma solução concreta e nós achamos que é absurdo pensar que a imigração não é necessária, mas não pode ser de qualquer maneira. Precisamos de saber que pessoas são, que lacunas é que vêm preencher aqui? E como vão viver? E como é que o país as vai integrar. É por isso que achamos que é preciso uma selecção", declarou.Uma das suas propostas com mais destaque é a imposição de quotas de imigração em Portugal tendo sobretudo em conta a "pertinência económica" e a "proximidade cultural" dos imigrantes. No entanto, a candidata refuta que estas propostas tenham qualquer carisma racista ou xenófobo."Nós não temos medo de falar de assunto nenhum. [...] Se falar sobre imigração é ser xenófobo, é ridículo. Nós falamos sobre os temas. É muito difícil atribuir-em qualquer caracterísitica xenófoba como é óbvio e eu sinto legitimidad eporque eu própria venho da imigração", indicou.Ossanda Líber diz estar de acordo com a livre circulação na CPLP, mas que esta liberdade não deve servir apenas para facilitar a imigração para Portugal, devendo primeiro aprofundar a "cooperação económica" e as "trocas culturais" entre os países lusófonos.Já para a habitação, um dos temas que mais preocupa os portugueses, em conjunto com um maior conhecimento sobre as casas devolutas que pertencem ao Estado e a revisão das zonas Reserva Ecológica Nacional que não permitem construção, a Nova Direita defende que se criem mais alojamentos."Não há casas? Tem de haver casas. A única lei que vigora  e funciona no mercado imobiliário é a procura e a oferta. Portanto se temos mais procura que oferta, temos que aumentar a oferta. O Estado pode intervir como quiser, mas os proprietários privados se não quiserem pôr as casas no mercado, não põem e não os podemos obrigar", concluiu.

    "Acordos pretendem sinalizar que, para os europeus, a Ucrânia não está sozinha"

    Play Episode Listen Later Feb 15, 2024 8:05


    O Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, e o Presidente francês, Emmanuel Macron, vão assinar um acordo de segurança entre os dois países esta sexta-feira, 16 de Fevereiro, no palácio do Eliseu. Segundo a investigadora de Relações Internacionais do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, Maria Ferreira, "estes acordos pretendem sinalizar que, para os europeus, a Ucrânia não está sozinha". RFI: O acordo surge poucos dias depois das declarações do novo chefe de Estado-Maior das Forças Armadas da Ucrânia que descreve a situação militar da Ucrânia como "extremamente preocupante". Como é que interpreta esta declaração?Maria Ferreira: A Ucrânia está numa situação particularmente sensível devido à falta de artilharia e à falta de munições e às grandes linhas de frente, sobretudo ao nível da defesa aérea. Este acordo, que vai ser assinado entre a França e a Ucrânia, na presença do Presidente Volodymyr Zelensky, segue-se à necessidade que o Presidente ucraniano sente em recentrar a atenção na Ucrânia após, desde Outubro de 2023, depois da atenção mediática se ter-se centrado sobretudo no Médio Oriente. Este acordo cumpre os acordos prévios estabelecidos no contexto do G7 e da Cimeira da NATO, em Julho de 2023.Nessa altura, no verão de 2023, os membros do G7 não se comprometendo com a possível adesão da Ucrânia ao bloco, manifestaram o seu empenho em providenciar segurança à Ucrânia a longo prazo e que, no longo prazo, significa no mínimo de dez anos. Sendo que quer a França, quer o Reino Unido assinaram acordos bilaterais ou prometeram assinar acordos bilaterais com a Ucrânia no sentido de providenciar um pacote de ajuda que, no caso do Reino Unido, foi um pacote de 2,5 bilhões de libras a serem transferidas durante o próximo ano. Este é o maior pacote de ajuda britânica à Ucrânia desde o início da guerra, tratando sobretudo de ajuda militar com mísseis de longo alcance, drones, munições e segurança marítima e algo que para a Ucrânia fundamental, que é a segurança aérea. Estes acordos prevêem o fornecimento de equipamento militar moderno, bem como o treino de efectivos militares ucranianos, o que é particularmente importante numa altura em que se espera que a Rússia, agora com a primavera, desenvolva ofensivas de larga escala no território ucraniano.O Reino Unido foi o primeiro país a chegar a um acordo, durante a visita do primeiro-ministro britânico a Kiev em Janeiro. Até agora, os países da União Europeia não tinham dado esse passo. A França pode fazê-lo. A União Europeia está preocupada com a segurança dos países europeus?A União Europeia está preocupada porque está a chegar à conclusão que, do outro lado do Atlântico, nos Estados Unidos, a tradicional aliança europeia e norte-americana na gestão da segurança europeia que vem de 1949, que é a NATO, pode estar comprometida. A França tem sido um aliado da Ucrânia. Estava, aliás, previsto que Macron visitasse a Ucrânia ainda neste mês de Fevereiro. É muito importante dizer que Rishi Sunak visitou a Ucrânia em Janeiro e foi a sua primeira visita de Estado de 2024, o que é de assinalar. Estes acordos que a Ucrânia está a tentar assegurar assumem especial relevância quando as políticas e o avançar do caminho de Donald Trump para Washington está claramente a ser um entrave no empenho norte-americano em continuar a auxiliar a Ucrânia, tendo Donald Trump inclusive ameaçado a própria existência da Aliança Atlântica e, com as suas declarações, assumido aquilo que pode ser um futuro apoio inequívoco e um pouco paradoxal de Washington sob uma presidência de Trump a Moscovo.Quer a França, quer o Reino Unido têm pressionado os aliados europeus para a manutenção da ajuda à Ucrânia e têm preparado a indústria de defesa europeia para uma espécie de economia de guerra, ou seja, para o prolongamento da guerra. O que também vai, diga-se, aliás, estimular a produção de armamento que a Ucrânia precisa, desesperadamente, para conseguir segurar a sua frente leste. Portanto, estes acordos pretendem sinalizar que, para os europeus, a Ucrânia não está sozinha. E aqui, quando digo para os europeus, estou também a incluir o Reino Unido. Será interessante avaliar a posição britânica, se Donald Trump chegar ao poder. É preciso relembrar que estes acordos, sendo acordos a dez anos, pretendem assegurar a assistência militar à Ucrânia até uma possível adesão da NATO. Portanto, quer a França, quer o Reino Unido estão a pressupor que a Ucrânia não vai aderir à NATO no médio prazo e, portanto, até que a Ucrânia adira à NATO, estes dois países - e possivelmente a Alemanha, também - estão a querer cobrir esse período de transição até uma possível adesão da Ucrânia à NATO, com ajuda militar. A ajuda militar que tem sido prometida pelos países bálticos, que têm sido os grandes apoios de Volodymyr Zelensky.Falta armamento, falta financiamento à Ucrânia. Nos Estados Unidos, os parlamentares não conseguem acordo para prestar apoio à Ucrânia. Falava há pouco das declarações de Donald Trump, que ameaçou os aliados da NATO a não os defender, se for o caso disso, se forem atacados por Vladimir Putin. Existe uma conivência entre a Rússia e Donald Trump. Esta é, a seu ver, uma ameaça que se pode levar a sério ou são afirmações de campanha?Eu penso que é uma ameaça que se tem que levar muito a sério. Aliás, já no primeiro mandato, Donald Trump, o então presidente norte-americano, agitou a bandeira das responsabilidades financeiras dos membros da Aliança Europeus em relação à NATO. Estas acusações são fortemente políticas. Nunca o empenho militar dos membros da NATO, dos membros europeus da NATO foi tão elevado e, portanto, estas afirmações só podem ser interpretadas como a necessidade que Donald Trump sinta de prestar apoio e solidariedade a Vladimir Putin, que é um aliado ideológico de Donald Trump. Isto é preocupante porque está aqui claramente a definir uma aliança de autocracias contra uma aliança das democracias.É por isso que o Reino Unido, neste contexto tem que ser menos atlântico, caso Donald Trump venha a vencer, como se espera, as eleições de Novembro dos 24, e mais europeu do que Donald Trump vai alinhar a política norte americana com as autocracias, com a autocracia russa, nomeadamente. Vai distanciar-se da aliança europeia, vai possivelmente colocar em causa a própria viabilidade da NATO. E isto deve fazer os parceiros europeus acordarem para a necessidade de, autonomamente, repensarem a segurança e a defesa europeias.

    Eleições nos Açores terão leituras nacionais em Portugal

    Play Episode Listen Later Feb 1, 2024 11:13


    O arquipélago português dos Açores tem eleições a 4 de Fevereiro: o primeiro escrutínio legislativo regional antecipado onde todos os cenários políticos parecem muito em aberto. A um mês das eleições legislativas antecipadas, a nível nacional, a votação açoriana será acompanhada de muito perto em Portugal inteiro. O descrédito dos partidos tradicionais, o reforço dos populismos e os jogos de alianças, à esquerda ou à direita, são componentes deste xadrez político. O facto de os Açores terem visto, de forma inédita, o seu Orçamento chumbado veio precipitar a queda da aliança de direita que se tinha constituído em 2020, por o partido socialista ter conseguido, então, apenas uma maioria relativa.O Chega, partido da direita radical, tinha integrado nos Açores uma coligação sob a batuta do Partido social democrata, da direita tradicional, facto inédito em Portugal.As sondagens prevêem resultados muito apertados, para a aliança de direita ou para o partido socialista e apontam para a necessidade de alianças.Numa altura em que a pobreza, a emigração, o abandono escolar fazem parte do dia-a-dia insular.E quando em Portugal, continental e insular, se preparam as eleições legislativas de 10 de Março após a queda do governo socialista, na sequência de casos de justiça envolvendo próximos do primeiro-ministro cessante, António Costa.E num contexto em que no outro arquipélago português, o da Madeira, a crise estar instalada com rusgas da Polícia Judiciária que precipitaram detenções e a queda do presidente do governo regional, da direita, ou do presidente da primeira câmara do território.Que leituras se podem fazer deste panorama ? A RFI falou com Rui Pedro Paiva do jornal Açoriano Oriental.Ouça aqui a entrevista.

    Espectáculo “Bate Fado” liberta o fado dos tempos da ditadura

    Play Episode Listen Later Jan 12, 2024 13:27


    A peça “Bate Fado”, da dupla Jonas & Lander, é apresentada na Maison de la Danse de Lyon, no âmbito do lançamento, em França, das comemorações dos 50 anos da “Revolução dos Cravos”. Em palco, nove intérpretes - entre bailarinos, músicos e um fadista coreógrafo - resgatam a dança que o fado perdeu no século XIX para a devolver ao universo coreográfico do século XXI. Jonas & Lander abanam a catedral do fado conservador e deixam as portas escancaradas a uma festa pagã, onde todos são convidados. RFI: Cinquenta anos depois do 25 de Abril, “Bate Fado” é muito libertador. O que é que representa simbolicamente este espectáculo, quando o fado ficou tão agarrado à imagem da ditadura de "fado, futebol e Fátima"?Lander Patrick: Eu acho que o fado sofreu de uma grande questão que foi ser instrumentalizado pelo regime. Ele tinha uma certa vitalidade que foi transformada para ir de uma maneira mais alinhavada com os ideais ou com o que se tentava perpetuar pelo regime – e por António Ferro que era o principal responsável pela maquinaria cultural e pela propaganda cultural do Salazar. Mas claro que não foi só a partir daí que o fado sofreu alterações. Ele tem vindo a sofrer, mas ficou mais evidente no período em que houve certas características, como ter que se aprovar que letra é que se vai cantar, ter que se cantar de preto, uma série de características que aí ficaram muito vincadas. Mas ele já tinha vindo a sofrer alterações, tanto que a gente deixa de ver registos sobre a dança de fado a partir, mais ou menos de 1910, portanto, muito antes da ditadura. É um período em que estamos ali a entrar na queda da monarquia, gripe espanhola, primeira guerra mundial. Ou seja, se pensarmos que aquilo era uma manifestação praticada nas periferias, em lugares perigosos, uma possibilidade é que simplesmente se tenha dissolvido.Jonas Lopes: Este projecto fez-nos entrar num mundo de danças proibidas e perseguidas pelo sistema, o que acontecia muito recorrentemente nesta época, principalmente com as danças que tinham algum cariz afro e de escravos. No Brasil, ainda há um grupo que dança uma música chamada fado e essa dança é dançada em cruz, com sapateado e palmas, tal como nos registos, para se poder dançar nos dias festivos e nos dias religiosos. Supostamente os tambores também foram proibidos e o sapateado veio marcar o ritmo porque já não estavam de pé descalço, estavam com um tacão. Na ditadura, o que aconteceu foi que eles perceberam que não ia dar para extinguir o fado e realmente instrumentalizaram-no de uma forma muito subtil, como fizeram também com o folclore. Por exemplo, os fadistas e os guitarristas para poderem tocar em público, eles tinham que ter uma carteira de fadista profissional, ou seja, isto já ajudava o regime a ter as rédeas nas coisas porque as letras tinham que ser declaradas ao início da noite; a questão do preto tinha muito que ver com a elegância porque nos bairros problemáticos, onde havia fado, eles não se vestiam de preto, vestiam-se com cores e padrões e patilhas. Na ditadura, o que aconteceu foi mais isto: a instrumentalização do fado e do folclore e teres que ter uma carteira profissional de um júri do Estado que dava as carteiras profissionais. O fado que nos chega hoje é um bocadinho a herança disso.O facto de vocês, de certa forma, devolverem o carácter subversivo ao fado, 50 anos depois do 25 de Abril e cerca de 100 anos depois de ele ter perdido esse carácter festivo, significa também que vocês são, de certa forma, os filhos da “Revolução dos Cravos”?Lander Patrick: Eu acho que todas as pessoas que usufruem da democracia, como a temos agora, são filhos de uma luta, não é?Mas há a liberdade de criar e há a liberdade de ser subversivo e de devolver o lado, se calhar, mais pagão a coisas que até agora eram quase santificadas, como o fado...Jonas Lopes: Exacto e essa pergunta que fazes vem muito de acordo com quando nós estávamos a criar, eu sentia mesmo que estava a criar com outra entidade que não o Lander e que era o fado.  Éramos três na sala e eu acho que todas as músicas que são tão antigas e que representam tantas histórias e tantas vozes e tantas vidas de um local específico, normalmente devem ser mexidas com algum cuidado e respeito - e eu faço isso - mas a arte é o símbolo máximo da liberdade e tudo o que eu faço é numa perspectiva de expansão e de questionamento em relação a isto, a que fado é este.Justamente, que fado é este? De onde é que surge a dança do fado?Lander Patrick: O geógrafo Baldi está a visitar o Brasil, nas primeiras décadas de 1800. Ele está a passar por lá e relata o que está a acontecer ali no Rio de Janeiro. Relata que à noite, nas soirées, as pessoas se encontram e dançam, caranguejo, maxixe, fado. Ele começa a descrever o que é o fado, como é que é a dança, como é que ela se processa. Podemos dizer que o primeiro registo é esse, não podemos dizer que o fado nasceu no Brasil, não sabemos. É uma incógnita e acho que é até bonito não saber. O que é importante saber e o que é importante reivindicar aqui é que várias culturas contribuíram para isto que temos hoje.E a parte da dança?Jonas Lopes: A dança do fado sobreviveu no Brasil, está quase a extinguir-se, mas há um grupo em Quissamã e se puserem fado quissamã no YouTube, por exemplo, encontram coisas deste fado dançado do Brasil. Quem se interessa minimamente por fado, vai logo ler os dois primeiros livros de história do fado, que é "A Triste Canção do Sul" e "História do Fado" e esses dois livros começam a falar do fado pela dança. Há, inclusive, um em que os primeiros capítulos são dedicados à dança. Ao longo desses livros, fala-se com muita naturalidade: “a não sei quantas era muito boa a cantar e a bater o fado...”E a expressão "bater o fado", de onde vem?Jonas Lopes: Da percussão, tem a ver com o bater pé no chão. É uma coisa também muito ancestral ao ser humano e muito ligado ao ritual que o fado também perdeu. Ou seja, este projecto realmente levanta essa questão: o que é que o fado perde ao perder a dança? Primeiro, perdes a percussão porque a dança era um instrumento de percussão. Depois perdes a dança. Numa noite de fados, por exemplo, ter alguém a suar ou que acabou de dançar ou, como temos hoje em dia, toda a gente sentada e estática, isto também cria um ambiente completamente diferente no meio do fado.Entretanto, o bater com o pé no chão é uma coisa muito ancestral e muito ritualística. O que é que se perdeu ao deixar de se bater o pé no chão ao som do fado? A Raquel Tavares, por exemplo, às vezes, a cantar ainda faz muito isso, bater com o pé no chão, a própria Ana Moura, a Lenita Gentil, há muitas fadistas, especialmente as mulheres, que ainda têm essa reminiscência de bater com o pé no chão.Além do fado cantado e do fado batido, vocês fazem sapateado e dança contemporânea. Como é que conseguem cruzar estes dois mundos aparentemente paradoxais da dança e do fado, assim como o mundo conservador e o absolutamente contemporâneo e transgressivo?Lander Patrick: Eu acho que foi através das descrições dos registos históricos que nos permitiram aceder a esta profusão de coisas. Foi a partir daí que nós conseguimos cruzar estes papéis promíscuos de que a pessoa que está a tocar levanta-se e dança, a pessoa que canta pega na guitarra, essa coisa meio obscura de os papéis não serem claros. Então isso ajudou-nos também a configurar o espectáculo nesse sítio meio pantanoso. O Jonas é fadista, mas depois ele está a dançar. Ou seja, os registos também nos ajudaram a desmantelar aquilo que a gente já tem meio que congelado que é o fado.Jonas Lopes: Nós já éramos coreógrafos e criadores antes. Desde 2012, 2011, começámos a trabalhar juntos – a data oficial é 2013, mas nós começámos a trabalhar muito antes de estrear a primeira peça. O “Bate Fado” vem depois do COVID. Ou seja, passou uma década em que nos estavam constantemente a perguntar porque é que nós não juntávamos o mundo contemporâneo ao fado e um projecto com fado porque sabiam que eu também era fadista e que o Lander também era músico. Então, isto era quase inevitável de acontecer. O fio condutor que descobrimos foi o fado batido e o sapateado porque tudo o que vimos de dança com fado achávamos que não tinha relação directa ou que estava meio desconectado.Lander Patrick: Ou então era demasiado directa, ou seja, a dança mimetizava a nostalgia do fado e ajudou-nos ver que as descrições das danças do fado eram um oposto. Então, temos dois pólos de tensão, como tens no samba - tens uma batucada alegre e tens uma letra triste. Isso cria uma densidade enorme. Quando o Jonas estava a perguntar o que é que o fado perde ao perder dança, eu acho que ele perde densidade porque ao puxar os diferentes pólos, como a dança vulcânica com a melancolia que é fortíssima no fado, crias uma profundidade. Isso ajudou-nos muito.O Jonas é também fadista, é bailarino, é coreógrafo e, no fundo, está a devolver a dança ao fado. Inventou, de certa forma, o conceito de fadista coreógrafo? Jonas Lopes: Não, já existia um fadista coreógrafo - pelo menos que eu conheça - e há várias fadistas, por exemplo, que fazem flamenco ou danças de salão. Há muita gente no fado ligada à dança, principalmente as mulheres, e um interesse também muito forte por parte de fadistas e de músicos. Por exemplo, os colegas que estão comigo aqui, fadistas de guitarra, eles já tinham falado comigo, tinham esse interesse na dança, muitos deles vêm das tunas, onde a dança, a música e tocar ao mesmo tempo é uma coisa muito constante, é uma coisa tão presente na nossa cultura. E não, eu não inventei o coreógrafo fadista [risos]. Mas não há muitos, eu só conheço um.“Bate Fado” sobe ao palco da Maison de la Danse, a 11 e 12 de Janeiro de 2024.

    Paris 2024: Como se prepara a cidade para acolher a competição mais seguida do planeta?

    Play Episode Listen Later Jan 1, 2024 19:09


    De 26 de Julho a 8 de Setembro, Paris acolhe a competição mais seguida do planeta. Os jogos Olímpicos e os paralímpicos mobilizam milhões entre atletas, imprensa e público. Neste magazine falamos da grandiosidade desportiva do evento e da forma como Paris se prepara para acolher esta edição dos JO. De 26 de Julho a 8 de Setembro, Paris acolhe a competição mais seguida do planeta. Os jogos Olímpicos e os paralímpicos mobilizam milhões entre atletas, imprensa e público.Um século depois a competição multidesportiva mundial regressa à Cidade Luz. É a terceira vez que Paris recebe o evento. A primeira vez foi em 1900 e a segunda em 1924. Em 100 anos o mundo mudou e os Jogos Olímpicos também. Algumas modalidades foram retiradas do evento e outras acrescentadas ao programa. Paris 2024 conta com 32 modalidades e 329 competições. Neste magazine falamos da grandiosidade desportiva do evento e da forma como Paris se prepara para acolher esta edição dos JO. Marco Martins, especialista em jornalismo desportivo na antena da RFI em português, sublinha que do ponto de vista pessoal, no ângulo do atleta, “ser campeão olímpico é acima de ser campeão do mundo”.Para muitos é o maior evento desportivo do mundo, simplesmente porque é um evento que reúne várias modalidades.Os Jogos Olímpicos são mais abrangentes porque há muitas modalidades diferentes e há modalidades nos dois sexos, masculino e feminino. Ainda por cima, qualquer atleta pode participar, precisa de fazer os mínimos. Do ponto de vista pessoal, para um atleta, ser campeão olímpico é acima de ser campeão do mundo. Os Jogos Olímpicos são todos os 4 anos, o que lhes acrescenta raridade.Além disso, muitos desses atletas não são profissionais, contrariamente aos outros desportos como o futebol americano ou o futebol dito europeu. Ao microfone da RFI, Hermano Sanches Ruivo, vereador da Câmara de Paris, explicou de que forma a capital francesa e arredores se preparam para acolher o evento que, durante cerca de um mês e meio, vai ter de lidar com um fluxo de 15 milhões de adeptos. Estamos a falar, sensivelmente, de um mês e meio. Não podíamos criar transportes para 15 milhões de pessoas que vêm para os Jogos Olímpicos. Temos de pensar como é que nos podemos adequar a um evento mundial como os JO.O principal factor é a paciência, ou seja, fazer com que as pessoas possam escolher saírem mais cedo e esperarem depois no espaço onde vão assistir às provas ou, então, terem que arcar com muito mais tempo de espera em função dos transportes. Na habitação, não vamos construir prédios para apenas resolver esta situação. Nós gostaríamos que houvesse muito mais oferta e, de resto, questionamos muito a política de construção nacional, porque há um défice de oferta para estudantes, seniores ou famílias. Agora, vamos ter que fazer com a “prata da casa”, e essa prata é consequente. Claramente, vamos viver uma situação de grande densidade, acrescida de algumas decisões nossas: pela primeira vez da história dos Jogos Olímpicos, a cerimónia de abertura será fora de um recinto, de um estádio.Portanto, são escolhas e os Jogos Olímpicos dão “muito jeito” a quem vai poder participar e ver as provas, mas também dão, obviamente, alguns transtornos a quem vive na zona onde acontecem os Jogos Olímpicos.Para que nada falte para acolher estes Jogos Olímpicos de Paris 2024, na construção e renovação das diferentes infra-estruturas que vão servir de vitrine para o evento, trabalham migrantes, muitos ilegais, segundo algumas ong's.Pedro Viana, membro do conselho de redacção da revista "Migrations et Société", denuncia o recurso já recorrente a esta “mão-de-obra descartável”.Isto não é uma novidade. Essas grandes realizações de construções urbanas, todo o sistema do sector da construção, é baseado nisto, porque é uma mão-de-obra mais barata, explorada, que vai trabalhar horas e horas durante o dia, o que seria proibido pelo código de trabalho.Todas essas obras, sem a mão-de-obra estrangeira, não seriam realizadas. E se fossem realizadas com mão-de-obra nacional ou estrangeira, declarada e protegida, o custo seria muito maior.Vai-lhes acontecer o que sempre aconteceu, quando já não servirem para nada, vão embora. É o que as associações que defendem os estrangeiros chamam da imigração descartável.De 26 de Julho a 8 de Setembro, Paris acolhe a competição mais seguida do planeta, os Jogos Olímpicos e Paralímpicos mobilizam milhões de atletas, imprensa e público. A cidade luz espera receber mais de 15 milhões de turistas ligados a este evento.

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